ISSN 1413-8557 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Volume 9 Número 2 Julho/Dezembro 2005 ABRAPEE CONSELHO EDITORIAL Editora: Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly / Editora Adjunta: Marilene Proença Rebello de Souza CORPO EDITORIAL Acácia Aparecida Angeli dos Santos Alessandra Gotuzzo Seabra Capovilla Ana Paula Porto Noronha Célia Vectore Cristina Maria Carvalho Delou Denise de Souza Fleith Elenita de Rício Tanamachi Elisabeth Brunini Sbardellini Eunice M. L. Soriano de Alencar Evely Boruchovitch Fermino Fernandes Sisto Geraldina Porto Witter Gerardo Prieto Hermínia Vicentelli de Castillo José Aloyseo Bzuneck José Fernando B. Lomônaco Josiane Maria de Freitas Tonelotto Leandro Almeida Lino de Macedo Maria Helena Novaes Maria Lúcia Boarini Maria Júlia Ribeiro Mercedes Villa Cupollillo Nádia Maria Dourado da Rocha Silvia Koller Silvia Maria Cintra da Silva Solange Muglia Wechsler Thomas Oakland Universidade São Francisco Universidade São Francisco Universidade São Francisco Universidade Federal de Uberlândia Universidade Federal Fluminense Universidade de Brasília Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Universidade Tuiuti do Paraná Universidade Católica de Brasília Universidade Estadual de Campinas Universidade São Francisco Universidade Mogi das Cruzes Universidad de Salamanca Universidad Pedagógica Experimental Libertador Universidade Estadual de Londrina Universidade de São Paulo Pontifícia Universidade Católica de Campinas Universidade do Minho Universidade de São Paulo Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Universidade Estadual de Maringá Universidade de Taubaté Universidade Católica de Goiás Faculdades Ruy Barbosa Universidade Federal do Rio Grande do Sul Universidade Federal de Uberlândia Pontifícia Universidade Católica de Campinas University of Florida CONSULTORES AD-HOC Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla – Universidade Estadual de Campinas Ana Paula Cabral – Instituto Superior Politécnico Gaya Claudio Simon Hutz – Universidade Federal do Rio Grande do Sul Elizeu Coutinho de Macedo – Universidade Presbiteriana Mackenzie Eulália Henriques Maimone – Universidade de Uberaba Geraldo Antonio Fiamenghi Junior – Universidade Presbiteriana Mackenzie Makilim Nunes Baptista – Universidade São Francisco Maria de Fátima Silveira Polesi Lukjanenko – Universidade São Francisco Rita Laura Avelino Cavalcanti – Universidade Federal de São João Del Rey ASSISTENTE DO CONSELHO EDITORIAL Katya Luciane de Oliveira – Doutoranda em Educação Lucicleide Maria de Cantalice – Mestre em Psicologia ABRAPEE Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – Itatiba/SP – 13251-900 Tel: (11) 4534-8046 – E-mail: [email protected] Artigos completos disponíveis em www.abrapee.psc.br; http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php Indexação em: Disponível nas bibliotecas da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia - ReBAP (www.bvs-psi.org.br/rebap/) Psicologia Escolar e Educacional./ Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional.- v. 1, n. 1. 1996Campinas : ABRAPEE, 1996. Quadrimestral : 1996-1999. Semestral : 2000ISSN 1413-8557 Index Psi / LILACS Apoio editorial: Tiragem: 600 exemplares l. Psicologia educacional. 2. Psicologia escolar. 3. Educação. 4. Brasil. I. Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Expediente A revista Psicologia Escolar e Educacional é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área específica e está vinculada à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Seu objetivo é constituir um espaço para a apresentação de pesquisas atuais no campo da Psicologia Escolar e Educacional e servir como um veículo de divulgação do conhecimento produzido na área, bem como de informação atualizada a profissionais psicólogos e de áreas correlatas. Trabalhos originais que relatam estudos em áreas relacionadas à Psicologia Escolar e Educacional serão considerados para publicação, incluindo processos básicos, experimentais, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artigos teóricos, análises de políticas e sínteses sistemáticas de pesquisas, entre outros. Também, revisões críticas de livros, instrumentos diagnósticos e softwares. Com vistas a estabelecer um intercâmbio entre seus pares e pessoas interessadas na Psicologia Escolar e Educacional, conta com uma revisão às cegas por pares e é publicada semestralmente. Seu conteúdo não reflete a posição, opinião ou filosofia da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Os direitos autorais das publicações da revista Psicologia Escolar e Educacional são da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, sendo permitida apenas ao autor a reprodução de seu próprio material, previamente autorizada pelo Conselho Editorial da Revista. As transcrições e traduções são permitidas, desde que no limite dos 500 vocábulos e mencionada a fonte. São publicados textos em português, espanhol e inglês. Os fascículos publicados são distribuídos aos sócios da ABRAPEE, às Instituições de Ensino Superior com cursos de Psicologia e por meio de permuta com outras revistas nacionais e internacionais. Psicologia Escolar e Educacional PUBLICAÇÃO SEMESTRAL 191 ISSN 1413-8557 2005 Volume 9 Número 2 Editorial Artigos 195 Métodos de estudo em alunos do 1º ano da universidade Rosa Maria Vasconcelos Leandro S. Almeida Silvia C. Monteiro 203 Leitura/compreensão, escrita e sucesso acadêmico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas Ana Paula Cabral José Tavares 215 O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico Simone Miguez Cunha Denise Madruga Carrilho 225 Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura Fabiana Cia Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams Ana Lúcia Rossito Aiello 235 Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos Suze Sabino da Silva Denise de Souza Fleith 247 A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível Sérgio Antônio da Silva Leite Ariane Roberta Tagliaferro 261 Autoconceito e desempenho de universitários na disciplina estatística Marjorie Cristina Rocha Da Silva Claudette Maria Medeiros Vendramini 269 Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto Eulália Henriques Maimone Débora Nogueira Tomás 279 Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia Claudia Araújo da Cunha 291 Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar Anabela Almeida Costa e Santos Marilene Proença Rebello de Souza 303 Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola Ana da Costa Polonia Maria Auxiliadora Dessen Resenhas 313 Literatura, leitura e aprendizagem da escrita Geraldina Porto Witter 315 Contribuições da psicologia á Educação Escolar Jussara Fernandes História 317 Entrevista com Evely Boruchovitch Entrevistadora: Katya Luciane Oliveira Sugestões práticas 323 Competências em tecnologia da informação no ambiente escolar Ronei Ximenes Martins Informativo 327 Notícias bibliográficas 329 Informe 331 Normas de publicação 339 Ficha para novos sócios da ABRAPEE ISSN 1413-8557 SUMMARY 191 Editorial Papers 195 Study methods of freshmen students Rosa Maria Vasconcelos Leandro S. Almeida Sílvia C. Monteiro 203 Reading/comprehension, writing and academic success: a diagnosis study in four portuguese Universities Ana Paula Cabral José Tavares 215 University adaptation process and the academic achievement process Simone Miguez Cunha Denise Madruga Carrilho 225 Paternal influences on child development: a literature review Fabiana Cia Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams Ana Lúcia Rossito Aiello 235 School performance and self-concept of students who attend a psychopedagogical service Suze Sabino da Silva Denise de Souza Fleith 247 Affectivety in the classroom: an unforgettable teacher Sérgio Antônio da Silva Leite Ariane Roberta Tagliaferro 261 The self-concept and university achievement in statistics Marjorie Cristina Rocha Da Silva Claudette Maria Medeiros Vendramini 269 The observation of the early childhood educator through the adult engagement scale Eulália Henriques Maimone Débora Nogueira Tomás 279 Writing, emotional maturity, operativeness and creativity in a children´s group from Uberlândia Claudia Araújo da Cunha 291 Notebooks: how things are registered in the school Anabela Almeida Costa e Santos Marilene Proença Rebello de Souza 303 Towards understanding the relationship between family and school Ana da Costa Polonia Maria Auxiliadora Dessen Reviews 313 Literature, reading and writing learning Geraldina Porto Witter 315 Psychological contribution to scholl education Jussara Fernandes History 317 Interviewing Evely Boruchovitch Practical Suggestions 323 Information technology skill in the school Ronei Ximenes Martins Informative 327 Bibliographic Notes 329 Events 331 Instructions to Authors 339 ABRAPEE Membership EDITORIAL A Psicologia Escolar e Educacional em foco É com grande prazer que inicio mais este editorial com a notícia de que a revista Psicologia Escolar e Educacional manteve sua classificação Qualis como Nacional A, tanto para a área de Psicologia quanto de Educação, na última avaliação referente aos fascículos publicados em 2004. Esta avaliação é realizada anualmente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES conjuntamente com o representante de cada área de conhecimento que, para esse periódico, é um membro escolhido pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP para avaliar o periódico no âmbito da Psicologia. Para a educação, o representante é da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – ANPED. O objetivo desta análise é organizar os periódicos científicos em categorias indicativas de qualidade – A, B, ou C e relativas ao âmbito de circulação destes – local ou nacional. As combinações dessas categorias compõem seis alternativas indicativas da importância do periódico, e, por inferência, do próprio trabalho nele divulgado. Considerando, pois, tal resultado, quero agradecer a todos que contribuíram com a revista – editora adjunta, corpo editorial, pareceristas ad hoc e, especialmente, a todos os pesquisadores e profissionais que enviaram seus manuscritos provenientes de todas as regiões brasileiras. Cabe destacar que todos os artigos recebidos e publicados são originais e são relatos de pesquisa, em sua maioria. Estaremos disponibilizando, até o próximo semestre, todos os números da revista desde 2001 no portal Periódicos Eletrônicos de Psicologia – PePSIC (http://www.bvs-psi.org.br/). Os fascículos de 2004 já estão on-line. É importante destacar que este portal, criado em parceria com a Biblioteca Virtual da Saúde – BVSPsi, teve seu lançamento em abril/2005 no I Congresso Latino-americano de Psicologia. Contava com cinco periódicos e atualmente está com 16. Sua meta de ampliar o acesso à produção científica em Psicologia e áreas afins por meio da publicação de periódicos em formato eletrônico e sua disponibilização gratuita na Internet, está se concretizando e a revista Psicologia Escolar e Educacional está presente desde o início, ampliando sempre o número de volumes disponíveis. Cabe ressaltar, também, a realização do II Congresso Brasileiro de Psicologia: ciência e profissão (www.cienciaeprofissao.com.br) em setembro de 2006 pelo Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira do qual a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional é membro ativo. É esperado que todos os psicólogos, professores, pesquisadores e estudantes de Psicologia participem a fim de fortalecer a Psicologia Brasileira, compromissada hoje com os desafios impostos pela realidade nal qual nos inserimos. Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly Editora Artigos Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 195-202 MÉTODOS DE ESTUDO EM ALUNOS DO 1º ANO DA UNIVERSIDADE MÉTODOS DE ESTUDO NA UNIVERSIDADE Rosa Maria Vasconcelos1 Leandro da Silva Almeida2 Silvia Correia Monteiro3 Resumo O artigo analisa os métodos de estudo de uma amostra de alunos do 1º ano de uma Universidade de Portugal, no momento de ingresso na Universidade, maioritariamente de cursos de Engenharia. Utilizou-se o Inventário de Atitudes e Comportamentos Habituais de Estudo – IACHE, que contempla cinco sub-escalas: enfoque compreensivo; enfoque reprodutivo; percepções pessoais de competência; envolvimento no estudo; e organização das actividades de estudo. A análise considera a nota de candidatura ao ensino superior e o género. Os resultados mostram que alunos com melhores classificações ao nível do ensino secundário apresentam pontuações mais altas nos itens reportados a um enfoque mais compreensivo que memorístico no estudo, assim como nos itens que traduzem percepções pessoais mais positivas de competência e de realização académica. Os alunos do sexo feminino apresentam, ainda, resultados mais elevados nas várias sub-escalas, inferindo-se níveis superiores de profundidade compreensiva e de envolvimento no estudo, assim como melhor organização das actividades escolares. Palavras-chave: Ensino Superior; Rendimento académico; Hábitos de estudo STUDY METHODS OF FRESHMEN STUDENTS Abstract This article analises the study methods of a freshmen group of Minho University at the moment they access higher education. Most of these students are from engineering courses. The IACHE inventory of attitudes and study habits was used. This inventory consists of five sub-scales: comprehensive approach; reproductive approach; personal perceptions of competencies; study envolvement; organization of the study activities. This research takes the entrance grade and the gender of the students into account. The results confirm the expectations, as students with higher grades at high school show higher levels in items regarding the comprehensive approach on the reproductive approach. These students have also higher levels on the personal positive perceptions scales on competency and academic achievement. Higher results on several sub-scales were verified for the female students, showing higher scores on the comprehensive approach and study involvement, as well better organisation of academic activities. Keywords: Hiher Education; Academis achievement; Study-habits. INTRODUÇÃO A transição do ensino secundário para o ensino superior é marcada por diversas exigências, nomeadamente a nível pessoal, social e académico. Debruçando-nos mais particularmente sobre esta última variável, a confrontação com a existência de novos métodos de ensino e de avaliação, a aquisição de novas rotinas e hábitos de estudo ou a maior autonomia na 1 2 3 gestão do tempo, constituem novos contextos de vida e de desafios com que o jovem se confronta ao entrar na universidade (Almeida, 2002a; Almeida & Soares, 2004; Ferreira & Hood, 1990). Além disto, os problemas vocacionais relacionados com o curso e com a carreira também se podem fazer sentir. Em Portugal, por exemplo, cerca de um terço dos estudantes refere não Professora Associada da Universidade do Minho, Portugal e Presidente do Conselho de Cursos de Engenharia. Professor Catedrático da Universidade do Minho, Portugal e Presidente do Instituto de Educação e Psicologia. Colaboradora do Conselho de Cursos de Engenharia da Universidade do Minho, Portugal. 196 Rosa Maria Vasconcelos, Leandro da Silva Almeida e Silvia Correia Monteiro ingressar num curso de primeira escolha em virtude da sua média do ensino secundário não ser suficiente para entrar num curso de primeira opção (em Portugal existe um sistema de numerus clausus no acesso aos vários cursos do ensino superior). Tudo isto se pode transformar em níveis consideráveis de ansiedade, de desmotivação e de baixo investimento no curso, o que consequentemente se repercute na sua adaptação académica e no aproveitamento escolar (Almeida, 2002a; Almeida & Soares, 2004; Santos, 2001; Santos & Almeida, 1999). No caso particular dos estudantes dos cursos de Engenharia, estes constituem o grupo de alunos cujas opções de entrada mais se afastam da primeira escolha (cerca de 40% destes alunos não ingressaram na sua 1ª opção), podendo apresentar, em consequência, maiores problemas de adaptação e de empenhamento académico. Estes mesmos alunos parecem também menos preparados para os métodos dedutivos de ensino privilegiados pelos professores de matemática e física na abordagem de conteúdos relativamente abstractos (Martins, 2004; Tavares, Santiago & Lencastre,1998). Estes factos podem, segundo estes mesmos autores, ajudar a compreender a maior incidência de insucesso escolar nos estudantes dos cursos de Engenharia, em particular nestas duas disciplinas curriculares. A investigação realizada nesta área tem revelado que algumas das dificuldades de adaptação à Universidade decorrem da ineficácia dos métodos de trabalho dos estudantes. Consequentemente, a par dos problemas no ajustamento pessoal e social, emergem dificuldades de aprendizagem e de rendimento académico, em boa medida explicadas por processos de aprendizagem e métodos de estudo pouco eficazes (Almeida, 2002b; Rosário, 1997; Biggs, 2000; Watkins, 1983). O ensino superior, apelando a uma maior participação, iniciativa e autonomia dos estudantes nas suas aprendizagens, pode ser demasiado desafiante para as competências e os níveis de autonomia dos alunos. A auto-regulação da aprendizagem revela-se, deste modo, um factor decisivo do desempenho académico dos estudantes no ensino superior (Duarte, 2000; Lindner & Harris, 1993; Pintrich, Smith, Farcia & Mckeachie, 1995; Rosário, 1997; Santos, 2001). Pintrich (1995) acrescenta que, quando os alunos tomam consciência dos seus comportamentos de estudo e dos seus níveis motivacionais e cognitivos, conseguem aumentar os seus níveis de auto-regulação na aprendizagem. Comportamentos auto-regulados, reflectindo maior metacognição, controlo e monitorização do estudo e da realização em situações de avaliação, acabam por se associar positivamente, e de forma significativa, ao rendimento académico (Almeida, 2002a,b). A teoria das abordagens à aprendizagem (Biggs, 1985) aparece frequentemente mencionada para descrever as formas habituais de estudo e o rendimento dos estudantes na Universidade. O conceito de abordagem faz referência ao conceito de meta-aprendizagem e à combinação de motivos e estratégias na aprendizagem (Biggs, 1985; Biggs & Telfer, 1987; Jesus, 2002). Biggs (1985, 1987) sugere três tipos de abordagem mais frequentes: abordagem superficial – a motivação é extrínseca e a estratégia orienta-se para a simples acumulação, memorização e reprodução de conhecimentos, sem preocupação com a compreensão dos conceitos; abordagem profunda – a motivação é intrínseca e a estratégia orienta-se para a busca e atribuição de um significado pessoal para os conteúdos aprendidos; e abordagem de alto rendimento – a motivação baseia-se na competição e na auto-valorização, independentemente dos conteúdos a aprender terem ou não significado pessoal, e a estratégia envolve a organização do tempo e dos materiais de estudo de forma a maximizar o sucesso e as classificações. Estas abordagens tendem a ser assumidas como mutuamente exclusivas (Entwistle & Ramsden, 1983), tendo um impacto bastante diferenciado em termos do sucesso académico dos estudantes (Almeida, 2002a; Gibbs & Lucas, 1996; Rosário, 1997). Também Vermunt (1996) procura conciliar, na descrição da aprendizagem e rendimento dos estudantes universitários, componentes de natureza cognitiva e motivacional. Com efeito, os modelos mais compreensivos da realização académica dos estudantes conciliam ambas as variáveis (Bessa & Tavares, 2000), sendo certo que a ponderação das estratégias passa pela avaliação que os alunos fazem dos contextos de ensino e dos métodos de avaliação dos professores, assim como do tipo de disciplinas e tarefas de aprendizagem (Almeida & Soares, 2004; Tavares, Almeida, Vasconcelos & Bessa, 2004). Os contextos académicos parecem determinantes dos métodos de estudo dos alunos. Chaleta e Grácio (1998) alertam para a necessidade destes contextos estimularem o aprender a aprender, promovendo a aprendizagem metacognitiva, a autoorganização e a auto-regulação por parte dos alunos, ou Métodos de estudo em alunos do 1º ano da universidade 197 seja, a mobilização pelos estudantes de estratégias para fazerem face às tarefas académicas de índole curricular. A investigação na área sugere uma diferença a favor do género feminino nas abordagens mais profundas e significativas ao estudo. As alunas, também em Portugal, apresentam maior envolvimento, organização e uso de estratégias cognitivas e metacognitivas na sua aprendizagem (Machado & Almeida, 2000; Bessa & Tavares, 2000; Tavares e col., 1998). A presente investigação pretende descrever os métodos de estudo dos alunos no momento de entrada na universidade, ponderando a nota de candidatura dos alunos ao Ensino Superior e o género de pertença. guém a explicar-me individualmente”); envolvimento no estudo (8 itens; ex.: “Estudo mais porque quero realizar-me profissionalmente”); e organização das actividades de estudo (10 itens; ex.: “Tenho um horário pessoal de estudo devidamente organizado”). O formato da escala é tipo likert, de cinco pontos, consoante o grau de acordo dos estudantes. A construção e validação do inventário desenvolveu-se com incrementos sucessivos de elementos até um total de 1061 questionários válidos. Os resultados da análise factorial e da consistência interna dos itens mostraram-se satisfatórios, com alfas de Cronbach a variar entre 0,80 e 0,86 (Tavares, Almeida, Vasconcelos & Bessa, 2004). MÉTODO PROCEDIMENTO Participantes A amostra utilizada é constituída por 275 alunos do 1º ano das Licenciaturas em Engenharia, Arquitectura, Geografia e Planeamento, Informática de Gestão e Matemática Aplicada da Universidade do Minho, do ano lectivo de 2004/5. Este conjunto de cursos é ministrado em um dos Campus da Universidade, sendo a larga maioria dos alunos provenientes de cursos de Engenharia (89%) e do sexo masculino (n=184, ou seja, 68,7%), situando-se a média das idades dos alunos em 18,3 (DP=1,25). Trata-se de uma amostra por conveniência, tomando os estudantes do 1º ano que participavam nas actividades de acolhimento organizadas institucionalmente. O questionário IACHE foi aplicado aos alunos durante a semana de acolhimento da Universidade. Foi garantida aos estudantes a confidencialidade dos seus resultados e a liberdade de decisão em participar na investigação. Instrumento Inventário de Atitudes e Comportamentos Habituais de Estudo – IACHE (Tavares, Almeida, Vasconcelos & Bessa, 2004). Trata-se de um questionário multidimensional dos métodos de estudo constituído por 44 itens. Abarca dimensões cognitivas, motivacionais e comportamentais, sendo formado por cinco sub-escalas: enfoque compreensivo (10 itens; ex.: “Quando sobre um dado assunto há várias perspectivas, procuro estabelecer as diferenças e semelhanças entre elas”); enfoque reprodutivo (8 itens; ex.: “Memorizo definições e aspectos das matérias com algum pormenor”); percepções pessoais de competência (8 itens; ex.: “Só consigo entender determinadas matérias se tiver al- RESULTADOS Na Tabela I apresentamos os valores nas cinco subescalas do IACHE, assim como nas notas de candidatura, tomando os estudantes da amostra global e esta subdividida segundo o género. Analisando o conjunto de valores obtidos, verificamos a existência de médias mais elevadas por parte dos alunos de sexo feminino nas várias sub-escalas, como aliás na média de acesso à universidade. Na generalidade das sub-escalas de métodos de estudo, a diferença favorável às estudantes mostra-se estatisticamente dimensões significativa (Enfoque compreensivo: t(274)=-1,99; p=0,05; Enfoque reprodutivo: t(274)=-3,02; p=0,05 e Organização do estudo: t(274)=-4,94; p=0,05). Um índice quase significativo ocorre na sub-escala “Envolvimento estudo” (t(274)=-1,93; p=0,05), sendo maior a proximidade dos dois géneros na sub-escala “Percepções pessoais de competência” (t(274)=-0,61; p=0,54). Mesmo nestas duas sub-escalas, os estudantes do sexo feminino apresentam valores mais elevados. Esta diferença a favor das estudantes generaliza-se à Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 195-202 198 Rosa Maria Vasconcelos, Leandro da Silva Almeida e Silvia Correia Monteiro Tabela I – Resultados nas subescalas do IACHE e notas de candidatura Dimensões Geral (n= 275 ) Masc. (n= 189) Fem. (n= 86) Enfoque compreensivo Enfoque reprodutivo Percepções pessoais Envolvimento estudo Organização estudo Nota candidatura M 40,3 292, 28,9 32,8 32,0 142,4 M 40,0 28,5 28,6 32,4 30,5 140,1 M 41,6 30,5 29,0 33,9 35,3 146,9 DP 6,86 4,95 5,33 5,73 7,68 18,5 média de candidatura à universidade (t(274)=-2,54; p=0,01). Na Tabela II descrevemos os coeficientes de correlação entre os resultados nas cinco sub-escalas do IACHE e as notas de candidatura dos alunos ao Ensino Superior, para a amostra geral e tomando os estudantes segundo o género. Dp 6,64 5,04 5,59 5,73 7,34 17,8 DP 7,17 4,59 4,74 5,56 7,42 19,3 os conhecimentos, a habilidade cognitiva, a motivação e a origem sócio-cultural, compreende-se a sua forte associação a abordagens mais profundas ou compreensivas à aprendizagem e às percepções dos alunos em torno das suas próprias competências e desempenhos. Tomando estes coeficientes de correlação segundo o género dos alunos, constatamos um Tabela II – Correlações entre as sub-escalas e a nota de candidatura dos alunos Sub-escalas Geral r Enfoque compreensivo 0,31 Enfoque reprodutivo -0,08 Percepções pessoais 0,39 Envolvimento no estudo 0,15 Organização no estudo 0,10 p 0,001 0,25 0,001 0,03 0,17 Verificam-se que os estudantes do sexo feminino apresentam níveis de correlação mais elevados entre as diversas sub-escalas de métodos de estudo e a nota de candidatura à universidade, tornando neste subgrupo de alunos a sua classificação de acesso mais determinada pelos métodos utilizados no estudo. As percepções pessoais de competência são as que mais se destacam nesta correlação (r=0,50), seguidas do enfoque compreensivo e do envolvimento no estudo. A excepção ocorre na sub-escala enfoque reprodutivo sem correlação com a nota de candidatura (r = - 0,02). Relativamente aos estudantes do sexo masculino, estes apresentam níveis correlacionais mais baixos. No entanto as percepções pessoais de competência a subescala mais correlacionada com a nota de candidatura (r = 0,34), tal como se verifica no sexo feminino. Traduzindo a nota de candidatura uma estimativa da competência académica dos alunos, nela convergindo Masculino r p 0,23 -0,17 0,34 0,04 -0,06 0,01 0,05 0,001 0,64 0,52 Feminino r p 0,42 -0,02 0,50 0,33 0,22 0,001 0,89 0,001 0,01 0,08 mesmo padrão de valores em três das sub-escalas (percepções pessoais, enfoque compreensivo e organização no estudo). Tomando em consideração o género, os factores de correlação obtidos apresentam diferentes graus de importância. Verificase que em ambos os sexos as percepções pessoais de competência representam a sub-escala que mais se correlaciona com a nota de candidatura, seguida do enfoque compreensivo. O envolvimento no estudo surge como o 3º factor mais relacionado com a nota no caso das raparigas, ao passo que nos rapazes este lugar corresponde ao enfoque reprodutivo. A organização no estudo representa o 4º factor mais correlacionado em ambos os sexos. A sub-escala que expressa menos relação com a nota de candidatura é, no caso do sexo feminino o enfoque reprodutivo, enquanto que no sexo feminino se trata do envolvimento no estudo. Métodos de estudo em alunos do 1º ano da universidade 199 Assiste-se à ausência de correlação entre a nota de candidatura e o enfoque reprodutivo (memorístico), muito embora no subgrupo dos rapazes tal coeficiente, ainda que baixo (r = 0,17), está no limite estatisticamente significativo. Existe portanto uma ligação no sentido inverso entre classificações mais elevadas no acesso e menor recurso ao enfoque superficial ou reprodutivo por parte dos alunos. Na sub-escala organização do estudo (tempo, materiais…) assistimos a uma ausência de correlação com a nota de candidatura nos estudantes do sexo masculino, aparecendo uma maior associação entre as duas variáveis junto das estudantes (p=0,08, ou quase estatisticamente significativo). DISCUSSÃO As diferenças individuais entre os alunos que hoje acedem ao ensino superior são evidentes. O acesso da Universidade a grupos sociais mais alargados acarreta, obviamente, uma maior heterogeneidade nos estudantes universitários em termos de capacidades, conhecimentos, motivações e métodos de estudo (Almeida, 2002a). Importa, por isso, compreender tais diferenças e implementar formas de actuação ao nível do ensino e da avaliação que melhor sirvam os objectivos da formação e do desenvolvimento dos jovens universitários. Aceitando-se que a aprendizagem é mais influenciada por aquilo que o estudante faz do que por aquilo que faz o professor (Biggs, 2000), então particular relevância assumem os métodos de estudo na explicação do sucesso académico no ensino superior. Os métodos de estudo diferenciam-se segundo o género dos alunos. Assim, observaram-se diferenças significativas entre os dois sexos no enfoque compreensivo, enfoque reprodutivo e organização do estudo, e nesta última sub-escala de forma mais acentuada, sendo que o género feminino apresenta pontuações mais elevadas em todas estas sub-escalas. Assim, podemos depreender que as alunas se destacam dos colegas do sexo masculino sobretudo na capacidade de gestão do tempo, organização de materiais, elaboração de resumos, leituras complementares às aulas e memorização de conteúdos. Decorre daqui que, se por um lado as estudantes demonstram um envolvimento mais profundo, procurando estabelecer relações sobre os diversos conteúdos e abstrair deles significações relevantes em termos pessoais, por outro lado parecem também investir mais em tarefas de memorização e de organização do seu estudo face aos colegas do sexo masculino. Isto significa que as alunas parecem empenhar-se mais no estudo ao nível da abstracção e interpretação da informação, assim como na dedicação de tempo e recursos pessoais à organização da informação e memorização dos conteúdos quando necessário. Uma eventual contradição entre estes dois padrões de conduta é mais aparente que real, pois abordagens compreensivas e memorísticas são igualmente adequadas consoante a natureza das matérias e tarefas curriculares. Apesar do recurso a estratégias ditas de uma abordagem superficial, as estudantes vão além destas, explorando activamente significados, procurando assegurar a compreensão dos conteúdos e desenvolvendo uma motivação intrínseca pelas actividades de estudo. Os resultados obtidos neste estudo confirmam, ainda, as diferenças individuais dos alunos nos seus métodos de estudo de acordo com o seu rendimento académico. Com efeito, os alunos com melhores classificações no ensino secundário chegam à Universidade com hábitos de estudo que os aproximam mais de um enfoque profundo ou compreensivo na aprendizagem (versus um enfoque de tipo reprodutivo ou memorístico). Os alunos com piores classificações no ensino secundário apresentam resultados mais baixos nos itens de enfoque compreensivo (Biggs, 2000; Entwistle & Ramsden, 1983; Gibbs & Lucas, 1996). Para além disto, os alunos com melhores classificações diferem dos colegas com resultados escolares mais baixos nas suas percepções de competência. Os primeiros percepcionam-se como mais capazes ou acreditam mais nas suas capacidades para enfrentar os desafios da aprendizagem e do sucesso académico no Ensino Superior. Finalmente, embora de uma forma não tão contrastada, os estudantes com melhores classificações no Ensino Secundário chegam à Universidade com índices superiores de motivação para, de uma forma intrínseca, se envolverem nas actividades curriculares (Almeida, 2002a; Santos & Almeida, 1999). Assim sendo, os alunos que ingressam no 1º ano com melhores classificações de acesso parecem estar, pelas formas de estudar e pelas percepções pessoais de competência que apresentam, melhor preparados para enfrentar os desafios de novas formas de ensinar, de aprender e de avaliar que caracteriza o Ensino Superior. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 195-202 200 Rosa Maria Vasconcelos, Leandro da Silva Almeida e Silvia Correia Monteiro Estas ilações, tomando as intercorrelações entre as classificações do ensino secundário e os métodos de estudo dos estudantes no acesso à Universidade, são particularmente evidentes junto dos alunos do sexo feminino. Com efeito, índices mais elevados de correlação foram observados entre nota de candidatura e métodos de estudo nos estudantes do sexo feminino. Assim, dir-se-ia que, não só as alunas apresentam médias mais elevadas nas sub-escalas de métodos de estudo e na média de candidatura, como parece haver uma maior associação neste subgrupo de alunos entre métodos de estudo e rendimento académico. Nesta linha, podemos pensar que o rendimento académico aparece menos associado aos métodos de estudo junto dos alunos do sexo masculino. Inclusive, no caso das estudantes, observa-se uma correlação com significado estatístico entre os comportamentos de organização do estudo (gestão diária do tempo, materiais, apontamentos, etc.) e o rendimento académico, sendo certo que se poderia pensar que esta dimensão mais comportamental do estudo poderia ser menos relevante para o rendimento académico à medida que avançamos na escolarização dos estudantes, em face do maior peso de variáveis ditas cognitivo-motivacionais. Finalmente, pensando em cursos que requerem dos estudantes maior volume de trabalho, atitudes mais activas de compreensão das matérias ou abordagens mais analíticas, podemos reconhecer que os alunos se apresentam na sua transição para o ensino superior bastante diferenciados em termos de competências e de motivação para o sucesso académico. Tomando a taxonomia de Biggs (1987, 1990, 1993), uma abordagem mais profunda à aprendizagem, na sua componente cognitiva e motivacional, ocorre preferencialmente junto dos alunos que acedem à Universidade com melhores classificações do Ensino Secundário. Provavelmente, estamos face a uma das razões porque a média de candidatura dos estudantes ao Ensino Superior se assume como a variável que mais ou melhor prediz o rendimento académico dos estudantes universitários no final do 1º ano (Santos & Almeida, 1999; Jesus, 2002; Soares, 2000; Soares & Almeida, 2004; Miranda & Marques, 1996). Em cursos com maior percentagem de estudantes do sexo masculino, ou ainda de estudantes com médias mais baixas de acesso (por vezes também frequentando um curso que não corresponde a uma primeira escolha vocacional), como aliás ocorre em algumas áreas de Engenharia, importa atender às atitudes e hábitos de estudo dos estudantes. Tal como tem vindo a ser sugerido por diversos autores (Chaleta & Grácio, 1998; Jesus, 2002; Taveira, 2000; Rosário, 1997), a realidade sugere que vários alunos necessitam de algum apoio tendo em vista a aquisição e a sua auto-capacitação ao nível das competências de estudo. Uma dessas competências passa pela capacidade de auto-regulação dos alunos na sua aprendizagem (Almeida, 2002b; Rosário, 1997). A Universidade e os professores podem desenvolver tais competências através de uma mudança nas suas práticas de ensino e de avaliação (Martins, 2004). Ao mesmo tempo, serviços de apoio psico-educativo no seio da universidade podem responder por necessidades específicas por parte de alunos mais “fragilizados” nos seus recursos cognitivos e motivacionais. Apesar de adultos, alguns estudantes chegam ao Ensino Superior com fracas competências de organização e planeamento das actividades escolares, ou ainda com índices reduzidos de motivação. Cada vez mais e face à heterogeneidade de estudantes no acesso, são necessárias medidas institucionais que alterem uma certa cultura de desresponsabilização instalada (Martins, 2004). Numa lógica remediativa e promotora da adaptação e sucesso académico dos estudantes ao longo da sua frequência do Ensino Superior, as instituições universitárias têm que assumir uma parte da responsabilidade pelas taxas elevadas de insucesso e de abandono dos estudantes do 1º ano. REFERÊNCIAS Almeida, L. S. (2002b). Facilitar a aprendizagem: ajudar os alunos a aprender e a pensar. Psicologia Escolar e Educacional, 6, 155-165. Almeida, L. S., & Soares, A. P. (2004). Os estudantes universitários: sucesso escolar e desenvolvimento psicossocial. Em Mercuri & A. J. Polydoro (orgs.). Almeida, L. S. (2002a). Factores de sucesso/insucesso no ensino superior. Em Actas do Seminário “Sucesso e insucesso no ensino superior português” (pp. 103-119). Lisboa: Conselho Nacional de Educação. 