- ABRAPEE

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ISSN 1413-8557
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE)
Volume 9 Número 2 Julho/Dezembro 2005
ABRAPEE
CONSELHO EDITORIAL
Editora: Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly / Editora Adjunta: Marilene Proença Rebello de Souza
CORPO EDITORIAL
Acácia Aparecida Angeli dos Santos
Alessandra Gotuzzo Seabra Capovilla
Ana Paula Porto Noronha
Célia Vectore
Cristina Maria Carvalho Delou
Denise de Souza Fleith
Elenita de Rício Tanamachi
Elisabeth Brunini Sbardellini
Eunice M. L. Soriano de Alencar
Evely Boruchovitch
Fermino Fernandes Sisto
Geraldina Porto Witter
Gerardo Prieto
Hermínia Vicentelli de Castillo
José Aloyseo Bzuneck
José Fernando B. Lomônaco
Josiane Maria de Freitas Tonelotto
Leandro Almeida
Lino de Macedo
Maria Helena Novaes
Maria Lúcia Boarini
Maria Júlia Ribeiro
Mercedes Villa Cupollillo
Nádia Maria Dourado da Rocha
Silvia Koller
Silvia Maria Cintra da Silva
Solange Muglia Wechsler
Thomas Oakland
Universidade São Francisco
Universidade São Francisco
Universidade São Francisco
Universidade Federal de Uberlândia
Universidade Federal Fluminense
Universidade de Brasília
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Universidade Tuiuti do Paraná
Universidade Católica de Brasília
Universidade Estadual de Campinas
Universidade São Francisco
Universidade Mogi das Cruzes
Universidad de Salamanca
Universidad Pedagógica Experimental Libertador
Universidade Estadual de Londrina
Universidade de São Paulo
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Universidade do Minho
Universidade de São Paulo
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Universidade Estadual de Maringá
Universidade de Taubaté
Universidade Católica de Goiás
Faculdades Ruy Barbosa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Universidade Federal de Uberlândia
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
University of Florida
CONSULTORES AD-HOC
Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla – Universidade Estadual de Campinas
Ana Paula Cabral – Instituto Superior Politécnico Gaya
Claudio Simon Hutz – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Elizeu Coutinho de Macedo – Universidade Presbiteriana Mackenzie
Eulália Henriques Maimone – Universidade de Uberaba
Geraldo Antonio Fiamenghi Junior – Universidade Presbiteriana Mackenzie
Makilim Nunes Baptista – Universidade São Francisco
Maria de Fátima Silveira Polesi Lukjanenko – Universidade São Francisco
Rita Laura Avelino Cavalcanti – Universidade Federal de São João Del Rey
ASSISTENTE DO CONSELHO EDITORIAL
Katya Luciane de Oliveira – Doutoranda em Educação
Lucicleide Maria de Cantalice – Mestre em Psicologia
ABRAPEE
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – Itatiba/SP – 13251-900
Tel: (11) 4534-8046 – E-mail: [email protected]
Artigos completos disponíveis em www.abrapee.psc.br;
http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php
Indexação em:
Disponível nas bibliotecas da Rede Brasileira de Bibliotecas da
Área de Psicologia - ReBAP (www.bvs-psi.org.br/rebap/)
Psicologia Escolar e Educacional./ Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional.- v. 1, n. 1. 1996Campinas : ABRAPEE, 1996.
Quadrimestral : 1996-1999.
Semestral : 2000ISSN 1413-8557
Index Psi / LILACS
Apoio editorial:
Tiragem:
600 exemplares
l. Psicologia educacional. 2. Psicologia escolar.
3. Educação. 4. Brasil. I. Associação Brasileira de Psicologia
Escolar e Educacional.
Expediente
A revista Psicologia Escolar e Educacional é um veículo de divulgação e debate da produção científica na
área específica e está vinculada à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Seu
objetivo é constituir um espaço para a apresentação de pesquisas atuais no campo da Psicologia Escolar e
Educacional e servir como um veículo de divulgação do conhecimento produzido na área, bem como de informação
atualizada a profissionais psicólogos e de áreas correlatas. Trabalhos originais que relatam estudos em áreas
relacionadas à Psicologia Escolar e Educacional serão considerados para publicação, incluindo processos básicos, experimentais, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artigos teóricos, análises de políticas e
sínteses sistemáticas de pesquisas, entre outros. Também, revisões críticas de livros, instrumentos diagnósticos e
softwares. Com vistas a estabelecer um intercâmbio entre seus pares e pessoas interessadas na Psicologia
Escolar e Educacional, conta com uma revisão às cegas por pares e é publicada semestralmente. Seu conteúdo
não reflete a posição, opinião ou filosofia da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Os
direitos autorais das publicações da revista Psicologia Escolar e Educacional são da Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional, sendo permitida apenas ao autor a reprodução de seu próprio material,
previamente autorizada pelo Conselho Editorial da Revista. As transcrições e traduções são permitidas, desde
que no limite dos 500 vocábulos e mencionada a fonte. São publicados textos em português, espanhol e inglês.
Os fascículos publicados são distribuídos aos sócios da ABRAPEE, às Instituições de Ensino Superior com
cursos de Psicologia e por meio de permuta com outras revistas nacionais e internacionais.
Psicologia Escolar
e Educacional
PUBLICAÇÃO SEMESTRAL
191
ISSN 1413-8557
2005 Volume 9
Número 2
Editorial
Artigos
195
Métodos de estudo em alunos do 1º ano da universidade
Rosa Maria Vasconcelos
Leandro S. Almeida
Silvia C. Monteiro
203
Leitura/compreensão, escrita e sucesso acadêmico: um estudo de diagnóstico em quatro
universidades portuguesas
Ana Paula Cabral
José Tavares
215
O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico
Simone Miguez Cunha
Denise Madruga Carrilho
225
Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura
Fabiana Cia
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams
Ana Lúcia Rossito Aiello
235
Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos
Suze Sabino da Silva
Denise de Souza Fleith
247
A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível
Sérgio Antônio da Silva Leite
Ariane Roberta Tagliaferro
261
Autoconceito e desempenho de universitários na disciplina estatística
Marjorie Cristina Rocha Da Silva
Claudette Maria Medeiros Vendramini
269
Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto
Eulália Henriques Maimone
Débora Nogueira Tomás
279
Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de
Uberlândia
Claudia Araújo da Cunha
291
Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar
Anabela Almeida Costa e Santos
Marilene Proença Rebello de Souza
303
Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola
Ana da Costa Polonia
Maria Auxiliadora Dessen
Resenhas
313
Literatura, leitura e aprendizagem da escrita
Geraldina Porto Witter
315
Contribuições da psicologia á Educação Escolar
Jussara Fernandes
História
317
Entrevista com Evely Boruchovitch
Entrevistadora: Katya Luciane Oliveira
Sugestões práticas
323
Competências em tecnologia da informação no ambiente escolar
Ronei Ximenes Martins
Informativo
327
Notícias bibliográficas
329
Informe
331
Normas de publicação
339
Ficha para novos sócios da ABRAPEE
ISSN 1413-8557
SUMMARY
191
Editorial
Papers
195
Study methods of freshmen students
Rosa Maria Vasconcelos
Leandro S. Almeida
Sílvia C. Monteiro
203
Reading/comprehension, writing and academic success: a diagnosis study in four portuguese
Universities
Ana Paula Cabral
José Tavares
215
University adaptation process and the academic achievement process
Simone Miguez Cunha
Denise Madruga Carrilho
225
Paternal influences on child development: a literature review
Fabiana Cia
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams
Ana Lúcia Rossito Aiello
235
School performance and self-concept of students who attend a psychopedagogical service
Suze Sabino da Silva
Denise de Souza Fleith
247
Affectivety in the classroom: an unforgettable teacher
Sérgio Antônio da Silva Leite
Ariane Roberta Tagliaferro
261
The self-concept and university achievement in statistics
Marjorie Cristina Rocha Da Silva
Claudette Maria Medeiros Vendramini
269
The observation of the early childhood educator through the adult engagement scale
Eulália Henriques Maimone
Débora Nogueira Tomás
279
Writing, emotional maturity, operativeness and creativity in a children´s group from
Uberlândia
Claudia Araújo da Cunha
291
Notebooks: how things are registered in the school
Anabela Almeida Costa e Santos
Marilene Proença Rebello de Souza
303
Towards understanding the relationship between family and school
Ana da Costa Polonia
Maria Auxiliadora Dessen
Reviews
313
Literature, reading and writing learning
Geraldina Porto Witter
315
Psychological contribution to scholl education
Jussara Fernandes
History
317
Interviewing Evely Boruchovitch
Practical Suggestions
323
Information technology skill in the school
Ronei Ximenes Martins
Informative
327
Bibliographic Notes
329
Events
331
Instructions to Authors
339
ABRAPEE Membership
EDITORIAL
A Psicologia Escolar e Educacional em foco
É com grande prazer que inicio mais este editorial com a notícia de que a revista Psicologia Escolar e
Educacional manteve sua classificação Qualis como Nacional A, tanto para a área de Psicologia quanto de
Educação, na última avaliação referente aos fascículos publicados em 2004. Esta avaliação é realizada anualmente
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES conjuntamente com o
representante de cada área de conhecimento que, para esse periódico, é um membro escolhido pela Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP para avaliar o periódico no âmbito da
Psicologia. Para a educação, o representante é da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Educação – ANPED.
O objetivo desta análise é organizar os periódicos científicos em categorias indicativas de qualidade – A,
B, ou C e relativas ao âmbito de circulação destes – local ou nacional. As combinações dessas categorias
compõem seis alternativas indicativas da importância do periódico, e, por inferência, do próprio trabalho nele
divulgado.
Considerando, pois, tal resultado, quero agradecer a todos que contribuíram com a revista – editora
adjunta, corpo editorial, pareceristas ad hoc e, especialmente, a todos os pesquisadores e profissionais que
enviaram seus manuscritos provenientes de todas as regiões brasileiras. Cabe destacar que todos os artigos
recebidos e publicados são originais e são relatos de pesquisa, em sua maioria.
Estaremos disponibilizando, até o próximo semestre, todos os números da revista desde 2001 no portal
Periódicos Eletrônicos de Psicologia – PePSIC (http://www.bvs-psi.org.br/). Os fascículos de 2004 já estão
on-line. É importante destacar que este portal, criado em parceria com a Biblioteca Virtual da Saúde – BVSPsi, teve seu lançamento em abril/2005 no I Congresso Latino-americano de Psicologia. Contava com cinco
periódicos e atualmente está com 16. Sua meta de ampliar o acesso à produção científica em Psicologia e áreas
afins por meio da publicação de periódicos em formato eletrônico e sua disponibilização gratuita na Internet, está
se concretizando e a revista Psicologia Escolar e Educacional está presente desde o início, ampliando sempre o
número de volumes disponíveis.
Cabe ressaltar, também, a realização do II Congresso Brasileiro de Psicologia: ciência e profissão
(www.cienciaeprofissao.com.br) em setembro de 2006 pelo Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira do qual a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional é membro ativo. É esperado que
todos os psicólogos, professores, pesquisadores e estudantes de Psicologia participem a fim de fortalecer a
Psicologia Brasileira, compromissada hoje com os desafios impostos pela realidade nal qual nos inserimos.
Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly
Editora
Artigos
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2 195-202
MÉTODOS DE ESTUDO EM ALUNOS DO 1º ANO DA UNIVERSIDADE
MÉTODOS DE ESTUDO NA UNIVERSIDADE
Rosa Maria Vasconcelos1
Leandro da Silva Almeida2
Silvia Correia Monteiro3
Resumo
O artigo analisa os métodos de estudo de uma amostra de alunos do 1º ano de uma Universidade de Portugal, no momento de ingresso na
Universidade, maioritariamente de cursos de Engenharia. Utilizou-se o Inventário de Atitudes e Comportamentos Habituais de Estudo – IACHE, que
contempla cinco sub-escalas: enfoque compreensivo; enfoque reprodutivo; percepções pessoais de competência; envolvimento no estudo; e
organização das actividades de estudo. A análise considera a nota de candidatura ao ensino superior e o género. Os resultados mostram que alunos
com melhores classificações ao nível do ensino secundário apresentam pontuações mais altas nos itens reportados a um enfoque mais compreensivo
que memorístico no estudo, assim como nos itens que traduzem percepções pessoais mais positivas de competência e de realização académica. Os
alunos do sexo feminino apresentam, ainda, resultados mais elevados nas várias sub-escalas, inferindo-se níveis superiores de profundidade
compreensiva e de envolvimento no estudo, assim como melhor organização das actividades escolares.
Palavras-chave: Ensino Superior; Rendimento académico; Hábitos de estudo
STUDY METHODS OF FRESHMEN STUDENTS
Abstract
This article analises the study methods of a freshmen group of Minho University at the moment they access higher education. Most of these
students are from engineering courses. The IACHE inventory of attitudes and study habits was used. This inventory consists of five sub-scales:
comprehensive approach; reproductive approach; personal perceptions of competencies; study envolvement; organization of the study activities.
This research takes the entrance grade and the gender of the students into account. The results confirm the expectations, as students with higher
grades at high school show higher levels in items regarding the comprehensive approach on the reproductive approach. These students have also
higher levels on the personal positive perceptions scales on competency and academic achievement. Higher results on several sub-scales were
verified for the female students, showing higher scores on the comprehensive approach and study involvement, as well better organisation of
academic activities.
Keywords: Hiher Education; Academis achievement; Study-habits.
INTRODUÇÃO
A
transição do ensino secundário para o ensino
superior é marcada por diversas exigências,
nomeadamente a nível pessoal, social e académico.
Debruçando-nos mais particularmente sobre esta última variável, a confrontação com a existência de novos
métodos de ensino e de avaliação, a aquisição de novas
rotinas e hábitos de estudo ou a maior autonomia na
1
2
3
gestão do tempo, constituem novos contextos de vida e
de desafios com que o jovem se confronta ao entrar na
universidade (Almeida, 2002a; Almeida & Soares, 2004;
Ferreira & Hood, 1990). Além disto, os problemas
vocacionais relacionados com o curso e com a carreira
também se podem fazer sentir. Em Portugal, por
exemplo, cerca de um terço dos estudantes refere não
Professora Associada da Universidade do Minho, Portugal e Presidente do Conselho de Cursos de Engenharia.
Professor Catedrático da Universidade do Minho, Portugal e Presidente do Instituto de Educação e Psicologia.
Colaboradora do Conselho de Cursos de Engenharia da Universidade do Minho, Portugal.
196
Rosa Maria Vasconcelos, Leandro da Silva Almeida e Silvia Correia Monteiro
ingressar num curso de primeira escolha em virtude da
sua média do ensino secundário não ser suficiente para
entrar num curso de primeira opção (em Portugal existe
um sistema de numerus clausus no acesso aos vários
cursos do ensino superior). Tudo isto se pode transformar em níveis consideráveis de ansiedade, de
desmotivação e de baixo investimento no curso, o que
consequentemente se repercute na sua adaptação
académica e no aproveitamento escolar (Almeida,
2002a; Almeida & Soares, 2004; Santos, 2001; Santos
& Almeida, 1999).
No caso particular dos estudantes dos cursos de
Engenharia, estes constituem o grupo de alunos cujas
opções de entrada mais se afastam da primeira escolha
(cerca de 40% destes alunos não ingressaram na sua 1ª
opção), podendo apresentar, em consequência, maiores
problemas de adaptação e de empenhamento
académico. Estes mesmos alunos parecem também
menos preparados para os métodos dedutivos de ensino
privilegiados pelos professores de matemática e física
na abordagem de conteúdos relativamente abstractos
(Martins, 2004; Tavares, Santiago & Lencastre,1998).
Estes factos podem, segundo estes mesmos autores,
ajudar a compreender a maior incidência de insucesso
escolar nos estudantes dos cursos de Engenharia, em
particular nestas duas disciplinas curriculares.
A investigação realizada nesta área tem revelado que
algumas das dificuldades de adaptação à Universidade
decorrem da ineficácia dos métodos de trabalho dos
estudantes. Consequentemente, a par dos problemas no
ajustamento pessoal e social, emergem dificuldades de
aprendizagem e de rendimento académico, em boa
medida explicadas por processos de aprendizagem e
métodos de estudo pouco eficazes (Almeida, 2002b;
Rosário, 1997; Biggs, 2000; Watkins, 1983). O ensino
superior, apelando a uma maior participação, iniciativa e
autonomia dos estudantes nas suas aprendizagens, pode
ser demasiado desafiante para as competências e os
níveis de autonomia dos alunos. A auto-regulação da
aprendizagem revela-se, deste modo, um factor decisivo do desempenho académico dos estudantes no ensino
superior (Duarte, 2000; Lindner & Harris, 1993; Pintrich,
Smith, Farcia & Mckeachie, 1995; Rosário, 1997; Santos,
2001). Pintrich (1995) acrescenta que, quando os alunos tomam consciência dos seus comportamentos de
estudo e dos seus níveis motivacionais e cognitivos,
conseguem aumentar os seus níveis de auto-regulação
na aprendizagem. Comportamentos auto-regulados,
reflectindo maior metacognição, controlo e monitorização
do estudo e da realização em situações de avaliação,
acabam por se associar positivamente, e de forma
significativa, ao rendimento académico (Almeida,
2002a,b).
A teoria das abordagens à aprendizagem (Biggs,
1985) aparece frequentemente mencionada para descrever as formas habituais de estudo e o rendimento
dos estudantes na Universidade. O conceito de abordagem faz referência ao conceito de meta-aprendizagem e à combinação de motivos e estratégias na aprendizagem (Biggs, 1985; Biggs & Telfer, 1987; Jesus,
2002). Biggs (1985, 1987) sugere três tipos de abordagem mais frequentes: abordagem superficial – a
motivação é extrínseca e a estratégia orienta-se para a
simples acumulação, memorização e reprodução de
conhecimentos, sem preocupação com a compreensão
dos conceitos; abordagem profunda – a motivação é
intrínseca e a estratégia orienta-se para a busca e atribuição de um significado pessoal para os conteúdos
aprendidos; e abordagem de alto rendimento – a
motivação baseia-se na competição e na auto-valorização, independentemente dos conteúdos a aprender terem ou não significado pessoal, e a estratégia envolve a
organização do tempo e dos materiais de estudo de forma a maximizar o sucesso e as classificações. Estas
abordagens tendem a ser assumidas como mutuamente
exclusivas (Entwistle & Ramsden, 1983), tendo um
impacto bastante diferenciado em termos do sucesso
académico dos estudantes (Almeida, 2002a; Gibbs &
Lucas, 1996; Rosário, 1997).
Também Vermunt (1996) procura conciliar, na descrição da aprendizagem e rendimento dos estudantes
universitários, componentes de natureza cognitiva e
motivacional. Com efeito, os modelos mais
compreensivos da realização académica dos estudantes
conciliam ambas as variáveis (Bessa & Tavares, 2000),
sendo certo que a ponderação das estratégias passa pela
avaliação que os alunos fazem dos contextos de ensino
e dos métodos de avaliação dos professores, assim como
do tipo de disciplinas e tarefas de aprendizagem
(Almeida & Soares, 2004; Tavares, Almeida,
Vasconcelos & Bessa, 2004). Os contextos académicos
parecem determinantes dos métodos de estudo dos alunos. Chaleta e Grácio (1998) alertam para a necessidade
destes contextos estimularem o aprender a aprender,
promovendo a aprendizagem metacognitiva, a autoorganização e a auto-regulação por parte dos alunos, ou
Métodos de estudo em alunos do 1º ano da universidade
197
seja, a mobilização pelos estudantes de estratégias para
fazerem face às tarefas académicas de índole curricular.
A investigação na área sugere uma diferença a favor do género feminino nas abordagens mais profundas
e significativas ao estudo. As alunas, também em Portugal, apresentam maior envolvimento, organização e uso
de estratégias cognitivas e metacognitivas na sua aprendizagem (Machado & Almeida, 2000; Bessa & Tavares,
2000; Tavares e col., 1998). A presente investigação
pretende descrever os métodos de estudo dos alunos no
momento de entrada na universidade, ponderando a nota
de candidatura dos alunos ao Ensino Superior e o género
de pertença.
guém a explicar-me individualmente”); envolvimento
no estudo (8 itens; ex.: “Estudo mais porque quero
realizar-me profissionalmente”); e organização das
actividades de estudo (10 itens; ex.: “Tenho um horário
pessoal de estudo devidamente organizado”). O formato da escala é tipo likert, de cinco pontos, consoante
o grau de acordo dos estudantes. A construção e validação do inventário desenvolveu-se com incrementos
sucessivos de elementos até um total de 1061
questionários válidos. Os resultados da análise factorial
e da consistência interna dos itens mostraram-se
satisfatórios, com alfas de Cronbach a variar entre 0,80
e 0,86 (Tavares, Almeida, Vasconcelos & Bessa, 2004).
MÉTODO
PROCEDIMENTO
Participantes
A amostra utilizada é constituída por 275 alunos do
1º ano das Licenciaturas em Engenharia, Arquitectura,
Geografia e Planeamento, Informática de Gestão e
Matemática Aplicada da Universidade do Minho, do ano
lectivo de 2004/5. Este conjunto de cursos é ministrado
em um dos Campus da Universidade, sendo a larga
maioria dos alunos provenientes de cursos de Engenharia
(89%) e do sexo masculino (n=184, ou seja, 68,7%),
situando-se a média das idades dos alunos em 18,3
(DP=1,25). Trata-se de uma amostra por conveniência,
tomando os estudantes do 1º ano que participavam nas
actividades de acolhimento organizadas institucionalmente.
O questionário IACHE foi aplicado aos alunos durante a semana de acolhimento da Universidade. Foi
garantida aos estudantes a confidencialidade dos seus
resultados e a liberdade de decisão em participar na
investigação.
Instrumento
Inventário de Atitudes e Comportamentos Habituais
de Estudo – IACHE (Tavares, Almeida, Vasconcelos
& Bessa, 2004).
Trata-se de um questionário multidimensional dos
métodos de estudo constituído por 44 itens. Abarca dimensões cognitivas, motivacionais e comportamentais,
sendo formado por cinco sub-escalas: enfoque
compreensivo (10 itens; ex.: “Quando sobre um dado
assunto há várias perspectivas, procuro estabelecer
as diferenças e semelhanças entre elas”); enfoque
reprodutivo (8 itens; ex.: “Memorizo definições e
aspectos das matérias com algum pormenor”); percepções pessoais de competência (8 itens; ex.: “Só
consigo entender determinadas matérias se tiver al-
RESULTADOS
Na Tabela I apresentamos os valores nas cinco subescalas do IACHE, assim como nas notas de
candidatura, tomando os estudantes da amostra global e
esta subdividida segundo o género.
Analisando o conjunto de valores obtidos, verificamos a existência de médias mais elevadas por parte dos
alunos de sexo feminino nas várias sub-escalas, como
aliás na média de acesso à universidade. Na generalidade
das sub-escalas de métodos de estudo, a diferença favorável às estudantes mostra-se estatisticamente dimensões significativa (Enfoque compreensivo: t(274)=-1,99;
p=0,05; Enfoque reprodutivo: t(274)=-3,02; p=0,05 e
Organização do estudo: t(274)=-4,94; p=0,05). Um
índice quase significativo ocorre na sub-escala
“Envolvimento estudo” (t(274)=-1,93; p=0,05), sendo
maior a proximidade dos dois géneros na sub-escala
“Percepções pessoais de competência” (t(274)=-0,61;
p=0,54). Mesmo nestas duas sub-escalas, os estudantes
do sexo feminino apresentam valores mais elevados.
Esta diferença a favor das estudantes generaliza-se à
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 195-202
198
Rosa Maria Vasconcelos, Leandro da Silva Almeida e Silvia Correia Monteiro
Tabela I – Resultados nas subescalas do IACHE e notas de candidatura
Dimensões
Geral (n= 275 )
Masc. (n= 189)
Fem. (n= 86)
Enfoque compreensivo
Enfoque reprodutivo
Percepções pessoais
Envolvimento estudo
Organização estudo
Nota candidatura
M
40,3
292,
28,9
32,8
32,0
142,4
M
40,0
28,5
28,6
32,4
30,5
140,1
M
41,6
30,5
29,0
33,9
35,3
146,9
DP
6,86
4,95
5,33
5,73
7,68
18,5
média de candidatura à universidade (t(274)=-2,54;
p=0,01).
Na Tabela II descrevemos os coeficientes de
correlação entre os resultados nas cinco sub-escalas do
IACHE e as notas de candidatura dos alunos ao Ensino
Superior, para a amostra geral e tomando os estudantes
segundo o género.
Dp
6,64
5,04
5,59
5,73
7,34
17,8
DP
7,17
4,59
4,74
5,56
7,42
19,3
os conhecimentos, a habilidade cognitiva, a motivação e
a origem sócio-cultural, compreende-se a sua forte
associação a abordagens mais profundas ou compreensivas à aprendizagem e às percepções dos alunos em
torno das suas próprias competências e desempenhos.
Tomando estes coeficientes de correlação
segundo o género dos alunos, constatamos um
Tabela II – Correlações entre as sub-escalas e a nota de candidatura dos alunos
Sub-escalas
Geral
r
Enfoque compreensivo
0,31
Enfoque reprodutivo
-0,08
Percepções pessoais
0,39
Envolvimento no estudo 0,15
Organização no estudo
0,10
p
0,001
0,25
0,001
0,03
0,17
Verificam-se que os estudantes do sexo feminino
apresentam níveis de correlação mais elevados entre as
diversas sub-escalas de métodos de estudo e a nota de
candidatura à universidade, tornando neste subgrupo de
alunos a sua classificação de acesso mais determinada
pelos métodos utilizados no estudo. As percepções pessoais de competência são as que mais se destacam
nesta correlação (r=0,50), seguidas do enfoque
compreensivo e do envolvimento no estudo. A
excepção ocorre na sub-escala enfoque reprodutivo
sem correlação com a nota de candidatura (r = - 0,02).
Relativamente aos estudantes do sexo masculino,
estes apresentam níveis correlacionais mais baixos. No
entanto as percepções pessoais de competência a subescala mais correlacionada com a nota de candidatura
(r = 0,34), tal como se verifica no sexo feminino.
Traduzindo a nota de candidatura uma estimativa da
competência académica dos alunos, nela convergindo
Masculino
r
p
0,23
-0,17
0,34
0,04
-0,06
0,01
0,05
0,001
0,64
0,52
Feminino
r
p
0,42
-0,02
0,50
0,33
0,22
0,001
0,89
0,001
0,01
0,08
mesmo padrão de valores em três das sub-escalas
(percepções pessoais, enfoque compreensivo e
organização no estudo). Tomando em consideração
o género, os factores de correlação obtidos apresentam diferentes graus de importância. Verificase que em ambos os sexos as percepções pessoais
de competência representam a sub-escala que mais
se correlaciona com a nota de candidatura, seguida
do enfoque compreensivo. O envolvimento no
estudo surge como o 3º factor mais relacionado com
a nota no caso das raparigas, ao passo que nos
rapazes este lugar corresponde ao enfoque
reprodutivo. A organização no estudo representa o
4º factor mais correlacionado em ambos os sexos.
A sub-escala que expressa menos relação com a
nota de candidatura é, no caso do sexo feminino o
enfoque reprodutivo, enquanto que no sexo
feminino se trata do envolvimento no estudo.
Métodos de estudo em alunos do 1º ano da universidade
199
Assiste-se à ausência de correlação entre a nota de
candidatura e o enfoque reprodutivo (memorístico),
muito embora no subgrupo dos rapazes tal coeficiente,
ainda que baixo (r = 0,17), está no limite estatisticamente
significativo. Existe portanto uma ligação no sentido
inverso entre classificações mais elevadas no acesso e
menor recurso ao enfoque superficial ou reprodutivo por
parte dos alunos. Na sub-escala organização do estudo
(tempo, materiais…) assistimos a uma ausência de
correlação com a nota de candidatura nos estudantes
do sexo masculino, aparecendo uma maior associação
entre as duas variáveis junto das estudantes (p=0,08, ou
quase estatisticamente significativo).
DISCUSSÃO
As diferenças individuais entre os alunos que hoje
acedem ao ensino superior são evidentes. O acesso da
Universidade a grupos sociais mais alargados acarreta,
obviamente, uma maior heterogeneidade nos estudantes
universitários em termos de capacidades, conhecimentos, motivações e métodos de estudo (Almeida,
2002a). Importa, por isso, compreender tais diferenças
e implementar formas de actuação ao nível do ensino e
da avaliação que melhor sirvam os objectivos da formação e do desenvolvimento dos jovens universitários.
Aceitando-se que a aprendizagem é mais influenciada
por aquilo que o estudante faz do que por aquilo que faz
o professor (Biggs, 2000), então particular relevância
assumem os métodos de estudo na explicação do sucesso
académico no ensino superior.
Os métodos de estudo diferenciam-se segundo o
género dos alunos. Assim, observaram-se diferenças
significativas entre os dois sexos no enfoque
compreensivo, enfoque reprodutivo e organização
do estudo, e nesta última sub-escala de forma mais
acentuada, sendo que o género feminino apresenta pontuações mais elevadas em todas estas sub-escalas.
Assim, podemos depreender que as alunas se destacam
dos colegas do sexo masculino sobretudo na capacidade
de gestão do tempo, organização de materiais, elaboração de resumos, leituras complementares às aulas e
memorização de conteúdos. Decorre daqui que, se por
um lado as estudantes demonstram um envolvimento
mais profundo, procurando estabelecer relações sobre
os diversos conteúdos e abstrair deles significações
relevantes em termos pessoais, por outro lado parecem
também investir mais em tarefas de memorização e de
organização do seu estudo face aos colegas do sexo
masculino. Isto significa que as alunas parecem
empenhar-se mais no estudo ao nível da abstracção e
interpretação da informação, assim como na dedicação
de tempo e recursos pessoais à organização da
informação e memorização dos conteúdos quando
necessário. Uma eventual contradição entre estes dois
padrões de conduta é mais aparente que real, pois abordagens compreensivas e memorísticas são igualmente
adequadas consoante a natureza das matérias e tarefas
curriculares. Apesar do recurso a estratégias ditas de
uma abordagem superficial, as estudantes vão além destas, explorando activamente significados, procurando
assegurar a compreensão dos conteúdos e desenvolvendo uma motivação intrínseca pelas actividades de
estudo.
Os resultados obtidos neste estudo confirmam, ainda,
as diferenças individuais dos alunos nos seus métodos
de estudo de acordo com o seu rendimento académico.
Com efeito, os alunos com melhores classificações no
ensino secundário chegam à Universidade com hábitos
de estudo que os aproximam mais de um enfoque profundo ou compreensivo na aprendizagem (versus um
enfoque de tipo reprodutivo ou memorístico). Os alunos
com piores classificações no ensino secundário apresentam resultados mais baixos nos itens de enfoque
compreensivo (Biggs, 2000; Entwistle & Ramsden,
1983; Gibbs & Lucas, 1996). Para além disto, os alunos
com melhores classificações diferem dos colegas com
resultados escolares mais baixos nas suas percepções
de competência. Os primeiros percepcionam-se como
mais capazes ou acreditam mais nas suas capacidades
para enfrentar os desafios da aprendizagem e do sucesso
académico no Ensino Superior. Finalmente, embora de
uma forma não tão contrastada, os estudantes com
melhores classificações no Ensino Secundário chegam
à Universidade com índices superiores de motivação
para, de uma forma intrínseca, se envolverem nas
actividades curriculares (Almeida, 2002a; Santos &
Almeida, 1999). Assim sendo, os alunos que ingressam
no 1º ano com melhores classificações de acesso parecem estar, pelas formas de estudar e pelas percepções
pessoais de competência que apresentam, melhor preparados para enfrentar os desafios de novas formas de
ensinar, de aprender e de avaliar que caracteriza o Ensino
Superior.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 195-202
200
Rosa Maria Vasconcelos, Leandro da Silva Almeida e Silvia Correia Monteiro
Estas ilações, tomando as intercorrelações entre as
classificações do ensino secundário e os métodos de
estudo dos estudantes no acesso à Universidade, são
particularmente evidentes junto dos alunos do sexo
feminino. Com efeito, índices mais elevados de
correlação foram observados entre nota de candidatura
e métodos de estudo nos estudantes do sexo feminino.
Assim, dir-se-ia que, não só as alunas apresentam médias
mais elevadas nas sub-escalas de métodos de estudo e
na média de candidatura, como parece haver uma maior
associação neste subgrupo de alunos entre métodos de
estudo e rendimento académico. Nesta linha, podemos
pensar que o rendimento académico aparece menos
associado aos métodos de estudo junto dos alunos do
sexo masculino. Inclusive, no caso das estudantes, observa-se uma correlação com significado estatístico entre
os comportamentos de organização do estudo (gestão
diária do tempo, materiais, apontamentos, etc.) e o
rendimento académico, sendo certo que se poderia pensar que esta dimensão mais comportamental do estudo
poderia ser menos relevante para o rendimento
académico à medida que avançamos na escolarização
dos estudantes, em face do maior peso de variáveis ditas cognitivo-motivacionais.
Finalmente, pensando em cursos que requerem dos
estudantes maior volume de trabalho, atitudes mais
activas de compreensão das matérias ou abordagens
mais analíticas, podemos reconhecer que os alunos se
apresentam na sua transição para o ensino superior bastante diferenciados em termos de competências e de
motivação para o sucesso académico. Tomando a
taxonomia de Biggs (1987, 1990, 1993), uma abordagem mais profunda à aprendizagem, na sua componente
cognitiva e motivacional, ocorre preferencialmente junto
dos alunos que acedem à Universidade com melhores
classificações do Ensino Secundário. Provavelmente,
estamos face a uma das razões porque a média de
candidatura dos estudantes ao Ensino Superior se assume
como a variável que mais ou melhor prediz o rendimento
académico dos estudantes universitários no final do 1º
ano (Santos & Almeida, 1999; Jesus, 2002; Soares, 2000;
Soares & Almeida, 2004; Miranda & Marques, 1996).
Em cursos com maior percentagem de estudantes
do sexo masculino, ou ainda de estudantes com médias
mais baixas de acesso (por vezes também frequentando um curso que não corresponde a uma primeira escolha
vocacional), como aliás ocorre em algumas áreas de
Engenharia, importa atender às atitudes e hábitos de
estudo dos estudantes. Tal como tem vindo a ser sugerido
por diversos autores (Chaleta & Grácio, 1998; Jesus,
2002; Taveira, 2000; Rosário, 1997), a realidade sugere
que vários alunos necessitam de algum apoio tendo em
vista a aquisição e a sua auto-capacitação ao nível das
competências de estudo. Uma dessas competências
passa pela capacidade de auto-regulação dos alunos na
sua aprendizagem (Almeida, 2002b; Rosário, 1997). A
Universidade e os professores podem desenvolver tais
competências através de uma mudança nas suas práticas de ensino e de avaliação (Martins, 2004). Ao mesmo
tempo, serviços de apoio psico-educativo no seio da
universidade podem responder por necessidades
específicas por parte de alunos mais “fragilizados” nos
seus recursos cognitivos e motivacionais. Apesar de
adultos, alguns estudantes chegam ao Ensino Superior
com fracas competências de organização e planeamento das actividades escolares, ou ainda com índices
reduzidos de motivação. Cada vez mais e face à
heterogeneidade de estudantes no acesso, são
necessárias medidas institucionais que alterem uma certa
cultura de desresponsabilização instalada (Martins,
2004). Numa lógica remediativa e promotora da adaptação e sucesso académico dos estudantes ao longo da
sua frequência do Ensino Superior, as instituições
universitárias têm que assumir uma parte da
responsabilidade pelas taxas elevadas de insucesso e
de abandono dos estudantes do 1º ano.
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Recebido em: 20/05/2005
Revisado em: 21/09/2005
Aprovado em:14/10/2005
Endereço para correspondência:
Rosa Maria Vasconcelos: Universidade do Minho – Conselho de Cursos de Engenharia – Azurém – Campus de Azurém – CEP
4800-058 – Guimarães – Portugal – e-mail: [email protected]
Silvia Correia Monteiro: Universidade do Minho – Conselho de Cursos de Engenharia – Azurém – Campus de Azurém – CEP:
4800-058 – Guimarães – Portugal – e-mail: [email protected]
Leandro da Silva Almeida: Universidade do Minho – Instituto de Educação e Psicologia – Campus Gualtar – CEP: 4710-057 –
Braga– Portugal – e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2 203-213
LEITURA/COMPREENSÃO, ESCRITA E SUCESSO ACADÉMICO:
UM ESTUDO DE DIAGNÓSTICO EM QUATRO UNIVERSIDADES PORTUGUESAS
COMPREENSÃO, ESCRITA E SUCESSO ACADÉMICO
Ana Paula Cabral1
José Tavares2
Resumo
A investigação que nos propomos apresentar desenvolveu-se em torno do papel das competências de leitura, compreensão e escrita para o
Sucesso Académico no Ensino Superior. Foi feita aplicação coletiva do Questionário sobre Leitura, Compreensão e Escrita no Ensino Superior a
fim de apontar as estratégias mais utilizadas pelos estudantes procurando determinar níveis de competência, analisar o seu grau de dificuldades e de
disponibilidade para receber formação especializada, detectar o grau de importância por estes atribuído a estas competências para o sucesso
académico, determinar o índice de correlação entre estas competências e sucesso académico e comparar as suas expectativas com o nível de
desenvolvimento atingido após a sua entrada no Ensino Superior. Os resultados obtidos demonstram que estas competências desempenham um papel
importante nas tarefas de aprendizagem dos estudantes e tendem a estar associadas ao seu sucesso académico embora as expectativas dos estudantes
relativamente ao desenvolvimento destas competências no Ensino Superior não sejam atingidas.
Palavras-Chave: Ensino Superior; Leitura e Escrita; Sucesso académico;
READING/COMPREHENSION WRITING AND ACADEMIC SUCCESS:
A DIAGNOSIS STUDY IN FOUR PORTUGUESE UNIVERSITIES
Abstract
The present study is integrated in the research field of the specific reading, comprehension and writing in Higher Education. By using the
“Reading, Comprehension and Writing in Higher Education Questionnaire” the study aimed: to point out the strategies more frequently used to
determine competence levels; to analyze the difficulty level and students’ availability to receive specialized instruction; to point out the degree of
importance attributed to these skills for their academic success, to determine the correlation level between these two skills and the success level of
the students and to compare the students expectations of development reached in these fields after entering Higher Education. Results showed that
these skills play an important role in the learning tasks of the students and tend to be associated with their academic success although the
expectations of the students concerning the development of these skills in Higher Education are not satisfied.
Keywords: Higher Education; Reading and writing; Academic success.
INTRODUÇÃO
Tendo em conta os novos desafios que se adivinham para o Ensino Superior e os novos modelo de
organização do processo de ensinar e aprender, tem-se
vindo a proceder a todo um processo de clarificação
das competências que se afiguram como essenciais para
um desempenho competente e de qualidade na sociedade
1
2
da informação. Cada vez mais se aponta para a
necessidade de a aprendizagem se processar ao longo
da vida e ser gerida por um sujeito caracteristicamente
ativo, autônomo e que constrói as suas próprias aprendizagens (Cabral, 2003). Essa evolução acelerada do
conhecimento a todos os níveis tem vindo a implicar uma
Professora Coordenadora do Instituto Superior Politécnico Gaya, Portugal
Professor Catedrático da Universidade de Aveiro, Portugal
204
maior necessidade de ler, compreender e saber escrever
com correção e clareza. Competências usualmente apelidadas de competências básicas e competências
transversais e cujo papel tem vindo a ser repensado e
salientado no sentido das suas novas dimensões, novas
implicações e novos tipos de envolvimento por parte do
sujeito que, cada vez mais, interage com o que lê e/ou
escreve.
Contudo, no contexto do Ensino Superior, a
capacidade de ler e compreender a informação exige,
já à partida, um elevado nível de capacidade e
competência ao se associar a questões como as do
acesso à informação, da adequação das estratégias e
abordagens aos objetivos da leitura. Leva-se em conta
também a assimilação de conteúdos e ativação do
conhecimento prévio, afigurando-se como uma
competência fundamental para o sucesso académico
(Rosenshine, 1980; Manzo citado por Flippo & Caverly,
2000; Wong, 2000).
Assim sendo, como leitores competentes, devem
estar conscientes dos objetivos da leitura (se é por prazer ou para detectar informação para alguma tarefa
específica), fazer uma leitura rápida do texto para ver
se este é relevante para os seus objetivos, tentando
identificar as secções que poderão ser particularmente pertinentes, e ler seletivamente, focando as porções
de texto mais relevantes para os seus objetivos. Estes
devem também fazer associações entre as idéias apresentadas no texto com base no conhecimento prévio,
avaliar e rever as hipóteses levantadas durante o processo de previsão ou ocorridas como reação às partes
anteriores do texto. Durante esse processo, devem fazer
a revisão do conhecimento prévio que não seja coerente
com as idéias do texto, descobrir o significado das palavras novas, especialmente se elas parecem
importantes para o sentido global do texto, fazer
inferências para conseguirem uma compreensão
completa e integrada do que lêem, sublinhar e distinguir as idéias importantes das idéias menos importantes.
Já numa fase posterior à leitura ou ainda durante o
próprio processo de leitura e compreensão devem reler,
tirar notas e/ou parafrasear numa tentativa de relembrar
o objetivo do texto, interpretar, fazer a síntese de
informação nele contida e avaliar a sua qualidade e
levantar questões a si próprios sobre os autores e sobre
os textos que lêem e pensar sobre a forma de usar a
informação do texto no futuro (Jalongo, Twiest &
Gerlach, 1999; Pressley, 1995).
Ana Paula Cabral e José Tavares
No contexto académico presume-se claramente que
os alunos são capazes de atingir estes níveis mais elevados de pensamento embora se venha a tornar cada
vez mais evidente que os alunos têm dificuldade em
recolher e sintetizar a informação importante, em
assinalar e compreender as relações entre as idéias, em
integrar esta informação com o seu conhecimento prévio de forma a construir uma compreensão coerente
(Bransford, 1979; Novak & Gowin, 1984). Estes problemas na compreensão são agravados por um número
de factores incluindo o uso limitado de estratégias de
aprendizagem (Pressley & Levin, 1983) pelo que é
necessário pôr em prática estratégias cognitivas, ter delas
consciência, selecioná-las, regulá-las, geri-las e avaliálas (Morais, 1988).
Nesse sentido, diversos estudos procuram avaliar a
associação entre a competência nesse domínio e o próprio desempenho dos estudantes. Autores como
Pretorius (2001) concluíram que a competência
lingüística e a leitura poderão estar altamente
correlacionadas com o seu sucesso académico, enquanto
capacidade de obter aprovação nas várias disciplinas.
Na verdade, a investigação tem revelado que há diferenças muito marcantes entre as competências
metacognitivas dos bons e maus leitores. Os alunos do
ensino superior que não estiverem despertos
metacognitivamente irão, provavelmente, ter problemas
ao nível do seu rendimento académico (Brown, Campine
& Day, 1981; Nist & Simpson, 2000). Nessa linha de
investigação, autores obtiveram resultados que lhes permitiram afirmar que o conhecimento dos alunos sobre
os objetivos de leitura, a utilização de estratégias e a
freqüência da sua utilização melhorava a sua prestação
acadêmica. A um nível mais específico, Pritchard,
Romeo e Muller (1999) realizaram um estudo utilizando
o teste de leitura Nelson-Denny administrado a 235 alunos universitários da área da contabilidade que comparou
os resultados obtidos com a média (G.P.A.) dos alunos,
tendo encontrado uma correlação estatisticamente
significativa entre as duas variáveis.
Intimamente associada à leitura e compreensão
encontramos a competência de escrita que, no contexto
universitário envolve a utilização com sucesso da linguagem acadêmica. Face às tarefas propostas, os alunos devem ser capazes de analisar, interpretar e avaliar
o conhecimento através da sua escrita, desenvolver/defender uma perspectiva/argumento, ligar a teoria e a
prática, elaborar uma conclusão, analisar, ser crítico,
Leitura/compreensão, escrita e sucesso académico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas
desenvolver uma idéia central, processar informação,
incorporar fatos, utilizar uma terminologia correta, usar
modelos de resposta (se aplicável), seguir uma ordem
lógica, utilizar provas para comprovar um argumento
defendido, utilizar textos na sua forma original, fazer
citações, relatar experiências pessoais, exprimir opinião
e fazer interpretações pessoais dos fatos.
Face à especificidade dos objetivos, tipos de texto e
abordagens de escrita no ensino superior, cabe ao aluno, como escrevente competente que se pretende que
seja, interiorize as estratégias específicas de escrita,
monitorize a sua atuação e desempenho e utilize com
eficácia estratégias apropriadas. Assim sendo, os
escreventes competentes constroem uma representação
mental da situação de comunicação ou da situação em
que se inscreve a sua escrita (Rose, 1980; Sommers,
1980), elaboram rascunhos dos textos produzidos, fazem esquemas, tiram notas e pensam sobre os aspectos
a incluir no texto antes de o começarem a escrever
(Hartley & Branthwaite citados por Hartley, 2002).
Ao lado disso, segundo Meyer (1982) e Bereiter e
Scardamalia (1987), os escreventes competentes produzem textos organizados. Possuem um vasto repertório
de esquemas de organização textual e usarem esse tipo
de conhecimento para facilitar as várias fases da sua
escrita, trabalham e completam uma secção de texto de
cada vez, revêem e fazem alterações no seu texto e
escrevem de uma forma regular.
Assim, o aluno deve também determinar o objetivo
da tarefa de escrita e o público que lerá o texto, começar
as tarefas de escrita com tempo suficiente de forma a
poder rever e trabalhar o texto, utilizar o trabalho alheio
de uma forma apropriada através da citação e da
referência bibliográfica de fontes consultadas na preparação do texto e seguir cuidadosamente as instruções
do professor (Jalongo, Twiest & Gerlach, 1999).
Há semelhança do sucedido relativamente à
competência de leitura/compreensão e sua ligação ao
desempenho académico dos estudantes. Williams (2002)
concluiu, com base nos seus estudos desenvolvidos com
alunos do ensino superior, que os alunos que escrevem
de uma forma competente à entrada no ensino superior
têm um desempenho mais bem sucedido. De acordo
com os resultados do seu estudo, o grupo de alunos com
um nível mais elevado de competência na escrita tinham
uma média escolar mais elevada e tinham realizado com
aprovação mais disciplinas do que o grupo com um menor
nível de desempenho na escrita.
205
OBJETIVOS
Neste estudo, essencialmente de diagnóstico, procura-se, em primeiro lugar, detectar os hábitos de leitura e
escrita dos estudantes procurando fazer o levantamento das estratégias que os estudantes utilizam com mais
freqüência. Partindo da análise da freqüência com que
os estudantes utilizam as estratégias apresentadas, determinou-se níveis de competência de forma a determinar o domínio em que os estudantes apresentam um
melhor desempenho.
Um outro objetivo decorrente do anterior relacionase com a análise do grau de dificuldades percepcionado
pelos estudantes e, neste seguimento, a disponibilidade
por estes manifestada para receberem formação
especializada em cada um dos domínios. Ao lado disso,
pretende-se detectar o nível de importância atribuído
pelos estudantes à leitura e à escrita para o seu sucesso
académico. Partindo dos objetivos anteriores foi desenhado um objetivo específico baseado no estabelecimento
de um conjunto de testes de correlação que pretende
determinar o índice de associação entre a competência
nos domínios em análise e o próprio sucesso académico
dos estudantes.
MÉTODO
Participantes
A amostra foi constituída por 1000 sujeitos sendo
58% do sexo feminino e 42% do sexo masculino com
idades compreendidas entre os 17 e os 29 anos, apresentando uma média de idades de 18,9 (DP=1,32). Os
sujeitos que constituem a amostra são estudantes de
quatro universidades do Ensino Superior inscritos pela
primeira vez no 1º ano de cursos de licenciatura em
ciências e engenharias do ano letivo de 2000/2001.
Instrumento
Questionário Leitura, Compreensão e Escrita no
Ensino Superior (Q.L.C.E.E.S.).
Foi feita uma avaliação com base na revisão da literatura existente no domínio específico das competências
de aprendizagem e em todo um conjunto de atividades
de pesquisa e de seleção de bibliografia específica sobre
as estratégias de aprendizagem associadas à leitura,
compreensão e escrita, das variáveis de investigação.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 203-213
206
Também se avaliou as características dos sujeitos que
pretendíamos estudar, para que começássemos por
especificar o número de questões para medir cada uma
das variáveis.
Foram redigidas várias versões para cada questão,
tentando fazer-se uma clara e objetiva definição e
associação com as hipóteses e variáveis em estudo.
Procurou-se igualmente elaborar questões que tratassem diferenças entre grupos ou condições que tratassem de relações entre as próprias variáveis. Durante a
elaboração das questões e das escalas a utilizar tivemos
igualmente atenção aos seus pressupostos relativamente
à utilização de determinadas técnicas estatísticas.
A elaboração da versão final do questionário contou
com a participação de investigadores (membros da
Unidade de Investigação “Construção do Conhecimento
Pedagógico nos Sistemas de Formação”- Universidade
de Aveiro) e membros integrantes do seminário de
investigação do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro e teve como base os
resultados obtidos a partir do estudo exploratório no qual
participaram 52 estudantes dos cursos de ciências e
engenharias da Universidade de Aveiro. Nesse estudo
preliminar e por meio da metodologia da reflexão falada
foram recolhidos dados sobre a formulação das questões,
estrutura do questionário, clareza, adequação e
objetividade da linguagem utilizada e eficácia das
instruções fornecidas, assim como a pertinência da
seleção dos itens que constituíam o questionário.
Para o diagnóstico dos aspectos que se referiam às
estratégias e técnicas utilizadas, às suas dificuldades e
importância dessas competências para o sucesso
académico construímos um instrumento que consiste no
Questionário sobre Leitura, Compreensão e Escrita no
Ensino Superior (Q.L.C.E.E.S.). O corpo principal do
questionário é composto por duas secções que pretendem analisar as estratégias específicas utilizadas pelos
sujeitos (parte A), assim como a sua opinião sobre a
importância destas competências para o seu sucesso
académico, as suas principais dificuldades e necessidade
de formação (parte B) na leitura (Seção 1) e Escrita
(Seção 2).
Assim, para cada um dos 17 itens que compõem a
parte A de ambas as seções, os sujeitos avaliam a sua
prestação através da utilização de uma escala de
freqüência de 5 pontos (1=quase nunca; 2=raramente;
3=algumas vezes; 4=muitas vezes; 5=quase sempre).
Na parte B de cada uma das secções os sujeitos devi-
Ana Paula Cabral e José Tavares
am utilizar uma escala de quatro opções para a questão,
que se refere à importância da competência para o seu
sucesso académico (1=muito importante; 2=importante;
3=pouco importante; 4=sem importância). Quanto à
questão 2 de cada uma das secções, a escala inclui
igualmente quatro opções que se referem ao grau de
dificuldades dos sujeitos em cada competência (1=muito
raramente; 2=algumas vezes; 3=muitas vezes; 4=quase
sempre). A questão 3 de cada uma das seções I e II
inquire os sujeitos sobre a sua disponibilidade para
receberem formação específica para superarem
eventuais dificuldades (resposta afirmativa ou negativa).
Apresentando um valor de alfa de 0,88. Pudemos avaliar o nível de consistência interna do questionário e que
se revelou como um bom indicador, visto apresentar
valores superiores a 0,8.
Procedimento
O questionário foi aplicado coletivamente, na sala
de aula frequentada pelos participantes. O tempo médio
de aplicação foi de 20 minutos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Estratégias de aprendizagem de leitura,
compreensão e escrita
Para se levar a cabo a análise dos dados relativos à
freqüência de utilização das estratégias de estudo
associadas à leitura e escrita, começamos por, para cada
item, estudar os valores assumidos pela média, moda e
desvio-padrão, como podemos observar na Tabela 1.
Os resultados obtidos permitem apontar as estratégias
mais utilizadas que se associam à releitura, utilização do
contexto, capacidade de captar as idéias principais de
um texto (de entre as estratégias mais associadas à leitura e compreensão) e tirar apontamentos nas aulas,
revisão de texto e utilização do vocabulário especializado
(de entre as estratégias mais associadas à escrita). Ao
invés, as estratégias menos utilizadas associam-se à troca de opiniões com os professores sobre os livros lidos,
recurso à citação (de entre as estratégias mais
associadas à leitura e compreensão) e pedido a outras
pessoas para revisão e utilização da gramática (de entre
as estratégias mais associadas à escrita).
A relevância assumida por estas estratégias no
contexto dos cursos de ciências e engenharias é
Leitura/compreensão, escrita e sucesso académico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas
207
Tabela 1. Valores assumidos pela média, moda e desvio padrão referentes a estratégias de leitura, compreensão
e escrita.
LEITURA/COMPREENSÃO
Durante a leitura consigo concentrar-me.
Utilizo o contexto para descobrir o significado de uma palavra/frase
desconhecida.
Quando não sei o significado de uma palavra, uso o
dicionário/enciclopédia.
Assimilo o vocabulário novo.
Quando não compreendo, faço uma re-leitura.
Detecto as palavras-chave de um texto.
Capto as suas principais idéias.
Consigo separar o que é importante do que é secundário num texto.
Tiro dúvidas / troco opiniões com professores sobre os textos/livros que
leio.
Memorizo os conteúdos através da leitura.
Cito livros que leio.
ESCRITA
Consulto uma gramática para esclarecer dúvidas que surgem quando
escrevo.
Quando escrevo sobre a minha área/curso utilizo o vocabulário
especializado.
Revejo um texto 2 ou 3 vezes antes de o considerar pronto.
Peço a outras pessoas para verem se o que escrevo está claro e correto.
Elaboro sínteses /sumários das leituras que faço.
Tiro notas/apontamentos durante as aulas.
consistente com diversos estudos sobre estratégias de
aprendizagem no ensino superior. Salientamos os desenvolvidos por Gibbs (1992), que refere que a
compreensão dos conceitos-chave faz parte das
exigências para o sucesso dos alunos do ensino superior.
Carrier (1983) afirmou que talvez não exista outra
estratégia de estudo tão defendida por alunos e professores como tirar apontamentos durante a aula por que
referiu que a releitura se apresenta como determinante
para o desempenho dos leitores face à compreensão
dos textos, por funcionar como uma estratégia de
resolução dos próprios problemas de compreensão durante a leitura. Nesse sentido, a releitura juntamente com
tirar apontamentos, contribui fortemente para a própria
memorização dos conteúdos a partir dos textos. Por seu
lado, Simpson & Randall (2000) referem que a melhoria
na utilização das pistas fornecidas pelo contexto tem
sido altamente recomendada por causa das suas
vantagens face às outras estratégias para melhoria das
competências ao nível do vocabulário.
Bailey & Vardi (1999) e Vardi (2000) salientam ainda
o papel desempenhado pela utilização do vocabulário
especializado e técnico como estratégia fundamental para
o desempenho dos alunos do ensino superior, ainda que,
Média
3,8
3,8
Moda
4
4
DP
0,8
0,9
3,4
3
1,0
3,5
4,0
3,4
3,8
3,7
2,3
4
4
3
4
4
2
0,7
0,8
0,7
0,7
0,7
0,8
3,2
2,4
4
2
0,8
1,0
2,4
2
0,9
3,5
4
0,8
3,7
2,8
3,1
4,1
4
3
3
4
0,9
1,0
1,0
0,9
simultaneamente, se constitua como uma das principais
dificuldades, neste domínio. Ao invés, as estratégias
menos utilizadas associam-se à troca de opiniões com
os professores sobre os livros lidos, recurso à citação
(de entre as estratégias mais associadas à leitura e
compreensão) e pedido a outras pessoas para revisão e
utilização da gramática (de entre as estratégias mais
associadas à escrita). Apesar de se constituírem como
as estratégias menos utilizadas, a relevância assumida
por estas estratégias no contexto do ensino superior, é
referida por diversos autores. No caso da utilização da
citação podemos referir que se trata de uma estratégia
que envolve a utilização dos conhecimentos assimilados
durante a leitura e que faz apelo a um relacionamento
do material de aprendizagem com a realidade diária. Por
seu lado, a troca de opiniões com os professores sobre
os livros lidos faz apelo a um relacionamento dos
conceitos com a experiência diária, à distinção das idéias novas do conhecimento precedente. Nesse mesmo
sentido, o pedido a outras pessoas para fazerem a revisão
dos textos escritos associa-se ao desenvolvimento de
processos de interatividade e de focalização no
significado. Por fim, a utilização da gramática ao
associar-se essencialmente à necessidade de organizar
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 203-213
208
e estruturar os conteúdos sob a forma escrita, e dada a
natureza do curso dos estudantes da amostra, afigurase, de fato, como uma ferramenta de estudo e aprendizagem de certa forma específica e que não se inclui nas
estratégias de utilização mais prioritária. Face a estes
dados, podemos observar que as estratégias com um
nível mais elevado de utilização estão essencialmente
associadas a estratégias de treino e que requerem um
nível reduzido de abstração e pouco envolvimento
cognitivo por parte dos sujeitos pelo que poderíamos
considerar que se aproximam de uma abordagem
superficial de aprendizagem. Na verdade, as estratégias
referidas revelam uma certa tendência para a realização
de aprendizagens pouco significativas e repetitivas ou
mecânicas, salientam a reprodução de conteúdos e uma
certa preocupação, sobretudo com a memorização da
informação.
Por seu lado, as estratégias com um nível mais
reduzido de utilização estão essencialmente associadas
as estratégias de elaboração, monitorização e
envolvimento com a aprendizagem e que poderíamos
considerar que se associam a uma abordagem profunda, e, até certo ponto, estratégica da aprendizagem. Com
efeito, estas estratégias associam-se, por um lado, à
realização de aprendizagens significativas, a uma disponibilidade por parte dos estudantes para se envolverem
na análise dos conteúdos com a intenção de compreender
ao máximo, à exploração das possíveis relações e
interconexões com conhecimentos prévios e experiências
pessoais (Marton & Saljo, 1976; Biggs, 1979; Entwistle,
1987). Por outro lado, relacionam-se também com uma
certa preocupação por parte do estudante na obtenção
dos melhores resultados, investindo o menor esforço
possível sem deixar de serem asseguradas às condições
e materiais de estudo e atenção relativamente aos
métodos de avaliação (Marton & Saljo, 1976; Biggs,
1979; Entwistle, Hanley & Hounsell, 1979; Biggs, 1987;
Ramsden, 1988, 1992; Trigwell & Prosser, 1991).
Na verdade, este tipo de resultados é reconhecido
em vários estudos, como sejam o desenvolvido por
Chaleta (2002), que concluiu que os alunos do 1º ano
(independentemente do curso) utilizam predominantemente uma abordagem superficial associada a uma maior
preocupação com a memorização, reprodução, maior
pessimismo e ansiedade em relação aos resultados
académicos e maior incapacidade para trabalhar eficaz
e regularmente, ao contrário dos alunos do 4º ano que
utilizam predominantemente uma abordagem profunda
Ana Paula Cabral e José Tavares
do estudo. Nesse sentido, encontramos igualmente as
conclusões de autores como Entwistle (1990) e
Richardson (2000) que desenvolveram diversos estudos
no domínio da aprendizagem no contexto do ensino
superior e que apontam para a idéia de que ao longo do
percurso académico assistimos a uma mudança de abordagem da aprendizagem.
Níveis de competência e dificuldades
O cálculo do nível de competência teve como base a
freqüência com que os sujeitos utilizam as estratégias
apresentadas pelo que foi calculado um valor máximo
de competência (100%), que corresponderia ao total de
itens considerados multiplicados pelo valor 5 (valor
máximo da escala de freqüência).
Tabela 2. Porcentagem dos sujeitos por nível de competência
na leitura/compreensão e na escrita.
Competência
Níveis
Leitura/compreensão
Escrita
Nível 1
Nível 2
Nível 3
Nível 4
0,8%
15,9%
68,8%
14,5%
1,1%
33,3%
58,3%
7,3%
Face aos dados obtidos relativamente à leitura/
compreensão, observamos que cerca de 68,8% dos
sujeitos se situam no nível 3 de competência, 15,9% no
nível 2, 14,5% no nível 4 e 0,8% no nível 1, ou seja, de
uma forma geral, a maioria os sujeitos parecem revelar
um nível intermédio de competência. Já no que toca a
escrita, atendendo à distribuição dos sujeitos pelos níveis
apresentados na tabela, observamos que cerca de 58,3%
dos sujeitos se situam no nível 3 de competência, 33,3%
no nível 2, 7,3% no nível 4 e 1,1% no nível 1, ou seja, de
uma forma geral, a maioria os sujeitos parecem revelar
um nível intermédio de competência (Tabela 2).
Relativamente aos valores obtidos na média para
cada uma das competências observamos, tendo como
base às percentagens de competência obtidas, que a
leitura apresenta um valor de média (M=61,1; DP=2,8)
superior ao valor da média na escrita (M=54,2;
DP=13,4). Contudo, para compararmos as médias obtidas pelos sujeitos em cada uma das competências, utilizamos o teste t de Student, que nos indicou que existe
uma diferença estatisticamente significativa entre as
médias das duas competências (t= 13,492; p<0,05).
Leitura/compreensão, escrita e sucesso académico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas
Relativamente ao nível de dificuldades que os sujeitos
consideram ter na leitura e compreensão e na escrita,
os dados obtidos tiveram como base uma escala de
freqüência que variava entre Muito raramente e quase
sempre (Tabela 3).
Tabela 3. Níveis de dificuldades na leitura/compreensão e na
escrita.
Dificuldades
Frequência
Leitura/compreensão
Escrita
Muito raramente
Algumas vezes
Muitas vezes
Quase sempre
32,5%
55,9%
8,3%
3,3%
37,6%
52,1%
7,4%
2,9%
Salientam-se, na Tabela 3, os dados relativos às percepções dos sujeitos sobre as suas dificuldades ao nível
da escrita, indicou que 37,6% dos sujeitos afirmam ter
dificuldades “muito raramente”, 52,1% “algumas vezes”,
7,4% “muitas vezes” e 2,9% “quase sempre”.
