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Sustos encomendados
O fim de ano pode ser próspero, em sustos. Após vários meses de alívio, a aparente calma na
economia global será testada. Depois das eleições americanas de hoje, estaremos
caminhando nos EUA para o abismo fiscal e o teto da dívida, a menos que haja um acordo
rápido entre democratas e republicanos (não parece). Na Europa, dúvidas sobre o fim do euro
podem voltar, se a Espanha continuar evitando pedir auxílio, impedindo o Banco Central
Europeu (BCE) de intervir comprando os títulos “tóxicos” soberanos, ou se a Grécia não
conseguir renovar o seu programa de ajuste.
A saga continua na economia mundial. Desde a crise de 2007/8, a necessidade de ajuste
fiscal ronda os países desenvolvidos. Ajustes difíceis, muitas vezes recessivos, são as opções
disponíveis. Políticos tentam evitar o inevitável. Eleitores trocam ou não de líderes, mas a
dura realidade permanece.
Nos EUA, diversos incentivos fiscais do passado – cortes de impostos, benefícios de bemestar social – terminam até 31 de dezembro deste ano. E novos cortes de gastos serão
ativados automaticamente no ano que vem se não houver acordo político. Juntos, esses
ajustes fiscais equivalem a um impacto de 3,7% do PIB e têm potencial de provocar uma
recessão nos EUA e no mundo, por consequência. Se houver um bom acordo e apenas um
terço das medidas não forem renovadas (com contração fiscal equivalente a 1,2% do PIB),
estimamos que o crescimento do PIB nos EUA caia para 1,8% (sem contar o impacto do
furacão Sandy, que pode alterar essa previsão). No pior caso, se todo o abismo fiscal se
materializar, os EUA podem voltar à recessão, com o PIB se contraindo 0,3% no ano que
vem.
O ideal é fazer o ajuste fiscal para reduzir o déficit nos EUA ao longo da(s) próxima(s)
década(s). Parte desses estímulos deve de fato ser prorrogada. Mas republicanos e
democratas têm programas fiscais diferentes e pouco incentivo para ceder rápido. Há sinais
de que os democratas vão querer endurecer na negociação, prevendo que a culpa do
impasse recaia sobre os republicanos, que serão forçados a aceitar um ajuste baseado em
mais impostos e menos cortes de gastos.
Vários estimam que as negociações após as eleições se arrastem pelo menos até fevereiro
ou março do ano que vem. É quando outra negociação deve precisar ocorrer: o aumento do
limite do teto da dívida americana. Sem o aumento, o Tesouro americano não poderá emitir
títulos e será forçado a parar de gastar, paralisando o governo. Paul Krugman, prêmio Nobel
de Economia e colunista do The New York Times (NYT), considerado democrata “de
carteirinha”, acha que endurecer a negociação é a estratégia ideal para os democratas: afinal,
o abismo fiscal é apenas um “declive fiscal”, dá para aguentar. Para o resto de nós, é bom ter
em mente que quanto mais longo o impasse, maior será o susto para a economia global neste
fim de ano.
Na Europa, quando há um tempo a gastar, ele é totalmente utilizado. Os políticos europeus
parecem sempre reagir à piora, dificilmente antecipando-se a ela. Este tem sido o padrão
usual nesta crise, que novamente se repete: sem piora, a Espanha prefere esperar, enquanto
os líderes europeus progridem pouco em direção à maior integração financeira e fiscal.
Aparentemente, a Espanha só pedirá assistência do fundo de crise, conhecido como
Mecanismo de Estabilização Europeu (ESM, na sigla em inglês), se o preço dos seus títulos
voltar a cair muito e a dificuldade de emitir títulos retornar. Sem a ajuda do ESM, o Banco
Central Europeu não poderá comprar títulos espanhóis (por meio do programa de Transações
Monetárias Diretas – OMT, na sigla em inglês, já anunciado).
Em termos de integração, os líderes progrediram pouco na última cúpula da União Europeia.
Eles concordaram num calendário que avança a união bancária na zona do euro, mas
recuaram no compromisso de recapitalização direta dos bancos, que agora só vale para
problemas bancários futuros, deixando todo o legado passado a continuar sendo um entrave.
Na Grécia, a situação permanece delicada. Credores oficiais aceitam que o país precisa de
mais tempo para se ajustar. No entanto, a dívida grega outra vez se tornou claramente
insustentável. O Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece isso e pressiona governos a
aceitarem alguma forma de redução da dívida. Mas autoridades europeias consideram isso
politicamente inaceitável, pelo menos por enquanto.
A relutância da Espanha em pedir ajuda, o suspense na Grécia e a dificuldade de avançar
para maior integração na região do euro criam incertezas e pioram a perspectiva para a
economia. Essa situação pode gerar um susto no mercado no fim do ano.
Para o Brasil, é preferível um fim de ano sem sustos globais. Afinal, o ritmo da retomada da
economia brasileira ainda é incerto. Após um terceiro trimestre mais forte (crescimento
anualizado em torno de 4,5%), há dúvidas sobre o ritmo de crescimento neste último trimestre
do ano. Os estímulos do governo contribuíram para a retomada, mas é necessário que o seu
impacto se difunda pelo resto da economia. Em última instância, a retomada sustentável vai
depender do comportamento do investimento, que decresceu nos últimos trimestres e ainda
não mostra sinais de recuperação, apesar de certa melhora na confiança do empresário. O
ritmo de crescimento mais forte neste fim de ano será essencial para ajudar a manter a
confiança em alta e a retomada da economia em 2013.
Seria ótimo um fim de ano sem maiores turbulências, dando sequência aos meses de relativa
calmaria no mundo. Prever isso me daria tranquilidade. Mas não há como ignorar que, diante
de opções ruins e negociações muito difíceis, os líderes na Europa e nos EUA venham a usar
um pouco além do tempo que têm disponível. Para o resto de nós, esse tempo extra poderá
significar novos sustos globais no fim deste ano.
Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA.
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