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Recebido em: 20/05/2005 Revisado em: 21/09/2005 Aprovado em:14/10/2005 Endereço para correspondência: Rosa Maria Vasconcelos: Universidade do Minho – Conselho de Cursos de Engenharia – Azurém – Campus de Azurém – CEP 4800-058 – Guimarães – Portugal – e-mail: [email protected] Silvia Correia Monteiro: Universidade do Minho – Conselho de Cursos de Engenharia – Azurém – Campus de Azurém – CEP: 4800-058 – Guimarães – Portugal – e-mail: [email protected] Leandro da Silva Almeida: Universidade do Minho – Instituto de Educação e Psicologia – Campus Gualtar – CEP: 4710-057 – Braga– Portugal – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 203-213 LEITURA/COMPREENSÃO, ESCRITA E SUCESSO ACADÉMICO: UM ESTUDO DE DIAGNÓSTICO EM QUATRO UNIVERSIDADES PORTUGUESAS COMPREENSÃO, ESCRITA E SUCESSO ACADÉMICO Ana Paula Cabral1 José Tavares2 Resumo A investigação que nos propomos apresentar desenvolveu-se em torno do papel das competências de leitura, compreensão e escrita para o Sucesso Académico no Ensino Superior. Foi feita aplicação coletiva do Questionário sobre Leitura, Compreensão e Escrita no Ensino Superior a fim de apontar as estratégias mais utilizadas pelos estudantes procurando determinar níveis de competência, analisar o seu grau de dificuldades e de disponibilidade para receber formação especializada, detectar o grau de importância por estes atribuído a estas competências para o sucesso académico, determinar o índice de correlação entre estas competências e sucesso académico e comparar as suas expectativas com o nível de desenvolvimento atingido após a sua entrada no Ensino Superior. Os resultados obtidos demonstram que estas competências desempenham um papel importante nas tarefas de aprendizagem dos estudantes e tendem a estar associadas ao seu sucesso académico embora as expectativas dos estudantes relativamente ao desenvolvimento destas competências no Ensino Superior não sejam atingidas. Palavras-Chave: Ensino Superior; Leitura e Escrita; Sucesso académico; READING/COMPREHENSION WRITING AND ACADEMIC SUCCESS: A DIAGNOSIS STUDY IN FOUR PORTUGUESE UNIVERSITIES Abstract The present study is integrated in the research field of the specific reading, comprehension and writing in Higher Education. By using the “Reading, Comprehension and Writing in Higher Education Questionnaire” the study aimed: to point out the strategies more frequently used to determine competence levels; to analyze the difficulty level and students’ availability to receive specialized instruction; to point out the degree of importance attributed to these skills for their academic success, to determine the correlation level between these two skills and the success level of the students and to compare the students expectations of development reached in these fields after entering Higher Education. Results showed that these skills play an important role in the learning tasks of the students and tend to be associated with their academic success although the expectations of the students concerning the development of these skills in Higher Education are not satisfied. Keywords: Higher Education; Reading and writing; Academic success. INTRODUÇÃO Tendo em conta os novos desafios que se adivinham para o Ensino Superior e os novos modelo de organização do processo de ensinar e aprender, tem-se vindo a proceder a todo um processo de clarificação das competências que se afiguram como essenciais para um desempenho competente e de qualidade na sociedade 1 2 da informação. Cada vez mais se aponta para a necessidade de a aprendizagem se processar ao longo da vida e ser gerida por um sujeito caracteristicamente ativo, autônomo e que constrói as suas próprias aprendizagens (Cabral, 2003). Essa evolução acelerada do conhecimento a todos os níveis tem vindo a implicar uma Professora Coordenadora do Instituto Superior Politécnico Gaya, Portugal Professor Catedrático da Universidade de Aveiro, Portugal 204 maior necessidade de ler, compreender e saber escrever com correção e clareza. Competências usualmente apelidadas de competências básicas e competências transversais e cujo papel tem vindo a ser repensado e salientado no sentido das suas novas dimensões, novas implicações e novos tipos de envolvimento por parte do sujeito que, cada vez mais, interage com o que lê e/ou escreve. Contudo, no contexto do Ensino Superior, a capacidade de ler e compreender a informação exige, já à partida, um elevado nível de capacidade e competência ao se associar a questões como as do acesso à informação, da adequação das estratégias e abordagens aos objetivos da leitura. Leva-se em conta também a assimilação de conteúdos e ativação do conhecimento prévio, afigurando-se como uma competência fundamental para o sucesso académico (Rosenshine, 1980; Manzo citado por Flippo & Caverly, 2000; Wong, 2000). Assim sendo, como leitores competentes, devem estar conscientes dos objetivos da leitura (se é por prazer ou para detectar informação para alguma tarefa específica), fazer uma leitura rápida do texto para ver se este é relevante para os seus objetivos, tentando identificar as secções que poderão ser particularmente pertinentes, e ler seletivamente, focando as porções de texto mais relevantes para os seus objetivos. Estes devem também fazer associações entre as idéias apresentadas no texto com base no conhecimento prévio, avaliar e rever as hipóteses levantadas durante o processo de previsão ou ocorridas como reação às partes anteriores do texto. Durante esse processo, devem fazer a revisão do conhecimento prévio que não seja coerente com as idéias do texto, descobrir o significado das palavras novas, especialmente se elas parecem importantes para o sentido global do texto, fazer inferências para conseguirem uma compreensão completa e integrada do que lêem, sublinhar e distinguir as idéias importantes das idéias menos importantes. Já numa fase posterior à leitura ou ainda durante o próprio processo de leitura e compreensão devem reler, tirar notas e/ou parafrasear numa tentativa de relembrar o objetivo do texto, interpretar, fazer a síntese de informação nele contida e avaliar a sua qualidade e levantar questões a si próprios sobre os autores e sobre os textos que lêem e pensar sobre a forma de usar a informação do texto no futuro (Jalongo, Twiest & Gerlach, 1999; Pressley, 1995). Ana Paula Cabral e José Tavares No contexto académico presume-se claramente que os alunos são capazes de atingir estes níveis mais elevados de pensamento embora se venha a tornar cada vez mais evidente que os alunos têm dificuldade em recolher e sintetizar a informação importante, em assinalar e compreender as relações entre as idéias, em integrar esta informação com o seu conhecimento prévio de forma a construir uma compreensão coerente (Bransford, 1979; Novak & Gowin, 1984). Estes problemas na compreensão são agravados por um número de factores incluindo o uso limitado de estratégias de aprendizagem (Pressley & Levin, 1983) pelo que é necessário pôr em prática estratégias cognitivas, ter delas consciência, selecioná-las, regulá-las, geri-las e avaliálas (Morais, 1988). Nesse sentido, diversos estudos procuram avaliar a associação entre a competência nesse domínio e o próprio desempenho dos estudantes. Autores como Pretorius (2001) concluíram que a competência lingüística e a leitura poderão estar altamente correlacionadas com o seu sucesso académico, enquanto capacidade de obter aprovação nas várias disciplinas. Na verdade, a investigação tem revelado que há diferenças muito marcantes entre as competências metacognitivas dos bons e maus leitores. Os alunos do ensino superior que não estiverem despertos metacognitivamente irão, provavelmente, ter problemas ao nível do seu rendimento académico (Brown, Campine & Day, 1981; Nist & Simpson, 2000). Nessa linha de investigação, autores obtiveram resultados que lhes permitiram afirmar que o conhecimento dos alunos sobre os objetivos de leitura, a utilização de estratégias e a freqüência da sua utilização melhorava a sua prestação acadêmica. A um nível mais específico, Pritchard, Romeo e Muller (1999) realizaram um estudo utilizando o teste de leitura Nelson-Denny administrado a 235 alunos universitários da área da contabilidade que comparou os resultados obtidos com a média (G.P.A.) dos alunos, tendo encontrado uma correlação estatisticamente significativa entre as duas variáveis. Intimamente associada à leitura e compreensão encontramos a competência de escrita que, no contexto universitário envolve a utilização com sucesso da linguagem acadêmica. Face às tarefas propostas, os alunos devem ser capazes de analisar, interpretar e avaliar o conhecimento através da sua escrita, desenvolver/defender uma perspectiva/argumento, ligar a teoria e a prática, elaborar uma conclusão, analisar, ser crítico, Leitura/compreensão, escrita e sucesso académico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas desenvolver uma idéia central, processar informação, incorporar fatos, utilizar uma terminologia correta, usar modelos de resposta (se aplicável), seguir uma ordem lógica, utilizar provas para comprovar um argumento defendido, utilizar textos na sua forma original, fazer citações, relatar experiências pessoais, exprimir opinião e fazer interpretações pessoais dos fatos. Face à especificidade dos objetivos, tipos de texto e abordagens de escrita no ensino superior, cabe ao aluno, como escrevente competente que se pretende que seja, interiorize as estratégias específicas de escrita, monitorize a sua atuação e desempenho e utilize com eficácia estratégias apropriadas. Assim sendo, os escreventes competentes constroem uma representação mental da situação de comunicação ou da situação em que se inscreve a sua escrita (Rose, 1980; Sommers, 1980), elaboram rascunhos dos textos produzidos, fazem esquemas, tiram notas e pensam sobre os aspectos a incluir no texto antes de o começarem a escrever (Hartley & Branthwaite citados por Hartley, 2002). Ao lado disso, segundo Meyer (1982) e Bereiter e Scardamalia (1987), os escreventes competentes produzem textos organizados. Possuem um vasto repertório de esquemas de organização textual e usarem esse tipo de conhecimento para facilitar as várias fases da sua escrita, trabalham e completam uma secção de texto de cada vez, revêem e fazem alterações no seu texto e escrevem de uma forma regular. Assim, o aluno deve também determinar o objetivo da tarefa de escrita e o público que lerá o texto, começar as tarefas de escrita com tempo suficiente de forma a poder rever e trabalhar o texto, utilizar o trabalho alheio de uma forma apropriada através da citação e da referência bibliográfica de fontes consultadas na preparação do texto e seguir cuidadosamente as instruções do professor (Jalongo, Twiest & Gerlach, 1999). Há semelhança do sucedido relativamente à competência de leitura/compreensão e sua ligação ao desempenho académico dos estudantes. Williams (2002) concluiu, com base nos seus estudos desenvolvidos com alunos do ensino superior, que os alunos que escrevem de uma forma competente à entrada no ensino superior têm um desempenho mais bem sucedido. De acordo com os resultados do seu estudo, o grupo de alunos com um nível mais elevado de competência na escrita tinham uma média escolar mais elevada e tinham realizado com aprovação mais disciplinas do que o grupo com um menor nível de desempenho na escrita. 205 OBJETIVOS Neste estudo, essencialmente de diagnóstico, procura-se, em primeiro lugar, detectar os hábitos de leitura e escrita dos estudantes procurando fazer o levantamento das estratégias que os estudantes utilizam com mais freqüência. Partindo da análise da freqüência com que os estudantes utilizam as estratégias apresentadas, determinou-se níveis de competência de forma a determinar o domínio em que os estudantes apresentam um melhor desempenho. Um outro objetivo decorrente do anterior relacionase com a análise do grau de dificuldades percepcionado pelos estudantes e, neste seguimento, a disponibilidade por estes manifestada para receberem formação especializada em cada um dos domínios. Ao lado disso, pretende-se detectar o nível de importância atribuído pelos estudantes à leitura e à escrita para o seu sucesso académico. Partindo dos objetivos anteriores foi desenhado um objetivo específico baseado no estabelecimento de um conjunto de testes de correlação que pretende determinar o índice de associação entre a competência nos domínios em análise e o próprio sucesso académico dos estudantes. MÉTODO Participantes A amostra foi constituída por 1000 sujeitos sendo 58% do sexo feminino e 42% do sexo masculino com idades compreendidas entre os 17 e os 29 anos, apresentando uma média de idades de 18,9 (DP=1,32). Os sujeitos que constituem a amostra são estudantes de quatro universidades do Ensino Superior inscritos pela primeira vez no 1º ano de cursos de licenciatura em ciências e engenharias do ano letivo de 2000/2001. Instrumento Questionário Leitura, Compreensão e Escrita no Ensino Superior (Q.L.C.E.E.S.). Foi feita uma avaliação com base na revisão da literatura existente no domínio específico das competências de aprendizagem e em todo um conjunto de atividades de pesquisa e de seleção de bibliografia específica sobre as estratégias de aprendizagem associadas à leitura, compreensão e escrita, das variáveis de investigação. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 203-213 206 Também se avaliou as características dos sujeitos que pretendíamos estudar, para que começássemos por especificar o número de questões para medir cada uma das variáveis. Foram redigidas várias versões para cada questão, tentando fazer-se uma clara e objetiva definição e associação com as hipóteses e variáveis em estudo. Procurou-se igualmente elaborar questões que tratassem diferenças entre grupos ou condições que tratassem de relações entre as próprias variáveis. Durante a elaboração das questões e das escalas a utilizar tivemos igualmente atenção aos seus pressupostos relativamente à utilização de determinadas técnicas estatísticas. A elaboração da versão final do questionário contou com a participação de investigadores (membros da Unidade de Investigação “Construção do Conhecimento Pedagógico nos Sistemas de Formação”- Universidade de Aveiro) e membros integrantes do seminário de investigação do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro e teve como base os resultados obtidos a partir do estudo exploratório no qual participaram 52 estudantes dos cursos de ciências e engenharias da Universidade de Aveiro. Nesse estudo preliminar e por meio da metodologia da reflexão falada foram recolhidos dados sobre a formulação das questões, estrutura do questionário, clareza, adequação e objetividade da linguagem utilizada e eficácia das instruções fornecidas, assim como a pertinência da seleção dos itens que constituíam o questionário. Para o diagnóstico dos aspectos que se referiam às estratégias e técnicas utilizadas, às suas dificuldades e importância dessas competências para o sucesso académico construímos um instrumento que consiste no Questionário sobre Leitura, Compreensão e Escrita no Ensino Superior (Q.L.C.E.E.S.). O corpo principal do questionário é composto por duas secções que pretendem analisar as estratégias específicas utilizadas pelos sujeitos (parte A), assim como a sua opinião sobre a importância destas competências para o seu sucesso académico, as suas principais dificuldades e necessidade de formação (parte B) na leitura (Seção 1) e Escrita (Seção 2). Assim, para cada um dos 17 itens que compõem a parte A de ambas as seções, os sujeitos avaliam a sua prestação através da utilização de uma escala de freqüência de 5 pontos (1=quase nunca; 2=raramente; 3=algumas vezes; 4=muitas vezes; 5=quase sempre). Na parte B de cada uma das secções os sujeitos devi- Ana Paula Cabral e José Tavares am utilizar uma escala de quatro opções para a questão, que se refere à importância da competência para o seu sucesso académico (1=muito importante; 2=importante; 3=pouco importante; 4=sem importância). Quanto à questão 2 de cada uma das secções, a escala inclui igualmente quatro opções que se referem ao grau de dificuldades dos sujeitos em cada competência (1=muito raramente; 2=algumas vezes; 3=muitas vezes; 4=quase sempre). A questão 3 de cada uma das seções I e II inquire os sujeitos sobre a sua disponibilidade para receberem formação específica para superarem eventuais dificuldades (resposta afirmativa ou negativa). Apresentando um valor de alfa de 0,88. Pudemos avaliar o nível de consistência interna do questionário e que se revelou como um bom indicador, visto apresentar valores superiores a 0,8. Procedimento O questionário foi aplicado coletivamente, na sala de aula frequentada pelos participantes. O tempo médio de aplicação foi de 20 minutos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Estratégias de aprendizagem de leitura, compreensão e escrita Para se levar a cabo a análise dos dados relativos à freqüência de utilização das estratégias de estudo associadas à leitura e escrita, começamos por, para cada item, estudar os valores assumidos pela média, moda e desvio-padrão, como podemos observar na Tabela 1. Os resultados obtidos permitem apontar as estratégias mais utilizadas que se associam à releitura, utilização do contexto, capacidade de captar as idéias principais de um texto (de entre as estratégias mais associadas à leitura e compreensão) e tirar apontamentos nas aulas, revisão de texto e utilização do vocabulário especializado (de entre as estratégias mais associadas à escrita). Ao invés, as estratégias menos utilizadas associam-se à troca de opiniões com os professores sobre os livros lidos, recurso à citação (de entre as estratégias mais associadas à leitura e compreensão) e pedido a outras pessoas para revisão e utilização da gramática (de entre as estratégias mais associadas à escrita). A relevância assumida por estas estratégias no contexto dos cursos de ciências e engenharias é Leitura/compreensão, escrita e sucesso académico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas 207 Tabela 1. Valores assumidos pela média, moda e desvio padrão referentes a estratégias de leitura, compreensão e escrita. LEITURA/COMPREENSÃO Durante a leitura consigo concentrar-me. Utilizo o contexto para descobrir o significado de uma palavra/frase desconhecida. Quando não sei o significado de uma palavra, uso o dicionário/enciclopédia. Assimilo o vocabulário novo. Quando não compreendo, faço uma re-leitura. Detecto as palavras-chave de um texto. Capto as suas principais idéias. Consigo separar o que é importante do que é secundário num texto. Tiro dúvidas / troco opiniões com professores sobre os textos/livros que leio. Memorizo os conteúdos através da leitura. Cito livros que leio. ESCRITA Consulto uma gramática para esclarecer dúvidas que surgem quando escrevo. Quando escrevo sobre a minha área/curso utilizo o vocabulário especializado. Revejo um texto 2 ou 3 vezes antes de o considerar pronto. Peço a outras pessoas para verem se o que escrevo está claro e correto. Elaboro sínteses /sumários das leituras que faço. Tiro notas/apontamentos durante as aulas. consistente com diversos estudos sobre estratégias de aprendizagem no ensino superior. Salientamos os desenvolvidos por Gibbs (1992), que refere que a compreensão dos conceitos-chave faz parte das exigências para o sucesso dos alunos do ensino superior. Carrier (1983) afirmou que talvez não exista outra estratégia de estudo tão defendida por alunos e professores como tirar apontamentos durante a aula por que referiu que a releitura se apresenta como determinante para o desempenho dos leitores face à compreensão dos textos, por funcionar como uma estratégia de resolução dos próprios problemas de compreensão durante a leitura. Nesse sentido, a releitura juntamente com tirar apontamentos, contribui fortemente para a própria memorização dos conteúdos a partir dos textos. Por seu lado, Simpson & Randall (2000) referem que a melhoria na utilização das pistas fornecidas pelo contexto tem sido altamente recomendada por causa das suas vantagens face às outras estratégias para melhoria das competências ao nível do vocabulário. Bailey & Vardi (1999) e Vardi (2000) salientam ainda o papel desempenhado pela utilização do vocabulário especializado e técnico como estratégia fundamental para o desempenho dos alunos do ensino superior, ainda que, Média 3,8 3,8 Moda 4 4 DP 0,8 0,9 3,4 3 1,0 3,5 4,0 3,4 3,8 3,7 2,3 4 4 3 4 4 2 0,7 0,8 0,7 0,7 0,7 0,8 3,2 2,4 4 2 0,8 1,0 2,4 2 0,9 3,5 4 0,8 3,7 2,8 3,1 4,1 4 3 3 4 0,9 1,0 1,0 0,9 simultaneamente, se constitua como uma das principais dificuldades, neste domínio. Ao invés, as estratégias menos utilizadas associam-se à troca de opiniões com os professores sobre os livros lidos, recurso à citação (de entre as estratégias mais associadas à leitura e compreensão) e pedido a outras pessoas para revisão e utilização da gramática (de entre as estratégias mais associadas à escrita). Apesar de se constituírem como as estratégias menos utilizadas, a relevância assumida por estas estratégias no contexto do ensino superior, é referida por diversos autores. No caso da utilização da citação podemos referir que se trata de uma estratégia que envolve a utilização dos conhecimentos assimilados durante a leitura e que faz apelo a um relacionamento do material de aprendizagem com a realidade diária. Por seu lado, a troca de opiniões com os professores sobre os livros lidos faz apelo a um relacionamento dos conceitos com a experiência diária, à distinção das idéias novas do conhecimento precedente. Nesse mesmo sentido, o pedido a outras pessoas para fazerem a revisão dos textos escritos associa-se ao desenvolvimento de processos de interatividade e de focalização no significado. Por fim, a utilização da gramática ao associar-se essencialmente à necessidade de organizar Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 203-213 208 e estruturar os conteúdos sob a forma escrita, e dada a natureza do curso dos estudantes da amostra, afigurase, de fato, como uma ferramenta de estudo e aprendizagem de certa forma específica e que não se inclui nas estratégias de utilização mais prioritária. Face a estes dados, podemos observar que as estratégias com um nível mais elevado de utilização estão essencialmente associadas a estratégias de treino e que requerem um nível reduzido de abstração e pouco envolvimento cognitivo por parte dos sujeitos pelo que poderíamos considerar que se aproximam de uma abordagem superficial de aprendizagem. Na verdade, as estratégias referidas revelam uma certa tendência para a realização de aprendizagens pouco significativas e repetitivas ou mecânicas, salientam a reprodução de conteúdos e uma certa preocupação, sobretudo com a memorização da informação. Por seu lado, as estratégias com um nível mais reduzido de utilização estão essencialmente associadas as estratégias de elaboração, monitorização e envolvimento com a aprendizagem e que poderíamos considerar que se associam a uma abordagem profunda, e, até certo ponto, estratégica da aprendizagem. Com efeito, estas estratégias associam-se, por um lado, à realização de aprendizagens significativas, a uma disponibilidade por parte dos estudantes para se envolverem na análise dos conteúdos com a intenção de compreender ao máximo, à exploração das possíveis relações e interconexões com conhecimentos prévios e experiências pessoais (Marton & Saljo, 1976; Biggs, 1979; Entwistle, 1987). Por outro lado, relacionam-se também com uma certa preocupação por parte do estudante na obtenção dos melhores resultados, investindo o menor esforço possível sem deixar de serem asseguradas às condições e materiais de estudo e atenção relativamente aos métodos de avaliação (Marton & Saljo, 1976; Biggs, 1979; Entwistle, Hanley & Hounsell, 1979; Biggs, 1987; Ramsden, 1988, 1992; Trigwell & Prosser, 1991). Na verdade, este tipo de resultados é reconhecido em vários estudos, como sejam o desenvolvido por Chaleta (2002), que concluiu que os alunos do 1º ano (independentemente do curso) utilizam predominantemente uma abordagem superficial associada a uma maior preocupação com a memorização, reprodução, maior pessimismo e ansiedade em relação aos resultados académicos e maior incapacidade para trabalhar eficaz e regularmente, ao contrário dos alunos do 4º ano que utilizam predominantemente uma abordagem profunda Ana Paula Cabral e José Tavares do estudo. Nesse sentido, encontramos igualmente as conclusões de autores como Entwistle (1990) e Richardson (2000) que desenvolveram diversos estudos no domínio da aprendizagem no contexto do ensino superior e que apontam para a idéia de que ao longo do percurso académico assistimos a uma mudança de abordagem da aprendizagem. Níveis de competência e dificuldades O cálculo do nível de competência teve como base a freqüência com que os sujeitos utilizam as estratégias apresentadas pelo que foi calculado um valor máximo de competência (100%), que corresponderia ao total de itens considerados multiplicados pelo valor 5 (valor máximo da escala de freqüência). Tabela 2. Porcentagem dos sujeitos por nível de competência na leitura/compreensão e na escrita. Competência Níveis Leitura/compreensão Escrita Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 0,8% 15,9% 68,8% 14,5% 1,1% 33,3% 58,3% 7,3% Face aos dados obtidos relativamente à leitura/ compreensão, observamos que cerca de 68,8% dos sujeitos se situam no nível 3 de competência, 15,9% no nível 2, 14,5% no nível 4 e 0,8% no nível 1, ou seja, de uma forma geral, a maioria os sujeitos parecem revelar um nível intermédio de competência. Já no que toca a escrita, atendendo à distribuição dos sujeitos pelos níveis apresentados na tabela, observamos que cerca de 58,3% dos sujeitos se situam no nível 3 de competência, 33,3% no nível 2, 7,3% no nível 4 e 1,1% no nível 1, ou seja, de uma forma geral, a maioria os sujeitos parecem revelar um nível intermédio de competência (Tabela 2). Relativamente aos valores obtidos na média para cada uma das competências observamos, tendo como base às percentagens de competência obtidas, que a leitura apresenta um valor de média (M=61,1; DP=2,8) superior ao valor da média na escrita (M=54,2; DP=13,4). Contudo, para compararmos as médias obtidas pelos sujeitos em cada uma das competências, utilizamos o teste t de Student, que nos indicou que existe uma diferença estatisticamente significativa entre as médias das duas competências (t= 13,492; p<0,05). Leitura/compreensão, escrita e sucesso académico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas Relativamente ao nível de dificuldades que os sujeitos consideram ter na leitura e compreensão e na escrita, os dados obtidos tiveram como base uma escala de freqüência que variava entre Muito raramente e quase sempre (Tabela 3). Tabela 3. Níveis de dificuldades na leitura/compreensão e na escrita. Dificuldades Frequência Leitura/compreensão Escrita Muito raramente Algumas vezes Muitas vezes Quase sempre 32,5% 55,9% 8,3% 3,3% 37,6% 52,1% 7,4% 2,9% Salientam-se, na Tabela 3, os dados relativos às percepções dos sujeitos sobre as suas dificuldades ao nível da escrita, indicou que 37,6% dos sujeitos afirmam ter dificuldades “muito raramente”, 52,1% “algumas vezes”, 7,4% “muitas vezes” e 2,9% “quase sempre”. Se forem comparados os dados obtidos relativamente ao nível de dificuldades na leitura e na escrita observase que, de uma forma geral, e atendendo aos valores da média, os sujeitos parecem possuir um nível mais elevado de dificuldades na leitura (M=3,24) do que na escrita (M=3,18). Para comparação das as médias obtidas pelos sujeitos em cada uma das competências utilizamos o teste t de student, que indicou que existe uma diferença estatisticamente significativa entre as médias relativas às dificuldades nas duas competências (t=3,444; p=0,001). A análise dos dados relativos às dificuldades dos estudantes procurava testar a hipótese de existir uma diferença estatisticamente significativa entre o nível de dificuldades dos estudantes na leitura e na escrita. Os dados obtidos revelaram que os sujeitos apresentam valores intermédios de dificuldade em ambos os domínios, embora apresentando diferenças estatisticamente significativas e que indicam que os sujeitos possuem um nível de dificuldades mais elevado na leitura do que na escrita. Estes resultados vieram, contudo, contrariar o sentido imprimido à hipótese anteriormente formulada, segundo a qual, os sujeitos apresentariam um nível de dificuldades mais elevado na escrita do que na leitura e compreensão. Essa conclusão vai de encontro à idéia defendida por muitos autores de que a leitura apresenta aspectos de uma maior complexidade do que a escrita, 209 pelo processamento que implica ao nível da interação com o conhecimento e ativação dos processos cognitivos e metacognitivos (Stotsky, 1983). Com base nessas formulações as principais dificuldades dos sujeitos centrar-se-iam precisamente na leitura e compreensão e, por conseqüência, na escrita dos sujeitos e não a situação inversa como advogamos, à semelhança de Applebee (1984), segundo a qual a prestação na escrita influencia mais determinantemente a leitura e a compreensão. Na verdade, parece-nos relevante analisar e discutir estes resultados fundamentalmente à luz das características dos sujeitos que constituíram a amostra deste estudo, ou seja, estudantes do primeiro ano de cursos das áreas específicas das ciências e engenharias. Nesse contexto específico, a leitura e a escrita exigem uma qualidade de envolvimento para além da mera aplicação de competências e que requer um elevado índice de atenção e esforço, o que se torna bastante exigente para estudantes em processo de transição, como é o caso. A esse nível, é requerido aos estudantes que desenvolvam todo um conjunto de competências que vão desde a capacidade de definição de objetivos e planificação até à inferência e expressão escrita de índole crítica e argumentativa. Em estudos como os apresentados por Chanock (2000) e Vardi (2000), assistimos a uma realidade que vem confirmar as dificuldades ao nível da compreensão dos conteúdos apresentados nas aulas, dos enunciados dos problemas e demonstrações matemáticas, na inferência lógico-matemática, na assimilação e utilização do vocabulário técnico, na expressão de acordo com o estilo, capacidade de argumentação, nível de coesão, coerência e clareza dos textos redigidos. Assim, o fato de os estudantes referirem possuir um nível de dificuldades mais elevado na leitura do que na escrita se poderá relacionar igualmente com o fato de, nos primeiros anos do ensino superior, especialmente no primeiro ano, o papel do estudante face ao conhecimento e à aprendizagem ser bastante mais associado a um esforço de aquisição e processamento de informação e respectiva retenção do que propriamente a uma elaboração e composição associada a processos de escrita elaborados e complexos que exigem um elevado nível de competência e integração nos domínios bastante especializados do estilo académico. No entanto, importa ressaltar que este papel do sujeito que aprende face ao conhecimento que no contexto do ensino superior o Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 203-213 210 Ana Paula Cabral e José Tavares invade e até certo ponto o perturba deverá ser encarado numa perspectiva o mais crítica, envolvida e participante possível. Disponibilidade para receber Formação e importância para sucesso académico Com base nas suas dificuldades, os estudantes foram convidados a manifestar a sua disponibilidade para receber formação, 60,9% dos participantes revelaram disponibilidade para receber formação em leitura e 57,7% em escrita. Relativamente ao nível de importância que os sujeitos consideram ter a leitura e compreensão e na escrita desempenham para o seu sucesso académico, os dados obtidos tiveram como base uma escala de freqüência que variava entre Sem importância e Muito importante (Tabela 4). Tabela 4. Níveis de importância atribuídos à leitura/ compreensão para o sucesso académico. Importância para o sucesso académico Nível Muito importante Importante Pouco importante Sem importância Leitura/compreensão Escrita 58,8% 39,8% 1,0% 0,4% 54,5% 41,0% 3,8% 0,7% Os dados recolhidos indicam que 58,8% dos sujeitos consideram que a leitura/compreensão muito importantes, 39,8% importantes, 1,0% pouco importantes e 0,4% sem importância para o seu sucesso académico. Os dados sobre o grau de importância atribuído à escrita para o sucesso académico indicam que 54,5% dos sujeitos consideram a escrita “muito importante”, 41,0% “importante”, 3,8% “pouco importante” e 0,7% “sem importância” para o seu sucesso académico. Relativamente aos valores obtidos na média para cada uma das competências, observamos que a leitura apresenta um valor de média superior ao da média na escrita (M da leitura/compreensão=3,57 e M da escrita=3,49). Ao compararmos a validade estatística da diferença das médias obtidas pelos sujeitos em cada uma das competências, utilizamos o teste t que nos indicou que a diferença registrada entre as duas médias é significativa (t=-40,0; p<0,05). Os resultados obtidos indicam-nos que, de uma forma geral, os sujeitos tendem a considerar mais importante a leitura/compreensão do que a escrita para o seu sucesso académico. De uma forma geral, verificou-se que, na verdade, a maioria dos estudantes considera a leitura/compreensão e a escrita muito importantes para o sucesso académico. Embora a leitura tenha apresentado resultados um pouco mais expressivos e cujas diferenças se revelaram estatisticamente significativas, o que nos levou a reforçar a idéia de que a capacidade de ler e compreender os conteúdos na área das ciências e engenharias poderá ser mais importante do que propriamente a expressão dos conteúdos e idéias por escrito. Tendo em conta que nos estamos a debruçar sobre a influência e importância que estas competências têm para o sucesso dos estudantes, é compreensível que as justificações dos sujeitos para o nível de importância atribuído para o seu sucesso académico se orientem mais precisamente para esta vertente dirigida aos seus cursos do que para a formação do indivíduo de uma forma geral, pelo papel que desempenham no acesso ao conhecimento (leitura e compreensão) e expressão (escrita). Leitura, compreensão e escrita e sucesso académico Os dados obtidos por meio do estudo da hipótese de existir uma correlação entre a competência dos sujeitos na leitura e na escrita e o seu sucesso académico indicaram-nos que podemos confirmar a hipótese e estabelecer uma correlação positiva, aceitável e estatisticamente significativa entre as duas variáveis, tendo estes valores de correlação sido ligeiramente mais expressivos no caso da leitura e compreensão (leitura/ compreensão: r=0,398; p<0,05; escrita: r=0,306; p<0,05). Dessa forma, vemos corroborada, pelos dados, a idéia de que as competências de leitura/ compreensão e escrita se associam, de uma forma aceitável e estatisticamente significativa ao sucesso académico dos estudantes. Esses resultados demonstraram-se consistentes com os estudos anteriores que encontraram uma correlação estatisticamente significativa entre os resultados obtidos por Ritchard, Romero e Muller (1999) com alunos universitários num teste de leitura e a sua média (G.P.A). Também num estudo conduzido por alunos do ensino superior (Cochise College Report, 1990) foi encontrada uma correlação positiva entre os resultados obtidos no teste de leitura “Nelson-Denny”, ou exame de leitura e compreensão de “Nelson-Denny”, e o desempenho académico dos alunos. Os mesmos resultados já haviam sido obtidos com o referido teste, Spiller e Hall Leitura/compreensão, escrita e sucesso académico: um estudo de diagnóstico em quatro universidades portuguesas (1978), por Gudan (1983), por Wood (1988 e 1987) e por Hurov 91987), que encontraram uma correlação positiva entre as notas dos alunos nos testes de leitura e o seu desempenho na média final de curso. Já no que toca à escrita, Hodges (1990) encontrou uma correlação positiva entre a competência na escrita (English composition test) e as notas dos alunos. CONCLUSÃO De uma forma global, considera-se que este estudo vem, de certa forma, fundamentar a idéia de que as competências de leitura/compreensão e escrita desempenham um papel central no contexto do ensino superior. Centrando a atenção nos dados obtidos, observa-se que estes remetem para um índice de utilização elevado de ambas as competências (sem que diferissem estatisticamente), fundamentalmente por razões relacionadas com as tarefas acadêmicas e que, de entre as estratégias apresentadas, as mais utilizadas corresponderam às que encerram um menor grau de complexidade e se aplicam mais diretamente às necessidades imediatas dos estudantes aproximando-se de uma abordagem superficial de aprendizagem. Baseando-nos na freqüência de utilização de estratégias específicas foram aferidos os níveis de competência que revelaram que os estudantes evidenciam um nível mais elevado de competência no domínio da leitura, que consideraram, simultaneamente, a competência mais determinante para o seu sucesso académico em desfavor da escrita embora assumindo ambas um papel de grande desta- REFERÊNCIAS Allgood, W., Risko, V., Alvarez, M. & Fairbanks, M. (2000). Factors that influence study. Em R. Flippo & D. Caverly (orgs.), Handbook of College Reading and Study Strategy Research (pp. 201-219). Mahwah: Erlbaum Publishers. Applebee, A. (1984). Writing and reasoning. Review of Educational Research, 54, 577-596. Bailey, J. & Vardi, I. (1999). Iteractive feedback: impacts on student writing. Proceedings of the. Annual International Conference, HERDSA Melbourne, Australia. 