ÁGORA – Revista Eletrônica, nº 11 / Dezembro de 2010. ISSN 1809 4589 Página 48 - 50 DIFERENÇA DE GÊNERO: DETERMINAÇÃO BIOLÓGICA OU DESEJO SOCIAL? Daniela de Melo Freitas1 Resumo Baseado na entrevista de Susan Pinker à Folha de São Paulo de 21/03/10, a proposta de discussão deste trabalho é compreender as justificativas e as intenções de se atribuir às mulheres papéis e identidades que determinam sua posição dentro do complexo social. Susan Pinker, psicóloga evolutiva, professora na Universidade McGill, de Montreal e autora do livro “O Paradoxo Sexual”, relata em entrevista à Folha de São Paulo, datada de 21/03/10, sua análise sobre diferenças naturais e biológicas que distinguem as mulheres dos homens e que, segundo ela, deveriam ser reconhecidas pelas mulheres para sua satisfação pessoal e profissional. Pinker afirma ainda que mulheres não querem só trabalho e ascensão, têm medo de reconhecer diferenças naturais entre elas e os homens (por causa do passado discriminatório) e analisa que, “a maioria das mulheres gosta de trabalhos como assistência social, pedagogia, profissões da área de saúde...”. De acordo com ela, por serem profissões menos remuneradas do que outras “tipicamente” masculinas, a luta feminina deve ser por uma melhor remuneração dessas profissões. Tendo em vista esta sucinta resenha das afirmações da entrevistada, começo a tecer minhas considerações. Primeiramente, podemos adentrar a questão através do título da reportagem: “Mulher é mais feliz quando reconhece diferenças de gênero”. Para Anthony Giddens, sociólogo britânico autor do livro “Sociologia”, gênero “...diz respeito às diferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres. O gênero está ligado a noções socialmente construídas de masculinidade e feminilidade.” Dessa maneira, de acordo com o desejo social são atribuídos aos homens e às mulheres diferentes papéis e identidades e,...os papéis dos homens são, em geral, muito mais valorizados e recompensados que os papéis das mulheres...(GIDDENS, 1991, p.107). Esse arranjo hierárquico é a chamada estratificação social e determina as divisões de poder e riqueza dentro do complexo social. Destarte, uma coisa é compreender que há desigualdade de oportunidades, de tarefas, de poder, de prestígio dentro de uma clara divisão de trabalho entre os sexos. Essa compreensão pode subsidiar questionamentos quanto ao acesso da mulher ao dinheiro, ao poder, ao tempo, ao lazer por exemplo. Será 1 Estudante do 8º período de Serviço Social – PUC Minas. _______________________________________________________________________________________________________________ www.agora.ceedo.com.br [email protected] Cerro Grande – RS Os textos, opiniões, dados, análises e interpretações, bem como citações, plágios e incorreções, são de responsabilidades legais, morais e econômicas ou outras quaisquer, do/a(s) seu/sua(s) autor/a(es). ÁGORA – Revista Eletrônica, nº 11 / Dezembro de 2010. ISSN 1809 4589 Página 48 - 50 que ele é igualitário? Questionar se as opções existem e se são similares e se a valorização ocorre de maneira imparcial no que se refere às atividades desempenhadas por ambos. Porém, ao afirmar que reconhecer diferenças de gênero faz a mulher mais feliz legitima diferenças como positivas já sabendo que são tendenciosamente construídas. Giddens (1991) alerta que, apesar dos avanços que as mulheres fizeram em muitos países, as diferenças de gêneros continuam servindo de fundamento para as desigualdades sociais. Segundo Susan Pinker, das mulheres norte-americanas e européias, por exemplo, 89% aceitam trabalhos em meio período porque sobra tempo para os filhos e para outras atividades de seu interesse. Isso porque, segundo a autora, as mulheres são menos competitivas do que os homens, não vivem apenas para o trabalho e o que o acompanha (salário e promoções). Para ela, a maioria das mulheres gosta de trabalhos como assistência social, pedagogia, profissões da área de saúde. E, diante da má remuneração que essas áreas proporcionam, as mulheres tendem a assumir cargos e trabalhos nos quais boa parte não será feliz, tais como os de chefia em áreas das ciências exatas. Para fundamentar a afirmação epigrafada, Susan Pinker afirma que existem diferenças biológicas naturais entre homens e mulheres que justificam esses comportamentos. Contudo, alguns pesquisadores discordam desse argumento ao afirmarem que, como exemplo, o nível de agressividade do sexo masculino varia bastante entre diferentes culturas, e das mulheres se espera que sejam mais passivas ou gentis em algumas culturas do que em outras (Ekshtain, 1987). Além disso, acrescentam, “se um traço é mais ou menos universal, não se segue que seja de origem biológica; talvez existam fatores culturais de tipo genérico que produzam tais características” (GIDDENS, 1991, p.103). Desse modo, há sociólogos que alegam que deveríamos ver sexo e gênero ambos como produtos socialmente construídos ao invés de considerarmos o primeiro biologicamente determinado e apenas o segundo culturalmente apreendido. Os teóricos que acreditam na construção social do sexo e do gênero rejeitam qualquer base biológica para as diferenças de gênero. “As identidades de gênero surgem, alegam, em relação às diferenças sexuais percebidas na sociedade, ajudando a moldar, por sua vez, essas diferenças.” (GIDDENS, 1991, p.106). Para exemplificar, afirmam que em sociedades onde a masculinidade seja caracterizada pela força física e por atitudes de “firmeza”, provavelmente os homens cultivarão o corpo e um conjunto de gestos favoráveis à essa idealização. Portanto, não podemos incorrer ao erro de assumirmos uma postura funcionalista que justifica, por exemplo, a distribuição de tarefas entre homens e mulheres de acordo com as supostas distinções biológicas aos quais estariam eles mais bem adaptados. Concordo que não há uma programação biológica que justifique afirmar que “nascemos para cuidar, para educar, para proteger” e por isso seremos mais felizes se _______________________________________________________________________________________________________________ www.agora.ceedo.com.br [email protected] Cerro Grande – RS Os textos, opiniões, dados, análises e interpretações, bem como citações, plágios e incorreções, são de responsabilidades legais, morais e econômicas ou outras quaisquer, do/a(s) seu/sua(s) autor/a(es). ÁGORA – Revista Eletrônica, nº 11 / Dezembro de 2010. ISSN 1809 4589 Página 48 - 50 sintonizarmos nossa vida de acordo com essa programação. Não dá para lutar por condições iguais a partir da adesão à idéia de que supostas diferenças biológicas seriam responsáveis por sentimentos, comportamentos e atribuições que são culturalmente adquiridos. Contudo, se somos socializados em funções de acordo com o que é esperado de nós, podemos aderir ou não àquela identidade, àquele papel social. Exemplo é a questão da maternidade. Grande parte das pessoas acredita que toda mulher, principalmente após o casamento, deve experimentar o “ser mãe”. Biologicamente falando, de fato a maternidade é possível de ser exercida pela maioria das mulheres, contudo, há uma dicotomia entre gerar um filho e amá-lo. Essa questão é afetiva, é chamada de maternagem. O desenvolvimento da capacidade de amar, de dar atenção e os cuidados necessários àquela nova vida pode acontecer ou não. Portanto, uma das exigências relativas ao papel social da mulher numa relação conjugal, a maternidade, também é decorrente de uma idéia “pré-determinada”. A educadora Esther Pillar Grossi, afirma que muitas mulheres, quando se aventuram pelo mundo do trabalho culpam-se por não participarem dos cuidados com os filhos e, por causa disso, muitas deixam de praticar sua potencialidade por estarem descumprindo o que consideram como sua principal atribuição. Importante encerrar esta pequena explanação com uma valiosa contribuição de Verena Stolcke, professora de antropologia social da Universidade Autônoma de Barcelona/Espanha e Doutora pela Universidade de Oxford. Ela nos alerta que naturalizar condições naturais e diferenças biológicas entre os seres humanos é a resposta ideológica encontrada para naturalizar também as desigualdades sociais. Referências Bibliográficas GIDDENS, Anthony. Sociologia. Fundação Calouste Gulbenkian, 1991. II Plano Nacional de Políticas para Mulheres; Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Brasília, 2008. CARLOTO, Cássia Maria. O conceito de gênero e sua importância para análise das relações sociais. http://observatoriodamulher.org.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=64&Itemid=148. Disponível em 21/05/2010. PINHEIRO, Luana...[et al.]. Retrato das Desigualdades de gênero e raça. – 3. ed. Brasília: Ipea: SPM: UNIFEM, 2008. 36 p. : gráfs., tabs. _______________________________________________________________________________________________________________ www.agora.ceedo.com.br [email protected] Cerro Grande – RS Os textos, opiniões, dados, análises e interpretações, bem como citações, plágios e incorreções, são de responsabilidades legais, morais e econômicas ou outras quaisquer, do/a(s) seu/sua(s) autor/a(es).