Se forem comparados os dados obtidos relativamente
ao nível de dificuldades na leitura e na escrita observase que, de uma forma geral, e atendendo aos valores da
média, os sujeitos parecem possuir um nível mais elevado de dificuldades na leitura (M=3,24) do que na escrita
(M=3,18). Para comparação das as médias obtidas pelos
sujeitos em cada uma das competências utilizamos o
teste t de student, que indicou que existe uma diferença
estatisticamente significativa entre as médias relativas
às dificuldades nas duas competências (t=3,444;
p=0,001).
A análise dos dados relativos às dificuldades dos
estudantes procurava testar a hipótese de existir uma
diferença estatisticamente significativa entre o nível de
dificuldades dos estudantes na leitura e na escrita. Os
dados obtidos revelaram que os sujeitos apresentam
valores intermédios de dificuldade em ambos os domínios, embora apresentando diferenças estatisticamente
significativas e que indicam que os sujeitos possuem um
nível de dificuldades mais elevado na leitura do que na
escrita. Estes resultados vieram, contudo, contrariar o
sentido imprimido à hipótese anteriormente formulada,
segundo a qual, os sujeitos apresentariam um nível de
dificuldades mais elevado na escrita do que na leitura e
compreensão. Essa conclusão vai de encontro à idéia
defendida por muitos autores de que a leitura apresenta
aspectos de uma maior complexidade do que a escrita,
209
pelo processamento que implica ao nível da interação
com o conhecimento e ativação dos processos cognitivos
e metacognitivos (Stotsky, 1983).
Com base nessas formulações as principais dificuldades dos sujeitos centrar-se-iam precisamente na leitura e compreensão e, por conseqüência, na escrita dos
sujeitos e não a situação inversa como advogamos, à
semelhança de Applebee (1984), segundo a qual a prestação na escrita influencia mais determinantemente a
leitura e a compreensão. Na verdade, parece-nos
relevante analisar e discutir estes resultados
fundamentalmente à luz das características dos sujeitos
que constituíram a amostra deste estudo, ou seja,
estudantes do primeiro ano de cursos das áreas
específicas das ciências e engenharias. Nesse contexto
específico, a leitura e a escrita exigem uma qualidade
de envolvimento para além da mera aplicação de
competências e que requer um elevado índice de atenção e esforço, o que se torna bastante exigente para
estudantes em processo de transição, como é o caso. A
esse nível, é requerido aos estudantes que desenvolvam
todo um conjunto de competências que vão desde a
capacidade de definição de objetivos e planificação até
à inferência e expressão escrita de índole crítica e
argumentativa. Em estudos como os apresentados por
Chanock (2000) e Vardi (2000), assistimos a uma
realidade que vem confirmar as dificuldades ao nível da
compreensão dos conteúdos apresentados nas aulas, dos
enunciados dos problemas e demonstrações
matemáticas, na inferência lógico-matemática, na
assimilação e utilização do vocabulário técnico, na
expressão de acordo com o estilo, capacidade de
argumentação, nível de coesão, coerência e clareza dos
textos redigidos.
Assim, o fato de os estudantes referirem possuir um
nível de dificuldades mais elevado na leitura do que na
escrita se poderá relacionar igualmente com o fato de,
nos primeiros anos do ensino superior, especialmente no
primeiro ano, o papel do estudante face ao conhecimento
e à aprendizagem ser bastante mais associado a um
esforço de aquisição e processamento de informação e
respectiva retenção do que propriamente a uma elaboração e composição associada a processos de escrita
elaborados e complexos que exigem um elevado nível
de competência e integração nos domínios bastante
especializados do estilo académico. No entanto, importa
ressaltar que este papel do sujeito que aprende face ao
conhecimento que no contexto do ensino superior o
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 203-213
210
Ana Paula Cabral e José Tavares
invade e até certo ponto o perturba deverá ser encarado
numa perspectiva o mais crítica, envolvida e participante possível.
Disponibilidade para receber Formação e
importância para sucesso académico
Com base nas suas dificuldades, os estudantes foram convidados a manifestar a sua disponibilidade para
receber formação, 60,9% dos participantes revelaram
disponibilidade para receber formação em leitura e 57,7%
em escrita.
Relativamente ao nível de importância que os sujeitos
consideram ter a leitura e compreensão e na escrita
desempenham para o seu sucesso académico, os dados
obtidos tiveram como base uma escala de freqüência
que variava entre Sem importância e Muito importante
(Tabela 4).
Tabela 4. Níveis de importância atribuídos à leitura/
compreensão para o sucesso académico.
Importância para o sucesso académico
Nível
Muito importante
Importante
Pouco importante
Sem importância
Leitura/compreensão
Escrita
58,8%
39,8%
1,0%
0,4%
54,5%
41,0%
3,8%
0,7%
Os dados recolhidos indicam que 58,8% dos sujeitos
consideram que a leitura/compreensão muito
importantes, 39,8% importantes, 1,0% pouco importantes
e 0,4% sem importância para o seu sucesso académico.
Os dados sobre o grau de importância atribuído à escrita
para o sucesso académico indicam que 54,5% dos
sujeitos consideram a escrita “muito importante”, 41,0%
“importante”, 3,8% “pouco importante” e 0,7% “sem
importância” para o seu sucesso académico.
Relativamente aos valores obtidos na média para cada
uma das competências, observamos que a leitura apresenta um valor de média superior ao da média na escrita
(M da leitura/compreensão=3,57 e M da escrita=3,49).
Ao compararmos a validade estatística da diferença das
médias obtidas pelos sujeitos em cada uma das
competências, utilizamos o teste t que nos indicou que a
diferença registrada entre as duas médias é significativa
(t=-40,0; p<0,05). Os resultados obtidos indicam-nos
que, de uma forma geral, os sujeitos tendem a considerar
mais importante a leitura/compreensão do que a escrita
para o seu sucesso académico.
De uma forma geral, verificou-se que, na verdade, a
maioria dos estudantes considera a leitura/compreensão
e a escrita muito importantes para o sucesso académico.
Embora a leitura tenha apresentado resultados um pouco mais expressivos e cujas diferenças se revelaram
estatisticamente significativas, o que nos levou a reforçar
a idéia de que a capacidade de ler e compreender os
conteúdos na área das ciências e engenharias poderá
ser mais importante do que propriamente a expressão
dos conteúdos e idéias por escrito. Tendo em conta que
nos estamos a debruçar sobre a influência e importância
que estas competências têm para o sucesso dos
estudantes, é compreensível que as justificações dos
sujeitos para o nível de importância atribuído para o seu
sucesso académico se orientem mais precisamente para
esta vertente dirigida aos seus cursos do que para a
formação do indivíduo de uma forma geral, pelo papel
que desempenham no acesso ao conhecimento (leitura
e compreensão) e expressão (escrita).
Leitura, compreensão e escrita e sucesso
académico
Os dados obtidos por meio do estudo da hipótese de
existir uma correlação entre a competência dos sujeitos
na leitura e na escrita e o seu sucesso académico
indicaram-nos que podemos confirmar a hipótese e
estabelecer uma correlação positiva, aceitável e
estatisticamente significativa entre as duas variáveis,
tendo estes valores de correlação sido ligeiramente mais
expressivos no caso da leitura e compreensão (leitura/
compreensão: r=0,398; p<0,05; escrita: r=0,306;
p<0,05). Dessa forma, vemos corroborada, pelos dados, a idéia de que as competências de leitura/
compreensão e escrita se associam, de uma forma
aceitável e estatisticamente significativa ao sucesso
académico dos estudantes.
Esses resultados demonstraram-se consistentes com
os estudos anteriores que encontraram uma correlação
estatisticamente significativa entre os resultados obtidos por Ritchard, Romero e Muller (1999) com alunos
universitários num teste de leitura e a sua média (G.P.A).
Também num estudo conduzido por alunos do ensino
superior (Cochise College Report, 1990) foi encontrada
uma correlação positiva entre os resultados obtidos no
teste de leitura “Nelson-Denny”, ou exame de leitura e
compreensão de “Nelson-Denny”, e o desempenho
académico dos alunos. Os mesmos resultados já haviam sido obtidos com o referido teste, Spiller e Hall
Leitura/compreensão, escrita e sucesso académico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas
(1978), por Gudan (1983), por Wood (1988 e 1987) e
por Hurov 91987), que encontraram uma correlação
positiva entre as notas dos alunos nos testes de leitura e
o seu desempenho na média final de curso. Já no que
toca à escrita, Hodges (1990) encontrou uma correlação
positiva entre a competência na escrita (English
composition test) e as notas dos alunos.
CONCLUSÃO
De uma forma global, considera-se que este estudo
vem, de certa forma, fundamentar a idéia de que as
competências de leitura/compreensão e escrita desempenham um papel central no contexto do ensino superior.
Centrando a atenção nos dados obtidos, observa-se que
estes remetem para um índice de utilização elevado de
ambas as competências (sem que diferissem
estatisticamente), fundamentalmente por razões
relacionadas com as tarefas acadêmicas e que, de entre
as estratégias apresentadas, as mais utilizadas
corresponderam às que encerram um menor grau de
complexidade e se aplicam mais diretamente às
necessidades imediatas dos estudantes aproximando-se
de uma abordagem superficial de aprendizagem.
Baseando-nos na freqüência de utilização de
estratégias específicas foram aferidos os níveis de
competência que revelaram que os estudantes evidenciam um nível mais elevado de competência no
domínio da leitura, que consideraram,
simultaneamente, a competência mais determinante
para o seu sucesso académico em desfavor da escrita
embora assumindo ambas um papel de grande desta-
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que. Observamos ainda que a leitura representa,
simultaneamente, também o maior foco de dificuldades face às quais a disponibilidade para receber formação também se revelou mais premente.
Este estudo permitiu-nos igualmente ressaltar a
associação de tais competências com o sucesso
académico dos estudantes do ensino superior embora a
natureza do estudo não permita estabelecer relações de
causalidade. Contudo, foram obtidos indicadores que vão
no sentido do estabelecimento de uma associação entre
variáveis e que aponta para a relação natural entre
competência e desempenho. De acordo com os dados
obtidos, a competência de leitura parece igualmente estar
mais associada ao sucesso académico dos estudantes
do que a escrita, idéia esta que vai ao encontro à opinião
formulada pelos alunos de que esta seria, na realidade,
a competência mais importante para o seu sucesso
académico.
Os próprios dados obtidos indicam que os estudantes
com um maior índice de dificuldades tendem a
manifestar menos interesse para receber formação
especializada e que os estudantes mais competentes em
ambos os domínios manifestam mais interesse em receber
formação, embora tendam a considerar estas
competências menos importantes para o seu sucesso
académico do que os alunos menos competentes. Nesse
sentido, o fato de os estudantes mais competentes tenderem a manifestar mais disponibilidade para receber
formação vem no sentido de corroborar a idéia de que a
competência nestes domínios, ao associar-se a um desempenho bem sucedido ao nível académico, incorpora
atitudes auto-reguladoras e de monitorização que incluem
o interesse pela participação em atividades de formação neste domínio.
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(ERIC ED 390 699). Institute of Science Education,
Washington, DC: U.S. Education.
Recebido em: 11/04/2005
Revisado em: 30/08/2005
Aprovado em: 16/09/2005
Endereço para correspondência:
Ana Paula Cabral: Instituto Superior Politécnico Gaya – Rua António Rodrigues da Rocha, 291/341 – Sto. Ovídio
– CEP 4400-025 – Vila Nova de Gaya – Portugal – e-mail: [email protected]
José Tavares: Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro – Campus de Santiago –
Universidade de Aveiro – CEP 3800-Aveiro, Portugal – e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 203-213
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2
215-224
O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO AO ENSINO SUPERIOR
E O RENDIMENTO ACADÊMICO
ADAPTAÇÃO E RENDIMENTO ACADÊMICO
Simone Miguez Cunha1
Denise Madruga Carrilho2
Resumo
Este artigo busca estender o conhecimento das relações entre as primeiras experiências do estudante no ensino superior e o sucesso acadêmico.
Dessa forma o objetivo do presente trabalho foi analisar em que medida as vivências acadêmicas dos alunos ingressantes no ensino superior se
apresentam relacionadas com o rendimento acadêmico. Participaram da pesquisa 100 alunos do primeiro ano do curso de engenharia militar, com
idades entre 16 e 24 anos. Para avaliar as vivências acadêmicas utilizou-se o Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA) e para efeitos de
avaliação do rendimento escolar dos alunos utilizou-se três disciplinas que são essenciais à formação do engenheiro, a saber: Física , Cálculo e
Álgebra Linear. Os resultados sugerem que o rendimento acadêmico pode ser afetado pelas vivências dos estudantes à nível pessoal e de realização
acadêmica experimentadas no 1º ano do curso superior.
Palavras chaves: Adaptação acadêmica; Rendimento acadêmico; Desenvolvimento psicossocial
THE INFLUENCE OF THE UNDERGRADUATE COURSE ADAPTION PROCESS IN THE
ACADEMIC ACHIEVEMENT
Abstract
This paper aims to understand the knowledge of the relationships between the first experiences of the undergraduate student and the academic
success. Therefore, the work analyzes in what degree the academic experience of the first-year undergraduate students are related to their academic
performance. One hundred (100) students among 16 and 24 years old of the first year of the military engineer course participated in the research.
The Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA) was employed to analyze their academic experiences. In addition, their reported grades on three
courses essential to an engineer major curriculum (Phisics, Calculus, and Linear Algebra ) were used to evaluate the effects on their overall academic
performance. The obtained results suggest that the student’s overall academic performance may be affected by his/her personal life experiences as
well as his/her first-year academic achievement .
Keywords: academic adaptation; academic achievement; psychosocial development
INTRODUÇÃO
O
ensino superior ao longo das últimas décadas
vem sofrendo com as acentuadas mudanças da
sociedade. Neste sentido a universidade necessita de
uma nova organização, englobando e resignificando a
maneira da sociedade produzir, criando e difundindo seus
valores de forma a promover a melhoria da condição
humana em suas múltiplas dimensões (Cardoso, 2004).
Para tanto é necessário que a universidade reveja seus
1
Mestre em Psicologia social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UGF-RJ, Psicóloga Escolar na área do ensino superior no
Instituto Militar de Engenharia – RJ como psicóloga escolar. Integra a linha de pesquisa – “Adaptação de estudantes ao ensino superior”– do
laboratório de Práticas Sociais da UNESA – RJ.
2
Psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, lotada na Seção Psicopedagógica do Instituto Militar de Engenharia, atuando na área
de Psicologia Escolar no Ensino.
216
métodos, suas práticas, objetivos, currículo e até
metodologias de apredizagem.
Num mundo extremamente competitivo, a
universidade precisa se preocupar com o estudante
universitário, promovendo condições para o seu desenvolvimento integral, tentando desenvolver suas
potencialidades ao máximo para que possa atingir seu
nível de excelência pessoal e estar preparado para um
papel atuante na sociedade (Santos, 2000).
A este propósito Ferreira e Hood (1990) argumentam
que as instituições de ensino superior não se preocupam
com o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade do aluno e salientam, concordando com vários
autores, a importância de se promover intervenções
que visem o desenvolvimento total do estudante
universitário ( Gonçalves & Cruz, 1988; Dias & Fontaine,
1996; Pascarella, 1985; Ferreira & Hood, 1999; Ferreira,
& Soares, 2001; Santos & Almeida, 2002).
Sobremaneira, no sentido de maior responsabilidade com
o desenvolvimento global do aluno. Consequentemente,
esta visão provoca uma discussão acerca dos objetivos
educacionais da universidade para que se torne uma
instituição de transformação do conhecimneto e de desenvolvimento humano (Gonçalves & Cruz, 1988).
Para tanto, precisamos olhar o estudante de forma
diferenciada e acolhedora, principalmente no momento
do seu ingresso no curso superior, por ser o primeiro
ano de graduação um período crítico para o seu desenvolvimento e o seu ajustamento acadêmico. Nesta fase,
o estudante experiencia vários desafios provenientes das
tarefas psicológicas normativas inerentes a transição da
adolescência para a vida adulta que quando confrontadas
com as exigências da vida universitária constitui-se um
desafio a ser vencido.
Sendo assim, mostra-se evidente que o aluno
universitário necessita de uma atenção especial para
que os desafios encontrados na adaptação ao curso
superior estimule a sua transição da adolescência para
a vida adulta e não gerem consequências negativas
no nível do aproveitamento acadêmico destes alunos.
Em atenção especial a alunos recém-chegados ao
ensino superior, a universidade deveria implementar
programas de intervenção psicopedagógica que pudessem facilitar a adaptação acadêmica e minimizar
o impacto educacional da universidade nestes
estudantes. Estas estratégias podem envolver várias
atividades com o objetivo de desenvolvimento pessoal do estudante, capacitando-o tanto para as suas
Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho
aprendizagens acadêmicas como para o desenvolvimento da sua personalidade (Santos, 2000; Villar,
2003; Cunha, 2004).
Neste enfoque é importante salientar as dificuldades
de adaptação e de rendimento acadêmico dos estudantes
no ensino superior. É consenso entre os especialistas
que na transição do ensino médio para o ensino superior
o estudante vivencia várias mudanças que geram diversos problemas de ajustamento acadêmico, resultado das
experiências concomitantemente entre às exigências
colocadas pelo contexto e às características
desenvolvimentais dos próprios alunos ( Almeida, 1998a;
Cochrane, 1991; Ferreira, Almeida & Soares, 2001;
Ferreira & Hood, 1990; Pascarella & Terenzini, 1991).
Rickinson e Rutherford (1995; citados por Santos, 2000)
argumentam que estas dificuldades influenciam
negativamente no rendimento acadêmico, aumentam os
índices de evasão e de pedidos aos serviços de apoio
psicossocial.
A maioria dos estudantes que ingressam no ensino
superior traz consigo uma expectativa positiva em relação
a sua futura experiência acadêmica. E, a discordância entre
estes sentimentos e pensamentos e o que a universidade
efetivamente pode oferecer gera uma fonte de difculdades
refletida na adaptação, na satisfação e no sucesso
acadêmico (Berdie, 1966; Soares & Almeida, 2001).
O interesse pelo tema sucesso acadêmico na
universidade tem gerado muitas pesquisas visando identificar quais fatores poderiam prever este sucesso
(Parker & col, 2004). Um processo de adaptação bem
sucedido, especialmente no 1º ano, aparece como
preditor importante da persistência e do sucesso dos alunos ao longo das suas experiências acadêmicas, bem
como determina padrões de desenvolvimento
estabelecidos pelos alunos ao longo de sua vida
universitária (Almeida, 1998b; Tinto,1996; citado por
Santos, 2000).
O primeiro ano da graduação ao curso superior é
considerado um período crítico, pois exige adaptação e
integração ao novo ambiente. O modo como é vivenciada
esta experiência depende tanto do apoio da universidade
como das características individuais de cada um.
(Almeida, 1998a; Pires, Almeida & Ferreira, 2000;
Almeida, Soares & Ferreira, 1999; Cochrane, 1991;
Pascarella, 1985; Ferreira, Almeida & Soares, 2001). A
associação destes fatores é de extrema relevância para
o ajustamento acadêmico, podendo tanto ajudar como
prejudicar a boa adaptação. Os principais problemas
217
O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico
decorrentes deste processo adaptativo estão relacionados às dificuldades e às exigências das atividades
acadêmicas, interpessoais e sociais, à identidade e ao
desenvolvimento vocacional dos jovens (Pires, Almeida
& Ferreira, 2000).
As pesquisas nesta área demonstram que mais da
metade dos alunos que ingressam no curso superior
revelam dificuldades pessoais e acadêmicas, havendo
um aumento dos níveis de psicopatologia da população
universitária (Herr & Cramer, 1992; Leitão & Paixão,
1999; Ratingan, 1989; Stone & Archer, 1990, citados
por Almeida, Soares & Ferreira, 1999; Santos, 2000;
Parker & col, 2004).
Verifica-se pela literatura, que as dificuldades ao
contexto universitário são de diversas naturezas passando tanto pelas questões individuais dos alunos como
também pelas novas exigências acadêmicas e o novo
ambiente, influenciando o desempenho e o desenvolvimento psicossocial dos estudantes.
Segundo Almeida (1998a) as interações que ocorrem
durante este período entre os indivíduos e os contextos
servem de referência para uma melhor compreensão
do ajustamento acadêmico e da realização acadêmica
dos estudantes do ensino superior. A qualidade da transição do ensino médio para o ensino superior vai depender tanto do desenvolvimento psicossocial do aluno, como
também da instituição e dos mecanismos de apoio
colocados á disposição deles.
A noção de sucesso acadêmico está estreitamente
associada às experiências dos estudantes no primeiro
ano do curso, se afastando da perspectiva centrada apenas na lógica do rendimento escolar. Ou seja, o sucesso
acadêmico do aluno deve ser avaliado pelo crescimento
do estudante em relação a si próprio e aos objetivos
propostos, considerando o desenvolvimento integral
(Ferreira, Almeida & Soares, 2001).
Para que o estudante ingressante no ensino
superior alcance o sucesso acadêmico é necessário
que desenvolva as suas competências intelectuais,
acadêmicas e pessoais, tais como: o estabelecimento
e a manutenção de relações interpessoais, o sentido
de identidade e o processo de tomada de decisão
acerca da carreira (Upcraft & Gardner, 1989). Neste
sentido, a universidade emerge como um contexto
facilitador do desenvolvimento pessoal dos jovens,
promovendo a integração e o ajustamento acadêmico,
pessoal, social e afetivo do aluno (Ferreira, Almeida
& Soares, 2001).
É neste enfoque que o presente trabalho pretende
contribuir para o estudo de como as vivências dos alunos ingressantes no ensino superior podem afetar a adaptação e o sucesso acadêmico.Tendo como objetivo
analisar em que medida as três dimensões das vivências
acadêmicas dos alunos (pessoal, de realização e
contextual), avaliadas através da administração do
Questionário de Vivências Acadêmicas – QVA
(Almeida e Ferreira, 1997), se apresentam relacionadas
ao rendimento acadêmico dos alunos do primeiro ano.
MÉTODO
Sujeitos
Participaram do estudo 100 alunos do primeiro ano
do curso de engenharia militar do Instituto Militar de
Engenharia, sendo 12 do sexo feminino e 88 do sexo
masculino. As idades variaram entre o mínimo de 16
anos (2 alunos) e máximo de 24 anos (1 aluno), tendo
86% dos sujeitos idades entre 17 e 20 anos.
Instrumento
Para avaliar as vivências acadêmicas utilizou-se o
Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA) de
Almeida e Ferreira (1997) numa versão adaptada por
Villar e Santos (2001; citado por Villar, 2003) para o
contexto universitário de acadêmicos brasileiros. Este
questionário é um instrumento de auto-relato composto
de 170 itens, em formato Likert de cinco alternativas,
distribuídos por 17 subescalas, algumas pontuando em
mais do que uma subescala. Estas subescalas são
agrupadas de modo a formar três dimensões: pessoal,
da realização acadêmica e contextual. Na Tabela I
encontram-se as subescalas agrupadas de acordo com
cada dimensão.
Para avaliar o rendimento escolar dos alunos, foi
realizada primeiramente uma pesquisa junto aos professores que ministram aulas no 1º semestre do 1º ano do
curso para identificarem dentre todas as disciplinas que
compõem a grade curricular deste semestre, três disciplinas que são essenciais à formação do engenheiro.
Os resultados desta pesquisa permitiram identificar as
três disciplinas mais importantes desta etapa do curso, a
saber: Física I, Cálculo I e Álgebra Linear I. Em seguida,
foi calculado as médias das classificações finais dos alunos nas três disciplinas referidas.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 215-224
Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho
218
Tabela I: Descrição das subescalas por dimensão
Dimensão
Sub-escala
Pessoal
Realização
Contextual
Nº de itens
2- Relacionamento com a família
10
3- Autonomia pessoal
12
6- Bem-estar físico
13
7- Bem-estar psicológico
14
13- Auto-confiança
11
15- Percepção pessoal de competência
10
1- Bases de conhecimento para o curso
6
4- Métodos de estudo
11
5- Desenvolvimento da carreira
13
8- Relacionamento com professores
14
9- Adaptação ao curso
15
17- Ansiedade na realização de exames
10
10- Gestão do tempo
8
11- Adaptação à instituição
11
12- Gestão dos recursos econômicos
8
14- Relacionamento com colegas
15
16- Envolv. em atividades extra-curriculares
11
Procedimento
A aplicação do QVA foi realizada no final do mês de
maio do mesmo ano letivo em que foi considerado o
rendimento acadêmico dos alunos. A aplicação do QVA
foi coletiva e administrada a todos os alunos da amostra
numa única sessão, tendo um tempo médio de resposta ao
questionário em torno de 30 minutos. Foram apresentadas
aos alunos os objetivos do estudo e o interesse na aplicação do instrumento da pesquisa, assim como foram prestados outros esclarecimentos, como a confiabilidade das
respostas dadas. O levantamento das respostas do QVA
foi realizado conforme recomendações dos autores.
Para as análises dos dados recorreu-se ao software
SPSS, onde procedeu-se a correlação de Pearson.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme podemos constatar, a partir da leitura Da
Tabela II, as maiores médias foram encontradas nas
subescalas Relacionamento com colegas, Adaptação ao
curso e Desenvolvimento de Carreira, indicando serem
as vivências mais favoráveis dos alunos desta amostra.
No entanto, as subescalas Bases de conhecimento para
o curso e Gestão do Tempo apresentaram valores de
médias mais baixos, revelando serem as vivências de maior
dificuldade na adaptação acadêmica.
Observa-se que os valores obtidos no QVA demonstraram um leque variado de resultados por subescala,
sugerindo uma variabilidade de experiências. Importa
salientar que as subescalas Bases de conhecimento
para o curso, Bem –Estar Psicológico, Gestão do
Tempo, Gestão dos recursos econômicos e Ansiedade
na realização de exames apresentaram os maiores
coeficientes de variação, indicando que as vivências
nestas áreas foram mais diferenciadas em relação as
demais subescalas do QVA.
Comparando as médias das três disciplinas na Tabela III, Álgebra Linear apresentou a maior média e o
maior coeficiente de variação (22,4%). Estes resultados
significam que as notas dos alunos em Álgebra Linear
variaram mais e que os alunos tiveram desempenhos
menos homogêneos.
É interessante levantar algumas questões acerca das
dificuldades adaptativas e o rendimento em Álgebra Li-
219
O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico
Tabela II: Estatística Descritiva dos resultados por subescala do QVA
Subescalas
Bases de conhecimento para
o curso
Relacionamento com a
família
Autonomia Pessoal
Métodos de estudo
Desenvolvimento de carreira
Bem-estar físico
Bem-estar psicológico
Relacionamento com
professores
Adaptação ao curso
Gestão do tempo
Adaptação à instituição
Gestão dos recursos
econômicos
Autoconfiança
Relacionamento com
colegas
Percepção pessoal de
competências cognitivas
Envolvimento em atividades
extra-curriculares
Ansiedade na realização de
exames
Média
Desvio
Padrão
Coeficiente
de variação
Mínimo
Máximo
Amplitude
22,0
5,3
24,7%
6
30
24
42,0
6,9
16,9%
16
50
34
44,0
34,0
56,0
50,0
46,0
40,0
7,0
6,3
8,0
7,7
11,3
7,7
16,1%
18,9%
14,4%
15,9%
24,5%
19,3%
22
18
28
24
15
24
58
48
68
63
68
65
36
30
40
39
53
41
56,5
24,5
44,5
30,0
9,1
5,5
5,6
6,0
16,2%
22,5%
12,8%
20,4%
33
13
28
11
73
38
53
39
40
25
25
28
42,0
62,0
7,5
9,6
18,2%
16,2%
12
28
54
74
42
46
36,0
6,6
18,3%
18
49
31
34,0
5,3
16,0%
18
46
28
35,0
7,5
21,7%
13
50
37
Mínimo
Máximo
Amplitude
Tabela III: Estatística Descritiva dos resultados por disciplina
Disciplina
Média Desvio
Coeficiente
Padrão
de variação
Fisica I
5,65
1
20,9%
2
9
7
Calculo I
5,76
1
21,4%
3
9
6
Algebra Linear I
6,17
1
22,4%
3
9
6
Média das 03 disciplinas
5,86
1
17,7%
3
8
5
near. Primeiramente importa destacar sobre o
comportamento do docente em sala de aula. Muitos
autores estudam sobre como um determinado estilo do
professor pode interferir no comportamento do aluno e
no seu desempenho acadêmico. A partir da relação professor-aluno, ambos constróem algumas representações
mútuas que irão mediar esta interação e determinarão
comportamentos futuros (Rego, 1995; Santos, 2000; Coll
e Miras, 1996). Em segundo lugar, podemos ressaltar
sobre as implicações do uso adequado e eficiente de
estratégias de aprendizagem, da motivação, da autoestima do aluno e das condições de ensino e aprendiza-
gem existentes no contexto da sala de aula no rendimento
escolar (Costa e Boruchovitch, 2000; Zenorine e Santos,
2004; Sá, 2004; Pozo, 1996). E por fim, se faz necessário
outros estudos com novos grupos para podermos
compreender melhor quais fatores estão interferindo na
relação Álgebra Linear e as primeiras vivências no
ensino superior.
Na Tabela IV é apresentada a correlação entre as 17
subescalas do QVA e as médias das disciplinas selecionadas
como as mais importantes desta fase do curso.Tendo como
objetivo testar se as vivências acadêmicas de alunos no
ensino superior têm implicações no rendimento escolar.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 215-224
Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho
220
Tabela IV: Correlação entre as subescalas do QVA e o Rendimento acadêmico
Subescalas
Bases de conhecimento para o curso
Relacionamento com a família
Autonomia Pessoal
Métodos de estudo
Desenvolvimento de carreira
Bem-estar físico
Bem-estar psicológico
Relacionamento com professores
Adaptação ao curso
Gestão do tempo
Adaptação à instituição
Gestão dos recursos econômicos
Autoconfiança
Relacionamento com colegas
Percepção pessoal de competências
Cognitivas
Envolvimento em atividades
extra-curriculares
Ansiedade na realização de exames
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
r
p
Fisica I
Calculo I
0,18
0,06
0,09
0,36
0,01
0,89
0,13
0,18
-0,06
0,49
0,21
0,03∗
0,17
0,07
0,04
0,64
0,01
0,91
0,20
0,04∗
-0,01
0,89
0,17
0,08
0,09
0,33
-0,01
0,89
0,10
0,30
-0,00
0,93
0,15
0,12
0,24
0,01∗
0,17
0,09
-0,04
0,69
0,14
0,14
-0,05
0,56
0,23
0,01∗
0,23
0,02∗
0,09
0,32
0,12
0,20
0,19
0,05
0,07
0,45
-0,01
0,86
0,11
0,26
0,04
0,62
0,10
0,28
-0,00
0,99
0,19
0,04∗
Algebra
Linear I
0,339
0,001∗∗
0,086
0,395
0,175
0,081
0,156
0,12
0,05
0,58
0,20
0,03∗
0,31
0,00∗∗
0,22
0,02∗
0,16
0,11
0,15
0,11
0,13
0,18
0,22
0,02∗
0,26
0,00∗∗
0,16
0,09
0,33
0,00∗∗
0,07
0,45
0,31
0,00∗∗
Média
0,317
0,001∗∗
0,141
0,163
0,067
0,509
0,178
0,07
-0,02
0,80
0,26
0,00∗∗
0,30
0,00∗∗
0,15
0,11
0,12
0,21
0,22
0,02∗
0,08
0,40
0,16
0,11
0,20
0,04∗
0,08
0,37
0,23
0,02∗
0,03
0,76
0,27
0,00∗∗
**p<0,01 (correlação significativa ao 1%); *p<0,05 (correlação significativa ao 5%)
A análise da Tabela IV revela que ocorre uma
correlação positiva com significado estatístico entre as
subescalas Bem estar físico e Gestão do Tempo com
a disciplina Fisica I.
Quanto a disciplina Cálculo I encontra-se uma
correlação positiva com significância estatística nas
subescalas Bases de conhecimento para o curso, Bemestar físico, Bem estar-psicológico e Ansiedade na
realização de exames.
Em relação as subescalas do QVA e a disciplina
Agebra Linear I obteve-se correlação positiva com
significância estatística nas subescalas Bases de
conhecimento para o curso, Bem-estar físico, Bem
estar-psicológico, Gestão dos recursos econômicos,
Auto-confiança, Percepção pessoal de competência
cognitiva e Ansiedade na realização de exames. Observa-se, ao analisar os dados, que esta referida disciplina apresenta mais correlações com as subescalas do
QVA do que as outras duas disciplinas.
As sub-escalas do QVA apresentam com a média
das três disciplinas uma correlação com significância
estatística nas sub-escalas: Base de conhecimento para
o curso, Bem estar físico, Bem estar psicológico,
Gestão do tempo, Auto-confiança , Percepção pessoal de competências cognitivas e Ansiedade na
realização de exames.
221
O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico
Quanto a Percepção pessoal de competências
cognitivas muitos autores afirmam que a percepção dos
estudantes sobre as suas competências influencia o seu
desempenho, a persistência e o envolvimento na tarefa
(Marsh, 1990; Sá, 2004; Bandura, 1997).
Adicionalmente verifica-se, ao analisar a Tabela IV
que apenas a subescala Bem estar físico apresenta
correlação positiva com todas as disciplinas, mostrando
que esta sub-escala é a mais expressiva desta amostra
na influencência do rendimento acadêmico. Este
resultado sugere que melhores índices de bem-estar
fisico por parte dos alunos interferem de forma positiva
no desempenho acadêmico dos mesmos.
Na Tabela V estão apresentados os resultados obtidos nas 17 subescalas que compõem o QVA, agrupados
de acordo com as dimensões as quais pertencem (pessoal, realização acadêmica e institucional), em relação
ao rendimento acadêmico dos alunos.
Para análise da relação entre as dimensões do QVA
e o rendimento acadêmico procedeu-se à análise
correlacional (cálculo dos coeficientes de correlação de
Pearson).
significado estatístico, com as dimensões Pessoal e de
Realização Acadêmica do QVA. Entretanto, verificase que as sub-escalas da dimensão institucional estão
menos relacionadas com o rendimento dos alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste trabalho indicam que os alunos
com as melhores vivências acadêmicas nas dimensões
Pessoal (r=0,27; p<0,01) e de Realização acadêmica
(r= 0,21; p< 0,05) apresentam melhor rendimento
escolar. Já as subescalas relacionadas à dimensão
Institucional estão muito menos relacionadas com o
desempenho acadêmico do que as subescalas que
compõem as dimensões Pessoal e de Realização
Acadêmica. Muitos estudos apontam nesta direção, que
a percepção de bem-estar físico e psicológico,
autoconfiança e a percepção pessoal de competências
cognitivas estão relacionadas positivamente com o
rendimento acadêmico (Santos, 2000; Rego, 1998).
Tabela V: Correlação entre as dimensões do QVA e o rendimento acadêmico
Dimensão
Fisica I
Calculo I
Algebra
Linear I
Pessoal
r
0,15
0,18
0,30
p
0,11
0,06
0,00∗∗
Realização
r
0,08
0,15
0,26
p
0,39
0,13
0,00∗∗
Contextual
r
0,08
0,08
0,22
p
0,40
0,42
0,02∗
Média
0,27
0,00∗∗
0,20
0,03∗
0,16
0,10
**p<0,01 (correlação significativa ao 1%); *p<0,05 (correlação significativa ao 5%)
As subescalas mais expressivas nesta relação são
“Bases de conhecimento para o curso (p= 0,001), Bemestar físico (p=0,002), Bem- estar psicológico (p=
0,002) e Ansiedade na realização de exames (P=0,005).
Quanto a ansiedade na realização de exames a literatura preconiza que as avaliações escolares (testes e
exames) são fontes geradoras de ansiedade que afetam
negativamente tanto o desempenho acadêmico como a
auto-estima (Gil, Sedeño, Alba & Carretero, 1997;
Brown & Ralph, 1999; citados por Santos, 2000: Fischer
& Wood, 1989).
Na Tabela V fica evidente que a disciplina Algebra
Linear I foi a que mais se correlacionou positivamente
com as vivências acadêmicas e que a média das três
disciplinas apresenta uma correlação positiva de
Em relação a estes resultados a literatura na área já
vem confirmando que os desafios provocados pela transição educacional tem implicações negativas na vida
acadêmica do estudante, em particular, no rendimento
acadêmico.
Este estudo ampliando o conhecimento sobre o
impacto da universidade no aluno ingressante no curso
superior visa estimular e promover estratégias de
intervenção de apoio psicossocial que facilitem as
resoluções dos conflitos gerados neste momento e que
estimulem o sucesso acadêmico. As estratégias de apoio
psicossocial direcionadas aos alunos do primeiro ano do
curso universitário poderiam ser elaboradas de diversas
formas e conteúdos com o objetivo de proporcionar ao
estudante à oportunidade de estimular o desenvolvimento
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 215-224
222
Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho
do seu potencial e melhorar o ajustamento à vida
universitária.
Neste sentido este estudo serve como referencial
para as universidades compreenderem a importância da
criação de um espaço que contribuia para a formação
integral do ser humano, considerando principalmente que
os componentes emocional e cognitivo são parte
constituinte do mesmo. Além disso, ainda com o objetivo
de promover o desenvolvimneto global do aluno, a
universidade deverá alargar as suas funções permitindo a elaboração de propostas de intervenções preventivas que assegurem o sucesso acadêmico. A este propósito, Gonçalves e Cruz (1988) salientam sobre a
importância de serviços de prevenção para diminuir a
incidência de um detreminado problema detectado junto
a população universitária. Trabalhar na identificação e
na resolução destes fatores de risco minimizaria o
impacto das dificuldades vivênciadas pelos alunos por
ocasião do ingresso no ensino superior e facilitaria a
integração do estudante na vida universitária e
consequentemente o seu desempenho acadêmico.
Muitos autores apontam como relevante para este
momento o planejamento de programas de treinamento
de estratégias de auto-regulação acadêmica (Santos,
2000; Almeida, 2002; Zenorine e Santos, 2004).
É importante ressaltar que mesmo considerando à
limitação deste estudo, tanto pelo número reduzido
da amostra, como pelo fato da instituição de nível
superior a qual foi realizado o estudo ser uma escola
militar com características muito específicas,
necessitando maiores investigações com a população
mencionada, encontramos resultados semelhantes ao
da literatura na área. Os resultados apresentados justificam a continuidade deste estudo, como de fato a
literatura atesta sobre a importância das vivências
acadêmicas dos estudantes no ensino superior no
sucesso acadêmico e para o desenvolvimento
psicossocial.
O objetivo central do presente trabalho foi analisar a
relação das vivências acadêmicas com o rendimento
acadêmico. Em função dos resultados apresentados
pode-se concluir que a universidade deve dar uma maior
atenção aos novos alunos, implementando intervenções
de apoio psicossocial de forma a minimizar os fatores
de dificuldade na transição educacional e, assim, facilitar o sucesso acadêmico.
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São Paulo.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 215-224
224
Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho
Recebido em: 16/09/2005
Revisado em: 14/12/2005
Aprovado em: 21/12/2005
Endereço para correspondência:
Simone Miguez Cunha: Instituto Militar de Engenharia – Secção Psicopedagógica – Praça General Tibúrcio, 80 – Praia Vermelha
– CEP.: 22290-270 – Rio de janeiro - RJ – e-mail: [email protected]
Denise Madruga Carrilho: Instituto Militar de Engenharia – Secção Psicopedagógica – Praça General Tibúrcio, 80 – Praia
Vermelha – CEP.: 22290-270 – Rio de janeiro - RJ – e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2 225-233
INFLUÊNCIAS PATERNAS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL:
REVISÃO DA LITERATURA
RELACIONAMENTO PAI-FILHO
Fabiana Cia1
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams2
Ana Lúcia Rossito Aiello3
Resumo
Este trabalho teve como objetivo revisar a produção científica na literatura nacional e internacional indexada, entre 1999 e 2003, de estudos
empíricos que descreviam o relacionamento pai-filho de pais adultos com filhos de zero a seis anos ou que correlacionavam esse relacionamento
com o desenvolvimento infantil. Foi realizada uma busca sistemática em três bases de dados bibliográficos (PsycInfo, LILACS e Periódicos Capes),
utilizando as palavras-chave: pai (“father”), envolvimento paterno (“paternal involvement”), criança (“child”) e desenvolvimento infantil
(“child development”). Foram identificados 12 artigos (quatro nacionais e oito internacionais) que foram analisados considerando diferentes
aspectos (periódicos em que foram publicados, variáveis relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas, principais resultados obtidos e
indicações para pesquisas futuras). Constatou-se a carência de estudos sobre o tema em questão, principalmente no contexto brasileiro.
Palavras-chave: Revisão de literatura; Relacionamento pai-filho; Desenvolvimento infantil.
PATERNAL INFLUENCES ON CHILD DEVELOPMENT: A LITERATURE REVIEW
Abstract
This paper was aimed at reviewing the indexed scientific production on the Brazilian and international literature, of empirical studies related
to adult fathers of children (zero to six years old), between 1999 and 2003 that described the father-child interaction or correlated the father-child
interaction with child development. A systematic search on bibliographical database (PsycInfo, LILACS and Periódicos Capes) was conducted,
using the key-words: father, paternal involvement, child and child development. A total of twelve studies were identified (four Brazilian and eight
international). They were analyzed taking into account different aspects (published journal, variables studied, technique of data collection, results
and indications for future research). A low incidence of articles regarding the importance of paternal involvement on child development was noted,
specially in the Brazilian context.
Key words: Literature review; Father-child relations; Childhood development.
INTRODUÇÃO
Históricos sobre o Interesse pela Figura
Paterna na Pesquisa
O conceito de paternidade tem experimentado drásticas mudanças decorrentes das modificações
econômicas, sociais e culturais que a família vêm
1
sofrendo ao longo do tempo. Tecendo um breve panorama, nos séculos XVII e XVIII os pais tinham o papel
de provedor financeiro e o de promover o desenvolvimento moral e a educação religiosa de seus filhos. Com
a industrialização e a urbanização, a partir do século
Psicóloga e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar.
Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São
Carlos/UFSCar.
3
Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São
Carlos/UFSCar.
Apoio CNPq.
2
226
Fabiana Cia, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Lúcia Rossito Aiello
XIX, os pais que geralmente mantinham contato
freqüente com sua família porque trabalhavam em fazendas perto da residência, passaram a ter que trabalhar em indústrias com excessiva carga horária de trabalho, havendo redução no seu convívio familiar e,
conseqüentemente maior responsabilidade das mães
pelos cuidados do filho (Coley, 2001).
Pesquisas sobre o envolvimento paterno dos anos 1950
e 1960, consistentemente, mostravam que o pai possuía
uma participação muito restrita no desenvolvimento da
criança. Entre 1960 e 1976, apenas 3% dos estudos sobre
o desenvolvimento infantil, incluíram o pai (Dessen &
Lewis, 1998). Essas pesquisas enfatizavam que o papel
paterno era o de brincar com os filhos e que os impactos
mais importantes do envolvimento do pai no
desenvolvimento dos filhos incluíam a promoção do
desenvolvimento social das meninas e a formação de
identidade sexual dos meninos (Lamb, 1997; Guille, 2004).
A partir de 1970, com a revolução feminista, a porcentagem de mulheres que exercem atividades
remuneradas vem progressivamente aumentando. Apesar desse aumento crescente da mulher no mercado de
trabalho ter favorecido economicamente à família, essa
equidade econômica está gerando transformações nos
papéis atribuídos ao gênero, tanto no ambiente profissional quanto no ambiente familiar (Engle & Breaux, 1998;
Brandth & Kvande, 2002; Rodrigues, Assmar &
Jablonski, 2002).
Sendo assim, até a década de 1970, a estrutura familiar
era organizada com o homem ocupando a posição de maior
status no grupo. Com o aumento crescente de poder por
parte das mulheres, reivindicando para si as prerrogativas
outrora reservadas aos homens, as mulheres deixaram
de assumir a totalidade de responsabilidade em relação
aos filhos, exigindo um envolvimento paterno direto (Lamb,
1997; Diniz, 1999; Bertolini, 2002) Como conseqüência
do surgimento desses novos papéis, evidenciou-se uma
transformação na organização familiar, aumentando o
número de famílias recasadas e de famílias monoparentais
(Dessen & Silva, 2004).
Diante de tais fatores, os pesquisadores sociais
passaram a enfatizar a importância de se realizar pesquisas
que envolvessem a interação pai-filho. Em tal momento,
teve início o reconhecimento de que os pais desempenham
papéis complexos e multidimensionais e que muitos
padrões de influências são indiretos. Além disso, cabe
enfatizar que as contribuições sociais da paternidade
variam dependendo da época histórica e do contexto
cultural. No entanto, raramente se encontram trabalhos
nos quais as atividades paternas e a relação pai-filho são
realmente observadas, uma vez que, a maioria das
pesquisas sobre o desenvolvimento da criança e seu bemestar está focada na díade mãe-criança (Lamb, 1997;
Lewis & Dessen, 1999; Dessen & Silva, 2000).
A Necessidade de uma Revisão da Literatura
O interesse por realizar esta revisão da literatura
baseou-se na existência de poucos estudos sobre a
temática da mediação paterna e de sua importância para
o desenvolvimento infantil no meio acadêmico nacional.
Assim, foi necessário recorrer, também, à produção
internacional, principalmente norte-americana, para que
a elaboração deste trabalho se concretizasse.
Além disso, o papel do pai se encontra em uma fase
de transição social. O número de famílias com ambos
os pais trabalhando fora ainda está crescendo e, em
função disso, o papel da figura paterna está se
redefinindo. Os homens estão assumindo uma nova
identidade, principalmente nos cuidados oferecidos aos
filhos (Cabrera, Tames-LeMonda, Bradley, Hofferth &
Lamb, 2000; Coley, 2001; Bertolini, 2002; Brandth &
Kvande, 2002; Dantas, Jablonski & Féres-Carneiro,
2004; Tiedje, 2004).
Lewis e Dessen (1999) apresentam diferentes
perspectivas em relação à paternidade, como por exemplo,
a paternidade tradicional, a moderna e a emergente.
Na perspectiva tradicional, o pai tem o papel de provedor,
que oferece suporte emocional à mãe, mas não se envolve
diretamente com os filhos, exercendo um modelo autoritário. Na perspectiva moderna, o papel do pai diz respeito
ao desenvolvimento moral, escolar e emocional dos seus
filhos. Por fim, a perspectiva emergente, origina-se na
idéia de que o homem é capaz de participar ativamente
dos cuidados e criação dos seus filhos. No entanto, devese considerar que pais e mães se envolvem em atividades
diferentes com seus filhos e que ambos desempenham
papéis importantes em todos os aspectos do
desenvolvimento infantil (Lamb, 1997; Guille, 2004).
Soma-se o fato de que há um grande valor científico
em uma revisão da literatura, pois ela fornece
resumidamente um panorama abrangente sobre um determinado tema, sendo ressaltado tanto os temas de
pesquisa mais investigados pelos pesquisadores em determinada época, como os temas que têm recebido pouca
atenção dos mesmos. A partir desse pressuposto, podese também realizar uma investigação mais detalhada
Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura
sobre a elaboração teórica e metodológica empregada,
o que fornece uma idéia do nível de desenvolvimento da
pesquisa e de suas possíveis contribuições ao meio
acadêmico (Piccinini & Lopes, 1994; Amato & Gilbreth,
1999). Assim, o objetivo geral deste estudo foi o de
realizar uma revisão da literatura nacional e internacional
sobre pais adultos de filhos de zero a seis anos,
considerando pesquisas que descreviam o
relacionamento pai-filho ou que correlacionavam esse
relacionamento com o desenvolvimento infantil.
MÉTODO
Fonte
Primeiramente, objetivou-se verificar a incidência de
artigos publicados (de 1999 a 2003), em revistas
indexadas na base de dados PsycInfo, LILACS e
Periódicos Capes sobre pais adultos.
227
Considerando a produção científica internacional,
primeiramente, foi feita uma análise dos temas de todos
os resumos encontrados, a fim de se obter um panorama
detalhado das pesquisas que correlacionavam o
relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil.
Do total, foram encontrados 58 artigos e excluídos artigos
cujos objetivos eram incompatíveis com o da presente
revisão, como os que descreviam o relacionamento paifilho, entre pais adolescentes ou que descreviam o
relacionamento pai-filho, entre filhos em idade escolar,
adolescentes e adultos (50). Sendo assim, oito artigos
internacionais foram obtidos na íntegra, que continham
a descrição do relacionamento pai-filho e que
correlacionavam este relacionamento com o
desenvolvimento infantil. Com os oito artigos
internacionais e com os quatro artigos nacionais
selecionados foram realizadas análises, considerando:
periódicos em que foram publicados os artigos, variáveis
relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas,
principais resultados obtidos nos artigos e indicações para
pesquisas futuras.
Procedimento
Foram utilizados como descritores os termos: pai
(“father”), envolvimento paterno (“paternal
involvement”), criança (“child”) e desenvolvimento
infantil (“child development”). Esses termos, embora
indicassem algumas vezes artigos repetidos, em outras
vezes revelaram artigos não contidos em outros
descritores. Assim, foi possível obter garantia a respeito
da maior abrangência das consultas realizadas. Foram
excluídos resumos de capítulos de livro ou livros que
constavam dentro destes termos-chave. Cabe ressaltar,
ainda, que as palavras-chave não fizeram menção à
particularidades do desenvolvimento infantil (como por
exemplo, deficiência mental, autismo, síndrome de Down,
etc.) e, sendo assim, o universo pesquisado poderá ser
mais abrangente.
Para delimitar a presente revisão, foram priorizadas
pesquisas envolvendo apenas pais adultos com filhos de
zero a seis anos. Constatou-se que, dentre os periódicos
brasileiros, só foram encontrados estudos que
descreviam o relacionamento pai-filho, não sendo
encontrado estudos sobre a correlação com o
desenvolvimento infantil. Do total foram encontrados dez
artigos nacionais e excluídos artigos que descreviam
apenas o relacionamento pai-filho, entre pais adolescentes (6). Sendo assim, quatro artigos nacionais foram
obtidos na íntegra.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados serão apresentados considerando-se
os periódicos em que foram publicados os artigos, as
variáveis relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas, principais resultados obtidos nos artigos e
indicações para pesquisas futuras.
Periódicos em que foram publicados os artigos
A Tabela 1 apresenta a porcentagem de artigos
publicados em cada periódico.
Tabela 1: Porcentagem de artigos em cada periódico.
Periódicos
(%)
N
Child Development
Psicologia: Teoria e Pesquisa
Child Maltreatment
Developmental Psychology
Early Childhood Research Quarterly
Psicologia: Reflexão e Crítica
25.0
25.0
16.7
16.7
8.3
8.3
3
3
2
2
1
1
Pode-se verificar que, dentre os artigos nacionais,
há publicações apenas em dois periódicos, sendo três
Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233
228
Fabiana Cia, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Lúcia Rossito Aiello
artigos publicados na revista “Psicologia: Teoria e Pesquisa”. Considerando os periódicos internacionais, o
periódico Child Development foi o que apresentou maior
número de artigos. Os dados da Tabela 1 mostram como
são escassos os estudos com o pai no contexto brasileiro, considerando principalmente que duas pesquisas
selecionadas nessa revisão, publicadas em periódicos
nacionais, foram realizadas em outros países, como a
de Tudge e cols. (2000), que foi desenvolvida nos Estados
Unidos e a de Harokopio (2000), que foi desenvolvida
na Grécia.
Variáveis relacionadas
Além dos periódicos, foram analisadas as variáveis
relacionadas em cada artigo, como mostra os dados da
Tabela 2.
Taylor, 2003;). No entanto, apenas um estudo descreveu
um programa de intervenção direcionado exclusivamente
para a figura paterna (Fagan & Iglesias, 1999).
Técnicas de coleta de dados utilizadas
A Tabela 3 mostra as principais técnicas de coleta
de dados utilizadas nos artigos selecionados.
Pode-se constatar que as técnicas de coleta de dados mais utilizadas foram as de observação (Tudge &
cols., 2000; Frosch & Mangelsdorf, 2001; Feldman &
Klein, 2003) e as de preenchimento de questionários
(Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Jaffee & cols.,
2003). Apesar da observação ter a interferência do
observador na coleta de dados, trata-se de um método
que permite levantar informações minuciosas. Com
relação ao uso de questionários, sabe-se é um instru-
Tabela 2: Porcentagem de variáveis relacionadas em cada artigo.
Variáveis
(%)
N
Papel paterno/papel materno e o desenvolvimento infantil
50.0
6
Comparação do relacionamento pai-filho e mãe-filho
16.7
2
Relacionamento pai-filho
16.7
2
Intervenção com o pai e sua influência no relacionamento pai-filho e
8.3
1
8.3
1
Variáveis
(%)
N
Observação
25.0
3
Preenchimento de questionários
25.0
3
Aplicação de testes e preenchimento de questionários
16.7
2
Observação e entrevista
8.3
1
Observação e preenchimento de questionários
8.3
1
Entrevista
8.3
1
Aplicação de testes e entrevistas
8.3
1
no desenvolvimento infantil
Papel paterno e o desenvolvimento infantil
Tabela 3: Principais técnicas de coleta de dados utilizadas nos artigos.
A maioria (66.7%) dos estudos correlacionou o
relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil
(Black, Dubowitz & Starr, 1999; Fagan & Iglesias, 1999;
Verschueren & Marcoen, 1999; Dubowitz & cols., 2001;
Frosch & Mangelsdorf, 2001; Marshall, English & Stewart,
2001; Feldman & Klein, 2003; Jaffee, Moffitt, Caspi &
mento de coleta de dados muito utilizado, por ser rápido,
econômico e acessível (Cozby, 2002).
Principais resultados obtidos nos artigos
Dos estudos selecionados na presente revisão, pôdese classificá-los em três categorias de acordo com os
Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura
seus resultados: descrição do relacionamento pai-filho,
correlação entre o relacionamento pai-filho e o
desenvolvimento infantil e programa de intervenção com
o pai.
Descrição do relacionamento pai-filho
Considerando o tempo de convívio com o filho, Tudge
e cols. (2000) ao pesquisarem os comportamentos
paternos em vários contextos culturais, constataram que
o pai passa de 20% a 25% do tempo que a mãe passa
com seu filho. Em geral, o pai não assume a
responsabilidade principal pelos cuidados e a criação do
filho. Quando a mãe trabalha fora, o envolvimento
paterno sobe para 33% a 65%. Harokopio (2000) em
uma pesquisa realizada com pais gregos, estima que,
quando a mãe trabalha fora, o pai realizava duas vezes
mais serviços domésticos e cuidados com o filho. Nesses
lares, o pai relatava ter maior preocupação com o bemestar dos seus filhos do que nos lares que contavam
com uma mãe que era exclusivamente dona-de-casa.
A pesquisadora, ainda, ressalta que em lares nos quais
coabitam ambos os pais, menos de 2% dos pais
compartilhavam igualmente as tarefas de cuidados da
criança com as mães, e apenas 10% dos homens podiam
ser classificados como altamente envolvidos (fazendo
40% a menos do que as mães). Segundo Dessen e Braz
(2000), os pais justificam a pouca interação com o filho
por causa do tempo despendido no trabalho.
O pai passa mais tempo cuidando do filho quando
esse é bebê, do que quando é mais velho (Levandowski
& Piccinini, 2002). Desconsiderando a fase da primeira
infância, Tudge e cols. (2000) indicaram que o pai passa
mais tempo com o filho quando ele está na pré-escola
do que quando está na idade escolar. Uma possível
explicação dessa maior interação entre pai e filho na
idade pré-escolar é que, nessa idade, é mais fácil a
criança acompanhar o pai em suas atividades,
independente do que o pai irá fazer e do lugar que irá
(Black & cols., 1999).
Além da questão do tempo, no geral, pais e mães se
envolvem em atividades diferentes com seus filhos. Os
pais são especialistas no brincar, estimulando o contato
social e instrumental da criança e engajando-a em
atividades físicas, enquanto as mães se envolvem mais
em jogos verbais em torno do brinquedo e nos cuidados,
alimentação, conforto, afeto e proteção da criança
(Verschueren & Marcoen, 1999; Dessen & Braz, 2000;
Harokopio, 2000; Tudge & cols., 2000).
229
Correlação entre o relacionamento pai-filho e o
desenvolvimento infantil
A maioria dos estudos aponta que a criança que vive
com a privação paterna (em decorrência do divórcio ou
decorrente de interações infreqüentes entre pai e filho
mesmo morando na mesma casa), pode ter problemas
no desenvolvimento, podendo ser considerado um fator
de risco (Black & cols., 1999; Marshall & cols., 2001).
Os estudos descritos a seguir mostram as principais
implicações que a interação infrequente entre pai e filho
pode ter no desenvolvimento infantil. Como por exemplo,
Dubowitz e cols. (2001) realizaram um estudo incluindo
pessoas de etnias afro-americanas e brancas, em que
participaram 855 crianças de seis anos, com seus pais e
suas mães, que viviam em ambiente de risco (pobreza,
maltrato, abuso e negligência). Os objetivos desse estudo
eram os de verificar se a presença do pai estava
associada com problemas de comportamento e depressão na criança e se a percepção da criança quanto ao
suporte que o pai lhe oferecia estava associada ao seu
melhor funcionamento cognitivo. Para obtenção desses
dados os participantes foram entrevistados. O principal
resultado foi que, quanto maior o suporte que o pai
oferecia para o filho, melhor o desenvolvimento cognitivo,
menor a probabilidade de problemas de comportamento
e menor o número de sintomas depressivos dos filhos.
Esses resultados também foram apontados por
Marshall e cols. (2001), ao realizarem, nos Estados
Unidos um estudo longitudinal com famílias (n=261).
Essas famílias eram de baixa renda e as crianças tinham
risco de maltrato. Os objetivos do estudo eram os de
verificar se a presença ou ausência do pai ou figura
paterna estava relacionada com problemas de
comportamento e sintomas depressivos quando o filho
tinha quatro anos e quando o filho tinha seis anos. Para
obter essas informações foram aplicados testes e
realizadas entrevistas. Os resultados mostraram que,
dentre as crianças que não conviviam com o pai ou com
uma figura paterna, quando estavam com quatro anos
apresentaram maior índice de problemas de
comportamento e quando estavam com seis anos,
apresentaram maior escore de depressão e maior índice
de externalização de comportamentos agressivos.
No entanto, não é só a ausência da figura paterna
que acarreta problemas comportamentais nos filhos, pois
características do comportamento paterno influenciam
negativamente o comportamento do filho. Frosch e
Mangelsdorf (2001) realizaram um estudo com 78 pais
Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233
230
Fabiana Cia, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Lúcia Rossito Aiello
e mães americanos e seus filhos de aproximadamente
três anos de idade, de classes socioeconômicas variadas,
para verificar se o comportamento do pai e da mãe
influenciava nos problemas de comportamento dos filhos.
Foram utilizadas as seguintes medidas de comparação:
identificação de problemas de comportamento da criança,
observação da professora quanto aos problemas de
comportamento em sala de aula e observação dos
comportamentos de interação paterna e materna com
os filhos. Os resultados mostraram que as crianças com
maior índice de problemas de comportamento, tanto na
escola quanto no ambiente familiar, tinham o pai com
comportamento mais hostil e intruso. Além disso, a
presença desses pais agia negativamente na influência
positiva do relacionamento materno com o filho.
Jaffee e cols. (2003), também, mostraram resultados
semelhantes à pesquisa anterior ao realizarem um estudo
na Inglaterra com 1115 pais/mães de crianças de cinco
anos de idade, de diferentes níveis socioeconômicos. O
objetivo do estudo foi o de verificar quais as vantagens
e desvantagens de o filho conviver com o pai biológico
que tinha comportamento anti-social. Para isso, os autores verificaram a história de comportamento anti-social
do pai e da mãe, os cuidados do pai com a criança e os
comportamentos anti-sociais da criança, sendo coletadas
tais informações por meio de aplicação de questionários.
Os resultados mostraram que os filhos, cujos pais tinham
maior freqüência de comportamentos anti-sociais,
apresentavam mais problemas de comportamento
quando residiam com o pai, comparando com as crianças
que não residiam com o pai. Além disso, nas famílias
em que os pais tinham comportamentos anti-sociais havia
maior freqüência de problemas familiares, incluindo a
pobreza, violência contra a mulher e disciplina coercitiva
com os filhos.
Considerando, mais especificamente, o desenvolvimento cognitivo e lingüístico, Black, Dubowitz e Star.
(1999) analisaram a influência do pai no desenvolvimento
infantil de crianças com três anos expostas a fatores de
riscos (HIV, maltrato, baixa nutrição, drogas), com uma
população afro-americana de baixo poder aquisitivo
(n=175 famílias). Os objetivos desse estudo eram os de
avaliar o relacionamento mãe/filho, pai/filho, ambiente
familiar e habilidades cognitivas e lingüísticas dos filhos,
sendo obtidas tais informações por meio da observação
da interação estruturada de ambos os pais e seus filhos
e por preenchimento de questionários. Os resultados
mostraram que as crianças com melhor desenvolvimento
cognitivo e lingüístico interagiam mais com o pai e este
tinha maior satisfação quanto ao desenvolvimento de
seu papel. As mães, também, apontaram que, entre os
pais mais satisfeitos, as crianças tinham menos problemas de comportamento e havia maior suporte financeiro
na família.
Em relação à importância do pai para o desenvolvimento social dos filhos, Feldman e Klein (2003)
estudaram a relação pai/mãe-bebê, no momento em que
as crianças estavam aprendendo a andar. Participaram
do estudo 90 famílias de classe socioeconômica média,
de nacionalidade americana. Os objetivos desse estudo
foram os de verificar o grau de segurança que as crianças
tinham em ambos os pais ao aprender a andar, sendo
que as informações foram obtidas por meio da
observação de situações entre ambos os pais e a criança.
Os resultados mostraram que o pai foi significativamente
mais sensível (mais caloroso e disciplinado) na interação
quando a criança era do sexo feminino e, o pai oferecia
maior liberdade para a criança andar do que a mãe. As
crianças mostraram-se mais seguras e envolvidas
emocionalmente com o pai do que com a mãe. Esses
pesquisadores concluíram que o pai foi um importante
agente de socialização para seus filhos, uma vez que o
aprender a andar é uma experiência que possibilita outras experiências da criança com adultos externos, com
a família e com os pares, preparando para os futuros
relacionamentos íntimos, a disciplina e a negociação.
Ainda em relação à importância do pai na socialização
do filho, Verschueren e Marcoen (1999) realizaram um
estudo com 80 pais/mães e seus filhos. Essas crianças
estavam na idade pré-escolar, eram brancas, de classes
socioeconômica média e média baixa, viviam com os
pais biológicos e residiam nos Estados Unidos. Os
objetivos desse estudo eram os de relacionar o
autoconceito e a competência socioemocional das
crianças com informações sobre o relacionamento com
o pai e com a mãe, considerando a segurança desse
relacionamento. O procedimento envolveu aplicação de
testes e preenchimento de questionários. Como principais
resultados, pôde-se verificar que as crianças com melhor
autoconceito e com melhor competência socioemocional
(melhores relacionamentos com os pares, melhor
ajustamento escolar e menor ansiedade) tinham um
relacionamento mais seguro com o pai.
Os problemas comportamentais apresentados na préescola, decorrentes da ausência paterna, podem
acarretar em uma variedade de resultados negativos na
Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura
idade escolar e na adolescência, incluindo baixo
rendimento acadêmico, aumento de ausência nas aulas,
aumento do risco de envolvimento com drogas, pouco
relacionamento com os pares, depressão, ansiedade,
labilidade emocional e a externalização de comportamentos problemas. Quando não corrigidos esses
problemas continuarão exercendo uma influência
negativa na fase adulta (Black, Dubowitz & Star, 1999;
Frosch & Mangelsdorf, 2001).
Programa de intervenção com o pai
Segundo Fagan e Iglesias (1999), o programa Head
Start envolvia atividades para pais afro-americano e
latino-americanos de classe socioeconômica baixa,
que tinha filho iniciando as atividades escolares, com
idade média de quatro anos e seis meses, objetivando
melhorar o envolvimento do pai com as atividades
acadêmicas do filho e, conseqüentemente, a melhor
adaptação da criança à escola. Para analisar a
eficácia do programa, comparou-se 55 pais que
participaram da intervenção com 41 pais que não
participaram da intervenção. Duas medidas (pré-teste e pós-teste), que avaliaram os seguintes aspectos:
o envolvimento do pai em casa, envolvimento do pai
em leitura para os filhos, desempenho da criança na
escola e habilidades sociais da criança. Como
principais resultados entre os pais que participaram
por mais tempo da intervenção, quando comparados
com pais que não participaram ou que participaram
com menor intensidade, têm-se: os filhos apresentaram
maior repertório de habilidades sociais e maior
motivação nos estudos. Os pais apresentaram maior
interação com o filho, leram mais para os filhos, tiveram menos problemas conjugais, mostraram-se mais
envolvidos nas interações em sala de aula com os
filhos e mostraram-se mais motivados em auxiliar seus
filhos nas atividades acadêmicas.
Indicações para pesquisas futuras
Dessen e Lewis (1998), Bertolini (2002), Dessen e
Braz (2000) e Levandowski e Piccinini (2002) apontam
para a necessidade dos estudos brasileiros enfocarem
a figura paterna. Essas pesquisadoras ressaltam a
importância de se coletar os dados diretamente com o
pai sobre a participação na educação e nos cuidados
com o filho e não coletar os dados sobre a percepção
da mãe quanto ao desempenho paterno. Considerando,
ainda, a metodologia empregada nas pesquisas em
231
desenvolvimento humano, alguns pesquisadores
afirmam a importância da realização de estudos
longitudinais, para verificar as contribuições que a
figura paterna oferece ao longo das diferentes etapas
do desenvolvimento infantil (Verschueren & Marcoen,
1999; Marshall, English & Stwart, 2001; Levandowski
& Piccinini, 2002; Feldman & Klein, 2003).
Além disso, deve-se considerar a necessidade de se
aumentar o número de programas de intervenção
exclusivamente para o pai, isto por considerar-se que
pais e mães têm necessidades deferentes, interagem com
os filhos de formas próprias e peculiares e desempenham
papéis diferentes para o desenvolvimento infantil (Lamb,
1997; Black, Dubowitz & Star, 1999; Dessen & Braz,
2000; Harokopio, 2000; Tudge & cols., 2000; Dubowitz
& cols.; 2001; Frosch & Mangelsdorf, 2001;
Levandowski & Piccinini, 2002).
Quanto ao conteúdo dos programas, Frosch e
Mangelsdorf (2001) sugerem a implementação de
programas para o pai de crianças em idade pré-escolar,
a fim de se trabalhar as práticas parentais que
maximizam o desenvolvimento infantil e que minimizam
os possíveis efeitos negativos dos conflitos parentais.
Fagan e Iglesias (1999), acreditam que um programa
deveria oferecer informações para o pai sobre a
importância de seu papel para o desenvolvimento
infantil, com o serviço de terapia individual para atender
as necessidades de cada pai; trabalhar a participação
do pai em atividades recreativas com os filhos e
oferecer suporte aos pais, promovendo oportunidades
de discutirem seus conceitos, prazeres e interesses com
outros homens em situação similar.
Considerando a carência de estudos brasileiros
acerca dessa temática, nota-se a necessidade da
realização de estudos descritivos sobre aspectos da
interação pai e filho em diversas fases do
desenvolvimento, e principalmente aspectos
subjetivos de futuros pais (expectativas, sentimentos
e vivências). A fim de se verificar as implicações
da quantidade e qualidade da interação entre pai e
filhos para o desenvolvimento infantil, em situações
mais variadas, poderia ser comparado o filho que
convive com o pai, com o filho de pai divorciado ou
filho que não conhece seu pai. Outros aspectos a
serem considerados seriam o conhecimento do pai
sobre o desenvolvimento infantil, a avaliação de sua
auto-eficácia enquanto pai e a percepção do suporte
social.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233
232
Fabiana Cia, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Lúcia Rossito Aiello
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, os estudos selecionados nesta
revisão têm mostrado que os pais são importantes para
o desenvolvimento dos seus filhos, prover financeiramente a família, envolver-se nos cuidados com o
filho e no auxílio nas atividades domésticas. Além disso, a maior interação entre pais e filhos aumenta a
satisfação do pai com seu papel, agindo diretamente
na dinâmica familiar. Os pais passam a se interessar
mais pelo relacionamento com a mulher, promovendo
melhor status emocional para o casal (Fagan & Iglesias,
1999; Verschueren & Marcoen, 1999; Dessen & Braz,
2000; Harokopio, 2000; Marshall, English & Stewart,
2001; Flouri & Buchanan, 2003). Outros pesquisadores também apontaram que os pais são capazes, como
as mães, de serem sensíveis e responsáveis na
interação com os filhos (Fagan & Iglesias, 1999; Tudge
& cols., 2000; Dubowitz & cols., 2001; Feldman &
Klein, 2003). Entretanto, práticas parentais inadequadas
(como por exemplo, pais com comportamentos hostis,
intrusos e anti-sociais) podem acarretar problemas de
comportamento nos filhos (Frosch & Mangelsdorf,
2001; Jaffee & cols., 2003).
Ao término desta revisão, pode-se verificar a
relevância da realização de um estudo de revisão da
literatura, pois permite uma visão rápida e ao mesmo
tempo abrangente da produção científica de determina-
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pouco exploradas, pode possibilitar um maior avanço nos
conhecimentos já existentes sobre o tema em questão
(Piccinini & Lopes, 1994).
Apesar desta revisão ter sido elaborada a partir de
poucos artigos que abordavam as temáticas da mediação
paterna e sua importância para o desenvolvimento
infantil, objetivou-se possibilitar a apresentação de um
panorama geral das pesquisas realizadas com o pai e
mostrar sua importância em várias áreas do
desenvolvimento infantil.
A partir da presente revisão da literatura foi
possível visualizar o baixo número de estudos com a
temática do desenvolvimento infantil que investigavam
a díade pai e filho. Na literatura brasileira não foram
encontrados estudos que correlacionavam o relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil.
Sendo assim, pode-se apontar para a necessidade da
realização de pesquisas brasileiras sobre o tema, uma
vez que parece que ele não vem sendo significativamente explorado em âmbito nacional. Nesse
sentido, a realização de pesquisas brasileiras pode ser
útil e produtiva, como caracterização das informações
sobre amostras da população relevantes para estudos
subseqüentes na área. Ao mesmo tempo, pode vir a
gerar dados passíveis de serem discutidos comparativa
e criticamente em relação aos estudos internacionais.
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Recebido em: 17/11/2004
Revisado em: 05/05/2005
Aprovado em: 16/08/2005
Endereço para correspondência:
Fabiana Cia: Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Psicologia (LAPREV) – Rodovia Washington Luís, Km 235
CEP: 13565-905 - São Carlos – SP. – e-mail: [email protected]
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams: Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Psicologia (LAPREV)
Rodovia Washington Luís, Km 235 – CEP: 13565-905 - São Carlos - SP. – e-mail: [email protected]
Ana Lúcia Rossito Aiello: Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Psicologia (LAPREV) – Rodovia Washington
Luís, Km 235 – CEP: 13565-905 - São Carlos - SP. – e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2 235-245
DESEMPENHO ESCOLAR E AUTOCONCEITO DE ALUNOS ATENDIDOS EM SERVIÇOS
PSICOPEDAGÓGICOS
SERVIÇOS DE ATENDIMENTO PSICOPEDAGÓGICO
Suze Sabino da Silva1
Denise de Souza Fleith 2
Resumo
Este estudo teve como objetivo investigar o desempenho escolar e autoconceito de crianças com queixa escolar. Participaram do estudo 78
alunos da 4ª série do ensino fundamental da rede pública do Distrito Federal, sendo 46 atendidos em um Serviço de Apoio Psicopedagógico e 32 de
classes de aceleração da aprendizagem. O desempenho acadêmico foi avaliado por uma escala de notas atribuídas por seus professores e para avaliar
o autoconceito foi utilizado o Perfil de Autopercepção para Crianças. Os resultados não indicaram diferenças significativas entre os alunos atendidos
no serviço psicopedagógico e alunos das classes de aceleração com relação ao desempenho escolar e autoconceito. Observou-se ganhos significativos
no desempenho escolar no segundo semestre, em comparação ao primeiro semestre de 2001, por parte dos dois grupos avaliados. Foram constatadas
diferenças significativas entre gênero com relação ao autoconceito.
Palavras-chave: Dificuldade de aprendizagem; Autoconceito; Atendimento psicopedagógico.
SCHOOL PERFORMANCE AND SELF-CONCEPT OF STUDENTS WHO ATTEND
PSYCHOPEDAGOGICAL SERVICES
Abstract
The purpose of this study was to investigate the school performance and self-concept of students with learning difficulties. Seventy-eight 4th
grade students from public schools in the Federal District participated in the study. Forty-six attended a Psychopedagogical Service and 32 were
enrolled in learning acceleration classes. The school performance was assessed through teachers´ evaluation and the self-concept was measured by
Children Self-Perception Profile. The results indicated that there were not significant differences between students from psychopedagogical service
and from acceleration classes regarding school performance and self-concept. It was noticed that both groups of students improved their school
performance from first through second academic semester. It was observed differences between males and females with respect to the self-concept
measures.
Keywords: Learning difficulty, Self-concept, Psychopedagogical service.
No Brasil, tem sido um grande desafio promover uma
educação com qualidade, tendo em vista os problemas políticos, econômicos e sociais que, indubitavelmente, refletem
diretamente na implantação e desenvolvimento das políticas
públicas, especialmente, aquelas relacionadas ao ensino.
1
Muitos programas têm sido implementados, pelo poder público, para incentivar o ingresso de brasileiros à escola e
garantir a sua continuidade e permanência, assegurando,
ainda, aos indivíduos, um ensino com qualidade que possa
promover plenamente a formação de sua cidadania.
Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília.
Ph.D. Psicologia Educacional. Professora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília
2
236
Estudos desenvolvidos nesta área têm revelado que
a crise relacionada à educação brasileira é marcada pelas
desigualdades socioeconômicas, utilização de
metodologias de ensino inadequadas ao contexto,
desvalorização e despreparo dos educadores, falta de
investimentos, desenvolvimento de tecnologias adequadas à formação de profissionais e indefinição de políticas
públicas, que acabam por sobrecarregar a instituição,
delegando à escola atribuições pertencentes a outros
segmentos da sociedade (Campos, 1998; Dotti, 1995;
Freller, 1999; Gouveia, 1991; Hickel, 1995; Novaes, 2000;
Patto, 1991; Werneck, 2001).
Apesar da proliferação de programas voltados para
a melhoria e a qualidade da escola, ainda não se
conseguiu erradicar do sistema educacional público o
fenômeno do fracasso escolar. Muitos estudos (Cagliari,
1985; Carlberg, 1985; Collares & Moisés, 1996; Côrrea,
1992; Fernandes, 1991; Patto, 1990,1991; Roazzi, 1985;
Tébar, 1995) têm investigado as origens e os efeitos do
fracasso escolar na vida acadêmica dos alunos.
Entretanto, Neves (1996, p. 9) enfatiza que “os
resultados e conclusões encontrados em pesquisas
relacionadas a este tema não alcançaram a sala de aula,”
não possibilitando, desta forma, a diminuição dos altos
índices de reprovação e evasão.
Muitos educadores atribuem o mau desempenho do
aluno, o seu insucesso ou fracasso escolar, em decorrência
da dificuldade de aprender e reter conteúdos. A dificuldade de aprendizagem, portanto, se constitui como um
dos principais agravantes para o fracasso escolar do aluno.
Neste estudo, os termos dificuldade de aprendizagem,
dificuldade escolar, problema de aprendizagem serão
empregados num mesmo sentido, se referindo a maneira
pela qual o fracasso escolar é expresso.
Dentro da perspectiva postulada por Novaes (1977),
os problemas de aprendizagem devem ser entendidos
sob enfoque múltiplo considerando os fatores de ordem
psicológica, os quais envolvem níveis maturacionais,
habilidades intelectivas, condições psíquicas e
ajustamento; biológica, onde se enquadram as deficiências físicas, distúrbios somáticos, endócrinos e
neurológicos; pedagógica, referente à inoperância
metodológica e curricular e precariedade do ensino; e
por último, social, que envolve os contextos, familiar,
escolar, econômico e cultural. Segundo a autora,
independente de quais sejam as causas associadas à
dificuldade de aprendizagem, o aluno não consegue
rendimento escolar adequado e seu relacionamento com
Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith
o grupo é insatisfatório, o que o coloca em posição de
inferioridade, gerando insegurança, bloqueios
emocionais, timidez, agressividade e, especialmente,
autoconceito negativo.
Interessados neste tema, Silva e Alencar (1984)
desenvolveram um estudo com objetivo de averiguar a
relação entre o autoconceito e diferentes variáveis,
rendimento acadêmico, escolha do lugar de sentar em
sala de aula, avaliação do autoconceito pelo aluno
comparado a do professor e diferenças de gênero.
Participaram do estudo, 500 alunos (240 do gênero
masculino e 260 do feminino), com idade média de 11,3
anos, matriculados na 4ª série do ensino fundamental
em escolas localizadas na cidade do Plano Piloto e
Ceilândia do Distrito Federal. Constatou-se uma relação
significativa entre autoconceito e rendimento escolar,
ressaltando que quanto mais positivo o autoconceito do
aluno, melhor foi o seu rendimento escolar. Contudo,
não foi significativa a relação entre autoconceito e
escolha do lugar de sentar. Os dados relativos à avaliação
do aluno e a avaliação do professor acerca do autoconceito foram altamente significativos. Não foram
observadas diferenças significativas entre autoconceito
e nível socioeconômico dos alunos e, tampouco entre
autoconceito e gênero.
Peixoto e Mesquita (1990) também conduziram uma
pesquisa para investigar a relação entre autoconceito e
sucesso escolar e nível intelectual e sucesso escolar em
uma amostra representativa (15,8%) de alunos do distrito de Braga – Portugal. Participaram deste estudo
701 alunos do nono ano de escolaridade, com idade que
variou de 14 a 18 anos. Os instrumentos utilizados para
medir as variáveis foram a Escala de auto-estima de
Rosemberg, as Matrizes Progressivas de Raven e um
questionário para obtenção de dados sobre o sucesso
escolar dos alunos. Os pesquisadores verificaram que é
significativa a correlação entre nível intelectual e sucesso
escolar. A partir destes resultados encontrados no estudo,
Peixoto e Mesquita concluíram que a relação entre o
nível intelectual e o sucesso escolar não é muito diferente da relação entre autoconceito e sucesso escolar.
Neste sentido, eles sugerem que a escola deve valorizar
igualmente os aspectos cognitivos e afetivos no processo
de ensino-aprendizagem dos alunos.
Estevão e Almeida (1999), a fim de investigar as
dimensões do autoconceito e sua relação com o
rendimento escolar, utilizaram uma amostra de 330 adolescentes, sendo 183 do gênero masculino e 147 do gênero
Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos
feminino, com variação de idade entre 13 e 15 anos, do
sexto ao nono ano de escolaridade e pertencentes a famílias
de baixa renda. Os alunos foram divididos em quatro
grupos de acordo com a variável rendimento escolar. Os
critérios utilizados para a classificação dos grupos foram
reprovações passadas e classificação no primeiro período
do ano letivo. Os instrumentos utilizados no estudo foram
Physical Self-Description Questionnaire (PSDQ), SelfConcept as a Learner Scale (SCAL). Os resultados
encontrados indicaram que os alunos com dificuldade de
aprendizagem apresentaram um autoconceito acadêmico
mais baixo quando comparados com os alunos dos outros
grupos. Os alunos que obtinham um número maior de
reprovações e de negativas apresentaram um autoconceito
acadêmico mais baixo, destacando as subescalas
“Confiança nas Capacidades” e “Motivação”. Os
pesquisadores concluíram que os alunos com dificuldades de aprendizagem ou que experienciam situações de
insucesso escolar são menos aceitos e mais rejeitados
que os alunos sem problemas escolares.
Contrariamente aos estudos anteriores, Souza (1996)
realizou um estudo sobre o autoconceito e dificuldades
de aprendizagem escolares, de 50 crianças (28 meninos
e 22 meninas) de 8 a 10 anos de idade, do Ciclo Básico
de escolas localizadas na cidade de São Paulo,
encaminhadas a uma clínica-escola de Psicologia com
queixa de dificuldade de aprendizagem Entrevistas
individuais foram conduzidas para identificar as percepções
das crianças acerca de si mesma, da escola e da sua
família. Por meio das análises das entrevistas, a
pesquisadora constatou que a variável dificuldade de
aprendizagem não interferiu no autoconceito das crianças.
Elas demonstraram um autoconceito positivo, parecendo
não perceberem sua dificuldade de aprendizagem como
um problema para o desenvolvimento do processo de
aprendizagem. As crianças referiram-se ao ambiente
escolar como um lugar para aprender a ler e escrever,
denotando o seu valor primordial.
Estes resultados talvez possam ser explicados a partir
do que diz Salvador e cols. (2000), ao afirmar que no
início do processo de escolarização os alunos não têm
uma percepção precisa de suas habilidades e tampouco,
as relacionam com o seu desempenho acadêmico, uma
vez que esse desempenho não parece incidir claramente
no seu autoconceito. Com a escolaridade mais avançada
o aluno mais realista e ajustado é capaz de perceber
melhor o impacto dos resultados acadêmicos por meio
da percepção das suas habilidades e competências. “Na
237
medida em que essa percepção se consolida, a relação
entre autoconceito e rendimento escolar tem por fim,
um caráter recíproco” (p. 99).
Diante destas constatações, verifica-se a necessidade
da escola incluir em seu programa de ensino atividades
que valorizem e reforcem nos alunos atitudes de
autonomia, iniciativa e criatividade para a solução de
problemas, autocrítica, autopercepção de suas
habilidades, autovaloração dos seus atributos como
pessoa, bem como o respeito por si mesmo e pelo
próximo. Neste sentido, é necessário ressaltar o papel
relevante do psicólogo escolar tanto na estimulação e
orientação dos educadores, como também na utilização
no seu trabalho de intervenção junto ao aluno e pais.
Observa-se nas escolas públicas de ensino
fundamental do DF, um aumento, a cada ano, na procura
por serviços de atendimentos especializados com vistas
à melhoria do desempenho escolar dos alunos. Dentre
estes serviços, destaca-se o Serviço de Apoio
Psicopedagógico, da Secretaria de Estado de Educação
do DF. Este serviço destina-se às crianças da educação
infantil e crianças matriculadas nas quatro primeiras
séries do ensino fundamental das escolas públicas do
DF, que apresentam dificuldades de aprendizagem, em
decorrência de: “problemas psicológicos de caráter
biopsicosociais e/ou problemas psicomotores (dificuldade de adaptação escolar e problemas de comportamento); problemas pedagógicos por defasagem
pedagógica ou dificuldades nos processos de leitura,
escrita ou matemática; e/ou problemas fonoaudiológicos
(dificuldades de comunicação, oral e escrita, voz e audição) provenientes de problemas neurológicos,
perceptivos, sensoriais moderados e leves, fatores
sociais, econômicos e culturais” (Fundação Educacional
do Distrito Federal, 1994, p. 9). A abordagem
metodológica centra-se nas diferenças individuais do
aluno, considerando-se os pré-requisitos necessários ao
processo de ensino-aprendizagem e utilizando-se
estratégias apropriadas às áreas de intervenção
psicológica, pedagógica e/ou de linguagem.
O encaminhamento das crianças é feito pela professora,
em conjunto com a equipe escolar, para a gerência regional
de ensino à qual a escola referente está vinculada, onde é
realizada a triagem e direcionamento do aluno à equipe
pedagógica. Esta equipe geralmente é formada por um
psicólogo e um pedagogo. As sessões de atendimento às
crianças ocorrem duas vezes por semana, em dias
alternados e em horário contrário às aulas, com duração
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 235-245
238
de uma hora e vinte cada. O atendimento é realizado em
grupo de cinco crianças ou individualmente, dependendo
das circunstâncias. Geralmente, a criança recebe intervenção da área pedagógica e psicológica simultaneamente. A
permanência da criança no serviço de atendimento, de modo
geral, é de 1 ano; ultrapassado este período, a criança poderá
ser submetida, novamente, a avaliação psicopedagógica.
As atividades básicas desenvolvidas pelo serviço são triagem, diagnóstico, procedimentos administrativos,
atendimento à criança e intervenção junto à família e à
escola da criança.
A partir de 2000, a Secretaria de Educação do Distrito Federal implantou, ainda, em seu sistema educacional
público, o programa de aceleração da aprendizagem, com
a finalidade de regularizar o fluxo escolar dos alunos
das séries iniciais do ensino fundamental. Este programa
se propõe a desenvolver estratégias pedagógicas de
aceleração da aprendizagem, com base no currículo
básico, que sejam significativas e que promovam a autoestima do aluno. Espera-se que o aluno, ao final do ano
letivo, possa ser promovido para a série em que
apresente condições para prosseguir regularmente os
estudos. Os conteúdos programáticos estão organizados
por objetivos e habilidades adotadas em diferentes
unidades. São disponibilizados materiais didáticos
específicos para os alunos e professor.
Estão previstas três fases de aceleração: alfabetização até 3ª série, 1ª a 6ª série e 5ª série até a 8ª série.
Os critérios para a formação das classes são faixa etária,
série escolar e domínio da leitura e escrita. Têm
prioridade os alunos mais velhos (até 17 anos), que
apresentem defasagem de idade e de série superior a
dois anos. A classe é composta por, no máximo, 25
alunos. A adesão do professor da rede se dá de maneira
voluntária, mediante indicação de superiores, o qual
receberá capacitação técnica de 40 horas/aula para
iniciar as atividades e, ao longo do período, supervisão
técnico-pedagógica sistematizada (Centro de Ensino
Tecnológico de Brasília, 2000).
Com base no alto índice de encaminhamentos de
crianças com queixa escolar para as unidades do Serviço
de Apoio da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, buscou-se averiguar a influência desse
serviço no desempenho escolar e autoconceito dos alunos
atendidos. A questão de pesquisa investigada neste
estudo foi: Existem diferenças entre alunos, do gênero
masculino e feminino, atendidos no serviço de apoio
psicopedagógico e alunos de classes de aceleração de
Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith
aprendizagem com relação ao desempenho escolar e
autoconceito?
MÉTODO
Delineamento
Um delineamento quase-experimental (Gall, Borg & Gall,
1996) foi utilizado para responder à questão de pesquisa.
Participantes
Alunos do SATPP. Participaram deste estudo 46
alunos (31 do gênero masculino e 15 do feminino), com
idade média de 13 anos, variando entre 11 e de 16 anos.
Todos os alunos eram atendidos por equipes do Serviço
de Atendimento Psicopedagógico (SATPP), da
Secretaria de Educação do Distrito Federal, distribuídas
em três Gerências Regionais de Ensino. A maioria dos
alunos (83%), estudava em turmas de 4ª série do ensino
fundamental e os 17% restantes estudavam nas classes
de aceleração (CA), envolvendo 32 escolas da rede
pública do DF. Houve maior concentração de alunos
(83%) no turno matutino. Cerca de 54,3% dos alunos já
tinham sido reprovados pelo menos uma vez em umas
das séries do ensino fundamental. A maior parte dos
alunos era proveniente de famílias de classe média-baixa,
considerando-se como critério o nível de escolaridade e
profissão dos pais (veja Tabela 1).
Tabela 1: Escolaridade e Profissão dos Pais ou Responsáveis
pelos Alunos Atendidos no SATPP Participantes do Estudo
(n=40).
Escolaridade
Ensino fundamental
Ensino Médio
Ensino Superior
Não informaram Profissão
Funcionário Público
Serviços Domésticos
Comerciante
Autônomo
Aposentado
Do lar
Desempregado
Não informaram
Pai
15
10
1
14
10
3
4
6
3
0
1
13
Mãe
17
13
4
6
5
8
5
4
2
11
1
5
Nota. Os dados dos pais de seis alunos participantes do estudo
não foram disponibilizados para consulta.
Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos
A queixa mais freqüente para o encaminhamento dos
alunos com dificuldade de aprendizagem ao SATPP fazia
referência ao desenvolvimento cognitivo do aluno,
seguido pelos aspectos emocional, social e psicomotor
(veja Tabela 2). Dos prontuários que constavam à data
de ingresso do aluno no SATPP, cerca de (70%) dos
alunos tinham ingressado no ano de 2000/2001, isto é,
tinham um tempo médio de um ano e meio de
permanência no atendimento.
Tabela 2: Freqüência das Queixas do Encaminhamento dos
Alunos Participantes do Estudo.
Queixas
f
%
Cognitivo
11
24
Cognitivo e emocional
11
24
Emocional
5
11
Cognitivo e social
5
11
Cognitivo, emocional, psicomotor e social 4
9
Cognitivo, emocional e psicomotor
2
4
Cognitivo, psicomotor e social
1
2
Sem informação
7
15
Total
46
100
Alunos das classes de Aceleração. Integraram,
ainda, a amostra de alunos, um grupo composto de trinta e dois alunos, sendo 11 do gênero masculino e 21 do
feminino, matriculados nas classes de aceleração da
aprendizagem em nível de 4ª série. A faixa etária dos
participantes era de 11 a 15 anos e a idade média de 13
anos. De modo geral, os alunos eram provenientes de
famílias de nível socioeconômico baixo. 56,2% dos alunos
estudavam no turno matutino e 43,8% no turno
vespertino. A participação destes alunos no estudo devese as características de desempenho escolar semelhantes
aos alunos que freqüentam o SATPP, ambas crianças,
apresentam dificuldade de aprendizagem, e na maioria
das vezes, possuem em seu histórico escolar, reprovação
ou desnível entre série e idade, caracterizada como
insucesso escolar.
Instrumentos
Perfil de Autopercepção para Crianças. Esta
escala foi desenvolvida para avaliar o julgamento da
criança sobre sua competência em domínios específicos
e de maneira global (Harter, 1985). Este instrumento
contém seis subescalas que envolvem cinco domínios
específicos: competência escolar, aceitação social,
239
competência atlética, aparência física, conduta
comportamental e a auto-estima global. A subescala
competência escolar explora a percepção da criança
sobre sua competência ou habilidade relacionada ao seu
desempenho escolar. Um exemplo de item desta
subescala é “Algumas crianças acham que fazem muito
bem o trabalho escolar, mas outras crianças se
preocupam se elas vão dar conta de fazer o trabalho
escolar”. A subescala aceitação social avalia a extensão
em que as crianças se percebem como populares ou
aceitas pelos pares. Um exemplo de item desta subescala
é “Algumas crianças têm muitos amigos, mas outras
crianças não têm tantos amigos”.
A subescala competência atlética investiga conteúdos
envolvendo habilidades esportivas. Um item desta
subescala é “Algumas crianças se saem muito bem em
qualquer tipo de esportes, mas outras crianças sentem
que não são tão boas em se tratando de esportes”. Os
itens da subescala aparência física avaliam o grau em
que cada criança está satisfeita com sua forma física.
A título de ilustração, segue um exemplo de item desta
subescala: “Algumas crianças desejariam que seu corpo
fosse diferente, mas outras crianças gostam de seu corpo
do jeito que ele é”. A subescala conduta comportamental
investiga o grau em que a criança se comporta e age da
forma que ela supõe que deva agir a fim de evitar
problemas. Um exemplo de item é “Algumas crianças
se comportam muito bem, mas outras crianças
geralmente acham difícil se comportar bem”. Os itens
da subescala auto-estima global dizem respeito a
extensão em que a criança gosta de si mesma como
pessoa, se está feliz com seu modo de vida e se é feliz.
Um item desta subescala é “Algumas crianças gostam
do tipo de pessoa que elas são, mas outras crianças
muitas vezes gostariam de ser outra pessoa”. Cada
subescala contém seis itens. Cada item inclui duas
sentenças opostas descrevendo características de uma
criança. A criança é instruída a decidir qual o tipo de
criança é mais parecida com ela, e em seguida é
solicitada a indicar se sua resposta se aplica mais ou
menos ou totalmente a ela. Cada item é avaliado em
uma escala de 1 a 4, onde o escore 1 indica percepção
negativa de sua competência enquanto que o escore 4
indica uma percepção positiva de sua competência. Cada
escala apresenta um escore final, obtido por meio da
soma de pontos dos itens que compõem a escala (Harter,
1985). Marsh e Gouvernet (1989) apresentam evidência
de validade de construto para esta escala. Análises
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 235-245
240
fatoriais indicaram que as cargas de fatores variaram
de 0,32 a 0,75. Da mesma forma, análises de multitraçosmultimétodos indicaram evidência de validade
convergente para este instrumento.
Análise Documental. Foram analisados a ficha de
encaminhamento, a ficha de anamnese e o relatório
psicopedagógico dos alunos, com o objetivo de identificar
os principais motivos pelos quais eles foram
encaminhados para o SATPP, delinear o perfil desta
clientela e identificar o diagnóstico e prognóstico
construído, acerca do problema do aluno. A ficha de
encaminhamento é um instrumento preenchido pelo
professor onde são levantadas às dificuldades de
aprendizagem apresentadas pelo aluno e os
comportamentos evidenciados por ele em sala de aula,
que justifiquem a necessidade de um atendimento
especializado pelo serviço de apoio psicopedagógico. A
ficha de anamnese contém dados relativos à história de
vida da criança, relatada pelos pais e/ou responsáveis
no momento da primeira entrevista realizada pela equipe
de atendimento. O relatório psicopedagógico é um
instrumento elaborado pelos profissionais da equipe de
atendimento durante o processo diagnóstico do aluno,
onde são definidas as intervenções e recomendações
por parte destes especialistas.
Avaliação de Desempenho Acadêmico. Para
avaliar o desempenho escolar dos alunos, solicitou-se
ao professor regente, que utilizando uma escala de 0 a
100, desse uma nota ao aluno que representasse o seu
aproveitamento global na escola, em dois momentos (1º
e 2º semestre de 2001). Optou-se por não utilizar o
Relatório Descritivo e Individual de Acompanhamento
Bimestral do Desenvolvimento de Habilidades,
procedimento adotado pelas escolas públicas do DF para
avaliação dos alunos, por se tratar de um material que
está impregnado de impressões muito subjetivas do
professor acerca do processo de aprendizagem do aluno.
Procedimentos
Para a realização deste estudo solicitou-se, em
janeiro de 2001, autorização da Subsecretaria de
Educação Pública do Distrito Federal, para coleta
de dados junto às equipes do Serviço de Atendimento
Psicopedagógico e escolas públicas. As equipes
foram selecionadas observando-se dois critérios: o
número de alunos atendidos matriculados na 4ª série
Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith
do Ensino Fundamental e a formação completa da
equipe com psicólogo e pedagogo. Os primeiros
contatos com as equipes foram para apresentação
dos objetivos do estudo e verificação do interesse,
por parte da equipe, em participar do mesmo. Foram
então, selecionadas 10 equipes. Uma carta foi
enviada aos pais e/ou responsáveis dos alunos,
solicitando a autorização para a participação dos
mesmos neste estudo.
Ainda no início do ano de 2001, foi realizado um
estudo piloto em duas turmas de 4ª série do ensino
fundamental de uma escola particular de Brasília com o
objetivo de verificar a adequação do instrumento Perfil
de Autopercepção para Crianças (Harter, 1985) para
alunos desta faixa etária. De modo geral, a maioria das
crianças soube responder satisfatoriamente ao mesmo.
O estudo piloto examinou, ainda, se a linguagem utilizada no instrumento era adequada em uma amostra de
crianças brasileiras e serviu como treino para a sua
posterior aplicação.
Durante os meses de maio, junho e início de julho
de 2001, foi aplicado o instrumento Perfil de
Autopercepção para Crianças em todos os alunos.
O momento de aplicação variou de acordo com a
sugestão de cada equipe. Em sete equipes, a aplicação
foi realizada, nos dias e horários das sessões de
atendimento; em duas equipes, determinou-se o dia
destinado às reuniões de pais e professores para a
aplicação do instrumento às crianças; e em uma única
equipe, utilizou-se o momento de chegada e saída das
crianças ao atendimento. A aplicação ocorreu,
geralmente, em pequenos grupos e, em poucos casos,
individualmente. No caso das crianças que faltaram
às sessões, houve necessidade de aplicar o
instrumento nas escolas onde elas estudavam. O
tempo gasto para a aplicação do questionário variou
de 20 a 30 minutos, seguindo a forma de aplicação
sugerida pelo manual. Concomitante à aplicação deste
instrumento, procedeu-se à análise dos prontuários,
sendo consultadas as fichas de encaminhamento e
de anamnese e o relatório psicopedagógico dos
alunos.
Com a finalidade de se estabelecer um parâmetro
de comparação com relação aos escores da medida
de autoconceito apresentados pelas crianças atendidas
no SATPP, foram selecionadas três classes de
aceleração da aprendizagem em nível de 4ª série do
ensino fundamental das mesmas gerências regionais
Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos
de ensino do SATPP, cujos alunos atuaram como grupo
de controle. Estabeleceu-se, então, contato com os
diretores e coordenadores pedagógicos para a
apresentação dos objetivos e relevância do estudo. Em
seguida, conversou-se com os professores das classes
de aceleração para verificar o interesse em participar
e obter informações sobre as características da turma. Os pais dos alunos pertencentes às estas classes
foram consultados através de carta. Aos alunos autorizados pelos pais, era explicado o objetivo do estudo e
como deveria ser respondido o instrumento, Perfil de
Autopercepção para Crianças, deixando-os à vontade
em querer ou não participar. Os alunos que não foram
autorizados ou não quiseram responder ao instrumento
permaneceram na sala de aula fazendo outra atividade
ou deixaram a sala juntamente com a professora, durante o tempo gasto para aplicação, que não ultrapassou
30 minutos.
Para obtenção da avaliação de desempenho escolar
dos alunos, a pesquisadora dirigiu-se, nos meses de
agosto, setembro e início de outubro de 2001, às escolas
dos alunos atendidos no SATPP e das classes de
aceleração. Após apresentar, por escrito, aos
professores os objetivos do estudo e solicitar sua
colaboração, pediu-se dos mesmos que avaliassem o
desempenho acadêmico dos alunos no primeiro
semestre de 2001, de acordo com uma escala de 0 a
100. Quando não era possível encontrar pessoalmente
com o professor, a carta explicativa e instruções para
proceder à avaliação dos alunos, eram encaminhadas
a ele pelo orientador educacional ou coordenador
pedagógico. As avaliações eram, então, recolhidas
posteriormente. As avaliações relativas ao segundo
semestre de 2001 foram realizadas por telefone no final
do mês de dezembro.
Análise dos Dados
Os dados quantitativos relativos à questão de
pesquisa foram analisados por meio do teste t. A variável
independente foi grupo (alunos atendidos no SATPP e
alunos de classe de aceleração) e as variáveis dependentes foram autoconceito, medido pelo Perfil de
Autopercepção para Crianças, e desempenho escolar,
definido pela avaliação do professor. Requisitos
necessários para realização das análises como
normalidade, linearidade e homogeneidade de variância,
foram examinados. O programa estatístico SPSS foi
usado para a realização das análises.
241
RESULTADOS
Foi objetivo deste estudo comparar o desempenho
escolar, no ano de 2001, entre alunos que foram
atendidos pelo SATPP e alunos de classes de
aceleração. Com relação ao desempenho escolar no
1o. semestre deste ano, foi disponibilizada a avaliação
escolar de apenas 27 alunos, dentre os 46 que
participaram do estudo. Dez professores preferiram
não responder ao instrumento de avaliação. Além disso, nove alunos foram desligados do SATPP no final
do 1o semestre de 2001 (sete receberam alta do serviço
e dois foram encaminhados para atendimento
psicoterápico). Os alunos pertencentes a classes de
aceleração foram utilizados como grupo de
comparação. Dentre os 32 alunos participantes deste
estudo, foram disponibilizadas as avaliações de apenas
18. Uma professora não respondeu ao instrumento de
avaliação de desempenho escolar. Com relação ao 2o
semestre de 2001, novamente, houve uma redução do
número de alunos avaliados que freqüentavam o serviço
psicopedagógico, de 27 para 23 alunos, em virtude de
um aluno ter sido transferido para a classe de ensino
especial e pela dificuldade de se contatar os professores
dos demais alunos. Também foi reduzido o número de
avaliações de desempenho dos alunos pertencentes às
classes de aceleração. Dos 18 alunos da classe de
aceleração avaliados no semestre anterior, somente 16
foram reavaliados, tendo em vista que dois alunos
abandonaram a escola. Dos alunos do SATPP avaliados
em termos de seu desempenho escolar, 23 tinham
avaliações em ambos os semestres. No caso dos alunos
das classes de aceleração, apenas 14 foram avaliados
nos dois períodos.
Os resultados indicaram que não houve diferença
significativa entre os alunos do SATPP e os alunos de
CA quanto ao desempenho escolar no 1o. semestre (t
[43]=0,90; p=0,37) e nem no 2º semestre (t [37]=1,06;
p=0,30) (veja Tabela 3). Entretanto, o desempenho
escolar dos alunos atendidos no serviço psicopedagógico
foi significativamente superior no 2º semestre quando
comparado ao desempenho no semestre anterior
(t[22]=4,13; p=0,0001). Da mesma forma, foram
observados ganhos significativos no desempenho escolar
dos alunos das classes de aceleração no 2º semestre
em comparação ao 1º semestre de 2001 (t[13]=4,72;
p=0,0001) (veja Tabela 4).
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 235-245
242
Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith
Tabela 3: Média, Desvio Padrão e Valor t na Medida de Desempenho Escolar de Alunos do SATPP e CA nos
1º e 2º semestre de 2001 (Comparação entre Grupos).
Período
o
1 . semestre
2o. semestre
Grupo
M
DP
n
t
p
SATPP
4,91
1,86
27
0,90
0,37
CA
5,39
1,58
18
SATPP
6,15
1,99
23
1,11
0,28
CA
6,81
1,81
16
Nota. SATPP=serviço de atendimento psicopedagógico. CA=classe de aceleração.
Observa-se que, de modo geral, o desempenho
escolar dos alunos das classes de aceleração foi superior,
nos dois semestres, ao dos alunos atendidos no serviço
psicopedagógico, apesar desta diferença não ter sido
considerada estatisticamente significativa.
Utilizou-se o teste t para examinar, ainda, possíveis
diferenças entre alunos do SATPP do gênero masculino
e feminino com relação ao autoconceito. Os resultados
indicaram diferenças significativas entre os gêneros quanto
à aceitação social (t[44]=2,30; p=0,03), conduta
Tabela 4: Média, Desvio Padrão e Valor t na Medida de Desempenho Escolar de Alunos do SATPP e CA nos 1º e
2º semestre de 2001 (Comparação intra Grupos).
Grupo
Período
SATPP
1o. semestre
DP
n
t
p
4,13
0,0001
4,72
0,0001
4,87
1,67
23
o
6,15
1,99
23
o
5,36
1,60
14
o
7,21
1,33
14
2 . semestre
CA
M
1 . semestre
2 . semestre
Nota. SATPP=serviço de atendimento psicopedagógico. CA=classe de aceleração.
O teste t foi também utilizado para verificar se havia
diferença entre os alunos atendidos no SATPP e os alunos
das classes de aceleração com relação aos escores nas
seis subescalas da escala de autoconceito – competência
acadêmica, aceitação social, competência atlética,
aparência física, conduta comportamental e autoconceito
global. Não foram observadas diferenças significativas
em nenhuma das subescalas (veja Tabela 5).
Apesar das diferenças entre os grupos não terem
sido consideradas significativas, os alunos atendidos pelo
SATPP alcançaram escores superiores na maioria das
subescalas em comparação aos alunos de CA, com
exceção, da subescala competência acadêmica. A média
mais alta obtida pelos alunos dos SATPP foi autoconceito
global (M=19,46; DP=3,69) e a mais baixa foi na
subescala competência acadêmica (M=16,50; DP=3,50).
Com relação aos alunos das classes de aceleração, a
média mais alta foi, também, na subescala autoconceito
global (M=18,56; DP=3,53) e a média mais baixa foi em
competência atlética (M=16,41; DP=3,68).
comportamental (t[44]=2,14; p=0,04) e autoconceito
global (t[44]=2,34; p=0,02). Os alunos do SATPP do
gênero feminino obtiveram diferenças significativamente
superiores com relação aos alunos do gênero masculino
nas três subescalas. Foi constatado, também, que os alunos
do gênero feminino obtiveram médias superiores em todas as subescalas de autoconceito (veja Tabela 6).
DISCUSSÃO
O presente estudo comparou o desempenho escolar
e autoconceito de alunos que freqüentam um serviço
psicopedagógico e alunos de classes de aceleração de
aprendizagem, a fim de examinar o impacto do serviço
nos alunos atendidos. Não foram observadas diferenças significativas dos resultados obtidos pelos alunos do
SATPP em comparação aos alunos de CA no ano de
2001. Por outro lado, os resultados indicaram que os
Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos
243
Tabela 5: Média, Desvio Padrão e Valor t nas Medidas de Autoconceito de Alunos do SATPP e CA.
Autoconceito
Grupo
M
DP
n
t
p
Competência
SATPP
16,50
3,50
46
0,36
0,72
acadêmica
CA
16,81
4,17
32
Aceitação
SATPP
18,46
3,03
46
0,63
0,53
Social
CA
17,97
3,82
32
Competência
SATPP
16,89
3,77
46
0,57
0,49
Atlética
CA
16,41
3,68
32
Aparência
SATPP
19,24
4,00
46
1,15
0,25
Física
CA
18,13
4,48
32
Conduta
SATPP
16,79
3,40
46
0,15
0,88
comportamental
CA
16,66
4,15
32
Autoconceito
SATPP
19,46
3,69
46
1,07
0,29
Global
CA
18,56
3,53
32
Tabela 6: Média, Desvio Padrão e Valor t nos Escores de Escalas de Autoconceito por Gênero.
Escalas do Autoconceito
Competência Acadêmica
Aceitação Social
Competência atlética
Aparência física
Conduta comportamental
Autoconceito global
Gênero
M
DP
n
t
p
Masculino
16,13
3,28
31
1,03
0,31
Feminino
17,27
3,92
15
Masculino
17,77
2,91
31
2,2
0,03
Feminino
19,87
2,88
15
Masculino
16,52
3,66
31
0,97
0,34
Feminino
17,67
4,01
15
Masculino
18,74
4,32
31
1,37
0,23
Feminino
20,27
3,10
15
Masculino
16,06
2,99
31
2,14
0,04
Feminino
18,27
3,81
15
Masculino
18,61
3,74
31
2,34
0,02
Feminino
21,20
2,98
15
alunos atendidos no SATPP obtiveram desempenho
escolar significativamente superior no segundo semestre
de 2001 quando comparado ao desempenho no 1º
semestre. Da mesma forma, foi constatado ganhos
significativos no desempenho escolar dos alunos das
classes de aceleração do 1º para o 2º semestre de 2001.
Pelo fato deste estudo ter utilizado um delineamento
quase-experimental, não é possível afirmar que a melhora
no desempenho escolar dos alunos do SATPP ocorreu
em função, exclusivamente, da sua participação em um
serviço de atendimento especializado. Além disso, os
alunos não expostos ao serviço (alunos das classes de
aceleração) também conseguiram bons resultados
escolares.
É interessante notar que muitos professores
relataram, na primeira fase da coleta de dados referente
ao desempenho escolar, que determinados alunos eram
muito fracos e estavam propensos a repetir o ano.
Porém, na segunda fase da coleta, mudaram totalmente
seus relatos ao transmitirem com entusiasmo os ganhos
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 235-245
244
Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith
obtidos pelos alunos no segundo semestre, tanto em
relação ao seu desempenho acadêmico, como, também,
em relação ao seu comportamento. Isto nos leva a
questionar acerca do que teria contribuído para que os
alunos apresentassem ganhos com relação ao
desempenho escolar e os professores mudassem sua
avaliação dos alunos? Cabe ressaltar que as notas atribuídas ao desempenho escolar dos alunos, de certa
forma, partiram de critérios subjetivos, onde o professor
avaliou o aluno por meio de considerações sobre o seu
rendimento e comportamento em sala de aula, salvo
algumas exceções, que se basearam somente em
avaliações bimestrais das disciplinas oferecidas no
currículo.
Os resultados deste estudo indicaram, ainda, que não
foram observadas diferenças significativas entre alunos
do SATPP e alunos de CA com relação ao autoconceito.
Entretanto, é interessante mencionar que estas crianças
consideradas alunos com problemas de aprendizagem
apresentaram um autoconceito positivo. Em nenhuma
das subescalas aplicadas, os alunos apresentaram média
abaixo do ponto médio da escala. Resultados
semelhantes foram encontrados por Souza (1996) ao
examinar o autoconceito de crianças com dificuldades
de aprendizagem. Esta autora concluiu que apesar do
fato das crianças apresentarem dificuldades no seu
processo de aprendizagem, isto não influenciava
negativamente no seu autoconceito.
Entretanto, outros estudos, que também investigaram
a relação entre autoconceito e rendimento acadêmico,
encontraram resultados contrários a estes. Silva e
Alencar (1984), por exemplo, encontraram uma
correlação positiva entre estas duas variáveis. Também
Peixoto e Mesquita (1990) perceberam que alunos com
resultados acadêmicos superiores possuíam um
autoconceito alto, ao passo que alunos com várias
reprovações apresentaram um autoconceito baixo. Estes
autores perceberam que à medida que os resultados
acadêmicos dos alunos decresciam, ocorria o mesmo
com relação ao autoconceito. Da mesma forma, os
resultados do estudo de Estevão e Almeida (1999)
indicaram diferenças significativas no autoconceito dos
alunos com escores altos de rendimento acadêmico em
comparação aos alunos com desempenho acadêmico
inferior.
É importante lembrar que, apesar dos dois grupos
serem compostos por alunos com dificuldade de
aprendizagem, eles apresentavam características diferenciadas. Os alunos de CA, por exemplo, eram mais
velhos, pertenciam a turmas mais homogêneas com
relação aos problemas escolares, os professores
recebiam apoio metodológico e pedagógico específico e
o trabalho era supervisionado e acompanhado por uma
assessoria técnica do programa.
Este estudo verificou a importância do Serviço de
Atendimento Psicopedagógico e do Programa de
Aceleração da Aprendizagem oferecido pela Secretaria
de Educação do Distrito Federal no enfrentamento dos
problemas escolares apresentados por muitos alunos do
ensino fundamental, seja no caso daqueles que
apresentam dificuldades de aprendizagem ou no caso
daqueles que se encontram em defasagem de idade e
série. Verificou-se que ambos os trabalhos têm
contribuído, de certa forma, para melhoria do
desempenho escolar dos alunos, bem como para o
fortalecimento do seu autoconceito.
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Recebido em: 14/12/2005
Revisado em: 21/12/2005
Aprovado em: 28/12/2005
Endereço para correspondência:
Suze Sabino da Silva: CSB 05 LT. 04 APT. 901 – Edifício Tainah – Taguatinga Sul – DF / CEP: 72015 555 – e-mail:
[email protected]
Denise de Souza Fleith: SQN 202 , Bloco H, apt.504 – Asa Norte – CEP: 70910- 900 - Brasilia – e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 235-245
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2 247-260
A AFETIVIDADE NA SALA DE AULA: UM PROFESSOR INESQUECÍVEL
AFETIVIDADE NA SALA DE AULA
Sérgio Antônio da Silva Leite1
Ariane Roberta Tagliaferro2
Resumo
A presente pesquisa teve como objetivo descrever as práticas pedagógicas desenvolvidas por um professor em sala de aula, aqui denominado
Professor M, identificando os seus possíveis efeitos na futura relação que se estabeleceu entre os alunos e os objetos de conhecimento (conteúdos
escolares). Os dados foram coletados a partir de entrevistas com seis ex-alunos do Professor M que relataram as experiências vivenciadas em sala
de aula e os possíveis efeitos destas em suas vidas. Discutem-se as dimensões afetivas dessas relações
Palavras-chave: Interação interpessoal; Afeto; Métodos de ensino.
AFFECTIVETY IN THE CLASSROOM: AN UNFORGETTABLE TEACHER
Abstract
This paper describes a research study that aimed at analysing the teaching practices developed by Professor M trying to identify the posterior
effects in the students life. Data were collected by individual interviews with six old pupils of Prof. M. One discusses the affect dimensions identified
in the classroom experiences mediated by Prof. M and the consequences for the students.
Key words: Emotion and teaching; Teaching learning process; Teacher mediation.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ESTUDO
O presente estudo é parte de um projeto de pesquisa
desenvolvido por um grupo de pesquisadores do grupo
de pesquisa Alfabetização Leitura Escrita – ALLE –
da Faculdade de Educação da Unicamp. Tal projeto tem
como objeto à questão das dimensões afetivas
identificadas no trabalho pedagógico, desenvolvido em
sala de aula, envolvendo o professor, os alunos e os diversos objetos do conhecimento (conteúdos escolares).
Baseando-se nos pressupostos da abordagem históricocultural, assume-se que as relações que se estabelecem
entre o sujeito (aluno) e os objetos do conhecimento
(conteúdos escolares) são, marcadamente, afetivas,
sendo que sua qualidade (aversiva ou prazerosa) depende, no mesmo sentido, do processo de mediação
vivenciado pelo aluno, em sala de aula – onde se desta-
1
2
ca o trabalho pedagógico do professor (Wallon, 1968;
1989; Vygotsky, 1998).
A priori, o objetivo era analisar as dimensões afetivas
identificadas nas práticas pedagógicas desenvolvidas por
professores em sala de aula. A partir de dados sobre a
história de vida de jovens universitários, pretendia-se
identificar as experiências afetivamente marcantes, em
função do trabalho pedagógico de professores
considerados inesquecíveis, e suas possíveis implicações
na futura relação que se estabeleceu entre o aluno e os
diversos conteúdos escolares.
No entanto, quando se iniciou a coleta de dados, um
dos primeiros jovens entrevistados referiu-se ao trabalho de um determinado professor, o qual será aqui
chamado de Professor M, relatando a grande influência
Docente da Faculdade de Educação da Unicamp.
Mestranda do Programa de Pós Graduação da Fauldade de Educação- Unicamp.
248
que o mesmo teve em sua vida. Uma vez que se tinha
acesso a outros jovens, que igualmente passaram pela
mesma experiência escolar, decidiu-se centrar o olhar
no processo de mediação desenvolvido pelo referido
professor, na relação entre seus ex-alunos e os
conteúdos da disciplina de Língua Portuguesa, que
lecionava.
Assim, o foco da pesquisa centrou-se nas práticas
pedagógicas desenvolvidas pelo professor em sala de
aula e as possíveis conseqüências afetivas das mesmas,
na relação que se estabeleceu entre seus ex-alunos e os
conteúdos da disciplina que ministrava. Trata-se de uma
pesquisa descritiva, com metodologia qualitativa e escolha
intencional de sujeitos. Os dados correspondem a relatos
orais, coletados por meio de entrevistas individualizadas.
Afetividade na Relação Sujeito-Objeto
A abordagem histórico-cultural, que apresenta uma
leitura das dimensões cognitivas e afetivas no ser
humano, defendendo uma visão em que pensamento e
sentimento integram-se. Essa abordagem enfatiza os
determinantes culturais, históricos e sociais da condição
humana, permitindo pressupor, segundo Luria (1979) que
‘a grande maioria dos conhecimentos e habilidades do
homem se forma por meio da assimilação da experiência
de toda a humanidade, acumulada no processo da história
social e transmissível no processo de aprendizagem’.
(p. 73). Isso implica assumir que a aprendizagem é social
e mediada por elementos culturais. Tal concepção produz
profundas modificações na visão de educação,
principalmente no que se refere às práticas pedagógicas
desenvolvidas em sala de aula.
Este trabalho tem como pressupostos as idéias acima
descritas, enfatizando que a relação sujeito-objeto é
marcada pelo entrelaçamento dos aspectos cognitivos e
afetivos. Ou seja, a futura relação que se estabelece
entre o aluno e o objeto do conhecimento (no caso, os
conteúdos escolares) não é somente cognitiva, mas
também afetiva. Isso mostra a importância das práticas
pedagógicas desenvolvidas pelo professor, pois as
mesmas estarão mediando a relação que se estabelece
entre o aluno e os diversos objetos do conhecimento
envolvidos. Pode-se assumir, portanto, que o sucesso
da aprendizagem dependerá, em grande parte, da
qualidade dessa mediação. No presente trabalho, utilizaram-se contribuições teóricas de alguns autores da
referida abordagem histórico-cultural, em especial Wallon
(1968; 1989) e Vygotsky (1998).
Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro
Henry Wallon dedicou grande parte da sua vida
estudando e tentando demonstrar as relações existentes
entre as dimensões afetivas, cognitivas e motoras no
desenvolvimento humano. O autor diferencia os termos
afetividade e emoção, que muitas vezes são utilizados
como sinônimos. As emoções, para Wallon (1968; 1989),
são reações organizadas que se manifestam sob o
comando do sistema nervoso central. Para o autor, as
emoções são estados subjetivos, mas com componentes
orgânicos, sendo, portanto, sempre acompanhadas de
alterações biológicas como aceleração dos batimentos
cardíacos, mudanças no ritmo da respiração, secura na
boca, mudança na resposta galvânica da pele, dentre
outras. Freqüentemente, também provocam alterações
na mímica facial, na postura e na topografia dos gestos.
Restringindo o olhar a um recém-nascido, observamse movimentos que expressam disposições orgânicas e
estados afetivos de bem-estar ou mal-estar. Ao vivenciar
situações como desconforto, fome, frio ou cólica, o bebê
expressa-se por meio de espasmos, contorções ou gritos.
As pessoas que fazem parte do seu meio social interpretam
essas reações, mudando-o de posição, dando de mamar
ou soltando-lhe as roupas, atribuindo-lhes um significado.
Isso possibilita que o bebê estabeleça correspondência
entre os seus atos e os do ambiente, promovendo reações
cada vez mais diversificadas e intencionais. Desse modo,
Galvão (1995) expõe que ‘pela ação do outro, o movimento
deixa de ser somente espasmo ou descargas impulsivas e
passa a expressão, afetividade exteriorizada’. (p. 61).
Assim, para Wallon (1968; 1989), as primeiras reações
do recém-nascido são de natureza emocional.
A afetividade, por sua vez, tem uma concepção mais
ampla e complexa, envolvendo uma gama maior de
manifestações, englobando sentimentos (de origem
psicológica), além da emoção (origem biológica). Ela
aparece num período mais tardio na evolução da criança,
quando surgem os elementos simbólicos. Segundo Wallon
(1968; 1989), com o surgimento desses elementos
simbólicos, acontece a transformação das emoções em
sentimentos. Durante o desenvolvimento ocorre um
processo de “complexificação” das emoções,
principalmente a partir da apropriação dos sistemas
simbólicos presentes na cultura, dentre os quais se destaca a linguagem oral.
Defende que, no decorrer de todo o desenvolvimento
do indivíduo, a emoção e a afetividade têm um papel
fundamental. Têm a função de comunicação nos
primeiros meses de vida, manifestando-se, basicamente,
A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível
249
por impulsos emocionais, estabelecendo os primeiros
contatos da criança com o mundo. Por meio desta
interação com o ambiente social, a criança passa de um
estado de total sincretismo para um progressivo processo
de diferenciação, onde a afetividade está presente,
permeando a construção da identidade. Da mesma
forma, é ainda por meio da afetividade que o indivíduo
acessa o mundo simbólico, originando a atividade
cognitiva e possibilitando o seu avanço, pois são os
desejos, intenções e motivos que vão mobilizar a criança
na seleção de atividades e objetos.
Em sua psicogênese, Wallon (1968; 1989) divide o
desenvolvimento humano em etapas sucessivas, nas
quais há predominância alternada, ora da afetividade,
ora da cognição. Em todas essas etapas, existe o
entrelaçamento dos aspectos afetivos e cognitivos, sendo
que as conquistas no plano afetivo são utilizadas no plano
cognitivo, e vice-versa.
Vygotsky (1998), por sua vez, destaca o importante
papel das interações sociais para o desenvolvimento, a
partir da inserção do sujeito na cultura. Essa inserção
acontece por meio das interações sociais com as pessoas
significativas que estão no ambiente da criança.
Ao caracterizar as interações sociais, Vygotsky
(1998) introduz um conceito fundamental para a
aprendizagem- a mediação. Para Oliveira (1997) ‘a
mediação, em termos genéricos, é o processo de
intervenção de um elemento intermediário numa
relação’. (p. 26). Isso permite afirmar que a relação
estabelecida entre o ser humano e o mundo nunca é
direta, mas, fundamentalmente, mediada por vários
elementos. Ao tratar dessa questão, Vygotsky (1998)
selecionou dois tipos de elementos mediadores: os
instrumentos e os signos. O instrumento é o elemento
mediador entre o sujeito e o ambiente (ex: os instrumentos
de trabalho), permitindo a ampliação de transformação
da natureza. O outro elemento mediador - o signo - age
como um instrumento da atividade psicológica de
maneira semelhante ao papel de um instrumento de trabalho. Para Vygotsky (1998), pela mediação do outro,
ocorre um processo intensivo de interações com o meio
social, através do qual o indivíduo se apropria dos objetos
culturais. Esse complexo processo caracteriza o
desenvolvimento humano.
A idéia de mediação, encontrada em Vygotsky (1998),
permite defender que a construção do conhecimento
ocorre a partir de um intenso processo de interação entre
as pessoas. Isso significa que a criança desenvolve-se
pela sua inserção na cultura, promovida pela mediação
das pessoas que a rodeiam.
Assim como Wallon (1968; 1989), Vygotsky (1998)
enfatizou a íntima relação entre afeto e cognição, superando
a visão dualista de homem. Além disso, as idéias dos dois
autores aproximam-se no que diz respeito ao papel das
emoções na formação do caráter e da personalidade.
Em seus estudos, Vygotsky (1998) buscou delinear
um percurso histórico a respeito do tema afetividade.
Sendo assim, procura explicar a transição das primeiras
emoções elementares para as experiências emocionais
superiores, especialmente no que se refere à causa dos
adultos terem uma vida emocional mais refinada que as
crianças. É possível afirmar que, segundo o autor, o
desenvolvimento das emoções humanas é um processo
muito complexo e tal desenvolvimento está em harmonia
com a própria distinção que faz entre processos
psicológicos superiores e inferiores. Ele defende que as
emoções não deixam de existir, mas se transformam,
afastando-se da sua origem biológica e constituindo-se
como fenômeno histórico e cultural.
Ao abordarem o tema da afetividade, percebe-se que
Wallon (1968; 1989) e Vygotsky (1998) apresentam pontos
comuns. Ambos apontam o caráter social da afetividade,
que se desenvolve a partir das emoções (de caráter
orgânico) e vai ganhando complexidade, passando a atuar
no universo simbólico. Dessa maneira, vão se constituindo
os fenômenos afetivos. Os autores defendem, também, a
íntima relação existente entre o ambiente social e os
processos afetivos e cognitivos, além de afirmarem que
ambos inter-relacionam-se e influenciam-se mutuamente.
Assim, evidenciam que a afetividade está presente nas
interações sociais, além de influenciarem os processos
de desenvolvimento cognitivo.
Essas idéias permitem afirmar que as interações que
ocorrem no contexto escolar também são marcadas pela
afetividade em todos os seus aspectos. Algumas pesquisas,
como de Tassoni (2000; 2001) e Negro (2001), analisaram
o papel na afetividade no processo de mediação do
professor, direcionando o olhar para a relação professoraluno. Entretanto, é possível supor que a afetividade
também se expressa através de outras dimensões do trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor em sala de
aula. Nesse sentido, Leite e Tassoni (2002) salientam que
‘é possível afirmar que a afetividade está presente em
todos os momentos do trabalho pedagógico desenvolvido
pelo professor, o que extrapola a sua relação “tête-à-tête”
com o aluno’. (p. 13)
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 247-260
250
Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro
MÉTODO
Participantes
Os participantes da presente pesquisa foram
escolhidos pelo fato de terem sido alunos do Professor
M. e de atribuírem a este um grau de importância
considerável em suas vidas. Os participantes foram
localizados por intermédio do primeiro sujeito. A princípio,
realizaram-se conversas informais para se certificar da
importância do professor M. na vida de cada sujeito.
Seis ex-alunos concordaram, nessa primeira conversa,
em participar da pesquisa constituindo-se. Pois, como
os sujeitos (S 1 a S 6).
Todos os sujeitos freqüentaram o mesmo colégio,
em um município situado a aproximadamente 50
quilômetros de Campinas. Foi nesse colégio que os
sujeitos conheceram o Professor M. Dos seis sujeitos,
somente um ainda vive no município onde se localiza
a escola; os demais residem no município vizinho, a
13 (treze) quilômetros. Essa escola é particular e tradicional na região, com mais de quarenta anos de
existência. Mantém do Ensino Infantil ao Ensino
Médio.
O professor M. leciona nessa instituição desde os
primeiros anos da fundação, quando ainda era um
seminário. Vale ressaltar que, devido a essa relação
histórica com o seminário, a escola era reconhecida como
uma instituição católica.
Era comum, nessa instituição, o aluno entrar no início
do primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª à 4ª série) e
permanecer até o final do segundo ciclo do ensino
fundamental (5ª à 8ª série). Foi o que ocorreu com os
sujeitos da presente pesquisa, exceto para S4 que entrou
na 3ª série e S2, que iniciou na 5ª série.
Em 1997 a escola passou a atuar no Ensino Médio,
por isso, vários alunos, que estavam terminando a 8ª
série, continuaram na instituição para cursar o segundo
grau. Assim, os alunos permaneceram por mais tempo
na instituição. Dentre os sujeitos, S1, S3 e S5 entraram
no Ensino Fundamental e formaram-se no Ensino Médio.
Todos os sujeitos tiveram contato pessoal com o
professor M. somente a partir da 5ª série. Os sujeitos já
mencionados, que permaneceram até o 3º ano do Ensino
Médio, foram seus alunos por sete anos. Os demais por
quatro anos. É importante destacar que S1 e S6
pertenceram à mesma turma quando estudaram nesta
escola. Os demais foram de turmas diferentes, com
intervalo de um ou dois anos.
Atualmente, cinco sujeitos são os estudantes
universitários; apenas S4 (24 anos) está formada, há
dois anos, em Fisioterapia. S1, tem 20 anos e cursa
Biologia (2º ano); S2 tem 18 anos e cursa Arquitetura
(1º ano); S3, com 21 anos, cursa o quarto ano de
Educação Física; S5, com 20 anos, cursa o terceiro ano
de Administração de Empresas; S6, tem 20 anos e cursa
Nutrição (2º ano).
Material
•
Carta com relato da história de vida
Optou-se pelo uso da história oral para a coleta de
dados. Essa estratégia metodológica é utilizada para a
elaboração de documentos, arquivamento e estudos
referentes à vida social das pessoas. Sendo assim, a
história oral é sempre uma história de tempo presente,
também chamada história viva. O sujeito principal desse tipo de história oral é o depoente que tem liberdade
para dissertar, da maneira que julgar mais adequada,
sobre a experiência pessoal. A verdade dos fatos está
na versão oferecida pelo entrevistado, que pode revelar
ou ocultar fatos, situações ou pessoas. Segundo Meihy
(1996) ‘nas entrevistas de história oral de vida, as
perguntas devem ser amplas, sempre colocadas em
grandes blocos, de forma indicativa dos grandes
acontecimentos e na seqüência cronológica da trajetória
do entrevistado’. ( p. 35)
•
Roteiro para entrevista
Foram elaborados roteiros para as entrevistas
individuais com os participantes a partir do conteúdo das
cartas.
Procedimento
Após a seleção dos sujeitos da pesquisa, passou-se
à primeira etapa da coleta de dados. A cada sujeito foi
entregue uma folha na qual constavam informações sobre
a pesquisa e uma proposta de tarefa a ser realizada: foi
solicitado para que, num momento de tranqüilidade,
escrevesse uma carta endereçada aos pesquisadores,
relatando algumas memórias sobre o professor M. e o
papel dele na sua vida. Esse momento visava favorecer
o início do processo de recuperação da história de vida,
enriquecendo, assim, as informações coletadas nas
entrevistas posteriores. Destacou-se, ainda, a importância de relatarem os fatos com maior detalhamento
possível.
Duas cartas chegaram por e-mail. As outras quatro
foram manuscritas e entregues pessoalmente. Quando
A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível
251
reunidas, foram digitadas de forma padrão e impressas.
A partir de uma primeira leitura, foi possível perceber
que os relatos faziam menção às marcas principais deixadas pelo professor nos ex-alunos. Provavelmente, os
sujeitos nunca tinham elaborado suas memórias sobre o
professor M. Ao iniciar o exercício de registro dessas
memórias, o que veio à tona foram às lembranças mais
significativas, as quais foram destacadas como evidências
importantes para a elaboração das entrevistas.
A segunda etapa da coleta de dados foi realizada
por meio de entrevistas individuais, realizadas com todos os sujeitos. Essas entrevistas eram, portanto,
planejadas a partir dos conteúdos das cartas. Tinham
como objetivo coletar o máximo de informações sobre
as práticas pedagógicas desenvolvidas pelo Professor
M em sala de aula, além dos relatos dos sujeitos sobre
os impactos das mesmas em suas vidas acadêmica,
profissional e pessoal.
Os sujeitos foram consultados quanto à preferência
do dia e hora para a realização das entrevistas que eram
agendadas antecipadamente. Todas as entrevistas
aconteceram nas residências dos sujeitos e foram
gravadas com consentimento deles.
RESULTADOS
Após todo material ter sido digitado e transcrito,
iniciou-se o processo de análise do mesmo. Analisar os
dados de uma pesquisa qualitativa consiste num processo
de organização sistematizada dos materiais acumulados
durante a investigação. Essa organização tem como
objetivo auxiliar a compreensão e interpretação dos dados, assim como apresentar ao leitor aquilo que foi
encontrado. Segundo Bogdan e Biklen (1994) ‘a análise
envolve o trabalho com os dados, a sua organização,
divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura de
padrões, descoberta de aspectos importantes do que deve
ser apreendido e a decisão do que vai ser transmitido
aos outros’. ( p. 225)
Para facilitar o trabalho, inicialmente foram analisadas
apenas as cartas. Essas foram lidas atentamente, destacando-se os aspectos importantes. Ao lado desses
aspectos, foram escritas palavras-chave que representassem aquela idéia. Por exemplo, ao lado da reprodução
de falas do professor feitas pelo sujeito, escrevia-se:
“lembranças”. Esse procedimento é fundamental como
ponto de partida para a análise, visto que a palavra-chave
abre caminho para o pesquisador ultrapassar a
significação aparente da fala do(s) sujeito(s).
Tendo definido as palavras-chave, o passo seguinte
foi organizar o que Aguiar (2001) denomina Núcleo de
Significação do Discurso. Esses núcleos são gerados
a partir de um esforço do pesquisador na busca de
‘temas/conteúdos/questões centrais apresentados pelos
sujeitos, entendidos assim menos pela freqüência e mais
por ser aqueles que motivam, geram emoções’. (p.35)
Dessa maneira, foram criados os núcleos desta
pesquisa, reunindo os aspectos dos relatos em torno de
um tema ou um núcleo amplo que corresponda a uma
resposta parcial ao objetivo inicial estabelecido. À medida
que a análise foi se desenvolvendo, surgiu a necessidade
de se criarem sub-núcleos, ou seja, os relatos foram se
agrupando de tal forma que em um assunto amplo
(núcleo) se inseriram temas mais restritos (sub-núcleos).
Após a análise das cartas, as entrevistas passaram
pelo mesmo processo, sendo utilizados os mesmos
núcleos e sub-núcleos anteriormente criados. É
importante destacar que as entrevistas reforçaram as
informações das cartas, mas também apresentaram
outros dados importantes, o que propiciou a criação de
alguns núcleos diferentes dos já estabelecidos.
Na seqüência, apresenta-se a Tabela I com os
núcleos e sub-núcleos estabelecidos a partir da análise
descrita anteriormente e, na seqüência, a descrição detalhada dos mesmos.
Tabela I: Apresentação dos Núcleos e sub-núcleos
construídos a partir da análise dos relatos das cartas e
entrevistas.
1 - ASPECTOS PEDAGÓGICOS
1.1 Avaliação
1.2 Interdisciplinariedade
1.3 Práticas de escrita
1.4 Práticas de Leitura
1.5 Cotidiano das aulas
1.6 Aluno como referência
2 - LEMBRANÇAS MARCANTES
3 - SENTIMENTOS DOS ALUNOS
4- INFLUÊNCIA DO PROFESSOR
4.1 Na vida futura do aluno
4.1 Relação sujeito-objeto
5 - RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
6 - CARACTERIZAÇÃO DO PROFESSOR
7 - IMAGEM ATUAL QUE O SUJEITO TEM DO PROFESSOR
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 247-260
252
O primeiro núcleo - Aspectos Pedagógicos - inclui
os relatos verbais que fazem menção às práticas
pedagógicas que os sujeitos identificaram como sendo
importantes marcas deixadas pelo Professor M. Foram
definidos como aspectos pedagógicos os fatos e relações
que ocorreram dentro da sala de aula e que envolviam o
processo de ensino-aprendizagem. Tais aspectos foram
organizados em seis sub-núcleos, como se observa na
Tabela I.
Subnúcleo - Avaliação
Nesse item, estão os relatos que caracterizam as
práticas de avaliação utilizadas pelo professor M.. De
forma geral, os sujeitos mencionam a prova escrita como
principal instrumento avaliativo. É possível perceber que,
bimestralmente, os alunos eram avaliados através de
provas e que estas eram muito difíceis. Na carta de S1
aparece a dificuldade para tirar nota máxima nas provas.
Esse mesmo sujeito descreve que a prova era bastante
longa, com exercícios que confundiam o aluno.
Entretanto, a prova, enquanto instrumento avaliativo,
é vista como mais uma forma de participar e aprender,
não sendo, portanto, caracterizada como aversiva, como
se observa no relato de S4: “A prova dele, cinco seis
folhas de prova. Tinha duas folhas no caderno pra
estudar e seis folhas de provas pra fazer, né? Provas
que você conseguia participar, conseguia aprender
mais ainda com a prova”.
Um aspecto interessante é a estratégia utilizada para
a correção da prova. Vários sujeitos contam que era
muito comum o professor aplicar a prova de gramática,
recolhê-las e em outra aula redistribuí-las para que os
próprios alunos corrigissem. Mas o aluno não corrigia a
própria prova, e sim a do colega. Na fala de S1, aparece
a orientação dada pelo professor durante a correção:
“A correção da gramática era feita pelos próprios
alunos. O M. distribuía as provas trocadas, ou seja,
cada aluno pegava a prova do colega e então
começava a correção oral que antes era explicada....
No final, nós contávamos quantos certos tinham e
devolvíamos. Então, o professor conferia as provas
e juntava-as com a redação”.
Os dados apontam que essa forma de trabalhar com
avaliação auxilia na aprendizagem, pois o aluno soluciona
sua dúvida comparando sua resposta com a do colega
ou com a explicação dada pelo professor, durante a
correção. Isso fica explícito no seguinte exemplo de S2:
“Quando tinha prova dele, na outra aula ele
Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro
entregava as provas pra cada um corrigir do outro
e ajudava pra caramba. Porque você olhava, via
qual era sua dúvida a partir da resposta do outro”.
Deve-se destacar que os alunos tinham medo de colar
na prova do professor M., pois temiam sua reação.
Subnúcleo - Interdisciplinaridade
Encontram-se, nesse item, os relatos que indicam a
prática do professor de relacionar vários assuntos com
a sua disciplina (Língua Portuguesa). São relatos que
apontam a importância de relacionar temas reais e atuais
como, por exemplo, a gramática, o que é valorizado
positivamente pelos alunos. S1 relata que era
interessante discutir assuntos diversos (como violência,
sexualidade, drogas, questões políticas e econômicas),
a partir dos conteúdos da língua portuguesa. Além disso, o Professor M. procurava discutir tais assuntos para
que os alunos pensassem sobre eles e opinassem, tendo
como principal objetivo estimulá-los a terem argumentos
para sustentar uma opinião. Observa-se no exemplo de
S1: “E é interessante que dentro de português, nós
discutíamos sobre assuntos diversos: violência, droga, amor, questões políticas, econômicas e também
relacionávamos tais assuntos. Ele fazia a gente
pensar sobre esses assuntos e ter uma opinião ou
pelo menos ter argumentos para não ficar em cima
do muro)”.
Alguns sujeitos valorizaram a capacidade de o
professor de “tirar do nada” temas reais e atuais durante a aula. Observa-se que o professor partia de
figuras, interpretação de livros e contos para iniciar uma
discussão e reflexão sobre temas da atualidade. “O que
achava legal também, era a capacidade que tinha de
tirar do “nada” (de figuras, discussões de livros,
contos) , temas tão reais, e atuais para nós.... o
poder de reflexão que tentava trazer para nós e
despertar em nós, isso achei fantástico e
aprendi bastante!”.(S3).
Outro aspecto interessante que aparece nos relatos
é a inclusão de aulas de latim no currículo escolar. Essa
matéria era ministrada pelo professor M., em horários
específicos, fora da aula de língua portuguesa, com intuito
de auxiliar o aprendizado da língua. S2 fala que, no início,
os alunos não gostavam de latim, considerando uma
matéria inútil. “As aulas de latim (7ª e 8ª) que no
começo pareceram, a todos os alunos, um pouco
estranhas e inúteis, ajudou muito no entendimento
de análise sintática”. (S2).
A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível
253
Subnúcleo - Práticas de Escrita
Relacionadas ainda com os aspectos pedagógicos,
aparecem as práticas de produção escrita. Nesse item,
foram agrupados todos os relatos que caracterizam os
procedimentos utilizados pelo professor para trabalhar
com a escrita, ou seja, os artifícios utilizados para que
os alunos aprendessem a linguagem escrita.
Os sujeitos apontam as redações como uma atividade
freqüentemente proposta pelo professor. Na fala de S2,
é possível observar a importância do trabalho com
redação, pois o sujeito relata que, no Ensino Médio, não
teve bons professores e assim não pôde exercitar muito
a escrita. O fato de ter participado das aulas de redação
do Professor M. foi de extrema importância para seu
sucesso no vestibular. O sujeito S2 comenta, ainda, a
dificuldade que todos tinham para tirar boas notas em
redação. Os alunos sempre reclamavam dessa postura
rígida do professor M., mas, segundo S2, isso fazia com
que os alunos se esforçassem cada vez mais para
melhorar a nota e, conseqüentemente, a escrita. “As
freqüentes redações foram muito importantes já que
no Ensino Médio não tive bons professores e não
pude exercitar tanto a escrita, ao me preparar para
o vestibular. Lembro que era muito difícil tirar notas
boas nas redações. Na época, eu e todos os outros
alunos reclamávamos muito, mas não percebíamos
que essa atitude do professor fazia com que nos
esforçássemos cada vez mais e conseguir melhorar
as notas e conseqüentemente o jeito de escrever. Seria
muito diferente se ele não fosse exigente”. (S2).
É possível observar, também, uma caracterização da
prova de redação. S1 relata que a prova era composta
de três temas e o aluno deveria escolher um. Geralmente,
era uma narração, uma dissertação e uma carta cujos
temas eram escritos na lousa pelo professor. “Na prova
de redação eram três temas que você escolhia um.
Os temas eram escritos na lousa pelo professor e
geralmente era uma narração, uma dissertação e
uma descrição (eu acho). Era tema do tipo:“Era
aniversário de Paulo e uma coisa muito estranha
aconteceu...”. (S1).
S3 lembra o estudo dos tempos verbais. Ele caracteriza
a formação do futuro do subjuntivo dos verbos ver e vir
e, em seguida, fala da importância do aluno saber a origem
do que estuda, a sua lógica. “E se você aprender, ele
fazia você extrair a raiz. Aquele negócio de achar o
tempo verbal, pra você construir o futuro do
subjuntivo: quando eu vir aquela pessoa ou quando
eu ver? Se você pensar no passado, por exemplo,
viram, eles viram; e tirando o am fica vir, se eu vir..
Então você tinha a raiz do negócio, você sabia de
onde vinha. Não é uma coisa jogada, sem saber a
lógica e de onde vem. E isso ajuda também pra sua
vida, você se torna um cara questionador”. (S3).
Subnúcleo - Práticas de Leitura
Nesse item, estão os relatos em que os sujeitos
caracterizam a importância de certas práticas de leitura
na sua formação enquanto leitores. Uma atividade
bastante comentada é a leitura mensal de um livro, que
acontecia em todas as séries. Os seis sujeitos recordamse dessas leituras, porém destaca-se o caso de S6. É
impressionante a relação que ela vai estabelecendo com
os livros. No início de sua carta, relata a aversão que
tinha à leitura. “Quando eu entrei na quinta série no
Colégio, eu definitivamente detestava ler, e para
minha infelicidade todo bimestre tinha uma leitura de
livro para ser realizada e o pior, uma prova”. (S6).
Com o passar do tempo, e por causa do professor
M., ele vai apreciando o ato de ler. O seu envolvimento
foi tanto que, em certos livros, relata que sentia os odores, sorria, chorava, imaginava as cenas, enfim, vivia a
história. Identifica que o motivo de tudo isso acontecer
era o professor, pois foi influenciado pelo fascínio que
ele tinha pelos livros. “Os anos foram passando, eu
continuei a ser aluna do M., fui pegando cada vez
mais e mais gosto pela leitura. Até que conforme eu
lia eu sentia cheiro, imaginava cenas concretas,
sorria, chorava, enfim, eu saía do mundo real e
“entrava” no livro.Esse meu contato forte com os
livros se deu graças ao incentivo que eu tinha a partir
do fascínio pelos livros que o professor M. passava.
Eu comecei a perceber, a entender de onde vinha
tanta sabedoria, e o porque ele defendia tanto a
leitura. Eu percebi que a cada livro que eu lia, a
minha bagagem cultural aumentava”(S6).
Na entrevista desse mesmo sujeito, é possível
observar, com maiores detalhes, seu processo de
envolvimento com os livros. Esse tipo de relato é
relevante, visto que S6 atribui claramente ao professor
seu envolvimento e interesse pela leitura. Houve o
incentivo do professor quando abriu espaço para S6 dizer
o que sentia durante a leitura.
Outra prática comum do professor era a interpretação
de textos. Segundo S1, a aula de que mais gostava era
esta, pois o professor M. refletia sobre um determinado
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 247-260
254
texto e buscava nele lições de vida. Essa forma de
estudar um texto passou a ser uma prática comum de
S1, que lia sempre refletindo e procurando responder as
perguntas que provavelmente o professor faria. “O que
eu mais gostava de suas aulas eram as interpretações
de texto, porque ele fazia a gente “viajar”. De um
texto que aparentemente não dizia nada, ele
conseguia tirar um livro de lições de vida”. (S1).
Ainda sobre a leitura, na fala de S3 observa-se uma
prática diferente das descritas até agora. O professor
M. fazia um trabalho com interpretação de figuras,
buscando significados onde aparentemente não existia.
O sujeito demonstra ter gostado desse tipo de atividade.
“Ele fazia um trabalho legal com figuras. Pegava
uma figura do nada e começava:“O que você tá
vendo aqui?”(reprodução da fala do professor M.).
“Ah! Eu não to vendo nada, só um telhado, uma
casa” (reprodução da fala do sujeito enquanto aluno);
“ah é?, Mas e essa casa, essa janela quebrada, não
demonstra que ela foi agredida?” (reprodução da fala
do professor)” (S3).
É preciso destacar a estratégia utilizada pelo
professor M. para ensinar a leitura interpretativa em
voz alta. S2 comenta que cada aluno lia uma parte do
texto e, quando alguém lia com entonação, mas não
respeitando a pontuação, o professor interrompia,
sugeria uma alternativa e pedia para que a pessoa
repetisse. Segundo S2, era fácil aprender o uso da
pontuação, sem ficar falando especificamente sobre
regras. “Em algumas delas, líamos textos dos livros
didáticos. Cada aluno lia uma parte.. quando um
aluno não conseguia ler do jeito correto,
respeitando a pontuação ou a gramática, o
professor fazia com que a pessoa repetisse a frase,
ensinando e destacando o erro. Talvez esse fosse
um método fácil de ensinar o uso de pontuação,
sem falar muito em regras” (S2).
Para finalizar este sub-núcleo, ressalta-se uma
proposta do professor M. vivida por cinco sujeitos. Na
oitava série, os alunos continuavam lendo um livro por
mês, mas a avaliação não era mais por prova. Esta foi
substituída por uma discussão em grupo em torno da
história de livro. O professor reunia-se com o grupo fora
do horário de aula e todos discutiam e procuravam
interpretar o livro. Na carta de S2, há destaque para
esse tipo de atividade. Indica também que essa forma
de estudar o livro facilitou o entendimento, pois o
professor ia direcionando a discussão. Foi em um desses
Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro
encontros que S6 relatou ao professor seu gosto pela
leitura, e passou a se envolver cada vez mais com os
livros, admirando ainda mais o professor. Durante a 8ª
série (os livros mais importantes eram lidos nessa
época), as provas eram substituídas por discussões
entre grupos, direcionadas pelo professor. Com isso,
os livros eram entendidos mais facilmente e o
professor avaliava cada pessoa de uma maneira mais
pessoa” (S2).
Sub-núcleo - Cotidiano das Aulas
Apresenta os relatos verbais relacionados às práticas
cotidianas que não estão necessariamente relacionadas
com as práticas de leitura e escrita. Ou seja, são
acontecimentos diários apontados pelo sujeitos como
sendo importantes marcas deixadas pelo professor. De
forma geral, os sujeitos caracterizam a pontualidade do
professor M., sua postura rigorosa com os alunos e o
fato de sempre dar um retorno, resolvendo as dúvidas.
Alguns sujeitos mencionam que, toda vez em que
surgiam dúvidas, o professor resolvia imediatamente ou
na aula seguinte. Destacam a importância de atitudes
como essa, interpretando-as como aspectos do
compromisso do professor com o ensino. As aulas
seguiam uma rotina. Fazia parte desta a pontualidade,
mencionada como uma atitude importante, visto que o
aluno seguia o exemplo do professor. Também fazia parte
da rotina a seguir o uso do livro didático, que trazia
sempre um texto, um conteúdo gramatical e exercícios
sobre esse conteúdo. “Suas aulas seguiam mais ou
menos uma rotina. Chegava sempre pontualíssimo,
pegava a caderneta e fazia a chamada (nome por
nome), geralmente seguia religiosamente o livro
(seqüência de matéria) reforçando sempre com
exercícios da gramática (livro só com gramática que
todos os alunos tinham). Os livros geralmente traziam um texto e logo depois a gramática e questões
sobre. Então, cada aluno lia um pedaço do texto,
havia uma rápida reflexão – o professor fazia
perguntas sobre o texto e os alunos davam opinião
e iam respondendo à medida que o professor M. ia
“cutucando”. Então fazíamos os exercícios” (S1).
Ainda sobre o cotidiano das aulas, o professor exigia
atenção de todos. S2 considera positiva essa exigência,
pois todos os alunos ficavam quietos, prestando atenção,
sem atrapalhar os colegas. Diferente de outros
professores, cuja aula era bastante tumultuada. “Era
bom que todo mundo ficava quieto, não tinha
A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível
255
aquela zueira dos outros professores. Aula normal
no sentido de que o professor fala e todo mundo
ouve; não é assim: o professor fala, alguns ouvem
e os outros não estão nem ligando. Ele fazia com
que todo mundo prestasse atenção no que ele
falava” (S2).
Durante as aulas, o professor M. procurava estimular
a participação de todos os alunos. Observa-se que essa
participação não era uma obrigação, mas os alunos, de
certa forma, sempre procuravam participar. Nesses
momentos, aprendia-se muito. Segundo S4, “a aula dele
era dinâmica. Você participava como aluno das
aulas; ele fazia com que você participasse sem que
fosse uma obrigação; você acabava participando
mesmo que não quisesse, porque não tinha aquela
obrigação de participar, mas era nessas horas que
você aprendia”.
Com mais freqüência no Ensino Médio, o professor
M. propunha uma atividade na qual os alunos deveriam
apresentar algum assunto para a sala, opinando e
argumentando para manter aquele posicionamento.
“Outro aspecto importante que o M. teve foi ensinar
a falar. Sempre tinha, principalmente no colegial,
as aulas tipo uma palestra que a gente tinha que
dar. Não sei se na oitava ou primeiro colegial teve o
uso de uma música e tinha que falar da música e foi
muito legal. Eu estava lembrando até esses dias. E a
gente tinha que falar e dar o nosso posicionamento,
só que tinha que se colocar numa posição e
sustentar aquela posição e isso me ajudou muito na
faculdade”(S5).
São destacadas as conversas que aconteciam entre
o professor M. e os alunos durante as aulas, indicadas
como importantes. Na fala de S1, observa-se um
exemplo, no qual o professor conversa sobre a
importância de cuidar do corpo. O sujeito aponta a
relevância de tal acontecimento, visto que começou a
perceber que o professor também cuidava do corpo e
fazia ginástica, ou seja, era uma pessoa comum. “Outra coisa muito legal foi quando o M. falou que ele
achava muito importante as pessoas cuidarem do
corpo. Já estava no 2º colegial (se não me engano)
e aí é que foi cair a minha ficha de que o professor
também era gente. Então comecei a imaginar ele
fazendo academia, sei lá. E também fui descobrindo
esse lado “humano” do M., pelo contato que tinha
com o filho dele, que acabava contando algumas
histórias” (S1).
Sub-núcleo: O Aluno como Referência
Nesse subnúcleo está o relato verbal de S3, afirmando
a importância do professor partir dos conhecimentos
iniciais do aluno para que o conteúdo a ser ensinado
fizesse sentido para ele. Essa era uma prática comum
do professor M. “Acho que foi ele que me falou, que
você tem que partir de um ponto, e ele fazia isso,
partir não do seu ponto de vista.. Partir do
conhecimento que a pessoa tem, que o aluno tem.
Então aproxima mais de você. E parece até que o
professor se interessa pelo seu meio. Faz sentido pra
você. A partir do momento em que a sua visão é
levada em consideração aquilo se torna mais
próximo.”(S6).
Lembranças Marcantes
O segundo núcleo reúne os relatos verbais que fazem
menção a fatos que ocorreram durante o período em
que os sujeitos eram alunos do professor M. e que se
caracterizaram como marcantes. De uma forma geral,
são fatos pontuais que causaram surpresa, risos,
constrangimentos ou que simplesmente marcaram.
S5 relata a surpresa que teve ao descobrir que o
professor M. tinha uma tatuagem. “Até o dia que eu
descobri que ele tinha uma tatuagem, aí caiu meu
mundo, eu não acreditava. Eu não acreditei, eu fiquei
super surpreso.” (S5).
Observam-se, também, marcas deixadas pela
mediação do professor que provocaram constrangimentos.
S4 recorda-se de um episódio em que pronunciou uma
frase com concordância errada e imediatamente o
professor interferiu. No momento da entrevista em que
relatava esse fato, o sujeito ria muito e expressava
vergonha. Mas não caracterizou essa mediação como
negativa, visto que estava sempre aprendendo com os
próprios erros e os erros dos colegas. “Eu lembro até
hoje, eu nunca mais esqueci disso. Uma vez ele falou:
“De quem que é a vez?” e eu falei: “É eu” e ele falou:
“Não é é eu, mas sou eu” e nunca mais eu esqueci
(Comentário feito com muitos risos). Sempre que eu vou
falar alguma coisa eu sei que sou eu, a partir daquele momento eu aprendi que era sou eu. E não foi só
com esse erro, todo mundo, sempre quando falava
alguma coisa errada, ele sempre tinha que falar
perfeitamente. Então todo mundo ia aprendendo
alguma coisa com o erro dos outros”. (S4).
S3 relata que, para receber a sua turma da 5ª série, o
professor M. iniciou o contato com uma apresentação
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 247-260
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bastante interessante da origem dos nomes de cada
aluno. “Na quinta série, como ele recebeu a gente,
você lembra? Falando os nomes: “Qual é seu
nome?” Ah! É Ângela. “Ah, Ângela; Ângela vem
de tal língua e significa isso”. Porque ele já quis
“quebrar o gelo”.
S4 faz menção ao seu capricho com o caderno de
redação. Em cada folha desenhava uma flor, pintava,
para depois escrever a redação. Ficava feliz, pois o
professor sempre elogiava seu capricho. Era cuidadosa
também com o caderno de latim.“Eu lembro do
caderno de redação. Eu fazia flor no meio da folha,
aí eu pintava clarinho e escrevia a redação por
cima. Toda aula ele dava um visto no caderno, toda
aula ele me elogia e eu achava lindo. Eu nunca fui
caprichosa, mas no caderno de redação, no
caderno dele em geral eu era bastante” (S6).
Por fim, os dados apontam que o professor repetia
certas frases que os sujeitos não esqueceram. A
exemplo “uma coisa que ele falava que me marcou
muito: “Você vai aprender escrever português
Como? Escrevendo. Você vai aprender chutar bola
chutando”. São esses detalhes que ficam na sua
mente”. (S5). Cita-se também “eu lembro de quando
ele falava que nós sempre temos mais o que
aprender. Ninguém nunca vai saber de tudo”. (S1).
E por fim, “porque era a gente que tirava nota e
não era ele que dava (professor sempre falava
isso)”.(S6).
Sentimentos dos Alunos
Nesse núcleo estão reunidos os relatos que
descrevem sentimentos dos alunos em relação ao
professor. Esses sentimentos variaram cronologicamente, ou seja, os sujeitos manifestavam diferentes sentimentos com relação aos diversos momentos
da relação professor-aluno. Antes do primeiro contato
com o professor, geralmente os sujeitos sentiam medo
e ficavam ansiosos na expectativa do primeiro encontro.
“Desde quando estava nas séries da base (1ª, 2ª,
3ª, 4ª séries) escutava várias histórias aterrorizantes
sobre o professor M.. “O professor M. é muito
bravo, exigente e grita com a gente...” (S5).
Quando o sujeito passava a ser aluno do professor
M., outros sentimentos surgiam, como a admiração,
respeito e orgulho. “O tempo foi passando e meu
medo foi virando admiração, comecei a reparar
na inteligência do M., na forma como ele
Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro
interpretava textos, livros, na forma como ele falava
dos livros, nas inúmeras informações passadas por
ele. Ficava cada dia mais encantada com a
proporção da sua inteligência”. (S6).
Atualmente, quando se remetem ao passado, alguns
sujeitos manifestam sentimentos em relação ao
professor M que demonstram gratidão pelo que o
professor os ensinou e até mesmo saudades do tempo
em que eram seus alunos. “Hoje, tenho muito a
agradecer ao professor, não só pelas aulas e pelo
ensino recebido, mas principalmente pela lição de
vida, conhecimentos gerais, dicas e conselhos
recebidos”. (S5). “Quando eu entrei em escola de
rede, o M. me fez muita falta”. (S6).
Influência do Professor
No quarto núcleo, foram reunidas as falas que se
relacionam à influência do professor, em especial os
aprendizados experenciados pelos sujeitos, que foram
relevantes em suas vidas, a médio e a longo prazo.
Observa-se essa influência na vida futura do sujeito na
relação do sujeito com o objeto de conhecimento. É
preciso reforçar que essas influências foram
interpretadas pelos sujeitos como importantes marcas
deixadas pelo professor.
Sub-núcleo: Na Vida Futura do Aluno
Estão os relatos que fazem menção à influência do
professor na vida futura do sujeito. Encontram-se, com
freqüência, falas que caracterizam a facilidade do sujeito
com os conteúdos da Língua Portuguesa, quando
ingressou no Ensino Médio ou na Faculdade. Ou ainda,
a facilidade em escrever redações e por isso realizou
com sucesso o vestibular. Os sujeitos atribuem,
claramente, ao professor M. a responsabilidade pelo
sucesso ou por não apresentarem dificuldades com a
Língua Portuguesa. “Acredito que ele foi grande
responsável por ter passado no vestibular na
Unicamp”.(S2). “É graças a ele que consegui fazer
um colegial sem dificuldades em português e
consegui entrar na universidade que queria e hoje
tenho uma profissão! Obrigada M.!” (S4).
Outra forma de influência diz respeito ao aluno tentar
seguir o modelo de comportamento do professor. S3 faz
menção ao seu próprio comportamento como tendo sido
influenciado pelo professor M. “E você seguia o
exemplo da pessoa que você sabe onde está indo.
Se você sabe onde está indo, você vai atrás, se sente
A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível
257
seguro pra seguir. E você sabia que ele ia te
conduzir”. (S3).
Sub-núcleo: Relação Sujeito-Objeto
Há os relatos que caracterizam a influência que o
professor M. exerceu sobre a relação de alguns sujeitos
com o objeto do conhecimento, no caso os conteúdos e
atividades da disciplina Língua Portuguesa. É possível
perceber a aversão que alguns desses sujeitos tinham
inicialmente pela leitura e pela escrita. O trabalho
realizado pelo professor transformou essa relação
negativa em uma relação positiva. S4 diz que não sabia
que era gostoso ler. O fato do professor M. tê-la obrigado
a ler um livro por mês desenvolveu o gosto pela leitura.
“Os livros eu amei. Porque ele me fez gostar do hábito
de ler. Eu não tinha o hábito de ler, ninguém aqui
em casa tinha. E todo mês tinha que ler um livro
porque tinha prova do livro. Foi aí que eu aprendi a
gostar de ler. E hoje eu não passo um mês sem ler
um livro”. (S4).
Já S5 fala do seu gosto pelas aulas de discussão, nas
quais discutia-se um texto, ou uma música, ou um poema
etc. Não gostava da matéria, mas realizava-se com essas
aulas. “Acho que as aulas que eu mais gostava eram
as aulas de discussão, eu não gostava dos exercícios,
não gostava da matéria, eu adorava as aulas de
discussão; pra mim eram o máximo”. (S5).
Relação Professor-Aluno
Nesse núcleo foram reunidos os relatos que dizem
respeito à relação professor-aluno, ou seja, a forma como
o professor M. interagia com os alunos. Os relatos
apresentaram subsídios sobre como a relação professoraluno foi transformando-se conforme o professor
mudava seu comportamento. Os sujeitos apontam que,
no início, o professor M. tinha uma postura mais rígida,
severa e, portanto, era estabelecida uma relação fria,
distante. “Bom, como estudei 7 anos com o M. acho
que teve pelo menos duas fases do nosso
relacionamento professor - aluno bem definidas. No
Ensino Fundamental ele era um, no Médio, outro,
você sabe disso!! Quer dizer, até a 8ª ele era mais
fechado, “bravo” quer dizer cobrava muito as tarefas, passava de carteira em carteira às
vezes olhando as tarefas. Fazia anotações,
considerava participação na aula (ponto
fundamental acho e não cobrava só na prova!),
corrigia falas, tudo dentro da sua matéria; fazia
correlações com assuntos gerais do noticiário atual,
mostrava a origem daquilo que ensinava - acho ele
muito didático. Enfim o M.era o professor e nós os
alunos. Na 8ª série esse relacionamento começou a
mudar, me parece” S3.
Com o passar dos anos, a posição do professor M.
passa por um processo de mudança e, segundo os
sujeitos, na 8ª série ele está mais próximo dos alunos,
mais alegre, brinca mais. Percebe-se que é estabelecida
uma relação afetiva positiva favorecendo uma relação
professor-aluno mais próxima; além das aulas ficarem
mais atrativas, com menos cobrança. “Na verdade, o
professor continuou sendo o mesmo e nós os mesmos
na posição de aluno. O que eu percebi é que nos
tornamos mais amigos. Conversas fora do horário
de aula no corredor proporcionaram isso também,
pq antes ele era o professor intocável e então ele
estava ali falando como um qualquer conosco e até
“rebaixando” seu português! Ficou mais sorridente,
me parecia demonstrar mais espontaneidade, ou pelo
menos forçá-la, entende?!?! As aulas ficaram mais
engraçadas no E. Médio, quero dizer, mais
espontâneas. O M. continuou sendo o mesmo,
encarando o trabalho com toda a seriedade de antes,
horário, perguntas respondidas, novidades,
conteúdo, explicações... enfim, mas com um pouco
menos de cobrança. Ou melhor a cobrança até existia
(bastante!) mas os alunos tinham mais seriedade me
parecia, o que o fez relaxar mais e levar um papo
mais de amigo, principalmente no 3º, em que só
tinham 4 alunos sobreviventes lembra???!! Os heróis,
acho que por isso ficou mais light!! Tinham de
sobreviver!!! Não cobrava mais tanto...” (S3).
Nesse sentido, pode-se afirmar que a amizade entre
o professor M. e os alunos foi sendo construída ao longo
dos anos, como mostra o S5. “...Então não sexta série
foi uma relação mais fria, foi um susto”.(S5). “... A
relação foi bem fria no começo. Depois até chegar
no colegial, a gente deu risada, ele ficou muito mais
extrovertido”. (S5).
Caracterização do Professor
Nesse núcleo foram reunidos os relatos referentes à
caracterização física e psicológica do professor. Os
sujeitos mencionam sua altura; o fato de sempre saber
tudo; buscar coisas novas; de ser bastante sério, sincero,
competente, didático e tradicional. Para os sujeitos, são
características muito importantes que se tornaram as
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
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Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro
principais marcas do professor M. “É um cara que
sempre trás coisas novas, relaciona com o momento
político, relaciona os conhecimentos com a matéria”.
(S3). “M.: homem alto, inteligente, de personalidade
forte (que tem opinião e argumentos para sustentála; “sabe o que quer da vida”)” (S1). “Ele era um
professor extremamente didático, extremamente
competente. Tudo ele passava na lousa. Eu acho que
no M., uma coisa que me marcou muito é que ele era
um professor tradicional”. (S6).
Imagem Atual que o Sujeito Tem do Professor
No último núcleo, foram reunidas as falas referentes
à imagem atual que o sujeito tem do professor. Isso
significa que, na atualidade, alguns sujeitos preservam
uma determinada representação do professor M. Isto é
possível observar, nos exemplos: “A imagem que eu
tenho do M., é a imagem do que um professor deve
ser. Eu sempre lembro dele como o que um professor
deveria ser, porque ele é um professor altruísta”.
(S6). “Lembrar do M. é também pensar numa
muralha, pois ele raramente faltava (ou seja, quase
nunca ficava doente ou tinha problemas para
resolver), parecia que nada conseguia vencê-lo”
(S1). “Mas a imagem que ele deixou em mim, sempre
que falo dele lembro de uma rocha. Não sei porque,
mas acho que porque ele tinha uma personalidade
muito forte, então as idéias dele era muito bem
formadas, ele tinha bastante persuasão” (S5).
DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados desta pesquisa revelam a importância das
práticas pedagógicas desenvolvidas pelo professor em
sala de aula. Sugerem que questões como a natureza
dos conteúdos, sua organização e a forma como são
apresentados, interferem, decisivamente, na relação
aluno-objeto de conhecimento.
O processo de ensino-aprendizagem, atividade
consciente do ser humano, não envolve somente
questões cognitivas. No entanto, durante décadas, a visão
dicotomizada do ser humano, afeto/cognição, influenciou
profundamente a área educacional, gerando uma ênfase
quase exclusiva no processo de transmissão do
conhecimento, envolvendo apenas suas dimensões
cognitivas.
Mais recentemente, a partir de pressupostos teóricos com fortes marcas nos determinantes sociais da
aprendizagem, a concepção de homem tem se transformado, dando origem a uma visão integradora que defende a indissociabilidade dos aspectos afetivos e
cognitivos. Na educação, isso tem implicado numa revisão
das práticas pedagógicas, pois, a partir dessa visão
integradora, é preciso caracterizar as relações de ensinoaprendizagem também enquanto um processo afetivo.
Os estudos baseados na abordagem histórico-cultural
demonstram a importância do Outro – sujeito mediador
- na construção do conhecimento e também na
constituição do próprio sujeito e suas formas de agir.
Segundo Oliveira (1997), ‘a interação face a face entre
indivíduos particulares desempenha um papel
fundamental na construção do ser humano: é através da
relação interpessoal concreta com outros homens que o
indivíduo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente
estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto,
a interação social, seja diretamente com outros membros
da cultura, seja através dos diversos elementos do
ambiente culturalmente estruturado, fornece a matériaprima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo’.
( p. 38). Partindo desse pressuposto, assume-se que, no
processo de apropriação do conhecimento, o Outro possui
grande importância, mediando a relação sujeitoconhecimento através dos objetos culturalmente
configurados, os quais ganham significado e sentido.
Referindo-se especificamente à sala de aula, podese supor que, nesse espaço, os alunos vivenciam
experiências de natureza afetiva que determinarão a
futura relação que se estabelece entre eles e os diversos objetos de conhecimento. Nesse sentido, a qualidade
da mediação do professor pode gerar diferentes tipos
de sentimentos na relação sujeito-objeto. Ou seja, o trabalho concreto do professor em sala de aula (suas formas
de interação com os alunos, suas estratégias para
abordar os conteúdos, os tipos de atividades que propõe,
os procedimentos de correção e, avaliação, por exemplo)
certamente tem uma influência decisiva na construção
dessa relação.
As práticas pedagógicas que se constituem a partir
da relação professor-aluno promovem a construção do
conhecimento e também vai marcando afetivamente a
relação com o objeto a ser conhecido. Nesse sentido, os
dados da presente pesquisa apontam claramente que a
mediação efetuada pelo professor M. acarretou
profundas mudanças afetivamente positivas nos sujeitos,
A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível
259
em relação ao objeto do conhecimento, no caso,
envolvendo os usos sociais da escrita. As marcas deixadas pelo professor não se relacionam, apenas, com
as situações envolvendo relações “face-à-face” entre
professor-aluno. Os sujeitos, ao mencionarem os fatos
marcantes relacionados ao professor M., caracterizam
um grande número de situações vivenciadas em sala de
aula, que se constituíram como práticas pedagógicas,
planejadas e desenvolvidas pelo professor em sala de
aula.
Como exemplo, os sujeitos deixam claro que a prova,
enquanto instrumento avaliativo, não possuía caráter
aversivo. Segundo os relatos, a prova era mais uma
situação de participação e aprendizagem. Da mesma
forma, as práticas de correção do Professor M envolvem
um aspecto muito importante: o aprendizado ocorre a
partir da reflexão sobre o erro sem, no entanto, expor
ou ridicularizar o aluno . Isso permite ao aluno encarar o
erro como parte do processo de ensino-aprendizagem,
sem constrangimentos.
A proposta do professor M. permite que os resultados
da avaliação sejam utilizados a favor do aluno. Visto
que tem como objetivo a reflexão sobre o erro e,
conseqüentemente, o aprimoramento do conhecimento
por parte do aluno. Isso não criou um sentimento aversivo
em relação à avaliação, situação muito comum
observada em nossas escolas.
A partir dos dados, torna-se evidente o papel
determinante do professor M. na formação desses
sujeitos enquanto leitores. Segundo Grotta (2001), ‘a
formação (do leitor) pressupõe um tipo particular
de relação do sujeito com as diferentes situações,
conhecimentos, objetos, pessoas e textos com que
ele interage; pressupõe uma relação que envolve a
produção de sentidos sobre o que vivenciamos e
transformações sobre o que somos e pensamos a
respeito da realidade que nos cerca’. (p. 131-132)
Sendo assim, pode-se entender que formação do
leitor envolve tudo o que se vivencia e, de certa forma,
modifica a visão de mundo, a maneira de interagir com
as pessoas com os objetos e com as informações. Isso
permite interpretar que a ação do Professor M foi muito
além dos objetivos educacionais previstas pela escola.
Os dados sugerem que, no presente caso, a obrigação
e a avaliação da leitura foram fatores fundamentais no
processo de constituição de leitores desses alunos, apesar
do seu aparente caráter impositivo. No entanto, a
avaliação não era como a tradicional, composta de
perguntas e respostas, terminando com a atribuição de
uma nota: o aluno deveria narrar de forma escrita sobre
o livro lido, ou seja, apresentar a história; o professor
estimulava o aluno a pensar no livro e na construção de
uma narrativa capaz de resumir a história, sem deixar
ausente nenhum fato importante. Além disso, os sujeitos
mencionam que, na oitava série, o procedimento
avaliativo das leituras passa a ser a discussão em grupo.
Nessa forma de avaliar, cada aluno toma contato com a
interpretação do colega, que pode ser complementar à
própria interpretação; além disso, há uma proximidade
maior com o professor, que auxilia o aluno na
interpretação do livro.
Os sujeitos percebiam-no como um professor muito
interessado pelo seu aprendizado e compromissado com
o trabalho do grupo. Essa postura facilitou os alunos no
sentido de se comprometerem com suas obrigações e
interessarem-se pelo próprio aprendizado.
É possível perceber que as experiências mais
significativas dos sujeitos estão relacionadas com as
lembranças e representações que eles têm do Professor
M. Os aspectos já apontados, que compuseram a
imagem do professor, vão se configurando de forma a
transformar o professor M. em modelo para os sujeitos.
Isso porque ele se mostrava como um grande leitor,
interessando em buscar coisas nova, sempre responsável
pelas suas obrigações e preocupado com o aprendizado
dos alunos. Em suma, ele deixava transparecer um
profundo envolvimento com sua profissão. Tudo indica
que ser professor era uma grande paixão na vida do
professor M. e isso influenciou a vida de todos os sujeitos
da presente pesquisa.
É evidente que o professor M. deixou marcas em
todos os sujeitos. Mas, chama a atenção, a intensidade
dessas marcas. Todos os sujeitos falam com entusiasmo
sobre as influências do professor em suas vidas. Assim,
é possível supor que ele não marcou somente a amostra
de sujeitos da presente pesquisa, mas, provavelmente,
todos os jovens daquela geração que foram seus alunos.
Os dados, ainda, possibilitam perceber a ligação
que os alunos estabelecem entre o que viveram e a
situação atual. Eles apresentam indícios da influência
do professor que estão calcadas em experiências
concretas, mencionam aprendizados utilizados na
atualidade, momentos do dia em que se lembram do
professor M. e a importância dele em suas vidas. Isso
não está restrito à história dos sujeitos enquanto alunos,
cuja reconstrução poderia limitar-se à apresentação
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 247-260
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Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro
cronológica dos fatos. Ao contrário, esses fatos estão
presentes na memória e relacionados a um tempo
muito significativo de contato entre o professor M e
os sujeitos.
Finalmente, destaca-se a repercussão das práticas
pedagógicas desenvolvidas pelo professor em sala de
aula, na futura relação que se estabeleceu entre os
sujeitos e o objeto de conhecimento em questão. Os
dados sugerem que os jovens alunos construíram uma
relação positiva com os usos sociais da escrita,
principalmente com a leitura, apontando os principais
fatores que contribuíram nesse processo. Um dos mais
evidentes, sem dúvida, foi o trabalho pedagógico
desenvolvido em sala de aula, o que transformou o
Professor M em uma figura fundamental e inesquecível
para esses alunos.
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Brasileira.
Recebido em: 04/06/2004
Revisado em:03/02/2005
Aprovado em: 23/06/2005
Endereço para correspondência:
Sérgio Antonio da Silva Leite: Rua Apinagés, 1622 – Apto 1002 – Bairro Sumaré – CEP 01258-000 – São Paulo – SP –
e-mail: [email protected]
Ariane Roberta Tagliaferro: Rua Luiz Leflock, 1040 – Bairro Vila Nova – Cep 13150-000– Cosmópolis – SP –
e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2
261-268
AUTOCONCEITO E DESEMPENHO DE UNIVERSITÁRIOS NA DISCIPLINA
ESTATÍSTICA
AUTOCONCEITO E DESEMPENHO EM ESTATÍSTICA
Marjorie Cristina Rocha Da Silva1
Claudette Maria Medeiros Vendramini2
Resumo
Este trabalho objetivou avaliar o autoconceito de universitários em disciplinas de Estatística, e sua relação com o curso, turno, semestre, idade
e gênero. Responderam um questionário de identificação e uma escala de autoconceito 116 estudantes de Psicologia e 32 de Pedagogia, com idades
de 18 a 65 anos, 86% mulheres e 58% do noturno. A escala do tipo Thurstone com 21 itens permitiu classificar o autoconceito em rebaixado,
adequado e elevado. Observou-se que 67% dos participantes possuem um autoconceito adequado. Os principais resultados permitem afirmar que há
correlação positiva entre autoconceito e desempenho na disciplina estatística, embora não se saiba o quanto o autoconceito elevado contribuiu para
um melhor desempenho do aluno. As limitações deste estudo sugerem a realização de outros sobre esse construto no âmbito acadêmico.
Palavras-chave: Desempenho acadêmico; Psicologia educacional; Estatística.
THE SEL-CONCEPT AND UNIVERSITY ACHIEVEMENT IN STATISTICS
Abstract
This study aimed to assess the university students’ self-concept in statistics course and its relation to academic area, period, semester, age and
gender of the sample. An identification questionnaire and a self-concept scale were answered by 116 Psychology students and 32 Pedagogy students.
The sample consisted of eighteen to sixty-five year-old, 86% female and 58% evening period students. The Thurstone scale with 21 items allowed
classifying in low, appropriated and high self-concept. The analysis showed appropriated self-concept in 67% of participants. The principal results
have revealed that there is positive correlation between self-concept and achievement in statistics course. On the other hand, it is not possible to
state how the high self-concept contributed to a better student’s achievement. The limitations of this study suggested other studies related to this
construct in the academic area of research.
Key Words: Academic achievement; Educational psychology; Statistics.
INTRODUÇÃO
Entre as variáveis que influenciam o ensino-aprendizagem podem ser citadas as habilidades básicas, como
compreensão e leitura, raciocínio lógico, entre outras,
todas necessárias a um bom desempenho do aluno.
Além desta, é preciso também que os alunos
universitários tenham atitudes positivas em relação às
1
disciplinas que irão cursar. Entre os fatores que podem
influenciar o desempenho acadêmico dos alunos podem
ser citados, o autoconceito, auto-eficácia, auto-estima e
as atitudes (Vendramini, 2000).
Para Teixeira e Giacomini (2002), é preciso esclarecer
algumas divergências conceituais entre autoconceito,
Psicóloga, Mestranda em Psicologia do Programa de Pós Graduação Strictu Sensu da Universidade São Francisco.
Estatística, Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e docente da graduação e do Programa de Estudos Pós-Graduados
em Psicologia da USF.
Apoio: Fapesp
2
262
Marjorie Cristina Rocha Da Silva e Claudette Maria Medeiros Vendramini
auto-estima e auto-eficácia. A auto-estima é um
construto que se refere à avaliação que o indivíduo faz
de si mesmo (em termos de gostar ou sentir-se satisfeito
consigo). A auto-eficácia representa o julgamento que
uma pessoa tem da sua capacidade de planejar e
executar tarefas específicas em uma situação determinada. O autoconceito está relacionado à idéia de uma
autodescrição mais ampla, que inclui aspectos
comportamentais (o que a pessoa faz ou é capaz de
fazer), cognitivos (como ela se descreve) e afetivos
(como se sente a seu respeito).essa forma, a autoeficácia, assim como a auto-estima, são construtos mais
restritos e mais específicos que o autoconceito. O
autoconceito incorpora além de crenças percebidas
sobre a competência individual em situações específicas,
crenças de valor sobre si mesmo, sendo uma avaliação
mais global e menos dependente do contexto do que a
auto-eficácia.
Na investigação teórica a respeito do autoconceito
observa-se a não existência de uma definição
operacional clara e universalmente aceita, devido à
discordância dos diversos autores quanto às definições
e terminologias empregadas. Mas, de forma geral, há
uma certa concordância entre vários pesquisadores que
definem o autoconceito como sendo, basicamente, a
maneira como o indivíduo se percebe, ou seja, qual o
conhecimento que ele tem de si (Marsh, 1984; Marsh,
Byrne & Shavelson, 1988; Stevanato & Loureiro, 2000).
Villa Sanchez e Murachco (1999) definem o
autoconceito como o conjunto de atitudes que um
indivíduo tem para consigo mesmo e que é composto
por elementos cognitivos, afetivos e comportamentais.
Estes componentes têm influência decisiva na maneira
como cada um percebe os acontecimentos, os objetos e
as outras pessoas em seu meio ambiente. Trata-se da
estima, de sentimentos e atitudes que o indivíduo
desenvolve sobre si mesmo, de forma que o autoconceito
desempenha um papel central no psiquismo e na
personalidade.
Para Corona (1999), a teoria do autoconceito se
baseia em dois pressupostos básicos: todo indivíduo é
capaz de formar seu autoconceito; e este, se molda à
medida que novas experiências são incorporadas. Há
uma re-elaboração contínua provocada pelos
ajustamentos que o indivíduo vai fazendo no conceito
que tem de si mesmo. Assim, as pessoas passam a vida
a se redescobrirem e há sempre aspectos novos não
percebidos antes, mesmo para aquelas pessoas que
supõem já terem estruturado definitivamente seu
autoconceito.
Para essa mesma autora, embora a capacidade para
se elaborar o autoconceito seja inata, esse é moldado
pelas experiências diárias no meio social. Os sucessos
e fracassos que o indivíduo têm ao longo de sua vida
constroem uma imagem pessoal que pode ser
modificada no decorrer dos anos. Quando o ambiente
é estável, tendem a ser estáveis os autoconceitos elaborados, porém, à medida que novas experiências se
acrescentam, modifica-se o repertório de respostas;
verificando-se uma tendência à estruturação de novos
autoconceitos, ou modificação dos já adquiridos. Desta forma, o autoconceito reflete papéis e status sociais
que o indivíduo ocupa. Costa (2002) destaca que a
mensuração do autoconceito não deve visar a busca
pela verdade absoluta do indivíduo, mas a verdade que
ele percebe, tendo como base suas percepções
fundamentais sobre si mesmo e sobre a maneira como
estas são vivenciadas.
Devido à multiplicidade de conceitos encontrados na
literatura, nesse estudo foi adotada a definição de Pajares
e Miller (1994) que considera o autoconceito como um
conjunto de crenças de autovalorização, associadas à
competência percebida de um sujeito. Dessa forma, o
autoconceito pode ser entendido como a atitude
valorativa que um indivíduo tem sobre si mesmo e o
quanto ele se sente capaz de realizar alguma tarefa.
A partir da definição adotada é possível conceber o
autoconceito como um construto multidimensional que
se refere à percepção da pessoa em termos tanto
acadêmicos quanto não acadêmicos (Shavelson, Hubner
& Stanton, 1976; Shavelson & Bolus, 1982; Byrne, 1984;
Byrne & Worth Gavin, 1996; Bong & Clark, 1999).
Considerando o contexto acadêmico, o autoconceito
recorre à percepção de uma pessoa em relação a sua
realização na escola. E, se considerada uma área de
conhecimento, o autoconceito refere-se à percepção do
indivíduo em relação a esta área.
Embora não haja uma definição precisa do que seja
o autoconceito acadêmico, o modelo proposto por
Shavelson, Hubner e Stanton (1976) é comumente utilizado para explicar esse construto. Assim, em alguns
casos, como quando referente a uma área de
conhecimento como a matemática ou a estatística, o
autoconceito tem sido estudado tanto a partir de uma
perspectiva descritiva (“Eu gosto de matemática”) como
em aspectos avaliativos de sua percepção (“Eu sou bom
Autoconceito e desempenho de universitários na disciplina estatística
em matemática”); sendo que no último caso a percepção estaria mais focada na competência do indivíduo
como estudante.
De forma geral, o autoconceito acadêmico pode ser
definido como o universo de representações que o
estudante tem das suas capacidades, das suas
realizações escolares, bem como as avaliações que ele
faz dessas mesmas capacidades e realizações. Em
particular, o autoconceito matemático e o estatístico se
referem à percepção ou convicção da habilidade em
fazer bem matemática ou estatística, além de sua
confiança em aprender a matéria (Wilkins, 2004).
O estudo do autoconceito acadêmico, e em especial,
a sua relação com o desempenho, tem sido crescente
devido à importância dada a esse construto na dinâmica
das relações que ocorrem no ambiente escolar (Marsh,
1990a, 1990b, 1992; House, 1993a, 1993b, 1996; Gigliotti
& Gigliotti, 1998; Elbaum & Vaughn, 2001; Guay, Marsh
& Boivin, 2003; Coplan, Findlay & Nelson, 2004). O
estudo de Kurtz-Costes e Schneider (1994) pode ser
citado para exemplificar as pesquisas comumente
realizadas entre esses construtos. Esses autores
examinaram, por meio de uma análise longitudinal, as
relações entre autoconceito acadêmico e desempenho,
verificando se estas relações seriam mediadas pelas
atribuições de causalidade das crianças quanto ao próprio
desempenho.
Participaram desse estudo 46 alunos com idade de
oito e dez anos, avaliados nas disciplinas de Matemática
e Língua Alemã. Para a coleta de dados, foi utilizado
um questionário de atribuições que constava de oito
situações hipotéticas, sendo quatro de sucesso e quatro
de fracasso, nas quais os alunos eram solicitados a inferir
as causas destes eventos. O autoconceito foi avaliado
por meio de um teste no qual os alunos eram solicitados
a se compararem com os colegas de classe, com relação
a várias atividades. Além disso, foram coletadas as notas
escolares dos alunos em Matemática e Língua Alemã.
A comparação feita entre as respostas das crianças nas
duas aplicações possibilitou verificar que aos dez anos
as crianças atribuíram sucesso mais ao esforço e menos
à dificuldade da tarefa. Em contraste, as avaliações de
autoconceito mostraram-se mais consistentes nessa idade. Conforme previsto, as atribuições de sucesso das
crianças estiveram positivamente correlacionadas ao
autoconceito e ao desempenho.
Convém também citar um estudo internacional de
investigação sobre o autoconceito matemático e de
263
ciências realizado por Wilkins (2004) envolvendo 290.000
estudantes de 41 países com idade acima de 13 anos.
Esse autor buscou relacionar o autoconceito matemático
e de ciências com o desempenho nas provas dessas
matérias, além das possíveis associações entre gênero
e idade. Os achados mostraram uma relação positiva
entre desempenho e autoconceito nos países
investigados, porém sugere-se que sejam feitas pesquisas
adicionais para investigar o quanto às diferenças culturais
entre os países podem influenciar no autoconceito
individual.
No geral, as pesquisas citadas apontam para uma
relação positiva entre o desempenho escolar e o
autoconceito, de forma que quanto mais elevado o
autoconceito do aluno, maior é a probabilidade desse ter
um bom desempenho na escola. Nesse estudo tem-se a
preocupação em compreender como se relacionam esses
construtos no que diz respeito ao ensino-aprendizagem
da disciplina Estatística.
É essencial investigar alguns fatores subjacentes ao
desempenho acadêmico, visto que, segundo Gal e
Ginsburg (1994), os problemas de ordem afetiva na
aprendizagem, e em específico, da Estatística, tais como
sentimentos, atitudes, crenças, expectativas, interesses
e motivação, se negativos, podem dificultar a
aprendizagem da disciplina ou retardar o
desenvolvimento da habilidade Estatística e do seu
potencial de aplicação no campo profissional. De acordo
com Vendramini (2000), no âmbito acadêmico
universitário, a Estatística é uma disciplina que gera
insegurança e medo nos alunos.
Pensando na importância dessa disciplina nas várias
áreas de conhecimento e na necessidade de compreender
alguns fatores que possam interferir no ensinoaprendizagem de tal matéria, o presente estudo tem como
objetivo avaliar o autoconceito de universitários em
relação à disciplina Estatística, buscando se há
associação com o curso, turno, semestre, idade e gênero
dos participantes.
MÉTODO
Participantes
O presente estudo contou com a participação de 148
alunos do segundo ao décimo semestre, sendo 116 do
curso de Psicologia e 32 do curso de Pedagogia,
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 261-268
264
Marjorie Cristina Rocha Da Silva e Claudette Maria Medeiros Vendramini
ingressantes de 1998 a 2004. A idade dos estudantes
variou de 18 a 65 anos, com média 25 anos e desvio
padrão 8,36. A maioria pertencente ao gênero feminino
(85,8%) e ao período noturno (58,1%).
participar da pesquisa. O aplicador instruiu os alunos
quanto ao modo de preenchimento do questionário de
identificação e da escala. O tempo médio da aplicação
foi de 15 minutos.
Instrumentos
Questionário de Identificação (Brito, 2000)
As informações pessoais contidas no questionário de
identificação foram selecionadas de forma a fornecer
subsídios para uma melhor análise e compreensão dos
dados, tais como: gênero, curso, média na disciplina
Estatística, ano de ingresso, série que está cursando,
reprovações na disciplina de Estatística.
Escala de autoconceito estatístico
A escala de autoconceito estatístico é uma
modificação da escala de Pajares e Miller (1994)
originalmente desenvolvida e validada nos Estados
Unidos, e posteriormente traduzida e adaptada por Brito
(2000). Num estudo preliminar com 397 estudantes de
escolas públicas, de ambos os gêneros, com idade
variando de oito a quinze anos observou-se que o
instrumento possui uma boa consistência interna (alpha
de Cronbach=0,90). Essa escala original foi criada para
medir o autoconceito matemático, e para fins dessa
pesquisa, foi modificada a palavra Matemática para
Estatística e promovida adaptações necessárias para o
melhor entendimento dos itens que compõem os
instrumentos.
A escala contém 21 itens do tipo Thurstone, variando
de totalmente falsa (1 ponto) a totalmente verdadeira (8
pontos). A pontuação total na escala pode variar de 21
a 168 pontos com ponto médio igual a 94,5, sendo que o
autoconceito pode ser classificado em: rebaixado, adequado e elevado. As proposições da escala versam sobre
autoconceito estatístico, por exemplo: Em comparação
com os colegas de minha classe, eu sou bom em
Estatística. Há também itens que versam sobre atitudes, como Eu acho a Estatística interessante.
Procedimento
Após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética
da Universidade e autorização dos responsáveis pelos
cursos selecionados, os participantes foram informados
sobre os objetivos da pesquisa e solicitados a lerem e
assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.
A Escala de Autoconceito Acadêmico em Estatística
foi aplicada em grupo para aqueles que aceitaram
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em relação à distribuição de respostas dos
sujeitos para cada afirmação, observou-se uma tendência de autoconceito mais elevado do que
rebaixado tanto nas afirmações de sentido positivo
como na EA1 (Para mim, é importante ter boas
notas em Estatística) quanto nas afirmações de
sentido negativo como na afirmação EA12 (Eu me
sinto incapaz na aula de Estatística). No que se
refere à afirmação EA21(Eu acredito que eu posso ser um Estatístico ou um cientista futuramente), verificou-se uma tendência de autoconceito
rebaixado, apesar de ser uma afirmação no sentido
positivo. Esse resultado pode ser devido ao fato de
serem apresentadas duas afirmações diferentes na
mesma oração, sendo uma delas muito extremada
para um aluno de psicologia ou pedagogia, ao afirmar poder ser um estatístico futuramente.
A tendência geral das respostas na escala apontou
para uma freqüência maior de respostas nas alternativas 4 (proposição mais falsa que verdadeira) e 5 (proposição mais verdadeira que falsa). Esse resultado pode
indicar uma dificuldade dos alunos em pontuar mais
objetivamente suas respostas, já que nessa escala o nível
de gradação das alternativas é complexo e detalhado
(1 - Totalmente falsa; 2 - Falsa; 3 - Maior parte falsa;
4 - Mais falsa que verdadeira; 5 - Mais verdadeira que
falsa; 6 - Maior parte
verdadeira; 7 - Verdadeira; 8 Totalmente verdadeira).
A análise por grupo de escores mostrou que 66,9%
dos estudantes possuem um autoconceito adequado.
Assim, o autoconceito adequado envolve aspectos
anteriores de aprendizagem, expectativas de êxito na
disciplina, além da interação do aluno com seus colegas
e professores.
Apesar de alguns autores (Giavoni & Tamayo,
2000) fornecerem indicativos de que o autoconceito
pode apresentar diferenças no que se refere ao gênero,
nesse estudo, não foram observadas diferenças
significativas de autoconceito entre mulheres e os
Autoconceito e desempenho de universitários na disciplina estatística
265
Tabela 1: Estatísticas Descritivas dos itens da Escala de Autoconceito Estatístico.
Item
Afirmações
M
DP
EA1
Para mim, é importante ter boas notas em Estatística.
6,26
1,72
EA2
Em comparação com os homens da minha classe, eu sou bom/boa
em Estatística.
4,69
2,06
EA3
Em comparação com os homens do meu curso, eu sou bom/boa
em Estatística.
4,54
2,01
EA4
Ser bom/boa em Estatística é importante para mim.
5,67
1,97
EA5
Eu acho interessante resolver problemas estatísticos.
5,27
2,17
EA6
Em comparação com as mulheres da minha classe, eu sou
bom/boa em Estatística.
4,82
2,05
EA7
Em comparação com as mulheres do meu curso, eu sou bom/boa
em Estatística.
4,74
1,92
EA8
Em comparação com todos os alunos da minha classe, eu sou
bom/boa em Estatística.
4,63
1,94
EA9
Em comparação com outros estudantes da minha idade, eu sou
bom/boa em Estatística.
4,65
1,85
EA10 Eu tenho boas notas em Estatística.
5,16
2,04
EA11 Os trabalhos na aula de Estatística são fáceis para mim.
4,71
1,89
5,84
1,95
EA13 Eu aprendo Estatística rapidamente.
4,64
1,90
EA14 Eu sempre me saí bem em Estatística.
4,36
1,98
EA15 Eu acho a Estatística interessante.
5,01
2,19
EA16 Quando um exercício de Estatística é difícil para eu resolver, sinto
necessidade de me esforçar mais para solucioná-lo.
5,84
1,86
EA17 Eu trabalharia todo o tempo necessário para solucionar um
exercício de Estatística difícil
4,16
2,21
EA18- Quando eu acho que os exercícios de Estatística estão difíceis, eu
normalmente desisto de fazer.
5,36
1,95
EA19 Eu gosto de estudar Estatística em casa
3,47
1,98
EA20- A Estatística é "chata".
4,78
2,29
EA21 Eu acredito que eu posso ser um Estatístico ou um cientista
futuramente.
2,74
1,99
EA12
-
Eu me sinto incapaz na aula de Estatística.
Tabela 2: Distribuição dos participantes segundo a pontuação total e classificação na escala de autoconceito
estatístico.
Pontuação
Autoconceito
n
%
21 - 63
Rebaixado
18
12,2
64 - 126
Adequado
99
66,9
127 - 168
Elevado
31
20,9
Total
148
100,0
homens, embora o gênero feminino (n=127) prevaleça sobre o masculino (n=21), conforme dados apresentados na Tabela 3.
Também não foram observadas diferenças
significativas de pontuação média na escala de
autoconceito estatístico entre estudantes da faixa
etária de 18 a 30 anos e estudantes da faixa etária de
31 a 65 anos (grupo 1 e grupo 2).
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 261-268
266
Marjorie Cristina Rocha Da Silva e Claudette Maria Medeiros Vendramini
Tabela 3: Estatísticas referentes à comparação da pontuação total média na Escala de Autoconceito Estatístico
segundo variáveis características dos participantes.
Variáveis
Grupo
Pontuação
média
Estatística
t de Student
Gênero
Significância
p
Masculino
Feminino
96,37
100,31
0,69
0,48
Faixa etária
(idade em anos)
18 - 30
31 - 65
96,45
99,16
-0,51
0,60
Curso
Psicologia
Pedagogia
96,15
99,73
-0,74
0,45
Turno
Matutino
Noturno
98,59
95,73
0,71
0,47
Semestre
Segundo
Oitavo
107,66
94,94
2,40
0,01 *
Reprovações
Sim
Não
81,46
101,72
-4,63
0,000 **
* significativo (p<0,05); ** altamente significativo (p<0,001)
Os resultados da Tabela 3 revelam diferença
significativa de autoconceito estatístico entre os
universitários do segundo e oitavo semestre. Essa diferença pode estar relacionada com a aprendizagem de
conteúdo acadêmico específico que vai aumentando de
uma série para a seguinte.
A análise de variância (ANOVA) indicou não haver
diferenças significativas de autoconceito estatístico para
nenhuma das variáveis investigadas com mais de dois
grupos como é o caso do ano de ingresso (de 1998 a
2004) e semestres freqüentados (do segundo ao oitavo
semestre).
Quanto a relação entre a pontuação na Escala e o
desempenho acadêmico, foi feita uma análise
correlacional entre a nota média dos alunos na disciplina Estatística e a pontuação total na Escala de
Autoconceito Estatístico. Observou-se que existe uma
correlação positiva significativamente diferente de zero
entre as variáveis (r=0,553; p>0,001). Esses valores
indicam que essas variáveis aumentam no mesmo
sentido - quanto mais elevado o autoconceito do aluno,
maior a média dele na disciplina. Esse resultado é
coerente com a análise descritiva dos escores dos
sujeitos em que 66,9% dos participantes desse estudo
apresentaram um autoconceito adequado em relação à
disciplina estatística.
Tais resultados são convergentes aos de outros
estudos brasileiros e estrangeiros que têm apontado para
uma relação positiva entre o autoconceito e o desempenho acadêmico de estudantes (Taliuli & Gama, 1986;
Kurtz-Costes & Schneider, 1994; Neves, 2002; Carneiro,
Martinelli & Sisto, 2003; Stevanato, Loureiro e Linhares,
2003; Wilkins, 2004).
No que se refere à relação entre a pontuação total
na escala e o número de reprovações dos alunos em
Estatística, observou-se que existe uma correlação
negativa significativamente diferente de zero entre as
variáveis (r=-0,405; p>0,05). Esses valores indicam que
as variáveis têm sentidos opostos - quanto mais
rebaixado o autoconceito do aluno, maior é o número de
reprovações dele na disciplina. Esse resultado pode ser
explicado por outros estudos, como o de Corona (1999),
cujas evidências demonstram que o autoconceito se
molda à medida que novas experiências são
incorporadas, de forma que os sucessos e fracassos que
o indivíduo têm ao longo de sua vida constroem uma
imagem pessoal que pode ser modificada no decorrer
dos anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na área de Avaliação Psicológica e Educacional é
crescente o interesse em caracterizar e medir o
autoconceito, especialmente pelo fato deste estar
Autoconceito e desempenho de universitários na disciplina estatística
267
amplamente ligado às exigências escolares e ao processo educativo em geral. Tendo em vista a importância
do autoconceito para o funcionamento e bem estar do
indivíduo, tornou-se necessário estudá-lo mais
amplamente também no âmbito acadêmico.
Neste estudo, os principais resultados obtidos permitiram afirmar que há uma correlação positiva entre o
autoconceito e o desempenho acadêmico do aluno. E
que há indicadores de correlação entre o autoconceito e
o número de reprovações na disciplina. Apesar dessas
considerações, ainda não se sabe o quanto o autoconceito
mais elevado pode contribuir para um maior desempenho do aluno, e conseqüentemente, a diminuição no
número de reprovações do mesmo.
No que se refere à relação entre o autoconceito
acadêmico e o curso, turno, gênero e idade dos participantes, não houve diferenças estatisticamente
significativas. Porém, os resultados apontaram para uma
diferença significativa entre os universitários do segundo
e oitavo semestre no que se refere ao desempenho na
Escala de Autoconceito Estatístico. Essa diferença pode
estar relacionada com a aprendizagem de conteúdos
acadêmicos específicos, motivações pessoais, diferenças de metodologia de ensino, entre outros fatores que
não puderam ser mensurados pela escala.
O que se verificou nesse trabalho e em vários outros
estudos nacionais e internacionais (Marsh, 1990a, 1990b,
1992; House, 1993a, 1993b, 1996; Gigliotti & Gigliotti, 1998;
Elbaum & Vaughn, 2001; Guay, Marsh & Boivin, 2003;
Coplan, Findlay & Nelson, 2004) é que o autoconceito
acadêmico está intimamente ligado ao desempenho e a
dinâmica das relações que ocorrem no ambiente escolar.
Embora os objetivos desse estudo tenham sido
cumpridos, é importante considerar as limitações
metodológicas, principalmente no que se refere ao
tamanho da amostra – somente dois cursos, da mesma
instituição e que não permitiram verificar de forma mais
consistente, uma possível diferenciação entre os gêneros.
Além disso, o instrumento escolhido para medir o
autoconceito acadêmico apresenta limitações e divergências teóricas que não foram foco desse estudo (itens
que também medem atitudes, dados de realidade e
opinião dos alunos), mas que podem ter influenciado na
dificuldade de mensuração desse construto.
Dessa maneira, entende-se como necessária a
realização de outros trabalhos que considere inclusive,
a utilização de outro instrumento e uma amostra mais
significativa, o que possibilitará uma exploração mais
consistente do autoconceito e de suas relações com o
desempenho acadêmico.
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Recebido em: 20/05/05
Revisado em: 21/09/05
Aprovado em:14/10/05
Endereço para correspondência:
Marjorie Cristina Rocha da Silva: Rua Osório Ribeiro de Mello, 224 – Jd. Novo Campos Elíseos – CEP 13060-113 – Campinas/ SP
– e-mail: [email protected]
Claudette Maria Medeiros Vendramini: Universidade São Francisco – Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – CEP 13251-900 –
Itatiba/ SP – e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2
269-278
OBSERVAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL PELA ESCALA DE EMPENHO DO ADULTO1
OBSERVAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL
Eulália Henriques Maimone2
Débora Nogueira Tomás3
Resumo
A presente pesquisa considera que uma das dimensões da qualidade na Educação Infantil é o empenho do professor. Assim, os objetivos da
pesquisa foram observar e avaliar o empenho da educadora junto à criança, com o intuito de fazer um diagnóstico sobre a qualidade da mediação de
aprendizagens de educadoras infantis. Participaram do estudo seis educadoras de crianças de três a cinco anos, de uma creche municipal do interior
mineiro. Os procedimentos utilizados foram entrevistas semi-estruturadas e vídeo-gravações. A partir das filmagens, foi feita a classificação do
empenho das educadoras, por uma escala de empenho do adulto, que utiliza a sensibilidade, estimulação e autonomia como critérios de avaliação Os
resultados indicaram a necessidade de uma melhor formação da educadora, quanto aos critérios propostos, principalmente no que diz respeito à
autonomia da criança.
Palavras-chave: Aprendizagem; Desenvolvimento infantil; Desenvolvimento infantil.
THEOBSERVATION OF EARLY CHILDHOOD EDUCATOR THROUGH THE ADULT
ENGAGEMENT SCALE
Abstract
This research considerates that one of the quality criteria in Early Childhood Education is the teacher’s engagement. Thus, this research aimed
to observe and to evaluate the engagement of the early childhood educator to do a diagnosis about the quality of the mediation of learning.
Six teachers from children aging three to five years in an Early Childhood Care and Education Institution in Minas Gerais took place in the
study, which procedures were semi-structured interviews and video-recordings. Based on the video-recordings, the educator engagement classification
was made using the Adult Engagement Scale. The results indicated the need of a better teacher formation, mainly to develop children’s autonomy.
Key words: Learning; Childhood development; Preschool educators.
INTRODUÇÃO
Desde que as instituições de educação infantil passaram a se responsabilizar pelas funções tradicionalmente desempenhadas pelos pais, de cuidar e de educar, as
atenções da psicologia voltaram-se para o como se dá o
desenvolvimento infantil nesse contexto. Contudo,
1
somente nos anos 1990 é que a discussão sobre a
qualidade dos serviços prestados à infância começou a
gerar efetivamente estudos (Vectore, Gomide, Maimoni
& Costa, 2002). Isso parece ter coincidido com a entrada
no mercado de trabalho de um maior número de mães
Este trabalho faz parte de um projeto mais amplo sobre a Promoção da Qualidade na Educação Infantil, cuja coordenação internacional é feita
por Júlia Formosinho, da Universidade do Minho, Portugal; a coordenação nacional está a cargo de Tizuko M. Kishimoto, da Faculdade de
Educação da USP-SP e a coordenação regional “Promoção da Qualidade na Educação Infantil na Região do Triângulo Mineiro”, financiado
pela Fapemig, está sendo coordenado por Célia Vectore da Universidade Federal de Uberlândia.
2
Docente da Universidade de Uberaba.
3
Bolsista de Iniciação Científica da Universidade de Uberaba.
270
de classe média, que tinham de deixar seus filhos em
instituições infantis, tal como o faziam até então quase
que apenas as mães de nível sócio-econômico mais baixo. Para elas bastava conseguir uma vaga em creche
para seus filhos, não exigindo muito em termos de
qualidade da educação, mas tão somente cuidados de
higiene e alimentação.
Um dos mais importantes trabalhos, visando a promoção da qualidade na educação infantil, foi realizado
na Inglaterra, por Laevers ( 1996 ) e Pascal e Bertram
(1999) os quais propuseram que duas das dimensões da
qualidade da educação proporcionada à criança pequena
são o envolvimento da criança e o empenho do adulto.
Em pesquisa anterior (Maimoni, 2003), realizada em
creche brasileira, verificou-se que, a criança não se
envolve em uma atividade, talvez seja porque essa não
esteja atendendo à sua necessidade de brincar. Ao lado
disso, as formas de mediação do professor também
podem favorecer o envolvimento da criança ou não
envolvimento, na tarefa proposta. Deve ser considerado
como um indicador de que a atividade de ensino
necessita ser analisada e transformada.
Dessa forma, uma educação infantil de qualidade
deveria considerar, tanto o contexto da criança para
aprender, como o do educador para ensinar. A presente
pesquisa refere-se ao empenho do adulto, buscando
verificar o seu estilo mediacional, e utilizando uma escala
de observação construída para esse fim.
Empenho é aqui definido, com base em Bertram
(1996) e Laevers (1996), como a capacidade de o
professor ser sensível a momentos em que deve mediar
aprendizagens de seus educandos, ser estimulador, ao
propor situações de aprendizagem e saber promover a
autonomia da criança. Pascal e Bertram (1999)
ofereceram, como fruto de suas pesquisas, um
instrumental que possibilita, não só fazer um diagnóstico
acerca do processo mediacional, mas também orientar
o processo de intervenção para a mudança e de
avaliação dos impactos dessa intervenção.
Muitos outros estudiosos deram sua contribuição para
melhorar a qualidade da educação infantil, como Bhering
e Sganderla (2002) e Zabalza (1998) mostrando a
importância do educar, ao lado do cuidar, na tentativa de
mudar o modelo assistencial existente. No entanto, no
Brasil, essa educação não estava assegurada pela
legislação, o que dificultava sua expansão com qualidade.
A nova Carta Constitucional reconhece o dever do
estado de oferecer creches e pré- escolas para todas as
Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás
crianças de 0 a 6 anos. É fundamental que se amplie a
oferta de educação para essas crianças, de modo a
garantir, a todas, o direito de acesso e permanência. Em
Uberaba, segundo dados fornecidos, ao início desta
pesquisa, pela Secretaria do Trabalho e da Ação Social
(SETAS) com base em levantamento feito em 2001, a
Secretaria Municipal de Educação atendia 2.270
crianças, em 4 escolas de educação infantil, e a
Secretaria de Ação Social dava atendimento a 2020
crianças em creches municipais, enquanto 2.280 crianças
eram atendidas em creches comunitárias, chegando a
um total de 29 creches em toda a cidade. Havia ainda o
atendimento dado pelo governo estadual a 620 crianças
da educação infantil e pela rede particular a 6.150
crianças, além de um abrigo provisório para 80 crianças.
Uberaba contava também, com a educação infantil rural,
que atendia, na época, a 350 crianças. A SETAS
informou ainda existir uma demanda reprimida que
correspondia a 580 crianças e mais 300 que não
procuraram atendimento. Evidentemente que o trabalho realizado no interior dessas instituições de educação
infantil deve ter a qualidade necessária para que possa,
com efetividade, beneficiar as crianças.
A educação de crianças de 0 a 6 anos, segundo
Figueiredo (2002), desempenha um importante papel
social, desde que mães necessitaram trabalhar fora de
casa. Entretanto, a creche não pode ser considerada
como substituta materna, o que acarretaria uma confusão
de papéis acerca da função da educação infantil. Por
um lado, isso provoca, conforme a autora, uma
desvalorização dos profissionais que atuam nesse nível
de ensino, ao considerar que esses educadores não
precisam de uma sólida formação teórico-prática,
bastando que saibam cuidar adequadamente do bemestar físico das crianças, evitando sujeira, doença ou
bagunça. Por outro, Figueiredo (2002) lembra que existe
também a concepção de que essa faixa de ensino é uma
‘extensão para baixo’ da escola fundamental, onde as
crianças devem ser treinadas para o acesso à primeira
série. Os educadores, por esse raciocínio são considerados menos qualificados que os de outros níveis e
devem ser mais sóbrios na relação com as crianças,
para facilitar a adaptação desta ao ensino fundamental.
Entende-se, tal como considera Kramer (1999), que
a organização do trabalho pedagógico na educação
infantil deve visar, antes de tudo, ao desenvolvimento da
autonomia da criança. Obviamente, essa construção não
se esgota no período dos 0 a 6 anos de idades, devido às
Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto
próprias características do desenvolvimento infantil. Mas
tal construção necessita de ser iniciada na educação
infantil.
Segundo Vygotsky (1987), o desenvolvimento mental
da criança é um processo contínuo de aquisição de
controle ativo sobre funções inicialmente passivas, sendo
que, desde os primeiros dias de vida, as atividades da
criança adquirem um significado próprio no sistema de
comportamento social, quando é dirigido a objetivos definidos e retratados pelo ambiente da criança. Confere,
assim, ao outro indivíduo, pai, mãe, irmão, professora,
colegas, presentes na situação, uma importância na determinação do desenvolvimento infantil.
Além do mais, em uma perspectiva vigotskiana, o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores e
os processos psicológicos específicos do homem, são
mediados pelos instrumentos culturais, tal como a
linguagem, os sinais e os símbolos, criados pelo homem
para se comunicar. O adulto é visto como um duplo
mediador nesse processo, porque, no decurso de uma
atividade partilhada, ensina estes instrumentos à criança
e é, assim, mediador da aquisição de instrumentos
culturais, que por sua vez, medeiam o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores. No momento em
que a aprendizagem ocorre, com a mediação do outro, a
criança se torna autônoma naquele aprendizado.
De acordo com Oliveira e cols (1992), o educador
precisa ter sensibilidade para perceber o estilo e o ritmo
de aprender de cada criança; como as mesmas ocupam
o espaço físico, como são estimuladas a examinar,
explorar e construir significações.
Torna-se, pois, relevante uma pesquisa que tenha por
objetivo o estudo de como acontece esse processo
mediacional na educação infantil, uma vez que os pais
colocam muito cedo seus filhos em instituição tipo creche,
fazendo com que o desenvolvimento infantil dependa
em grande parte, nessa etapa da vida da criança
pequena, de como são feitas as mediações de
aprendizagens pelos adultos com quem convive.
Sugere-se, ainda, que não apenas a criança, no seu
processo educativo, deva se tornar autônoma, mas
também o educador infantil. Esse fato ocorre pela
mediação de formadores que tenham claro esse objetivo,
conforme considerações de Mazzeu (1998), em sua
proposta de formação de professores.
Outros estudos, como o de Bhering e Sganderla (2002),
também têm-se utilizado de escalas de observação da
interação adulto/criança para avaliar a ação mediadora
271
do professor, como indicador de qualidade na educação
infantil, desempenhando um papel fundamental no
desenvolvimento e na aprendizagem da criança
considerando-se os aspectos citados. A presente pesquisa
teve por objetivo, não só fazer um diagnóstico sobre essa
ação mediadora, mas registrar essas informações, para
subsidiar a construção coletiva de um projeto de formação
de educadoras infantis.
MÉTODO
Situação
Trata-se de um estudo de caso de uma instituição de
educação infantil da cidade de Uberaba – MG. A
instituição possuia, quanto ao quadro dos funcionários 3
professoras, 12 educadoras, 9 funcionários de serviços
gerais, 1 coordenadora e 1 educadora de apoio
pedagógico. Quanto ao número de crianças, no período
da investigação, a creche atendia a 150 crianças de 0 a
6 anos de idade, divididas em turmas, segundo a faixa
etária. Funciona em tempo integral, sendo o período da
manhã destinado a atividades dentro de sala de aula e o
período da tarde, a atividades ao ar livre.
Participantes
Participaram 6 educadoras da instituição,
responsáveis pelas crianças de 3 a 5 anos de idade, que
concordaram em participar de um projeto de formação
de educadoras de creche. O número de crianças
atendidas pelas mesmas, nas turmas, varia de 23 a 25
crianças.
A idade das educadoras varia de 20 a 44 anos. A
maioria delas (n=3) estava na faixa etária entre 20 e 24
anos, duas entre 35 e 39 anos e uma entre 40 e 44
anos.Quanto à escolaridade, 16,6% (n=1) tinham o ensino
fundamental completo. O curso de magistério apresentou
uma porcentagem de 33,3% (n=2). O ensino superior
completo representou 33,3% (n=2) e apenas uma delas
tinha pós-graduação (16,6%) em educação ambiental.
O tempo de trabalho das educadoras em instituições
infantis varia de 4 a 17 anos. Três educadoras trabalham há mais de 4 anos, uma trabalha há 10 anos, outra
trabalha há 15 anos e outra há mais de 17 anos. O vínculo
funcional das educadoras varia de 3 meses a 6 anos e
meio, sendo que a maior parte delas está desempenhando
esta função há 3 anos.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 269-278
272
Instrumento
Escala de Empenho do Adulto
A Escala de Empenho do Adulto, tal como descrita
por Bertram e Laevers (1996) analisa as características
pessoais e profissionais que definem a capacidade de
interação da educadora no processo de ensino e
aprendizagem (sentir, motivar, autonomizar a criança),
como um fator crítico na qualidade da aprendizagem da
criança. Permite focar o olhar do observador nas
características da intervenção do adulto. Baseado em
Oliveira – Formosino e Formosinho (2002), os autores
identificaram três categorias nos comportamentos do
professor, que utilizaram na Escala de Empenho do
Adulto que são sensibilidade (atenção e cuidado que o
adulto demonstra ter para com os sentimentos e bem
estar emocional da criança, inclui também sinceridade,
empatia, capacidade de resposta e afetividade;
estimulação (o modo como o adulto concretiza a sua
intervenção no processo de aprendizagem e o conteúdo
dessa intervenção, estimulando o envolvimento da
criança) e autonomia (o grau de liberdade que o adulto
concede à criança para experimentar, emitir juízos,
escolher atividades e expressar idéias e opiniões, engloba
também o modo como o adulto lida com os conflitos,
regras e problemas de comportamentos).
Trata-se de um instrumento de observação, cujo
formato é de uma escala de 5 pontos, a ser utilizada
para observar os educadores e outros adultos na sua
interação com as crianças, possibilitando a caracterização
dos estilos educativos mais comuns num determinado
contexto. O ponto 5 evidencia um estilo de empenho
total; ponto 4 representa um estilo predominante de
empenho, mas com algumas atitudes de falta de
empenho; ponto 3 indica um estilo onde não predominam
nem as atitudes de empenho, nem as de falta de
empenho; ponto 2 sugere um estilo, principalmente de
falta de empenho, porém é possível observar algumas
atitudes de empenho e ponto 1 representa um estilo de
ausência total de empenho.
Procedimento
Entrevistas
Após o contato inicial com as professoras e obtido o
consentimento para a pesquisa, foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas, em horário previamente
marcado, na própria instituição. Houve uma entrevista
inicial, com todas as educadoras infantis, sobre sua
prática pedagógica e uma outra entrevista, ao final das
Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás
vídeo-gravações, priorizando verificar a compreensão
sobre o brincar e o lugar dessa atividade dentro da rotina
institucional.
Vídeo-gravações
Foram realizadas cinco vídeo-gravações de cada
educadora, de 2 minutos cada, durante dois dias, num
total de 120 minutos. Sendo cinco vezes no período
matutino e cinco vezes no vespertino, perfazendo 20
minutos de observação por adulto, já que os mesmos
permanecem apenas por um período na instituição. Após
a realização das filmagens, as fitas foram transcritas de
modo a permitir a elaboração das categorias e o registro
na Escala de Empenho do Adulto, de acordo com o
modelo português (Formosinho & Formosinho (s/d).
Nesta registraram-se o comportamento e o nível (de 1 a
5) de cada item avaliado (sensibilidade, estimulação e
autonomia), conforme os critérios da Escala de Empenho
do Adulto (Bertram & Laevers, 1996).
RESULTADOS
Das Entrevistas
Dentre as razões apontadas pelas educadoras para
a escolha profissional, três disseram gostar de crianças
e se interessar por seu desenvolvimento. Três disseram
que foi por necessidade de emprego, uma vez que
passaram em concurso público e efetivaram-se.
As educadoras apresentaram as vantagens e
desvantagens que elas vêm em sua profissão. Dentre
as vantagens estão gostar de lecionar, de ensinar,
participar do desenvolvimento das crianças, gostar de
cuidar delas e aprender um pouco a cada dia. As
desvantagens que relataram foram a falta de material
de trabalho, como papéis, lápis de cor, brinquedos,
cadeiras e mesinhas. Reclamaram também da
desvalorização da profissão e dos baixos salários.
Na segunda entrevista, todas as educadoras
afirmaram ser importante a criança brincar, justificando
que, por meio do brinquedo é possível observar o
desenvolvimento da criança. O brinquedo é uma ponte
para a realidade que ela vivencia, desse modo pode-se
inferir que o brincar é algo inato na criança, sendo
responsável pelo seu crescimento e amadurecimento.
Com relação à utilização do brinquedo nas atividades
com a criança, a maioria das educadoras acredita que,
Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto
utilizando-o, é melhor para trabalhar conceitos,
coordenação motora, individualidade, conjunto, sendo
mais fácil de ensinar e de as crianças aprenderem.
Acrescenta-se ainda que, com a sua utilização, podem
observar o crescimento da criança.
As educadoras consideram bons os espaços para
brincar presentes na instituição, ressaltando o ‘varandão’
como a principal opção. Reclamaram do descaso com o
parquinho. Salientam que precisa de ter sua areia trocada,
pois está dando micose nas crianças, e há muito tempo
não podem utilizá-lo. Duas educadoras responsáveis
pelas crianças de 5 anos, reclamaram do tamanho da
sala, dizendo ser muito pequena para se trabalhar com a
quantidade de crianças na turma. E ainda que os espaços
livres na instituição como quadra, ‘varandão’ e parquinho,
não são utilizados adequadamente e várias turmas
ocupam um só espaço ao mesmo tempo, causando
desorganização.
Todas as educadoras responderam que existem
momentos na rotina das crianças, em que podem brincar
livremente. Tais momentos ocorrem geralmente após
alguma atividade, na parte da manhã e depois do lanche,
no período vespertino. Segundo as educadoras, esses
momentos são importantes, para que as crianças possam
descansar das atividades e expressar sua realidade,
expondo seu interior.
Nenhuma educadora acha difícil trabalhar com o
brincar livre das crianças. Ressaltam que na brincadeira
livre, a criança expressa sua realidade, seus medos e
desejos, além de promover o desenvolvimento, a
aprendizagem e a socialização.
273
Das vídeo-gravações
Em relação ao empenho do adulto, nesse caso das 6
educadoras, foram consideradas as dez vídeo-gravações
de cada uma. Os registros de empenho foram analisados
pelas opções de resposta à escala que revelam os cinco
níveis de empenho, nos três fatores. A Tabela 2 mostra
a distribuição, sendo que a opção NP significa não
pertence, refere-se à ausência de comportamento de
empenho da educadora.
Verificou-se que houve uma predominância de respostas
na opção intermediária no item Sensibilidade, com 35% de
ocorrências. Quanto à Estimulação, a maior freqüência foi
também na opção intermediária, com 28,3%. Isto indica
que para estes fatores não há nem predominância de
empenho ou falta dele. Já no item Autonomia a maior
freqüência permaneceu na opção falta total de empenho,
com 28,3%. Assim depreende-se que, na prática profissional
dessas educadoras, há atitudes de falta de empenho, porém
foi possível verificar comportamentos de empenho e
interação delas com as crianças.
A distribuição das freqüências e porcentagens das
educadoras pode ser vista nas Tabelas 3 e 4.
A educadora 1 tem 22 anos, segundo grau completo
de escolaridade e está cursando o magistério. Trabalha
atendendo 23 crianças de 3 a 4 anos, no período
vespertino, com tempo na função de 2 anos. Essa educadora apresenta níveis extremamente baixos de
empenho nas atividades que desenvolve com as
crianças, estando todos os itens, Sensibilidade,
Estimulação e Autonomia, no nível 1, com 70% de
ocorrência. Causam preocupação as atividades
Tabela 2: Freqüência e porcentagem dos comportamentos de empenho observados nas educadoras.
Nível de
empenho
Sensibilidade
F
%
Estimulação
F
%
Autonomia
F
%
5
1
1,6
3
5
1
1,6
4
12
20
9
15
5
8,3
3
21
35
17
28,3
14
23,3
2
8
13,3
9
15
11
18,3
1
9
15
12
20
17
28,3
NP
9
15
10
16,6
12
16,6
Total
60
100
60
100
60
100
NF-não pertence
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 269-278
274
Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás
Tabela 3: Pontuação dos comportamentos de empenho observados nas educadoras 1,2 e 3.
Nivel de empenho
Educador Comportamento
5
4
3
2
1
1
2
3
Não pertence
Sensibilidade
0
0
0
0
70
30
Estimulação
0
0
0
0
70
30
Autonomia
0
0
0
0
70
30
Sensibilidade
0
10
20
30
20
20
Estimulação
0
0
20
30
30
20
Autonomia
0
0
20
10
40
30
Sensibilidade
0
10
60
20
0
10
Estimulação
0
10
40
30
10
10
Autonomia
0
0
50
30
10
10
oferecidas às crianças, visto que denotam a ausência
de empenho da educadora, considerando ainda que as
atividades ocorrem fora da sala de aula, em outros
espaços da instituição, que poderiam ser mais bem
explorados. Pode-se justificar esse comportamento pelo
fato de que a educadora não gosta de trabalhar com
Educação Infantil, de acordo com os dados da entrevista,
e está na creche por causa de um concurso público e,
por mais que tenha afirmado que considera a atividade
lúdica importante, não soube dizer o porquê, o que pode
fazer com que ela não se empenhe durante o
desenvolvimento das atividades, por não saber ao certo
o que faz e para que faz.
A segunda educadora tem 33 anos e segundo grau
completo (magistério), com tempo na função de 3 anos.
Trabalha atendendo 23 crianças de 3 a 4 anos, no período
da manhã. Pela Tabela 2, pode-se observar a freqüência
dos comportamentos de empenho observados nessa
educadora. Os dados revelam que, em relação à
Sensibilidade, seus comportamentos encontram-se, em
50% das ocorrências, no nível 1 e 2, ou seja há um
predomínio da ausência de empenho, o que sugere,
portanto, que tal educadora precisa repensar suas
estratégias de ensino, bem como as experiências de
aprendizagem que oferece à criança. Nos itens
referentes à Estimulação e à Autonomia, os dados
mostram uma situação também preocupante, já que, em
60% das ocorrências em Estimulação, a educadora
permaneceu nos níveis 1 e 2, referentes ao predomínio
de ausência de empenho, não demonstrando empatia
para com as necessidades e preocupações da criança,
apresentando falta de energia e impedindo que a criança
escolha, experimente outras possibilidades de aprendizagem. Já em Autonomia, apresentou 40% de ocorrência
no nível 1, e 30% de NP , indicando que, em 70% das
situações filmadas, a educadora não interagiu com a
criança.
A educadora 3 tem 39 anos, superior incompleto
de escolaridade, tempo na função de 6 anos e meio.
Atende 24 crianças de 4 anos a 5 anos, no período da
tarde. Essa educadora é uma das que está há mais
tempo trabalhando nesta instituição infantil, já tendo
atendido crianças de faixas etárias diferentes. No item
Sensibilidade, a educadora obteve seu melhor
empenho, com 60% de ocorrência no nível 3, que é
um nível mediano e ainda se fazem presentes algumas
atitudes de empenho, apresentando 10% das
ocorrências no nível 4. Nos itens seguintes, a educadora também obteve maior freqüência no nível 3,
sendo que no item Estimulação obteve 40%, seguido
de 30% do nível dois, referente à predominância de
falta de empenho. Já com relação à Autonomia,
obteve 50% no nível 3, e 30% no nível dois, referente
também à falta de empenho. Deve-se lembrar aqui
que suas atividades ocorrem fora de sala de aula,
quando o brincar é livre. A professora parece não
considerar esse momento como de aprendizagem, o
que foi confirmado pela entrevista.
A idade da educadora 4 é 24 anos, possui pósgraduação em Educação Ambiental, com tempo na
função de 6 meses. Atende 25 crianças de 5 anos, no
período vespertino. Essa foi a única educadora que
apresentou comportamentos dentro do nível 5, indicando
que desenvolve um processo mediacional de melhor
Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto
275
Tabela 4: Pontuação dos comportamentos de empenho observados nas educadoras 4, 5 e 6.
Educador
1
2
3
Comportamento
5
4
Nível de empenho
3
2
1
Não pertence
Sensibilidade
10
50
40
0
0
0
Estimulação
30
20
40
0
0
10
Autonomia
10
10
40
10
0
30
Sensibilidade
0
0
40
30
0
30
Estimulação
0
0
30
30
10
30
Autonomia
0
0
10
20
50
20
Sensibilidade
0
50
50
0
0
0
Estimulação
0
60
40
0
0
0
Autonomia
0
40
20
40
0
0
qualidade, do que suas colegas. Contudo, ainda deixa a
desejar quanto à autonomia da criança. Quanto ao item
Sensibilidade, a educadora utilizou-se, em 60% das
ocorrências, de comportamento nos níveis 4 e 5, o que
parece demonstrar a sua atenção ao que as crianças
sentem, respeitando-as, sendo carinhosa e afetuosa com
as mesmas.
A mesma educadora utiliza comportamentos de
Estimulação nos níveis 4 e 5, com 50% de ocorrência, já
que ela, nas atividades propostas aparenta energia e
vitalidade, estimulando o diálogo e o pensamento,
motivando a criança a participar, valorizando suas
experiências. Obteve 40% de ocorrência no nível 3, um
resultado mediano. Os comportamentos referentes à
Autonomia também permaneceram no nível 3, com 40
% de ocorrência, e ainda obteve 30% de NP, o que
significa ausência de interação com as crianças, durante suas atividades, que são ao ar livre. Demonstra, assim,
o que expressou na entrevista, quanto à concepção sobre
o brincar, desvalorizando essa atividade, quando livre,
considerando ocasião de aprendizagem apenas o
brinquedo dirigido. Mesmo assim, parece que seu maior
nível de formação, com curso de especialização, pode
estar favorecendo suas mediações de melhor qualidade.
A educadora 5 tem 24 anos, segundo grau completo
de escolaridade (magistério), com tempo na função
atual de 3 meses. Atende 24 crianças de 4 a 5 anos, no
período matutino. Os dados revelam que, em relação à
Sensibilidade, seus comportamentos concentram-se em
40% no nível 3, seguidos de 30% no nível 2. Percebese portanto, que há nas atividades uma considerável
presença de comportamentos de falta de empenho,
quando não demonstra muita empatia nas relações com
as crianças. Com relação ao item Estimulação os
resultados apresentados são: 30% das ocorrências no
nível 3, 30% no nível 2 e 30% de NP, ou seja, seus
comportamentos não se constituíram em situações de
interação com as crianças. A educadora demonstrou a
existência de poucos comportamentos de estimulação,
porém necessita de mais entusiasmo nas atividades, para
proporcionar um melhor desenvolvimento às crianças.
No terceiro item, referente à Autonomia, a educadora
teve o nível mais baixo de empenho, com 50% das
ocorrências no nível 1 e 20% no nível 2, revelando-se
autoritária e aplicando regras com rigidez e
impossibilitando que a criança experimente outras
possibilidades de aprendizagens.
E por fim a sexta educadora tem 41 anos e curso
superior incompleto, cursa Pedagogia, tempo de trabalho na função atual é de 4 meses. Atende 25 crianças
de 5 anos, no período matutino. Quanto ao item
sensibilidade, a educadora utilizou-se em 50% dos
comportamentos no nível 4, o que parece demonstrar
que é carinhosa e afetuosa, respeita a criança, demonstra
empatia com as necessidades e preocupações da
criança, ouvindo-as. Utiliza comportamentos de
Estimulação nos níveis 3 e 4 , já que ela, nas atividades,
apresenta certa energia e vitalidade e motiva a criança
a participar, estimulando o diálogo e valorizando as
experiências das crianças. Os comportamentos
referentes à Autonomia, a educadora os apresentou, 40%
no nível 4, 20% no nível 3 e 30% no nível 2, aplicando
as regras disciplinares com certa rigidez em alguns
momentos.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 269-278
276
Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás
DISCUSSÃO
É interessante observar que as educadoras apontam
o fato de que, enquanto as crianças brincam, ou elas se
colocam como parceiras da brincadeira, ou permanecem
observando, tendo a preocupação de que as crianças
não se machuquem. Contudo, nas filmagens realizadas,
observamos, claramente, que essa interação não
acontece, sendo freqüente ver as educadoras realizando
outras tarefas ou conversando com outras educadoras,
nas ocasiões de brinquedo livre.
Em estudo anterior (Maimoni, 2003), dentro do
projeto, verificou-se que, apesar disso, as crianças
envolvem-se mais nas atividades do período vespertino,
do que nas do período matutino, quando as atividades
ocorrem predominantemente em sala de aula. Assim,
essa creche parece adotar, segundo Figueiredo (2002),
uma concepção de que a educação infantil deva ser “uma
extensão para baixo” da escola fundamental. Ou seja,
são mais valorizadas as atividades de lápis e papel ou
mesmo lúdicas, dentro da sala de aula e visando formar
certas habilidades consideradas preparatórias para a
leitura e escrita, mesmo sendo menos motivadoras para
as crianças, já que sua atividade principal, nessa faixa
etária, não é a escolar.
Essa concepção aparece mais claramente, quando
as educadoras dizem que existe direcionamento nas
brincadeiras das crianças, com o objetivo de
aprendizagens específicas. Segundo as mesmas, nessas
atividades, elas trabalham a coordenação motora, cores
e figuras geométricas, limite, atenção, dentre outras
atividades, conforme o cronograma seguido na
instituição, cujas atividades são programadas toda
semana. O brincar livre não é considerado como situação
de aprendizagem e de desenvolvimento e o trabalho
realizado no período matutino, ao ar livre ou no
‘varandão’, é bastante desvalorizado pedagogicamente,
existindo apenas para “descansar das atividades”. Isso
evidencia também uma desvalorização do papel da educadora, que atua nesse período, mais como cuidadora,
tal com ressalta Figueiredo (2000).
Um outro aspecto observado é que a instituição
permite que as crianças tragam brinquedos de casa para
a instituição e isso acontece uma vez por semana,
geralmente na sexta-feira. As educadoras relatam que,
assim, podem trabalhar a socialização, porém ficam
preocupadas com o fato de que alguma criança não tenha
brinquedos para levar. Ou mesmo que estrague os brinquedos das outras crianças, gerando brigas. Não percebem que essa prática de ter um dia, em que as crianças
levam seus brinquedos de casa, pode contribuir para que
uma criança, que, pela primeira vez, entra para um novo
contexto de aprendizagem, o da instituição, possa se
sentir mais ajustada, o que é demonstrado pelo levantamento de estudos feito por Bronfebrenner (1996),
quando se refere às inter-relações possíveis entre lar e
escola.
Embora todas as educadoras tenham discordado de
que a criança deva brincar somente com jogo pedagógico,
apesar da crença de que os mesmos contribuem mais
para o desenvolvimento infantil, não existe a consciência
de que, conforme salienta Leontiev (1988a):
O desenvolvimento mental de uma criança é
conscientemente regulado, sobretudo pelo
controle de sua relação precípua e dominante
com a realidade, pelo controle de sua atividade
principal . Nesse caso, o brinquedo é a atividade
principal. Chamamos atividade principal aquela
em conexão com a qual ocorrem as mais
importantes mudanças no desenvolvimento
psíquico da criança e dentro da qual se
desenvolvem processos psíquicos, que preparam
o caminho da transição da criança para um novo
e mais elevado nível de desenvolvimento (p. 122).
É importante ressaltar, nesse particular, que as educadoras concebem o brincar como algo inerente à
criança. Afirmam que as crianças já nascem com desejo
de brincar e que cabe a elas, educadoras, incentivar esse
desejo, como, por exemplo, escolhendo tipos de
brinquedos apropriados para cada idade, já que tal
atividade colabora na interação e no desenvolvimento
da criança. Não percebem, portanto, que a brincadeira,
mesmo sem brinquedo, na concepção vigotskiana, é um
momento de apropriação pela criança do mundo adulto
e que não é inato, mas aprendido, como qualquer prática
social.
Quanto à importância do seu papel como educadora,
no desenvolvimento e aprendizagem das crianças, todas concordaram que são importantes, justificando que
têm o papel de orientadoras, norteando os caminhos,
para que eles possam aprender e se desenvolver. A
criança vê a educadora como um exemplo a ser seguido,
na percepção delas, servindo de parâmetro para as
Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto
crianças, salientando que não se pode apenas ensinar, é
preciso dar exemplo de comportamento. Pode-se
interpretar, a partir do que as educadoras expressaram,
que as mesmas têm consciência da função da imitação
na aprendizagem infantil, mas não do quanto sua
mediação é importante. Nesse sentido, Leontiev (1988b)
observa:
“As relações de uma criança, dentro de um grupo
de crianças são também peculiares. Os vínculos que
as crianças de três a cinco anos estabelecem entre
si constituem ainda, em grande parte, o elemento
pessoal - privado, por assim dizer em seu
desenvolvimento, que conduz a um verdadeiro
espírito de grupo. Nesse aspecto, a professora
desempenha o papel principal - mais uma vez em
virtude de suas relações pessoais com as crianças”
(p.60).
Algumas educadoras revelaram ainda que também
aprendem muito com as crianças, pressupondo uma
relação de troca. Contudo, como se pode observar nas
tabelas de empenho do adulto, as educadoras da sala de
3 anos mostraram os índices mais baixos de empenho.
Talvez se deva ao fato de acreditarem que as crianças
pequenas precisem ser primeiramente cuidadas e não
educadas, sendo observados comportamentos que
seriam considerados
não de promoção do
desenvolvimento e da aprendizagem, mas de inibição
das iniciativas das crianças. Já na sala de 4 anos, as
educadoras apresentaram-se um pouco mais
estimuladoras nas atividades, porém pode-se dizer que,
apesar dos resultados indicarem uma mediação de
melhor qualidade, parece-nos necessário um
REFERÊNCIAS
Bertram, T. (1996). Effective educators of young children:
developing a methology for improvment. Tese de doutorado. Coventry University.
Bhering, E., & Sganderla, A. P. (2002). Avaliação da qualidade
na educação infantil: um estudo sobre a interação adulto/crianças. Resumo de Comunicação Científica
apresentado na XXXII Reunião Anual de Psicologia da
Sociedade Brasileira de psicologia, Ribeirão Preto.
277
acompanhamento das atividades de ensino, por um
especialista na área de desenvolvimento infantil, para
auxiliá-las a organizarem melhor essas atividades. O que
se propõe aqui é uma intervenção em formação
continuada, em que o formador atue como mediador dos
conhecimentos científicos produzidos na área, na tentativa
de superar o conhecimento comum presente entre as
educadoras, conduzindo, acreditamos, a um processo de
autonomia do professor e da criança (Mazzeu, 1998),
partindo de sua prática revelada nas vídeo-gravações e
nos seus relatos.
Quanto às educadoras da sala de 5 anos, os
comportamentos de empenho foram melhor
classificados, já que as educadoras atuaram de forma a
possibilitar diferentes e estimulantes experiências de
aprendizagem, sendo sensíveis para as necessidades
infantis. Mesmo assim, o aspecto da autonomia infantil
necessita de ser melhor discutido com as professoras,
em uma proposta de formação continuada..
Vale constatar que as educadoras passam por dificuldades para conseguirem materiais, tanto para a
brincadeira livre, como para as atividades direcionadas,
além dos baixos salários, que as levam a trabalharem,
muitas vezes em dois turnos. Suas insatisfações
transparecem em suas falas, mostrando as
características de um trabalho alienado, que lhes causa
mais desprazer do que satisfação. A atividade de ensino
torna-se, assim, sem significado, mostrando a
necessidade dessas educadoras de uma tomada de
consciência sobre o que está acontecendo no seu mundo
do trabalho, a fim de modificá-lo e modificar-se, e isso
deverá ser implementado, em uma experiência de
formação continuada, a ser realizada na instituição, como
parte do projeto maior.
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Recebido em: 11/04/2005
Revisado em: 21/09/2005
Aprovado em: 14/10/2005
Endereço para correspondência:
Eulália Henriques Maimone: Av. Dr. Misael Rodrigues de Castro, 569 – Santa Mônica – CEP 34408-184 – Uberlândia – MG – email: [email protected]
Débora Nogueira Tomás: Av. 3 , no. 665 – Centro – CEP 14790-000 – Guaíra-SP – e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2
279-290
ESCRITA, MATURIDADE EMOCIONAL, OPERATORIEDADE E CRIATIVIDADE NUM
GRUPO DE CRIANÇAS DE UBERLÂNDIA
ESCRITA, MATURIDADE EMOCIONAL, OPERATORIEDADE E CRIATIVIDADE
Claudia Araújo da Cunha1
Resumo
Este trabalho teve como objetivo discutir as possíveis relações estabelecidas entre as dificuldades de aprendizagem na escrita, o nível intelectual,
criatividade e maturacional de crianças de segunda série do ensino fundamental. Para tanto, utilizou-se a Escala de Avaliação na Aprendizagem na
Escrita (ADAPE), a prova de conservação de comprimento, a prova de posições possíveis dos dados sobre um suporte e o teste do CAT-H. Os quatro
testes foram aplicados em 40 crianças, de ambos os sexos, de duas escolas da rede pública de ensino da cidade de Uberlândia - MG. Os coeficientes
de correlação por postos de Spearman sugerem que houve uma correlação positiva significante obtida entre as variáveis conservação de comprimento
e criatividade. Quanto aos valores de U a partir da aplicação do teste de Mann-Whitney, a escola localizada na região mais central obteve diferenças
significantes entre as variáveis erros do ditado e conservação de comprimento.
Palavras-Chave: Dificuldade de aprendizagem; Nível cognitivo; Ensino fundamental.
WRITING, EMOTIONAL MATURITY, OPERATIVENESS AND CREATIVITY IN A
CHILDREN’S GROUP FROM UBERLÂNDIA
Abstract
The aim of this paper is to discuss the possible relations established between learning disabilities in writing and the intellectual, creative and
maturity levels of children in the second year of primary school. To do so, we have used the Scale of Learning Evaluation in Writing (ADAPE),
the length conservation test, the test of possible positions of data about a support experiment and the CAT-H test. All four tests were applied in
40 children, of both genres, from two state schools in the town of Uberlândia. The Spearman correlation coefficient by ranks suggests that there
has been a significant positive correlation of the creativity with the length conservation variables. Regarding the U-values acquired from the
application of the Mann-Whitney test, the school located in the most central area obtained significant differences between the dictation error
variable and the length conservation variable.
Key-words: Learning disabilities; Cgnitive assessment; Elementary school.
INTRODUÇÃO
O
processo ensino-aprendizagem suscita
inúmeros questionamentos acerca do desempenho
escolar daqueles que não apresentam comportamentos condizentes ao esperado. Educadores,
pedagogos, psicólogos e demais profissionais da educação buscam explicações plausíveis do que esteja
1
acontecendo, ou melhor, das possíveis causas das dificuldades de aprendizagem de seus alunos. Dificuldades essas referentes a seis grandes áreas: perceptivo-atencional, psicomotora, lingüística,
socioafetiva/emocional, pensamento lógico e também
do pensamento criativo (Sisto, 2002A).
Docente do Programa de Graduação e Pós-graduação em Psicologia Aplicada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de
Uberlândia.
Apoio: CNPq
280
As dúvidas e questionamentos são muitos e, não é
raro, encontrarmos nos mitos e preconceitos presentes
no cotidiano escolar respostas ditas conclusivas que
explicam o fracasso escolar de um grupo de alunos.
Postulados oriundos do senso comum surgem com uma
certa regularidade, tais como: “esta criança tem família
desestruturada”, “emocionalmente abalada”, “criança
pobre não aprende porque é desnutrida” e até mesmo
“criança pobre não aprende porque é indisciplinada”.
Essas e outras afirmativas colaboram com o surgimento
e, posterior, manutenção de determinados padrões
considerados “normais” em detrimento de outros menos
esperados. Isso contribui com os assim chamados
“comportamentos previsíveis”, no qual uma conduta leva
necessariamente a outra. Se considerarmos tal
posicionamento como relevante, estaríamos também
afirmando, ou que o sujeito já nasce pronto e acabado
ou que o ambiente o molda do jeito que convém, uma
vez que o sujeito nasce uma tábula rasa.
Nem só o meio, como diriam os empiristas, nem só o
sujeito pré-formado frente às requisições do meio, como
postulam os inatistas constituem para Piaget e Gréco
(1974) a base da aprendizagem construtivista.
Aprendizagem construtivista para Piaget e Gréco (1974)
não é pura aquisição de conhecimento nem também de
constructos já formados. É uma aprendizagem construída
em interações sucessivas entre sujeito e o objeto de
estudo. Nesse sentido, cabe questionarmos: por que meu
aluno não aprende frente a dado conteúdo, que fatores
estariam contribuindo para o baixo rendimento escolar,
poderíamos,, então, relacionar possíveis variáveis que
estejam incidindo sobre tal conduta?
Dificuldade de Aprendizagem em Escrita
Segundo Sisto (2002A), o baixo rendimento escolar
é uma das manifestações mais evidentes das dificuldades de aprendizagem. Se uma criança apresenta um
bom desempenho escolar, mesmo que tenha dificuldade para aprender e com muito esforço a esteja
superando, esta criança passará despercebida, da mesma
forma que crianças que não estudam por falta de
interesse ou preguiça correm o risco de serem
classificadas como crianças com dificuldade de
aprendizagem. As generalizações excessivas podem, por
vezes, levar a confusões conceituais sérias em que pouco
ou quase nada ajudam no diagnóstico das possíveis
causas dos problemas de aprendizagem para as crianças
que de fato apresentam dificuldades de aprendizagem.
Claudia Araújo da Cunha
Ainda no seu relato, Sisto (conforme citado por Lyon,
1995) afirma que atualmente os problemas fonológicos
representariam cerca de 80% das dificuldades de aprendizagem. Além disso, acrescenta-se o fato de que as
dificuldades morfológicas também estariam na base
dessa problemática (Carlisle, 1995).
O estudo de Guimarães (2003) investigou a relação
entre habilidades metalingüísticas (consciência
fonológica e sintática) e desempenho na leitura e na
escrita (ortografia) de palavras isoladas. Para tal, foram
formados três grupos de sujeitos: 20 crianças com dificuldades em leitura e escrita, cursando 3a e 4a séries
(grupo 1); 20 crianças da 1a série, com o mesmo nível
de leitura e escrita, dos sujeitos do grupo 1 (grupo 2) e
20 crianças da 3 a e 4a séries, com a mesma idade
cronológica dos sujeitos do grupo 1 (grupo 3). A hipótese
de que o grupo 1 apresentasse escores inferiores nas
habilidades metalingüísticas, quando comparado aos
outros grupos foi confirmada Não se observou,
entretanto, diferença significativa entre os grupos 1 e 2,
os quais tiveram um desempenho inferior ao do grupo 3.
Conclui-se que as dificuldades em leitura e escrita estão
relacionadas, predominantemente, com problemas de
natureza fonológica.
Por outro lado também lidamos rotineiramente com
crianças sem problemas fonológicos (consciência
fonológica ou morfológica, uso da codificação fonológica,
recuperação rápida pela memória da informação
fonológica, amplitude de memória, percepção da fala,
seqüências fonológicas complexas etc.) e com bom
desenvolvimento na linguagem que podem vir a ter dificuldades durante o processo de alfabetização. Isso sugere
que outras variáveis estariam incidindo nesse processo.
Vê-se, pois, que as dificuldades de aprendizagem
associam-se a outros fatores e perpassam ao longo da
vida das pessoas. Além disso, Sisto (2002A) reitera suas
colocações, afirmando que há uma forte tendência
explicativa atual das dificuldades de aprendizagem. Estas
estariam relacionadas a problemas de cunho lingüístico
e suas conseqüências, ao estarem associadas ao fracasso
escolar, seriam a diminuição da motivação pelo
rendimento escolar, da auto-estima, da auto-eficácia e
problemas de auto-regulação ou metacognitivos.
A maturidade emocional e a dificuldade de
aprendizagem na escrita
Inúmeros estudos tem sido realizados no intuito de
demonstrar até que ponto os fatores emocionais/afetivos
Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia
corroboram ou não dificuldades de aprendizagem na
escrita. Destacaremos, pois, algumas pesquisas que
contemplam essa investigação.
Sisto e cols. (2002) foram os precursores no estudo
da integridade do ego e o desempenho em escrita.
Participaram da pesquisa 56 crianças, de ambos os
sexos, provenientes de três classes de 1a série do ensino
fundamental da cidade de Campinas – SP. Os
instrumentos utilizados foram o teste desiderativo e três
tipos de ditados, estudados por Gualberto (1984) com
quantidades de palavras e níveis de dificuldades também
distintos. Os resultados permitiram constatar que os erros
no ditado, tanto no que se refere a letras quanto de
palavras incompletas estavam relacionados
significativamente com o grau de força do ego. Quanto
mais forte era o ego da criança, menor era a média de
erros no ditado de palavras e letras.
Algumas pesquisas recentes (Cruvinel e
Boruchovitch, 2003; Enumo, Ferrão, Ribeiro e Dias,
2003) têm destacado que a depressão e a ansiedade
não se manifestam isoladamente, mas que vem
associadas a outras dificuldades, principalmente a
problemas comportamentais e escolares, ocasionando
um prejuízo no seu funcionamento psicossocial.
Nesse sentido, Pacheco (2003) objetivou averiguar
a relação entre variáveis psicossociais e as dificuldades
de aprendizagem na escrita. Foram analisadas respostas
de 123 crianças da 3 a série do ensino fundamental,
pertencentes a quatro escolas da rede pública da cidade
de Campinas - SP. Utilizou a escala ADAPE - Avaliação
das Dificuldades de Aprendizagem na Escrita - no intuito
de detectar as dificuldades de aprendizagem na escrita,
além da escala de personalidade para crianças. Os
resultados apontaram que os sujeitos dissimulados
socialmente, com pontuações mais baixas na escala
sinceridade ou dissimulação social (S) apresentaram dificuldade de aprendizagem acentuada na escrita.
Dentro de um enfoque em que a interação pessoal
também é constituída por percepções e expectativas em
relação à(s) outra(s), Schiavoni e Martinelli (2003)
investigaram a existência de relação entre o desempenho
em escrita de crianças e como essas percebem as
expectativas de seus professores. Participaram deste
estudo 139 sujeitos, sendo 73 do sexo masculino e 66 do
sexo feminino, freqüentando a 3 a série do ensino
fundamental.
A avaliação do desempenho em escrita foi medida
por meio de um ditado padronizado e elaborado (ADAPE)
281
por Sisto (2002a) que detecta as dificuldades mais
comuns na escrita de crianças, sendo constituídos três
grupos de acordo com o desempenho em escrita. A
percepção dos sujeitos em relação ao que pensam ser a
opinião de seus professores a seu respeito foi obtida
através de um instrumento contendo vinte afirmações,
dez positivas, que indicam boa percepção do aluno, e
dez que indicam uma percepção negativa, cujas opções
de respostas eram sempre, às vezes ou nunca. Os
resultados indicaram que quanto pior o desempenho em
escrita, mais negativa a percepção que as crianças
acreditam terem seus professores a seu respeito.
Borges e Martinelli (2003) pesquisaram as possíveis
relações entre dificuldades de escrita e a força do ego.
Para tal, aplicou-se a escala ADAPE para avaliar a dificuldade de escrita e para avaliar a força do ego, utilizou-se o teste desiderativo. A amostra foi composta por
100 crianças, ambos os sexos, da 3a série do ensino
fundamental.
Os resultados apontaram que as dificuldades de
escrita por erros por palavras e erros por letras estão
significativamente relacionados à força do ego. Assim,
quanto maior a força do ego maior a dificuldade de
escrita e quanto mais bem estruturado o ego se
apresenta, melhor desempenho na escrita. Os
pesquisadores, contudo, ressaltam que não há como
generalizar de que toda criança que possui um ego bem
estruturado terá sucesso, uma vez que é sabido que este
não se constitui como único fator que interfere no
processo de aprendizagem da escrita, sendo necessário
considerar a multifatorialidade do fracasso escolar.
Sisto e Bartholomeu (2003) procuraram analisar as
relações entre a intensidade de problemas emocionais e
os erros na escrita. Os participantes foram 88 alunos de
classes de 2a série do ensino fundamental de uma escola
pública. Foram utilizados o Desenho de Figura Humana
e o ADAPE (Escala de Avaliação de Dificuldades de
Aprendizagem em Escrita). Os resultados evidenciaram
que crianças que apresentam maiores dificuldades na
aquisição da escrita, encontram-se acompanhadas por
indícios de problemas emocionais.
Dificuldades de Aprendizagem, Operações
Concretas e a Abertura de Possíveis
Yaegashi (1992), Martinelli (1992), Liesenberg (1992),
Louro (1993), Sisto e Yaegashi (1994); Silva (1995),
Pereira (1995) e Pavanello (1995) foram os precursores
na literatura nacional acerca das possíveis relações
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 279-290
282
estabelecidas entre as operações concretas e a formação de possíveis.
Yaegashi (1992) objetivou responder ao efeito da
abertura para novos possíveis na prova de recorte de
quadrados num conteúdo operatório (prova de inclusão
de classes). Foi interesse também da autora verificar a
estabilidade ou não do conteúdo aprendido.
O grupo experimental composto por 4 sujeitos de 6
anos, 3 sujeitos de 7 anos e 3 de 8 anos foi submetido a
um processo de intervenção por conflito cognitivo. O
intuito foi o de realizar intervenções que desequilibrassem
as concepções das crianças. Já o grupo controle não
passou por nenhum tipo de intervenção.
Os resultados evidenciaram que todos os sujeitos
submetidos a um processo de intervenção para
aprendizagem dos possíveis na prova de recorte de um
quadrado evoluíram para o nível dos co-possíveis.
Nenhum dos sujeitos retornou ao nível analógico depois
do pós-teste. Não se constatou, entretanto, uma
influência muito nítida entre aprendizagem em possíveis
e um conteúdo operatório. Apenas dois sujeitos passaram
a apresentar o conceito de inclusão de classes e, mesmo
assim, demonstraram-no somente algum tempo depois
do processo de intervenção. Já o grupo controle não
sofreu alteração do começo ao final do experimento.
Semelhantemente ao trabalho de Yaegashi (1992),
Liesenberg (1992) também objetivou averiguar a
possibilidade da ocorrência de aprendizagem por conflito
cognitivo na prova formas possíveis de uma realidade
parcialmente escondida, e qual a influência desta na
aquisição da conservação de líquido. Foram selecionados
somente os sujeitos que apresentaram comportamento
analógico puro na prova de possíveis e não
conservadores na prova de conservação de líquido.
Os resultados também evidenciaram a eficácia do
processo de intervenção na aquisição de novos possíveis
pela criança. Entretanto, a relação entre possíveis e
operatoriedade também se mostrou tênue, pois o grupo
controle também apresentou progressos na conservação.
Logo, não foi possível atribuir tal conclusão à intervenção
propriamente dita, mas ao acaso. Além disso, a autora
também constatou que nos dois grupos, experimental e
controle, quando houve mudança evolutiva em
conservação, os dois grupos também atingiram o nível
dos co-possíveis no pós-teste retardado.
O estudo de Louro (1993) seguiu uma trajetória
inversa a das pesquisas anteriormente citadas, uma vez
que a autora interviu numa prova de conteúdo operatório
Claudia Araújo da Cunha
(conservação de massa) e tentou verificar se essa
aquisição possibilitaria ao indivíduo manifestar uma abertura aos co-possíveis na prova de posições de três dados sobre um suporte. O grupo experimental foi
composto por 11 sujeitos entre 4 a 6 anos e o controle
por seis sujeitos na mesma faixa etária.
Os resultados do experimento mostraram que os
sujeitos que sofreram intervenção no conteúdo operatório
apresentaram uma evolução do nível analógico
constatado no pré-teste para o nível dos co-possíveis no
pós-teste. Tal evolução permaneceu até o pós-teste
retardado.
Sisto e Yaegashi (1994) trabalharam com a relação
da criatividade lógica e de operações concretas. Para
tanto, foram utilizadas as prova de conservação de
massa, o recorte de quadrados e a posição dos dados.
Os resultados apontaram que não houve uma relação
de antecedência entre a prova de conservação de massa
e de posição dos dados. Nos recortes livres, contudo, a
operatoriedade parece sucedê-la enquanto nos recortes
livres em dois, recorte em dois iguais, recorte em três e
três iguais, sugeriu-se que a presença do nível dos copossíveis não implica em conservação, mas conservar
implica em apresentar co-possíveis quaisquer.
O estudo realizado por Silva (1995) partiu da hipótese
de que a formação de possíveis antecede as operações
concretas. O autor trabalhou com dois processos diferentes de intervenção para a aquisição da conservação
de massa em sujeitos não conservadores. Uma das
técnicas utilizou-se somente do conflito para resolver a
conservação e a outra uniu o uso do conflito e possíveis.
A primeira técnica caracterizou-se por subtrair ou
adicionar pedaços de massa e, a segunda pelo acréscimo
de questionamentos quanto à possibilidade de solucionar
o problema de outras maneiras ou imaginar outros jeitos
de amassar as bolinhas e chegar aos resultados possíveis
com a massa, por ele previsto.Foram selecionados 20
sujeitos entre 6 a 7 anos que não apresentavam indício
de operatoriedade. Dois grupos experimentais foram
formados com 10 sujeitos cada.
Os resultados apontaram para uma eficácia maior
da intervenção somente com conflito cognitivo, pois esse
tipo de intervenção possibilitou o aparecimento da
operatoriedade de forma mais rápida que a proporcionada
pela intervenção com conflito e possíveis. Isto pode ter
sido explicado pelo número de conflitos.
Pereira (1995) por sua vez, questionou até que ponto
o recorte de quadrados interferiria ou provocaria a
Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia
seriação operatória. Pesquisou 56 crianças, com idade
entre 4,9 a 6,9 anos, de ambos os sexos de uma creche
com nível sócio-econômico baixo. Os sujeitos foram prétestados na prova de recorte de quadrados e na seriação
de bastonetes. Aqueles classificados como analógicos
e ausentes, quanto à criatividade e à operatoriedade
formaram o grupo experimental e controle. As
intervenções, em número de oito, na forma de conflito
cognitivo, terminaram, uma vez alcançado o nível dos
co-possíveis.
Os resultados evidenciaram que todos os sujeitos do
grupo experimental apresentaram evolução em seus
níveis. Tal constatação manteve-se no decorrer dos póstestes 1 e 2. Contudo, não houve influência da prova de
possíveis sobre o conceito da aquisição de seriação
operatória. Somente cinco crianças alcançaram o nível
de seriação operatória, o que leva a crer que tal conceito
já se encontrava em fase de formação, fazendo parte
de um desenvolvimento espontâneo.
Pavanello (1995) pesquisou a aprendizagem de
possíveis por conflito cognitivo na prova da maior
construção de Piaget (1985). Também foi interesse da
autora averiguar a influência do procedimento
experimental na conservação de comprimento, de área e
na evolução da prova de realidade parcialmente escondida.
Os sujeitos do grupo experimental apresentaram uma
evolução na prova da maior construção no primeiro pósteste. O mesmo não foi encontrado no segundo pós-teste, que demonstrou pouca estabilidade.
Na prova de conservação de comprimento ocorreram
mudanças positivas nos sujeitos, porém, não foram
mudanças uniformes para todos os sujeitos. Com relação
à prova de conservação em área, tanto o grupo
experimental como o controle manteve-se no nível de
não conservação. Na prova de realidade parcialmente
escondida não ocorreu evolução em ambos os grupos.
A conclusão a que a autora chegou foi que o conflito
cognitivo mostrou-se eficaz na melhoria do desempenho
dos sujeitos na prova em que foi aplicado como
procedimento. Contudo, no que se refere às estruturas
operatórias, as mudanças foram atribuídas ao acaso.
Em síntese, os autores apontaram que sujeitos,
quando submetidos a um processo de intervenção para
aprendizagem, seja em provas de criatividade ou em
conteúdos operatórios, evidenciaram mudanças de nível
cognitivo. Entretanto o que não se pôde afirmar foi a
influência clara entre aprendizagem em possíveis e
conteúdo operatório.
283
Conflito cognitivo e a formação de possíveis
Os estudos de Martinelli (1992; 1998) e Costa (1995)
colocaram uma problemática diferente a dos demais
autores citados, pois além de terem utilizado o conflito
cognitivo como procedimento nas sessões de
aprendizagem, procuraram discutir as relações existentes
entre duas provas de possíveis.
Martinelli (1992) também desenvolveu um modelo
de conflito cognitivo com 60 crianças entre 5 e 7 anos,
utilizando, especificamente, os recortes livres, a mediação
em partes iguais, a multiplicação de possíveis e sua atualização como a única solução correta além da
construção de arranjos espaciais e de eqüidistância, na
qual a partir de inúmeras possibilidades, o sujeito deveria chegar à solução mais aceitável que seria o círculo,
resultando numa variedade, dos possíveis admitidos.Os
resultados apontaram para uma alta concentração de
sujeitos no nível dos co-possíveis e sua gradativa
organização ao possível exigível. Contudo, a autora
colocou que devido ao pouco tempo de realização do
estudo, não foi possível determinar relações significativas
entre aprendizagem em eqüidistância e abertura dos
possíveis na prova de recortes.
Costa (1995) procurou verificar até que ponto a
manipulação de um material é capaz de desencadear o
possível dedutível quando os sujeitos são submetidos a
um processo de intervenção que se utiliza do conflito
cognitivo. As provas utilizadas foram posições possíveis
de três dados sobre um suporte e um caso de possível
dedutível.
Participaram da pesquisa 38 sujeitos entre 5 a 6,8
anos de idade, classificados como analógicos no préteste, que compuseram dois grupos: 16 do grupo
experimental e 17 do grupo controle. Os resultados
demonstraram que 10 sujeitos do grupo experimental
apresentaram movimentação cognitiva e seis sujeitos
apresentaram ausência de movimento do pré para o pósteste 2. Na prova posições possíveis de três dados, houve
alguma movimentação no grupo controle.
Martinelli (1998), mais recentemente, realizou uma
pesquisa com o objetivo de verificar se houve relação
entre o tempo de intervenção e quantidade de conflito
no desempenho de grupos. Fizeram parte desse estudo
77 sujeitos entre 4,7 a 6,8 anos, divididos em quatro
grupos. Os dois primeiros grupos foram submetidos a
sessões de aprendizagem em apenas uma prova. O
primeiro grupo trabalhou com a prova de formas
parcialmente escondidas e o segundo grupo em
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 279-290
284
Claudia Araújo da Cunha
eqüidistância O terceiro grupo seguiu a seguinte
seqüência de aprendizagem: eqüidistância e
posteriormente formas parcialmente escondidas. O
quarto grupo seguiu a seqüência inversa.
Foram encontradas diferenças significativas entre
idade e desempenho na prova de realidade
parcialmente escondida. Em relação ao tempo e à
quantidade de conflito na mesma prova não foram
encontradas diferenças entre os grupos. Em
eqüidistância, os resultados mostraram alguma diferença com relação ao tempo. As pesquisas apontaram
que, a aprendizagem em um conteúdo específico pôde
favorecer a aprendizagem em outro conteúdo também
de possível. Isto significou que quando alguns
conteúdos foram adquiridos, esses podiam facilitar a
aquisição de outros. Pôde-se afirmar que houve
aprendizagem de formas, além de conteúdos.
Partindo da premissa de que a dificuldade de
aprendizagem na escrita perpassa por um processo no
qual aspectos afetivos, lógicos e de criatividade, dentre
outros, podem exercer alguma influência na construção
do conhecimento de grupos de crianças, a presente
pesquisa objetivou investigar as relações estabelecidas
entre a dificuldade de aprendizagem da escrita, o nível
cognitivo, formação de possíveis e o nível de
maturidade emocional, em sujeitos do ensino
fundamental.
MÉTODO
Participantes
Participaram da pesquisa 40 sujeitos, alunos da 2a
série do ensino fundamental, de ambos os sexos, sendo
57,5% (n=23) do sexo feminino e 42,5% (n=17) do sexo
masculino, de nível sócio-econômico baixo, de duas
escolas públicas estaduais da cidade de Uberlândia MG, uma delas periférica e a outra localizada no centro
da cidade. Foram aplicados os testes em 10 crianças
da escola periférica e 30 da escola no centro da cidade.
As crianças da escola periférica tinham idades variando
de 7 anos e 6 meses a 8 anos e 3 meses, com média de
7 anos e 11 meses e desvio padrão de 3 meses. As
idades das crianças que freqüentam a escola mais
central variavam de 7 anos completos a 8 anos e 4
meses, com média de 7 anos e 9 meses e desvio padrão
de 4 meses.
Instrumentos
Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da
Escrita – ADAPE. (Sisto, 2002a).
O texto da escala de Avaliação de Dificuldades
na Aprendizagem da Escrita (ADAPE) foi construído
e validado numa versão mais atual descrita em Sisto
(2002a), seguindo alguns critérios como: palavras
usuais no cotidiano escolar das crianças; uma mesma
palavra poderia conter mais de uma dificuldade; e deveria haver pelo menos um terço de palavras
trissílabas e/ou polissílabas. O texto é constituído por
114 palavras, com 60 delas apresentando algum tipo
de dificuldade classificada como encontro
consonantal, dígrafo, sílaba composta e sílaba
complexa, e 54, não. Cada uma das palavras foi
considerada um item ou unidade de medida para
efeitos de pesquisa. Para a correção dos ditados, cada
palavra foi considerada uma unidade e qualquer erro
ortográfico ou ausência de palavra foi considerada
erro, assim como acentos e letras maiúsculas e
minúsculas indevidas, sendo a soma dos erros a
pontuação de cada criança. Quanto à classificação:
até 20 erros (sem dificuldade de aprendizagem); entre
21-49 erros (início de indicação de dificuldade de
aprendizagem); 50-79 erros (dificuldade de
aprendizagem leve) e 80 ou mais erros (dificuldade
de aprendizagem média).
Prova de Conservação de Comprimento
A prova de conservação de comprimento originouse da prova intitulada “deformação de linhas a
comparar” (Piaget, 1976). Foram utilizados os
seguintes materiais: a)quatro palitos de madeira
medindo 7 cm de comprimento por 0,8 cm de largura,
denominados palitos grandes, e nove palitos pequenos,
medindo 4 cm de comprimento por 0,8 cm de largura,
denominados palitos pequenos, b) uma folha de
registro elaborada para esta prova. Nela foram
anotadas as respostas de cada sujeito e o tempo de
duração.Quanto aos critérios de classificação da prova,
três tipos de respostas foram considerados: a) ausência
de conservação, quando os sujeitos não afirmaram a
igualdade das retas; b) reações intermediárias: quando
as crianças oscilavam entre a conservação e a nãoconservação e c) resposta de conservação, quando o
sujeito coordenou as operações de partição e de
colocação ou deslocamento. A aplicação do teste foi
de aproximadamente 10 minutos.
Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia
Prova de Posições Possíveis dos Dados
A prova de posições possíveis dos dados utilizou os
seguintes materiais: a) três dados de papelão coloridos,
b) dois suportes de papel duro, nas formas triangular e
circular, c) uma folha de registro elaborada para esta
prova.A criança era classificada no nível IA (possível
analógico mais elementar) quando trabalhava com
pequenas variações e dentro de uma só família. Quando
apresentava maiores variações e até duas famílias, era
considerada intermediária (IB, possível analógico mais
avançado). O nível II (co-possíveis) caracterizava-se
quando as variações eram marcantes e havia presença
de pelo menos três famílias de possíveis. Para o nível
III (co-possíveis quaisquer) era necessário que a criança
aceitasse que não havia limite nas formas de colocar os
dados, isto é, sempre poderia ter mais um jeito diferente
de colocar os dados. O tempo de duração da prova foi
de aproximadamente 10 minutos.
Teste Projetivo de Apercepção Temática Infantil
Humano (CAT-H)
O Teste Projetivo de Apercepção Temática Infantil
Humano (CAT-H) confeccionado por Bellak e Bellak
(1965) foi realizado mediante a apresentação de dez
pranchas com figuras humanas, no qual cada criança
deveria elaborar uma breve história com base na cena
representada por cada uma das pranchas. Essas histórias
deveriam conter os sentimentos e pensamentos dos
personagens, o que gostam de fazer e o que estava
acontecendo com eles em cada cena apresentada.A
análise interpretativa está dividida em dez variáveis, quais
sejam, tema principal; herói; quais as figuras são
visualizadas e, diante delas, como a criança reage; qual
a concepção de mundo; figuras, objetos e circunstâncias
externas introduzidas; objetos ou figuras omitidos;
natureza das ansiedades; conflitos significativos;
severidade do superego; integração do ego (nível de
maturidade emocional). Nesta última, avalia-se o nível
de maturidade da criança, caracterizando-a como
aquém, dentro do esperado ou além, de acordo com a
idade da mesma.
A atribuição de escores seguiu critério de Cunha,
Freitas e Raymundo (1993). O escore zero foi atribuído
na ausência de resposta ou quando a criança não
conseguia cumprir a tarefa; ou seja, quando a
verbalização, se existente, era muito rudimentar e a
criança ou se limitava a apontar ou a enumerar um item,
ou no máximo, dois itens, mas de forma não adequada.
285
O escore 1, quando a verbalização se restringia à
enumeração adequada de pelo menos dois itens,
presentes na gravura estímulo. O escore 2, quando a
verbalização se limitava, no máximo, a uma descrição
simples, com inclusão de uma ação (ou de ações com
significado idêntico), justificada pelo estímulo. O escore
3, quando a verbalização era uma descrição mais
elaborada, constituída por uma justaposição de ações,
justificadas pelo estímulo, sem estabelecer uma
seqüência temporal. O escore 4, quando havia uma
tentativa de estabelecer uma seqüência temporal,
sugerida pela mudança no tempo dos verbos, uso de
advérbios de tempo ou estabelecimento de relação de
causa e efeito. O escore 5, quando existia uma
seqüência temporal nítida, mas baseada num referencial
externo, em rotina de vida diária (doméstica ou
institucional). O escore 6, quando ocorria uma seqüência
temporal nítida, que não dependia de um referencial
externo de caráter rotineiro, sendo possível reconhecer
início, meio e fim.
Procedimento
A aplicação dos testes foi feita em duas etapas.
Primeiramente, foi aplicado o ditado proposto por Sisto
e cols. (2002), realizado na própria sala de aula. Depois
em sala apropriada, foram aplicados a prova de
conservação de comprimento, a prova posições
possíveis dos dados sobre um suporte e o teste CAT-H,
administrados individualmente.
A aplicação do ditado foi feita pela professora da
classe de 2a série, juntamente com um experimentador,
depois de instruída para informar aos alunos que eles
iriam fazer um ditado. A professora informou também
aos alunos que cada palavra seria ditada uma única vez
e nenhuma delas seria repetida e, por isso, precisariam
prestar bastante atenção.
A prova de conservação de comprimento foi iniciada
colocando-se quatro palitos grandes alinhados em uma
reta, construída pelo experimentador. A reta que a
criança construísse deveria conter sete palitos pequenos
para que ficasse do mesmo comprimento que a reta do
experimentador. Em seguida, foram feitas mais quatro
transformações, solicitando à criança que dissesse se
existe igualdade no comprimento das duas estradas,
acrescentando-se o pedido para que a criança justificasse
sua resposta.
A prova posições possíveis dos dados foi iniciada
quando se escolhia um dos suportes e solicitava-se à
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 279-290
286
Claudia Araújo da Cunha
criança que colocasse os dados em cada um dos suportes
da forma que quisesse. Em seguida, solicitava-se que
colocasse de outra maneira, até que a criança afirmasse
que tinham-se esgotado as possibilidades ou que poderia
ser colocado de infinitas maneiras.
As instruções dadas para a aplicação do CAT-Humano
foram as seguintes: “Hoje iremos brincar de contar histórias.
Você as contará olhando um desenho e nos dirá o que está
acontecendo e o que as pessoas estão fazendo”.
RESULTADOS
Os resultados obtidos estão nas Tabelas 1, 2, 3 e 4.
Todos esses dados foram computados.
A Tabela 1 ilustra a classificação de acordo com
os erros cometidos pelas crianças na Escala de Avaliação das Dificuldades de Aprendizagem na Escrita -
até 20 erros (sem dificuldade de aprendizagem); entre
21-49 erros (início de indicação de dificuldade de
aprendizagem); 50-79 erros (dificuldade de aprendizagem leve) e 80 ou mais erros (dificuldade de aprendizagem média).
A Tabela 2 ilustra os critérios de classificação da
Prova de Conservação de Comprimento. Três tipos de
respostas foram considerados: ausência de conservação,
quando os sujeitos não afirmaram a igualdade das retas;
reações intermediárias: quando as crianças oscilavam
entre a conservação e a não-conservação e resposta de
conservação, quando o sujeito coordenou as operações
de partição e de colocação ou deslocamento.
A Tabela 3 ilustra o nível de maturidade da criança,
caracterizando-a como aquém, dentro do esperado ou
além, de acordo com a idade da mesma. As respostas
das crianças obedecem a alguns critérios, de acordo com
Cunha e colaboradores (1993), assim como uma atribuição de escores, indo de 0 a 6 pontos.
Tabela 1: Classificação dos participantes por escola no ADAPE.
Participantes
nº de erros
até 20 erros
Escola Central
Escola Periférica
Categoria
00
00
cat 0
21 a 49 erros
11
00
cat 1
50 a 79 erros
19
08
cat 2
80 ou mais
00
02
cat 3
Tabela 2: Classificação dos participantes por escola na Prova de conservação de
comprimento
Participantes
Classificação
Não conservadora
Escola Central
Escola Periférica
04
04
Intermediária
19
06
Conservadora
07
00
Tabela 3: Classificação dos participantes por escola quanto ao nível de maturidade no
Teste CAT-H
Participantes
Classificação
Aquém do esperado
Escola Central
Escola Periférica
11
01
Dentro do esperado
13
08
Além do esperado
06
01
Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia
A Tabela 4 ilustra a classificação das crianças na
Prova de Posições Possíveis dos Dados sobre um
Suporte: a criança era classificada no nível IA (possível
analógico mais elementar) quando trabalhava com
pequenas variações e dentro de uma só família. Quando
apresentava maiores variações e até duas famílias, era
considerada intermediária (IB, possível analógico mais
avançado). O nível II (co-possíveis) caracterizava-se
quando as variações eram marcantes e havia presença
de pelo menos três famílias de possíveis. Para o nível
III (co-possíveis quaisquer) era necessário que a criança
aceitasse que não havia limite nas formas de colocar os
dados, isto é, sempre poderia ter mais um jeito diferente
de colocar os dados
287
no ditado, conservação de comprimento, aos escores
obtidos no teste CAT e ao nível de criatividade, foi aplicado o Coeficiente de Correlação por Postos de
Spearman (Siegel, 1975), aos valores das variáveis,
combinados dois a dois. O nível de significância foi
estabelecido em 0,05, em uma prova bilateral. Os
resultados estão demonstrados na Tabela 5.
Foi encontrada uma correlação positiva
estatisticamente significativa entre as variáveis
“conservação do comprimento” e “criatividade”. Isto
indica que, à medida que os valores de uma das variáveis aumentam, os da outra aumentam, também.
Com o objetivo de verificar a existência ou não de
diferenças significantes entre os resultados obtidos pe-
Tabela 4: Classificação dos participantes por escola na Prova das posições
dos dados sobre um suporte
Participantes
Escola Central
Escola Periférica
Classificação
IA
04
02
IB
16
05
II
10
03
III
00
00
Tabela 5: Valores de r e das probabilidades de ocorrência a eles associadas,
obtidos quando da aplicação do Coeficiente de Correlação por Postos de
Spearman aos resultados relativos às variáveis analisadas
Variáveis Analisadas
Idade x erros
Valores de r
-0,21
Probabilidades
0,54
Idade x conservação
- 0,07
0,84
Idade x escores CAT
0,12
0,73
Idade x criatividade
- 0,12
0,73
Erros x conservação
- 0,21
0,55
Erros x escores CAT
- 0,26
0,45
Erros x criatividade
0,15
0,66
Conservação x escores CAT
0,44
0,20
Conservação x criatividade
0,69
0,02*
Escores CAT x criatividade
0,25
0,48
(*) p < 0,05
Com interesse em verificar a existência ou não de
correlações significantes entre os resultados relativos
às idades das crianças, ao número de erros cometidos
los alunos das duas escolas estaduais, sendo uma periférica e outra mais central, foi aplicado o teste U de
Mann-Whitney (Siegel, 1975), aos valores relativos às
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 279-290
288
Claudia Araújo da Cunha
Tabela 6: Valores de U e das probabilidades a eles associadas, obtidos quando
da aplicação do teste de Mann-Whitney aos resultados com alunos de duas
diferentes escolas, relativos às variáveis analisadas.
Variáveis Analisadas
Idade
Valores de U
105
Probabilidades
0,15
Erros do ditado
48
0,00*
Conservação do comprimento
89
0,02*
Escores teste CAT
104
0,13
Nível de criatividade
139
0,70
(*) p < 0,05
idades das crianças, aos erros do ditado, à conservação
do comprimento, aos escores do teste CAT e ao nível
de criatividade.O nível de significância foi estabelecido
em 0,05, em uma prova bilateral. Os resultados estão
demonstrados na Tabela 6.
De acordo com os resultados demonstrados na Tabela 6, foram encontradas diferenças significantes entre as
variáveis “erros do ditado” e “conservação do comprimento”, sendo que os resultados mais elevados foram
os relativos aos alunos da escola estadual localizada na
região mais central da cidade de Uberlândia – MG.
DISCUSSÃO
Os resultados da pesquisa evidenciaram que a maioria
dos sujeitos (n = 25) apresentaram-se intermediários no
teste de conservação de comprimento, 27 crianças
apresentam início de indicação de dificuldade de
aprendizagem na escrita e 21 crianças no nível analógico
mais avançado na abertura para novos possíveis,
encontrando-se, também, dentro do esperado, segundo
o nível de maturidade emocional. Tais dados demonstraram que nas quatro provas aplicadas, mais da metade
dos sujeitos experimentais encontraram-se num nível de
classificação posterior ao mais elementar. Ou foram
sujeitos classificados como intermediários na prova de
conservação de comprimento, ou num nível IB na prova
posições possíveis dos dados, ou dentro do esperado,
emocionalmente, para a faixa etária ou com indícios de
dificuldade de aprendizagem na escrita. Isso demonstra
que a maioria dos sujeitos não se encontrava no nível
mais preliminar de classificação mas também não atingiram um nível de desenvolvimento mais avançado a
partir da aplicação dos testes já mencionados.
Com relação à correlação positiva encontrada entre
as variáveis conservação de comprimento e posições
possíveis dos dados, é interessante destacar o fato de
que quanto mais as crianças mostraram-se criativas,
também demonstraram um nível de desenvolvimento
cognitivo mais elaborado, isto é, com respostas de
conservação. Sisto (2000) realça tal constatação quando
coloca que aos poucos, a criança antes dominada por
uma pseudonecessidade, qual seja, a de que a continuação de uma figura de um círculo encoberta pela
metade, necessariamente tem que ser um círculo,
começa a abrir-se para outros possíveis jeitos de terminar a figura que não seja círculo, e essas aberturas
marcam o advento do pensamento operatório concreto.
Começa, então, a se desvincular de pseudo-impossibilidades.
Já com relação à correlação positiva observada entre
as variáveis erros do ditado e conservação do comprimento, a escola estadual localizada no centro da cidade
foi a que apresentou o maior número de erros no ditado,
evidenciando, pois, indícios de dificuldade de aprendizagem na escrita e/ou dificuldade de aprendizagem leve.
Em termos de operatoriedade, foi possível notar que
essa mesma escola apresentou índices significativos de
sujeitos classificados como conservadores no conteúdo
conservação de comprimento. Isso demonstrou que
apesar da ocorrência de dificuldades de aprendizagem
na escrita, não houve evidência de ausência de operatoriedade. A noção de conservação não apresentou uma
relação direta com a ausência de dificuldade de aprendizagem.
Com relação aos erros cometidos no ditado e os níveis
de criatividade e operatoriedade também não foi possível
detectarmos correlações positivas, o que demonstra que
um indício de dificuldade de aprendizagem na escrita e/
ou uma dificuldade de aprendizagem leve não suscita
Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia
289
necessariamente níveis de criatividade precários e
ausência de operatoriedade em dado conteúdo.
Tal constatação corrobora as colocações de Rossini
e Santos (2002) de que o fracasso escolar tem sido um
dos temas mais discutidos e explorados pela literatura
científica, sendo possível constatar que, apesar de não
se tratar de uma questão nova, trata-se de uma questão
não resolvida, uma vez que inúmeras variáveis podem
contribuir com o bom andamento do processo de
aprendizagem, sejam fatores ditos afetivos-emocionais,
ambientais, orgânicos e culturais.
Scoz (1994) afirma que contribuições de diversas
áreas do conhecimento tais como a Antropologia,
Sociologia e Lingüística vem tentando explicar as dificuldades de aprendizagem num âmbito mais geral,
evitando, assim, a medicalização dos problemas de
aprendizagem bem como ênfases exageradas na
repercussão dos aspectos afetivos da aprendizagem.
Podemos afirmar, assim, que inúmeros aspectos, de fato
podem estar relacionados a problemas circunstâncias e,
por vezes, mais duradouros de aprendizagem. Mas qual
a intensidade de tais sintomas frente ao processo ensinoaprendizagem? Como se manifestam?
Sabe-se que a incidência de aspectos emocionais no
processo ensino-aprendizagem ocorre com uma certa
freqüência, porém, a presente pesquisa não constatou
dados correlacionais significantes da variável maturidade
emocional e os erros no ditado, o nível de criatividade
bem como a operatoriedade nesse grupo de crianças
por ora estudado. Isso pode ser explicado pela maioria
dos sujeitos encontrar-se num nível de maturidade dentro
do esperado para sua faixa etária.
Nesse sentido, Sisto (2002a) destaca a existência
de uma interação entre fatores sociais, educativos e
individuais como possíveis explicações para as dificuldades de aprendizagem. Assim, faz-se mister
realçar que apesar dos inúmeros estudos e pesquisas
que abordam as dificuldades de aprendizagem como
um processo mais amplo, muitas das vezes, a
culpabilização pelo fracasso ainda se encontra na
criança/aluno.
Esses e outros questionamentos continuam a nos
instigar: Até que ponto somos colaboradores passivos
frente à explicação organicista do problema de aprendizagem? Cabe-nos investigar que se assim o fosse, não
encontraríamos crianças que apesar de participarem de
interações que envolvem fatores sociais, educativos e
individuais bastante precários, aprendem rápida e facilmente a escrever muito bem (Sisto, 2002a). Outros
estudos devem ser feitos nesse sentido, levando-nos a
investigar segmentos, por vezes, negligenciados e, portanto, pouco explorados pela literatura vigente.
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Estadual de Campinas - Faculdade de Educação,
Campinas-SP.
Recebido em: 03/02/2005
Revisado em: 30/08/2005
Aprovado em:14/10/2005
Endereço para correspondência:
Claudia Araújo Cunha: Rua Saturnino Pedro dos Santos, 181 – apt 102 – Bloco B – Bairro Jardim Finotti – CEP 38408-090 –
Uberlândia/MG – e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2
291-302
CADERNOS ESCOLARES: COMO E O QUE SE REGISTRA NO CONTEXTO ESCOLAR?
Anabela Almeida Costa e Santos1
Marilene Proença Rebello de Souza2
Resumo
O presente artigo teve como objetivo problematizar um dos registros mais tradicionais do processo de escolarização: os cadernos escolares. Para
tanto, a pesquisa explicita determinados aspectos relacionados à rotina de sala de aula, bem como descreve determinados dilemas presentes nos
contextos em que os registros são produzidos. Utilizando-se de uma perspectiva etnográfica, o pesquisador valeu-se de um ano de observação
participante em sala-de-aula, em uma sala de primeira série do Ensino Fundamental, bem como da análise dos cadernos produzidos pelos alunos.
Neste período, foram observadas as regras para a utilização dos cadernos escolares: cópia do que está escrito na lousa, organização dos conteúdos,
utilização da borracha, seqüência das atividades, dentre outras. Observou-se que os cadernos são instrumentos de controle do professor sobre a
criança e dos pais sobre o trabalho do professor e do estudante, tendo os bilhetes como exemplo. Observou-se ainda que os cadernos pouco
expressam os dilemas e o contexto no qual tais registros são produzidos. Assim, se os cadernos forem analisados apartados do contexto de sua
produção, ter-se-á uma visão, muitas vezes, negativa a respeito do desempenho de aluno iniciantes.
Palavras chave: Cadernos escolares; Etnografia; Ensino fundamental.
NOTEBOOKS: HOW THINGS ARE REGISTERED IN THE SCHOOL CONTEXT
Abstract
This paper aims to discuss about one of the most traditional modality of record in the school process: the notebook. For this reason, the
research demonstrates some important aspects that occur in the school daily work and also describes some kinds of dilemmas present in the school
context in which these reports had been done. From an ethnographic perspective, the fieldwork had some procedures such as: participant
observation during one year inside the classroom and the analyses of notebooks. Many rules for using the notebook were observed during this year:
to copy many words from the blackboard; to organize the issues; to use the rubber; to make the correct sequence of the activities, and so on. The
notebooks are important instruments of control from the teacher to the students and from the parents to the teacher and the student. They don’t
express sufficiently the dilemmas and the context in which the records are produced. When the notebooks are separated from the context in which
they are produced, they will make us draw negative impression about the students’ performance.
Keywords: Notebooks; Ethnography; Elementary school.
INTRODUÇÃO
Cadernos Escolares: como e o que se registra no
contexto escolar
Os cadernos são instrumentos didáticos presentes
nas várias etapas da escolarização, desde a pré-escola
até a pós-graduação. Certamente, em cada uma dessas
etapas, difere a utilização que se faz desse material,
assim como diferem as finalidades e os significados que
1
os cadernos assumem para alunos e professores. Ainda
assim, é evidente que é um instrumento didático bastante
presente, utilizado e que exerce influências no modo
como se organizam ações e relações no contexto de
ensino. Sendo os cadernos tão constantes e importantes,
revela-se surpreendente o fato de haver, até o momento,
poucos trabalhos dedicados a estudá-los.
Doutoranda no Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.
2
Professora Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Projeto Financiado pela FAPESP
292
Os cadernos escolares, à medida que são utilizados
nas escolas, tornam-se registros de parcela do cotidiano
e das relações do contexto de ensino. Porém, não são
objetos neutros que unicamente registram aquilo que se
passa. Também imprimem, ao cotidiano escolar,
especificidades relativas ao seu uso. Implicando na
exigência e domínio de alguns saberes bastante
específicos ao seu manuseio e preenchimento (Gvirtz,
1997, 1999). Para se utilizar os cadernos é preciso saber
que há margens, nas quais nada deve ser escrito, que o
preenchimento das folhas deve obedecer às seqüências
temporal e de realização das tarefas. Também devem
ser aprendidas convenções de comunicação utilizadas
por professores para indicar a avaliação das atividades
realizadas. Assim sendo, a iniciação no uso dos cadernos
prescinde a aprendizagem de um conjunto de regras,
convenções e procedimentos.
Inseridos desta forma no cotidiano de ensino, os
cadernos fazem parte da cultura escolar, entendida como
‘conjunto de normas que definem conhecimentos a
ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas
que permitem a transmissão desses conhecimentos’
(Julia, 2001, p.15), e simultaneamente tornam-se registros
de como esta se revela na prática. Dessa forma,
considera-se fundamental, para o aprimoramento das
práticas pedagógicas, que se conheça como os cadernos
se inserem no contexto educacional, a fim de que possam
ser identificadas e planejadas estratégias que
potencializem a utilização deste importante recurso
didático.
As pesquisas na área de educação que utilizam os
cadernos como fonte de informações para compreender
aspectos do cotidiano escolar também carecem de
informações sobre esses materiais. Especialmente
pesquisas de caráter histórico, cujas possibilidades de
acesso direto aos eventos e atores que constituem seus
objetos de estudo são dificultadas, têm mais
recentemente se valido dos cadernos e de outros
materiais escolares (Nóvoa, 1993). No entanto, para que
haja a eficiente utilização dos registros em pesquisas, é
importante que se saiba mais a respeito do contexto em
que tais fontes de informação são elaboradas. Para que
se conheça melhor as informações registradas nos
cadernos e para que melhor se possa apreender os
processos escolares por meio destes documentos, é
fundamental conhecer sobre a forma como são
produzidos, como se inserem no cotidiano escolar e como
são utilizados.
Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza
MÉTODO
Fonte Etnográfica
Com a intenção de melhor compreender o que
permanece registrado, e sobre aquilo que não chega a
ser registrado nos cadernos, foram privilegiadas
estratégias que permitissem reconstruir a história desses
materiais escolares, desde o momento em que começam
a ser preenchidos e ocupados por conteúdos. Para isso,
a etnografia, que tem como uma de suas funções mais
importantes documentar a realidade não documentada
(Ezpeleta, 1989), foi a perspectiva teórico-metodológica
eleita. Outra peculiaridade desta forma de construção
de teoria e conhecimento sobre contextos educacionais
é a busca por caracterizar uma cultura e as significações
que atos, rituais ou objetos, assumem para os seus atores
(Geertz, 1987).
Como o foco desta pesquisa centrou-se nos alunos,
foi dada ênfase a ouvi-los a respeito de seus cadernos,
ou seja, foi dada voz aos que preponderantemente
preenchem os cadernos, tornando-os registros da sua
escolarização.
Dessa forma, procurou-se conhecer os significados
que os alunos atribuem a esses objetos. Para tanto foram
fundamentais os conceitos de cotidiano e não cotidiano,
conforme definidos por Agnes Heller (1994). A autora
define a vida cotidiana como a vida de todo homem, do
homem inteiro, na qual ‘colocam-se ‘em funcionamento’
todos os seus sentidos, todas as suas capacidades
intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus
sentimentos, paixões, idéias, ideologias’ (Heller, 2000, p.
17). Fundamental seria atentar, também, para as ações
que representam descontinuidades, para as soluções
criativas, para momentos em que haja investimento mais
homogêneo das capacidades, dos sentidos e da reflexão.
Seriam os momentos em que há um distanciamento do
cotidiano e uma aproximação do não cotidiano.
Situação e Local
A escolha da primeira série fundamentou-se no
objetivo de estudar a gênese do uso dos cadernos
escolares. Atualmente, com a tendência de que a
alfabetização seja iniciada na pré-escola, cada vez mais
cedo os cadernos têm sido introduzidos no dia-a-dia das
crianças. No entanto, não era este o caso na escola
escolhida para o desenvolvimento da pesquisa. A maioria
das crianças, vindas das classes populares, encontrava-
Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar?
se, pela primeira vez, diante de materiais especificamente
escolares, destacando-se os cadernos.
A escola era uma conquista recente do bairro. Em
1997, após reivindicações populares, foram instalados
dois contêineres que constituíram a escola em caráter
emergencial. As condições eram precárias e a própria
comunidade se organizava para fazer a limpeza e
providenciar a merenda. As melhoras nas condições
físicas foram gradativas e em 2000 a escola contava
com 6 salas de aula, salas administrativas, pátio coberto
e um campo de futebol improvisado. O prédio definitivo
da escola, construção moderna e espaçosa, foi
disponibilizado em julho de 2000 e para lá foram
transferidas todas as atividades. Dessa forma, a pesquisa
foi iniciada no prédio provisório e finalizada no prédio
definitivo da escola.
A professora da sala de aula era Ana (nome fictício,
assim como todos que foram mencionados). Uma
professora bastante jovem que iniciava o seu segundo
ano de carreira docente. Nunca havia trabalhado com a
primeira série e teve, em 2000, sua primeira experiência
com a alfabetização. Mais de metade dos alunos não
havia cursado pré-escola, tendo sido, portanto, naquele
ano, iniciados na cultura escolar e nas formas propostas
por essa cultura para o uso do caderno.
Uma das estratégias utilizadas para a realização da
pesquisa foi o acompanhamento das aulas pela
pesquisadora, que ia a campo portando um caderno, tal
como fazem os alunos. Nesse caderno buscou anotar
aquilo que ocorria na sala, nos vinte e nove dias de aula
acompanhados ao longo de todo o ano letivo. As
informações recolhidas eram posteriormente acrescidas
das demais informações de que se podia recordar a
pesquisadora. O fato de utilizar um caderno em seu trabalho de campo, deixou de ser um mero detalhe
metodológico, mas passou a ser um facilitador na relação
e na identificação com os alunos, que por vezes ficavam
confusos quanto ao papel exercido pela pesquisadora,
ora associavam-na à professora e, mais freqüentemente,
incluíam-na no grupo de alunos.
Tal proximidade com os alunos, bem como a boa
relação com a professora, facilitaram a ocorrência de
entrevistas com os alunos na própria sala de aula. Essa
possibilidade, não prevista inicialmente, ocasionou
mudanças na condução dos procedimentos
metodológicos. Se, inicialmente, pretendia-se realizar as
entrevistas em grupos e fora da escola, optou-se por
prosseguir realizando-as ao longo das observações em
293
sala de aula. Tais entrevistas pautavam-se sobre os
cadernos e os fatos relacionados a estes materiais
escolares. Ocorriam de modo bastante informal, durante o transcorrer das aulas, fornecendo informações
importantes para o esclarecimento de eventos e para o
levantamento dos significados que os cadernos assumiam
para os alunos ao longo do ano.
A troca de informações com a professora Ana foi
outro recurso bastante útil e que ocorreu com certa
freqüência. As conversas ocorriam sempre na própria
escola, em geral na própria sala de aula e tiveram duração variável, dependendo do tema sobre o qual versava
a conversa, e das possibilidades circunstanciais
existentes. Eram diálogos entrecortados, Ana falava ou
ouvia enquanto dava recomendações ou atendia os
alunos que a procuravam. Apesar das condições adversas, essa forma de obter informações, com alunos e
professora, revelou-se bastante interessante por haver
a possibilidade de conversar sobre situações ocorridas
num tempo muito próximo. Quando o tema referia-se a
algo ocorrido em sala de aula, havia a possibilidade de
que os informantes se remetessem a objetos presentes,
que pudessem mostrar à pesquisadora como a situação
havia ocorrido. Dessa forma, os relatos ganhavam
riqueza de detalhes que não poderia ser obtida em uma
entrevista feita posteriormente.
Após o encerramento do ano letivo e, conseqüentemente, do trabalho de campo, foram recolhidos
alguns cadernos. Posteriormente o conteúdo destes
forneceu elementos que auxiliaram na realização da
análise das informações recolhidas em campo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A presença dos cadernos na sala de aula
Os cadernos escolares são um dos recursos didáticos
mais freqüentemente utilizados nas escolas. De modo
geral, nos anos iniciais de escolarização, servem
especialmente a funções planejadas pelos docentes e
nas séries mais avançadas passam a ter seu uso pelos
alunos mais livre.
Na sala de aula acompanhada, o uso dos cadernos
era constante. Estava previsto na quase totalidade das
atividades. Na maioria das vezes, o uso dava-se para a
realização de cópias de conteúdos apresentados na lousa.
Elizarrarás (1990), que estudou a utilização da lousa em
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
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294
uma série inicial, ressalta que a atividade de cópia da
lousa é um dos importantes aprendizados da primeira
série. Os próprios alunos reconheciam o caderno,
prioritariamente, como um suporte para a realização de
cópias. A frase de um dos alunos, dita à pesquisadora
enquanto esta fazia anotações de campo em seu caderno,
é representativa dessa concepção. “Me aproximo do
grupo de Vivian e Eduardo, fico agachada ao lado
da mesa escrevendo em meu caderno de anotações,
(…) Vivian me pergunta: ‘De onde você está
copiando? Respondo que não estou copiando”.
A desenvoltura dos alunos nas atividades de cópia
variava imensamente. Enquanto alguns realizavam esta
tarefa de modo rápido e preciso, outros alunos
necessitavam de grandes períodos para a realização da
cópia de pequenos conteúdos. A demora, bem como a
diferença de ritmos entre os alunos da sala, para fazer
cópias da lousa, levou Ana a adotar uma estratégia que
facilitou sensivelmente a realização de exercícios: a utilização de folhas mimeografadas. Nas tais ‘folhinhas’
eram apresentados exercícios a serem realizados,
cabendo ao aluno apenas preenchê-los com as respostas.
Ainda neste tipo de tarefa os cadernos assumiam
importante papel, dado que era nestes materiais que,
depois de preenchidas, as folhinhas deveriam ser coladas.
O caderno enquanto instrumento de controle
pedagógico e social
Desde sua origem, os cadernos estiveram associados
ao controle nas instituições educacionais. O
escolanovismo, que enfatizou e defendeu utilização de
cadernos escolares em larga escala, preconizava a padronização do conteúdo destes materiais, a fim de que o
diretor da escola pudesse ter acesso, a partir de qualquer
exemplar, àquilo que era realizado na sala de aula. Na
escola em que se realizou a pesquisa tal controle também
se apresentava, ainda que de forma diversa. Devalle de
Rendo e Perelman de Solarz, (conforme citado por Gvirtz,
1999) referem-se ao caderno da seguinte forma ‘articula
uma rede de relações servindo ao controle mútuo que,
por sua vez, conduz ao autocontrole’ (p.13). Todos se
sentem vistos através do caderno.
O controle, exercido conforme descrito por Foucault
(1987), visa “fabricar” indivíduos potencializando a força
desses, controlando minuciosamente as operações dos
corpos para dominá-los, torná-los úteis e obedientes. ‘O
exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue
pelo jogo do olhar; um aparelho onde as técnicas que per-
Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza
mitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca,
os meios de coerção tornem visíveis aqueles sobre quem
se aplicam’ (Foucault, 1987, p. 143) Os cadernos prestam-se bem a serem esses instrumentos de vigilância.
Controle e avaliação dos alunos pelos
professores
Controlar e obter informações sobre o aluno são
instâncias que muitas vezes se confundem e se sobrepõe
na prática do professor. Àquele que observa, vigia e
controla é dada a possibilidade de constituir um saber
sobre aquele que é controlado (Foucault, 1987). Dessa
forma o caderno, que serve como registro de boa parte
das atividades desenvolvidas em sala de aula pelos alunos,
cumpre fortemente a função de proporcionar o controle
e o conhecimento, por parte do professor, daquilo que o
aluno faz. Pelas páginas desse material escolar é possível
identificar o que foi e o que não foi realizado, de que
forma foi feito, quais foram os erros e os acertos. Até
mesmo as correções e o uso da borracha deixam marcas
que podem ser identificadas.
Ainda que outros materiais prestassem-se à
avaliação, na classe pesquisada, eram os cadernos que
no dia-a-dia eram vistos e utilizados para o
acompanhamento tanto dos pontuais avanços e
retrocessos, referentes a pequenas mudanças de
desempenho, quanto das mais significativas aquisições
de conhecimento. Também era a partir dos cadernos
que a professora formava uma idéia de qual seria o
desempenho esperado para cada criança. Qualquer
atividade que se diferenciasse significativamente disso
era vista com suspeição, como não sendo produção do
próprio aluno. “Isabel foi até a frente da sala mostrar
a Ana o que havia feito. Após olhar o caderno, Ana
diz: ‘Você copiou de alguém, você não sabe
escrever... Copiou de alguém que ainda nem sabe
direito... Eu sei como cada um aqui escreve”.
O caderno é fonte de informações que possibilita ao
professor formular não somente hipóteses relativas à
aprendizagem, mas também relativas à personalidade
do aluno, e ao modo como estes se relacionam com o
saber e com a escola. A não realização de uma atividade
freqüentemente levava a professora a atribuir razões e
justificativas intrínsecas aos alunos, tais como: falta de
interesse ou motivação, não gostar da escola, ser
preguiçoso.
Pergunto a Ana sobre Severino. Ela diz não saber o
que acontece com ele: ‘Não faz, não gosta de estar
Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar?
aqui, não queria estar aqui’. Sempre que Ana olha, o
seu caderno está em branco.
O controle hierarquizado
Ainda que os cadernos pertençam aos alunos e
sejam, primordialmente, preenchidos por eles, não
somente o trabalho discente é controlado por meio destes materiais. O caderno também é espaço de registro
daquilo que é ensinado e da interação entre professores
e alunos. Na escola onde foi realizada a pesquisa, o trabalho dos professores era controlado, pela coordenação
pedagógica, por meio de dois tipos de cadernos: os dos
aluno e os dos próprios professores.
O conteúdo dos cadernos dos alunos dava
informações à coordenadora que estabelecia hipóteses
sobre se os alunos estavam compreendendo aquilo que
o professor ensinava; a aparência informava sobre o
quanto o professor valorizava o cuidado destes materiais.
Os seja, o caderno dos alunos era associado à
possibilidade de acesso ao trabalho do professor, bem
como aos efeitos deste sobre o desempenho dos alunos.
Todos os professores da escola deveriam ter seus
próprios cadernos, nos quais deveriam ser registradas
todas as atividades desenvolvidas em sala de aula. Tais
materiais eram verificados e avaliados pela coordenação,
tal qual fazem os professores com os seus alunos. A
coordenadora relatava utilizá-los para constatar a
realização do planejamento de aulas. Além disso, o
caderno de Ana, revelava a valorização da organização
e da estética, representada pelo mesmo modelo de
comunicação tão comumente utilizado pelos professores
nos cadernos de seus alunos: os “bilhetes”. Também a
professora recebia bilhetes de sua coordenadora. Tais
comunicações ora elogiosas, ora indicadoras de falhas
avaliavam e/ou comentavam sobre seu caderno.
O controle mútuo entre pais e professor
Os cadernos atuam fortemente na relação entre a
escola e os pais de alunos. São materiais que transitam
diariamente entre a escola e a casa dos alunos, levando e
trazendo informações. E, em especial no caso de escolas
que mantém restritas possibilidades de acesso e
comunicação entre pais e professores, são os cadernos
que possibilitam às famílias o acompanhamento das
atividades desenvolvidas no dia-a-dia da sala de aula.
Durante o acompanhamento da classe foi possível identificar aspectos observados pelos pais nos cadernos de seus
filhos. Em geral, era com o intuito de reclamar e de
295
mostrar insatisfação que os pais comunicavam aquilo que
viam. As observações dos pais referiam-se basicamente
ao conteúdo e quantidade de registros e aos procedimentos adotados pela professora. Por exemplo, o pai de
Severino reclamava que no caderno de seu filho havia
“coisas que nem letras são”. A mãe de Rebeca se
queixava que havia pouco conteúdo, apenas encontrava
datas no caderno de sua filha. Alguns pais pediam à professora, que usava letras de forma para alfabetizar, que
utilizasse também letras manuscritas, outros solicitavam
correção diária das atividades.
Ana não considerava justas as considerações feitas
pelos pais dos alunos em relação ao seu trabalho, sentiase cobrada ora por não trabalhar o suficiente, ora por
não ser competente. Alegava que muitas das atividades
desenvolvidas em sala de aula não implicavam na utilização de cadernos e, portanto, não resultavam em
nenhum tipo de registro. Quanto às correções diárias
dos cadernos, a professora considerava não haver tempo
para isso.
Ainda que Ana não concordasse com aquilo que os
pais alegavam, mudou seus procedimentos. Declarou,
ao meio do ano: “às vezes eu mudo tudo o que estou
fazendo para dar conta do que o pai está pedindo.”
Passou a indicar, nas tarefas dos alunos, aquilo que estava
certo e o que estava errado; adotou o uso de
comunicações escritas – chamadas de bilhetes – para
indicar quando uma atividade não havia sido realizada
ou não havia sido concluída; passou a fazer avaliações
gerais dos conteúdos dos cadernos como um todo. Ou
seja, o controle do trabalho pedagógico exercido pelos
pais, por meio dos cadernos, exercia efeitos sobre o modo
como transcorriam as atividades didáticas, sobre os
procedimentos da professora, bem como sobre a relação
desta com seus alunos. As motivações para que tais
alterações fossem adotadas escaparam ao registro dos
cadernos, no entanto seus efeitos puderam ser
identificados.
Também procedimentos dos pais em relação à
escolarização de seus filhos podem ser mediados pelos
cadernos, deixando em algumas situações registros que
podem ser encontrados nesses materiais. Os cadernos
dão indícios sobre como os pais acompanham a
escolarização dos seus filhos e permitem, ao professor,
formular hipóteses a respeito. Assim, bilhetes que
retornavam sem a assinatura dos pais sugeriam à professora que os cadernos não costumavam ser vistos.
Enquanto que o fato de alguns pais irem até à escola
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
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comentar sobre a aparência ou o conteúdo do caderno,
foi considerado como mostra de que estavam
interessados na aprendizagem de seus filhos.
Assim, os cadernos, conforme são preenchidos, transformam-se em instrumentos que servem ao controle em
várias instâncias. Alunos, pais e professores são
controlados a partir daquilo que fica registrado, e os
registros medeiam as relações entre eles.
A troca de bilhetes entre professora e pais nos
cadernos escolares
Bilhete era o nome dado, na sala de aula onde se
realizou o estudo, às comunicações feitas por escrito pela
professora no caderno do aluno. Identifica-se que, não
apenas na sala de aula de Ana, mas nas escolas de modo
geral é bastante comum a prática de escrever bilhetes.
É ao longo da escolarização que o fato de a professora escrever algo no caderno de um aluno adquire
significado. Inicialmente, pode-se supor que a tal evento
poderia ser atribuída uma multiplicidade de significados.
Ao acompanhar uma sala de primeira série, na qual os
alunos se iniciavam na experiência de receber bilhetes,
foi possível conhecer sobre como se formam essas
significações.
Ao realizar entrevistas informais com os alunos foram
unânimes as declarações que caracterizavam os bilhetes
como algo negativo e indesejável. “Nunca levei, nem
vou levar bilhete” foi o que declarou, com orgulho,
Vanderlei no início do segundo semestre. O orgulho não
o impediu de ter, algum tempo depois, um bilhete
registrado nas páginas de seu caderno, tal como a
maioria dos demais alunos da sala de aula.
Observar qual é o conteúdo dos bilhetes, auxilia na
compreensão de como estas vias de comunicação
adquirem uma significação tão negativa. A quase totalidade dos bilhetes referia-se a comunicações sobre o
não cumprimento das tarefas escolares e/ou atos
considerados de indisciplina.
Quase todos os bilhetes endereçavam-se aos pais
ou mais especificamente às mães. Fato denotado pelos
vocativos comumente utilizados, como no exemplo a
seguir, no qual Ana expressa. “Senhores pais, o
Severino não está fazendo as lições nem de classe e
nem as de casa. Passa o tempo brincando e não se
esforça para fazer as lições, isso prejudica o
aprendizado dele”.
Mesmo os bilhetes que não se dirigiam aos pais de
modo tão explícito, acabavam por direcionar-se a eles
Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza
pela sua forma. Tais comunicações apresentavam-se
sempre escritas em letra manuscrita, sendo que os alunos
dessa primeira série eram alfabetizados com letra de
forma. Apenas no mês de setembro as letras manuscritas
começaram a ser introduzidas, ainda assim apenas para
os alunos que estavam mais adiantados no processo de
letramento. Ou seja, os bilhetes, que se referiam aos
alunos e que eram registrados nas páginas de seus
cadernos, eram para eles completamente inacessíveis.
Esse fato chegou a ser apontado pela pesquisadora
para Ana, que nunca havia atentado para o fato de que
seus alunos desconheciam o conteúdo daquilo que ela
escrevia em seus cadernos, nem para o fato de que tais
comunicações referiam-se predominantemente a aspectos
negativos a respeito dos alunos. Foi interessante a
repercussão desta percepção, ocorrida quando o ano letivo
já estava bem próximo do final. Houve um ditado no qual
os alunos tiveram um desempenho um pouco melhor que
o esperado pela professora. Ana aproveitou esta situação
para escrever, em letra de forma, comentários sobre aquilo
que os alunos haviam feito no ditado. Nesse caso, predominaram os comentários positivos e houve um forte
incentivo para que eles lessem o que havia sido escrito.
Desse modo, observa-se o seguinte comentário “Muito
bem continue se esforçando Ana” (Bilhete escrito no
caderno de Severino).
Foi possível identificar que os alunos reconheceram
a mudança no caráter das comunicações escritas. Dessa vez, sentiram-se felizes e orgulhosos. Faziam questão
de mostrar e ler os conteúdos de seus bilhetes. Como o
ano letivo estava próximo do final, não foi possível
verificar as repercussões desta mudança de
procedimento na construção de significados que os
alunos atribuem aos bilhetes. No entanto pôde-se
identificar a possibilidade de que comunicações escritas
feitas nos cadernos dos alunos pelo professor possam
adquirir significações positivas e de que possam servir,
efetivamente, como via de comunicação não somente
com suas famílias, mas também com os alunos.
Naquilo que se refere à relação entre a escola e as
famílias de seus alunos, identifica-se que os bilhetes
podem ser eficientes aliados, dado que possibilitam a
troca de informações de modo rápido e prático.
No entanto, conforme apontado anteriormente, verificou-se a predominância de conteúdos negativos. Fatos positivos, tais como a melhora de desempenho
acadêmico, a realização com sucesso de alguma
atividade escolar ou uma atitude considerada positiva
Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar?
não eram registradas nos cadernos. A predominância
das reclamações em relação à disciplina e à execução
das lições, nas comunicações direcionadas aos pais,
denota a concepção, vigente no meio escolar, de que os
pais são co-responsáveis pelas atitudes de seus filhos
em relação à escolarização. Na maioria dos bilhetes,
essa concepção ficou subentendida; em outros foi
declarada de modo explícito. “Mãe, o Cassiano não
fez a lição de casa isso é muito importante para ele
e também é responsabilidade dos pais cuidada (sic)
para que o aluno vá bem na escola”.
Nesse caso, a situação desencadeadora do bilhete
foi o não cumprimento da lição de casa. Mas não era
somente neste caso que tal recurso de comunicação era
utilizado. Também em relação a atividades estritamente
escolares era possível encontrar chamados, por meio
de bilhetes, para que os pais se posicionassem ou
tomassem providências. “Mãe, a Sueli não está
fazendo suas lições, seu caderno está uma bagunça.
Não fez a lição de casa e fica brincando na hora
que deveria fazer lição. Ana”.
Esse bilhete foi respondido, de forma bastante
interessante pela mãe de Sueli. “Shra Professora. Eu
não sei que lição é essa do filme que ela assistiu, eu
não assisti. Se ela não sabe eu é que não sei. Ela vai
apanhar aqui hoje por isso, é a shra. pode ficar
brava com ela pega no pé dela não dá moleza não.
Obrigada, Silvia”.
Este par de bilhetes, o comunicado de não
cumprimento de tarefas escolares e a resposta da mãe,
mostram alguns aspectos importantes e recorrentes desta forma de comunicação. Um deles é a priorização da
comunicação à família de aspectos negativos relativos
à escolarização. Outro aspecto importante é o fato de a
escola chamar os pais à responsabilidade por fatos e
comportamentos relacionados estritamente à escola. A
resposta de Silvia mostra, inicialmente, o empenho que
ela teve em averiguar quais eram as atividades a que se
referiu a professora. Ao dizer que a filha iria apanhar,
fica evidente o fato de que os bilhetes costumam ter
conseqüências, tais como castigos e reprimendas. Mas
o mais interessante desta resposta está na indicação que
Silvia dá à professora a respeito da inadequação daquilo
que lhe é solicitado, ela mostra sua impotência para
auxiliar a filha em algo que havia sido tratado em um
espaço – o escolar – que não lhe era acessível. Diante
da impossibilidade de ajudar a filha na tarefa não
realizada, restava-lhe punir a menina e solicitar à pro-
297
fessora que assumisse a responsabilidades sobre aquilo
que dizia respeito ao âmbito escolar.
Os bastidores dos cadernos – aquilo que não é
passível de registro
Conforme apontado anteriormente, os cadernos são
materiais que se tornam, ao longo da trajetória escolar,
registro de aprendizados, retrocessos, tentativas, erros
e acertos. Nóvoa (1993) e Gvirtz (1999) apontam a
importância dos cadernos para a realização de pesquisas
de caráter histórico, sobre tempos passados, pois neste
caso são limitadas as possibilidades de se ter acesso
àquilo que efetivamente ocorreu. Julia (2001) defende
que as produções escolares são fundamentais para que
se tenha acesso à cultura escolar e atribui aos cadernos
dos alunos o importante papel de reconstituir as práticas
escolares que a eles deram origem. Hébrard (2001)
descreve os conteúdos dos cadernos como “prova
irrefutável do trabalho realizado”. Ou seja, os cadernos
escolares são considerados pelos pesquisadores como
importantes fontes de informação sobre o contexto de
ensino. Também professores e psicólogos clínicos que
trabalham com queixas escolares utilizam os cadernos
como instrumento psicodiagnóstico, ou seja, como forma
de ter acesso àquilo que se passa com o aluno, com seu
desenvolvimento e aprendizagem escolares. Estas utilizações dos cadernos conduzem a importante
questionamento: afinal, o que registram e o que não
registram os cadernos?
A pesquisa, por ora apresentada, não se propõe a
responder tão complexa pergunta. Porém, é possível apresentar algumas informações que tragam algumas luzes para
tal questão, em especial no que se refere aos cadernos das
séries iniciais. Uma situação protagonizada por Mateus,
um dos alunos da sala de aula estudada, pode ser útil nesta
empreitada. Mateus era um aluno que não primava por
cumprir as tarefas propostas, era mal-visto pela professora
e considerado pelos colegas como um mau aluno. Em uma
das últimas aulas do primeiro semestre, a professora Ana,
como de costume, colocou na lousa o cabeçalho e a frase
do dia, da seguinte forma. “Hortolândia, 03 de julho de
2000. Segunda-feira. Sou muito caprichoso e atencioso com meu caderno e minhas lições”. Em seguida
escreveu as letras do alfabeto, uma abaixo da outra formando duas colunas, com um “DE” à frente de cada uma
das letras. Depois de terminada esta etapa, ela começou a
conversar com a sala de aula, solicitando nomes de animais
que começassem com cada uma das letras. Os animais
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 291-302
298
sugeridos pelos alunos eram anotados na lousa à frente da
respectiva letra inicial. Para exemplificar, segue o resultado
da atividade para as primeiras letras do alfabeto.
A DE ABELHA, ÁGUIA, AVESTRUZ, ARARA,
ARANHA
B DE BEIJA-FLOR, BALEIA, BURRO, BOTO,
BÚFALO
C DE CABRA, CAVALO, CACHORRO,
CABRITO, COBRA
D DE DRAGÃO, DINOSSAURO,
DROMEDÁRIO
E DE ELEFANTE, ÉGUA, EMA, ESCORPIÃO
Ao final dessa etapa da atividade a lousa estava repleta,
para cada letra havia cerca de cinco nomes de animais.
Ana solicitou que os alunos copiassem. Até essa altura
do ano, não era habitual a cópia de conteúdos tão longos.
Mateus iniciou a cópia pelo cabeçalho, depois a frase do
dia e, finalmente, a atividade propriamente dita.
Ele começa copiando, em coluna, as letras do alfabeto, assim como havia feito inicialmente a professora,
e depois, ainda em colunas, os Ds à frente de cada letra,
posteriormente os Es e, em seguida, as primeiras letras
dos nomes dos animais. Ou seja, Mateus prosseguiu
copiando o conteúdo da lousa em colunas. Inicialmente,
fez o trabalho a que se propôs sem grandes problemas e
copiando corretamente o conteúdo de cada coluna, porém sem levar em consideração as linhas. Assim, a
coluna de Es terminava uma linha abaixo das anteriores,
enquanto a coluna com as primeiras letras dos animais
começava uma linha antes e terminava duas acima.
Porém, à medida que Mateus prosseguia na atividade,
essa se tornava crescentemente difícil. Afinal, se a princípio era fácil encontrar colunas para copiar, a partir da
terceira ou quarta letra dos nomes de animais era quase
impossível estabelecer colunas no conteúdo escrito em
linhas na lousa, conforme as convenções da escrita
ocidental. Ainda assim, era possível encontrar na lousa
“colunas” correspondentes às colunas escritas por
Mateus em seu caderno. Contudo, a tarefa a que se
propôs Mateus ficava a cada coluna mais difícil, até que
ficou impossível de ser realizada. Por fim, diante da dificuldade de encontrar uma forma de copiar, Mateus
desistiu da tarefa. O registro em seu caderno,
incompreensível e repleto de borrões, consistia numa
série de letras espalhadas a partir das quais sequer era
possível deduzir uma palavra.
Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza
A lógica utilizada por Mateus, que de modo algum
pode ser considerada absurda, dificilmente poderia ser
abstraída observando-se o registro elaborado por ele.
Facilmente é possível supor que o aluno tenha feito a
atividade com desleixo, descuido e desinteresse. No
entanto, foi com muito esforço que ele fez a mal-sucedida
tentativa de copiar o que havia sido solicitado.
Assim como há trabalhos elaborados com empenho
e dedicação que ficam registrados sob a forma de
atividades incompletas ou incorretas, há cópias feitas
sem interesse, ou de modo mecânico, que não implicam
em conhecimento sobre o conteúdo copiado, que se
revelam nos cadernos como registros feitos com
correção e perfeição estética.
Quanto à utilização dos cadernos para pesquisas em
relação ao currículo e aos conteúdos didáticos abordados
em diferentes épocas e em diversas instituições de
ensino, é relevante questionar: até que ponto seria
possível considerá-los como um registro confiável deste
tipo de informação? É possível trazer alguns elementos
para que se possa refletir sobre tal questão. Algumas
situações ocorridas a partir do final do mês de novembro,
na sala de Ana, podem ser úteis para isso.
Nesse mês, houve uma seqüência de aulas nas quais
a professora dedicou-se ao ensino da tabuada. Preenchia
a lousa com desenhos que simbolizavam as operações
matemáticas e propunha algumas contas para que
exercitassem os novos saberes. Aos alunos cabia copiar
e resolver. No entanto, o nível de exigência aplicado a
cada uma destas atividades era bastante diferenciado.
Enquanto a cópia era severamente exigida, a não
resolução das operações era relevada. “João acabou
de copiar as contas. Faltam agora as multiplicações.
(...) João leva o caderno para que Ana veja, e ela
diz: ‘Isso, lá do outro lado, na outra folha’, dando
indicações para que ele prossiga a cópia. Verifico
que João não resolveu nenhuma das contas, e a
indicação de Ana foi para que ele copiasse as
multiplicações. Apesar de não haver resolvido
nenhuma das contas, não parece que ele ache que
isso seja necessário, pergunto a ele sobre as contas
e ele responde: ‘Tá certo, a professora falou que tá
certo”. Continuo perguntando se já está tudo pronto,
ele diz que sim. Verifico que João traçou quadros em
volta das contas, sem deixar, sequer, espaços para a
resolução.
As razões pelas quais Ana se preocupava em garantir
que tais conteúdos fossem registrados relacionavam-se
Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar?
mais diretamente com a existência de um programa previsto para a 1a série, por cujo cumprimento ela seria
cobrada. A questão de como o caderno presta-se a
funções de controle foi anteriormente abordada e
encontra nesta situação mais um exemplo. Dessa forma,
a exigência da professora para que as operações
matemáticas constassem nos cadernos dizia menos
respeito à aprendizagem dos alunos que às exigências,
hierarquicamente superiores, de que tais conteúdos
fossem ministrados.
Assim como há conteúdos registrados que foram
abordados de modo precário, há aqueles que foram
bastante presentes, mas que são parcamente
representados nos cadernos. Apenas uma parcela das
atividades e das informações que circulam na sala de
aula é passível de registro. Além disso, muitas das
estratégias pedagógicas utilizadas não incluem a utilização e o registro nos cadernos.
Sem dúvida os cadernos, por meio das informações
neles contidas, possibilitam o acompanhamento
histórico sobre o aprendiz, o professor e sobre as
relações que se dão no contexto escolar. No entanto,
os eventos apresentados exemplificam a existência
de aspectos do contexto escolar que fogem à
capacidade de registro do caderno: são os bastidores
dos cadernos. Ou seja, as situações e informações
que estão por trás do preenchimento dos cadernos,
exercendo forte influência naquilo que fica registrado,
mas que não são passíveis de deixar marcas nesses
materiais escolares. Aquilo que escapa ao registro
dos cadernos não pode ser considerado como detalhe de menor importância ou como informação
acessória que apenas serviria para complementar
aquilo que o caderno prova materialmente. São
informações que podem ser decisivas para que,
efetivamente, se obtenha conhecimento a partir das
páginas desses materiais de registro.
Severino: um aluno e seu caderno
Conforme foi apontado, os cadernos intermedeiam
uma série de processos e relações escolares. Para
ilustrar como este objeto se insere no cotidiano escolar
de uma sala de aula e, especialmente, nas experiências
de um aluno de primeira série do ensino fundamental,
elege-se um aluno da sala de aula estudada: Severino.
299
Esse é um aluno que encontrou dificuldades extremas
no início de sua escolarização e, em especial, para a
aprendizagem da utilização de seu caderno. Conhecer
um caso em que o processo ganhou tons mais fortes
pode auxiliar na compreensão dos percalços que podem
ocorrer com outros alunos.
Severino era um aluno que chamava a atenção no
início do ano. Passava quase toda a aula chorando,
sofrimento que não era aplacado pelo constante consolo
dos colegas, professores e funcionários da escola.
Mesmo chorando, Severino cumpria as atividades
solicitadas, que àquela altura do ano consistiam
basicamente em jogos e desenhos. Aos poucos, Severino
deixou de ser o aluno que mais chamava a atenção para
ser um dos mais discretos da sala. Sua fisionomia revelava
seriedade, e sua postura, sobriedade. Raramente
conversava com os colegas, ou envolvia-se em
brincadeiras. Passava a maior parte do tempo só. Em
sala de aula estava sempre sentado à sua mesa, tendo à
frente os materiais escolares envolvidos nas tarefas
propostas. Raramente adotava o procedimento, bastante
comum nessa classe, de mostrar à professora o resultado
de cada atividade cumprida. No recreio, fazia as
refeições, andava pelo pátio e, muito raramente, brincava
com os colegas. Falava pouco, sua voz era rouca e grave.
Em geral, Severino respondia de forma breve quando
alguém lhe dirigia a palavra.
Seu desempenho acadêmico foi bastante fraco; ao
final do ano, foi classificado pela professora em relação
à aquisição de conhecimentos de leitura e escrita como
“silábico”3. Em relação à aquisição de conteúdos de
matemática a situação não foi melhor. No final do ano,
Severino ainda não conhecia a representação gráfica
dos números de 1 a 10.
Contudo, não é possível compreender o início da
escolarização de Severino sem dedicar especial atenção
aos seus cadernos e ao seu trabalho com esses materiais.
Ao longo do ano, Severino utilizou vários cadernos.
Apesar do esforço realizado ao longo da pesquisa para
acompanhar os destinos dados a esses materiais, nem
sempre foi possível obter informações sobre os fins dados aos cadernos. O primeiro foi utilizado por mais tempo, tendo durado desde o início do ano, até meados de
junho, quando um novo caderno passou a ser utilizado,
apesar de o anterior não ter sido preenchido em sua
3
Tendo em vista que a abordagem utilizada na escola pesquisada centrava-se no construtivismo com base nos trabalhos de Emília Ferreiro, o
processo de alfabetização recebia o nome das principais fases de aquisição da leitura e da escrita, a saber, présilábica, silábica, silabicaalfabética
e alfabética. No caso de Severino, ele encontrava-se no segundo momento do processo, a fase “silábica”.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 291-302
300
totalidade. A busca por informações sobre o destino do
primeiro caderno revelou que Severino o havia queimado,
após sua irmã menor o ter riscado e rasgado. Quanto
aos demais cadernos: um deles foi perdido, outro a
professora guardou após ter sido iniciado, o último foi
cedido temporariamente à pesquisadora. Sobre outros
cadernos utilizados no decorrer do ano não foram obtidas
informações. No entanto, nenhum deles foi utilizado em
sua totalidade.
Essas informações poderiam sugerir uma atitude de
descaso em relação aos materiais escolares. No entanto,
uma situação ocorrida logo após as férias de julho pôde
ilustrar a preocupação de Severino com seu caderno. A
pesquisadora solicitou a quatro alunos que lhe
emprestassem seus cadernos por apenas um dia. Todos
entregaram os cadernos logo que a aula acabou, exceto
Severino. Ele disse que só emprestaria com a permissão
de sua mãe. Dado que ela não foi buscar o filho à escola,
foi necessária a ida da pesquisadora à residência do aluno
para que o caderno lhe fosse cedido.
Nos cadernos de Severino, não foi possível encontrar
dias em que as lições foram feitas de modo completo e
correto. Ao longo do ano, foi possível identificar
mudanças importantes no conteúdo registrado nos
cadernos desse aluno. Nas primeiras semanas, o caderno
de Severino mostrava apenas tentativas, mal sucedidas,
de cópia do cabeçalho. Ainda não familiarizado com o
formato de letras e números, ele tentava reproduzir as
formas colocadas na lousa. Ao longo do ano, Severino
passou a conseguir obter mais sucesso nessa atividade
diária, chegando a conseguir, em alguns dias, concluir a
cópia da data e da frase, passando a dedicar-se às demais
atividades propostas. Porém, com o passar do tempo,
um número maior de alunos passou a dominar a atividade
de copiar da lousa, o que possibilitou a Ana solicitar mais
esse tipo de tarefa dos alunos. Ao ter uma grande
quantidade de conteúdos a copiar, Severino acabava por
dedicar-se durante todo o tempo de aula a essa tarefa,
que na maioria das vezes tinha sua execução privilegiada
pela professora. O resultado era que ele não realizava
nenhuma atividade mais direcionada à aprendizagem de
leitura e escrita ou de matemática.
Uma das manhãs de Severino em sala de aula pode
auxiliar na compreensão do modo como foram realizados
os trabalhos desse aluno no decorrer do ano. “Chego
às 7h40. Os alunos estão copiando da lousa a data
e a frase do dia. (...) Na lousa, a data com um erro:
29, em vez de 30 de maio. A frase do dia é ‘EU SOU
Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza
CAPAZ DE SER MELHOR DO QUE JÁ SOU.’
Observo o trabalho de Severino, que inicia a cópia
em uma folha em branco do caderno. Copia inicialmente
o 2000 no canto superior direito da folha. (...) Prossegue escrevendo da direita para a esquerda, caderno
bastante inclinado, quase invertido. Fez várias letras,
apaga. Vira o caderno pra lá e pra cá, enquanto copia
da lousa. (...) Apaga novamente, me aproximo, e verifico que o que resta escrito no caderno é “MAO 2000.”
Fica muito sério quando tento conversar com ele.
Continua virando muito o caderno. Faz, apaga. Parece
um trabalho exaustivo. Lucas copia. Renato terminou.
Ana percebe a data errada na lousa. Apaga, coloca o
dia certo e pede: ‘Corrige todo mundo... É só apagar
o numerozinho’. Severino ainda não chegou ao número,
prossegue copiando. Ora apaga aqui, ora apaga ali. Não
apaga somente coisas que acabou de fazer, mas também
algumas do começo. Fica em pé ao lado da carteira e
continua copiando. Acredito que desse modo ele consiga
ver melhor o que está escrito na lousa. Apaga uma letrinha
e continua. Severino senta-se. (...) Continua copiando.
Parece estar terminando a primeira linha. Vejo um H.
Apaga tudo do H ao 2000. 8h10 Recomeça a copiar da
esquerda para a direita. Está de pé e vai fazendo.
Ana fala sobre coisas que os alunos devem trazer
para a festa junina: prendas e alimentos. Ao que for
trazido será atribuída uma pontuação. A classe que
obtiver mais pontos ganhará um passeio. (...) Severino
continua copiando sentado, não se manifesta, ao contrário
da maioria dos alunos que faz comentários, diz o que vai
trazer, comenta sobre o passeio. Ele vira o caderno,
parece estar desenhando. Levanta o caderno e observa
mais de perto, apaga uma letra, sopra, termina a palavra
HORTOLÂNDIA. A conversa com a sala continua.
(...) Ninguém, exceto Severino, está copiando. (...)
Ana passa a ler com os alunos a data. Primeiro os alunos vão nomeando as letras, e depois Ana pergunta como
ficam algumas letras juntas: “E o L e o A? LA. Quando
junta o N o que dá?” Severino continua apagando a primeira linha. Parece muito exigente e/ou crítico com o próprio trabalho. Quase todos ajudam Ana a ler, todos olham.
Severino não, apaga de novo algo e continua copiando.
Olha de perto, vira o caderno prá lá e prá cá. Olha para a
lousa. Olha para o caderno, apaga. Ana continua lendo a
frase. (...) Severino apaga algo na primeira linha. Ana
conversa com a classe, ‘Quem explica esta frase?’
Quando são 8h30. Passa para a próxima linha,
escreve o T. Me aproximo e vejo qual foi o resultado da
Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar?
primeira linha: HOTROLNDIA MAI DE 2000. Pergunto: ‘Posso ver?’ Ele deixa ver. Pergunto: ‘Por que
você apagou o que tinha feito?’ Severino responde
baixinho, quase sem me olhar, sério: ‘Por que não deu
certo.’ Pergunto: ‘Agora deu certo?’ Faz que sim com
a cabeça. (...) A segunda linha prossegue bem mais
rápido o resultado é TE FEAR. (...)
Um aluno distribui uma folhinha com um texto e duas
figuras para pintar. Severino passa para a frase, copia
corretamente a primeira palavra, EU. Olha para trás,
vê que Toni pinta, volta para seu caderno. Fica longo
tempo ‘desenhando’ o S, que fica parecendo um Z
invertido, faz o O e o U rápido. Minha sensação,
acompanhando o trabalho de Severino, é de que ainda
falta uma quantidade imensa para ele terminar. (...)
Severino volta ao caderno que vira pra cá, vira pra lá,
copiando. Renato pinta a folhinha. Horácio também. (...)
Vejo a cópia de Severino EU SOU CAPZ DE. O
resultado é sensivelmente melhor e a velocidade maior. (...)
Ana vai ler o ‘textinho’ com os alunos. Começa letra a letra. Severino não acompanha a leitura, continua
copiando. (...) Ana decide passar o texto na lousa. ‘Vou
passar a musiquinha na lousa.’ (...) Passa na lousa o
texto, e Luís lê para a classe. Severino continua copiando:
DE ERS MH, a linha de seu caderno acaba. Ele
prossegue escrevendo, dentro do espaço da espiral.
Apaga parte daquilo que havia copiado no começo (que
estava correto!) (...) Apagou uma parte que estava
correta e prossegue copiando. Não consigo ver
claramente o que ele está fazendo, mas parece-me que
faz errado. Apaga toda essa linha.
Ana diz para classe: ‘Nós vamos colar esta lição
no caderno... Embaixo da data.’ Severino faz
novamente EU, e começa a pintar a lição. Aproximome da carteira dele e pergunto o que está fazendo, ele
diz: ‘Pintando?’ Pergunto se terminou de copiar, e ele
diz: ‘Depois eu termino.’ Pergunto: ‘Falta muito?’E
ele faz que sim com a cabeça e indica na lousa: ‘Aquela
última linha.’ 9h10.
Essa cena, que resume uma hora e meia de trabalho,
é representativa do empenho usualmente empregado por
Severino para cumprir as tarefas que lhe eram propostas.
No entanto, algumas questões surgem, e ficam ainda
sem resposta após essa observação. Por que ele
apagava tanto? Por que usava os procedimentos
descritos? Por que não parecia ficar satisfeito com o
resultado, ainda quando este não parecia ruim à pesquisadora? Foi necessário o acompanhamento de outro de
301
seus dias em sala de aula para que se pudesse responder
a essas perguntas. Novamente repetiu-se esse incansável
e sofrido trabalho de cópia de algo colocado na lousa.
Houve, então, esforço por parte da pesquisadora para
conversar com Severino, buscando compreender as suas
razões para realizar a atividade desse modo.
Pergunto: “’O que foi?’ E ele responde: ‘Eu não
consigo’, procuro compreender: ‘O que você não
consegue?’ Ele não responde. Insisto: ‘Copiar?’ E aí
Severino conta o que eu acredito estar sendo sua principal
dificuldade: ‘A linha de lá [da lousa] é grande e essa
[a do caderno] é pequena”.
Essa declaração de Severino esclarece que o aluno
procurava com esforço e dedicação reproduzir aquilo
que estava na lousa tal e qual como era apresentado.
Assim, quando uma frase estava colocada na lousa, em
uma única linha, ele procurava fazê-la também em uma
linha de seu caderno, tarefa que se revelava difícil na
maioria das vezes, especialmente pelo fato de seu
caderno ser pequeno e de sua letra ser grande. Foram
diversas as estratégias utilizadas por Severino para
alcançar o ideal de fazer exatamente como estava na
lousa. De modo algum, tal objetivo pode ser considerado
sem razão. Inúmeras vezes, ao longo das observações,
foi possível ouvir recomendações da professora a toda
a sala para que fizessem igual ao que estava na lousa.
Severino, que não conseguia ainda diferenciar em que
momentos era fundamental fazer igual e em quais era
possível fazer adaptações, apenas buscava cumprir o
que lhe era freqüentemente solicitado. Imerso em tais
preocupações, o aluno deixava de voltar sua atenção
para os conteúdos realmente fundamentais desta etapa
da escolarização. Enquanto ele se empenhava em fazer
a data caber em uma linha, estava à margem de
atividades relativas à aprendizagem de leitura e escrita
que transcorriam na sala.
Certamente, as dificuldades de Severino para trabalhar com o caderno agravaram-se pelo fato de interagir
pouco com a professora. Ele, muito tímido e reservado,
raramente falava com quem quer que fosse. Ana, por
sua vez, considerava que as dificuldades de Severino deviam-se à falta de interesse e preguiça. Houve sensíveis
avanços no desempenho do aluno, nos raros momentos
em que a professora acompanhou mais de perto seu trabalho, auxiliando-o com as recomendações necessárias.
Ana reconheceu, próximo ao fim do ano, que o uso do
caderno prejudicou muito as possibilidades de Severino
aprender os demais conteúdos da 1a série. Chegou a afir-
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Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza
mar que considerava que se ele pudesse recomeçar a
escolarização após ter aprendido a trabalhar com o
caderno, certamente teria um desempenho bem melhor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os cadernos, mais do que meros objetos acessórios
das atividades desenvolvidas em sala de aula, são
materiais cuja utilização organiza e imprime
características à dinâmica escolar. Possibilitam o
acompanhamento e o controle do desenvolvimento e da
aprendizagem de um aluno; o registro de informações
quanto aos conteúdos ensinados; a comunicação entre
pais e escola; bem como entre professor e aluno. Sendo,
tão presentes e importantes, faz-se necessário que sejam
utilizadas e planejadas estratégias para que possam ser
utilizados em toda a sua potencialidade.
São importantes instrumentos de registro que podem
revelar sobre o aluno, a escola e as relações que se dão
em torno da escolarização. Mas, cujas informações
podem conduzir à formulação de hipóteses errôneas
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não publicado.
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o espaço gráfico do caderno escolar (França – séculos
sobre aqueles que participam de sua materialização
enquanto registros, especialmente quando compreendidas
apartadas do contexto em que são produzidas.
Compreender este contexto foi uma tarefa que pôde
ser realizada por meio da pesquisa etnográfica, de
convivência no cotidiano escolar, de documentar o não
documentado.
Os cadernos escolares, vistos apenas na perspectiva
da materialidade do registro, revelam elementos
fundamentais da sala de aula e do processo de aprendizagem, mas não conseguem revelar os bastidores dessa
produção, isto é, os inúmeros processos que compõem
sua materialidade, verdadeiros desafios à escolarização
plena. Quando os cadernos escolares são desvinculados
dos processos perceptivo, cognitivo e afetivo que os
compõem, são, muitas vezes, interpretados negativamente
pelo educador, até mesmo como sinônimo de desinteresse do aluno pela tarefa escolar. E este é um passo
importante para que tanto o aluno como o professor passem a construir uma visão negativa das possibilidades de
aprendizado e do desenvolvimento escolares, constituindose em mais um elemento do processo de produção do
fracasso escolar nas séries iniciais.
XIX e XX). Revista Brasileira de Educação, (1), 115-141.
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história da educação em Espanha e Portugal:
investigação e actividades (pp.11-22). Lisboa: Sociedade
Portuguesa de Ciências da Educação: Sociedade
Espanhola de Ciências da Educação.
Recebido em: 04/05/2005
Revisado em: 30/08/2005
Aprovado em: 20/10/2005
Endereço para correspondência:
AnabelaAlmeida Costa e Santos: Rua Carlos Webwe, 601 – apto 131, Bloco B – Vila leopoldina – CEP: 05303-000 – São Paulo/ SP
e-mail: [email protected]
Marilene Proença Rebello de Souza: Rua Carlos Weber, 601 – apto 131 – B – Vila Leopoldina – CEP: 05303-000 – São Paulo/ SP
e-mail: [email protected]
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9
Número 2
303-312
EM BUSCA DE UMA COMPREENSÃO DAS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA
RELAÇÕES FAMÍLIA-ESCOLA
Ana da Costa Polonia1
Maria Auxiliadora Dessen2
Resumo
Pesquisadores e educadores têm mostrado um crescente interesse pelo estudo das relações entre a família e a escola devido à sua importância para
a educação e o desenvolvimento humano. Neste artigo teórico, apresentamos algumas reflexões sobre o envolvimento da família com a escola e seu
impacto sobre a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. Os benefícios de uma boa integração e as implicações de uma falta de integração entre
os dois contextos são discutidos brevemente, bem como são descritos aspectos das relações estabelecidas entre ambos, que vêm sendo focalizados
nas pesquisas empíricas. Especial atenção é dada às concepções e tipos de envolvimento família-escola e às percepções de pais e professores sobre
este envolvimento. Ao final, enfatizamos a necessidade de uma integração mais efetiva entre a família e a escola, respeitando as peculiaridades de
cada segmento, e da implementação de pesquisas que levem em conta as inter-relações entre os dois contextos.
Palavras-chave: Aprendizagem; Relação família – escola; Desenvolvimento infantil.
TOWARDS UNDERSTANDING PARENT SCHOOL RELATIONSHIP
Abstract
Researchers and educators have showed an increasingly interest in the study of the relationship between family and school due to its importance
for education and human development. In this theoretical article, we present some reflections about the importance of the family-school
involvement and its impact on the learning process and child development. The benefits of a good integration between family and school as well
as the implications of a lack of integration between them are briefly discussed. Moreover, we present some aspects of their relationships that have
been focused on empirical research, emphasizing the conceptions and types of family-school involvement and teacher and parental perceptions
about it. At the end, we move the focus to discuss the necessity of promoting a better integration between family and school, considering the
peculiarities of each one, and implementing researches taking account of the interrelatedness between both contexts.
Keywords: Learning; Parent school; Childhood development
INTRODUÇÃO
Questões sobre o envolvimento entre família e
escola têm despertado o interesse dos pesquisadores
(Bost, Vaughn, Boston, Kazura & O’Neal, 2004; Ferreira
& Marturano, 2002), principalmente no que se refere às
implicações para o desenvolvimento social e cognitivo
do aluno e suas relações com o sucesso escolar. Ao
lado disso, são poucas as pesquisas que têm investigado
as inter-relações entre os papéis da família e da escola,
1
de modo a oferecer estratégias que promovam o aprimoramento e a ampliação dos modelos de relação entre
os dois ambientes. Tais pesquisas requerem uma visão
integrada, contextualizada, sistêmica e ampla de tais
ambientes, o que nem sempre é possível, quer pela falta
de conhecimento do próprio pesquisador, quer pela falta
de infra-estrutura para implementar projetos desta
natureza.
Faculdade de Educação, Departamento de Teoria e Fundamentos, Universidade de Brasília.
Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento, Laboratório de Desenvolvimento Familiar, Universidade de
Brasília.
2
304
A família e a escola emergem como duas instituições
fundamentais para desencadear os processos evolutivos
das pessoas, atuando como propulsores ou inibidores do
seu crescimento físico, intelectual e social. A escola
constitui -se um contexto no qual as crianças investem
seu tempo, envolvem-se em atividades diferenciadas ligadas às tarefas formais (pesquisa, leitura dirigida, por
ex.) e aos espaços informais de aprendizagem (hora do
recreio, excursões, atividades de lazer). Neste ambiente,
o atendimento às necessidades cognitivas, psicológicas,
sociais e culturais da criança é realizado de uma maneira
mais estruturada e pedagógica que no ambiente de casa.
A família não é, portanto, o único contexto em que a
criança tem oportunidade de experienciar e ampliar o
seu repertório como sujeito de aprendizagem e desenvolvimento (Cezar-Ferreira, 2004; Formiga, 2004;
Marques, 2001, 2002; Rego, 2003; Szymanski, 2001).
Buscando compreender as relações entre família e
escola, este artigo apresenta uma reflexão sobre as diferentes perspectivas do envolvimento entre ambos os
segmentos, possíveis influências sobre o desenvolvimento
e a aprendizagem humana e como a integração entre eles
tem repercutido sobre os processos de aprendizagem e
relativo às percepções de pais e professores sobre esta
relação. Algumas considerações são feitas a respeito da
necessidade de promover uma integração mais efetiva
entre a família e a escola e de implementar pesquisas que
investiguem as inter-relações entre os dois ambientes.
OS CONTEXTOS FAMILIAR E ESCOLAR E SUAS
INFLUÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO E
APRENDIZAGEM HUMANA
Quando o foco de debate é o papel dos pais na
escolarização dos filhos e suas implicações para a aprendizagem, na escola, há aspectos a serem ressaltados. A
família como impulsionadora da produtividade escolar e
do aproveitamento acadêmico e o distanciamento da
família, podendo provocar o desinteresse escolar e a
desvalorização da educação, especialmente nas classes
menos favorecidas.
Apesar de a família ser apontada como uma das
variáveis responsáveis pelo fracasso escolar do aluno
(Carvalho, 2000), a sua contribuição para o desenvolvimento e aprendizagem humana é inegável. Um dos seus
Ana da Costa Polonia e Maria Auxiliadora Dessen
papéis principais é a socialização da criança, isto é, sua
inclusão no mundo cultural mediante o ensino da língua
materna, dos símbolos e regras de convivência em grupo,
englobando a educação geral e parte da formal, em
colaboração com a escola. Neste contexto, os recursos
psicológicos, sociais, econômicos e culturais dos pais são
aspectos essenciais para a promoção do desenvolvimento
humano (Christenson & Anderson, 2002; Marques, 2002).
A escola também tem sua parcela de contribuição
no desenvolvimento do indivíduo, mais especificamente
na aquisição do saber culturalmente organizado e em
suas áreas distintas de conhecimento. Segundo Ananias
(2000), a escola deve resgatar, além das disciplinas
científicas, as noções de ação política e busca da
cidadania e da construção de um mundo mais eqüitativo.
Neste contexto, a escola deve visar não apenas a apreensão de conteúdo, mas ir além, buscando a formação
de um cidadão inserido, crítico e agente de transformação, já que é um espaço privilegiado para o desenvolvimento das idéias, ideais, crenças e valores. Para López
(1999/2002), a família não tem condições de educar sem
a colaboração da escola.
As ações educativas na escola e na família apresentam funções distintas quanto aos objetivos, conteúdos e
métodos, bem como as expectativas e interações peculiares a cada contexto (Szymanski, 2001). Por exemplo,
Lampreia (1999) destaca que uma atividade como a
cópia, no ambiente escolar, tem objetivo programado e
é avaliada como uma competência que permite a
estruturação da aprendizagem, na área de letramento.
Já, no âmbito familiar, a mãe considera tal atividade apenas como mais uma tarefa doméstica de supervisão e
cuidados dispensados aos filhos. Neste caso, o objetivo
da cópia passa a ser a obtenção de um desempenho
sem erro por parte do filho, devendo ser executada com
um maior grau de precisão e economia de tempo.
Quando a família e a escola mantêm boas relações,
as condições para um melhor aprendizado e desenvolvimento da criança podem ser maximizadas. Assim, pais
e professores devem ser estimulados a discutirem e
buscarem estratégias conjuntas e específicas ao seu
papel, que resultem em novas opções e condições de
ajuda mútua (Leite & Tassoni, 2002). A escola deve
reconhecer a importância da colaboração dos pais na
história e no projeto escolar dos alunos e auxiliar as
famílias a exercerem o seu papel na educação, na
evolução e no sucesso profissional dos filhos e,
concomitantemente, na transformação da sociedade.
Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola
Cada vez mais cedo, a escolarização se torna presente na vida das crianças e mais tarde tem finalizado.
A introdução de modelos e maneiras de propiciar a
interação entre a família e a escola, reconhecendo a
contribuição e os limites da família na educação formal
é fundamental para “diversificar os sistemas de ensino
e envolver, nas parcerias educativas, as famílias e os
diversos atores sociais” (MEC & Unesco, 2000, p. 56).
A seguir, discutimos os benefícios de uma integração
entre a família e a escola para a educação formal do
indivíduo e as repercussões decorrentes da falta ou da
pouca integração entre ambas.
Integração dos ambientes escolar e familiar na
educação formal
As pesquisas (Costa, 2003; Fonseca, 2003;
Marques, 2002) têm demonstrado os benefícios da
integração família e escola, particularmente, quando o
projeto pedagógico da escola abre espaço para a
participação familiar e reconhece os papéis diferenciados de ambas no processo de aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos. É o projeto pedagógico
que permite uma flexibilização das ações conjuntas,
de forma complementar, e o desenvolvimento de
repertórios singulares a cada espaço educacional
(Ananias 2000; Antunes, 2003). Enquanto a escola
estimula e desenvolve uma perspectiva mais universal
e ampliada do conhecimento científico, a família transmite valores e crenças e, como conseqüência, os
processos de aprendizagem e desenvolvimento se
estabelecem de uma maneira coordenada.
Os benefícios de uma boa integração entre a
família e a escola relacionam-se a possíveis transformações evolutivas nos níveis cognitivos, afetivos,
sociais e de personalidade dos alunos. Hess e
Holloway (conforme citados por Ensminger &
Slusarcick, 1992) destacam cinco aspectos do
processo de funcionamento da família considerados
fundamentais para promover a integração entre esses
dois ambientes. São eles a interação verbal entre a
mãe e a criança, um relacionamento afetivo positivo
entre os pais e a criança, as crenças e as influências
dos pais sobre os filhos, as estratégias disciplinares e
de controle e as expectativas dos pais. Estes aspectos
influenciam a família, de maneira direta, e a escola,
indiretamente, constituindo-se num campo de
investigação extremamente rico, cujos dados
poderiam subsidiar as políticas públicas brasileiras no
305
que diz respeito à elaboração de planos e projetos
nacionais (Bock, 2003; Bost & cols., 2004; Marques,
2002).
No que tange à escola, a qualidade da instrução, a
organização escolar, as metodologias de ensino, o número
de alunos em sala e o apoio pedagógico fornecido aos
professores são evidenciados como aspectos que podem
contribuir para a melhoria do sistema escolar (Hess &
Holloway, conforme citados por Ensminger & Slusarcick,
1992). Mesmo quando a instituição escolar planeja e
implementa um bom programa curricular, a aprendizagem
do aluno só é evidenciada quando este é cercado de
atenção da família e da comunidade. Neste caso, a
família e a comunidade devem ser orientadas quanto às
novas abordagens utilizadas no ensino, visando
acompanhar o progresso e as necessidades do aluno.
Em uma investigação realizada por Jowett e Baginsky
(1988), relacionada aos potenciais benefícios decorrentes
da parceria família e escola no ensino básico, os
respondentes (inspetores de educação e diretores de
escolas) indicaram melhor compreensão dos pais sobre
a escola e a educação em geral, realização de reuniões
conjuntas, com oportunidades para os pais falarem do
seu papel e de si mesmos, promoção de encontros
específicos, com o objetivo de ajudar pais e professores,
em momentos críticos, favorecimento de troca de
informações entre professores e pais, abertura de canais
de comunicação entre a escola e a família, beneficiando
os alunos, dentre outros, como resultados desta
integração. No entanto, quando predomina uma fraca
ou pouca integração entre a família e a escola, as
conseqüências são variadas.
A despeito de tais benefícios, a participação da família
na educação formal do aluno vem sendo subestimada
em diferentes culturas. Por exemplo, para Ben-Fadel
(1998), o ambiente familiar é negligenciado como o
iniciador e promotor das práticas de leitura e escrita; no
entanto, os elementos lingüísticos e da escrita são trabalhados antes, durante e depois da vivência escolar, no
contexto familiar. Ilustrando este aspecto, Luria (1988)
ressalta que ao copiar o comportamento da mãe ou do
irmão, rabiscando ou desenhando, a criança reconstrói
internamente o processo da escrita, envolvendo os
aspectos motor, cognitivo, social, além dos significados
culturais desta atividade. Mas, em muitos dos casos, a
escola não considera e nem aproveita estas experiências
no seu currículo e no desenvolvimento das capacidades
cognitivas do aluno.
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 303-312
306
Ao lado disso, os pais de baixo nível sócio-econômico
têm dificuldades ou se sentem inseguros ao participarem
do currículo escolar. Os conflitos e limitações na sua
participação podem ser produtos de sua imagem negativa
como pais, de sua própria experiência escolar ou de um
sentimento de inadequação em relação à aprendizagem.
Mas, tais limitações também podem estar diretamente
ligadas ao corpo docente, como o receio dos professores
de serem cobrados e fiscalizados pelos pais, a percepção
de que os pais não têm capacidade ou condições de
auxiliar os filhos e a ausência de um programa ou projeto
que integre pais e professores, em um sistema de
colaboração (Marques, 2001, 2002).
Embora um sistema escolar transformador possa
reverter estes aspectos negativos, mediando e
estimulando ações positivas e um desempenho
satisfatório, a própria escola ignora ou minimiza os
efeitos que vêm de outros contextos e que influenciam
significativamente a aprendizagem formal do aluno. Os
conteúdos, vivências, concepções do aluno e do
professor são isolados no currículo, enfatizando apenas
aqueles adquiridos no espaço escolar. Bartolome
(1981), desde a década de 80, já propunha que a escola
e a família atuassem como ambientes complementares,
uma vez que tanto os pais quanto os professores têm
grandes responsabilidades no desenvolvimento da
criança e do adolescente. Ele sugeria também que a
escola, utilizando-se dos diversos mecanismos, como
reunião de pais, comunicações e projeto político
pedagógico, criasse um ambiente mais acolhedor e
afetivo, que possibilitasse à família recapitular o valor
da criança e o sentido de responsabilidade
compartilhada.
Entretanto, Ben-Fadel (1998) reconhece que a escola,
hoje, ainda não está preparada para lidar com o
envolvimento familiar. Para que isto ocorra, deve haver,
primeiramente, o reconhecimento do meio familiar como
um verdadeiro aliado da escola no seu empreendimento
educacional, não se restringindo, a escola, à concepção
paternalista e de mera tutoria das atividades e
orientações familiares. Algumas pesquisas (Fonseca,
2003; Rocha, Marcelo & Pereira, 2002; Soares, Salvetti
& Ávila, 2003) têm indicado que a organização política
e a participação dos pais são elementos promotores de
uma nova concepção de colaboração e envolvimento
escola-família e de uma mudança na concepção dos
educadores e na comunicação efetiva com a
comunidade. Outros elementos associados que funcionam
Ana da Costa Polonia e Maria Auxiliadora Dessen
como promotores desta colaboração são: a formação
docente, a melhoria da imagem da escola e a otimização
do seu espaço e de seus recursos humanos e materiais.
Para estimular e implementar a participação dos pais
de modo a fortalecer uma nova cultura de participação,
deve-se estabelecer, no projeto pedagógico da escola,
espaço físico e estratégias diferenciadas (Ben-Fadel,
1998). O primeiro passo para isto é a identificação eficaz
do tipo de envolvimento da família com a escola que,
por sua vez, depende do reconhecimento e da descrição
sistemática dos padrões e modelos de relação
constituintes de tal envolvimento. A seguir, descrevemos
algumas dimensões das relações família-escola, destacando os tipos de envolvimento e as percepções de pais
e professores sobre tais tipos de envolvimento.
AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: COMO
ESTÃO E PARA ONDE VÃO?
Vários pesquisadores (Antunes, 2003; Bock, 2003;
Epstein & Dauber, 1991; Ferreira & Marturano, 2002;
Marques, 2002; Silveira, 2003) têm discutido os diferentes mecanismos e estratégias de integração entre pais e
escola, reconhecendo suas peculiaridades e apontando
os pontos que favorecem e dificultam tal relação. Uma
das primeiras barreiras encontradas para a compreensão
dos mecanismos e estratégias de integração refere-se à
definição do próprio termo envolvimento. Afinal, o que
se entende por envolvimento entre família e escola?
Dois aspectos dificultam a compreensão do termo,
de acordo com Coleman e Churchill (1997). O primeiro
refere-se ao uso de definições amplas e muito diferenciadas do termo na literatura, onde são identificadas diferentes ações sobre a participação da família, por parte
da escola. Por exemplo, oferecer aos pais informações
e conceitos básicos sobre a evolução e desenvolvimento
dos seus filhos; treinar os pais para orientar e ensinar
seus filhos, no que diz respeito aos conteúdos e
conhecimentos acadêmicos; proporcionar momentos de
trocas de informações entre pais e professores, em
reuniões estruturadas; realizar atividades em conjunto,
para avaliar a criança ou implementar programas de
apoio acadêmico ou social.
O segundo aspecto que dificulta a compreensão do
termo refere-se à diversidade entre os ambientes da
família e da escola. Além do reconhecimento de que
Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola
esses dois contextos onde o aluno realiza sua aprendizagem são diferentes e diversificados, é importante também identificar e lidar com as similaridades e diferenças entre eles. Na escola, costumes, espaços, recursos,
expectativas, experiências, linguagem e valores podem
ser diferentes da família ou, quando similares, podem
diferenciar-se em grau. E estas diferenças são, em geral,
decorrência da condição sócio-econômica, dos valores
e crenças, ou mesmo das diferenças culturais (Yunes,
2003). Entretanto, tais diferenças não constituem (ou
não deveriam constituir) um impedimento para o
envolvimento e o estabelecimento de relações entre a
família e a escola. Interligar estes dois contextos tornase uma tarefa crucial para o estabelecimento de políticas e implementação de programas educacionais.
Como o termo envolvimento dos pais é empregado
para definir uma ampla gama de atividades que
concernem tanto à escola quanto à família, precisamos
não só ter clareza, mas também especificar quais são
as atividades que estamos nos referindo em nosso
estudo. Jowett e Baginsky (1988) apontam algumas
tendências que devemos observar no envolvimento
família-escola. Dentre elas estão como os pais percebem
e incrementam competências para dinamizar o
desenvolvimento dos filhos, como os pais e as escolas
delineiam atividades do cotidiano ou da vida na escola e
os direitos e as necessidades dos pais enquanto
consumidores.
As relações entre a família e a escola apresentam
padrões e formas de interação bem peculiares que
precisam ser identificadas, apreendidas e analisadas com
o intuito de propiciar uma melhor compreensão não só
dos aspectos gerais da integração entre ambos como
também daqueles mais peculiares a cada ambiente. A
tipologia proposta por Epstein (conforme citado por
Bhering & Siraj-Blatchford, 1999; Marques, 2002)
engloba cinco tipos de envolvimento entre os contextos
familiar e escolar
Tipo 1. Obrigações essenciais dos pais. Reflete
as ações e atitudes da família ligadas ao desenvolvimento
integral da criança e à promoção da saúde, proteção e
repertórios evolutivos. Além da capacidade de atender
às demandas da criança, considerando sua etapa de
desenvolvimento para inserção na escolarização formal,
é tarefa da família criar um ambiente propício para a
aprendizagem escolar, incluindo acompanhamento
sistemático e orientações contínuas em relação aos
hábitos de estudos e às tarefas escolares.
307
Tipo 2. Obrigações essenciais da escola. Retrata
as diferentes formas e estratégias adotadas pela escola
com o intuito de apresentar e discutir os tipos de
programas existentes na escola e evidenciar os
progressos da criança, em diferentes níveis, para os pais
ou responsáveis. As formas de comunicação da escola
com a família variam, incluindo desde mensagens, jornais,
livretos, convites e boletins até observações na agenda
do aluno. A explicitação das normas adotadas, do
funcionamento geral da escola, dos métodos de ensino
e de avaliação e a abertura de espaços, onde os pais
possam participar ativamente e dar suas opiniões sobre
estes temas, é estratégico.
Tipo 3. Envolvimento dos pais em atividades de
colaboração, na escola. Refere-se à como os pais
trabalham com a equipe da direção no que concerne ao
funcionamento da escola como um todo, isto é, em
programações, reuniões, gincanas, eventos culturais,
atividades extra-curriculares etc.. Este tipo de
envolvimento visa auxiliar professores, orientadores,
psicólogos, coordenadores e apoio pedagógico em suas
atividades específicas, quer mediante ajuda direta, em
sala de aula, quer na preparação de atividades ligadas
às festas ou desfiles.
Tipo 4. Envolvimento dos pais em atividades que
afetam a aprendizagem e o aproveitamento escolar,
em casa. Caracteriza-se pelo emprego de mecanismos
e estratégias que os pais utilizam para acompanhar as
tarefas escolares, agindo como tutores, monitores e /ou
mediadores, atuando de forma independente ou sob a
orientação do professor.
Tipo 5. Envolvimento dos pais no projeto político
da escola. Reflete a participação efetiva dos pais na
tomada de decisão quanto às metas e aos projetos da
escola. Retrata os diferentes tipos de organização, desde o estabelecimento do colegiado e da associação de
pais e mestres até intervenções na política local e
regional.
Em síntese, os pais devem participar ativamente da
educação de seus filhos, tanto em casa quanto na escola,
e devem envolver-se nas tomadas de decisão e em
atividades voluntárias, sejam esporádicas ou
permanentes, dependendo de sua disponibilidade. No
entanto, cada escola, em conjunto com os pais, deve
encontrar formas peculiares de relacionamento que
sejam compatíveis com a realidade de pais, professores,
alunos e direção, a fim de tornar este espaço físico e
psicológico um fator de crescimento e de real envol-
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 303-312
308
vimento entre todos os segmentos.
É importante ter em mente que, em todos os tipos de
envolvimento família-escola, a qualidade dos
relacionamentos é mais importante que a quantidade
(Laureau, 1987). Ao analisar o tipo de relacionamento
entre esses dois segmentos, em duas escolas, Laureau
verificou diferenças marcantes. Em uma das escolas, o
relacionamento era rígido e gerava um certo incomodo,
com os pais mostrando certa relutância em manter
contato com outros pais e professores e, também,
insegurança em discutir questões não acadêmicas. Os
sinais de desconforto dos pais eram evidenciados por
interações curtas, formais e rígidas com a escola. Na
outra escola, ele verificou que as interações eram menos
formais, mais freqüentes e centradas em assuntos
acadêmicos, gerando um clima amistoso que favorecia
a aproximação entre os pais e a escola.
As formas peculiares de relacionamento que pais e
escolas mantém entre si dependem, sobretudo, das
percepções que cada um desses segmentos têm de si
próprio e do outro. A seguir, tecemos algumas
considerações a respeito do que pensam pais e professores
sobre o envolvimento da família com a escola.
Percepções de pais e professores sobre o
envolvimento da família com a escola
Bronfrenbrenner (1999) enfatiza que os três principais
sistemas que afetam a criança em desenvolvimento são:
a família, a escola e o ambiente externo a estes dois
contextos. Ele destaca a influência dos aspectos culturais,
como crenças, valores, atitudes e oportunidades, que
podem facilitar ou mesmo dificultar a evolução da
pessoa. Por exemplo, se a escola acredita que os pais
devem participar apenas contribuindo com a Associação
de Pais, Alunos e Mestres (APAM) ou, somente,
participando das reuniões bimestrais, eles certamente
não serão convidados a discutirem aspectos ligados à
concepção pedagógica de ensino e aos processos de
avaliação adotados. As crenças, valores e atitudes
podem ser efetivas no estabelecimento de alianças e de
um clima de cumplicidade entre pais e professores.
Como os pais têm um importante papel instrucional, pois
são os agentes primários do desenvolvimento infantil,
destacamos, a seguir, a sua visão sobre o papel da família
no processo educacional.
A importância e a influência da família como agente
educativo é inquestionável. Por exemplo, o
estabelecimento de um vínculo afetivo saudável entre
Ana da Costa Polonia e Maria Auxiliadora Dessen
os pais e seus filhos pode desencadear o desenvolvimento de padrões interacionais positivos e de
repertórios salutares para enfrentar as situações
cotidianas, o que permite um ajustamento do indivíduo
aos diferentes ambientes em que ele participa (Marques,
2001), incluindo a própria escola. Por outro lado, filhos
cujos pais experienciam freqüentemente situações de
estresse, ansiedade e medo têm dificuldades em interagir
com outras pessoas e exibem um repertório de
comportamentos limitado para lidar com o seu ambiente.
Os estudos mostram percepções diferenciadas sobre
a influência da família e da escola no processo educativo,
particularmente no que tange à percepção dos pais
(Bock, 2003; Carvalho, 2000; Chaves & cols., 2002;
Christenson & Anderson, 2002; Costa, 2003; Galvão,
2004). Os pais vêem de modo positivo a sua participação
no processo educativo quando se tornam efetivamente
aliados dos professores (Carvalho, 2000; Coleman &
Churchill, 1997; Epstein, 1986; Marques, 2002). De
acordo com Laureau (1987), quando os professores
consideram os pais como parceiros, eles desenvolvem
estratégias de acompanhamento e auxílio sistemático aos
filhos, promovendo uma melhor interação entre os vários
níveis curriculares, o que possibilita, ao aluno, usar todo
o seu potencial. E, ao contrário, se os professores
estabelecem um contato distante, rígido, baseado apenas
no conteúdo, os pais também adotam essa postura e
percebem a relação com a escola como um momento
que gera ansiedade e frustração.
Como nem todos os pais tiveram boas experiências
no período de sua escolarização, tal fato faz com que
eles transmitam percepções negativas da escola para
os seus filhos e adotem uma postura distante e
desconfiada (Grossman, 1999). O pouco tempo para
acompanhar a criança, as oportunidades mínimas para
realizar a aproximação com a escola, a indiferença ou
antagonismo quanto à sua presença na instituição, são
comuns no espaço escolar. Outros fatores dificultam a
aproximação entre pais e professores, dentre eles, as
barreiras culturais, especialmente quando a escola não
as considera como elo importante nesta cadeia.
Portanto, é necessário que professores, diretores e
outros segmentos da escola desenvolvam habilidades e
ações que explorem os diferentes níveis de experiências,
conhecimento e oportunidades dos pais, visando uma
implementação mais efetiva do envolvimento famíliaescola (Ferreira & Marturano, 2002; Formiga, 2004;
Marques, 2001, 2002). Para isto, a percepção que os
Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola
professores possuem da família como agente educativo
desempenha papel preponderante.
Grossman (1999) identifica um conjunto de crenças
dos educadores sobre a sua relação com a família, ora
facilitando, ora impedindo a aproximação desta. Um dos
pontos críticos é a crença de que os pais de nível sócioeconômico mais baixos não estão preocupados com seus
filhos, adotando freqüentemente uma postura negligente
e pouco participativa (Silvern, 1988). Outro ponto diz
respeito aos professores e diretores que acham que os
pais têm pouco ou quase nada a contribuir para o currículo
escolar, devendo apenas participar das reuniões para
entrega de boletins.
Independentemente das crenças de educadores, a
participação dos pais na educação formal dos filhos
constitui fonte de intensa preocupação nas escolas, uma
vez que esta participação é limitada, na medida em que
os pais se restringem a buscarem as notas e pouco se
envolvem com o currículo e com as atividades escolares
(Marques, 2002). Sendo assim, é importante considerar
as peculiaridades dos papéis dos pais, dos professores,
dos coordenadores, dos diretores e de outros componentes
da escola. Uma avaliação consistente e sistemática que
indique os diferentes graus de participação de cada um
deles na escola, auxilia a compreensão e a identificação
das diferentes formas de participação dos pais nas
atividades escolares e fornece informações sobre a
dinâmica da família e dos processos evolutivos dos alunos.
Considerações finais: em busca de uma
integração mais efetiva
Não há dúvidas de que psicólogos, educadores e
demais profissionais que atuam na escola reconhecem
a importância das relações que se estabelecem entre a
família e a escola e os benefícios potenciais de uma boa
integração entre os dois contextos para o
desenvolvimento social, emocional e cognitivo do aluno.
Para que isto ocorra, é preciso adaptar diferentes
estratégias e formas de implementar a relação famíliaescola, considerando o contexto cultural, isto é, as
crenças, os valores e as peculiaridades dos ambientes
sociais (Baker, 1999; Carvalho, 2000; Epstein, 1986;
Epstein & Dauber, 1991; Marques, 2002).
Para superar as descontinuidades entre os ambientes
familiar e escolar, é necessário conhecer os tipos de
envolvimento entre pais e escola e estabelecer
estratégias que permitam a concretização de objetivos
comuns. Silvern (1988) classifica os processos de
309
continuidade e descontinuidade entre a escola e a família,
em dois grandes blocos. A idealização do ambiente
familiar, onde se busca a compreensão do afeto, da livre
expressão dos sentimentos, da unidade familiar, da
riqueza verbal e das trocas emocionais que acontecem
de forma constante e de maneira mais livre neste
contexto, e o significado e as experiências que a criança
traz para a escola, provenientes deste espaço familiar,
que se distingue do escolar pela adoção de uma
linguagem particular, frente ao uso do tempo e das
atividades mais estruturadas e sistematizadas.
Normalmente, na escola, o espaço torna-se mais frio,
distante, impessoal e altamente competitivo quando
comparado ao espaço da família. A linguagem adotada
e os símbolos empregados se estruturam de maneira
descontextualizada, ignorando-se as características
familiares. O reconhecimento destas diferenças, por
exemplo, possibilitaria implementar estratégias
apropriadas e fornecer orientações específicas para cada
um, observando-se as características culturais, os papéis
e a disponibilidade efetiva para concretizar as atividades
conjuntas.
Sulzer-Azaroff, Mayer, Rosenfied e McLoughlin
(1989) acreditam que para estabelecer uma relação
efetiva entre pais e escola é necessário que os
professores aceitem a responsabilidade de se
comunicarem de forma clara, simples e compreensível
com os pais. Além disso, percebam que o sucesso da
parceria pais-professores está interligado à compreensão
das diferentes questões que os envolvem na ação
educativa, com respeito ao aluno e sua história escolar,
considerem que pais e educadores têm uma relativa
igualdade no impacto sobre a criança, compreendam que
pais e educadores devem ser honestos uns com os outros e aprendam a se adaptar uns aos outros e a
concentrar o seu investimento sobre a criança. Todos
estes aspectos são relevantes quando visam o seu bem
estar e o seu desenvolvimento.
A escola deve, especialmente no ensino fundamental,
não só reconhecer que o aluno realiza conexões dos
conhecimentos adquiridos na família, e faz deles sua
referência no intuito de compreender e estabelecer suas
relações com os conteúdos curriculares (Epstein, 1986;
López,1999/2002), mas também implementar ações
subsidiadas em tais conexões. Não é somente a criança
que é afetada pela visão estanque dos conhecimentos e
experiências adquiridas fora da escola, mas também pais
e professores, que sentem esta ruptura e isolamento,
Psicologia Escolar e Educacional, 2005
Volume 9 Número 2 303-312
310
Ana da Costa Polonia e Maria Auxiliadora Dessen
tendo como conseqüência o prejuízo das relações
interpessoais e da própria aprendizagem do aluno.
A integração do ambiente escolar e familiar não é
uma tarefa fácil e não deve ser encarada de forma
amadora ou ‘idealística’. Urge que dados empíricos
sejam gerados, permitindo a identificação de fatores que
facilitam ou dificultam esta interação. Esta perspectiva
é compartilhada por vários pesquisadores (Baker,
Kessler-Skar, Piotrowski & Parker, 1999; Carvalho,
2000; Coleman & Churchill, 1997; Epstein, 1986; Epstein
& Dauber, 1991; Marques, 2002), que enfatizam a
necessidade de uma base empírica para influenciar e
estruturar as políticas educacionais voltadas à relação
família e escola. Segundo Carvalho (2000) e Marques
(2002), hoje, impera mais o discurso que a articulação
de dados relacionados à pesquisa, particularmente no
Brasil. Além disso, é preciso, também, que as
investigações científicas sejam baseadas em um modelo
sistêmico, que implica, necessariamente, a adoção de
uma abordagem multimetodológica, permitindo captar,
de modo mais sensível, a dinâmica dos dois ambientes,
revelando suas peculiaridades e padrões comuns
(Dessen, 2005; Dessen & Aranha, 1994; Polonia &
Senna, 2005).
Para compreender o processo evolutivo do indivíduo,
é necessário integrar os vários ‘endereços sociais’, isto
é, todos os ambientes onde ele realiza suas atividades
(Lerner, Fisher & Weinberg, 2000). Segundo
Bronfenbrenner (1999), as atividades desempenhadas
pelos indivíduos nos diferentes contextos possibilitam a
evolução, a adaptação e a reestruturação do seu
ambiente físico e psicológico. A grande maioria das
pesquisas é oriunda da cultura norte-americana e
européia, o que, de certa forma, espelha os seus valores,
normas e crenças no que diz respeito às funções da
família e da escola. Isso não significa que estas pesquisas
não possam subsidiar o conhecimento em outros
contextos culturais, como o nosso. Pelo contrário, elas
possibilitam identificar similaridades e idiossincrasias com
a população brasileira.
No entanto, é imprescindível implementar projetos
levando em conta o contexto cultural brasileiro, a fim de
evitar o emprego de modelos educacionais que são
apropriados para outros contextos. Em se tratando do
nosso contexto sociocultural, é preciso fomentar a relação
família-escola, tomando como base as diferenças sociais
e regionais que caracterizam a nossa cultura e a real
condição de implementação de projetos de pesquisa. Fazse mister, sobretudo, estimular as produções acadêmicas
direcionadas ao estudo do envolvimento da família com
a escola, transformando-as em fomento e em
mecanismos que contribuam para o planejamento de
políticas e de programas educacionais. No âmbito político,
por sua vez, é preciso estabelecer novos rumos para a
relação família-escola que visem o desenvolvimento
global dos alunos.
Conhecer os processos que permeiam os dois
contextos e suas inter-relações possibilitaria uma visão
mais dinâmica do processo educacional e, certamente,
intervenções mais precisas e efetivas, e uma ampla
discussão de modelos de articulação entre esses dois
agentes educacionais, considerando as condições
brasileiras. Esperamos, com este artigo, despertar o
interesse de pesquisadores, psicólogos e educadores,
para a obtenção de uma base empírica para as
discussões e implementação de ações visando um
funcionamento escolar que integre a escola e a família.
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Recebido em: 16/12/2004
Revisado em: 16/08/2005
Aprovado em: 14/10/2005
Endereço para correspondência:
Ana da Costa Polonia: Universidade de Brasília-UnB – Faculdade de Educação-TEF – Campus Universitário Darcy Ribeiro –
Asa Norte – CEP: 70910-900 – Brasília-DF – e-mail: [email protected]
Maria Auxiliadora Dessen: Universidade de Brasília – Instituto de Psicologia, PED – Campus Universitário ‘Darcy Ribeiro’ –
Brasília- DF – Brasil – CEP: 70.910-900 – e.mail: [email protected]
Resenhas
LITERATURA, LEITURA E APRENDIZAGEM DA ESCRITA
Olness, R. (2005). Using literature to encharge writing instruction: A guide for K5 teachers.
Newark: IRA, xii + 204p.
A literatura é uma das dimensões culturais que mais
oferece condições para o desenvolvimento do ser e que,
por esta razão, pode ser instrumento e meio de ensino
de muitas áreas do conhecimento além dela própria. Vale
lembrar seu uso no ensino da leitura, da escrita, da
história, da filosofia, da geografia, da matemática. Na
obra aqui resenhada é enfocado seu uso no
desenvolvimento da competência na escrita por
escolares.
Rebecca Olness é uma professora aposentada,
especialista na área, com mais de 30 anos de experiência
e que oferece aos leitores, embora enfoque
principalmente os alunos do 5ª série do ensino
fundamental, por vezes, considera também séries
precedentes e posteriores. Além disso, muitos dos
procedimentos e técnicas podem ser úteis no nível médio
e mesmo adaptadas para o nível superior. Assim sendo,
o livro tem o potencial de poder ser útil a muitos docentes.
A obra compreende prefácio, escrito pela própria
autora, 10 capítulos, referências e índice de autores e
conteúdo. As referências são predominantemente
recentes, incluindo literatura cinza e artigos de periódicos.
Em cada capítulo, em relação específica, são
apresentadas muitas obras literárias citadas ao longo do
trabalho. O texto segue basicamente o modelo de escrita
denominado Modelo dos Seis Traços Analíticos da
Escrita, de Spandel e Stiggs, infelizmente pouco
conhecido Brasil. Os seis traços ou elementos são: 1)
idéias, 2) organização, 3) voz, 4) escolha da palavra, 5)
fluência oracional (sentença) e 6)convenções. Cada
elemento é avaliado, analisado e trabalhado
independentemente de modo a se produzir uma boa
escrita. A meta da autora é auxiliar o professor como
ensinar seus alunos a reconhecerem estes traços em
bons textos, em obras literárias, para que possam incluílos em sua própria escrita. O livro tem potencial para
que o professor possa realmente transformar sua prática.
É rico em exemplos e sugestões , bem sustentados em
pesquisa e inspira muitas outras investigações.
O primeiro capítulo é uma rápida revisão da relação
leitura-escrita em que lembra os autores como mentores
ou modelos, a preocupação com a audiência, o gênero
dos autores, a questão do vocabulário, do estilo e da
ilustração. Parte do pressuposto que um bom leitor
eventualmente é também um escritor.
No capítulo seguinte começa por lembrar que tanto
crianças como adultos aprenderam melhor em um
ambiente que os apoie, em uma situação positivamente
reforçadora. Passa a considerar os gêneros literários e
suas possibilidades de uso no ensino da escrita desde os
livros de figura até textos mais complexos. Indica
rapidamente as possibilidades as quais são retomadas e
aprofundadas nos capítulos següintes.
“Escrever é mais do que viver...... é estar consciente
do viver” (p.35) é com esta formulação de Lindbergh
que a autora começa o capitulo 3 no qual enfoca a
relação experiência-escrita, tendo por base: o tópico
(escolher e aprofundar), fornecimento de pistas,
introdução de regras ou parâmetros e aprender a
escrever com os outros. Muitos escrevem sobre o que
sabem, suas experiências, memórias, observações e
registros. Os alunos podem aprender a fazer o mesmo
como básico para o desenvolvimento de sua escrita.
É a partir do 4º capitulo que a Autora começa a melhor
especificar cada elemento do modelo. Nesse capítulo
trata do encontrar boas idéias e detalhes. As idéias são
a própria razão do escrever do autor, o que transmitir. É
preciso relacionar as características, enfocar a
quantidade dos detalhes ir além do óbvio. É comum
começar com um tema muito amplo, é preciso afunilálo, restringí-lo e escolher os detalhes mais importantes
pode ser muito útil. Mas há a contrapartida – escolher
sobre o que não falar. A seguir trata de como usar livros
como exemplo de idéias, verificando como os autores
314
trabalham. Uma lista de checagem para o aluno pode
ser de grande valia (Meu tema está suficientemente
restrito?, Falei o suficiente sobre o assunto? Apresentei
os detalhes importantes? Demonstrei mais do que falei?
Minha mensagem está clara?) Para auxiliar o professor,
apresenta alguns planos de aula, como o fazer relação
aos elementos enfocados no capítulos posteriores.
O traço seguinte é a elaboração do esquema ou
primeira redação, o que requer técnicas específicas.
Apresenta rapidamente poucas técnicas das muitas
presentes na produção científica. Vale lembrar que desde o inicio deve-se organizar a produção do começo ao
fim.
No capítulo 6 trata de expressão dos sentimento por
meio das vozes dos personagens dos textos literários.
Trata também do tipo de discurso que pretende persuadir
o outro, indicando tecnologias auxiliares para êxito nesta
tarefa.
A escolha da palavra correta é essencial na escrita,
aprender a fazer esta seleção amplia o vocabulário e
permite ganhos em precisão no uso das várias categorias
gramaticais. Aprender a usar tesouras, enciclopédias
dicionários e glossários é fundamental. Paralelamente é
preciso desencorajar o uso de jargões e frases feitas.
Novamente há o cuidado da autora de ensinar ao
professor o uso de algumas tecnologias. No presente
caso optou pelo Procedimento ou técnica de Cloze.
Neste, como em todos os capítulos, o uso de livros como
exemplo de escolha e uso de palavras é parte importante
do processo de ensino-aprendizagem.
Dominar a fluência e o ritmo (especialmente no texto literário) é fundamental na escrita (capítulo 8). A
análise de obras literárias pode ser muito útil para o
domínio de começar uma sentença, da extensão da
mesma, da combinação de sentenças, do uso de
Resenhas
elementos gramaticais no estabelecimento da coesão.
Vale lembrar a importância da revisão.
A apresentação de qualquer escrita segue
convenções (capitulo 9) específicas para cada tipo de
texto. A partir de textos literários, usando tecnologias
especiais de ensino, são trabalhadas: a soletração, a
pontuação, as maiúsculas, as habilidades de editoração;
o acesso às convenções e o respeito às mesmas.
No último capitulo, a autora acrescenta algumas
considerações finais sobre o aprender a escrever tendo
a literatura como referencial. Lembra que precisam ler
muito não só literatura mas também sobre como escrever
e como fazê-lo efetivamente. Os professores também
precisam ser escritores, serem modelo para seus alunos.
Lembra ainda que escrever requer tempo e que é preciso
que seja previsto pelo mesmo de 25 a 40 minutos diários
para escrita, desde a primeira série. Espera-se que 33%
do tempo passado em sala de aula seja dedicado à
aprendizagem da escrita e ela deve ser transversal a
todo o currículo. O professor também precisa cuidar de
desenvolver suas habilidades pessoais escritas (15 a 20
minutos de treino diariamente pelo menos).
Vale concluir esta resenha com o último parágrafo
do livro:
Assim, leia para seus estudantes. Envolva-os em todas as formas de escrita, gênero e literatura. Partilhe
com ele seus textos e livros favoritos. Demonstre o
processo de escrita, indique e discuta com eles os traços da escrita. Seja criativo e encontre meios para
oferece tempo contínuo para escrita em sua sala de aula.
E, acima de tudo, divirta-se. Seu entusiasmo e amor pela
literatura e leitura será contagioso. (p. 188)
Geraldina Porto Witter
UMC/ PUC-Campinas
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA À EDUCAÇÃO ESCOLAR
Maluf, M. R. (2004). Psicologia Educacional: questões contemporâneas. São Paulo: Casa do
psicólogo, 222p.
O livro em questão é resultado de um projeto de
cooperação entre a Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
e o Comité Franòais d’ Évaluation da la Coopération
Universitaire avec le Brésil (COFECUB). O projeto
“Desenvolvimento das competências, integração escolar
e social de crianças e adolescentes”, aconteceu entre
os anos 2000 e 2003.
No Brasil, o projeto foi coordenado pela professora
Doutora Maria Regina Maluf do Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo e na França, pelo professor
Doutor Michel Deleau de l’ Université de Rennes. Os
textos, portanto, são resultados de pesquisas gerados
por docentes, mestrandos e doutorandos.
O primeiro capítulo aborda a construção da
identidade sexuada durante os primeiros anos de
vida. Os autores analisam resultados de pesquisa de
1963 ‘a 2001, perpassando por questões como
determinismo genético, a teoria da aprendizagem social
e os enfoques cognitivos. Este texto favorece ao leitor
uma visão do desenvolvimento dos papéis relacionados
‘a sexualidade masculina ou feminina.
O capítulo dois, relata o entendimento que elas
elaboram, durante os primeiros anos de vida, a respeito
da mente, ou seja, as intenções, os pensamentos e
crenças das outras pessoas que convivem com elas. O
texto aborda o que é teoria da mente e destaca os trabalhos precursores realizados no Brasil, citando também
os primeiros trabalhos que surgiram na literatura
internacional. É um texto de extrema importância para
os leitores que desejam conhecer sobre o assunto ou
até mesmo atualizar-se sobre as pesquisas da área.
No terceiro capítulo, as autoras fazem uma revisão
das pesquisas que demonstram a relação entre
consciência fonológica e alfabetização. A partir dessa
introdução teórica, o leitor encontrará resultados de uma
experiência de intervenção experimental em crianças
pré-escolares, cujo objetivo foi verificar os efeitos de
um programa de intervenção em consciência fonológica
sobre a aquisição da linguagem escrita. Os resultados
apontam uma interação entre habilidades
metafonológicas e aquisição da linguagem escrita.
A dimensão morfológica nos principais modelos
de aprendizagem da leitura, constitui o título do quarto
capítulo. Os autores franceses iniciam o texto com uma
breve explicação a respeito dos princípios da leitura e
da escrita, abordando a fonologia e a morfologia. Para
discutir especificamente a questão da morfologia, o leitor
se depara com uma explanação a respeito dos modelos
de etapas e conexionista, aprendizagem da leitura. As
reflexões finais sugerem que a morfologia intervém no
reconhecimento de palavras escritas, desde o primeiro
ano de aprendizagem da leitura, quando as crianças não
dominam plenamente o código alfabético. Sugerem
também, que se deve considerar a estrutura morfológica
como facilitadora do processamento da leitura.
Baseando-se em reflexões feitas sobre autores que
abordam a questão, o texto do capítulo cinco, nos remete
ao conceito de interação social colocando a tutoria como
uma das formas de interação. Para obter um panorama
geral do assunto, as autoras comentam as origens da
tutoria, citando posteriormente, estudos mais recentes e
no final do capítulo discursam sobre as implicações para
a Educação. Tais implicações evidenciam alguns pontos
importantes sobre a tutoria como estratégia de
aprendizagem a ser adotada com vistas ao sucesso
escolar, os níveis de escolarização, prevenção do fracasso
escolar na aquisição da leitura e escrita no ensino
fundamental e ajuda na inclusão de alunos com
necessidades especiais no sistema regular de ensino.
A violência aparece como tema no capítulo seis é
discutida ao longo do texto a evolução da conduta
agressiva e as crenças e sentimentos envolvidos na
316
agressão. A partir desta introdução, a autora nos remete
a pensar sobre formas não violentas de resolver conflitos,
educando para a negociação. A prática de resolução
de conflitos através de oportunidades reflexivas geradas
pelo professor, traz a possibilidade de desenvolvimento
da autonomia, trabalhando na relação a percepção de
si mesmo e do outro.
O último capítulo suscita algumas reflexões sobre a
influência da Internet no falar de si, na exploração do si
mesmo e na construção de fronteiras da intimidade
durante a adolescência. Apresenta inicialmente o
contexto da comunicação virtual baseando-se em
estudos recentes sobre o tema. Os autores relatam os
Resenhas
resultados de suas pesquisas, despertando no leitor
importantes descobertas e suscitando novas reflexões a
respeito.
No final de cada capítulo encontram-se as referências
bibliográficas dos assuntos pesquisados, propiciando ao
leitor consulta posterior se assim desejar. A leitura deste livro é recomendada a todos os profissionais da área
educacional, uma vez que oferece vários temas atuais
que permeiam o processo educativo.
Jussara Fernandes
Mestranda da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP)
História
ENTREVISTA COM EVELY BORUCHOVITCH
Entrevistadora: KATYA LUCIANE DE OLIVEIRA
EVELY BORUCHOVITCH formou-se em psicologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e
fez seu doutorado na University of Southern California. Evely é professora do ensino superior desde 1995, atua no
Programa de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas, na linha de pesquisa Psicologia,
Desenvolvimento Humano e Educação. Sua atuação profissional apresenta grandes realizações, tendo orientado
diversos trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Sua trajetória é marcada
por inúmeras publicações de livros, artigos e apresentações de trabalhos em congressos nacionais e internacionais.
A professora Evely, como é chamada por seus alunos, é uma pessoa dinâmica e engajada com os ideais educacionais
brasileiro. Sua competência acadêmica, ética profissional e solicitude, características reconhecidas por seus pares
no âmbito da Psicologia Escolar e Educacional, fazem dela uma presença marcante na área. O relato da entrevista
com Evely feita por Katya Luciane de Oliveira revelam tais características no âmbito profissional e pessoal.
Katya: Como foi a sua formação profissional?
Evely Boruchovitch:
Apesar das várias dúvidas e conflitos naturais da
adolescência, tinha certeza de que era Psicologia o que
eu gostaria de seguir. Eu queria compreender e ajudar
o ser humano. Os mistérios da psique e da vida emocional
fascinavam-me. Eu prestei o vestibular aos 17 anos para
Psicologia e passei para a minha primeira opção que
era Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Tive uma formação teórica e prática bastante sólida e
diversificada. Apaixonei-me pela Psicanálise. Como não
se encantar? Além de a teoria ser de uma beleza e
riqueza ímpares, tive excelentes professores em
Psicanálise, como Luís Alfredo Garcia Roza e Maria
Luiza Seminério. Ser psicóloga clínica e trabalhar dentro
de um referencial psicanalítico era, na ocasião, tudo o
que eu mais desejava.
Apaixonada pela psicanálise, percebia que ela não
poderia ser acessível a todos. Interessei-me demais pela
questão elucidada por Freud, em 1919, no artigo Linhas
318
de Progresso na Terapia Psicanalítica, de adaptarmos
a nossa técnica às novas condições sociais. Não tinha
dúvidas de que era fundamental que profissionais da área
de saúde mental refletissem sobre alternativas
psicoterápicas ao tratamento psicanalítico, uma vez que
este nunca foi acessível à maioria da população
brasileira. Envolvi-me, profundamente, com a literatura
relativa a psicoterapia breve de orientação psicanalítica.
Estagiei no Serviço de Psicologia Aplicada da UERJ,
atendendo à adultos, sob a supervisão da Profa. Ana
Lúcia Furtado, dentro dessa perspectiva. Pude vivenciar
os possíveis desafios do psicólogo clínico. Entretanto, o
desejo nítido de ser psicóloga clínica em momento
nenhum fez-me fechar os olhos para todos os outros
caminhos que a Psicologia poderia me oferecer. Então,
realizei estágios nas mais diversas áreas da Psicologia,
o que hoje considero ter sido um dos pontos fortes da
minha formação. A UERJ oferecia várias possibilidades
de prática supervisionada.
Estagiei na área de Psicologia do Trabalho, na Divisão de Desenvolvimento de Pessoal (DDP) da própria
UERJ. Atuei em dois projetos importantes, na época: o
projeto de implantação de uma creche para os filhos
dos funcionários e o projeto de reestruturação de cargos
e salários. Ainda na DDP, tive a chance de trabalhar na
área de seleção de pessoal, aplicando e levantando testes de aptidão e personalidade, elaborando relatórios de
seleção e participando de uma pesquisa sobre grafismo
para estudos de seleção. A realização desse estágio não
só me permitiu descobrir as atividades do psicólogo do
trabalho, mas também representou o despertar do meu
interesse pelas atividades de pesquisa.
Queria também ter uma visão mais ampla do papel
do psicólogo em outras instituições. Estagiei no Hospital
das Clínicas da UERJ, no setor de psiquiatria, fazendo
acompanhamento de pacientes psiquiátricos e
coordenando grupos operativos com os mesmos. A
escola era também uma instituição que muito me
instigava. Tive oportunidade de realizar um trabalho de
análise institucional, em grupo, sob a supervisão da
Marisa Lopes da Rocha, numa escola de uma paróquia,
voltada para a alfabetização de adultos de baixa renda.
Os estágios – tanto no hospital, quanto na escola – foram
bastante enriquecedores e me possibilitaram a descoberta
de novas perspectivas de atuação.
Na realidade, não me limitei aos estágios oferecidos
pela UERJ. Das atividades fora da UERJ, a que mais
me sensibilizou foi a realizada numa instituição situada
História
numa favela e que tinha como objetivo receber crianças
e adolescentes do local, no período em que não
estivessem na escola, oferecendo-lhes apoio
psicopedagógico e orientação profissional. A finalidade
era evitar que essas crianças se engajassem, na ausência
dos pais, em comportamentos ligados à marginalidade.
Cresci bastante nesse estágio, coordenando os grupos
de atividades psicopedagógicas para crianças, grupos
de informação profissional para adolescentes, e fazendo
visitas domiciliares à população da favela que se
beneficiava da instituição.
A certeza da importância do ensino de Psicologia na
formação de professores conduziu-me a realizar o curso
de Licenciatura em Psicologia. A Licenciatura permitiu
que eu entendesse mais o sistema educacional brasileiro
e seus problemas. A Faculdade de Educação da UERJ
me proporcionou uma formação bastante interessante.
Os cinco anos em que estive na UERJ foram
caracterizados por inúmeros ganhos, quer
profissionais, quer pessoais. Concluí o curso em agosto
de 1984 com uma formação teórica sólida e com uma
visão bastante ampla da atuação do psicólogo. Além
da experiência profissional adquirida, a universidade
representou um espaço muito importante para mim,
no qual eu aprendi a postular questões complexas e
repensar o mundo.
Assim que me formei, trabalhei em consultório
particular por quatro anos, realizando atendimento
psicoterápico de orientação psicanalítica para adultos e
adolescentes, o que muito me gratificava. Tive,
concomitantemente, a chance de enriquecer essa prática
clínica participando de um projeto de pesquisa em
Educação e Saúde, voltado para professores e alunos
do ensino fundamental, no Departamento de Biologia
da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), coordenado
pela Dra. Virgínia Torres Schall. Tive bolsa de
Profissional em Aperfeiçoamento do CNPq. Minha
participação nesse projeto diminuía o isolamento da
prática clínica, permitia-me atingir um maior número de
pessoas e ter uma contribuição profissional mais ampla.
Dediquei-me ao estudo da formação de conceitos de
saúde e doença em estudantes do ensino fundamental.
Temática essa que se constituiu num embrião de uma
pesquisa que vim a desenvolver, mais tarde, em maior
profundidade, como tese de doutorado.
Na realidade, eu saí da FIOCRUZ para cursar o
doutorado fora do Brasil. Quando ingressei no doutorado na University of Southern California (USC), em Los
História
Angeles, pela natureza do meu projeto de pesquisa, a
minha área de concentração principal foi Desenvolvimento Humano e a secundária foi Metodologia da
Pesquisa.
Katya: Descreva quais aspectos foram mais
marcantes no seu doutoramento na University of
Southern California.
Evely Boruchovitch:
Na University of Southern California, eu prestei
seleção para o Departamento de Psicologia Educacional
da Escola de Educação, visto que pretendia dar
continuidade às inquietações que surgiram decorrentes
da minha participação no projeto de Educação e Saúde.
Diversos aspectos me marcaram durante o doutorado :
– Era impressionante a quantidade de informações e
de leituras que tínhamos a cada aula. O número de
referências bibliográficas obrigatórias por disciplina era
enorme. Evidentemente, não havia um controle de
freqüência, mas ninguém faltava às aulas. As disciplinas
eram muito difíceis e a carga de trabalho bastante
intensa. Assistir a aulas avançadas em inglês, no início,
era doloroso. Os seis anos de curso de inglês no Instituto
Brasil-Estados Unidos e três semestres de cadeiras
avançadas de Gramática e Literatura do curso de
formação de professores não me pouparam das dificuldades iniciais de compreender o inglês falado.
– Como eu era bolsista Capes e a bolsa tinha a duração de quatro anos, tive que fazer um curso de Estatística
logo no primeiro semestre, pois ele era pré-requisito de
outros. Esse curso era o terror dos americanos. Durante esse curso, ocorreu uma coisa que me marcou muito.
Pedi um caderno emprestado para copiar e confirmar
as anotações de aula. Ninguém queria me emprestar.
Recém-chegada do Brasil, eu não conseguia entender
tal comportamento. Até que eu descobri que as
avaliações dos cursos lá eram feitas, baseando-se na
curva normal, que prefixava o percentual de alunos que
poderia tirar uma nota A. Então, se eu acertasse uma
questão a mais que alguém, isso diminuía a possibilidade
dessa pessoa de tirar a nota máxima. De todas as
disciplinas que cursei durante o doutorado, em 99%, as
notas eram dadas dessa forma. Fomentava-se muita
competição entre os colegas. Só fiz uma disciplina que
todos podiam, a priori, ser “vencedores” (tirar nota A).
E isso tudo era extremamente contraditório em relação
aos avanços que surgiam, naquela mesma época, acerca
das teorias sociocognitivas da motivação, no que
319
concerne à importância dos climas cooperativos em sala
de aula para a promoção e manutenção da motivação
para aprender do aluno.
– O número de créditos de disciplinas necessárias e
obrigatórias para a formação do Ph.D. era bastante
elevado. Cursei 66 créditos, o equivalente a 15 disciplinas.
– Havia muita solidão acadêmica. Eu só fiz um trabalho em grupo, durante o curso inteiro. Tinha pouca
oportunidade de discussão e interlocução com os
colegas.
– A relação era extremamente formal e hierárquica
entre professor e aluno, orientador e orientando, e ia se
modificando e melhorando à medida que o orientando ia
produzindo e avançando nos exames, na tese...
– Havia simultaneidade da seriedade da formação
tanto em um nível mais geral, quanto em um nível mais
específico.
– A atualização dos textos e da literatura
recomendada, ao mesmo tempo que os autores clássicos
nunca eram relegados.
– Havia um número excessivo de exames de
qualificação. Fiz quatro exames dessa natureza ao longo
do curso. O primeiro foi um exame escrito, logo após a
conclusão das disciplinas básicas. Após a conclusão de
todos os créditos, havia mais três exames: dois escritos,
um sobre o estado da arte dos principais temas da sua
área de concentração principal e outro sobre o estado
da arte dos principais temas da sua área de concentração
secundária. O terceiro exame era oral com cinco
professores e versava sobre o seu projeto de pesquisa e
questões relativas à tese. Esses exames eram longos,
estressantes e sem consulta, requerendo um preparo
prévio enorme. Defender tese, depois de tudo isso, foi
uma das coisas mais tranqüilas do processo.
– Eram rigorosas as críticas nos feedbacks recebidos
a cada trabalho corrigido.
– Foi desgastante redigir uma tese em uma língua
que não era a minha e lidar com a excelência de redação
exigida. O texto tinha que ter a qualidade do native
speaker. No meu caso específico, o inglês não era a
primeira língua, nem para mim nem para a minha
orientadora, Dr. Birgitte Mednick, que era dinamarquesa.
– Pude me dedicar exclusivamente ao doutorado –
isso foi muito positivo e único. Até então, eu vivia dividida entre várias atividades.
– Depois da defesa de tese, tive a satisfação de
receber alguns reconhecimentos promovidos pela
Universidade como: um certificado de Outstanding
320
Academic Achievement, a Harold Cook Merit
Scholarship, e a Phi Delta Kappa Scholarship.
Katya: Qual o motivo que a levou a escolher a
Psicologia Escolar/Educacional como área de
atuação?
Evely Boruchovitch:
Acho que três fatores contribuíram para essa escolha:
os dois estágios realizados em Psicologia Escolar durante a graduação, ter sido aluna e ter realizado estágio
em Psicologia escolar sob a supervisão da Marisa Lopes
da Rocha e ter participado, logo que me formei, de um
projeto de pesquisa em Educação e Saúde, na Fundação
Oswaldo Cruz.
A participação no projeto de Educação em Saúde
representou para mim uma inesgotável fonte de
aprendizado e muito contribuiu para o meu
amadurecimento profissional e pessoal. Consolidei a
certeza de que queria o caminho instigante do mundo da
pesquisa e da Psicologia Escolar e Educacional.
Katya: Como se interessou pela Psicologia
Cognitiva, em especial a baseada na teoria do
processamento da informação? Qual o papel desse referencial teórico na sua atuação?
Evely Boruchovitch:
Muito preocupada com o fracasso escolar brasileiro,
cursei, durante o doutorado, diversas cadeiras fora das
minhas áreas de concentração. Investi muito nos cursos
ligados a aprendizagem humana, também, e me fascinei
pelas contribuições das teorias cognitivas da
aprendizagem e suas frutíferas aplicações na melhoria
da aprendizagem e do rendimento escolar de alunos.
Encantei-me pelos trabalhos sobre a metacognição –
as propostas de aprendizagem auto-regulada, a
possibilidade de fortalecer a capacidade de aprender do
aluno, mediante o ensino de estratégias de aprendizagem,
de ensiná-lo a aprender a aprender e, a exercer mais
controle e reflexão sobre seu o próprio processo de
aprendizagem .
Pensando sobre isso, escrevi dois artigos teóricos. O
primeiro, em 1993, foi uma reflexão sobre a
metacognição e suas possíveis contribuições para o
fracasso escolar brasileiro. Já o outro versava sobre o
impacto das variáveis psicológicas no desempenho
escolar. Foi por meio desse segundo artigo que conheci
o Prof. José Aloyseo Bzuneck. Ele, ao ler o artigo, me
enviou uma carta falando dos seus interesses
História
semelhantes de investigação. A partir daí, começamos
trabalhos em conjunto.
Na realidade, as recentes contribuições da Psicologia
Cognitiva baseada na Teoria do Processamento da
Informação têm norteado a minha atuação como
professora e pesquisadora. Tenho estudado a
aprendizagem de alunos brasileiros, tendo esse
referencial teórico.
Comecei a pesquisar as estratégias de aprendizagem
e os hábitos de estudos de crianças brasileiras do ensino
fundamental, acreditando ser um passo inicial importante
para se poder contribuir para fortalecer a capacidade
de aprender de nossos alunos, para a prevenção de dificuldades de aprendizagem, bem como para se tentar
caminhar em direção a construção de um conhecimento
maior sobre como os nossos estudantes estudam e
aprendem.
Minhas pesquisas têm se concentrado na identificação
das estratégias de aprendizagem utilizadas pelos alunos
espontaneamente ou como conseqüência de intervenções
psicopedagógica e na análise dos fatores afetivos,
motivacionais e demográficos que facilitam ou impedem
os alunos de aprender e de se engajar no uso de
estratégias de aprendizagem.
Tenho tentado caminhar em direção a um ensino
voltado para o desenvolvimento de estratégias de
aprendizagem e para a promoção da motivação para
aprender nos alunos. Há pesquisadores que defendem a
criação de uma cultura que valorize e promova o aprender
a aprender, os processos metacognitivos e o
desenvolvimento do estudante auto-regulado. Penso que
isso é um investimento a longo prazo, que só será
alcançado se, houver uma inserção maior das contribuições
da psicologia cognitiva baseada na teoria do processamento
da informação nos cursos de formação de professores,
não só do ponto de vista teórico, mas de forma crítica,
auto-reflexiva e, sobretudo, vivencial.
Como se constata a carência de instrumentos nacionais
relativos à avaliação psicoeducacional, sobretudo dentro
desse referencial teórico, tenho tentado também contribuir
para discussão e produção de conhecimentos nessa
direção. Participo, atualmente, do Grupo de Trabalho de
Avaliação Psicológica da ANPPEP.
Katya: Relate um pouco do seu percurso de
pesquisadora e, na sua percepção, quais os
impasses enfrentados por um pesquisador no
Brasil?
História
Evely Boruchovitch:
O meu trabalho na área de formação de conceitos na
FIOCRUZ me suscitou uma série de indagações que tentei
responder na minha tese de doutorado. Na ocasião, eu
almejava tanto contribuir para a realidade brasileira, obter
informações úteis para a melhoria do ensino de Saúde, como
para a implementação de programas preventivos em
Educação e Saúde. Defendi tese no final de 1993.
Tendo cumprido os meus objetivos profissionais em
Los Angeles, era hora de voltar. Por mais que o Rio de
Janeiro, minha terra natal, fosse atraente e mais
aconchegante do ponto de vista afetivo, queria algo diferente. Escolhi a Faculdade de Educação da UNICAMP
pela sua elevada reputação, que me possibilitaria
realizações profissionais. Candidatei-me, então, a uma
bolsa de recém-doutor no Departamento de Psicologia
Educacional (DEPE) da Faculdade de Educação da
UNICAMP. Na ocasião, foi-me solicitado o envio do
projeto de pesquisa e o curriculum vitae para que o meu
pedido pudesse ser avaliado. Elaborei um projeto voltado
para a temática do fracasso escolar, tendo como
referencial teórico as contribuições da Psicologia Cognitiva
baseada na Teoria do Processamento da Informação.
Fiquei muito contente ao receber a resposta positiva do
DEPE pela admiração que sentia pelo conjunto de
professores pesquisadores que lá realizavam um trabalho
destacado, em nível nacional. Isso foi no início de 1995.
No final do ano de 1995, houve uma seleção interna,
e tive, portanto, a possibilidade de concorrer a uma vaga
de Professor-Assistente-Doutor, com regime de trabalho em tempo parcial. Foi gratificante saber que tinha
sido uma das selecionadas. Passei a fazer parte do corpo
docente do DEPE a partir de julho de 1996, o que me
ampliou as oportunidades de atuação profissional, quer
em nível de ensino, quer em nível de pesquisa. Mas era
um contrato temporário. Prestei outro concurso público,
em 1999 e passei a integrar o quadro permanente da
Faculdade de Educação da UNICAMP.
Logo após ter sido oficialmente contratada pela
UNICAMP, fui convidada pelo Prof. Fermino F. Sisto a
fazer parte do Grupo de Pesquisas e Estudos em
Psicopedagogia (Gepesp). Participar desse grupo vem
representando para mim uma perspectiva muito
interessante de atuação em projetos de pesquisa e
atividades grupais.
Como eu era tempo parcial na UNICAMP, O Prof.
Fermino, em 1999, sugeriu-me que prestasse uma
seleção para atuar no Programa de Pós-Graduação
321
em Educação da Universidade São Francisco, que na
época estava tentando a sua consolidação junto à
Capes. Foi uma experiência profissional rica na qual
comecei a desenvolver uma parceria frutífera com a
Profa. Acácia Santos, em função de interesses comuns
de trabalho. Começou a ficar pessoalmente difícil
conciliar o trabalho em duas instituições e surgiu a
oportunidade de eu assumir o regime de dedicação
exclusiva na UNICAMP. Acabei optando por isso.
Considero que, esses dez anos de trabalho na
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas, tem me proporcionado a oportunidade de
contribuir com o ensino de Psicologia nos cursos de
formação de professores, formar pesquisadores e atuar
em cursos de especialização em Psicopedagia, em nível
de extensão, o que para mim representa considerável
crescimento profissional e pessoal.
Bom, no que diz respeito aos impasses enfrentados
por um pesquisador, no Brasil, penso que há uma
escassez de verbas para pesquisa nas áreas humanas,
há necessidade de aumento de bolsas de mestrado e
doutorado. Faz muita falta o aluno que possa se dedicar
exclusivamente à pós-graduação. É difícil administrar
verbas de projetos grandes, relatórios de prestação de
contas e, em geral, não contar com uma infra-estrutura
de apoio que possa auxiliar nessa parte. Há também a
dificuldade de fazer pesquisas que sejam mais
representativas nacionalmente. É necessário haver uma
maior integração entre os pesquisadores que estudam a
mesma temática, ou temáticas que se complementam,
em nível nacional. Precisa-se fomentar e estimular o
estabelecimento de um maior número de intercâmbios
interinstitucionais.
Katya: Enquanto professora da UNICAMP,
tendo orientado diversas dissertações e teses, qual
a sugestão que você daria àqueles que querem
seguir uma carreira acadêmica?
Evely Boruchovitch:
Abraçar a vida acadêmica implica um compromisso
que envolve, não só a produção de conhecimento e a
formação daqueles que produzirão o conhecimento,
futuramente, mas também daqueles que usarão esse
conhecimento e atuarão com ele. É essencial que as
atividades de pesquisa e docência estejam sempre
interligadas.
Eu remeteria aos interessados em seguir vida
acadêmica a Carta aos Jovens, de I. Pavlov, na qual ele
322
destaca três atributos essenciais mais gerais que devem
ser perseguidos por aqueles que querem fazer ciência:
Constância, Modéstia e Paixão. Pavlov destaca também
a importância da Discrição, da Paciência e do Esforço.
Eu lembraria a eles que pesquisar é produzir
conhecimento. Implica, pois, a aquisição de um conjunto
de competências que vão desde o estilo de redação ao
conhecimento profundo de teorias, técnicas, métodos,
instrumentos, procedimentos de coleta e análise de dados. Esse conhecimento leva um tempo enorme para
ser construído e é interminável. Seria interessante que
essa construção começasse desde a graduação.
Não resistiria e voltaria a Pavlov para reforçar a
importância do exercício e do desenvolvimento da
humildade. Apontaria para a importância da ética, da autoreflexão. Despertaria a consciência de que, na vida
acadêmica, as nossas idéias são e serão sempre criticadas
e que a crítica construtiva dos pares se constitui numa
das fontes mais ricas de aprendizagem e fortalecimento
profissional. É muito importante saber fazê-la e saber
recebê-la. Destacaria também a relevância de se ter uma
formação teórica sólida, que não se restrinja ao
conhecimento de um único referencial teórico em
profundidade. Daí a importância de se aproveitar o
máximo dos cursos de graduação e de pós-graduação.
Katya: Quais os principais desafios a serem
superados pela Psicologia Escolar/Educacional em
nosso país?
Evely Boruchovitch:
Por um lado, acho que a Psicologia Escolar e
Educacional passa por um momento muito mais favorável
hoje, quando comparado à época em me formei, há 21
anos. Hoje há um interesse muito maior dos estudantes
de Psicologia por essa área do que naquela época. A
existência de uma associação como a Abrapee tem
contribuído muito para isso por meio da promoção de
congressos e congregação de profissionais e estudantes
interessados na Psicologia Escolar e Educacional, bem
como tem nos representado muito bem em instâncias
como CRP, CFP, entre outras. A Revista de Psicologia
Escolar e Educacional tem sido muito útil, organizando,
publicando e divulgando o conhecimento que vem sendo
produzido em Psicologia Escolar e Educacional,
mostrando o quanto é instigante e interessante o seu
objeto de estudo.
História
Por outro lado, acho que a formação do psicólogo
escolar ainda deixa muito a desejar. Ele acaba por não
ter uma idéia de todas as possibilidades de atuação que
se pode ter além da escola. Tenho atuado em cursos de
especialização em Psicopedagogia. Constata-se que a
formação do psicólogo é precária em Psicologia Escolar
e Educacional, bem como em Educação. O mesmo
ocorre com o pedagogo que também carece dos
conhecimentos acerca das contribuições da Psicologia
para a Educação.
A Psicologia Escolar e Educacional deve ajudar os
professores a maximizar as condições que favoreçam a
aprendizagem e a motivação para aprender do aluno.
Deve se preocupar também com a promoção da saúde
mental, do bem-estar emocional, do desenvolvimento
pleno e da qualidade de vida daqueles que aprendem e
ensinam. Ainda temos um enfoque muito remediativo.
Inexiste uma cultura da prevenção.
É inegável que tenhamos hoje uma literatura
considerável e importantíssima sobre o fracasso escolar
e problemas educacionais brasileiros, mas temos pouca
produção nacional sobre o que promove a aprendizagem
dos nossos alunos.
Os livros de Psicologia Educacional precisam ser mais
voltados para a aplicação do conhecimento.
Embora o panorama esteja se modificando e
vários esforços estejam sendo empreendidos,
carecemos ainda de instrumentos de avaliação
psicoeducacional nacionais e/ou validados para nossa
realidade.
Deveria haver uma maior interação entre
pesquisadores. Há uma dificuldade de se caminhar em
direção a construção de um corpo de conhecimento
mais mais compreensivo da aprendizagem de nossos
alunos, que possa inclusive nortear melhor a formação
de professores.
Falta também uma maior aproximação daqueles que
fazem e produzem psicologia escolar na sala de aula, na
escola, sobre o professor, sobre o aluno, com aqueles
que atuam no delineamento de políticas nacionais de
Educação, de Saúde.
Eu gostaria muito de agradecer à Revista Psicologia
Educacional e Escolar pela oportunidade de participar
desta entrevista e refletir sobre essas questões.
Sugestões Práticas
COMPETÊNCIAS EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR
Ronei Ximenes Martins1
É fato a influência das tecnologias na sociedade.
Práticas sociais, relações comerciais e a educação são
cada vez mais orientadas por e para as tecnologias de
informação e comunicação (TIC). Neste contexto, as
pessoas devem estar adaptadas aos padrões de uso dos
recursos tecnológicos, principalmente no tocante ao
exercício profissional. Para tal, é essencial adquirir
habilidades e consolidar competências necessárias à
utilização de computadores, redes e outros dispositivos
telemáticos em diferentes situações. Tais habilidades
estão associadas à aplicação dos recursos tecnológicos,
ao uso das diversas mídias de comunicação, à busca de
informação e à solução de problemas com o auxilio da
tecnologia (Joly, 2004; Leu, Mallette, Karchmer & KaraSoteriou, 2005).
Por já estar em evidência há quase três décadas, o
uso da informática (e mais recentemente das tecnologias
de comunicação) na educação pode não mais despertar
interesse dos profissionais que atuam na área.
Aparentemente a situação apresenta-se como
solucionada. No Brasil, vários programas de iniciativa
do poder público, ao longo da última década, dedicaram-se à capacitação de professores e incorporação de
equipamentos no ambiente escolar. As tecnologias de
informação estão presentes na escola desde o
surgimento dos computadores como produtos
comerciais. A principio, em algumas universidades, como
objeto de pesquisa e de acesso bastante restrito.
Posteriormente como máquinas de ensinar, destinadas
aos jovens e adultos e, atualmente, como auxiliares de
aprendizagem para crianças, jovens e adultos. As
iniciativas, no país, para utilização de tecnologias em
atividades de ensino, envolvendo a educação básica
começaram na década de 1980 com o projeto
1
EDUCOM (Valente, 2002). Neste período, vários grupos
de pesquisa em informática educacional foram
constituídos nas universidades brasileiras (Fernandes &
Santos, 1999) sendo que o tema possui um acervo
considerável de pesquisas.
Contudo, um cenário hipotético pode exemplificar o
status quo observável pelos que acompanham
criticamente a incorporação das tecnologias nas escolas.
Na sala de aula, os alunos estão atentos à professora
que escreve com giz no quadro verde, “o pentágono é
um polígono convexo de cinco lados” para em seguida
desenhar a figura. No mesmo corredor, pouco à frente,
uma sala fechada com uma placa na porta onde se lê:
“Laboratório de Informática – Uso permitido aos alunos
somente com a presença do técnico responsável”. Esta
situação é a tradução do que pesquisas (Tosta, 2002;
Santos, 2003; Joly & Silveira, 2003; Joly, 2004, Joly &
Martins, 2005a, 2005b, dentre outros) sobre desempenho
docente em tecnologias para educação apontam.
Equipar escolas com computadores e oferecer curso de
informática educacional aos professores não está se traduzindo em geração de competências para a maioria
dos alunos, principalmente nas instituições educacionais
públicas.
As habilidades relacionadas ao uso de tecnologia
delineiam um novo modelo para a escola. Os recursos
oferecidos pelos computadores, pela Internet e outras
redes de comunicação evidenciam a necessidade de se
estabelecerem vínculos entre os conteúdos das disciplinas
escolares, as diversas aprendizagens no âmbito da escola
e a realidade cotidiana. Notadamente as informações
circulantes são mais ricas em forma e mais
diversificadas em conteúdo do que as existentes na
escola tradicional (Lévy, 1999; Moran, 2000; Marinho,
Licenciado em Matemática. Mestre em Engenharia de Produção - Mídia e conhecimento – pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Doutorando em Psicologia pela Universidade São Francisco. Docente da graduação e pós graduação lato sensu do Centro Universitário do Sul
de Minas nas áreas de educação, psicopedagogia e informática; [email protected]
324
2002). Até o advento das tecnologias de informação e
comunicação, a escola era o lugar para onde as pessoas
se destinavam a fim de adquirir conhecimento
sistematizado, o lugar onde estavam as informações mais
importantes e o professor era visto, então, como o detentor e provedor de saberes. Com a profusão de mídias
e facilidade de acesso oferecido pelas TIC, a escola
redefine-se no que diz respeito a ser repositório de
informações e o professor passa a ter o papel de
mediador e orientador da aprendizagem, devendo ser
hábil no uso das tecnologias para a educação. (Casanova,
2002; Belloni, 2002; Joly & Silveira, 2003).
Leu, Kinzer, Cairo e Cammarck (2004) consideram
a necessidade de uma nova alfabetização (New Literacy)
advinda dos avanços tecnológicos. Ela inclui habilidades,
estratégias e disposição necessárias para explorar com
sucesso as rápidas mudanças rápidas proporcionadas
pelas TIC, de forma a potencializar oportunidades de
crescimento das pessoas no trabalho e na vida privada.
Segundo estes autores, o construto New Literacy se
funda sobre as habilidades básicas de leitora, escrita e
lógica matemática (alfabetização) utilizadas nas escolas
e que preparam os estudantes para o uso de livros, papel
e caneta, ampliando-as para o uso fluente da tecnologia.
Segundo os autores, esta nova forma de alfabetização
propõe um estado de conhecimento especialista
(Expertise) que inclui habilidades relacionadas às novas
formas de ler e escrever adaptadas ao hipertexto e
hipermídia, à busca e organização de informações utilizando aparato informático, além de habilidades em
comunicar-se e interagir utilizando aparato telemático.
Além da necessidade de desenvolver uma nova
alfabetização que permita expertiase em tecnologias, a
inclusão de TIC no ambiente escolar proporciona
versatilidade e profusão de alternativas em praticas
educativas, visto que potencializa a aprendizagem dos
conteúdos ao oferecer informação através de multimeios
sensoriais (Moran, 1994; Gardner, 1996; Moran, 2000).
Então, manter estudantes e professores em contato com
as tecnologias de comunicação e com os computadores
tem dupla ação educativa. Permite gerar competência
para operar em um contexto social totalmente
influenciado por tecnologias de comunicação e
informação e oportuniza formas de aprender
relacionadas à significação (Howard, 2002), cognição e
metacognição (Casanova, 2002; Howard, 2002). Belloni
(2002) confirma estas ações educativas, considerando
que pedagogia e tecnologia sempre andaram juntas, pois
Sugestões Práticas
o processo de socialização das novas gerações inclui,
necessariamente, a preparação dos jovens indivíduos para
o uso dos meios técnicos disponíveis na sociedade.
A importância do desenvolvimento de competência
em tecnologias no ambiente escolar, através da
constituição de New Leteracy, tem despertado o
interesse de pesquisadores nas áreas de educação e
psicologia. Segundo Leu, Mallette, Karchmer e KaraSoteriou (2005), o construto New Leteracy envolve
incorporação de avanços tecnológicos contínuos às
habilidades para utilizar tal aparato produtivamente. Um
dos focos de investigação neste sentido é a mensuração
do desempenho de estudantes e professores em
tecnologias de informação e comunicação, considerando
a perspectiva da incorporação de competências em
tecnologias na formação de crianças e adolecentes.
Já foram desenvolvidos padrões internacionais quanto
às habilidades em TIC esperadas das pessoas em cada
etapa de formação na escola. Um dos padrões, utilizado
pela United Nation Educational, Scientific and Cultural
Organization – UNESCO (2004), com categorias
específicas para estudantes, professores e gestores
educacionais, foi criado pela International Society for
Technology in Education – ISTE (2000), e está sendo
adotado nos Estados Unidos da América (EUA) e em
outros paises. Este padrão pode ser utilizado como base
para obtenção de dados quanto ao desempenho do aluno
e do professor em tecnologias de informação e
comunicação utilizadas na educação. Também é
indicador para elaboração de projetos de incorporação
das tecnologias nas atividades cotidianas da escola,
indicando ao professor como se utilizar todos os recursos
disponíveis para operacionalizar atividades de
aprendizagem através de computadores, redes, áudio e
vídeo, a fim de explorar a dupla ação educativa de seu
uso: aprender o conteúdo e construir New Literacy.
Recente pesquisa realizada pela Organização
NetDay (2004) revelou que alunos e professores
americanos mantêm hábitos e habilidades similares
quanto ao uso da tecnologia para estudar, fruto da adoção
dos padrões em tecnologia educacional como
orientadores de projetos pedagógicos. Oitenta e sete por
cento (87%) dos professores respondeu que considera
o domínio da tecnologia muito importante em sua
profissão e que o uso dela nas aulas é sua
responsabilidade profissional. Setenta e cinco por cento
(75%) incorporam constantemente materiais didáticos
obtidos na Internet em suas aulas e setenta e oito por
Sugestões Práticas
325
cento (78%) consulta periodicamente os padrões
estaduais e/ou federais para uso da tecnologia. A maioria
dos professores revelou contar com a habilidade dos
alunos para suporte às tecnologias na sala de aula. Tal
panorama reflete-se positivamente no desempenho dos
alunos frente às tecnologias. Pesquisa do National
Center for Education Statistics (NCES) do Departamento de Educação dos EUA aponta que 90% das
crianças entre 5 e 17 anos usam computadores e que os
adolescentes americanos passam mais tempo utilizando
Internet do que assistindo à televisão. A grande maioria
deles (94%) utiliza a Internet para pesquisas relacionadas
à escola e 24% é capaz de criar suas próprias páginas
na Internet. O estudo também registrou que 97% dos
alunos do jardim de infância (pré-escola na Brasil) já
têm acesso ao computador na escola ou em casa (U.S.
Department of Education, 2004).
A percepção de que professores hábeis no uso de
tecnologias para atividades educacionais induzem esta
habilidade nos seus alunos foi constatada por Zhao e col
(2001), em estudo sobre as práticas, crenças, atitudes e
estilos pedagógicos de professores da educação básica
que haviam feito uso inovador da tecnologia em suas
escolas e gerado resultados positivos no aprendizado dos
alunos. Joly (2004) também registra que somente
professores hábeis no uso de tecnologia em situações
de ensino-aprendizagem são capazes de levar o aluno a
utilizar efetivamente os dispositivos e recursos de forma
mais avançada do que em operações básicas, além de
demonstrar atitudes mais próximas dos padrões
desejáveis estabelecidos pela ISTE.
A psicologia educacional tem relevante contribuição
neste contexto. A atuação do psicólogo escolar e
educacional, segundo a Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE,
abrange a melhoraria do processo ensino-aprendizagem
no seu aspecto global (cognitivo, emocional, social e
motor) e caracteriza-se, inclusive, pela intervenção na
prática, atuando no ambiente escolar. A análise crítica
de como os recursos tecnológicos estão sendo
incorporados à prática pedagógica da escola, a adaptação dos padrões internacionais ao projeto pedagógico
de cada instituição, a mensurarão periódica do
desempenho em tecnologias (new literacy), a
avaliação da aquisição de habilidades e competências
por professores e alunos, além da pesquisa de novas
tecnologias e novas formas de utilizá-las na educação,
devem ser parte integrante da agenda de trabalho de
todos os profissionais envolvidos com aprendizagem
no contexto escolar.
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da leitura é a temática tratada nos nove capítulos que
integram o livro. Enfocam: aspectos teóricos e práticos,
conflitos face a variedade de informação, identidade e
representação, poder e opressão e criticidade,
compreensão do diferente, contextualização e perspectiva
futuras.
Karchmer, R. A. ; Marllette, M. At.; Kara-Soteriou, J; Leu Jr. D.
J. (org). (2005) Inovative approaches to literacy
education: using internet to support new literacies.
Newark: IRA, 238 p. Enfocam o contexto do ensino face
às novas tecnologias, às mudanças sociais aos serviços
disponíveis na comunidade. Trata da educação em
colaboração, do uso da irternet e de outros recursos online e do preparo de professores.
Libâneo, J. C., Santos, A. (orgs.) (2005). Educação na era do
conhecimentoe em rede e transdisciplinaridade.
Campinas: Alínea, 240 p. Tratam das tecnologias
modernas dentro de um enfoque transdisciplinar com
destaque para a formação do professor, a crítica e as
várias possibilidades.
Marinho-Araújo, C. M., Almeida, S. J. C. (2005) Psicologia
Escolar: construção e consolidação da identidade
profissional. Campinas: Alínea, 121 p. Com prefácio de
R. S. L. Guzzo é aproveitada parte da tese de MarinhoAraújo e a vivência das autoras na área Psicologia Escolar,
que em uma posição crítica tratam da educação escolar,
do trabalho com o professor, da formação e da atuação
do psicólogo e da intervenção no meio educacional.
Medico, M. D. (2005). PIP - Programa de Informação
Profissional. São Paulo: Casa do Psicólogo, 230 p. Trata
da informação profissional como parte integrante da
Orientação Vocacional e Profissional em linguagem
simples. A bibliografia de sustentação é limitada e não
há indicação no corpo de discurso das fontes utilizadas
o que é uma falha grave.
Oliveira, M. H. M. A. e Gargantini, M. B. M. (orgs.) (2005).
Tópicos em leitura-escrita: pesquisa e prática. São José
328
dos Campos: Pulso, 2005, 120p. Além das organizadoras
a obra conta com a colaboração de A. L. Guedes-Pinto e
H. O. Macedo. Há um esforço em equilibrar pesquisa e
prática ao longo do livro, composto por oito capítulos,
sendo quatro de cada um destes temas.
Rossi, A.M., Perrewé, P.L. & Santer, S.L.(Orgs). (2005). Stress
e qualidade de vida no trabalho. São Paulo: Atlas S.A.,
xxii+197. Trata das questões envolvendo o estresse no
trabalho de um modo geral sendo útil em qualquer área
de atividade: fontes de risco do estresse ocupacional,
conseqüências deste tipo de estresse e na saúde, bem
como , prevenção como estratégia básica.
Santos, C. R. (org). (2005). Avaliação educacional: um olhar
reflexivo sobre sua prática. São Paulo: Avercamp, 93p.
O tema está sempre presente na área educacional e na
obra é enfocada a análise conceitual, legal e crítica; o
portfólio como meio de avaliação, contexto e ética ao
longo da história
Scarpato, M. (org). (2004). Os procedimentos de ensino fazem a aula acontecer. São Paulo: Avercamp, 133p. Os
autores enfocam o que ocorre na sala de aula destacando: aprendizagem integral, escolha de procedimento, técnicas Freinet, aprendizagem em grupos, multiculturalidade
e preparo da aula.
Shine, S. (org.) (2005). Avaliação Psicológica e lei: adoção,
vitimização, separação conjugal, dano psíquico e outros temas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 245 p. Vários
psicólogos enfocam a avaliação psicológica na área
Informativo
jurídico/ forense tais como vara da família, aspectos
gerais, adoção, separação conjugal, violência (crianças,
adolescentes, mulheres, institucionalização) e laudo
pericial.
Silva, S. M. C. (2005). Psicologia Escolar e arte: uma proposta
para a formação e atuação profissional. Campinas:
Alínea/EDUFU, 208 p. Apresenta, em 8 capítulos, a
vivência da autora como professora, supervisora e
pesquisadora na área de Psicologia Escolar, de caráter
qualitativo, que constituiu sua tese de doutorado, defendida na UNICAMP.
Tessaro, Nilza S. (2005). Inclusão escolar: concepções de
professores e alunos da educação regular e especial.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 202 p. Trata da inclusão
do escolar atípico, sendo o produto de sua tese de doutorado em que analisou concepções de professores e
alunos tanto vinculados à educação regular como à
especial. Trabalho atual e crítico para a análise do
problema em tela.
Wulf, C. (2005). Antropologia da Educação. Campinas: Alínea, 214 p. Trata de enfoque raro na bibliografia disponível em português no Brasil - a perspectiva antropológica
da educação, em um enfoque que traz uma leitura psicanalítica clássica subjacente. Os temas tratados são
perfectibilidade na educação e individual, gestos e ritos
no trabalho, mimesis na educação, gesto e ritual, imagem
e imaginação, violência inevitável, o outro, mundialização
e intercultura na educação.
Informativo
329
INFORME
Março/2006 – dias 22 a 25
AMERICAN CREATIVITY ASSOCIATION INTERNATIONAL CONFERENCE 2006
Local: Austin, Texas/USA
Contato: [email protected]
Abril/2006 – dias 27 a 29
I ENCONTRO MINEIRO DE PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Local: Universidade Federal de Uberlândia
Contato: www.ufu.br
Abril/Maio/2006 – dias 30/04 a 04/05 a 25
IRA’S 51ST ANNUAL CONVENTION
Local: Chicago, USA
Contato: www.reading.org
Julho/2006 – dias 2 a 6
10TH BIENNIAL MEETING OF THE INTERNATIONAL SOCIETY FOR THE STUDY OS
BEHAVIOURAL DEVELOPMENT (ISSBD)
Local: Melbourne, Austrália
Contato: www.issbd2006.com.au
Julho/2006 – dias 16 a 21
26TH INTERNATIONAL CONGRESS OF APPLIED PSYCHOLOGY (IAAP)
Local: Atenas, Grécia
Contato: www.iaapsy.org ou www.erasmus.gr
Setembro/2006 – dias 05 a 09
II CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO
Local: São Paulo, SP
Contato: www.cienciaeprofissao.com.br
Informativo
331
Forma de Apresentação dos Manuscritos
Psicologia Escolar e Educacional adota as normas da APA (4a edição, 1994), exceto em situações
específicas onde há conflito com a necessidade de se assegurar o cumprimento da revisão cega por pares,
regras do uso da língua portuguesa, normas gerais da ABNT, procedimentos internos da revista, inclusive
características de infra-estrutura operacional. A omissão de informação no detalhamento que se segue implica
em que prevalece a orientação da APA. Os manuscritos devem ser redigidos em português, espanhol, inglês e
francês nas seguintes categorias:
1. Artigos – trabalhos originais teóricos, de revisão de literatura e de relatos de pesquisa (até 25 laudas);
Comunicação de Pesquisa – relatos originais sucintos de pesquisas realizadas;
Resenhas – apresentação e análise de livros publicados na área nos últimos dois anos (até 5 laudas)
2. História – reimpressão ou impressão de trabalhos ou documentos de difícil acesso relevantes para a
pesquisa e a preservação da história da Psicologia Escolar; entrevistas com personagens relevantes da área e
trabalhos originais sobre esta história;
3. Sugestões Práticas – apresentação de procedimentos, tecnologias, propostas de trabalhos úteis para
a solução de problemas psicoeducacionais ou para a atuação do psicólogo escolar, de vivência do autor de
novos instrumentos e de outras sugestões relevantes para a área (até 5 laudas);
4. Registro Informativo – dados sobre eventos, publicações na área, assuntos diversos de interesse de
psicólogos escolares e educacionais (até 2 laudas);
5. Cartas dos leitores – inclui cópias de cartas, ou parte de cartas de leitores à direção da revista e aos
seus autores, bem como respostas aos mesmos.
Os manuscritos originais deverão ser encaminhados em quatro vias impressas em papel e uma em disquete,
digitadas em espaço duplo, em fonte tipo Times New Roman, tamanho 12, não excedendo o número de laudas
da categoria em que o trabalho se insere, paginado desde a folha de rosto personalizada, a qual receberá
número de página 1. A página deverá ser tamanho carta ou A4, com formatação de margens superior e inferior
(no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm).
Em caso de reformulação, a nova versão deve ser encaminhada em três vias em papel e uma via no
formato de disquete, sendo que a formatação de texto e de página deve obedecer às mesmas características
indicadas para a primeira versão.
Todo e qualquer encaminhamento à revista deve ser acompanhado de carta assinada pelos autores, na
qual deve estar explicitada a intenção de submissão ou re-submissão do trabalho a publicação. Além disso,
devem conceder à Psicologia Escolar e Educacional o direito autoral do artigo, se publicado, bem como
responsabilizando-se pelos procedimentos éticos necessários quando da realização de pesquisas com seres
humanos. A apresentação dos trabalhos deve seguir a seguinte ordem:
Informativo
332
1. Folha de rosto despersonalizada contendo apenas:
1.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12 palavras.
1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não devendo exceder 4 palavras.
1.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em português.
2. Folha de rosto personalizada contendo:
2.1. Título pleno em português.
2.2. Sugestão de título abreviado.
2.3. Título pleno em inglês.
2.4. Nome de cada autor, seguido por afiliação institucional e titulação por ocasião da submissão do
trabalho.
2.5. Indicação de endereço para correspondência postal e eletrônica, seguido de endereço completo, de
acordo com as normas do correio de todos os autores.
2.6. Indicação de endereço para correspondência com o editor sobre a tramitação do manuscrito, incluindo
fax, telefone e, se disponível, endereço eletrônico.
2.7. Se necessário, indicação de atualização de afiliação institucional.
2.8. Se apropriado, parágrafo reconhecendo apoio financeiro, colaboração de colegas e técnicos, origem
do trabalho (por exemplo, anteriormente apresentado em evento, derivado de tese ou dissertação, coleta de
dados efetuada em instituição distinta daquela informada no item 2.4), e outros fatos de divulgação eticamente
necessária.
2.9 Endereço postal completo e endereço eletrônico de todos os autores.
3. Folha contendo Resumo, em português.
O resumo deve ter o máximo de 150 palavras para trabalhos na categoria de Artigos. Ao resumo
devem-se seguir 3 a 5 palavras-chave para fins de indexação do trabalho - devem ser escolhidas palavras que
classifiquem o trabalho com precisão adequada, que permitam que ele seja recuperado junto com trabalhos
semelhantes, e que possivelmente seriam evocadas por um pesquisador efetuando levantamento bibliográfico.
No caso de relato de pesquisa, o resumo deve incluir: descrição sumária do problema investigado,
características pertinentes da amostra, método utilizado para a coleta de dados, resultados e conclusões, suas
implicações ou aplicações.
O resumo de uma revisão crítica ou de um estudo teórico deve incluir: tópico tratado (em uma frase),
objetivo, tese ou construto sob análise ou organizador do estudo, fontes usadas (p. ex. observação feita pelo
autor, literatura publicada) e conclusões.
4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o texto do resumo.
O Abstract deve obedecer às mesmas especificações para a versão em português, seguido de key words,
compatíveis com as palavras-chave.
Informativo
333
5. Texto propriamente dito.
Em todas as categorias de trabalho original, o texto deve ter uma organização de reconhecimento fácil,
sinalizada por um sistema de títulos e subtítulos que reflitam esta organização. No caso de relatos de pesquisa o
texto deverá, obrigatoriamente, apresentar: introdução, metodologia, resultados e discussão. As notas não
bibliográficas deverão ser reduzidas a um mínimo e colocadas ao pé das páginas, ordenadas por algarismos
arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota. Os locais
sugeridos para inserção de figuras e tabelas deverão ser indicados no texto. As citações de autores deverão ser
feitas de acordo com as normas da APA, exemplificadas ao final deste texto. No caso de transcrição na íntegra
de um texto, a transcrição deve ser delimitada por aspas e a citação do autor seguida do número da página
citada. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio, começando em
nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. O tamanho da fonte
deve ser 12, como no restante do texto.
6. Referências, ordenadas de acordo com as regras gerais que se seguem. Trabalhos de autoria única e
do mesmo autor são ordenadas por ano de publicação, a mais antiga primeiro. Trabalhos de autoria única
precedem trabalhos de autoria múltipla, quando o sobrenome é o mesmo. Trabalhos em que o primeiro autor é
o mesmo, mas co-autores diferem são ordenados por sobrenome dos co-autores. Trabalhos com a mesma
autoria múltipla são ordenados por data, o mais antigo primeiro. Trabalhos com a mesma autoria e a mesma data
são ordenados alfabeticamente pelo título, desconsiderando a primeira palavra se for artigo ou pronome, exceto
quando o próprio título contiver indicação de ordem; o ano é imediatamente seguido de letras minúsculas.
Quando repetido, o nome do autor não deve ser substituído por travessão ou outros sinais. A formatação da lista
de referências deve ser apropriada à tarefa de revisão e de editoração - além de espaço duplo e tamanho de
fonte 12, parágrafo normal com recuo apenas na primeira linha, sem deslocamento das margens; os grifos
devem ser indicados por um traço sob a palavra (p. ex., sublinha). A formatação dos parágrafos com recuo e
dos grifos em itálico é reservada para a fase final de editoração do artigo.
7. Anexos, apenas quando contiverem informação original importante, ou destacamento indispensável
para a compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos.
8. Figuras, incluindo legenda, uma por página em papel, ao final do trabalho. Para assegurar qualidade
de reprodução as figuras contendo desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografia; as figuras
contendo gráficos não poderão estar impressas em impressora matricial. Como a versão publicada não poderá
exceder a largura de 8,3 cm para figuras simples, e de 17,5 cm para figuras complexas, o autor deverá cuidar
para que as legendas mantenham qualidade de leitura, caso redução seja necessária.
9. Tabelas, incluindo título e notas, uma por página em papel e por arquivo de computador. Na publicação
impressa a tabela não poderá exceder 17,5 cm de largura x 23,7 cm de comprimento. Ao prepará-las, o autor
Informativo
334
deverá limitar sua largura a 60 caracteres, para tabelas simples a ocupar uma coluna impressa, incluindo 3
caracteres de espaço entre colunas da tabela, e limitar a 125 caracteres para tabelas complexas a ocupar duas
colunas impressas. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para
outros detalhamentos, especialmente em casos anômalos, o manual da APA deve ser consultado.
TIPOS COMUNS DE CITAÇÃO NO TEXTO
Citação de artigo de autoria múltipla
1. Dois autores
O sobrenome dos autores é explicitado em todas as citações, usando e ou & conforme abaixo:
“ A revisão realizada por Guzzo e Witter (1987)” mas “a relação do psicólogo-escola pública foi descrita
com base num estudo exploratório na região de Campinas” (Guzzo & Witter, 1987)”
2. De três a cinco autores
O sobrenome de todos os autores é explicitado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em
diante só o sobrenome do primeiro autor é explicitado, seguido de “e cols.” e o ano, se for a primeira citação de
uma referência dentro de um mesmo parágrafo:
Vendramini, Silva e Cazorla (2000) verificaram que [primeira citação no texto]
Vendramini e cols. (2000) verificaram que [citação subsequente, primeira no parágrafo]
Vendramini e cols. verificaram [omita o ano em citações subsequentes dentro de um mesmo parágrafo]
Na seção de Referências todos os nomes são relacionados.
3. Seis ou mais autores
No texto, desde a primeira citação, só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, seguido de “e
cols.”, exceto se este formato gerar ambigüidade, caso em que a mesma solução indicada no item anterior deve
ser utilizada:
Primi e cols. (2001).
Na seção de referências todos os nomes são relacionados.
Citações de trabalho discutido em uma fonte secundária
O trabalho usa como fonte um trabalho discutido em outro, sem que o trabalho original tenha sido lido
(por exemplo, um estudo de Taylor, citado por Santos, 1990). No texto, use a seguinte citação:
Taylor (conforme citado por Santos, 1990) acrescenta que a avaliação da compreensão em leitura...
Na seção de Referências informe apenas a fonte secundária, no caso Santos, usando o formato
apropriado.
Informativo
335
Exemplos de Tipos Comuns de Referência
1. Trabalho apresentado em congresso, mas não publicado
Serpa, M.N.F. & Santos, A.A.A. (1997, outubro). Implantação e primeiro ano de funcionamento do
Serviço de Orientação ao Estudante. Trabalho apresentado no XI Seminário Nacional das Universidades
Brasileiras, Guarulhos - São Paulo.
2. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação seriada regular
Tratar como publicação em periódico, acrescentando logo após o título a indicação de que se trata de
resumo.
Silva, A.A. & Engelmann, A. (1988). Teste de eficácia de um curso para melhorar a capacidade de
julgamentos corretos de expressões faciais de emoções [Resumo]. Ciência e Cultura, 40 (7, Suplemento), 927.
3. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação especial
Tratar como publicação em livro, informando sobre o evento de acordo com as informações disponíveis
em capa.
Todorov, J.C., Souza, D.G. & Bori, C.M. (1992). Escolha e decisão: A teoria da maximização momentânea
[Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas, XXII Reunião
Anual de Psicologia (p. 66). Ribeirão Preto: SBP.
Witter, G.P. (1985). Quem é o psicólogo escolar: Sua atuação prática. [Resumo]. Em Sociedade Brasileira
de Psicologia (Org.), XVII Reunião Anual de Psicologia, Resumos (p. 261). Ribeirão Preto: SBP.
4. Teses ou dissertações não publicadas
Polydoro, S.A.J. (2001). O trancamento de matrícula na trajetória acadêmica do universitário: Condições
de saída e de retorno à instituição. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP.
5. Livros
Solé, I. (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Mdicas.
6. Capítulo de livro.
Anderson, R.C. & Pearson, P.D. (1984). A schema-theoretic view of basic processes in reading
comprehension. Em P.D. Pearson, R. Barr, M.L. Kamil & P. Mosenthal (Orgs.) Handbook of reading research
(Vol. 1, pp 251-291). New York: Longman.
Pasquali, L. (1996). Teoria da resposta ao item - IRT: uma introdução Em L. Pasquali (Org.), Teoria e
métodos de medida em ciências do comportamento (pp. 173-195). Brasília, INEP.
7. Livro traduzido, em língua portuguesa
Salvador, C.C. (1994). Aprendizagem escolar e construção de conhecimento. (E.O. Dihel, Trad.) Porto
Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1990)
História
336
Se a tradução em língua portuguesa de um trabalho em outra língua é usada como fonte, citar a tradução
em português e indicar ano de publicação do trabalho original.
No texto, citar o ano da publicação original e o ano da tradução: (Salvador, 1990/1994).
8. Artigo em periódico científico
Kintsch, W. (1994). Text comprehension, memory, and learning American Psychologist, 49 (4), 294-303.
9. Obra no prelo
Não forneça ano, volume ou número de páginas até que o artigo esteja publicado. Respeitada a ordem de
nomes, é a ultima referência do autor.
Sonawat, R. (no prelo). Families in India. Psicologia: Teoria e Pesquisa.
10. Autoria institucional
American Psychiatric Association (1988). DSM-III-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder
(3a ed. revisada). Washington, DC: Autor.
A remessa de manuscritos para publicação, bem como toda a correspondência de seguimento que se
fizer necessária, deve ser enviada para a Revista Psicologia Escolar e Educacional, conforme endereço
abaixo ou enviada para o endereço eletrônico [email protected] :
Universidade São Francisco
Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia
Profª Drª Maria Cristina Joly
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45
13251-900 – Itatiba/SP
Procedimentos de submissão e avaliação dos manuscritos
Os manuscritos que se enquadrarem nas modalidades de trabalho especificadas acima, passarão pelo
seguinte procedimento:
1. Encaminhamento para emissão de parecer a membros do Corpo Editorial da revista e/ou consultores
ad hoc
2. Recepção dos pareceres, com recomendação para aceitação (com ou sem modificações) ou rejeição.
No caso de aceitação com modificações, os autores serão notificados com a maior brevidade possível das
sugestões (cópias dos pareceres serão enviados aos autores, exceto quando houver restrição expressa por
parte do consultor).
História
337
3. No caso de aceitação para publicação, o Conselho Editorial reserva-se o direito de introduzir pequenas
alterações para efeito de padronização conforme os parâmetros editoriais da Revista.
4. O processo de avaliação utiliza o sistema de revisão cega por pares, preservando a identidade dos
autores e consultores.
5. A decisão final acerca da publicação ou não do manuscrito é sempre do Conselho Editorial.
Direitos autorais
Os direitos autorais das matérias publicadas são da revista Psicologia Escolar e Educacional. A
reprodução total ou parcial (mais de 500 palavras do texto) requererá autorização por escrito do Editor.
O autor principal da matéria receberá três exemplares da edição em que esta foi publicada. Os originais
não-publicados não serão devolvidos.
FORMULÁRIO PARA PAGAMENTO DA ANUIDADE 2005
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A anuidade da ABRAPEE é de R$95,00 para sócios efetivos e associados. Para sócios aspirantes (estudantes de
graduação e pós-graduação) o valor da anuidade é de R$45,00.
Obs: esses valores são validos até o dia 01/05/2005 após essa data os valores são de R$50,00 (estudantes) e
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O cheque deve ser enviado para o núcleo da ABRAPEE no estado de sua residência, ou para a central nacional no
seguinte endereço:
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Av. Nossa Senhora de Fátima, 1128 – Bloco. 32 – CEP 13090-001 – Campinas-SP . Fone: (19) 9127-9566 –
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referente à anuidade de 2005.
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ALGUNS TÍTULOS DA CASA DO PSICÓLOGO
Título
Autor/Organizador
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Cinco Estudos de Educação Moral
Computador no Ensino e a Limitação da Consciência
Crianças de Classe Especial
Crianças Querem Saber, e Agora?, As
Difusão Das Idéias de Piaget No Brasil, A
Encontros com Sara Paín
Ensaios Construtivistas
Era Assim ... Agora Não
Ética e Valores: Métodos para um Ensino Transversal
Formas Elementares da Dialética, As
Guia de Orientação Sexual
Histórias de Indisciplina Escolar
Introdução à Psicologia Escolar
Jean Piaget Sobre a Pedagogia
Oficina Criativa e Psicopedagogia
Pelos Caminhos da Ignorância e do Conhecimento
Professores e Alunos – Problema: um círculo vicioso
Produção do Fracasso Escolar, A
Programa de Leitura Silenciosa
Psicanálise e Educação – Laços Refeitos
Psicologia e Educação
Psicologia Escolar: em Busca de Novos Rumos
Psicopedagogia: Uma Prática, Diferentes Estilos
Saúde e Educação. Muito prazer!
Quatro Cores, Senha e Dominó
Quatro Cores, Senha e Dominó – Caderno para Atividades
Reunião de Pais: Sofrimento Ou Prazer?
Tecnologia no Ensino:Implicações para a Aprendizagem, A
Macedo, Lino de (Org.)
Crochik, Jose Leon
Machado, Adriana
Costa, Moacir
Vasconcelos, Mario Sérgio
Parente, Sonia Maria
Macedo, Lino de
Scarpa, Regina
Puig, Josep Maria
Piaget, Jean
Gtpos – Abia – Ecos
Cíntia Copit Freller
Patto, Maria Helena S.
Parrat, Sílvia
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Bacha, Márcia Neder
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Machado, Adriana M. (Org.)
Rubinstein, Edith
Maria Salum e Morais; Beatriz Souza (Orgs.)
Macedo, Lino (Org.)
Macedo, Lino (Org.)
Althuon, Beate G.
Joly, Maria Cristina Rodrigues (Org.)
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