211 que. Observamos ainda que a leitura representa, simultaneamente, também o maior foco de dificuldades face às quais a disponibilidade para receber formação também se revelou mais premente. Este estudo permitiu-nos igualmente ressaltar a associação de tais competências com o sucesso académico dos estudantes do ensino superior embora a natureza do estudo não permita estabelecer relações de causalidade. Contudo, foram obtidos indicadores que vão no sentido do estabelecimento de uma associação entre variáveis e que aponta para a relação natural entre competência e desempenho. De acordo com os dados obtidos, a competência de leitura parece igualmente estar mais associada ao sucesso académico dos estudantes do que a escrita, idéia esta que vai ao encontro à opinião formulada pelos alunos de que esta seria, na realidade, a competência mais importante para o seu sucesso académico. Os próprios dados obtidos indicam que os estudantes com um maior índice de dificuldades tendem a manifestar menos interesse para receber formação especializada e que os estudantes mais competentes em ambos os domínios manifestam mais interesse em receber formação, embora tendam a considerar estas competências menos importantes para o seu sucesso académico do que os alunos menos competentes. Nesse sentido, o fato de os estudantes mais competentes tenderem a manifestar mais disponibilidade para receber formação vem no sentido de corroborar a idéia de que a competência nestes domínios, ao associar-se a um desempenho bem sucedido ao nível académico, incorpora atitudes auto-reguladoras e de monitorização que incluem o interesse pela participação em atividades de formação neste domínio. Bereiter, C. & Scardamalia, M. (1987). The Psychology of Written Composition. Hillsdale: Erlbaum. Biggs, J. (1979). Individual differences in study processes and the quality of learning outcomes. 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Ovídio – CEP 4400-025 – Vila Nova de Gaya – Portugal – e-mail: [email protected] José Tavares: Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro – Campus de Santiago – Universidade de Aveiro – CEP 3800-Aveiro, Portugal – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 203-213 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 215-224 O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO AO ENSINO SUPERIOR E O RENDIMENTO ACADÊMICO ADAPTAÇÃO E RENDIMENTO ACADÊMICO Simone Miguez Cunha1 Denise Madruga Carrilho2 Resumo Este artigo busca estender o conhecimento das relações entre as primeiras experiências do estudante no ensino superior e o sucesso acadêmico. Dessa forma o objetivo do presente trabalho foi analisar em que medida as vivências acadêmicas dos alunos ingressantes no ensino superior se apresentam relacionadas com o rendimento acadêmico. Participaram da pesquisa 100 alunos do primeiro ano do curso de engenharia militar, com idades entre 16 e 24 anos. Para avaliar as vivências acadêmicas utilizou-se o Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA) e para efeitos de avaliação do rendimento escolar dos alunos utilizou-se três disciplinas que são essenciais à formação do engenheiro, a saber: Física , Cálculo e Álgebra Linear. Os resultados sugerem que o rendimento acadêmico pode ser afetado pelas vivências dos estudantes à nível pessoal e de realização acadêmica experimentadas no 1º ano do curso superior. Palavras chaves: Adaptação acadêmica; Rendimento acadêmico; Desenvolvimento psicossocial THE INFLUENCE OF THE UNDERGRADUATE COURSE ADAPTION PROCESS IN THE ACADEMIC ACHIEVEMENT Abstract This paper aims to understand the knowledge of the relationships between the first experiences of the undergraduate student and the academic success. Therefore, the work analyzes in what degree the academic experience of the first-year undergraduate students are related to their academic performance. One hundred (100) students among 16 and 24 years old of the first year of the military engineer course participated in the research. The Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA) was employed to analyze their academic experiences. In addition, their reported grades on three courses essential to an engineer major curriculum (Phisics, Calculus, and Linear Algebra ) were used to evaluate the effects on their overall academic performance. The obtained results suggest that the student’s overall academic performance may be affected by his/her personal life experiences as well as his/her first-year academic achievement . Keywords: academic adaptation; academic achievement; psychosocial development INTRODUÇÃO O ensino superior ao longo das últimas décadas vem sofrendo com as acentuadas mudanças da sociedade. Neste sentido a universidade necessita de uma nova organização, englobando e resignificando a maneira da sociedade produzir, criando e difundindo seus valores de forma a promover a melhoria da condição humana em suas múltiplas dimensões (Cardoso, 2004). Para tanto é necessário que a universidade reveja seus 1 Mestre em Psicologia social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UGF-RJ, Psicóloga Escolar na área do ensino superior no Instituto Militar de Engenharia – RJ como psicóloga escolar. Integra a linha de pesquisa – “Adaptação de estudantes ao ensino superior”– do laboratório de Práticas Sociais da UNESA – RJ. 2 Psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, lotada na Seção Psicopedagógica do Instituto Militar de Engenharia, atuando na área de Psicologia Escolar no Ensino. 216 métodos, suas práticas, objetivos, currículo e até metodologias de apredizagem. Num mundo extremamente competitivo, a universidade precisa se preocupar com o estudante universitário, promovendo condições para o seu desenvolvimento integral, tentando desenvolver suas potencialidades ao máximo para que possa atingir seu nível de excelência pessoal e estar preparado para um papel atuante na sociedade (Santos, 2000). A este propósito Ferreira e Hood (1990) argumentam que as instituições de ensino superior não se preocupam com o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade do aluno e salientam, concordando com vários autores, a importância de se promover intervenções que visem o desenvolvimento total do estudante universitário ( Gonçalves & Cruz, 1988; Dias & Fontaine, 1996; Pascarella, 1985; Ferreira & Hood, 1999; Ferreira, & Soares, 2001; Santos & Almeida, 2002). Sobremaneira, no sentido de maior responsabilidade com o desenvolvimento global do aluno. Consequentemente, esta visão provoca uma discussão acerca dos objetivos educacionais da universidade para que se torne uma instituição de transformação do conhecimneto e de desenvolvimento humano (Gonçalves & Cruz, 1988). Para tanto, precisamos olhar o estudante de forma diferenciada e acolhedora, principalmente no momento do seu ingresso no curso superior, por ser o primeiro ano de graduação um período crítico para o seu desenvolvimento e o seu ajustamento acadêmico. Nesta fase, o estudante experiencia vários desafios provenientes das tarefas psicológicas normativas inerentes a transição da adolescência para a vida adulta que quando confrontadas com as exigências da vida universitária constitui-se um desafio a ser vencido. Sendo assim, mostra-se evidente que o aluno universitário necessita de uma atenção especial para que os desafios encontrados na adaptação ao curso superior estimule a sua transição da adolescência para a vida adulta e não gerem consequências negativas no nível do aproveitamento acadêmico destes alunos. Em atenção especial a alunos recém-chegados ao ensino superior, a universidade deveria implementar programas de intervenção psicopedagógica que pudessem facilitar a adaptação acadêmica e minimizar o impacto educacional da universidade nestes estudantes. Estas estratégias podem envolver várias atividades com o objetivo de desenvolvimento pessoal do estudante, capacitando-o tanto para as suas Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho aprendizagens acadêmicas como para o desenvolvimento da sua personalidade (Santos, 2000; Villar, 2003; Cunha, 2004). Neste enfoque é importante salientar as dificuldades de adaptação e de rendimento acadêmico dos estudantes no ensino superior. É consenso entre os especialistas que na transição do ensino médio para o ensino superior o estudante vivencia várias mudanças que geram diversos problemas de ajustamento acadêmico, resultado das experiências concomitantemente entre às exigências colocadas pelo contexto e às características desenvolvimentais dos próprios alunos ( Almeida, 1998a; Cochrane, 1991; Ferreira, Almeida & Soares, 2001; Ferreira & Hood, 1990; Pascarella & Terenzini, 1991). Rickinson e Rutherford (1995; citados por Santos, 2000) argumentam que estas dificuldades influenciam negativamente no rendimento acadêmico, aumentam os índices de evasão e de pedidos aos serviços de apoio psicossocial. A maioria dos estudantes que ingressam no ensino superior traz consigo uma expectativa positiva em relação a sua futura experiência acadêmica. E, a discordância entre estes sentimentos e pensamentos e o que a universidade efetivamente pode oferecer gera uma fonte de difculdades refletida na adaptação, na satisfação e no sucesso acadêmico (Berdie, 1966; Soares & Almeida, 2001). O interesse pelo tema sucesso acadêmico na universidade tem gerado muitas pesquisas visando identificar quais fatores poderiam prever este sucesso (Parker & col, 2004). Um processo de adaptação bem sucedido, especialmente no 1º ano, aparece como preditor importante da persistência e do sucesso dos alunos ao longo das suas experiências acadêmicas, bem como determina padrões de desenvolvimento estabelecidos pelos alunos ao longo de sua vida universitária (Almeida, 1998b; Tinto,1996; citado por Santos, 2000). O primeiro ano da graduação ao curso superior é considerado um período crítico, pois exige adaptação e integração ao novo ambiente. O modo como é vivenciada esta experiência depende tanto do apoio da universidade como das características individuais de cada um. (Almeida, 1998a; Pires, Almeida & Ferreira, 2000; Almeida, Soares & Ferreira, 1999; Cochrane, 1991; Pascarella, 1985; Ferreira, Almeida & Soares, 2001). A associação destes fatores é de extrema relevância para o ajustamento acadêmico, podendo tanto ajudar como prejudicar a boa adaptação. Os principais problemas 217 O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico decorrentes deste processo adaptativo estão relacionados às dificuldades e às exigências das atividades acadêmicas, interpessoais e sociais, à identidade e ao desenvolvimento vocacional dos jovens (Pires, Almeida & Ferreira, 2000). As pesquisas nesta área demonstram que mais da metade dos alunos que ingressam no curso superior revelam dificuldades pessoais e acadêmicas, havendo um aumento dos níveis de psicopatologia da população universitária (Herr & Cramer, 1992; Leitão & Paixão, 1999; Ratingan, 1989; Stone & Archer, 1990, citados por Almeida, Soares & Ferreira, 1999; Santos, 2000; Parker & col, 2004). Verifica-se pela literatura, que as dificuldades ao contexto universitário são de diversas naturezas passando tanto pelas questões individuais dos alunos como também pelas novas exigências acadêmicas e o novo ambiente, influenciando o desempenho e o desenvolvimento psicossocial dos estudantes. Segundo Almeida (1998a) as interações que ocorrem durante este período entre os indivíduos e os contextos servem de referência para uma melhor compreensão do ajustamento acadêmico e da realização acadêmica dos estudantes do ensino superior. A qualidade da transição do ensino médio para o ensino superior vai depender tanto do desenvolvimento psicossocial do aluno, como também da instituição e dos mecanismos de apoio colocados á disposição deles. A noção de sucesso acadêmico está estreitamente associada às experiências dos estudantes no primeiro ano do curso, se afastando da perspectiva centrada apenas na lógica do rendimento escolar. Ou seja, o sucesso acadêmico do aluno deve ser avaliado pelo crescimento do estudante em relação a si próprio e aos objetivos propostos, considerando o desenvolvimento integral (Ferreira, Almeida & Soares, 2001). Para que o estudante ingressante no ensino superior alcance o sucesso acadêmico é necessário que desenvolva as suas competências intelectuais, acadêmicas e pessoais, tais como: o estabelecimento e a manutenção de relações interpessoais, o sentido de identidade e o processo de tomada de decisão acerca da carreira (Upcraft & Gardner, 1989). Neste sentido, a universidade emerge como um contexto facilitador do desenvolvimento pessoal dos jovens, promovendo a integração e o ajustamento acadêmico, pessoal, social e afetivo do aluno (Ferreira, Almeida & Soares, 2001). É neste enfoque que o presente trabalho pretende contribuir para o estudo de como as vivências dos alunos ingressantes no ensino superior podem afetar a adaptação e o sucesso acadêmico.Tendo como objetivo analisar em que medida as três dimensões das vivências acadêmicas dos alunos (pessoal, de realização e contextual), avaliadas através da administração do Questionário de Vivências Acadêmicas – QVA (Almeida e Ferreira, 1997), se apresentam relacionadas ao rendimento acadêmico dos alunos do primeiro ano. MÉTODO Sujeitos Participaram do estudo 100 alunos do primeiro ano do curso de engenharia militar do Instituto Militar de Engenharia, sendo 12 do sexo feminino e 88 do sexo masculino. As idades variaram entre o mínimo de 16 anos (2 alunos) e máximo de 24 anos (1 aluno), tendo 86% dos sujeitos idades entre 17 e 20 anos. Instrumento Para avaliar as vivências acadêmicas utilizou-se o Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA) de Almeida e Ferreira (1997) numa versão adaptada por Villar e Santos (2001; citado por Villar, 2003) para o contexto universitário de acadêmicos brasileiros. Este questionário é um instrumento de auto-relato composto de 170 itens, em formato Likert de cinco alternativas, distribuídos por 17 subescalas, algumas pontuando em mais do que uma subescala. Estas subescalas são agrupadas de modo a formar três dimensões: pessoal, da realização acadêmica e contextual. Na Tabela I encontram-se as subescalas agrupadas de acordo com cada dimensão. Para avaliar o rendimento escolar dos alunos, foi realizada primeiramente uma pesquisa junto aos professores que ministram aulas no 1º semestre do 1º ano do curso para identificarem dentre todas as disciplinas que compõem a grade curricular deste semestre, três disciplinas que são essenciais à formação do engenheiro. Os resultados desta pesquisa permitiram identificar as três disciplinas mais importantes desta etapa do curso, a saber: Física I, Cálculo I e Álgebra Linear I. Em seguida, foi calculado as médias das classificações finais dos alunos nas três disciplinas referidas. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 215-224 Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho 218 Tabela I: Descrição das subescalas por dimensão Dimensão Sub-escala Pessoal Realização Contextual Nº de itens 2- Relacionamento com a família 10 3- Autonomia pessoal 12 6- Bem-estar físico 13 7- Bem-estar psicológico 14 13- Auto-confiança 11 15- Percepção pessoal de competência 10 1- Bases de conhecimento para o curso 6 4- Métodos de estudo 11 5- Desenvolvimento da carreira 13 8- Relacionamento com professores 14 9- Adaptação ao curso 15 17- Ansiedade na realização de exames 10 10- Gestão do tempo 8 11- Adaptação à instituição 11 12- Gestão dos recursos econômicos 8 14- Relacionamento com colegas 15 16- Envolv. em atividades extra-curriculares 11 Procedimento A aplicação do QVA foi realizada no final do mês de maio do mesmo ano letivo em que foi considerado o rendimento acadêmico dos alunos. A aplicação do QVA foi coletiva e administrada a todos os alunos da amostra numa única sessão, tendo um tempo médio de resposta ao questionário em torno de 30 minutos. Foram apresentadas aos alunos os objetivos do estudo e o interesse na aplicação do instrumento da pesquisa, assim como foram prestados outros esclarecimentos, como a confiabilidade das respostas dadas. O levantamento das respostas do QVA foi realizado conforme recomendações dos autores. Para as análises dos dados recorreu-se ao software SPSS, onde procedeu-se a correlação de Pearson. RESULTADOS E DISCUSSÃO Conforme podemos constatar, a partir da leitura Da Tabela II, as maiores médias foram encontradas nas subescalas Relacionamento com colegas, Adaptação ao curso e Desenvolvimento de Carreira, indicando serem as vivências mais favoráveis dos alunos desta amostra. No entanto, as subescalas Bases de conhecimento para o curso e Gestão do Tempo apresentaram valores de médias mais baixos, revelando serem as vivências de maior dificuldade na adaptação acadêmica. Observa-se que os valores obtidos no QVA demonstraram um leque variado de resultados por subescala, sugerindo uma variabilidade de experiências. Importa salientar que as subescalas Bases de conhecimento para o curso, Bem –Estar Psicológico, Gestão do Tempo, Gestão dos recursos econômicos e Ansiedade na realização de exames apresentaram os maiores coeficientes de variação, indicando que as vivências nestas áreas foram mais diferenciadas em relação as demais subescalas do QVA. Comparando as médias das três disciplinas na Tabela III, Álgebra Linear apresentou a maior média e o maior coeficiente de variação (22,4%). Estes resultados significam que as notas dos alunos em Álgebra Linear variaram mais e que os alunos tiveram desempenhos menos homogêneos. É interessante levantar algumas questões acerca das dificuldades adaptativas e o rendimento em Álgebra Li- 219 O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico Tabela II: Estatística Descritiva dos resultados por subescala do QVA Subescalas Bases de conhecimento para o curso Relacionamento com a família Autonomia Pessoal Métodos de estudo Desenvolvimento de carreira Bem-estar físico Bem-estar psicológico Relacionamento com professores Adaptação ao curso Gestão do tempo Adaptação à instituição Gestão dos recursos econômicos Autoconfiança Relacionamento com colegas Percepção pessoal de competências cognitivas Envolvimento em atividades extra-curriculares Ansiedade na realização de exames Média Desvio Padrão Coeficiente de variação Mínimo Máximo Amplitude 22,0 5,3 24,7% 6 30 24 42,0 6,9 16,9% 16 50 34 44,0 34,0 56,0 50,0 46,0 40,0 7,0 6,3 8,0 7,7 11,3 7,7 16,1% 18,9% 14,4% 15,9% 24,5% 19,3% 22 18 28 24 15 24 58 48 68 63 68 65 36 30 40 39 53 41 56,5 24,5 44,5 30,0 9,1 5,5 5,6 6,0 16,2% 22,5% 12,8% 20,4% 33 13 28 11 73 38 53 39 40 25 25 28 42,0 62,0 7,5 9,6 18,2% 16,2% 12 28 54 74 42 46 36,0 6,6 18,3% 18 49 31 34,0 5,3 16,0% 18 46 28 35,0 7,5 21,7% 13 50 37 Mínimo Máximo Amplitude Tabela III: Estatística Descritiva dos resultados por disciplina Disciplina Média Desvio Coeficiente Padrão de variação Fisica I 5,65 1 20,9% 2 9 7 Calculo I 5,76 1 21,4% 3 9 6 Algebra Linear I 6,17 1 22,4% 3 9 6 Média das 03 disciplinas 5,86 1 17,7% 3 8 5 near. Primeiramente importa destacar sobre o comportamento do docente em sala de aula. Muitos autores estudam sobre como um determinado estilo do professor pode interferir no comportamento do aluno e no seu desempenho acadêmico. A partir da relação professor-aluno, ambos constróem algumas representações mútuas que irão mediar esta interação e determinarão comportamentos futuros (Rego, 1995; Santos, 2000; Coll e Miras, 1996). Em segundo lugar, podemos ressaltar sobre as implicações do uso adequado e eficiente de estratégias de aprendizagem, da motivação, da autoestima do aluno e das condições de ensino e aprendiza- gem existentes no contexto da sala de aula no rendimento escolar (Costa e Boruchovitch, 2000; Zenorine e Santos, 2004; Sá, 2004; Pozo, 1996). E por fim, se faz necessário outros estudos com novos grupos para podermos compreender melhor quais fatores estão interferindo na relação Álgebra Linear e as primeiras vivências no ensino superior. Na Tabela IV é apresentada a correlação entre as 17 subescalas do QVA e as médias das disciplinas selecionadas como as mais importantes desta fase do curso.Tendo como objetivo testar se as vivências acadêmicas de alunos no ensino superior têm implicações no rendimento escolar. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 215-224 Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho 220 Tabela IV: Correlação entre as subescalas do QVA e o Rendimento acadêmico Subescalas Bases de conhecimento para o curso Relacionamento com a família Autonomia Pessoal Métodos de estudo Desenvolvimento de carreira Bem-estar físico Bem-estar psicológico Relacionamento com professores Adaptação ao curso Gestão do tempo Adaptação à instituição Gestão dos recursos econômicos Autoconfiança Relacionamento com colegas Percepção pessoal de competências Cognitivas Envolvimento em atividades extra-curriculares Ansiedade na realização de exames r p r p r p r p r p r p r p r p r p r p r p r p r p r p r p r p r p Fisica I Calculo I 0,18 0,06 0,09 0,36 0,01 0,89 0,13 0,18 -0,06 0,49 0,21 0,03∗ 0,17 0,07 0,04 0,64 0,01 0,91 0,20 0,04∗ -0,01 0,89 0,17 0,08 0,09 0,33 -0,01 0,89 0,10 0,30 -0,00 0,93 0,15 0,12 0,24 0,01∗ 0,17 0,09 -0,04 0,69 0,14 0,14 -0,05 0,56 0,23 0,01∗ 0,23 0,02∗ 0,09 0,32 0,12 0,20 0,19 0,05 0,07 0,45 -0,01 0,86 0,11 0,26 0,04 0,62 0,10 0,28 -0,00 0,99 0,19 0,04∗ Algebra Linear I 0,339 0,001∗∗ 0,086 0,395 0,175 0,081 0,156 0,12 0,05 0,58 0,20 0,03∗ 0,31 0,00∗∗ 0,22 0,02∗ 0,16 0,11 0,15 0,11 0,13 0,18 0,22 0,02∗ 0,26 0,00∗∗ 0,16 0,09 0,33 0,00∗∗ 0,07 0,45 0,31 0,00∗∗ Média 0,317 0,001∗∗ 0,141 0,163 0,067 0,509 0,178 0,07 -0,02 0,80 0,26 0,00∗∗ 0,30 0,00∗∗ 0,15 0,11 0,12 0,21 0,22 0,02∗ 0,08 0,40 0,16 0,11 0,20 0,04∗ 0,08 0,37 0,23 0,02∗ 0,03 0,76 0,27 0,00∗∗ **p<0,01 (correlação significativa ao 1%); *p<0,05 (correlação significativa ao 5%) A análise da Tabela IV revela que ocorre uma correlação positiva com significado estatístico entre as subescalas Bem estar físico e Gestão do Tempo com a disciplina Fisica I. Quanto a disciplina Cálculo I encontra-se uma correlação positiva com significância estatística nas subescalas Bases de conhecimento para o curso, Bemestar físico, Bem estar-psicológico e Ansiedade na realização de exames. Em relação as subescalas do QVA e a disciplina Agebra Linear I obteve-se correlação positiva com significância estatística nas subescalas Bases de conhecimento para o curso, Bem-estar físico, Bem estar-psicológico, Gestão dos recursos econômicos, Auto-confiança, Percepção pessoal de competência cognitiva e Ansiedade na realização de exames. Observa-se, ao analisar os dados, que esta referida disciplina apresenta mais correlações com as subescalas do QVA do que as outras duas disciplinas. As sub-escalas do QVA apresentam com a média das três disciplinas uma correlação com significância estatística nas sub-escalas: Base de conhecimento para o curso, Bem estar físico, Bem estar psicológico, Gestão do tempo, Auto-confiança , Percepção pessoal de competências cognitivas e Ansiedade na realização de exames. 221 O processo de adaptação ao ensino superior e o rendimento acadêmico Quanto a Percepção pessoal de competências cognitivas muitos autores afirmam que a percepção dos estudantes sobre as suas competências influencia o seu desempenho, a persistência e o envolvimento na tarefa (Marsh, 1990; Sá, 2004; Bandura, 1997). Adicionalmente verifica-se, ao analisar a Tabela IV que apenas a subescala Bem estar físico apresenta correlação positiva com todas as disciplinas, mostrando que esta sub-escala é a mais expressiva desta amostra na influencência do rendimento acadêmico. Este resultado sugere que melhores índices de bem-estar fisico por parte dos alunos interferem de forma positiva no desempenho acadêmico dos mesmos. Na Tabela V estão apresentados os resultados obtidos nas 17 subescalas que compõem o QVA, agrupados de acordo com as dimensões as quais pertencem (pessoal, realização acadêmica e institucional), em relação ao rendimento acadêmico dos alunos. Para análise da relação entre as dimensões do QVA e o rendimento acadêmico procedeu-se à análise correlacional (cálculo dos coeficientes de correlação de Pearson). significado estatístico, com as dimensões Pessoal e de Realização Acadêmica do QVA. Entretanto, verificase que as sub-escalas da dimensão institucional estão menos relacionadas com o rendimento dos alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados deste trabalho indicam que os alunos com as melhores vivências acadêmicas nas dimensões Pessoal (r=0,27; p<0,01) e de Realização acadêmica (r= 0,21; p< 0,05) apresentam melhor rendimento escolar. Já as subescalas relacionadas à dimensão Institucional estão muito menos relacionadas com o desempenho acadêmico do que as subescalas que compõem as dimensões Pessoal e de Realização Acadêmica. Muitos estudos apontam nesta direção, que a percepção de bem-estar físico e psicológico, autoconfiança e a percepção pessoal de competências cognitivas estão relacionadas positivamente com o rendimento acadêmico (Santos, 2000; Rego, 1998). Tabela V: Correlação entre as dimensões do QVA e o rendimento acadêmico Dimensão Fisica I Calculo I Algebra Linear I Pessoal r 0,15 0,18 0,30 p 0,11 0,06 0,00∗∗ Realização r 0,08 0,15 0,26 p 0,39 0,13 0,00∗∗ Contextual r 0,08 0,08 0,22 p 0,40 0,42 0,02∗ Média 0,27 0,00∗∗ 0,20 0,03∗ 0,16 0,10 **p<0,01 (correlação significativa ao 1%); *p<0,05 (correlação significativa ao 5%) As subescalas mais expressivas nesta relação são “Bases de conhecimento para o curso (p= 0,001), Bemestar físico (p=0,002), Bem- estar psicológico (p= 0,002) e Ansiedade na realização de exames (P=0,005). Quanto a ansiedade na realização de exames a literatura preconiza que as avaliações escolares (testes e exames) são fontes geradoras de ansiedade que afetam negativamente tanto o desempenho acadêmico como a auto-estima (Gil, Sedeño, Alba & Carretero, 1997; Brown & Ralph, 1999; citados por Santos, 2000: Fischer & Wood, 1989). Na Tabela V fica evidente que a disciplina Algebra Linear I foi a que mais se correlacionou positivamente com as vivências acadêmicas e que a média das três disciplinas apresenta uma correlação positiva de Em relação a estes resultados a literatura na área já vem confirmando que os desafios provocados pela transição educacional tem implicações negativas na vida acadêmica do estudante, em particular, no rendimento acadêmico. Este estudo ampliando o conhecimento sobre o impacto da universidade no aluno ingressante no curso superior visa estimular e promover estratégias de intervenção de apoio psicossocial que facilitem as resoluções dos conflitos gerados neste momento e que estimulem o sucesso acadêmico. As estratégias de apoio psicossocial direcionadas aos alunos do primeiro ano do curso universitário poderiam ser elaboradas de diversas formas e conteúdos com o objetivo de proporcionar ao estudante à oportunidade de estimular o desenvolvimento Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 215-224 222 Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho do seu potencial e melhorar o ajustamento à vida universitária. Neste sentido este estudo serve como referencial para as universidades compreenderem a importância da criação de um espaço que contribuia para a formação integral do ser humano, considerando principalmente que os componentes emocional e cognitivo são parte constituinte do mesmo. Além disso, ainda com o objetivo de promover o desenvolvimneto global do aluno, a universidade deverá alargar as suas funções permitindo a elaboração de propostas de intervenções preventivas que assegurem o sucesso acadêmico. A este propósito, Gonçalves e Cruz (1988) salientam sobre a importância de serviços de prevenção para diminuir a incidência de um detreminado problema detectado junto a população universitária. Trabalhar na identificação e na resolução destes fatores de risco minimizaria o impacto das dificuldades vivênciadas pelos alunos por ocasião do ingresso no ensino superior e facilitaria a integração do estudante na vida universitária e consequentemente o seu desempenho acadêmico. Muitos autores apontam como relevante para este momento o planejamento de programas de treinamento de estratégias de auto-regulação acadêmica (Santos, 2000; Almeida, 2002; Zenorine e Santos, 2004). É importante ressaltar que mesmo considerando à limitação deste estudo, tanto pelo número reduzido da amostra, como pelo fato da instituição de nível superior a qual foi realizado o estudo ser uma escola militar com características muito específicas, necessitando maiores investigações com a população mencionada, encontramos resultados semelhantes ao da literatura na área. Os resultados apresentados justificam a continuidade deste estudo, como de fato a literatura atesta sobre a importância das vivências acadêmicas dos estudantes no ensino superior no sucesso acadêmico e para o desenvolvimento psicossocial. O objetivo central do presente trabalho foi analisar a relação das vivências acadêmicas com o rendimento acadêmico. Em função dos resultados apresentados pode-se concluir que a universidade deve dar uma maior atenção aos novos alunos, implementando intervenções de apoio psicossocial de forma a minimizar os fatores de dificuldade na transição educacional e, assim, facilitar o sucesso acadêmico. REFERÊNCIAS Relatórios de Investigação. Braga. Centro de Estudos em Educação e Psicologia : Universidade do Minho. Bandura, A. (1997). Self-efficacy: the exercise of control. New York: W. H. Freeman Company. Berdie, R. F. (1966). College expectations, experiences, and perceptions. Journal of College Student Personnel, 12, 186-188. Cardoso, A.M.R. (2004). A Educação Resgata a Humanidade Perdida do Homem?!. Fórum Crítico da Educação. Revista do ISEP, 2, 179-190. Cochrane, C. (1991) First Year at university: a study of mature female students. Irish Journal of Education, 25, 42-51. Coll, C. & Miras, M. (1996). A Representação Mútua Professor/Aluno e suas Representações sobre o Ensino e a Aprendizagem. Em C. 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Cabral Editora: São Paulo. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 215-224 224 Simone Miguez Cunha e Denise Madruga Carrilho Recebido em: 16/09/2005 Revisado em: 14/12/2005 Aprovado em: 21/12/2005 Endereço para correspondência: Simone Miguez Cunha: Instituto Militar de Engenharia – Secção Psicopedagógica – Praça General Tibúrcio, 80 – Praia Vermelha – CEP.: 22290-270 – Rio de janeiro - RJ – e-mail: [email protected] Denise Madruga Carrilho: Instituto Militar de Engenharia – Secção Psicopedagógica – Praça General Tibúrcio, 80 – Praia Vermelha – CEP.: 22290-270 – Rio de janeiro - RJ – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233 INFLUÊNCIAS PATERNAS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: REVISÃO DA LITERATURA RELACIONAMENTO PAI-FILHO Fabiana Cia1 Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams2 Ana Lúcia Rossito Aiello3 Resumo Este trabalho teve como objetivo revisar a produção científica na literatura nacional e internacional indexada, entre 1999 e 2003, de estudos empíricos que descreviam o relacionamento pai-filho de pais adultos com filhos de zero a seis anos ou que correlacionavam esse relacionamento com o desenvolvimento infantil. Foi realizada uma busca sistemática em três bases de dados bibliográficos (PsycInfo, LILACS e Periódicos Capes), utilizando as palavras-chave: pai (“father”), envolvimento paterno (“paternal involvement”), criança (“child”) e desenvolvimento infantil (“child development”). Foram identificados 12 artigos (quatro nacionais e oito internacionais) que foram analisados considerando diferentes aspectos (periódicos em que foram publicados, variáveis relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas, principais resultados obtidos e indicações para pesquisas futuras). Constatou-se a carência de estudos sobre o tema em questão, principalmente no contexto brasileiro. Palavras-chave: Revisão de literatura; Relacionamento pai-filho; Desenvolvimento infantil. PATERNAL INFLUENCES ON CHILD DEVELOPMENT: A LITERATURE REVIEW Abstract This paper was aimed at reviewing the indexed scientific production on the Brazilian and international literature, of empirical studies related to adult fathers of children (zero to six years old), between 1999 and 2003 that described the father-child interaction or correlated the father-child interaction with child development. A systematic search on bibliographical database (PsycInfo, LILACS and Periódicos Capes) was conducted, using the key-words: father, paternal involvement, child and child development. A total of twelve studies were identified (four Brazilian and eight international). They were analyzed taking into account different aspects (published journal, variables studied, technique of data collection, results and indications for future research). A low incidence of articles regarding the importance of paternal involvement on child development was noted, specially in the Brazilian context. Key words: Literature review; Father-child relations; Childhood development. INTRODUÇÃO Históricos sobre o Interesse pela Figura Paterna na Pesquisa O conceito de paternidade tem experimentado drásticas mudanças decorrentes das modificações econômicas, sociais e culturais que a família vêm 1 sofrendo ao longo do tempo. Tecendo um breve panorama, nos séculos XVII e XVIII os pais tinham o papel de provedor financeiro e o de promover o desenvolvimento moral e a educação religiosa de seus filhos. Com a industrialização e a urbanização, a partir do século Psicóloga e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar. Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar. 3 Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar. Apoio CNPq. 2 226 Fabiana Cia, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Lúcia Rossito Aiello XIX, os pais que geralmente mantinham contato freqüente com sua família porque trabalhavam em fazendas perto da residência, passaram a ter que trabalhar em indústrias com excessiva carga horária de trabalho, havendo redução no seu convívio familiar e, conseqüentemente maior responsabilidade das mães pelos cuidados do filho (Coley, 2001). Pesquisas sobre o envolvimento paterno dos anos 1950 e 1960, consistentemente, mostravam que o pai possuía uma participação muito restrita no desenvolvimento da criança. Entre 1960 e 1976, apenas 3% dos estudos sobre o desenvolvimento infantil, incluíram o pai (Dessen & Lewis, 1998). Essas pesquisas enfatizavam que o papel paterno era o de brincar com os filhos e que os impactos mais importantes do envolvimento do pai no desenvolvimento dos filhos incluíam a promoção do desenvolvimento social das meninas e a formação de identidade sexual dos meninos (Lamb, 1997; Guille, 2004). A partir de 1970, com a revolução feminista, a porcentagem de mulheres que exercem atividades remuneradas vem progressivamente aumentando. Apesar desse aumento crescente da mulher no mercado de trabalho ter favorecido economicamente à família, essa equidade econômica está gerando transformações nos papéis atribuídos ao gênero, tanto no ambiente profissional quanto no ambiente familiar (Engle & Breaux, 1998; Brandth & Kvande, 2002; Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2002). Sendo assim, até a década de 1970, a estrutura familiar era organizada com o homem ocupando a posição de maior status no grupo. Com o aumento crescente de poder por parte das mulheres, reivindicando para si as prerrogativas outrora reservadas aos homens, as mulheres deixaram de assumir a totalidade de responsabilidade em relação aos filhos, exigindo um envolvimento paterno direto (Lamb, 1997; Diniz, 1999; Bertolini, 2002) Como conseqüência do surgimento desses novos papéis, evidenciou-se uma transformação na organização familiar, aumentando o número de famílias recasadas e de famílias monoparentais (Dessen & Silva, 2004). Diante de tais fatores, os pesquisadores sociais passaram a enfatizar a importância de se realizar pesquisas que envolvessem a interação pai-filho. Em tal momento, teve início o reconhecimento de que os pais desempenham papéis complexos e multidimensionais e que muitos padrões de influências são indiretos. Além disso, cabe enfatizar que as contribuições sociais da paternidade variam dependendo da época histórica e do contexto cultural. No entanto, raramente se encontram trabalhos nos quais as atividades paternas e a relação pai-filho são realmente observadas, uma vez que, a maioria das pesquisas sobre o desenvolvimento da criança e seu bemestar está focada na díade mãe-criança (Lamb, 1997; Lewis & Dessen, 1999; Dessen & Silva, 2000). A Necessidade de uma Revisão da Literatura O interesse por realizar esta revisão da literatura baseou-se na existência de poucos estudos sobre a temática da mediação paterna e de sua importância para o desenvolvimento infantil no meio acadêmico nacional. Assim, foi necessário recorrer, também, à produção internacional, principalmente norte-americana, para que a elaboração deste trabalho se concretizasse. Além disso, o papel do pai se encontra em uma fase de transição social. O número de famílias com ambos os pais trabalhando fora ainda está crescendo e, em função disso, o papel da figura paterna está se redefinindo. Os homens estão assumindo uma nova identidade, principalmente nos cuidados oferecidos aos filhos (Cabrera, Tames-LeMonda, Bradley, Hofferth & Lamb, 2000; Coley, 2001; Bertolini, 2002; Brandth & Kvande, 2002; Dantas, Jablonski & Féres-Carneiro, 2004; Tiedje, 2004). Lewis e Dessen (1999) apresentam diferentes perspectivas em relação à paternidade, como por exemplo, a paternidade tradicional, a moderna e a emergente. Na perspectiva tradicional, o pai tem o papel de provedor, que oferece suporte emocional à mãe, mas não se envolve diretamente com os filhos, exercendo um modelo autoritário. Na perspectiva moderna, o papel do pai diz respeito ao desenvolvimento moral, escolar e emocional dos seus filhos. Por fim, a perspectiva emergente, origina-se na idéia de que o homem é capaz de participar ativamente dos cuidados e criação dos seus filhos. No entanto, devese considerar que pais e mães se envolvem em atividades diferentes com seus filhos e que ambos desempenham papéis importantes em todos os aspectos do desenvolvimento infantil (Lamb, 1997; Guille, 2004). Soma-se o fato de que há um grande valor científico em uma revisão da literatura, pois ela fornece resumidamente um panorama abrangente sobre um determinado tema, sendo ressaltado tanto os temas de pesquisa mais investigados pelos pesquisadores em determinada época, como os temas que têm recebido pouca atenção dos mesmos. A partir desse pressuposto, podese também realizar uma investigação mais detalhada Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura sobre a elaboração teórica e metodológica empregada, o que fornece uma idéia do nível de desenvolvimento da pesquisa e de suas possíveis contribuições ao meio acadêmico (Piccinini & Lopes, 1994; Amato & Gilbreth, 1999). Assim, o objetivo geral deste estudo foi o de realizar uma revisão da literatura nacional e internacional sobre pais adultos de filhos de zero a seis anos, considerando pesquisas que descreviam o relacionamento pai-filho ou que correlacionavam esse relacionamento com o desenvolvimento infantil. MÉTODO Fonte Primeiramente, objetivou-se verificar a incidência de artigos publicados (de 1999 a 2003), em revistas indexadas na base de dados PsycInfo, LILACS e Periódicos Capes sobre pais adultos. 227 Considerando a produção científica internacional, primeiramente, foi feita uma análise dos temas de todos os resumos encontrados, a fim de se obter um panorama detalhado das pesquisas que correlacionavam o relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil. Do total, foram encontrados 58 artigos e excluídos artigos cujos objetivos eram incompatíveis com o da presente revisão, como os que descreviam o relacionamento paifilho, entre pais adolescentes ou que descreviam o relacionamento pai-filho, entre filhos em idade escolar, adolescentes e adultos (50). Sendo assim, oito artigos internacionais foram obtidos na íntegra, que continham a descrição do relacionamento pai-filho e que correlacionavam este relacionamento com o desenvolvimento infantil. Com os oito artigos internacionais e com os quatro artigos nacionais selecionados foram realizadas análises, considerando: periódicos em que foram publicados os artigos, variáveis relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas, principais resultados obtidos nos artigos e indicações para pesquisas futuras. Procedimento Foram utilizados como descritores os termos: pai (“father”), envolvimento paterno (“paternal involvement”), criança (“child”) e desenvolvimento infantil (“child development”). Esses termos, embora indicassem algumas vezes artigos repetidos, em outras vezes revelaram artigos não contidos em outros descritores. Assim, foi possível obter garantia a respeito da maior abrangência das consultas realizadas. Foram excluídos resumos de capítulos de livro ou livros que constavam dentro destes termos-chave. Cabe ressaltar, ainda, que as palavras-chave não fizeram menção à particularidades do desenvolvimento infantil (como por exemplo, deficiência mental, autismo, síndrome de Down, etc.) e, sendo assim, o universo pesquisado poderá ser mais abrangente. Para delimitar a presente revisão, foram priorizadas pesquisas envolvendo apenas pais adultos com filhos de zero a seis anos. Constatou-se que, dentre os periódicos brasileiros, só foram encontrados estudos que descreviam o relacionamento pai-filho, não sendo encontrado estudos sobre a correlação com o desenvolvimento infantil. Do total foram encontrados dez artigos nacionais e excluídos artigos que descreviam apenas o relacionamento pai-filho, entre pais adolescentes (6). Sendo assim, quatro artigos nacionais foram obtidos na íntegra. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados serão apresentados considerando-se os periódicos em que foram publicados os artigos, as variáveis relacionadas, técnicas de coleta de dados utilizadas, principais resultados obtidos nos artigos e indicações para pesquisas futuras. Periódicos em que foram publicados os artigos A Tabela 1 apresenta a porcentagem de artigos publicados em cada periódico. Tabela 1: Porcentagem de artigos em cada periódico. Periódicos (%) N Child Development Psicologia: Teoria e Pesquisa Child Maltreatment Developmental Psychology Early Childhood Research Quarterly Psicologia: Reflexão e Crítica 25.0 25.0 16.7 16.7 8.3 8.3 3 3 2 2 1 1 Pode-se verificar que, dentre os artigos nacionais, há publicações apenas em dois periódicos, sendo três Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233 228 Fabiana Cia, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Lúcia Rossito Aiello artigos publicados na revista “Psicologia: Teoria e Pesquisa”. Considerando os periódicos internacionais, o periódico Child Development foi o que apresentou maior número de artigos. Os dados da Tabela 1 mostram como são escassos os estudos com o pai no contexto brasileiro, considerando principalmente que duas pesquisas selecionadas nessa revisão, publicadas em periódicos nacionais, foram realizadas em outros países, como a de Tudge e cols. (2000), que foi desenvolvida nos Estados Unidos e a de Harokopio (2000), que foi desenvolvida na Grécia. Variáveis relacionadas Além dos periódicos, foram analisadas as variáveis relacionadas em cada artigo, como mostra os dados da Tabela 2. Taylor, 2003;). No entanto, apenas um estudo descreveu um programa de intervenção direcionado exclusivamente para a figura paterna (Fagan & Iglesias, 1999). Técnicas de coleta de dados utilizadas A Tabela 3 mostra as principais técnicas de coleta de dados utilizadas nos artigos selecionados. Pode-se constatar que as técnicas de coleta de dados mais utilizadas foram as de observação (Tudge & cols., 2000; Frosch & Mangelsdorf, 2001; Feldman & Klein, 2003) e as de preenchimento de questionários (Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Jaffee & cols., 2003). Apesar da observação ter a interferência do observador na coleta de dados, trata-se de um método que permite levantar informações minuciosas. Com relação ao uso de questionários, sabe-se é um instru- Tabela 2: Porcentagem de variáveis relacionadas em cada artigo. Variáveis (%) N Papel paterno/papel materno e o desenvolvimento infantil 50.0 6 Comparação do relacionamento pai-filho e mãe-filho 16.7 2 Relacionamento pai-filho 16.7 2 Intervenção com o pai e sua influência no relacionamento pai-filho e 8.3 1 8.3 1 Variáveis (%) N Observação 25.0 3 Preenchimento de questionários 25.0 3 Aplicação de testes e preenchimento de questionários 16.7 2 Observação e entrevista 8.3 1 Observação e preenchimento de questionários 8.3 1 Entrevista 8.3 1 Aplicação de testes e entrevistas 8.3 1 no desenvolvimento infantil Papel paterno e o desenvolvimento infantil Tabela 3: Principais técnicas de coleta de dados utilizadas nos artigos. A maioria (66.7%) dos estudos correlacionou o relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil (Black, Dubowitz & Starr, 1999; Fagan & Iglesias, 1999; Verschueren & Marcoen, 1999; Dubowitz & cols., 2001; Frosch & Mangelsdorf, 2001; Marshall, English & Stewart, 2001; Feldman & Klein, 2003; Jaffee, Moffitt, Caspi & mento de coleta de dados muito utilizado, por ser rápido, econômico e acessível (Cozby, 2002). Principais resultados obtidos nos artigos Dos estudos selecionados na presente revisão, pôdese classificá-los em três categorias de acordo com os Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura seus resultados: descrição do relacionamento pai-filho, correlação entre o relacionamento pai-filho e o desenvolvimento infantil e programa de intervenção com o pai. Descrição do relacionamento pai-filho Considerando o tempo de convívio com o filho, Tudge e cols. (2000) ao pesquisarem os comportamentos paternos em vários contextos culturais, constataram que o pai passa de 20% a 25% do tempo que a mãe passa com seu filho. Em geral, o pai não assume a responsabilidade principal pelos cuidados e a criação do filho. Quando a mãe trabalha fora, o envolvimento paterno sobe para 33% a 65%. Harokopio (2000) em uma pesquisa realizada com pais gregos, estima que, quando a mãe trabalha fora, o pai realizava duas vezes mais serviços domésticos e cuidados com o filho. Nesses lares, o pai relatava ter maior preocupação com o bemestar dos seus filhos do que nos lares que contavam com uma mãe que era exclusivamente dona-de-casa. A pesquisadora, ainda, ressalta que em lares nos quais coabitam ambos os pais, menos de 2% dos pais compartilhavam igualmente as tarefas de cuidados da criança com as mães, e apenas 10% dos homens podiam ser classificados como altamente envolvidos (fazendo 40% a menos do que as mães). Segundo Dessen e Braz (2000), os pais justificam a pouca interação com o filho por causa do tempo despendido no trabalho. O pai passa mais tempo cuidando do filho quando esse é bebê, do que quando é mais velho (Levandowski & Piccinini, 2002). Desconsiderando a fase da primeira infância, Tudge e cols. (2000) indicaram que o pai passa mais tempo com o filho quando ele está na pré-escola do que quando está na idade escolar. Uma possível explicação dessa maior interação entre pai e filho na idade pré-escolar é que, nessa idade, é mais fácil a criança acompanhar o pai em suas atividades, independente do que o pai irá fazer e do lugar que irá (Black & cols., 1999). Além da questão do tempo, no geral, pais e mães se envolvem em atividades diferentes com seus filhos. Os pais são especialistas no brincar, estimulando o contato social e instrumental da criança e engajando-a em atividades físicas, enquanto as mães se envolvem mais em jogos verbais em torno do brinquedo e nos cuidados, alimentação, conforto, afeto e proteção da criança (Verschueren & Marcoen, 1999; Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Tudge & cols., 2000). 229 Correlação entre o relacionamento pai-filho e o desenvolvimento infantil A maioria dos estudos aponta que a criança que vive com a privação paterna (em decorrência do divórcio ou decorrente de interações infreqüentes entre pai e filho mesmo morando na mesma casa), pode ter problemas no desenvolvimento, podendo ser considerado um fator de risco (Black & cols., 1999; Marshall & cols., 2001). Os estudos descritos a seguir mostram as principais implicações que a interação infrequente entre pai e filho pode ter no desenvolvimento infantil. Como por exemplo, Dubowitz e cols. (2001) realizaram um estudo incluindo pessoas de etnias afro-americanas e brancas, em que participaram 855 crianças de seis anos, com seus pais e suas mães, que viviam em ambiente de risco (pobreza, maltrato, abuso e negligência). Os objetivos desse estudo eram os de verificar se a presença do pai estava associada com problemas de comportamento e depressão na criança e se a percepção da criança quanto ao suporte que o pai lhe oferecia estava associada ao seu melhor funcionamento cognitivo. Para obtenção desses dados os participantes foram entrevistados. O principal resultado foi que, quanto maior o suporte que o pai oferecia para o filho, melhor o desenvolvimento cognitivo, menor a probabilidade de problemas de comportamento e menor o número de sintomas depressivos dos filhos. Esses resultados também foram apontados por Marshall e cols. (2001), ao realizarem, nos Estados Unidos um estudo longitudinal com famílias (n=261). Essas famílias eram de baixa renda e as crianças tinham risco de maltrato. Os objetivos do estudo eram os de verificar se a presença ou ausência do pai ou figura paterna estava relacionada com problemas de comportamento e sintomas depressivos quando o filho tinha quatro anos e quando o filho tinha seis anos. Para obter essas informações foram aplicados testes e realizadas entrevistas. Os resultados mostraram que, dentre as crianças que não conviviam com o pai ou com uma figura paterna, quando estavam com quatro anos apresentaram maior índice de problemas de comportamento e quando estavam com seis anos, apresentaram maior escore de depressão e maior índice de externalização de comportamentos agressivos. No entanto, não é só a ausência da figura paterna que acarreta problemas comportamentais nos filhos, pois características do comportamento paterno influenciam negativamente o comportamento do filho. Frosch e Mangelsdorf (2001) realizaram um estudo com 78 pais Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233 230 Fabiana Cia, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Lúcia Rossito Aiello e mães americanos e seus filhos de aproximadamente três anos de idade, de classes socioeconômicas variadas, para verificar se o comportamento do pai e da mãe influenciava nos problemas de comportamento dos filhos. Foram utilizadas as seguintes medidas de comparação: identificação de problemas de comportamento da criança, observação da professora quanto aos problemas de comportamento em sala de aula e observação dos comportamentos de interação paterna e materna com os filhos. Os resultados mostraram que as crianças com maior índice de problemas de comportamento, tanto na escola quanto no ambiente familiar, tinham o pai com comportamento mais hostil e intruso. Além disso, a presença desses pais agia negativamente na influência positiva do relacionamento materno com o filho. Jaffee e cols. (2003), também, mostraram resultados semelhantes à pesquisa anterior ao realizarem um estudo na Inglaterra com 1115 pais/mães de crianças de cinco anos de idade, de diferentes níveis socioeconômicos. O objetivo do estudo foi o de verificar quais as vantagens e desvantagens de o filho conviver com o pai biológico que tinha comportamento anti-social. Para isso, os autores verificaram a história de comportamento anti-social do pai e da mãe, os cuidados do pai com a criança e os comportamentos anti-sociais da criança, sendo coletadas tais informações por meio de aplicação de questionários. Os resultados mostraram que os filhos, cujos pais tinham maior freqüência de comportamentos anti-sociais, apresentavam mais problemas de comportamento quando residiam com o pai, comparando com as crianças que não residiam com o pai. Além disso, nas famílias em que os pais tinham comportamentos anti-sociais havia maior freqüência de problemas familiares, incluindo a pobreza, violência contra a mulher e disciplina coercitiva com os filhos. Considerando, mais especificamente, o desenvolvimento cognitivo e lingüístico, Black, Dubowitz e Star. (1999) analisaram a influência do pai no desenvolvimento infantil de crianças com três anos expostas a fatores de riscos (HIV, maltrato, baixa nutrição, drogas), com uma população afro-americana de baixo poder aquisitivo (n=175 famílias). Os objetivos desse estudo eram os de avaliar o relacionamento mãe/filho, pai/filho, ambiente familiar e habilidades cognitivas e lingüísticas dos filhos, sendo obtidas tais informações por meio da observação da interação estruturada de ambos os pais e seus filhos e por preenchimento de questionários. Os resultados mostraram que as crianças com melhor desenvolvimento cognitivo e lingüístico interagiam mais com o pai e este tinha maior satisfação quanto ao desenvolvimento de seu papel. As mães, também, apontaram que, entre os pais mais satisfeitos, as crianças tinham menos problemas de comportamento e havia maior suporte financeiro na família. Em relação à importância do pai para o desenvolvimento social dos filhos, Feldman e Klein (2003) estudaram a relação pai/mãe-bebê, no momento em que as crianças estavam aprendendo a andar. Participaram do estudo 90 famílias de classe socioeconômica média, de nacionalidade americana. Os objetivos desse estudo foram os de verificar o grau de segurança que as crianças tinham em ambos os pais ao aprender a andar, sendo que as informações foram obtidas por meio da observação de situações entre ambos os pais e a criança. Os resultados mostraram que o pai foi significativamente mais sensível (mais caloroso e disciplinado) na interação quando a criança era do sexo feminino e, o pai oferecia maior liberdade para a criança andar do que a mãe. As crianças mostraram-se mais seguras e envolvidas emocionalmente com o pai do que com a mãe. Esses pesquisadores concluíram que o pai foi um importante agente de socialização para seus filhos, uma vez que o aprender a andar é uma experiência que possibilita outras experiências da criança com adultos externos, com a família e com os pares, preparando para os futuros relacionamentos íntimos, a disciplina e a negociação. Ainda em relação à importância do pai na socialização do filho, Verschueren e Marcoen (1999) realizaram um estudo com 80 pais/mães e seus filhos. Essas crianças estavam na idade pré-escolar, eram brancas, de classes socioeconômica média e média baixa, viviam com os pais biológicos e residiam nos Estados Unidos. Os objetivos desse estudo eram os de relacionar o autoconceito e a competência socioemocional das crianças com informações sobre o relacionamento com o pai e com a mãe, considerando a segurança desse relacionamento. O procedimento envolveu aplicação de testes e preenchimento de questionários. Como principais resultados, pôde-se verificar que as crianças com melhor autoconceito e com melhor competência socioemocional (melhores relacionamentos com os pares, melhor ajustamento escolar e menor ansiedade) tinham um relacionamento mais seguro com o pai. Os problemas comportamentais apresentados na préescola, decorrentes da ausência paterna, podem acarretar em uma variedade de resultados negativos na Influências paternas no desenvolvimento infantil: revisão da literatura idade escolar e na adolescência, incluindo baixo rendimento acadêmico, aumento de ausência nas aulas, aumento do risco de envolvimento com drogas, pouco relacionamento com os pares, depressão, ansiedade, labilidade emocional e a externalização de comportamentos problemas. Quando não corrigidos esses problemas continuarão exercendo uma influência negativa na fase adulta (Black, Dubowitz & Star, 1999; Frosch & Mangelsdorf, 2001). Programa de intervenção com o pai Segundo Fagan e Iglesias (1999), o programa Head Start envolvia atividades para pais afro-americano e latino-americanos de classe socioeconômica baixa, que tinha filho iniciando as atividades escolares, com idade média de quatro anos e seis meses, objetivando melhorar o envolvimento do pai com as atividades acadêmicas do filho e, conseqüentemente, a melhor adaptação da criança à escola. Para analisar a eficácia do programa, comparou-se 55 pais que participaram da intervenção com 41 pais que não participaram da intervenção. Duas medidas (pré-teste e pós-teste), que avaliaram os seguintes aspectos: o envolvimento do pai em casa, envolvimento do pai em leitura para os filhos, desempenho da criança na escola e habilidades sociais da criança. Como principais resultados entre os pais que participaram por mais tempo da intervenção, quando comparados com pais que não participaram ou que participaram com menor intensidade, têm-se: os filhos apresentaram maior repertório de habilidades sociais e maior motivação nos estudos. Os pais apresentaram maior interação com o filho, leram mais para os filhos, tiveram menos problemas conjugais, mostraram-se mais envolvidos nas interações em sala de aula com os filhos e mostraram-se mais motivados em auxiliar seus filhos nas atividades acadêmicas. Indicações para pesquisas futuras Dessen e Lewis (1998), Bertolini (2002), Dessen e Braz (2000) e Levandowski e Piccinini (2002) apontam para a necessidade dos estudos brasileiros enfocarem a figura paterna. Essas pesquisadoras ressaltam a importância de se coletar os dados diretamente com o pai sobre a participação na educação e nos cuidados com o filho e não coletar os dados sobre a percepção da mãe quanto ao desempenho paterno. Considerando, ainda, a metodologia empregada nas pesquisas em 231 desenvolvimento humano, alguns pesquisadores afirmam a importância da realização de estudos longitudinais, para verificar as contribuições que a figura paterna oferece ao longo das diferentes etapas do desenvolvimento infantil (Verschueren & Marcoen, 1999; Marshall, English & Stwart, 2001; Levandowski & Piccinini, 2002; Feldman & Klein, 2003). Além disso, deve-se considerar a necessidade de se aumentar o número de programas de intervenção exclusivamente para o pai, isto por considerar-se que pais e mães têm necessidades deferentes, interagem com os filhos de formas próprias e peculiares e desempenham papéis diferentes para o desenvolvimento infantil (Lamb, 1997; Black, Dubowitz & Star, 1999; Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Tudge & cols., 2000; Dubowitz & cols.; 2001; Frosch & Mangelsdorf, 2001; Levandowski & Piccinini, 2002). Quanto ao conteúdo dos programas, Frosch e Mangelsdorf (2001) sugerem a implementação de programas para o pai de crianças em idade pré-escolar, a fim de se trabalhar as práticas parentais que maximizam o desenvolvimento infantil e que minimizam os possíveis efeitos negativos dos conflitos parentais. Fagan e Iglesias (1999), acreditam que um programa deveria oferecer informações para o pai sobre a importância de seu papel para o desenvolvimento infantil, com o serviço de terapia individual para atender as necessidades de cada pai; trabalhar a participação do pai em atividades recreativas com os filhos e oferecer suporte aos pais, promovendo oportunidades de discutirem seus conceitos, prazeres e interesses com outros homens em situação similar. Considerando a carência de estudos brasileiros acerca dessa temática, nota-se a necessidade da realização de estudos descritivos sobre aspectos da interação pai e filho em diversas fases do desenvolvimento, e principalmente aspectos subjetivos de futuros pais (expectativas, sentimentos e vivências). A fim de se verificar as implicações da quantidade e qualidade da interação entre pai e filhos para o desenvolvimento infantil, em situações mais variadas, poderia ser comparado o filho que convive com o pai, com o filho de pai divorciado ou filho que não conhece seu pai. Outros aspectos a serem considerados seriam o conhecimento do pai sobre o desenvolvimento infantil, a avaliação de sua auto-eficácia enquanto pai e a percepção do suporte social. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233 232 Fabiana Cia, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams e Ana Lúcia Rossito Aiello CONSIDERAÇÕES FINAIS De modo geral, os estudos selecionados nesta revisão têm mostrado que os pais são importantes para o desenvolvimento dos seus filhos, prover financeiramente a família, envolver-se nos cuidados com o filho e no auxílio nas atividades domésticas. Além disso, a maior interação entre pais e filhos aumenta a satisfação do pai com seu papel, agindo diretamente na dinâmica familiar. Os pais passam a se interessar mais pelo relacionamento com a mulher, promovendo melhor status emocional para o casal (Fagan & Iglesias, 1999; Verschueren & Marcoen, 1999; Dessen & Braz, 2000; Harokopio, 2000; Marshall, English & Stewart, 2001; Flouri & Buchanan, 2003). Outros pesquisadores também apontaram que os pais são capazes, como as mães, de serem sensíveis e responsáveis na interação com os filhos (Fagan & Iglesias, 1999; Tudge & cols., 2000; Dubowitz & cols., 2001; Feldman & Klein, 2003). Entretanto, práticas parentais inadequadas (como por exemplo, pais com comportamentos hostis, intrusos e anti-sociais) podem acarretar problemas de comportamento nos filhos (Frosch & Mangelsdorf, 2001; Jaffee & cols., 2003). Ao término desta revisão, pode-se verificar a relevância da realização de um estudo de revisão da literatura, pois permite uma visão rápida e ao mesmo tempo abrangente da produção científica de determina- REFERÊNCIAS Amato, P. R., & Gilbreth, J.G. (1999). Nonresident fathers and children’s well-being: a meta-analyses. Journal of Marriage and the Family, 61, 557-573. Bertolini, L. B. A. (2002). Funções paternas, maternas e conjugais na Sociedade Ocidental. Em A. L. B. Bertolini (org.). 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Apesar desta revisão ter sido elaborada a partir de poucos artigos que abordavam as temáticas da mediação paterna e sua importância para o desenvolvimento infantil, objetivou-se possibilitar a apresentação de um panorama geral das pesquisas realizadas com o pai e mostrar sua importância em várias áreas do desenvolvimento infantil. A partir da presente revisão da literatura foi possível visualizar o baixo número de estudos com a temática do desenvolvimento infantil que investigavam a díade pai e filho. Na literatura brasileira não foram encontrados estudos que correlacionavam o relacionamento pai-filho com o desenvolvimento infantil. Sendo assim, pode-se apontar para a necessidade da realização de pesquisas brasileiras sobre o tema, uma vez que parece que ele não vem sendo significativamente explorado em âmbito nacional. Nesse sentido, a realização de pesquisas brasileiras pode ser útil e produtiva, como caracterização das informações sobre amostras da população relevantes para estudos subseqüentes na área. Ao mesmo tempo, pode vir a gerar dados passíveis de serem discutidos comparativa e criticamente em relação aos estudos internacionais. Cabrera, N. J., Tames-LeMonda, C., Bradley, R.H., Hofferth, S., & Lamb, M.E. (2000). Fatherhood in the twenty first century. Child Development, 71, 127-136. Coley, R.L. (2001). (In) visible men – emerging research on low-income, unmarried, and minority fathers. American Psychologist, 56, 743-753. Cozby, P.C. (2002). Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. São Paulo: Editora Atlas. Dantas, C., Jablonski, B., & Féres-Carneiro, T. (2004). Paternidade: considerações sobre a relação pais-filhos após a separação conjugal. Cadernos de Psicologia e Educação Paidéia, 14, 347-357. Dessen, M. A., & Braz, M. P. (2000). 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Recebido em: 17/11/2004 Revisado em: 05/05/2005 Aprovado em: 16/08/2005 Endereço para correspondência: Fabiana Cia: Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Psicologia (LAPREV) – Rodovia Washington Luís, Km 235 CEP: 13565-905 - São Carlos – SP. – e-mail: [email protected] Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams: Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Psicologia (LAPREV) Rodovia Washington Luís, Km 235 – CEP: 13565-905 - São Carlos - SP. – e-mail: [email protected] Ana Lúcia Rossito Aiello: Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Psicologia (LAPREV) – Rodovia Washington Luís, Km 235 – CEP: 13565-905 - São Carlos - SP. – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 225-233 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 235-245 DESEMPENHO ESCOLAR E AUTOCONCEITO DE ALUNOS ATENDIDOS EM SERVIÇOS PSICOPEDAGÓGICOS SERVIÇOS DE ATENDIMENTO PSICOPEDAGÓGICO Suze Sabino da Silva1 Denise de Souza Fleith 2 Resumo Este estudo teve como objetivo investigar o desempenho escolar e autoconceito de crianças com queixa escolar. Participaram do estudo 78 alunos da 4ª série do ensino fundamental da rede pública do Distrito Federal, sendo 46 atendidos em um Serviço de Apoio Psicopedagógico e 32 de classes de aceleração da aprendizagem. O desempenho acadêmico foi avaliado por uma escala de notas atribuídas por seus professores e para avaliar o autoconceito foi utilizado o Perfil de Autopercepção para Crianças. Os resultados não indicaram diferenças significativas entre os alunos atendidos no serviço psicopedagógico e alunos das classes de aceleração com relação ao desempenho escolar e autoconceito. Observou-se ganhos significativos no desempenho escolar no segundo semestre, em comparação ao primeiro semestre de 2001, por parte dos dois grupos avaliados. Foram constatadas diferenças significativas entre gênero com relação ao autoconceito. Palavras-chave: Dificuldade de aprendizagem; Autoconceito; Atendimento psicopedagógico. SCHOOL PERFORMANCE AND SELF-CONCEPT OF STUDENTS WHO ATTEND PSYCHOPEDAGOGICAL SERVICES Abstract The purpose of this study was to investigate the school performance and self-concept of students with learning difficulties. Seventy-eight 4th grade students from public schools in the Federal District participated in the study. Forty-six attended a Psychopedagogical Service and 32 were enrolled in learning acceleration classes. The school performance was assessed through teachers´ evaluation and the self-concept was measured by Children Self-Perception Profile. The results indicated that there were not significant differences between students from psychopedagogical service and from acceleration classes regarding school performance and self-concept. It was noticed that both groups of students improved their school performance from first through second academic semester. It was observed differences between males and females with respect to the self-concept measures. Keywords: Learning difficulty, Self-concept, Psychopedagogical service. No Brasil, tem sido um grande desafio promover uma educação com qualidade, tendo em vista os problemas políticos, econômicos e sociais que, indubitavelmente, refletem diretamente na implantação e desenvolvimento das políticas públicas, especialmente, aquelas relacionadas ao ensino. 1 Muitos programas têm sido implementados, pelo poder público, para incentivar o ingresso de brasileiros à escola e garantir a sua continuidade e permanência, assegurando, ainda, aos indivíduos, um ensino com qualidade que possa promover plenamente a formação de sua cidadania. Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília. Ph.D. Psicologia Educacional. Professora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília 2 236 Estudos desenvolvidos nesta área têm revelado que a crise relacionada à educação brasileira é marcada pelas desigualdades socioeconômicas, utilização de metodologias de ensino inadequadas ao contexto, desvalorização e despreparo dos educadores, falta de investimentos, desenvolvimento de tecnologias adequadas à formação de profissionais e indefinição de políticas públicas, que acabam por sobrecarregar a instituição, delegando à escola atribuições pertencentes a outros segmentos da sociedade (Campos, 1998; Dotti, 1995; Freller, 1999; Gouveia, 1991; Hickel, 1995; Novaes, 2000; Patto, 1991; Werneck, 2001). Apesar da proliferação de programas voltados para a melhoria e a qualidade da escola, ainda não se conseguiu erradicar do sistema educacional público o fenômeno do fracasso escolar. Muitos estudos (Cagliari, 1985; Carlberg, 1985; Collares & Moisés, 1996; Côrrea, 1992; Fernandes, 1991; Patto, 1990,1991; Roazzi, 1985; Tébar, 1995) têm investigado as origens e os efeitos do fracasso escolar na vida acadêmica dos alunos. Entretanto, Neves (1996, p. 9) enfatiza que “os resultados e conclusões encontrados em pesquisas relacionadas a este tema não alcançaram a sala de aula,” não possibilitando, desta forma, a diminuição dos altos índices de reprovação e evasão. Muitos educadores atribuem o mau desempenho do aluno, o seu insucesso ou fracasso escolar, em decorrência da dificuldade de aprender e reter conteúdos. A dificuldade de aprendizagem, portanto, se constitui como um dos principais agravantes para o fracasso escolar do aluno. Neste estudo, os termos dificuldade de aprendizagem, dificuldade escolar, problema de aprendizagem serão empregados num mesmo sentido, se referindo a maneira pela qual o fracasso escolar é expresso. Dentro da perspectiva postulada por Novaes (1977), os problemas de aprendizagem devem ser entendidos sob enfoque múltiplo considerando os fatores de ordem psicológica, os quais envolvem níveis maturacionais, habilidades intelectivas, condições psíquicas e ajustamento; biológica, onde se enquadram as deficiências físicas, distúrbios somáticos, endócrinos e neurológicos; pedagógica, referente à inoperância metodológica e curricular e precariedade do ensino; e por último, social, que envolve os contextos, familiar, escolar, econômico e cultural. Segundo a autora, independente de quais sejam as causas associadas à dificuldade de aprendizagem, o aluno não consegue rendimento escolar adequado e seu relacionamento com Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith o grupo é insatisfatório, o que o coloca em posição de inferioridade, gerando insegurança, bloqueios emocionais, timidez, agressividade e, especialmente, autoconceito negativo. Interessados neste tema, Silva e Alencar (1984) desenvolveram um estudo com objetivo de averiguar a relação entre o autoconceito e diferentes variáveis, rendimento acadêmico, escolha do lugar de sentar em sala de aula, avaliação do autoconceito pelo aluno comparado a do professor e diferenças de gênero. Participaram do estudo, 500 alunos (240 do gênero masculino e 260 do feminino), com idade média de 11,3 anos, matriculados na 4ª série do ensino fundamental em escolas localizadas na cidade do Plano Piloto e Ceilândia do Distrito Federal. Constatou-se uma relação significativa entre autoconceito e rendimento escolar, ressaltando que quanto mais positivo o autoconceito do aluno, melhor foi o seu rendimento escolar. Contudo, não foi significativa a relação entre autoconceito e escolha do lugar de sentar. Os dados relativos à avaliação do aluno e a avaliação do professor acerca do autoconceito foram altamente significativos. Não foram observadas diferenças significativas entre autoconceito e nível socioeconômico dos alunos e, tampouco entre autoconceito e gênero. Peixoto e Mesquita (1990) também conduziram uma pesquisa para investigar a relação entre autoconceito e sucesso escolar e nível intelectual e sucesso escolar em uma amostra representativa (15,8%) de alunos do distrito de Braga – Portugal. Participaram deste estudo 701 alunos do nono ano de escolaridade, com idade que variou de 14 a 18 anos. Os instrumentos utilizados para medir as variáveis foram a Escala de auto-estima de Rosemberg, as Matrizes Progressivas de Raven e um questionário para obtenção de dados sobre o sucesso escolar dos alunos. Os pesquisadores verificaram que é significativa a correlação entre nível intelectual e sucesso escolar. A partir destes resultados encontrados no estudo, Peixoto e Mesquita concluíram que a relação entre o nível intelectual e o sucesso escolar não é muito diferente da relação entre autoconceito e sucesso escolar. Neste sentido, eles sugerem que a escola deve valorizar igualmente os aspectos cognitivos e afetivos no processo de ensino-aprendizagem dos alunos. Estevão e Almeida (1999), a fim de investigar as dimensões do autoconceito e sua relação com o rendimento escolar, utilizaram uma amostra de 330 adolescentes, sendo 183 do gênero masculino e 147 do gênero Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos feminino, com variação de idade entre 13 e 15 anos, do sexto ao nono ano de escolaridade e pertencentes a famílias de baixa renda. Os alunos foram divididos em quatro grupos de acordo com a variável rendimento escolar. Os critérios utilizados para a classificação dos grupos foram reprovações passadas e classificação no primeiro período do ano letivo. Os instrumentos utilizados no estudo foram Physical Self-Description Questionnaire (PSDQ), SelfConcept as a Learner Scale (SCAL). Os resultados encontrados indicaram que os alunos com dificuldade de aprendizagem apresentaram um autoconceito acadêmico mais baixo quando comparados com os alunos dos outros grupos. Os alunos que obtinham um número maior de reprovações e de negativas apresentaram um autoconceito acadêmico mais baixo, destacando as subescalas “Confiança nas Capacidades” e “Motivação”. Os pesquisadores concluíram que os alunos com dificuldades de aprendizagem ou que experienciam situações de insucesso escolar são menos aceitos e mais rejeitados que os alunos sem problemas escolares. Contrariamente aos estudos anteriores, Souza (1996) realizou um estudo sobre o autoconceito e dificuldades de aprendizagem escolares, de 50 crianças (28 meninos e 22 meninas) de 8 a 10 anos de idade, do Ciclo Básico de escolas localizadas na cidade de São Paulo, encaminhadas a uma clínica-escola de Psicologia com queixa de dificuldade de aprendizagem Entrevistas individuais foram conduzidas para identificar as percepções das crianças acerca de si mesma, da escola e da sua família. Por meio das análises das entrevistas, a pesquisadora constatou que a variável dificuldade de aprendizagem não interferiu no autoconceito das crianças. Elas demonstraram um autoconceito positivo, parecendo não perceberem sua dificuldade de aprendizagem como um problema para o desenvolvimento do processo de aprendizagem. As crianças referiram-se ao ambiente escolar como um lugar para aprender a ler e escrever, denotando o seu valor primordial. Estes resultados talvez possam ser explicados a partir do que diz Salvador e cols. (2000), ao afirmar que no início do processo de escolarização os alunos não têm uma percepção precisa de suas habilidades e tampouco, as relacionam com o seu desempenho acadêmico, uma vez que esse desempenho não parece incidir claramente no seu autoconceito. Com a escolaridade mais avançada o aluno mais realista e ajustado é capaz de perceber melhor o impacto dos resultados acadêmicos por meio da percepção das suas habilidades e competências. “Na 237 medida em que essa percepção se consolida, a relação entre autoconceito e rendimento escolar tem por fim, um caráter recíproco” (p. 99). Diante destas constatações, verifica-se a necessidade da escola incluir em seu programa de ensino atividades que valorizem e reforcem nos alunos atitudes de autonomia, iniciativa e criatividade para a solução de problemas, autocrítica, autopercepção de suas habilidades, autovaloração dos seus atributos como pessoa, bem como o respeito por si mesmo e pelo próximo. Neste sentido, é necessário ressaltar o papel relevante do psicólogo escolar tanto na estimulação e orientação dos educadores, como também na utilização no seu trabalho de intervenção junto ao aluno e pais. Observa-se nas escolas públicas de ensino fundamental do DF, um aumento, a cada ano, na procura por serviços de atendimentos especializados com vistas à melhoria do desempenho escolar dos alunos. Dentre estes serviços, destaca-se o Serviço de Apoio Psicopedagógico, da Secretaria de Estado de Educação do DF. Este serviço destina-se às crianças da educação infantil e crianças matriculadas nas quatro primeiras séries do ensino fundamental das escolas públicas do DF, que apresentam dificuldades de aprendizagem, em decorrência de: “problemas psicológicos de caráter biopsicosociais e/ou problemas psicomotores (dificuldade de adaptação escolar e problemas de comportamento); problemas pedagógicos por defasagem pedagógica ou dificuldades nos processos de leitura, escrita ou matemática; e/ou problemas fonoaudiológicos (dificuldades de comunicação, oral e escrita, voz e audição) provenientes de problemas neurológicos, perceptivos, sensoriais moderados e leves, fatores sociais, econômicos e culturais” (Fundação Educacional do Distrito Federal, 1994, p. 9). A abordagem metodológica centra-se nas diferenças individuais do aluno, considerando-se os pré-requisitos necessários ao processo de ensino-aprendizagem e utilizando-se estratégias apropriadas às áreas de intervenção psicológica, pedagógica e/ou de linguagem. O encaminhamento das crianças é feito pela professora, em conjunto com a equipe escolar, para a gerência regional de ensino à qual a escola referente está vinculada, onde é realizada a triagem e direcionamento do aluno à equipe pedagógica. Esta equipe geralmente é formada por um psicólogo e um pedagogo. As sessões de atendimento às crianças ocorrem duas vezes por semana, em dias alternados e em horário contrário às aulas, com duração Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 235-245 238 de uma hora e vinte cada. O atendimento é realizado em grupo de cinco crianças ou individualmente, dependendo das circunstâncias. Geralmente, a criança recebe intervenção da área pedagógica e psicológica simultaneamente. A permanência da criança no serviço de atendimento, de modo geral, é de 1 ano; ultrapassado este período, a criança poderá ser submetida, novamente, a avaliação psicopedagógica. As atividades básicas desenvolvidas pelo serviço são triagem, diagnóstico, procedimentos administrativos, atendimento à criança e intervenção junto à família e à escola da criança. A partir de 2000, a Secretaria de Educação do Distrito Federal implantou, ainda, em seu sistema educacional público, o programa de aceleração da aprendizagem, com a finalidade de regularizar o fluxo escolar dos alunos das séries iniciais do ensino fundamental. Este programa se propõe a desenvolver estratégias pedagógicas de aceleração da aprendizagem, com base no currículo básico, que sejam significativas e que promovam a autoestima do aluno. Espera-se que o aluno, ao final do ano letivo, possa ser promovido para a série em que apresente condições para prosseguir regularmente os estudos. Os conteúdos programáticos estão organizados por objetivos e habilidades adotadas em diferentes unidades. São disponibilizados materiais didáticos específicos para os alunos e professor. Estão previstas três fases de aceleração: alfabetização até 3ª série, 1ª a 6ª série e 5ª série até a 8ª série. Os critérios para a formação das classes são faixa etária, série escolar e domínio da leitura e escrita. Têm prioridade os alunos mais velhos (até 17 anos), que apresentem defasagem de idade e de série superior a dois anos. A classe é composta por, no máximo, 25 alunos. A adesão do professor da rede se dá de maneira voluntária, mediante indicação de superiores, o qual receberá capacitação técnica de 40 horas/aula para iniciar as atividades e, ao longo do período, supervisão técnico-pedagógica sistematizada (Centro de Ensino Tecnológico de Brasília, 2000). Com base no alto índice de encaminhamentos de crianças com queixa escolar para as unidades do Serviço de Apoio da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, buscou-se averiguar a influência desse serviço no desempenho escolar e autoconceito dos alunos atendidos. A questão de pesquisa investigada neste estudo foi: Existem diferenças entre alunos, do gênero masculino e feminino, atendidos no serviço de apoio psicopedagógico e alunos de classes de aceleração de Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith aprendizagem com relação ao desempenho escolar e autoconceito? MÉTODO Delineamento Um delineamento quase-experimental (Gall, Borg & Gall, 1996) foi utilizado para responder à questão de pesquisa. Participantes Alunos do SATPP. Participaram deste estudo 46 alunos (31 do gênero masculino e 15 do feminino), com idade média de 13 anos, variando entre 11 e de 16 anos. Todos os alunos eram atendidos por equipes do Serviço de Atendimento Psicopedagógico (SATPP), da Secretaria de Educação do Distrito Federal, distribuídas em três Gerências Regionais de Ensino. A maioria dos alunos (83%), estudava em turmas de 4ª série do ensino fundamental e os 17% restantes estudavam nas classes de aceleração (CA), envolvendo 32 escolas da rede pública do DF. Houve maior concentração de alunos (83%) no turno matutino. Cerca de 54,3% dos alunos já tinham sido reprovados pelo menos uma vez em umas das séries do ensino fundamental. A maior parte dos alunos era proveniente de famílias de classe média-baixa, considerando-se como critério o nível de escolaridade e profissão dos pais (veja Tabela 1). Tabela 1: Escolaridade e Profissão dos Pais ou Responsáveis pelos Alunos Atendidos no SATPP Participantes do Estudo (n=40). Escolaridade Ensino fundamental Ensino Médio Ensino Superior Não informaram Profissão Funcionário Público Serviços Domésticos Comerciante Autônomo Aposentado Do lar Desempregado Não informaram Pai 15 10 1 14 10 3 4 6 3 0 1 13 Mãe 17 13 4 6 5 8 5 4 2 11 1 5 Nota. Os dados dos pais de seis alunos participantes do estudo não foram disponibilizados para consulta. Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos A queixa mais freqüente para o encaminhamento dos alunos com dificuldade de aprendizagem ao SATPP fazia referência ao desenvolvimento cognitivo do aluno, seguido pelos aspectos emocional, social e psicomotor (veja Tabela 2). Dos prontuários que constavam à data de ingresso do aluno no SATPP, cerca de (70%) dos alunos tinham ingressado no ano de 2000/2001, isto é, tinham um tempo médio de um ano e meio de permanência no atendimento. Tabela 2: Freqüência das Queixas do Encaminhamento dos Alunos Participantes do Estudo. Queixas f % Cognitivo 11 24 Cognitivo e emocional 11 24 Emocional 5 11 Cognitivo e social 5 11 Cognitivo, emocional, psicomotor e social 4 9 Cognitivo, emocional e psicomotor 2 4 Cognitivo, psicomotor e social 1 2 Sem informação 7 15 Total 46 100 Alunos das classes de Aceleração. Integraram, ainda, a amostra de alunos, um grupo composto de trinta e dois alunos, sendo 11 do gênero masculino e 21 do feminino, matriculados nas classes de aceleração da aprendizagem em nível de 4ª série. A faixa etária dos participantes era de 11 a 15 anos e a idade média de 13 anos. De modo geral, os alunos eram provenientes de famílias de nível socioeconômico baixo. 56,2% dos alunos estudavam no turno matutino e 43,8% no turno vespertino. A participação destes alunos no estudo devese as características de desempenho escolar semelhantes aos alunos que freqüentam o SATPP, ambas crianças, apresentam dificuldade de aprendizagem, e na maioria das vezes, possuem em seu histórico escolar, reprovação ou desnível entre série e idade, caracterizada como insucesso escolar. Instrumentos Perfil de Autopercepção para Crianças. Esta escala foi desenvolvida para avaliar o julgamento da criança sobre sua competência em domínios específicos e de maneira global (Harter, 1985). Este instrumento contém seis subescalas que envolvem cinco domínios específicos: competência escolar, aceitação social, 239 competência atlética, aparência física, conduta comportamental e a auto-estima global. A subescala competência escolar explora a percepção da criança sobre sua competência ou habilidade relacionada ao seu desempenho escolar. Um exemplo de item desta subescala é “Algumas crianças acham que fazem muito bem o trabalho escolar, mas outras crianças se preocupam se elas vão dar conta de fazer o trabalho escolar”. A subescala aceitação social avalia a extensão em que as crianças se percebem como populares ou aceitas pelos pares. Um exemplo de item desta subescala é “Algumas crianças têm muitos amigos, mas outras crianças não têm tantos amigos”. A subescala competência atlética investiga conteúdos envolvendo habilidades esportivas. Um item desta subescala é “Algumas crianças se saem muito bem em qualquer tipo de esportes, mas outras crianças sentem que não são tão boas em se tratando de esportes”. Os itens da subescala aparência física avaliam o grau em que cada criança está satisfeita com sua forma física. A título de ilustração, segue um exemplo de item desta subescala: “Algumas crianças desejariam que seu corpo fosse diferente, mas outras crianças gostam de seu corpo do jeito que ele é”. A subescala conduta comportamental investiga o grau em que a criança se comporta e age da forma que ela supõe que deva agir a fim de evitar problemas. Um exemplo de item é “Algumas crianças se comportam muito bem, mas outras crianças geralmente acham difícil se comportar bem”. Os itens da subescala auto-estima global dizem respeito a extensão em que a criança gosta de si mesma como pessoa, se está feliz com seu modo de vida e se é feliz. Um item desta subescala é “Algumas crianças gostam do tipo de pessoa que elas são, mas outras crianças muitas vezes gostariam de ser outra pessoa”. Cada subescala contém seis itens. Cada item inclui duas sentenças opostas descrevendo características de uma criança. A criança é instruída a decidir qual o tipo de criança é mais parecida com ela, e em seguida é solicitada a indicar se sua resposta se aplica mais ou menos ou totalmente a ela. Cada item é avaliado em uma escala de 1 a 4, onde o escore 1 indica percepção negativa de sua competência enquanto que o escore 4 indica uma percepção positiva de sua competência. Cada escala apresenta um escore final, obtido por meio da soma de pontos dos itens que compõem a escala (Harter, 1985). Marsh e Gouvernet (1989) apresentam evidência de validade de construto para esta escala. Análises Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 235-245 240 fatoriais indicaram que as cargas de fatores variaram de 0,32 a 0,75. Da mesma forma, análises de multitraçosmultimétodos indicaram evidência de validade convergente para este instrumento. Análise Documental. Foram analisados a ficha de encaminhamento, a ficha de anamnese e o relatório psicopedagógico dos alunos, com o objetivo de identificar os principais motivos pelos quais eles foram encaminhados para o SATPP, delinear o perfil desta clientela e identificar o diagnóstico e prognóstico construído, acerca do problema do aluno. A ficha de encaminhamento é um instrumento preenchido pelo professor onde são levantadas às dificuldades de aprendizagem apresentadas pelo aluno e os comportamentos evidenciados por ele em sala de aula, que justifiquem a necessidade de um atendimento especializado pelo serviço de apoio psicopedagógico. A ficha de anamnese contém dados relativos à história de vida da criança, relatada pelos pais e/ou responsáveis no momento da primeira entrevista realizada pela equipe de atendimento. O relatório psicopedagógico é um instrumento elaborado pelos profissionais da equipe de atendimento durante o processo diagnóstico do aluno, onde são definidas as intervenções e recomendações por parte destes especialistas. Avaliação de Desempenho Acadêmico. Para avaliar o desempenho escolar dos alunos, solicitou-se ao professor regente, que utilizando uma escala de 0 a 100, desse uma nota ao aluno que representasse o seu aproveitamento global na escola, em dois momentos (1º e 2º semestre de 2001). Optou-se por não utilizar o Relatório Descritivo e Individual de Acompanhamento Bimestral do Desenvolvimento de Habilidades, procedimento adotado pelas escolas públicas do DF para avaliação dos alunos, por se tratar de um material que está impregnado de impressões muito subjetivas do professor acerca do processo de aprendizagem do aluno. Procedimentos Para a realização deste estudo solicitou-se, em janeiro de 2001, autorização da Subsecretaria de Educação Pública do Distrito Federal, para coleta de dados junto às equipes do Serviço de Atendimento Psicopedagógico e escolas públicas. As equipes foram selecionadas observando-se dois critérios: o número de alunos atendidos matriculados na 4ª série Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith do Ensino Fundamental e a formação completa da equipe com psicólogo e pedagogo. Os primeiros contatos com as equipes foram para apresentação dos objetivos do estudo e verificação do interesse, por parte da equipe, em participar do mesmo. Foram então, selecionadas 10 equipes. Uma carta foi enviada aos pais e/ou responsáveis dos alunos, solicitando a autorização para a participação dos mesmos neste estudo. Ainda no início do ano de 2001, foi realizado um estudo piloto em duas turmas de 4ª série do ensino fundamental de uma escola particular de Brasília com o objetivo de verificar a adequação do instrumento Perfil de Autopercepção para Crianças (Harter, 1985) para alunos desta faixa etária. De modo geral, a maioria das crianças soube responder satisfatoriamente ao mesmo. O estudo piloto examinou, ainda, se a linguagem utilizada no instrumento era adequada em uma amostra de crianças brasileiras e serviu como treino para a sua posterior aplicação. Durante os meses de maio, junho e início de julho de 2001, foi aplicado o instrumento Perfil de Autopercepção para Crianças em todos os alunos. O momento de aplicação variou de acordo com a sugestão de cada equipe. Em sete equipes, a aplicação foi realizada, nos dias e horários das sessões de atendimento; em duas equipes, determinou-se o dia destinado às reuniões de pais e professores para a aplicação do instrumento às crianças; e em uma única equipe, utilizou-se o momento de chegada e saída das crianças ao atendimento. A aplicação ocorreu, geralmente, em pequenos grupos e, em poucos casos, individualmente. No caso das crianças que faltaram às sessões, houve necessidade de aplicar o instrumento nas escolas onde elas estudavam. O tempo gasto para a aplicação do questionário variou de 20 a 30 minutos, seguindo a forma de aplicação sugerida pelo manual. Concomitante à aplicação deste instrumento, procedeu-se à análise dos prontuários, sendo consultadas as fichas de encaminhamento e de anamnese e o relatório psicopedagógico dos alunos. Com a finalidade de se estabelecer um parâmetro de comparação com relação aos escores da medida de autoconceito apresentados pelas crianças atendidas no SATPP, foram selecionadas três classes de aceleração da aprendizagem em nível de 4ª série do ensino fundamental das mesmas gerências regionais Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos de ensino do SATPP, cujos alunos atuaram como grupo de controle. Estabeleceu-se, então, contato com os diretores e coordenadores pedagógicos para a apresentação dos objetivos e relevância do estudo. Em seguida, conversou-se com os professores das classes de aceleração para verificar o interesse em participar e obter informações sobre as características da turma. Os pais dos alunos pertencentes às estas classes foram consultados através de carta. Aos alunos autorizados pelos pais, era explicado o objetivo do estudo e como deveria ser respondido o instrumento, Perfil de Autopercepção para Crianças, deixando-os à vontade em querer ou não participar. Os alunos que não foram autorizados ou não quiseram responder ao instrumento permaneceram na sala de aula fazendo outra atividade ou deixaram a sala juntamente com a professora, durante o tempo gasto para aplicação, que não ultrapassou 30 minutos. Para obtenção da avaliação de desempenho escolar dos alunos, a pesquisadora dirigiu-se, nos meses de agosto, setembro e início de outubro de 2001, às escolas dos alunos atendidos no SATPP e das classes de aceleração. Após apresentar, por escrito, aos professores os objetivos do estudo e solicitar sua colaboração, pediu-se dos mesmos que avaliassem o desempenho acadêmico dos alunos no primeiro semestre de 2001, de acordo com uma escala de 0 a 100. Quando não era possível encontrar pessoalmente com o professor, a carta explicativa e instruções para proceder à avaliação dos alunos, eram encaminhadas a ele pelo orientador educacional ou coordenador pedagógico. As avaliações eram, então, recolhidas posteriormente. As avaliações relativas ao segundo semestre de 2001 foram realizadas por telefone no final do mês de dezembro. Análise dos Dados Os dados quantitativos relativos à questão de pesquisa foram analisados por meio do teste t. A variável independente foi grupo (alunos atendidos no SATPP e alunos de classe de aceleração) e as variáveis dependentes foram autoconceito, medido pelo Perfil de Autopercepção para Crianças, e desempenho escolar, definido pela avaliação do professor. Requisitos necessários para realização das análises como normalidade, linearidade e homogeneidade de variância, foram examinados. O programa estatístico SPSS foi usado para a realização das análises. 241 RESULTADOS Foi objetivo deste estudo comparar o desempenho escolar, no ano de 2001, entre alunos que foram atendidos pelo SATPP e alunos de classes de aceleração. Com relação ao desempenho escolar no 1o. semestre deste ano, foi disponibilizada a avaliação escolar de apenas 27 alunos, dentre os 46 que participaram do estudo. Dez professores preferiram não responder ao instrumento de avaliação. Além disso, nove alunos foram desligados do SATPP no final do 1o semestre de 2001 (sete receberam alta do serviço e dois foram encaminhados para atendimento psicoterápico). Os alunos pertencentes a classes de aceleração foram utilizados como grupo de comparação. Dentre os 32 alunos participantes deste estudo, foram disponibilizadas as avaliações de apenas 18. Uma professora não respondeu ao instrumento de avaliação de desempenho escolar. Com relação ao 2o semestre de 2001, novamente, houve uma redução do número de alunos avaliados que freqüentavam o serviço psicopedagógico, de 27 para 23 alunos, em virtude de um aluno ter sido transferido para a classe de ensino especial e pela dificuldade de se contatar os professores dos demais alunos. Também foi reduzido o número de avaliações de desempenho dos alunos pertencentes às classes de aceleração. Dos 18 alunos da classe de aceleração avaliados no semestre anterior, somente 16 foram reavaliados, tendo em vista que dois alunos abandonaram a escola. Dos alunos do SATPP avaliados em termos de seu desempenho escolar, 23 tinham avaliações em ambos os semestres. No caso dos alunos das classes de aceleração, apenas 14 foram avaliados nos dois períodos. Os resultados indicaram que não houve diferença significativa entre os alunos do SATPP e os alunos de CA quanto ao desempenho escolar no 1o. semestre (t [43]=0,90; p=0,37) e nem no 2º semestre (t [37]=1,06; p=0,30) (veja Tabela 3). Entretanto, o desempenho escolar dos alunos atendidos no serviço psicopedagógico foi significativamente superior no 2º semestre quando comparado ao desempenho no semestre anterior (t[22]=4,13; p=0,0001). Da mesma forma, foram observados ganhos significativos no desempenho escolar dos alunos das classes de aceleração no 2º semestre em comparação ao 1º semestre de 2001 (t[13]=4,72; p=0,0001) (veja Tabela 4). Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 235-245 242 Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith Tabela 3: Média, Desvio Padrão e Valor t na Medida de Desempenho Escolar de Alunos do SATPP e CA nos 1º e 2º semestre de 2001 (Comparação entre Grupos). Período o 1 . semestre 2o. semestre Grupo M DP n t p SATPP 4,91 1,86 27 0,90 0,37 CA 5,39 1,58 18 SATPP 6,15 1,99 23 1,11 0,28 CA 6,81 1,81 16 Nota. SATPP=serviço de atendimento psicopedagógico. CA=classe de aceleração. Observa-se que, de modo geral, o desempenho escolar dos alunos das classes de aceleração foi superior, nos dois semestres, ao dos alunos atendidos no serviço psicopedagógico, apesar desta diferença não ter sido considerada estatisticamente significativa. Utilizou-se o teste t para examinar, ainda, possíveis diferenças entre alunos do SATPP do gênero masculino e feminino com relação ao autoconceito. Os resultados indicaram diferenças significativas entre os gêneros quanto à aceitação social (t[44]=2,30; p=0,03), conduta Tabela 4: Média, Desvio Padrão e Valor t na Medida de Desempenho Escolar de Alunos do SATPP e CA nos 1º e 2º semestre de 2001 (Comparação intra Grupos). Grupo Período SATPP 1o. semestre DP n t p 4,13 0,0001 4,72 0,0001 4,87 1,67 23 o 6,15 1,99 23 o 5,36 1,60 14 o 7,21 1,33 14 2 . semestre CA M 1 . semestre 2 . semestre Nota. SATPP=serviço de atendimento psicopedagógico. CA=classe de aceleração. O teste t foi também utilizado para verificar se havia diferença entre os alunos atendidos no SATPP e os alunos das classes de aceleração com relação aos escores nas seis subescalas da escala de autoconceito – competência acadêmica, aceitação social, competência atlética, aparência física, conduta comportamental e autoconceito global. Não foram observadas diferenças significativas em nenhuma das subescalas (veja Tabela 5). Apesar das diferenças entre os grupos não terem sido consideradas significativas, os alunos atendidos pelo SATPP alcançaram escores superiores na maioria das subescalas em comparação aos alunos de CA, com exceção, da subescala competência acadêmica. A média mais alta obtida pelos alunos dos SATPP foi autoconceito global (M=19,46; DP=3,69) e a mais baixa foi na subescala competência acadêmica (M=16,50; DP=3,50). Com relação aos alunos das classes de aceleração, a média mais alta foi, também, na subescala autoconceito global (M=18,56; DP=3,53) e a média mais baixa foi em competência atlética (M=16,41; DP=3,68). comportamental (t[44]=2,14; p=0,04) e autoconceito global (t[44]=2,34; p=0,02). Os alunos do SATPP do gênero feminino obtiveram diferenças significativamente superiores com relação aos alunos do gênero masculino nas três subescalas. Foi constatado, também, que os alunos do gênero feminino obtiveram médias superiores em todas as subescalas de autoconceito (veja Tabela 6). DISCUSSÃO O presente estudo comparou o desempenho escolar e autoconceito de alunos que freqüentam um serviço psicopedagógico e alunos de classes de aceleração de aprendizagem, a fim de examinar o impacto do serviço nos alunos atendidos. Não foram observadas diferenças significativas dos resultados obtidos pelos alunos do SATPP em comparação aos alunos de CA no ano de 2001. Por outro lado, os resultados indicaram que os Desempenho escolar e autoconceito de alunos atendidos em serviços psicopedagógicos 243 Tabela 5: Média, Desvio Padrão e Valor t nas Medidas de Autoconceito de Alunos do SATPP e CA. Autoconceito Grupo M DP n t p Competência SATPP 16,50 3,50 46 0,36 0,72 acadêmica CA 16,81 4,17 32 Aceitação SATPP 18,46 3,03 46 0,63 0,53 Social CA 17,97 3,82 32 Competência SATPP 16,89 3,77 46 0,57 0,49 Atlética CA 16,41 3,68 32 Aparência SATPP 19,24 4,00 46 1,15 0,25 Física CA 18,13 4,48 32 Conduta SATPP 16,79 3,40 46 0,15 0,88 comportamental CA 16,66 4,15 32 Autoconceito SATPP 19,46 3,69 46 1,07 0,29 Global CA 18,56 3,53 32 Tabela 6: Média, Desvio Padrão e Valor t nos Escores de Escalas de Autoconceito por Gênero. Escalas do Autoconceito Competência Acadêmica Aceitação Social Competência atlética Aparência física Conduta comportamental Autoconceito global Gênero M DP n t p Masculino 16,13 3,28 31 1,03 0,31 Feminino 17,27 3,92 15 Masculino 17,77 2,91 31 2,2 0,03 Feminino 19,87 2,88 15 Masculino 16,52 3,66 31 0,97 0,34 Feminino 17,67 4,01 15 Masculino 18,74 4,32 31 1,37 0,23 Feminino 20,27 3,10 15 Masculino 16,06 2,99 31 2,14 0,04 Feminino 18,27 3,81 15 Masculino 18,61 3,74 31 2,34 0,02 Feminino 21,20 2,98 15 alunos atendidos no SATPP obtiveram desempenho escolar significativamente superior no segundo semestre de 2001 quando comparado ao desempenho no 1º semestre. Da mesma forma, foi constatado ganhos significativos no desempenho escolar dos alunos das classes de aceleração do 1º para o 2º semestre de 2001. Pelo fato deste estudo ter utilizado um delineamento quase-experimental, não é possível afirmar que a melhora no desempenho escolar dos alunos do SATPP ocorreu em função, exclusivamente, da sua participação em um serviço de atendimento especializado. Além disso, os alunos não expostos ao serviço (alunos das classes de aceleração) também conseguiram bons resultados escolares. É interessante notar que muitos professores relataram, na primeira fase da coleta de dados referente ao desempenho escolar, que determinados alunos eram muito fracos e estavam propensos a repetir o ano. Porém, na segunda fase da coleta, mudaram totalmente seus relatos ao transmitirem com entusiasmo os ganhos Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 235-245 244 Suze Sabino da Silva e Denise de Souza Fleith obtidos pelos alunos no segundo semestre, tanto em relação ao seu desempenho acadêmico, como, também, em relação ao seu comportamento. Isto nos leva a questionar acerca do que teria contribuído para que os alunos apresentassem ganhos com relação ao desempenho escolar e os professores mudassem sua avaliação dos alunos? Cabe ressaltar que as notas atribuídas ao desempenho escolar dos alunos, de certa forma, partiram de critérios subjetivos, onde o professor avaliou o aluno por meio de considerações sobre o seu rendimento e comportamento em sala de aula, salvo algumas exceções, que se basearam somente em avaliações bimestrais das disciplinas oferecidas no currículo. Os resultados deste estudo indicaram, ainda, que não foram observadas diferenças significativas entre alunos do SATPP e alunos de CA com relação ao autoconceito. Entretanto, é interessante mencionar que estas crianças consideradas alunos com problemas de aprendizagem apresentaram um autoconceito positivo. Em nenhuma das subescalas aplicadas, os alunos apresentaram média abaixo do ponto médio da escala. Resultados semelhantes foram encontrados por Souza (1996) ao examinar o autoconceito de crianças com dificuldades de aprendizagem. Esta autora concluiu que apesar do fato das crianças apresentarem dificuldades no seu processo de aprendizagem, isto não influenciava negativamente no seu autoconceito. Entretanto, outros estudos, que também investigaram a relação entre autoconceito e rendimento acadêmico, encontraram resultados contrários a estes. Silva e Alencar (1984), por exemplo, encontraram uma correlação positiva entre estas duas variáveis. Também Peixoto e Mesquita (1990) perceberam que alunos com resultados acadêmicos superiores possuíam um autoconceito alto, ao passo que alunos com várias reprovações apresentaram um autoconceito baixo. Estes autores perceberam que à medida que os resultados acadêmicos dos alunos decresciam, ocorria o mesmo com relação ao autoconceito. Da mesma forma, os resultados do estudo de Estevão e Almeida (1999) indicaram diferenças significativas no autoconceito dos alunos com escores altos de rendimento acadêmico em comparação aos alunos com desempenho acadêmico inferior. É importante lembrar que, apesar dos dois grupos serem compostos por alunos com dificuldade de aprendizagem, eles apresentavam características diferenciadas. Os alunos de CA, por exemplo, eram mais velhos, pertenciam a turmas mais homogêneas com relação aos problemas escolares, os professores recebiam apoio metodológico e pedagógico específico e o trabalho era supervisionado e acompanhado por uma assessoria técnica do programa. Este estudo verificou a importância do Serviço de Atendimento Psicopedagógico e do Programa de Aceleração da Aprendizagem oferecido pela Secretaria de Educação do Distrito Federal no enfrentamento dos problemas escolares apresentados por muitos alunos do ensino fundamental, seja no caso daqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem ou no caso daqueles que se encontram em defasagem de idade e série. Verificou-se que ambos os trabalhos têm contribuído, de certa forma, para melhoria do desempenho escolar dos alunos, bem como para o fortalecimento do seu autoconceito. REFERÊNCIAS Collares, C.A.L. & Moysés, M.A.A. (1996). Preconceitos no cotidiano escolar: ensino e medicalização. São Paulo: Cortez. Côrrea, M.A.M. (1992). De rótulos, carimbos e crianças nada especiais. Cadernos Cedes, 2, 69-74. Dotti, C. (1995). Fracasso escolar e classes populares. Em E.P. Grossi & J. Bordin (Orgs.), Paixão em aprender (pp. 2128). Petrópolis, Vozes. Estevão, C. & Almeida, L.S.C. (1999). 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Recebido em: 14/12/2005 Revisado em: 21/12/2005 Aprovado em: 28/12/2005 Endereço para correspondência: Suze Sabino da Silva: CSB 05 LT. 04 APT. 901 – Edifício Tainah – Taguatinga Sul – DF / CEP: 72015 555 – e-mail: [email protected] Denise de Souza Fleith: SQN 202 , Bloco H, apt.504 – Asa Norte – CEP: 70910- 900 - Brasilia – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 235-245 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 247-260 A AFETIVIDADE NA SALA DE AULA: UM PROFESSOR INESQUECÍVEL AFETIVIDADE NA SALA DE AULA Sérgio Antônio da Silva Leite1 Ariane Roberta Tagliaferro2 Resumo A presente pesquisa teve como objetivo descrever as práticas pedagógicas desenvolvidas por um professor em sala de aula, aqui denominado Professor M, identificando os seus possíveis efeitos na futura relação que se estabeleceu entre os alunos e os objetos de conhecimento (conteúdos escolares). Os dados foram coletados a partir de entrevistas com seis ex-alunos do Professor M que relataram as experiências vivenciadas em sala de aula e os possíveis efeitos destas em suas vidas. Discutem-se as dimensões afetivas dessas relações Palavras-chave: Interação interpessoal; Afeto; Métodos de ensino. AFFECTIVETY IN THE CLASSROOM: AN UNFORGETTABLE TEACHER Abstract This paper describes a research study that aimed at analysing the teaching practices developed by Professor M trying to identify the posterior effects in the students life. Data were collected by individual interviews with six old pupils of Prof. M. One discusses the affect dimensions identified in the classroom experiences mediated by Prof. M and the consequences for the students. Key words: Emotion and teaching; Teaching learning process; Teacher mediation. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ESTUDO O presente estudo é parte de um projeto de pesquisa desenvolvido por um grupo de pesquisadores do grupo de pesquisa Alfabetização Leitura Escrita – ALLE – da Faculdade de Educação da Unicamp. Tal projeto tem como objeto à questão das dimensões afetivas identificadas no trabalho pedagógico, desenvolvido em sala de aula, envolvendo o professor, os alunos e os diversos objetos do conhecimento (conteúdos escolares). Baseando-se nos pressupostos da abordagem históricocultural, assume-se que as relações que se estabelecem entre o sujeito (aluno) e os objetos do conhecimento (conteúdos escolares) são, marcadamente, afetivas, sendo que sua qualidade (aversiva ou prazerosa) depende, no mesmo sentido, do processo de mediação vivenciado pelo aluno, em sala de aula – onde se desta- 1 2 ca o trabalho pedagógico do professor (Wallon, 1968; 1989; Vygotsky, 1998). A priori, o objetivo era analisar as dimensões afetivas identificadas nas práticas pedagógicas desenvolvidas por professores em sala de aula. A partir de dados sobre a história de vida de jovens universitários, pretendia-se identificar as experiências afetivamente marcantes, em função do trabalho pedagógico de professores considerados inesquecíveis, e suas possíveis implicações na futura relação que se estabeleceu entre o aluno e os diversos conteúdos escolares. No entanto, quando se iniciou a coleta de dados, um dos primeiros jovens entrevistados referiu-se ao trabalho de um determinado professor, o qual será aqui chamado de Professor M, relatando a grande influência Docente da Faculdade de Educação da Unicamp. Mestranda do Programa de Pós Graduação da Fauldade de Educação- Unicamp. 248 que o mesmo teve em sua vida. Uma vez que se tinha acesso a outros jovens, que igualmente passaram pela mesma experiência escolar, decidiu-se centrar o olhar no processo de mediação desenvolvido pelo referido professor, na relação entre seus ex-alunos e os conteúdos da disciplina de Língua Portuguesa, que lecionava. Assim, o foco da pesquisa centrou-se nas práticas pedagógicas desenvolvidas pelo professor em sala de aula e as possíveis conseqüências afetivas das mesmas, na relação que se estabeleceu entre seus ex-alunos e os conteúdos da disciplina que ministrava. Trata-se de uma pesquisa descritiva, com metodologia qualitativa e escolha intencional de sujeitos. Os dados correspondem a relatos orais, coletados por meio de entrevistas individualizadas. Afetividade na Relação Sujeito-Objeto A abordagem histórico-cultural, que apresenta uma leitura das dimensões cognitivas e afetivas no ser humano, defendendo uma visão em que pensamento e sentimento integram-se. Essa abordagem enfatiza os determinantes culturais, históricos e sociais da condição humana, permitindo pressupor, segundo Luria (1979) que ‘a grande maioria dos conhecimentos e habilidades do homem se forma por meio da assimilação da experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da história social e transmissível no processo de aprendizagem’. (p. 73). Isso implica assumir que a aprendizagem é social e mediada por elementos culturais. Tal concepção produz profundas modificações na visão de educação, principalmente no que se refere às práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula. Este trabalho tem como pressupostos as idéias acima descritas, enfatizando que a relação sujeito-objeto é marcada pelo entrelaçamento dos aspectos cognitivos e afetivos. Ou seja, a futura relação que se estabelece entre o aluno e o objeto do conhecimento (no caso, os conteúdos escolares) não é somente cognitiva, mas também afetiva. Isso mostra a importância das práticas pedagógicas desenvolvidas pelo professor, pois as mesmas estarão mediando a relação que se estabelece entre o aluno e os diversos objetos do conhecimento envolvidos. Pode-se assumir, portanto, que o sucesso da aprendizagem dependerá, em grande parte, da qualidade dessa mediação. No presente trabalho, utilizaram-se contribuições teóricas de alguns autores da referida abordagem histórico-cultural, em especial Wallon (1968; 1989) e Vygotsky (1998). Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro Henry Wallon dedicou grande parte da sua vida estudando e tentando demonstrar as relações existentes entre as dimensões afetivas, cognitivas e motoras no desenvolvimento humano. O autor diferencia os termos afetividade e emoção, que muitas vezes são utilizados como sinônimos. As emoções, para Wallon (1968; 1989), são reações organizadas que se manifestam sob o comando do sistema nervoso central. Para o autor, as emoções são estados subjetivos, mas com componentes orgânicos, sendo, portanto, sempre acompanhadas de alterações biológicas como aceleração dos batimentos cardíacos, mudanças no ritmo da respiração, secura na boca, mudança na resposta galvânica da pele, dentre outras. Freqüentemente, também provocam alterações na mímica facial, na postura e na topografia dos gestos. Restringindo o olhar a um recém-nascido, observamse movimentos que expressam disposições orgânicas e estados afetivos de bem-estar ou mal-estar. Ao vivenciar situações como desconforto, fome, frio ou cólica, o bebê expressa-se por meio de espasmos, contorções ou gritos. As pessoas que fazem parte do seu meio social interpretam essas reações, mudando-o de posição, dando de mamar ou soltando-lhe as roupas, atribuindo-lhes um significado. Isso possibilita que o bebê estabeleça correspondência entre os seus atos e os do ambiente, promovendo reações cada vez mais diversificadas e intencionais. Desse modo, Galvão (1995) expõe que ‘pela ação do outro, o movimento deixa de ser somente espasmo ou descargas impulsivas e passa a expressão, afetividade exteriorizada’. (p. 61). Assim, para Wallon (1968; 1989), as primeiras reações do recém-nascido são de natureza emocional. A afetividade, por sua vez, tem uma concepção mais ampla e complexa, envolvendo uma gama maior de manifestações, englobando sentimentos (de origem psicológica), além da emoção (origem biológica). Ela aparece num período mais tardio na evolução da criança, quando surgem os elementos simbólicos. Segundo Wallon (1968; 1989), com o surgimento desses elementos simbólicos, acontece a transformação das emoções em sentimentos. Durante o desenvolvimento ocorre um processo de “complexificação” das emoções, principalmente a partir da apropriação dos sistemas simbólicos presentes na cultura, dentre os quais se destaca a linguagem oral. Defende que, no decorrer de todo o desenvolvimento do indivíduo, a emoção e a afetividade têm um papel fundamental. Têm a função de comunicação nos primeiros meses de vida, manifestando-se, basicamente, A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível 249 por impulsos emocionais, estabelecendo os primeiros contatos da criança com o mundo. Por meio desta interação com o ambiente social, a criança passa de um estado de total sincretismo para um progressivo processo de diferenciação, onde a afetividade está presente, permeando a construção da identidade. Da mesma forma, é ainda por meio da afetividade que o indivíduo acessa o mundo simbólico, originando a atividade cognitiva e possibilitando o seu avanço, pois são os desejos, intenções e motivos que vão mobilizar a criança na seleção de atividades e objetos. Em sua psicogênese, Wallon (1968; 1989) divide o desenvolvimento humano em etapas sucessivas, nas quais há predominância alternada, ora da afetividade, ora da cognição. Em todas essas etapas, existe o entrelaçamento dos aspectos afetivos e cognitivos, sendo que as conquistas no plano afetivo são utilizadas no plano cognitivo, e vice-versa. Vygotsky (1998), por sua vez, destaca o importante papel das interações sociais para o desenvolvimento, a partir da inserção do sujeito na cultura. Essa inserção acontece por meio das interações sociais com as pessoas significativas que estão no ambiente da criança. Ao caracterizar as interações sociais, Vygotsky (1998) introduz um conceito fundamental para a aprendizagem- a mediação. Para Oliveira (1997) ‘a mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação’. (p. 26). Isso permite afirmar que a relação estabelecida entre o ser humano e o mundo nunca é direta, mas, fundamentalmente, mediada por vários elementos. Ao tratar dessa questão, Vygotsky (1998) selecionou dois tipos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos. O instrumento é o elemento mediador entre o sujeito e o ambiente (ex: os instrumentos de trabalho), permitindo a ampliação de transformação da natureza. O outro elemento mediador - o signo - age como um instrumento da atividade psicológica de maneira semelhante ao papel de um instrumento de trabalho. Para Vygotsky (1998), pela mediação do outro, ocorre um processo intensivo de interações com o meio social, através do qual o indivíduo se apropria dos objetos culturais. Esse complexo processo caracteriza o desenvolvimento humano. A idéia de mediação, encontrada em Vygotsky (1998), permite defender que a construção do conhecimento ocorre a partir de um intenso processo de interação entre as pessoas. Isso significa que a criança desenvolve-se pela sua inserção na cultura, promovida pela mediação das pessoas que a rodeiam. Assim como Wallon (1968; 1989), Vygotsky (1998) enfatizou a íntima relação entre afeto e cognição, superando a visão dualista de homem. Além disso, as idéias dos dois autores aproximam-se no que diz respeito ao papel das emoções na formação do caráter e da personalidade. Em seus estudos, Vygotsky (1998) buscou delinear um percurso histórico a respeito do tema afetividade. Sendo assim, procura explicar a transição das primeiras emoções elementares para as experiências emocionais superiores, especialmente no que se refere à causa dos adultos terem uma vida emocional mais refinada que as crianças. É possível afirmar que, segundo o autor, o desenvolvimento das emoções humanas é um processo muito complexo e tal desenvolvimento está em harmonia com a própria distinção que faz entre processos psicológicos superiores e inferiores. Ele defende que as emoções não deixam de existir, mas se transformam, afastando-se da sua origem biológica e constituindo-se como fenômeno histórico e cultural. Ao abordarem o tema da afetividade, percebe-se que Wallon (1968; 1989) e Vygotsky (1998) apresentam pontos comuns. Ambos apontam o caráter social da afetividade, que se desenvolve a partir das emoções (de caráter orgânico) e vai ganhando complexidade, passando a atuar no universo simbólico. Dessa maneira, vão se constituindo os fenômenos afetivos. Os autores defendem, também, a íntima relação existente entre o ambiente social e os processos afetivos e cognitivos, além de afirmarem que ambos inter-relacionam-se e influenciam-se mutuamente. Assim, evidenciam que a afetividade está presente nas interações sociais, além de influenciarem os processos de desenvolvimento cognitivo. Essas idéias permitem afirmar que as interações que ocorrem no contexto escolar também são marcadas pela afetividade em todos os seus aspectos. Algumas pesquisas, como de Tassoni (2000; 2001) e Negro (2001), analisaram o papel na afetividade no processo de mediação do professor, direcionando o olhar para a relação professoraluno. Entretanto, é possível supor que a afetividade também se expressa através de outras dimensões do trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor em sala de aula. Nesse sentido, Leite e Tassoni (2002) salientam que ‘é possível afirmar que a afetividade está presente em todos os momentos do trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor, o que extrapola a sua relação “tête-à-tête” com o aluno’. (p. 13) Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 247-260 250 Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro MÉTODO Participantes Os participantes da presente pesquisa foram escolhidos pelo fato de terem sido alunos do Professor M. e de atribuírem a este um grau de importância considerável em suas vidas. Os participantes foram localizados por intermédio do primeiro sujeito. A princípio, realizaram-se conversas informais para se certificar da importância do professor M. na vida de cada sujeito. Seis ex-alunos concordaram, nessa primeira conversa, em participar da pesquisa constituindo-se. Pois, como os sujeitos (S 1 a S 6). Todos os sujeitos freqüentaram o mesmo colégio, em um município situado a aproximadamente 50 quilômetros de Campinas. Foi nesse colégio que os sujeitos conheceram o Professor M. Dos seis sujeitos, somente um ainda vive no município onde se localiza a escola; os demais residem no município vizinho, a 13 (treze) quilômetros. Essa escola é particular e tradicional na região, com mais de quarenta anos de existência. Mantém do Ensino Infantil ao Ensino Médio. O professor M. leciona nessa instituição desde os primeiros anos da fundação, quando ainda era um seminário. Vale ressaltar que, devido a essa relação histórica com o seminário, a escola era reconhecida como uma instituição católica. Era comum, nessa instituição, o aluno entrar no início do primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª à 4ª série) e permanecer até o final do segundo ciclo do ensino fundamental (5ª à 8ª série). Foi o que ocorreu com os sujeitos da presente pesquisa, exceto para S4 que entrou na 3ª série e S2, que iniciou na 5ª série. Em 1997 a escola passou a atuar no Ensino Médio, por isso, vários alunos, que estavam terminando a 8ª série, continuaram na instituição para cursar o segundo grau. Assim, os alunos permaneceram por mais tempo na instituição. Dentre os sujeitos, S1, S3 e S5 entraram no Ensino Fundamental e formaram-se no Ensino Médio. Todos os sujeitos tiveram contato pessoal com o professor M. somente a partir da 5ª série. Os sujeitos já mencionados, que permaneceram até o 3º ano do Ensino Médio, foram seus alunos por sete anos. Os demais por quatro anos. É importante destacar que S1 e S6 pertenceram à mesma turma quando estudaram nesta escola. Os demais foram de turmas diferentes, com intervalo de um ou dois anos. Atualmente, cinco sujeitos são os estudantes universitários; apenas S4 (24 anos) está formada, há dois anos, em Fisioterapia. S1, tem 20 anos e cursa Biologia (2º ano); S2 tem 18 anos e cursa Arquitetura (1º ano); S3, com 21 anos, cursa o quarto ano de Educação Física; S5, com 20 anos, cursa o terceiro ano de Administração de Empresas; S6, tem 20 anos e cursa Nutrição (2º ano). Material • Carta com relato da história de vida Optou-se pelo uso da história oral para a coleta de dados. Essa estratégia metodológica é utilizada para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à vida social das pessoas. Sendo assim, a história oral é sempre uma história de tempo presente, também chamada história viva. O sujeito principal desse tipo de história oral é o depoente que tem liberdade para dissertar, da maneira que julgar mais adequada, sobre a experiência pessoal. A verdade dos fatos está na versão oferecida pelo entrevistado, que pode revelar ou ocultar fatos, situações ou pessoas. Segundo Meihy (1996) ‘nas entrevistas de história oral de vida, as perguntas devem ser amplas, sempre colocadas em grandes blocos, de forma indicativa dos grandes acontecimentos e na seqüência cronológica da trajetória do entrevistado’. ( p. 35) • Roteiro para entrevista Foram elaborados roteiros para as entrevistas individuais com os participantes a partir do conteúdo das cartas. Procedimento Após a seleção dos sujeitos da pesquisa, passou-se à primeira etapa da coleta de dados. A cada sujeito foi entregue uma folha na qual constavam informações sobre a pesquisa e uma proposta de tarefa a ser realizada: foi solicitado para que, num momento de tranqüilidade, escrevesse uma carta endereçada aos pesquisadores, relatando algumas memórias sobre o professor M. e o papel dele na sua vida. Esse momento visava favorecer o início do processo de recuperação da história de vida, enriquecendo, assim, as informações coletadas nas entrevistas posteriores. Destacou-se, ainda, a importância de relatarem os fatos com maior detalhamento possível. Duas cartas chegaram por e-mail. As outras quatro foram manuscritas e entregues pessoalmente. Quando A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível 251 reunidas, foram digitadas de forma padrão e impressas. A partir de uma primeira leitura, foi possível perceber que os relatos faziam menção às marcas principais deixadas pelo professor nos ex-alunos. Provavelmente, os sujeitos nunca tinham elaborado suas memórias sobre o professor M. Ao iniciar o exercício de registro dessas memórias, o que veio à tona foram às lembranças mais significativas, as quais foram destacadas como evidências importantes para a elaboração das entrevistas. A segunda etapa da coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas individuais, realizadas com todos os sujeitos. Essas entrevistas eram, portanto, planejadas a partir dos conteúdos das cartas. Tinham como objetivo coletar o máximo de informações sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas pelo Professor M em sala de aula, além dos relatos dos sujeitos sobre os impactos das mesmas em suas vidas acadêmica, profissional e pessoal. Os sujeitos foram consultados quanto à preferência do dia e hora para a realização das entrevistas que eram agendadas antecipadamente. Todas as entrevistas aconteceram nas residências dos sujeitos e foram gravadas com consentimento deles. RESULTADOS Após todo material ter sido digitado e transcrito, iniciou-se o processo de análise do mesmo. Analisar os dados de uma pesquisa qualitativa consiste num processo de organização sistematizada dos materiais acumulados durante a investigação. Essa organização tem como objetivo auxiliar a compreensão e interpretação dos dados, assim como apresentar ao leitor aquilo que foi encontrado. Segundo Bogdan e Biklen (1994) ‘a análise envolve o trabalho com os dados, a sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura de padrões, descoberta de aspectos importantes do que deve ser apreendido e a decisão do que vai ser transmitido aos outros’. ( p. 225) Para facilitar o trabalho, inicialmente foram analisadas apenas as cartas. Essas foram lidas atentamente, destacando-se os aspectos importantes. Ao lado desses aspectos, foram escritas palavras-chave que representassem aquela idéia. Por exemplo, ao lado da reprodução de falas do professor feitas pelo sujeito, escrevia-se: “lembranças”. Esse procedimento é fundamental como ponto de partida para a análise, visto que a palavra-chave abre caminho para o pesquisador ultrapassar a significação aparente da fala do(s) sujeito(s). Tendo definido as palavras-chave, o passo seguinte foi organizar o que Aguiar (2001) denomina Núcleo de Significação do Discurso. Esses núcleos são gerados a partir de um esforço do pesquisador na busca de ‘temas/conteúdos/questões centrais apresentados pelos sujeitos, entendidos assim menos pela freqüência e mais por ser aqueles que motivam, geram emoções’. (p.35) Dessa maneira, foram criados os núcleos desta pesquisa, reunindo os aspectos dos relatos em torno de um tema ou um núcleo amplo que corresponda a uma resposta parcial ao objetivo inicial estabelecido. À medida que a análise foi se desenvolvendo, surgiu a necessidade de se criarem sub-núcleos, ou seja, os relatos foram se agrupando de tal forma que em um assunto amplo (núcleo) se inseriram temas mais restritos (sub-núcleos). Após a análise das cartas, as entrevistas passaram pelo mesmo processo, sendo utilizados os mesmos núcleos e sub-núcleos anteriormente criados. É importante destacar que as entrevistas reforçaram as informações das cartas, mas também apresentaram outros dados importantes, o que propiciou a criação de alguns núcleos diferentes dos já estabelecidos. Na seqüência, apresenta-se a Tabela I com os núcleos e sub-núcleos estabelecidos a partir da análise descrita anteriormente e, na seqüência, a descrição detalhada dos mesmos. Tabela I: Apresentação dos Núcleos e sub-núcleos construídos a partir da análise dos relatos das cartas e entrevistas. 1 - ASPECTOS PEDAGÓGICOS 1.1 Avaliação 1.2 Interdisciplinariedade 1.3 Práticas de escrita 1.4 Práticas de Leitura 1.5 Cotidiano das aulas 1.6 Aluno como referência 2 - LEMBRANÇAS MARCANTES 3 - SENTIMENTOS DOS ALUNOS 4- INFLUÊNCIA DO PROFESSOR 4.1 Na vida futura do aluno 4.1 Relação sujeito-objeto 5 - RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO 6 - CARACTERIZAÇÃO DO PROFESSOR 7 - IMAGEM ATUAL QUE O SUJEITO TEM DO PROFESSOR Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 247-260 252 O primeiro núcleo - Aspectos Pedagógicos - inclui os relatos verbais que fazem menção às práticas pedagógicas que os sujeitos identificaram como sendo importantes marcas deixadas pelo Professor M. Foram definidos como aspectos pedagógicos os fatos e relações que ocorreram dentro da sala de aula e que envolviam o processo de ensino-aprendizagem. Tais aspectos foram organizados em seis sub-núcleos, como se observa na Tabela I. Subnúcleo - Avaliação Nesse item, estão os relatos que caracterizam as práticas de avaliação utilizadas pelo professor M.. De forma geral, os sujeitos mencionam a prova escrita como principal instrumento avaliativo. É possível perceber que, bimestralmente, os alunos eram avaliados através de provas e que estas eram muito difíceis. Na carta de S1 aparece a dificuldade para tirar nota máxima nas provas. Esse mesmo sujeito descreve que a prova era bastante longa, com exercícios que confundiam o aluno. Entretanto, a prova, enquanto instrumento avaliativo, é vista como mais uma forma de participar e aprender, não sendo, portanto, caracterizada como aversiva, como se observa no relato de S4: “A prova dele, cinco seis folhas de prova. Tinha duas folhas no caderno pra estudar e seis folhas de provas pra fazer, né? Provas que você conseguia participar, conseguia aprender mais ainda com a prova”. Um aspecto interessante é a estratégia utilizada para a correção da prova. Vários sujeitos contam que era muito comum o professor aplicar a prova de gramática, recolhê-las e em outra aula redistribuí-las para que os próprios alunos corrigissem. Mas o aluno não corrigia a própria prova, e sim a do colega. Na fala de S1, aparece a orientação dada pelo professor durante a correção: “A correção da gramática era feita pelos próprios alunos. O M. distribuía as provas trocadas, ou seja, cada aluno pegava a prova do colega e então começava a correção oral que antes era explicada.... No final, nós contávamos quantos certos tinham e devolvíamos. Então, o professor conferia as provas e juntava-as com a redação”. Os dados apontam que essa forma de trabalhar com avaliação auxilia na aprendizagem, pois o aluno soluciona sua dúvida comparando sua resposta com a do colega ou com a explicação dada pelo professor, durante a correção. Isso fica explícito no seguinte exemplo de S2: “Quando tinha prova dele, na outra aula ele Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro entregava as provas pra cada um corrigir do outro e ajudava pra caramba. Porque você olhava, via qual era sua dúvida a partir da resposta do outro”. Deve-se destacar que os alunos tinham medo de colar na prova do professor M., pois temiam sua reação. Subnúcleo - Interdisciplinaridade Encontram-se, nesse item, os relatos que indicam a prática do professor de relacionar vários assuntos com a sua disciplina (Língua Portuguesa). São relatos que apontam a importância de relacionar temas reais e atuais como, por exemplo, a gramática, o que é valorizado positivamente pelos alunos. S1 relata que era interessante discutir assuntos diversos (como violência, sexualidade, drogas, questões políticas e econômicas), a partir dos conteúdos da língua portuguesa. Além disso, o Professor M. procurava discutir tais assuntos para que os alunos pensassem sobre eles e opinassem, tendo como principal objetivo estimulá-los a terem argumentos para sustentar uma opinião. Observa-se no exemplo de S1: “E é interessante que dentro de português, nós discutíamos sobre assuntos diversos: violência, droga, amor, questões políticas, econômicas e também relacionávamos tais assuntos. Ele fazia a gente pensar sobre esses assuntos e ter uma opinião ou pelo menos ter argumentos para não ficar em cima do muro)”. Alguns sujeitos valorizaram a capacidade de o professor de “tirar do nada” temas reais e atuais durante a aula. Observa-se que o professor partia de figuras, interpretação de livros e contos para iniciar uma discussão e reflexão sobre temas da atualidade. “O que achava legal também, era a capacidade que tinha de tirar do “nada” (de figuras, discussões de livros, contos) , temas tão reais, e atuais para nós.... o poder de reflexão que tentava trazer para nós e despertar em nós, isso achei fantástico e aprendi bastante!”.(S3). Outro aspecto interessante que aparece nos relatos é a inclusão de aulas de latim no currículo escolar. Essa matéria era ministrada pelo professor M., em horários específicos, fora da aula de língua portuguesa, com intuito de auxiliar o aprendizado da língua. S2 fala que, no início, os alunos não gostavam de latim, considerando uma matéria inútil. “As aulas de latim (7ª e 8ª) que no começo pareceram, a todos os alunos, um pouco estranhas e inúteis, ajudou muito no entendimento de análise sintática”. (S2). A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível 253 Subnúcleo - Práticas de Escrita Relacionadas ainda com os aspectos pedagógicos, aparecem as práticas de produção escrita. Nesse item, foram agrupados todos os relatos que caracterizam os procedimentos utilizados pelo professor para trabalhar com a escrita, ou seja, os artifícios utilizados para que os alunos aprendessem a linguagem escrita. Os sujeitos apontam as redações como uma atividade freqüentemente proposta pelo professor. Na fala de S2, é possível observar a importância do trabalho com redação, pois o sujeito relata que, no Ensino Médio, não teve bons professores e assim não pôde exercitar muito a escrita. O fato de ter participado das aulas de redação do Professor M. foi de extrema importância para seu sucesso no vestibular. O sujeito S2 comenta, ainda, a dificuldade que todos tinham para tirar boas notas em redação. Os alunos sempre reclamavam dessa postura rígida do professor M., mas, segundo S2, isso fazia com que os alunos se esforçassem cada vez mais para melhorar a nota e, conseqüentemente, a escrita. “As freqüentes redações foram muito importantes já que no Ensino Médio não tive bons professores e não pude exercitar tanto a escrita, ao me preparar para o vestibular. Lembro que era muito difícil tirar notas boas nas redações. Na época, eu e todos os outros alunos reclamávamos muito, mas não percebíamos que essa atitude do professor fazia com que nos esforçássemos cada vez mais e conseguir melhorar as notas e conseqüentemente o jeito de escrever. Seria muito diferente se ele não fosse exigente”. (S2). É possível observar, também, uma caracterização da prova de redação. S1 relata que a prova era composta de três temas e o aluno deveria escolher um. Geralmente, era uma narração, uma dissertação e uma carta cujos temas eram escritos na lousa pelo professor. “Na prova de redação eram três temas que você escolhia um. Os temas eram escritos na lousa pelo professor e geralmente era uma narração, uma dissertação e uma descrição (eu acho). Era tema do tipo:“Era aniversário de Paulo e uma coisa muito estranha aconteceu...”. (S1). S3 lembra o estudo dos tempos verbais. Ele caracteriza a formação do futuro do subjuntivo dos verbos ver e vir e, em seguida, fala da importância do aluno saber a origem do que estuda, a sua lógica. “E se você aprender, ele fazia você extrair a raiz. Aquele negócio de achar o tempo verbal, pra você construir o futuro do subjuntivo: quando eu vir aquela pessoa ou quando eu ver? Se você pensar no passado, por exemplo, viram, eles viram; e tirando o am fica vir, se eu vir.. Então você tinha a raiz do negócio, você sabia de onde vinha. Não é uma coisa jogada, sem saber a lógica e de onde vem. E isso ajuda também pra sua vida, você se torna um cara questionador”. (S3). Subnúcleo - Práticas de Leitura Nesse item, estão os relatos em que os sujeitos caracterizam a importância de certas práticas de leitura na sua formação enquanto leitores. Uma atividade bastante comentada é a leitura mensal de um livro, que acontecia em todas as séries. Os seis sujeitos recordamse dessas leituras, porém destaca-se o caso de S6. É impressionante a relação que ela vai estabelecendo com os livros. No início de sua carta, relata a aversão que tinha à leitura. “Quando eu entrei na quinta série no Colégio, eu definitivamente detestava ler, e para minha infelicidade todo bimestre tinha uma leitura de livro para ser realizada e o pior, uma prova”. (S6). Com o passar do tempo, e por causa do professor M., ele vai apreciando o ato de ler. O seu envolvimento foi tanto que, em certos livros, relata que sentia os odores, sorria, chorava, imaginava as cenas, enfim, vivia a história. Identifica que o motivo de tudo isso acontecer era o professor, pois foi influenciado pelo fascínio que ele tinha pelos livros. “Os anos foram passando, eu continuei a ser aluna do M., fui pegando cada vez mais e mais gosto pela leitura. Até que conforme eu lia eu sentia cheiro, imaginava cenas concretas, sorria, chorava, enfim, eu saía do mundo real e “entrava” no livro.Esse meu contato forte com os livros se deu graças ao incentivo que eu tinha a partir do fascínio pelos livros que o professor M. passava. Eu comecei a perceber, a entender de onde vinha tanta sabedoria, e o porque ele defendia tanto a leitura. Eu percebi que a cada livro que eu lia, a minha bagagem cultural aumentava”(S6). Na entrevista desse mesmo sujeito, é possível observar, com maiores detalhes, seu processo de envolvimento com os livros. Esse tipo de relato é relevante, visto que S6 atribui claramente ao professor seu envolvimento e interesse pela leitura. Houve o incentivo do professor quando abriu espaço para S6 dizer o que sentia durante a leitura. Outra prática comum do professor era a interpretação de textos. Segundo S1, a aula de que mais gostava era esta, pois o professor M. refletia sobre um determinado Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 247-260 254 texto e buscava nele lições de vida. Essa forma de estudar um texto passou a ser uma prática comum de S1, que lia sempre refletindo e procurando responder as perguntas que provavelmente o professor faria. “O que eu mais gostava de suas aulas eram as interpretações de texto, porque ele fazia a gente “viajar”. De um texto que aparentemente não dizia nada, ele conseguia tirar um livro de lições de vida”. (S1). Ainda sobre a leitura, na fala de S3 observa-se uma prática diferente das descritas até agora. O professor M. fazia um trabalho com interpretação de figuras, buscando significados onde aparentemente não existia. O sujeito demonstra ter gostado desse tipo de atividade. “Ele fazia um trabalho legal com figuras. Pegava uma figura do nada e começava:“O que você tá vendo aqui?”(reprodução da fala do professor M.). “Ah! Eu não to vendo nada, só um telhado, uma casa” (reprodução da fala do sujeito enquanto aluno); “ah é?, Mas e essa casa, essa janela quebrada, não demonstra que ela foi agredida?” (reprodução da fala do professor)” (S3). É preciso destacar a estratégia utilizada pelo professor M. para ensinar a leitura interpretativa em voz alta. S2 comenta que cada aluno lia uma parte do texto e, quando alguém lia com entonação, mas não respeitando a pontuação, o professor interrompia, sugeria uma alternativa e pedia para que a pessoa repetisse. Segundo S2, era fácil aprender o uso da pontuação, sem ficar falando especificamente sobre regras. “Em algumas delas, líamos textos dos livros didáticos. Cada aluno lia uma parte.. quando um aluno não conseguia ler do jeito correto, respeitando a pontuação ou a gramática, o professor fazia com que a pessoa repetisse a frase, ensinando e destacando o erro. Talvez esse fosse um método fácil de ensinar o uso de pontuação, sem falar muito em regras” (S2). Para finalizar este sub-núcleo, ressalta-se uma proposta do professor M. vivida por cinco sujeitos. Na oitava série, os alunos continuavam lendo um livro por mês, mas a avaliação não era mais por prova. Esta foi substituída por uma discussão em grupo em torno da história de livro. O professor reunia-se com o grupo fora do horário de aula e todos discutiam e procuravam interpretar o livro. Na carta de S2, há destaque para esse tipo de atividade. Indica também que essa forma de estudar o livro facilitou o entendimento, pois o professor ia direcionando a discussão. Foi em um desses Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro encontros que S6 relatou ao professor seu gosto pela leitura, e passou a se envolver cada vez mais com os livros, admirando ainda mais o professor. Durante a 8ª série (os livros mais importantes eram lidos nessa época), as provas eram substituídas por discussões entre grupos, direcionadas pelo professor. Com isso, os livros eram entendidos mais facilmente e o professor avaliava cada pessoa de uma maneira mais pessoa” (S2). Sub-núcleo - Cotidiano das Aulas Apresenta os relatos verbais relacionados às práticas cotidianas que não estão necessariamente relacionadas com as práticas de leitura e escrita. Ou seja, são acontecimentos diários apontados pelo sujeitos como sendo importantes marcas deixadas pelo professor. De forma geral, os sujeitos caracterizam a pontualidade do professor M., sua postura rigorosa com os alunos e o fato de sempre dar um retorno, resolvendo as dúvidas. Alguns sujeitos mencionam que, toda vez em que surgiam dúvidas, o professor resolvia imediatamente ou na aula seguinte. Destacam a importância de atitudes como essa, interpretando-as como aspectos do compromisso do professor com o ensino. As aulas seguiam uma rotina. Fazia parte desta a pontualidade, mencionada como uma atitude importante, visto que o aluno seguia o exemplo do professor. Também fazia parte da rotina a seguir o uso do livro didático, que trazia sempre um texto, um conteúdo gramatical e exercícios sobre esse conteúdo. “Suas aulas seguiam mais ou menos uma rotina. Chegava sempre pontualíssimo, pegava a caderneta e fazia a chamada (nome por nome), geralmente seguia religiosamente o livro (seqüência de matéria) reforçando sempre com exercícios da gramática (livro só com gramática que todos os alunos tinham). Os livros geralmente traziam um texto e logo depois a gramática e questões sobre. Então, cada aluno lia um pedaço do texto, havia uma rápida reflexão – o professor fazia perguntas sobre o texto e os alunos davam opinião e iam respondendo à medida que o professor M. ia “cutucando”. Então fazíamos os exercícios” (S1). Ainda sobre o cotidiano das aulas, o professor exigia atenção de todos. S2 considera positiva essa exigência, pois todos os alunos ficavam quietos, prestando atenção, sem atrapalhar os colegas. Diferente de outros professores, cuja aula era bastante tumultuada. “Era bom que todo mundo ficava quieto, não tinha A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível 255 aquela zueira dos outros professores. Aula normal no sentido de que o professor fala e todo mundo ouve; não é assim: o professor fala, alguns ouvem e os outros não estão nem ligando. Ele fazia com que todo mundo prestasse atenção no que ele falava” (S2). Durante as aulas, o professor M. procurava estimular a participação de todos os alunos. Observa-se que essa participação não era uma obrigação, mas os alunos, de certa forma, sempre procuravam participar. Nesses momentos, aprendia-se muito. Segundo S4, “a aula dele era dinâmica. Você participava como aluno das aulas; ele fazia com que você participasse sem que fosse uma obrigação; você acabava participando mesmo que não quisesse, porque não tinha aquela obrigação de participar, mas era nessas horas que você aprendia”. Com mais freqüência no Ensino Médio, o professor M. propunha uma atividade na qual os alunos deveriam apresentar algum assunto para a sala, opinando e argumentando para manter aquele posicionamento. “Outro aspecto importante que o M. teve foi ensinar a falar. Sempre tinha, principalmente no colegial, as aulas tipo uma palestra que a gente tinha que dar. Não sei se na oitava ou primeiro colegial teve o uso de uma música e tinha que falar da música e foi muito legal. Eu estava lembrando até esses dias. E a gente tinha que falar e dar o nosso posicionamento, só que tinha que se colocar numa posição e sustentar aquela posição e isso me ajudou muito na faculdade”(S5). São destacadas as conversas que aconteciam entre o professor M. e os alunos durante as aulas, indicadas como importantes. Na fala de S1, observa-se um exemplo, no qual o professor conversa sobre a importância de cuidar do corpo. O sujeito aponta a relevância de tal acontecimento, visto que começou a perceber que o professor também cuidava do corpo e fazia ginástica, ou seja, era uma pessoa comum. “Outra coisa muito legal foi quando o M. falou que ele achava muito importante as pessoas cuidarem do corpo. Já estava no 2º colegial (se não me engano) e aí é que foi cair a minha ficha de que o professor também era gente. Então comecei a imaginar ele fazendo academia, sei lá. E também fui descobrindo esse lado “humano” do M., pelo contato que tinha com o filho dele, que acabava contando algumas histórias” (S1). Sub-núcleo: O Aluno como Referência Nesse subnúcleo está o relato verbal de S3, afirmando a importância do professor partir dos conhecimentos iniciais do aluno para que o conteúdo a ser ensinado fizesse sentido para ele. Essa era uma prática comum do professor M. “Acho que foi ele que me falou, que você tem que partir de um ponto, e ele fazia isso, partir não do seu ponto de vista.. Partir do conhecimento que a pessoa tem, que o aluno tem. Então aproxima mais de você. E parece até que o professor se interessa pelo seu meio. Faz sentido pra você. A partir do momento em que a sua visão é levada em consideração aquilo se torna mais próximo.”(S6). Lembranças Marcantes O segundo núcleo reúne os relatos verbais que fazem menção a fatos que ocorreram durante o período em que os sujeitos eram alunos do professor M. e que se caracterizaram como marcantes. De uma forma geral, são fatos pontuais que causaram surpresa, risos, constrangimentos ou que simplesmente marcaram. S5 relata a surpresa que teve ao descobrir que o professor M. tinha uma tatuagem. “Até o dia que eu descobri que ele tinha uma tatuagem, aí caiu meu mundo, eu não acreditava. Eu não acreditei, eu fiquei super surpreso.” (S5). Observam-se, também, marcas deixadas pela mediação do professor que provocaram constrangimentos. S4 recorda-se de um episódio em que pronunciou uma frase com concordância errada e imediatamente o professor interferiu. No momento da entrevista em que relatava esse fato, o sujeito ria muito e expressava vergonha. Mas não caracterizou essa mediação como negativa, visto que estava sempre aprendendo com os próprios erros e os erros dos colegas. “Eu lembro até hoje, eu nunca mais esqueci disso. Uma vez ele falou: “De quem que é a vez?” e eu falei: “É eu” e ele falou: “Não é é eu, mas sou eu” e nunca mais eu esqueci (Comentário feito com muitos risos). Sempre que eu vou falar alguma coisa eu sei que sou eu, a partir daquele momento eu aprendi que era sou eu. E não foi só com esse erro, todo mundo, sempre quando falava alguma coisa errada, ele sempre tinha que falar perfeitamente. Então todo mundo ia aprendendo alguma coisa com o erro dos outros”. (S4). S3 relata que, para receber a sua turma da 5ª série, o professor M. iniciou o contato com uma apresentação Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 247-260 256 bastante interessante da origem dos nomes de cada aluno. “Na quinta série, como ele recebeu a gente, você lembra? Falando os nomes: “Qual é seu nome?” Ah! É Ângela. “Ah, Ângela; Ângela vem de tal língua e significa isso”. Porque ele já quis “quebrar o gelo”. S4 faz menção ao seu capricho com o caderno de redação. Em cada folha desenhava uma flor, pintava, para depois escrever a redação. Ficava feliz, pois o professor sempre elogiava seu capricho. Era cuidadosa também com o caderno de latim.“Eu lembro do caderno de redação. Eu fazia flor no meio da folha, aí eu pintava clarinho e escrevia a redação por cima. Toda aula ele dava um visto no caderno, toda aula ele me elogia e eu achava lindo. Eu nunca fui caprichosa, mas no caderno de redação, no caderno dele em geral eu era bastante” (S6). Por fim, os dados apontam que o professor repetia certas frases que os sujeitos não esqueceram. A exemplo “uma coisa que ele falava que me marcou muito: “Você vai aprender escrever português Como? Escrevendo. Você vai aprender chutar bola chutando”. São esses detalhes que ficam na sua mente”. (S5). Cita-se também “eu lembro de quando ele falava que nós sempre temos mais o que aprender. Ninguém nunca vai saber de tudo”. (S1). E por fim, “porque era a gente que tirava nota e não era ele que dava (professor sempre falava isso)”.(S6). Sentimentos dos Alunos Nesse núcleo estão reunidos os relatos que descrevem sentimentos dos alunos em relação ao professor. Esses sentimentos variaram cronologicamente, ou seja, os sujeitos manifestavam diferentes sentimentos com relação aos diversos momentos da relação professor-aluno. Antes do primeiro contato com o professor, geralmente os sujeitos sentiam medo e ficavam ansiosos na expectativa do primeiro encontro. “Desde quando estava nas séries da base (1ª, 2ª, 3ª, 4ª séries) escutava várias histórias aterrorizantes sobre o professor M.. “O professor M. é muito bravo, exigente e grita com a gente...” (S5). Quando o sujeito passava a ser aluno do professor M., outros sentimentos surgiam, como a admiração, respeito e orgulho. “O tempo foi passando e meu medo foi virando admiração, comecei a reparar na inteligência do M., na forma como ele Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro interpretava textos, livros, na forma como ele falava dos livros, nas inúmeras informações passadas por ele. Ficava cada dia mais encantada com a proporção da sua inteligência”. (S6). Atualmente, quando se remetem ao passado, alguns sujeitos manifestam sentimentos em relação ao professor M que demonstram gratidão pelo que o professor os ensinou e até mesmo saudades do tempo em que eram seus alunos. “Hoje, tenho muito a agradecer ao professor, não só pelas aulas e pelo ensino recebido, mas principalmente pela lição de vida, conhecimentos gerais, dicas e conselhos recebidos”. (S5). “Quando eu entrei em escola de rede, o M. me fez muita falta”. (S6). Influência do Professor No quarto núcleo, foram reunidas as falas que se relacionam à influência do professor, em especial os aprendizados experenciados pelos sujeitos, que foram relevantes em suas vidas, a médio e a longo prazo. Observa-se essa influência na vida futura do sujeito na relação do sujeito com o objeto de conhecimento. É preciso reforçar que essas influências foram interpretadas pelos sujeitos como importantes marcas deixadas pelo professor. Sub-núcleo: Na Vida Futura do Aluno Estão os relatos que fazem menção à influência do professor na vida futura do sujeito. Encontram-se, com freqüência, falas que caracterizam a facilidade do sujeito com os conteúdos da Língua Portuguesa, quando ingressou no Ensino Médio ou na Faculdade. Ou ainda, a facilidade em escrever redações e por isso realizou com sucesso o vestibular. Os sujeitos atribuem, claramente, ao professor M. a responsabilidade pelo sucesso ou por não apresentarem dificuldades com a Língua Portuguesa. “Acredito que ele foi grande responsável por ter passado no vestibular na Unicamp”.(S2). “É graças a ele que consegui fazer um colegial sem dificuldades em português e consegui entrar na universidade que queria e hoje tenho uma profissão! Obrigada M.!” (S4). Outra forma de influência diz respeito ao aluno tentar seguir o modelo de comportamento do professor. S3 faz menção ao seu próprio comportamento como tendo sido influenciado pelo professor M. “E você seguia o exemplo da pessoa que você sabe onde está indo. Se você sabe onde está indo, você vai atrás, se sente A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível 257 seguro pra seguir. E você sabia que ele ia te conduzir”. (S3). Sub-núcleo: Relação Sujeito-Objeto Há os relatos que caracterizam a influência que o professor M. exerceu sobre a relação de alguns sujeitos com o objeto do conhecimento, no caso os conteúdos e atividades da disciplina Língua Portuguesa. É possível perceber a aversão que alguns desses sujeitos tinham inicialmente pela leitura e pela escrita. O trabalho realizado pelo professor transformou essa relação negativa em uma relação positiva. S4 diz que não sabia que era gostoso ler. O fato do professor M. tê-la obrigado a ler um livro por mês desenvolveu o gosto pela leitura. “Os livros eu amei. Porque ele me fez gostar do hábito de ler. Eu não tinha o hábito de ler, ninguém aqui em casa tinha. E todo mês tinha que ler um livro porque tinha prova do livro. Foi aí que eu aprendi a gostar de ler. E hoje eu não passo um mês sem ler um livro”. (S4). Já S5 fala do seu gosto pelas aulas de discussão, nas quais discutia-se um texto, ou uma música, ou um poema etc. Não gostava da matéria, mas realizava-se com essas aulas. “Acho que as aulas que eu mais gostava eram as aulas de discussão, eu não gostava dos exercícios, não gostava da matéria, eu adorava as aulas de discussão; pra mim eram o máximo”. (S5). Relação Professor-Aluno Nesse núcleo foram reunidos os relatos que dizem respeito à relação professor-aluno, ou seja, a forma como o professor M. interagia com os alunos. Os relatos apresentaram subsídios sobre como a relação professoraluno foi transformando-se conforme o professor mudava seu comportamento. Os sujeitos apontam que, no início, o professor M. tinha uma postura mais rígida, severa e, portanto, era estabelecida uma relação fria, distante. “Bom, como estudei 7 anos com o M. acho que teve pelo menos duas fases do nosso relacionamento professor - aluno bem definidas. No Ensino Fundamental ele era um, no Médio, outro, você sabe disso!! Quer dizer, até a 8ª ele era mais fechado, “bravo” quer dizer cobrava muito as tarefas, passava de carteira em carteira às vezes olhando as tarefas. Fazia anotações, considerava participação na aula (ponto fundamental acho e não cobrava só na prova!), corrigia falas, tudo dentro da sua matéria; fazia correlações com assuntos gerais do noticiário atual, mostrava a origem daquilo que ensinava - acho ele muito didático. Enfim o M.era o professor e nós os alunos. Na 8ª série esse relacionamento começou a mudar, me parece” S3. Com o passar dos anos, a posição do professor M. passa por um processo de mudança e, segundo os sujeitos, na 8ª série ele está mais próximo dos alunos, mais alegre, brinca mais. Percebe-se que é estabelecida uma relação afetiva positiva favorecendo uma relação professor-aluno mais próxima; além das aulas ficarem mais atrativas, com menos cobrança. “Na verdade, o professor continuou sendo o mesmo e nós os mesmos na posição de aluno. O que eu percebi é que nos tornamos mais amigos. Conversas fora do horário de aula no corredor proporcionaram isso também, pq antes ele era o professor intocável e então ele estava ali falando como um qualquer conosco e até “rebaixando” seu português! Ficou mais sorridente, me parecia demonstrar mais espontaneidade, ou pelo menos forçá-la, entende?!?! As aulas ficaram mais engraçadas no E. Médio, quero dizer, mais espontâneas. O M. continuou sendo o mesmo, encarando o trabalho com toda a seriedade de antes, horário, perguntas respondidas, novidades, conteúdo, explicações... enfim, mas com um pouco menos de cobrança. Ou melhor a cobrança até existia (bastante!) mas os alunos tinham mais seriedade me parecia, o que o fez relaxar mais e levar um papo mais de amigo, principalmente no 3º, em que só tinham 4 alunos sobreviventes lembra???!! Os heróis, acho que por isso ficou mais light!! Tinham de sobreviver!!! Não cobrava mais tanto...” (S3). Nesse sentido, pode-se afirmar que a amizade entre o professor M. e os alunos foi sendo construída ao longo dos anos, como mostra o S5. “...Então não sexta série foi uma relação mais fria, foi um susto”.(S5). “... A relação foi bem fria no começo. Depois até chegar no colegial, a gente deu risada, ele ficou muito mais extrovertido”. (S5). Caracterização do Professor Nesse núcleo foram reunidos os relatos referentes à caracterização física e psicológica do professor. Os sujeitos mencionam sua altura; o fato de sempre saber tudo; buscar coisas novas; de ser bastante sério, sincero, competente, didático e tradicional. Para os sujeitos, são características muito importantes que se tornaram as Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 247-260 258 Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro principais marcas do professor M. “É um cara que sempre trás coisas novas, relaciona com o momento político, relaciona os conhecimentos com a matéria”. (S3). “M.: homem alto, inteligente, de personalidade forte (que tem opinião e argumentos para sustentála; “sabe o que quer da vida”)” (S1). “Ele era um professor extremamente didático, extremamente competente. Tudo ele passava na lousa. Eu acho que no M., uma coisa que me marcou muito é que ele era um professor tradicional”. (S6). Imagem Atual que o Sujeito Tem do Professor No último núcleo, foram reunidas as falas referentes à imagem atual que o sujeito tem do professor. Isso significa que, na atualidade, alguns sujeitos preservam uma determinada representação do professor M. Isto é possível observar, nos exemplos: “A imagem que eu tenho do M., é a imagem do que um professor deve ser. Eu sempre lembro dele como o que um professor deveria ser, porque ele é um professor altruísta”. (S6). “Lembrar do M. é também pensar numa muralha, pois ele raramente faltava (ou seja, quase nunca ficava doente ou tinha problemas para resolver), parecia que nada conseguia vencê-lo” (S1). “Mas a imagem que ele deixou em mim, sempre que falo dele lembro de uma rocha. Não sei porque, mas acho que porque ele tinha uma personalidade muito forte, então as idéias dele era muito bem formadas, ele tinha bastante persuasão” (S5). DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados desta pesquisa revelam a importância das práticas pedagógicas desenvolvidas pelo professor em sala de aula. Sugerem que questões como a natureza dos conteúdos, sua organização e a forma como são apresentados, interferem, decisivamente, na relação aluno-objeto de conhecimento. O processo de ensino-aprendizagem, atividade consciente do ser humano, não envolve somente questões cognitivas. No entanto, durante décadas, a visão dicotomizada do ser humano, afeto/cognição, influenciou profundamente a área educacional, gerando uma ênfase quase exclusiva no processo de transmissão do conhecimento, envolvendo apenas suas dimensões cognitivas. Mais recentemente, a partir de pressupostos teóricos com fortes marcas nos determinantes sociais da aprendizagem, a concepção de homem tem se transformado, dando origem a uma visão integradora que defende a indissociabilidade dos aspectos afetivos e cognitivos. Na educação, isso tem implicado numa revisão das práticas pedagógicas, pois, a partir dessa visão integradora, é preciso caracterizar as relações de ensinoaprendizagem também enquanto um processo afetivo. Os estudos baseados na abordagem histórico-cultural demonstram a importância do Outro – sujeito mediador - na construção do conhecimento e também na constituição do próprio sujeito e suas formas de agir. Segundo Oliveira (1997), ‘a interação face a face entre indivíduos particulares desempenha um papel fundamental na construção do ser humano: é através da relação interpessoal concreta com outros homens que o indivíduo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto, a interação social, seja diretamente com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, fornece a matériaprima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo’. ( p. 38). Partindo desse pressuposto, assume-se que, no processo de apropriação do conhecimento, o Outro possui grande importância, mediando a relação sujeitoconhecimento através dos objetos culturalmente configurados, os quais ganham significado e sentido. Referindo-se especificamente à sala de aula, podese supor que, nesse espaço, os alunos vivenciam experiências de natureza afetiva que determinarão a futura relação que se estabelece entre eles e os diversos objetos de conhecimento. Nesse sentido, a qualidade da mediação do professor pode gerar diferentes tipos de sentimentos na relação sujeito-objeto. Ou seja, o trabalho concreto do professor em sala de aula (suas formas de interação com os alunos, suas estratégias para abordar os conteúdos, os tipos de atividades que propõe, os procedimentos de correção e, avaliação, por exemplo) certamente tem uma influência decisiva na construção dessa relação. As práticas pedagógicas que se constituem a partir da relação professor-aluno promovem a construção do conhecimento e também vai marcando afetivamente a relação com o objeto a ser conhecido. Nesse sentido, os dados da presente pesquisa apontam claramente que a mediação efetuada pelo professor M. acarretou profundas mudanças afetivamente positivas nos sujeitos, A afetividade na sala de aula: um professor inesquecível 259 em relação ao objeto do conhecimento, no caso, envolvendo os usos sociais da escrita. As marcas deixadas pelo professor não se relacionam, apenas, com as situações envolvendo relações “face-à-face” entre professor-aluno. Os sujeitos, ao mencionarem os fatos marcantes relacionados ao professor M., caracterizam um grande número de situações vivenciadas em sala de aula, que se constituíram como práticas pedagógicas, planejadas e desenvolvidas pelo professor em sala de aula. Como exemplo, os sujeitos deixam claro que a prova, enquanto instrumento avaliativo, não possuía caráter aversivo. Segundo os relatos, a prova era mais uma situação de participação e aprendizagem. Da mesma forma, as práticas de correção do Professor M envolvem um aspecto muito importante: o aprendizado ocorre a partir da reflexão sobre o erro sem, no entanto, expor ou ridicularizar o aluno . Isso permite ao aluno encarar o erro como parte do processo de ensino-aprendizagem, sem constrangimentos. A proposta do professor M. permite que os resultados da avaliação sejam utilizados a favor do aluno. Visto que tem como objetivo a reflexão sobre o erro e, conseqüentemente, o aprimoramento do conhecimento por parte do aluno. Isso não criou um sentimento aversivo em relação à avaliação, situação muito comum observada em nossas escolas. A partir dos dados, torna-se evidente o papel determinante do professor M. na formação desses sujeitos enquanto leitores. Segundo Grotta (2001), ‘a formação (do leitor) pressupõe um tipo particular de relação do sujeito com as diferentes situações, conhecimentos, objetos, pessoas e textos com que ele interage; pressupõe uma relação que envolve a produção de sentidos sobre o que vivenciamos e transformações sobre o que somos e pensamos a respeito da realidade que nos cerca’. (p. 131-132) Sendo assim, pode-se entender que formação do leitor envolve tudo o que se vivencia e, de certa forma, modifica a visão de mundo, a maneira de interagir com as pessoas com os objetos e com as informações. Isso permite interpretar que a ação do Professor M foi muito além dos objetivos educacionais previstas pela escola. Os dados sugerem que, no presente caso, a obrigação e a avaliação da leitura foram fatores fundamentais no processo de constituição de leitores desses alunos, apesar do seu aparente caráter impositivo. No entanto, a avaliação não era como a tradicional, composta de perguntas e respostas, terminando com a atribuição de uma nota: o aluno deveria narrar de forma escrita sobre o livro lido, ou seja, apresentar a história; o professor estimulava o aluno a pensar no livro e na construção de uma narrativa capaz de resumir a história, sem deixar ausente nenhum fato importante. Além disso, os sujeitos mencionam que, na oitava série, o procedimento avaliativo das leituras passa a ser a discussão em grupo. Nessa forma de avaliar, cada aluno toma contato com a interpretação do colega, que pode ser complementar à própria interpretação; além disso, há uma proximidade maior com o professor, que auxilia o aluno na interpretação do livro. Os sujeitos percebiam-no como um professor muito interessado pelo seu aprendizado e compromissado com o trabalho do grupo. Essa postura facilitou os alunos no sentido de se comprometerem com suas obrigações e interessarem-se pelo próprio aprendizado. É possível perceber que as experiências mais significativas dos sujeitos estão relacionadas com as lembranças e representações que eles têm do Professor M. Os aspectos já apontados, que compuseram a imagem do professor, vão se configurando de forma a transformar o professor M. em modelo para os sujeitos. Isso porque ele se mostrava como um grande leitor, interessando em buscar coisas nova, sempre responsável pelas suas obrigações e preocupado com o aprendizado dos alunos. Em suma, ele deixava transparecer um profundo envolvimento com sua profissão. Tudo indica que ser professor era uma grande paixão na vida do professor M. e isso influenciou a vida de todos os sujeitos da presente pesquisa. É evidente que o professor M. deixou marcas em todos os sujeitos. Mas, chama a atenção, a intensidade dessas marcas. Todos os sujeitos falam com entusiasmo sobre as influências do professor em suas vidas. Assim, é possível supor que ele não marcou somente a amostra de sujeitos da presente pesquisa, mas, provavelmente, todos os jovens daquela geração que foram seus alunos. Os dados, ainda, possibilitam perceber a ligação que os alunos estabelecem entre o que viveram e a situação atual. Eles apresentam indícios da influência do professor que estão calcadas em experiências concretas, mencionam aprendizados utilizados na atualidade, momentos do dia em que se lembram do professor M. e a importância dele em suas vidas. Isso não está restrito à história dos sujeitos enquanto alunos, cuja reconstrução poderia limitar-se à apresentação Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 247-260 260 Sérgio Antônio da Silva Leite e Ariane Roberta Tagliaferro cronológica dos fatos. Ao contrário, esses fatos estão presentes na memória e relacionados a um tempo muito significativo de contato entre o professor M e os sujeitos. Finalmente, destaca-se a repercussão das práticas pedagógicas desenvolvidas pelo professor em sala de aula, na futura relação que se estabeleceu entre os sujeitos e o objeto de conhecimento em questão. Os dados sugerem que os jovens alunos construíram uma relação positiva com os usos sociais da escrita, principalmente com a leitura, apontando os principais fatores que contribuíram nesse processo. Um dos mais evidentes, sem dúvida, foi o trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula, o que transformou o Professor M em uma figura fundamental e inesquecível para esses alunos. REFERÊNCIAS Meihy, J. C. S. B. (1996). Manual de História Oral. São Paulo: Loyola. Negro, T. C. (2001). Afetividade e Leitura: a mediação do professor em sala de aula. Monografia, Faculdade de educação, UNICAMP. Campinas. Oliveira, M. K.(1997). Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione. Tassoni, E. C. M. (2000). Afetividade e produção escrita: a mediação do professor em sala de aula. Dissertação de Mestrado. Campinas: FE / Unicamp. Tassoni, E. C. M. (2001). A afetividade e o processo de apropriação da linguagem escrita Em S. A. S. Leite (Org.), Alfabetização e letramento: contribuições para as práticas pedagógicas (pp. 223-259). Campinas, São Paulo: Komedi: Arte escrita. Vygotsky, L. S. (1998). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes. Wallon, H. (1968). A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70. Wallon, H. (1989). Origens do pensamento na crianza. S. Paulo: Manole. Aguiar, W. M. J. (2001). A pesquisa em psicologia sóciohistórica: contribuições para um debate metodológico. Em A. M. B. Bock, M. G. M. Gonçalves & O. Furtado, (orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia (pp.129-140). São Paulo: Cortez, 2001. Bogdan, R. C. & Biklen, S. K. (1994). Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Coleção Ciência da Educação. Galvão, I. (1995). Henri Wallon. Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Ed Vozes. Grotta, E. C. B. (2001). Formação do leitor: importância da mediação do professor Em S. A. S Leite, (org.). Alfabetização e letramento: contribuições para as práticas pedagógicas (pp. 129-154). Campinas, São Paulo: Komedi: Arte escrita. Leite, S. A. S. & Tassoni, E. C. M. (2002). A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. Em R. G. Azzi & A. M. F. A. Sadalla, (orgs.). Psicologia e formação docente: desafios e conversas (pp. 113-141). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. Luria, A. B. (1979). A atividade consciente do homem e suas raízes histórico-sociais Em A. B. Luria (Org.), Curso de psicologia geral Vl (pp. 71-84). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Recebido em: 04/06/2004 Revisado em:03/02/2005 Aprovado em: 23/06/2005 Endereço para correspondência: Sérgio Antonio da Silva Leite: Rua Apinagés, 1622 – Apto 1002 – Bairro Sumaré – CEP 01258-000 – São Paulo – SP – e-mail: [email protected] Ariane Roberta Tagliaferro: Rua Luiz Leflock, 1040 – Bairro Vila Nova – Cep 13150-000– Cosmópolis – SP – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 261-268 AUTOCONCEITO E DESEMPENHO DE UNIVERSITÁRIOS NA DISCIPLINA ESTATÍSTICA AUTOCONCEITO E DESEMPENHO EM ESTATÍSTICA Marjorie Cristina Rocha Da Silva1 Claudette Maria Medeiros Vendramini2 Resumo Este trabalho objetivou avaliar o autoconceito de universitários em disciplinas de Estatística, e sua relação com o curso, turno, semestre, idade e gênero. Responderam um questionário de identificação e uma escala de autoconceito 116 estudantes de Psicologia e 32 de Pedagogia, com idades de 18 a 65 anos, 86% mulheres e 58% do noturno. A escala do tipo Thurstone com 21 itens permitiu classificar o autoconceito em rebaixado, adequado e elevado. Observou-se que 67% dos participantes possuem um autoconceito adequado. Os principais resultados permitem afirmar que há correlação positiva entre autoconceito e desempenho na disciplina estatística, embora não se saiba o quanto o autoconceito elevado contribuiu para um melhor desempenho do aluno. As limitações deste estudo sugerem a realização de outros sobre esse construto no âmbito acadêmico. Palavras-chave: Desempenho acadêmico; Psicologia educacional; Estatística. THE SEL-CONCEPT AND UNIVERSITY ACHIEVEMENT IN STATISTICS Abstract This study aimed to assess the university students’ self-concept in statistics course and its relation to academic area, period, semester, age and gender of the sample. An identification questionnaire and a self-concept scale were answered by 116 Psychology students and 32 Pedagogy students. The sample consisted of eighteen to sixty-five year-old, 86% female and 58% evening period students. The Thurstone scale with 21 items allowed classifying in low, appropriated and high self-concept. The analysis showed appropriated self-concept in 67% of participants. The principal results have revealed that there is positive correlation between self-concept and achievement in statistics course. On the other hand, it is not possible to state how the high self-concept contributed to a better student’s achievement. The limitations of this study suggested other studies related to this construct in the academic area of research. Key Words: Academic achievement; Educational psychology; Statistics. INTRODUÇÃO Entre as variáveis que influenciam o ensino-aprendizagem podem ser citadas as habilidades básicas, como compreensão e leitura, raciocínio lógico, entre outras, todas necessárias a um bom desempenho do aluno. Além desta, é preciso também que os alunos universitários tenham atitudes positivas em relação às 1 disciplinas que irão cursar. Entre os fatores que podem influenciar o desempenho acadêmico dos alunos podem ser citados, o autoconceito, auto-eficácia, auto-estima e as atitudes (Vendramini, 2000). Para Teixeira e Giacomini (2002), é preciso esclarecer algumas divergências conceituais entre autoconceito, Psicóloga, Mestranda em Psicologia do Programa de Pós Graduação Strictu Sensu da Universidade São Francisco. Estatística, Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e docente da graduação e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da USF. Apoio: Fapesp 2 262 Marjorie Cristina Rocha Da Silva e Claudette Maria Medeiros Vendramini auto-estima e auto-eficácia. A auto-estima é um construto que se refere à avaliação que o indivíduo faz de si mesmo (em termos de gostar ou sentir-se satisfeito consigo). A auto-eficácia representa o julgamento que uma pessoa tem da sua capacidade de planejar e executar tarefas específicas em uma situação determinada. O autoconceito está relacionado à idéia de uma autodescrição mais ampla, que inclui aspectos comportamentais (o que a pessoa faz ou é capaz de fazer), cognitivos (como ela se descreve) e afetivos (como se sente a seu respeito).essa forma, a autoeficácia, assim como a auto-estima, são construtos mais restritos e mais específicos que o autoconceito. O autoconceito incorpora além de crenças percebidas sobre a competência individual em situações específicas, crenças de valor sobre si mesmo, sendo uma avaliação mais global e menos dependente do contexto do que a auto-eficácia. Na investigação teórica a respeito do autoconceito observa-se a não existência de uma definição operacional clara e universalmente aceita, devido à discordância dos diversos autores quanto às definições e terminologias empregadas. Mas, de forma geral, há uma certa concordância entre vários pesquisadores que definem o autoconceito como sendo, basicamente, a maneira como o indivíduo se percebe, ou seja, qual o conhecimento que ele tem de si (Marsh, 1984; Marsh, Byrne & Shavelson, 1988; Stevanato & Loureiro, 2000). Villa Sanchez e Murachco (1999) definem o autoconceito como o conjunto de atitudes que um indivíduo tem para consigo mesmo e que é composto por elementos cognitivos, afetivos e comportamentais. Estes componentes têm influência decisiva na maneira como cada um percebe os acontecimentos, os objetos e as outras pessoas em seu meio ambiente. Trata-se da estima, de sentimentos e atitudes que o indivíduo desenvolve sobre si mesmo, de forma que o autoconceito desempenha um papel central no psiquismo e na personalidade. Para Corona (1999), a teoria do autoconceito se baseia em dois pressupostos básicos: todo indivíduo é capaz de formar seu autoconceito; e este, se molda à medida que novas experiências são incorporadas. Há uma re-elaboração contínua provocada pelos ajustamentos que o indivíduo vai fazendo no conceito que tem de si mesmo. Assim, as pessoas passam a vida a se redescobrirem e há sempre aspectos novos não percebidos antes, mesmo para aquelas pessoas que supõem já terem estruturado definitivamente seu autoconceito. Para essa mesma autora, embora a capacidade para se elaborar o autoconceito seja inata, esse é moldado pelas experiências diárias no meio social. Os sucessos e fracassos que o indivíduo têm ao longo de sua vida constroem uma imagem pessoal que pode ser modificada no decorrer dos anos. Quando o ambiente é estável, tendem a ser estáveis os autoconceitos elaborados, porém, à medida que novas experiências se acrescentam, modifica-se o repertório de respostas; verificando-se uma tendência à estruturação de novos autoconceitos, ou modificação dos já adquiridos. Desta forma, o autoconceito reflete papéis e status sociais que o indivíduo ocupa. Costa (2002) destaca que a mensuração do autoconceito não deve visar a busca pela verdade absoluta do indivíduo, mas a verdade que ele percebe, tendo como base suas percepções fundamentais sobre si mesmo e sobre a maneira como estas são vivenciadas. Devido à multiplicidade de conceitos encontrados na literatura, nesse estudo foi adotada a definição de Pajares e Miller (1994) que considera o autoconceito como um conjunto de crenças de autovalorização, associadas à competência percebida de um sujeito. Dessa forma, o autoconceito pode ser entendido como a atitude valorativa que um indivíduo tem sobre si mesmo e o quanto ele se sente capaz de realizar alguma tarefa. A partir da definição adotada é possível conceber o autoconceito como um construto multidimensional que se refere à percepção da pessoa em termos tanto acadêmicos quanto não acadêmicos (Shavelson, Hubner & Stanton, 1976; Shavelson & Bolus, 1982; Byrne, 1984; Byrne & Worth Gavin, 1996; Bong & Clark, 1999). Considerando o contexto acadêmico, o autoconceito recorre à percepção de uma pessoa em relação a sua realização na escola. E, se considerada uma área de conhecimento, o autoconceito refere-se à percepção do indivíduo em relação a esta área. Embora não haja uma definição precisa do que seja o autoconceito acadêmico, o modelo proposto por Shavelson, Hubner e Stanton (1976) é comumente utilizado para explicar esse construto. Assim, em alguns casos, como quando referente a uma área de conhecimento como a matemática ou a estatística, o autoconceito tem sido estudado tanto a partir de uma perspectiva descritiva (“Eu gosto de matemática”) como em aspectos avaliativos de sua percepção (“Eu sou bom Autoconceito e desempenho de universitários na disciplina estatística em matemática”); sendo que no último caso a percepção estaria mais focada na competência do indivíduo como estudante. De forma geral, o autoconceito acadêmico pode ser definido como o universo de representações que o estudante tem das suas capacidades, das suas realizações escolares, bem como as avaliações que ele faz dessas mesmas capacidades e realizações. Em particular, o autoconceito matemático e o estatístico se referem à percepção ou convicção da habilidade em fazer bem matemática ou estatística, além de sua confiança em aprender a matéria (Wilkins, 2004). O estudo do autoconceito acadêmico, e em especial, a sua relação com o desempenho, tem sido crescente devido à importância dada a esse construto na dinâmica das relações que ocorrem no ambiente escolar (Marsh, 1990a, 1990b, 1992; House, 1993a, 1993b, 1996; Gigliotti & Gigliotti, 1998; Elbaum & Vaughn, 2001; Guay, Marsh & Boivin, 2003; Coplan, Findlay & Nelson, 2004). O estudo de Kurtz-Costes e Schneider (1994) pode ser citado para exemplificar as pesquisas comumente realizadas entre esses construtos. Esses autores examinaram, por meio de uma análise longitudinal, as relações entre autoconceito acadêmico e desempenho, verificando se estas relações seriam mediadas pelas atribuições de causalidade das crianças quanto ao próprio desempenho. Participaram desse estudo 46 alunos com idade de oito e dez anos, avaliados nas disciplinas de Matemática e Língua Alemã. Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário de atribuições que constava de oito situações hipotéticas, sendo quatro de sucesso e quatro de fracasso, nas quais os alunos eram solicitados a inferir as causas destes eventos. O autoconceito foi avaliado por meio de um teste no qual os alunos eram solicitados a se compararem com os colegas de classe, com relação a várias atividades. Além disso, foram coletadas as notas escolares dos alunos em Matemática e Língua Alemã. A comparação feita entre as respostas das crianças nas duas aplicações possibilitou verificar que aos dez anos as crianças atribuíram sucesso mais ao esforço e menos à dificuldade da tarefa. Em contraste, as avaliações de autoconceito mostraram-se mais consistentes nessa idade. Conforme previsto, as atribuições de sucesso das crianças estiveram positivamente correlacionadas ao autoconceito e ao desempenho. Convém também citar um estudo internacional de investigação sobre o autoconceito matemático e de 263 ciências realizado por Wilkins (2004) envolvendo 290.000 estudantes de 41 países com idade acima de 13 anos. Esse autor buscou relacionar o autoconceito matemático e de ciências com o desempenho nas provas dessas matérias, além das possíveis associações entre gênero e idade. Os achados mostraram uma relação positiva entre desempenho e autoconceito nos países investigados, porém sugere-se que sejam feitas pesquisas adicionais para investigar o quanto às diferenças culturais entre os países podem influenciar no autoconceito individual. No geral, as pesquisas citadas apontam para uma relação positiva entre o desempenho escolar e o autoconceito, de forma que quanto mais elevado o autoconceito do aluno, maior é a probabilidade desse ter um bom desempenho na escola. Nesse estudo tem-se a preocupação em compreender como se relacionam esses construtos no que diz respeito ao ensino-aprendizagem da disciplina Estatística. É essencial investigar alguns fatores subjacentes ao desempenho acadêmico, visto que, segundo Gal e Ginsburg (1994), os problemas de ordem afetiva na aprendizagem, e em específico, da Estatística, tais como sentimentos, atitudes, crenças, expectativas, interesses e motivação, se negativos, podem dificultar a aprendizagem da disciplina ou retardar o desenvolvimento da habilidade Estatística e do seu potencial de aplicação no campo profissional. De acordo com Vendramini (2000), no âmbito acadêmico universitário, a Estatística é uma disciplina que gera insegurança e medo nos alunos. Pensando na importância dessa disciplina nas várias áreas de conhecimento e na necessidade de compreender alguns fatores que possam interferir no ensinoaprendizagem de tal matéria, o presente estudo tem como objetivo avaliar o autoconceito de universitários em relação à disciplina Estatística, buscando se há associação com o curso, turno, semestre, idade e gênero dos participantes. MÉTODO Participantes O presente estudo contou com a participação de 148 alunos do segundo ao décimo semestre, sendo 116 do curso de Psicologia e 32 do curso de Pedagogia, Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 261-268 264 Marjorie Cristina Rocha Da Silva e Claudette Maria Medeiros Vendramini ingressantes de 1998 a 2004. A idade dos estudantes variou de 18 a 65 anos, com média 25 anos e desvio padrão 8,36. A maioria pertencente ao gênero feminino (85,8%) e ao período noturno (58,1%). participar da pesquisa. O aplicador instruiu os alunos quanto ao modo de preenchimento do questionário de identificação e da escala. O tempo médio da aplicação foi de 15 minutos. Instrumentos Questionário de Identificação (Brito, 2000) As informações pessoais contidas no questionário de identificação foram selecionadas de forma a fornecer subsídios para uma melhor análise e compreensão dos dados, tais como: gênero, curso, média na disciplina Estatística, ano de ingresso, série que está cursando, reprovações na disciplina de Estatística. Escala de autoconceito estatístico A escala de autoconceito estatístico é uma modificação da escala de Pajares e Miller (1994) originalmente desenvolvida e validada nos Estados Unidos, e posteriormente traduzida e adaptada por Brito (2000). Num estudo preliminar com 397 estudantes de escolas públicas, de ambos os gêneros, com idade variando de oito a quinze anos observou-se que o instrumento possui uma boa consistência interna (alpha de Cronbach=0,90). Essa escala original foi criada para medir o autoconceito matemático, e para fins dessa pesquisa, foi modificada a palavra Matemática para Estatística e promovida adaptações necessárias para o melhor entendimento dos itens que compõem os instrumentos. A escala contém 21 itens do tipo Thurstone, variando de totalmente falsa (1 ponto) a totalmente verdadeira (8 pontos). A pontuação total na escala pode variar de 21 a 168 pontos com ponto médio igual a 94,5, sendo que o autoconceito pode ser classificado em: rebaixado, adequado e elevado. As proposições da escala versam sobre autoconceito estatístico, por exemplo: Em comparação com os colegas de minha classe, eu sou bom em Estatística. Há também itens que versam sobre atitudes, como Eu acho a Estatística interessante. Procedimento Após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética da Universidade e autorização dos responsáveis pelos cursos selecionados, os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e solicitados a lerem e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido. A Escala de Autoconceito Acadêmico em Estatística foi aplicada em grupo para aqueles que aceitaram RESULTADOS E DISCUSSÃO Em relação à distribuição de respostas dos sujeitos para cada afirmação, observou-se uma tendência de autoconceito mais elevado do que rebaixado tanto nas afirmações de sentido positivo como na EA1 (Para mim, é importante ter boas notas em Estatística) quanto nas afirmações de sentido negativo como na afirmação EA12 (Eu me sinto incapaz na aula de Estatística). No que se refere à afirmação EA21(Eu acredito que eu posso ser um Estatístico ou um cientista futuramente), verificou-se uma tendência de autoconceito rebaixado, apesar de ser uma afirmação no sentido positivo. Esse resultado pode ser devido ao fato de serem apresentadas duas afirmações diferentes na mesma oração, sendo uma delas muito extremada para um aluno de psicologia ou pedagogia, ao afirmar poder ser um estatístico futuramente. A tendência geral das respostas na escala apontou para uma freqüência maior de respostas nas alternativas 4 (proposição mais falsa que verdadeira) e 5 (proposição mais verdadeira que falsa). Esse resultado pode indicar uma dificuldade dos alunos em pontuar mais objetivamente suas respostas, já que nessa escala o nível de gradação das alternativas é complexo e detalhado (1 - Totalmente falsa; 2 - Falsa; 3 - Maior parte falsa; 4 - Mais falsa que verdadeira; 5 - Mais verdadeira que falsa; 6 - Maior parte verdadeira; 7 - Verdadeira; 8 Totalmente verdadeira). A análise por grupo de escores mostrou que 66,9% dos estudantes possuem um autoconceito adequado. Assim, o autoconceito adequado envolve aspectos anteriores de aprendizagem, expectativas de êxito na disciplina, além da interação do aluno com seus colegas e professores. Apesar de alguns autores (Giavoni & Tamayo, 2000) fornecerem indicativos de que o autoconceito pode apresentar diferenças no que se refere ao gênero, nesse estudo, não foram observadas diferenças significativas de autoconceito entre mulheres e os Autoconceito e desempenho de universitários na disciplina estatística 265 Tabela 1: Estatísticas Descritivas dos itens da Escala de Autoconceito Estatístico. Item Afirmações M DP EA1 Para mim, é importante ter boas notas em Estatística. 6,26 1,72 EA2 Em comparação com os homens da minha classe, eu sou bom/boa em Estatística. 4,69 2,06 EA3 Em comparação com os homens do meu curso, eu sou bom/boa em Estatística. 4,54 2,01 EA4 Ser bom/boa em Estatística é importante para mim. 5,67 1,97 EA5 Eu acho interessante resolver problemas estatísticos. 5,27 2,17 EA6 Em comparação com as mulheres da minha classe, eu sou bom/boa em Estatística. 4,82 2,05 EA7 Em comparação com as mulheres do meu curso, eu sou bom/boa em Estatística. 4,74 1,92 EA8 Em comparação com todos os alunos da minha classe, eu sou bom/boa em Estatística. 4,63 1,94 EA9 Em comparação com outros estudantes da minha idade, eu sou bom/boa em Estatística. 4,65 1,85 EA10 Eu tenho boas notas em Estatística. 5,16 2,04 EA11 Os trabalhos na aula de Estatística são fáceis para mim. 4,71 1,89 5,84 1,95 EA13 Eu aprendo Estatística rapidamente. 4,64 1,90 EA14 Eu sempre me saí bem em Estatística. 4,36 1,98 EA15 Eu acho a Estatística interessante. 5,01 2,19 EA16 Quando um exercício de Estatística é difícil para eu resolver, sinto necessidade de me esforçar mais para solucioná-lo. 5,84 1,86 EA17 Eu trabalharia todo o tempo necessário para solucionar um exercício de Estatística difícil 4,16 2,21 EA18- Quando eu acho que os exercícios de Estatística estão difíceis, eu normalmente desisto de fazer. 5,36 1,95 EA19 Eu gosto de estudar Estatística em casa 3,47 1,98 EA20- A Estatística é "chata". 4,78 2,29 EA21 Eu acredito que eu posso ser um Estatístico ou um cientista futuramente. 2,74 1,99 EA12 - Eu me sinto incapaz na aula de Estatística. Tabela 2: Distribuição dos participantes segundo a pontuação total e classificação na escala de autoconceito estatístico. Pontuação Autoconceito n % 21 - 63 Rebaixado 18 12,2 64 - 126 Adequado 99 66,9 127 - 168 Elevado 31 20,9 Total 148 100,0 homens, embora o gênero feminino (n=127) prevaleça sobre o masculino (n=21), conforme dados apresentados na Tabela 3. Também não foram observadas diferenças significativas de pontuação média na escala de autoconceito estatístico entre estudantes da faixa etária de 18 a 30 anos e estudantes da faixa etária de 31 a 65 anos (grupo 1 e grupo 2). Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 261-268 266 Marjorie Cristina Rocha Da Silva e Claudette Maria Medeiros Vendramini Tabela 3: Estatísticas referentes à comparação da pontuação total média na Escala de Autoconceito Estatístico segundo variáveis características dos participantes. Variáveis Grupo Pontuação média Estatística t de Student Gênero Significância p Masculino Feminino 96,37 100,31 0,69 0,48 Faixa etária (idade em anos) 18 - 30 31 - 65 96,45 99,16 -0,51 0,60 Curso Psicologia Pedagogia 96,15 99,73 -0,74 0,45 Turno Matutino Noturno 98,59 95,73 0,71 0,47 Semestre Segundo Oitavo 107,66 94,94 2,40 0,01 * Reprovações Sim Não 81,46 101,72 -4,63 0,000 ** * significativo (p<0,05); ** altamente significativo (p<0,001) Os resultados da Tabela 3 revelam diferença significativa de autoconceito estatístico entre os universitários do segundo e oitavo semestre. Essa diferença pode estar relacionada com a aprendizagem de conteúdo acadêmico específico que vai aumentando de uma série para a seguinte. A análise de variância (ANOVA) indicou não haver diferenças significativas de autoconceito estatístico para nenhuma das variáveis investigadas com mais de dois grupos como é o caso do ano de ingresso (de 1998 a 2004) e semestres freqüentados (do segundo ao oitavo semestre). Quanto a relação entre a pontuação na Escala e o desempenho acadêmico, foi feita uma análise correlacional entre a nota média dos alunos na disciplina Estatística e a pontuação total na Escala de Autoconceito Estatístico. Observou-se que existe uma correlação positiva significativamente diferente de zero entre as variáveis (r=0,553; p>0,001). Esses valores indicam que essas variáveis aumentam no mesmo sentido - quanto mais elevado o autoconceito do aluno, maior a média dele na disciplina. Esse resultado é coerente com a análise descritiva dos escores dos sujeitos em que 66,9% dos participantes desse estudo apresentaram um autoconceito adequado em relação à disciplina estatística. Tais resultados são convergentes aos de outros estudos brasileiros e estrangeiros que têm apontado para uma relação positiva entre o autoconceito e o desempenho acadêmico de estudantes (Taliuli & Gama, 1986; Kurtz-Costes & Schneider, 1994; Neves, 2002; Carneiro, Martinelli & Sisto, 2003; Stevanato, Loureiro e Linhares, 2003; Wilkins, 2004). No que se refere à relação entre a pontuação total na escala e o número de reprovações dos alunos em Estatística, observou-se que existe uma correlação negativa significativamente diferente de zero entre as variáveis (r=-0,405; p>0,05). Esses valores indicam que as variáveis têm sentidos opostos - quanto mais rebaixado o autoconceito do aluno, maior é o número de reprovações dele na disciplina. Esse resultado pode ser explicado por outros estudos, como o de Corona (1999), cujas evidências demonstram que o autoconceito se molda à medida que novas experiências são incorporadas, de forma que os sucessos e fracassos que o indivíduo têm ao longo de sua vida constroem uma imagem pessoal que pode ser modificada no decorrer dos anos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na área de Avaliação Psicológica e Educacional é crescente o interesse em caracterizar e medir o autoconceito, especialmente pelo fato deste estar Autoconceito e desempenho de universitários na disciplina estatística 267 amplamente ligado às exigências escolares e ao processo educativo em geral. Tendo em vista a importância do autoconceito para o funcionamento e bem estar do indivíduo, tornou-se necessário estudá-lo mais amplamente também no âmbito acadêmico. Neste estudo, os principais resultados obtidos permitiram afirmar que há uma correlação positiva entre o autoconceito e o desempenho acadêmico do aluno. E que há indicadores de correlação entre o autoconceito e o número de reprovações na disciplina. Apesar dessas considerações, ainda não se sabe o quanto o autoconceito mais elevado pode contribuir para um maior desempenho do aluno, e conseqüentemente, a diminuição no número de reprovações do mesmo. No que se refere à relação entre o autoconceito acadêmico e o curso, turno, gênero e idade dos participantes, não houve diferenças estatisticamente significativas. Porém, os resultados apontaram para uma diferença significativa entre os universitários do segundo e oitavo semestre no que se refere ao desempenho na Escala de Autoconceito Estatístico. Essa diferença pode estar relacionada com a aprendizagem de conteúdos acadêmicos específicos, motivações pessoais, diferenças de metodologia de ensino, entre outros fatores que não puderam ser mensurados pela escala. O que se verificou nesse trabalho e em vários outros estudos nacionais e internacionais (Marsh, 1990a, 1990b, 1992; House, 1993a, 1993b, 1996; Gigliotti & Gigliotti, 1998; Elbaum & Vaughn, 2001; Guay, Marsh & Boivin, 2003; Coplan, Findlay & Nelson, 2004) é que o autoconceito acadêmico está intimamente ligado ao desempenho e a dinâmica das relações que ocorrem no ambiente escolar. Embora os objetivos desse estudo tenham sido cumpridos, é importante considerar as limitações metodológicas, principalmente no que se refere ao tamanho da amostra – somente dois cursos, da mesma instituição e que não permitiram verificar de forma mais consistente, uma possível diferenciação entre os gêneros. Além disso, o instrumento escolhido para medir o autoconceito acadêmico apresenta limitações e divergências teóricas que não foram foco desse estudo (itens que também medem atitudes, dados de realidade e opinião dos alunos), mas que podem ter influenciado na dificuldade de mensuração desse construto. Dessa maneira, entende-se como necessária a realização de outros trabalhos que considere inclusive, a utilização de outro instrumento e uma amostra mais significativa, o que possibilitará uma exploração mais consistente do autoconceito e de suas relações com o desempenho acadêmico. REFERÊNCIAS Coplan, R. J., Findlay, L. C., & Nelson, L. J. (2004). Characteristics of preschoolers with lower perceived competence. Journal of Abnormal Child Psychology, 32, 399-409. Corona, L. C. G. (1999). Escala reduzida do Autoconceito – ERA. Rio de Janeiro: CEPA. Costa, P. C. G. (2002). Escala de Autoconceito no trabalho: construção e validação. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18, 75-81. Elbaum, B., & Vaughn, S. (2001). School-Based interventions to enhance the self-concept of students with learning disabilities: a Meta-Analysis. The Elementary School Journal, 101, 303-313. Gal, I., & Ginsburg, L. (2004). The role of beliefs and attitudes in learning statistics: towards and assessment framework. 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Novo Campos Elíseos – CEP 13060-113 – Campinas/ SP – e-mail: [email protected] Claudette Maria Medeiros Vendramini: Universidade São Francisco – Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – CEP 13251-900 – Itatiba/ SP – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 269-278 OBSERVAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL PELA ESCALA DE EMPENHO DO ADULTO1 OBSERVAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL Eulália Henriques Maimone2 Débora Nogueira Tomás3 Resumo A presente pesquisa considera que uma das dimensões da qualidade na Educação Infantil é o empenho do professor. Assim, os objetivos da pesquisa foram observar e avaliar o empenho da educadora junto à criança, com o intuito de fazer um diagnóstico sobre a qualidade da mediação de aprendizagens de educadoras infantis. Participaram do estudo seis educadoras de crianças de três a cinco anos, de uma creche municipal do interior mineiro. Os procedimentos utilizados foram entrevistas semi-estruturadas e vídeo-gravações. A partir das filmagens, foi feita a classificação do empenho das educadoras, por uma escala de empenho do adulto, que utiliza a sensibilidade, estimulação e autonomia como critérios de avaliação Os resultados indicaram a necessidade de uma melhor formação da educadora, quanto aos critérios propostos, principalmente no que diz respeito à autonomia da criança. Palavras-chave: Aprendizagem; Desenvolvimento infantil; Desenvolvimento infantil. THEOBSERVATION OF EARLY CHILDHOOD EDUCATOR THROUGH THE ADULT ENGAGEMENT SCALE Abstract This research considerates that one of the quality criteria in Early Childhood Education is the teacher’s engagement. Thus, this research aimed to observe and to evaluate the engagement of the early childhood educator to do a diagnosis about the quality of the mediation of learning. Six teachers from children aging three to five years in an Early Childhood Care and Education Institution in Minas Gerais took place in the study, which procedures were semi-structured interviews and video-recordings. Based on the video-recordings, the educator engagement classification was made using the Adult Engagement Scale. The results indicated the need of a better teacher formation, mainly to develop children’s autonomy. Key words: Learning; Childhood development; Preschool educators. INTRODUÇÃO Desde que as instituições de educação infantil passaram a se responsabilizar pelas funções tradicionalmente desempenhadas pelos pais, de cuidar e de educar, as atenções da psicologia voltaram-se para o como se dá o desenvolvimento infantil nesse contexto. Contudo, 1 somente nos anos 1990 é que a discussão sobre a qualidade dos serviços prestados à infância começou a gerar efetivamente estudos (Vectore, Gomide, Maimoni & Costa, 2002). Isso parece ter coincidido com a entrada no mercado de trabalho de um maior número de mães Este trabalho faz parte de um projeto mais amplo sobre a Promoção da Qualidade na Educação Infantil, cuja coordenação internacional é feita por Júlia Formosinho, da Universidade do Minho, Portugal; a coordenação nacional está a cargo de Tizuko M. Kishimoto, da Faculdade de Educação da USP-SP e a coordenação regional “Promoção da Qualidade na Educação Infantil na Região do Triângulo Mineiro”, financiado pela Fapemig, está sendo coordenado por Célia Vectore da Universidade Federal de Uberlândia. 2 Docente da Universidade de Uberaba. 3 Bolsista de Iniciação Científica da Universidade de Uberaba. 270 de classe média, que tinham de deixar seus filhos em instituições infantis, tal como o faziam até então quase que apenas as mães de nível sócio-econômico mais baixo. Para elas bastava conseguir uma vaga em creche para seus filhos, não exigindo muito em termos de qualidade da educação, mas tão somente cuidados de higiene e alimentação. Um dos mais importantes trabalhos, visando a promoção da qualidade na educação infantil, foi realizado na Inglaterra, por Laevers ( 1996 ) e Pascal e Bertram (1999) os quais propuseram que duas das dimensões da qualidade da educação proporcionada à criança pequena são o envolvimento da criança e o empenho do adulto. Em pesquisa anterior (Maimoni, 2003), realizada em creche brasileira, verificou-se que, a criança não se envolve em uma atividade, talvez seja porque essa não esteja atendendo à sua necessidade de brincar. Ao lado disso, as formas de mediação do professor também podem favorecer o envolvimento da criança ou não envolvimento, na tarefa proposta. Deve ser considerado como um indicador de que a atividade de ensino necessita ser analisada e transformada. Dessa forma, uma educação infantil de qualidade deveria considerar, tanto o contexto da criança para aprender, como o do educador para ensinar. A presente pesquisa refere-se ao empenho do adulto, buscando verificar o seu estilo mediacional, e utilizando uma escala de observação construída para esse fim. Empenho é aqui definido, com base em Bertram (1996) e Laevers (1996), como a capacidade de o professor ser sensível a momentos em que deve mediar aprendizagens de seus educandos, ser estimulador, ao propor situações de aprendizagem e saber promover a autonomia da criança. Pascal e Bertram (1999) ofereceram, como fruto de suas pesquisas, um instrumental que possibilita, não só fazer um diagnóstico acerca do processo mediacional, mas também orientar o processo de intervenção para a mudança e de avaliação dos impactos dessa intervenção. Muitos outros estudiosos deram sua contribuição para melhorar a qualidade da educação infantil, como Bhering e Sganderla (2002) e Zabalza (1998) mostrando a importância do educar, ao lado do cuidar, na tentativa de mudar o modelo assistencial existente. No entanto, no Brasil, essa educação não estava assegurada pela legislação, o que dificultava sua expansão com qualidade. A nova Carta Constitucional reconhece o dever do estado de oferecer creches e pré- escolas para todas as Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás crianças de 0 a 6 anos. É fundamental que se amplie a oferta de educação para essas crianças, de modo a garantir, a todas, o direito de acesso e permanência. Em Uberaba, segundo dados fornecidos, ao início desta pesquisa, pela Secretaria do Trabalho e da Ação Social (SETAS) com base em levantamento feito em 2001, a Secretaria Municipal de Educação atendia 2.270 crianças, em 4 escolas de educação infantil, e a Secretaria de Ação Social dava atendimento a 2020 crianças em creches municipais, enquanto 2.280 crianças eram atendidas em creches comunitárias, chegando a um total de 29 creches em toda a cidade. Havia ainda o atendimento dado pelo governo estadual a 620 crianças da educação infantil e pela rede particular a 6.150 crianças, além de um abrigo provisório para 80 crianças. Uberaba contava também, com a educação infantil rural, que atendia, na época, a 350 crianças. A SETAS informou ainda existir uma demanda reprimida que correspondia a 580 crianças e mais 300 que não procuraram atendimento. Evidentemente que o trabalho realizado no interior dessas instituições de educação infantil deve ter a qualidade necessária para que possa, com efetividade, beneficiar as crianças. A educação de crianças de 0 a 6 anos, segundo Figueiredo (2002), desempenha um importante papel social, desde que mães necessitaram trabalhar fora de casa. Entretanto, a creche não pode ser considerada como substituta materna, o que acarretaria uma confusão de papéis acerca da função da educação infantil. Por um lado, isso provoca, conforme a autora, uma desvalorização dos profissionais que atuam nesse nível de ensino, ao considerar que esses educadores não precisam de uma sólida formação teórico-prática, bastando que saibam cuidar adequadamente do bemestar físico das crianças, evitando sujeira, doença ou bagunça. Por outro, Figueiredo (2002) lembra que existe também a concepção de que essa faixa de ensino é uma ‘extensão para baixo’ da escola fundamental, onde as crianças devem ser treinadas para o acesso à primeira série. Os educadores, por esse raciocínio são considerados menos qualificados que os de outros níveis e devem ser mais sóbrios na relação com as crianças, para facilitar a adaptação desta ao ensino fundamental. Entende-se, tal como considera Kramer (1999), que a organização do trabalho pedagógico na educação infantil deve visar, antes de tudo, ao desenvolvimento da autonomia da criança. Obviamente, essa construção não se esgota no período dos 0 a 6 anos de idades, devido às Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto próprias características do desenvolvimento infantil. Mas tal construção necessita de ser iniciada na educação infantil. Segundo Vygotsky (1987), o desenvolvimento mental da criança é um processo contínuo de aquisição de controle ativo sobre funções inicialmente passivas, sendo que, desde os primeiros dias de vida, as atividades da criança adquirem um significado próprio no sistema de comportamento social, quando é dirigido a objetivos definidos e retratados pelo ambiente da criança. Confere, assim, ao outro indivíduo, pai, mãe, irmão, professora, colegas, presentes na situação, uma importância na determinação do desenvolvimento infantil. Além do mais, em uma perspectiva vigotskiana, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e os processos psicológicos específicos do homem, são mediados pelos instrumentos culturais, tal como a linguagem, os sinais e os símbolos, criados pelo homem para se comunicar. O adulto é visto como um duplo mediador nesse processo, porque, no decurso de uma atividade partilhada, ensina estes instrumentos à criança e é, assim, mediador da aquisição de instrumentos culturais, que por sua vez, medeiam o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. No momento em que a aprendizagem ocorre, com a mediação do outro, a criança se torna autônoma naquele aprendizado. De acordo com Oliveira e cols (1992), o educador precisa ter sensibilidade para perceber o estilo e o ritmo de aprender de cada criança; como as mesmas ocupam o espaço físico, como são estimuladas a examinar, explorar e construir significações. Torna-se, pois, relevante uma pesquisa que tenha por objetivo o estudo de como acontece esse processo mediacional na educação infantil, uma vez que os pais colocam muito cedo seus filhos em instituição tipo creche, fazendo com que o desenvolvimento infantil dependa em grande parte, nessa etapa da vida da criança pequena, de como são feitas as mediações de aprendizagens pelos adultos com quem convive. Sugere-se, ainda, que não apenas a criança, no seu processo educativo, deva se tornar autônoma, mas também o educador infantil. Esse fato ocorre pela mediação de formadores que tenham claro esse objetivo, conforme considerações de Mazzeu (1998), em sua proposta de formação de professores. Outros estudos, como o de Bhering e Sganderla (2002), também têm-se utilizado de escalas de observação da interação adulto/criança para avaliar a ação mediadora 271 do professor, como indicador de qualidade na educação infantil, desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento e na aprendizagem da criança considerando-se os aspectos citados. A presente pesquisa teve por objetivo, não só fazer um diagnóstico sobre essa ação mediadora, mas registrar essas informações, para subsidiar a construção coletiva de um projeto de formação de educadoras infantis. MÉTODO Situação Trata-se de um estudo de caso de uma instituição de educação infantil da cidade de Uberaba – MG. A instituição possuia, quanto ao quadro dos funcionários 3 professoras, 12 educadoras, 9 funcionários de serviços gerais, 1 coordenadora e 1 educadora de apoio pedagógico. Quanto ao número de crianças, no período da investigação, a creche atendia a 150 crianças de 0 a 6 anos de idade, divididas em turmas, segundo a faixa etária. Funciona em tempo integral, sendo o período da manhã destinado a atividades dentro de sala de aula e o período da tarde, a atividades ao ar livre. Participantes Participaram 6 educadoras da instituição, responsáveis pelas crianças de 3 a 5 anos de idade, que concordaram em participar de um projeto de formação de educadoras de creche. O número de crianças atendidas pelas mesmas, nas turmas, varia de 23 a 25 crianças. A idade das educadoras varia de 20 a 44 anos. A maioria delas (n=3) estava na faixa etária entre 20 e 24 anos, duas entre 35 e 39 anos e uma entre 40 e 44 anos.Quanto à escolaridade, 16,6% (n=1) tinham o ensino fundamental completo. O curso de magistério apresentou uma porcentagem de 33,3% (n=2). O ensino superior completo representou 33,3% (n=2) e apenas uma delas tinha pós-graduação (16,6%) em educação ambiental. O tempo de trabalho das educadoras em instituições infantis varia de 4 a 17 anos. Três educadoras trabalham há mais de 4 anos, uma trabalha há 10 anos, outra trabalha há 15 anos e outra há mais de 17 anos. O vínculo funcional das educadoras varia de 3 meses a 6 anos e meio, sendo que a maior parte delas está desempenhando esta função há 3 anos. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 269-278 272 Instrumento Escala de Empenho do Adulto A Escala de Empenho do Adulto, tal como descrita por Bertram e Laevers (1996) analisa as características pessoais e profissionais que definem a capacidade de interação da educadora no processo de ensino e aprendizagem (sentir, motivar, autonomizar a criança), como um fator crítico na qualidade da aprendizagem da criança. Permite focar o olhar do observador nas características da intervenção do adulto. Baseado em Oliveira – Formosino e Formosinho (2002), os autores identificaram três categorias nos comportamentos do professor, que utilizaram na Escala de Empenho do Adulto que são sensibilidade (atenção e cuidado que o adulto demonstra ter para com os sentimentos e bem estar emocional da criança, inclui também sinceridade, empatia, capacidade de resposta e afetividade; estimulação (o modo como o adulto concretiza a sua intervenção no processo de aprendizagem e o conteúdo dessa intervenção, estimulando o envolvimento da criança) e autonomia (o grau de liberdade que o adulto concede à criança para experimentar, emitir juízos, escolher atividades e expressar idéias e opiniões, engloba também o modo como o adulto lida com os conflitos, regras e problemas de comportamentos). Trata-se de um instrumento de observação, cujo formato é de uma escala de 5 pontos, a ser utilizada para observar os educadores e outros adultos na sua interação com as crianças, possibilitando a caracterização dos estilos educativos mais comuns num determinado contexto. O ponto 5 evidencia um estilo de empenho total; ponto 4 representa um estilo predominante de empenho, mas com algumas atitudes de falta de empenho; ponto 3 indica um estilo onde não predominam nem as atitudes de empenho, nem as de falta de empenho; ponto 2 sugere um estilo, principalmente de falta de empenho, porém é possível observar algumas atitudes de empenho e ponto 1 representa um estilo de ausência total de empenho. Procedimento Entrevistas Após o contato inicial com as professoras e obtido o consentimento para a pesquisa, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, em horário previamente marcado, na própria instituição. Houve uma entrevista inicial, com todas as educadoras infantis, sobre sua prática pedagógica e uma outra entrevista, ao final das Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás vídeo-gravações, priorizando verificar a compreensão sobre o brincar e o lugar dessa atividade dentro da rotina institucional. Vídeo-gravações Foram realizadas cinco vídeo-gravações de cada educadora, de 2 minutos cada, durante dois dias, num total de 120 minutos. Sendo cinco vezes no período matutino e cinco vezes no vespertino, perfazendo 20 minutos de observação por adulto, já que os mesmos permanecem apenas por um período na instituição. Após a realização das filmagens, as fitas foram transcritas de modo a permitir a elaboração das categorias e o registro na Escala de Empenho do Adulto, de acordo com o modelo português (Formosinho & Formosinho (s/d). Nesta registraram-se o comportamento e o nível (de 1 a 5) de cada item avaliado (sensibilidade, estimulação e autonomia), conforme os critérios da Escala de Empenho do Adulto (Bertram & Laevers, 1996). RESULTADOS Das Entrevistas Dentre as razões apontadas pelas educadoras para a escolha profissional, três disseram gostar de crianças e se interessar por seu desenvolvimento. Três disseram que foi por necessidade de emprego, uma vez que passaram em concurso público e efetivaram-se. As educadoras apresentaram as vantagens e desvantagens que elas vêm em sua profissão. Dentre as vantagens estão gostar de lecionar, de ensinar, participar do desenvolvimento das crianças, gostar de cuidar delas e aprender um pouco a cada dia. As desvantagens que relataram foram a falta de material de trabalho, como papéis, lápis de cor, brinquedos, cadeiras e mesinhas. Reclamaram também da desvalorização da profissão e dos baixos salários. Na segunda entrevista, todas as educadoras afirmaram ser importante a criança brincar, justificando que, por meio do brinquedo é possível observar o desenvolvimento da criança. O brinquedo é uma ponte para a realidade que ela vivencia, desse modo pode-se inferir que o brincar é algo inato na criança, sendo responsável pelo seu crescimento e amadurecimento. Com relação à utilização do brinquedo nas atividades com a criança, a maioria das educadoras acredita que, