Tuberculose e Enteroparasitoses: um relato de caso

Propaganda
Rev Panam Infectol 2016;18(1):59-62
RELATO DE CASO / CASE REPORT
Tuberculose e Enteroparasitoses: um relato de caso
Tuberculosis and Enteroparasitosist: a case report
Murilo Soares Costa¹
Rev Panam Infectol. 2016;18(1):59-62
ISSN 1679-7140
ISSN 1807-3352 on line
Recebido em 15/1/2016
Aprovado em 15/10/2018
RESUMO
As enteroparasitoses interferem no estado nutricional e imunológico,
favorecendo ocorrência de infecções secundárias, como do
Mycobacterium tuberculosis. Este estudo relata o caso de uma
paciente que apresentou Entamoeba histolytica/E. dispar, Ascaris
lumbricoides e tuberculose. Foi acompanhada por exames de rotina,
histórico e exame físico. Paciente feminina, 46 anos, queixava-se de
dor na garganta e emagrecimento, apresentou negativo para VDRL e
HIV I e II e anátomo-patológico da lesão de amígdala e hipofaringe
com inflamação crônica granulomatosa tuberculoíde. Após o início
do tratamento relatou constipação, dores abdominais, náuseas.
Foi encaminhada para referência estadual sendo medicada com
metronidazol, encerrou com alta por cura.
Palavras-chave: Enteroparasitas; Tuberculose; Co-infecção.
ABSTRACT
The intestinal parasites interfere in nutritional and immune status,
causing secondary infections, such as Mycobacterium tuberculosis.
This case report of a patient who presented Entamoeba histolytica/E.
dispar, Ascaris lumbricoides and tuberculosis. It was accompanied
by routine screening, history and physical examination. Female
patient, 46 year old, complained of “pain in the neck” and weight
loss, showed negative for VDRL and HIV 1 and 2, clinical pathology
of the amygdala and hypopharynx injury with chronic granulomatous
inflammation tuberculoïde. After the start of treatment reported
constipation, abdominal pain, nausea. She was referred to state
reference being treated with metronidazole, closed with high cure.
¹Faculdade Vale do Cricaré, São Mateus/ES, Brasil
Keywords: Enteroparasites; Tuberculosis; Coinfection.
59
API 18_1.indd 59
19/10/16 14:55
Costa MS • Tuberculose e enteroparasitoses
http: www.revistaapi.com
INTRODUÇÃO
A doença causada pelo Mycobacterium tuberculosis
é uma pandemia de importância para saúde pública,
sendo estimado que um terço da população mundial
esteja infectada(1). Neste parâmetro, o Brasil está
entre os 22 países prioritários com altos índices e
maior necessidade para o combate, controle e futura
erradicação da tuberculose (TB)(2). Entre as unidades
federativas, tem-se o destaque para dois estados da
região sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro têm o maior
número de casos absolutos e maior coeficiente de
incidência, respectivamente(3), entretanto, o estado
do Espírito Santo (ES) tem 08 municípios prioritários
no que se refere a esta moléstia, sendo São Mateus
(-18°42’58’’S, -39°51’32’’W)(4), localizado no norte
do estado, é um dos 315 municípios brasileiros
que compreendem 70% dos casos em território
nacional(4-5).
A transição entre o período de incubação
para a doença clínica da TB ocorre quando há
imunossupressão(6), este fato pode ocorrer por diversos
fatores, dentre eles está à infecção por parasitos,
que afeta o estado nutricional levando à alteração
do sistema imunológico e favorecendo infecções
secundárias bacterianas(7). Neste relato de caso,
ocorrido em São Mateus/ES, a paciente foi infectada
por M. tuberculosis, Entamoeba histolytica/E. díspar
e Ascaris lumbricoides.
RELATO DO CASO
Paciente feminina com 46 anos de idade, servente
de uma Unidade Básica de Saúde em São Mateus,
estado do Espírito Santo, Brasil, por mais de dez
anos. A queixa clínica inicial foi emagrecimento e
lesão ulcerada na amígdala e hipofaringe, hipótese
diagnóstica inicial foram tumor ou processo
inflamatório crônico.
O laudo anátomo-patológico de espécime foi obtido
por biopsia, por meio de fragmentos por microscopia
de vários blocos de parafina: 01 (inclusão total), com
coloração de hematoxilina/eosina, Wade e Grocott;
tendo o laudo macroscópico o número de cinco
fragmentos com dimensão de 19x7x5mm, de forma
irregular, de cor parda e consistência firme e elástica,
não havendo particularidades. Já o laudo microscópico
apresentou através de cortes histológicos de mucosa
escamosa, o tecido linfoide associado à mucosa e
glândulas salivares menores com uma inflamação
crônica granulomatosa tuberculóide, sendo esta a
impressão diagnóstica. Focos discretos de necrose
não observando fungos. Sugeriu-se realização de
cultura.
Como medida inicial padronizada, foi realizada
baciloscopia de escarro, com resultado positivo para
as duas amostras colhidas em dias alternados, sendo
notificada como caso novo, com a forma clínica de
tuberculose pulmonar e extrapulmonar laríngea. Os
testes de HIV1 e HIV2 apresentaram não reagentes e
VDRL não reagente.
Após o início do tratamento com o esquema
básico da TB com rifanpicina, isoniazida, etambutol
e pirazinamida em novembro de 2013, foram
solicitados exames de rotina, apresentando no
material sangue, hemácias: 3,80 milhões/mm³;
hemoglobina: 10,5 g/dL; hematócrito: 32,3%;
VCM: 85,0 µ³; HCM: 27,6 pg; CHCM: 32,5 g/dL;
global de leucócitos: 10.400/mm³; 0% de blastos,
promielócitos, mielócitos, metamielócitos e linfócitos
atípicos; 02% de bastonetes; segmentados: 64%;
eosinófilos: 07%; linfócitos: 23%; monócitos: 04%;
contagem das plaquetas: 443.000/mm³; dosagem
de creatinina pelo método de Jaffet Cinético: 0,70
mg/dL; dosagem de fosfatase alcalina pelo método
Cinético: 103,0 U/L; Transaminase Glutâmica
Oxalacética (TGO) pelo método Cinético Otimizado:
52 U/L; Transaminase Glutâmica Piruvica (TGP) pelo
métodos Cinético Otimizado: 43 U/L; dosagem de
ureia pelo método Berthelo Modificado: 27 mg/dL;
através do método de Colorimétrico a bilirrubina total
apresentou: 0,9 mg/dL; bilirrubina direta: 0,3 mg/dL;
bilirrubina indireta: 0,6 mg/dL.
Analisando-se a urina, o aspecto foi límpido,
de cor amarelo citrino; reação pH: 6,5; densidade:
1015; sem presença de elementos anormais; na
sedimentoscopia apresentou 06 células epiteliais por
campo; 01 hemácias; 05 leucócitos por campo; flora
moderada; muco +; ausente para cilindros e cristais.
O exame parasitológico de fezes (EPF) realizado
pelos métodos de Faust, Ritchie, Bermann e Hoffman
apresentaram para protozoários: cistos de Entamoeba
histolytica/E. dispar; e para helmintos: ovos de
Ascaris lumbricoides.
Após uma semana de tratamento, a paciente
obteve cinco quilos de massa corporal, porém relatava
náuseas, algia abdominal, constipação e indisposição.
Foram solicitados exames complementares devido
a leve anemia, apresentando ferro sérico por meio
do método de colorimétrico: 22,0 µg/dL; proteína
C reativa através do método de imunoturbidimetria:
173,8 mg/L e velocidade de hemossedimentação
(VHS) pelo método de Westergren: 84 mm/h.
Devido à persistência do mal-estar geral e o EPF
positivo, a paciente foi encaminhada para referência
estadual, onde foram prescritas quatro ampolas de
Noripurum®, 02 comprimidos de ácido fólico durante
15 dias e metronidazol 400 mg, dois comprimentos
de 12 em 12 horas no total de dez comprimidos; foi
60
API 18_1.indd 60
19/10/16 14:55
Rev Panam Infectol 2016;18(1):59-62
interrompido o tratamento de TB devido os princípios
ativos dos medicamentos se confrontarem e não ter
uma real melhora do quadro clínico.
Durante o tratamento, a paciente realizou uma
cirurgia de aderência nos intestinos, após biopsia foi
detectado que não estava relacionado à TB. As seis
basiloscopias mensais deram negativas, a situação
do nono mês foi negativa, não houve registro de
comunicantes, nem de agravos associados, e encerrou
o tratamento com a cura em junho de 2014.
CONCLUSÃO
A ocorrência de enteroparasitoses em mulheres
de 41-50 anos é aproximadamente de 3,9%(8);
já em relação à infecção de TB, a mesma está
relacionada às moléstias ocupacionais relacionadas
aos riscos biológicos, químicos e ambientais expostos
diariamente, como um trabalho em uma unidade
de saúde, sem a utilização rigorosa dos protocolos
de biossegurança, favorecendo o surgimento de
TB em pessoas que trabalham na área da saúde(9).
Sugere-se que houve primeiro uma infeção por TB,
tornando-se ILTB e após a infecção pelos parasitas
levou a imunossupressão do organismo e favoreceu a
ocorrência da doença.
Um estudo realizado em uma aldeia de índios da
região amazônica brasileira mostrou que a tuberculose
e as parasitoses intestinais são condições frequentes,
sendo encontrado Entamoeba histolytica⁄dispar
em 35,4%, seguido de Ascaris lumbricoides com
19,3%(10). Outra pesquisa realizada no Rio de
Janeiro mostra que, dos 327 casos analisados
com tuberculose, sendo 38,2% do sexo feminino,
33,9% acima de 46 anos, 19,6% apresentaram
enteroparasitas, tendo sido encontrado 3,0% de E.
histolytica, e somente sete casos de poliparasitismo.
Este estudo também destaca a importância do
tratamento de parasitas, em especial helmintos,
antes do início do tratamento bacteriano (11).
A infecção por helmintos pode ser um dos
factores de risco para o desenvolvimento de TB.
Esta informação pode sugerir o controle simultâneo
do tratamento de helmintos e investigação de
infecção latente de tuberculose (ILTB) e realização
de quimioprofilaxia(12-14). Além do fator de risco, a
infecção por parasitas e TB sugere-se a alteração em
alguns níveis séricos(3,11).
Este caso mostra as possíveis complicações
severas do tratamento de TB devido à co-infecções
não HIV, embora não seja comum, mas existem
casos entre enteroparasitas e TB, necessitando de
monitoramento e tratamento adequado antes ou
concomitante ao tratamento da micobactéria. Desta
forma, os profissionais devem estar cientes de tais
sintomatologias e comorbidades, visto que o Brasil
está entre os países prioritários no combate a TB e
altas taxas de infecção por parasitas intestinais que
podem causar complicações severas se não tratadas
adequadamente e/ou tempo hábil.
REFERÊNCIAS
1. World Health Organization (WHO). Global
Tuberculosis Control: Surveillance, Planning,
Financing. WHO Report. Available at: http://
www.who.int/gtb/publications. Accessed 26
September 2015.
2. World Health Organization (WHO) Global
tuberculosis control: epidemiology, strategy,
financing. Geneva, 2009.
3. Brasil, Ministério da Saúde. Manual de
recomendações para o controle da tuberculose
no Brasil, Brasília: Ministério da Saúde, 2011.
4. Oliveira HL. São Mateus: Aspectos Gerais. Vitória: Copisol; 1992.
5. Moreira CMN, Maciel ELN. Completeness of
tuberculosis control program records in the case
registry database of the state of Espírito Santo,
Brazil: analysis of the 2001-2005 period. J Bras
Pneumol, 34(4):225-9, 2008.
6. Ducati RG, Ruffino-Netto A, Basso LA, Santos
DS. The resumption of consumption. A review on
tuberculosis. Mem Inst Oswaldo Cruz 2006; Rio
de Janeiro. November Vol. 101(7): 697-714.
7. Wady MTB, Linhares-Carvalho MI, Salles-Costa
R, Valle J, Castello-Branco LRR. Investigação
dos aspectos nutricionais em homens abrigados
em uma instituição filantrópica envolvida em
surto de tuberculose. Bol.Pneumol Sanit 2004;
12(1):11-16.
8. Costa ACN, Borges BC, Costa AV, Ramos
MF, Gomes JM, Gomes JM, Bueno H;
Faria TA. Levantamento de acometidos por
enteroparasitoses de acordo com a idade e sexo e
sua relação com o meio onde está inserido o PSF
Prado da cidade de Paracatu-MG. Revista de
Patologia Tropical. v.41 (2):203-14. 2012.
9. Silva FHAL, Navarro MBMA. Biossegurança e
prevenção da tuberculose: a importância da
qualidade do ar no interior dos serviços de
saúde. Revista de Patologia Tropical.2013;v.
42(2):133-46.
10.Bóia MN, Carvalho-Costa FA, Sodré FC, PorrasPedroza BE, Faria EC, Magalhães GAP, Silva
IM. Tuberculose e parasitismo intestinal em
populações indígenas na Amazônia brasileira.
Revista de Saúde Pública. 2009; v.43(1):176-8.
61
API 18_1.indd 61
19/10/16 14:55
Costa MS • Tuberculose e enteroparasitoses
http: www.revistaapi.com
11.Neto LMS, Oliveira RVC, Totino PR, Sant’Anna
FM, Coelho VO, Rolla VC, Zanini GM.
Enteroparasitosis prevalence and parasitism
influence in clinical outcomes of tuberculosis
patients with or without HIV co-infection in a
reference hospital in Rio de Janeiro (20002006). Brazilian Journal of Infectious Diseases.
2009;13(6) 427-32.
12.Elias D, Mengistu G, Akuffo H, Britton S. Are
intestinal helminths risk factors for developing
active tuberculosis? Tropical Medicine &
International Health.2006;v.11(4):551–8.
13.Albanese SPR, Costa AANF, Pierri FM, Alves E,
Santos DT, Kerbauy G, Arcêncio RA, Dessunti
EM. Prevalence and evolution of Mycobacterium
tuberculosis infection in tuberculosis case
contacts. Revista da Sociedade Brasileira de
Medicina Tropical. 2015;v.48(3):307-13.
14.Daher A, Pitta L, Santos T, Barreira D, Pinto
D. Using a single tablet daily to treat latent
tuberculosis infection in Brazil: bioequivalence
of two different isoniazid formulations (300 mg
and 100 mg) demonstrated by a sensitive and
rapid high-performance liquid chromatographytandem mass spectrometry method in a
randomised, crossover study. Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz. 2015;v.110(4):543-50.
Correspondência:
Murilo Soares Costa
Faculdade Vale do Cricaré, São Mateus/ES, Brasil
e-mail: [email protected]
62
API 18_1.indd 62
19/10/16 14:55
Download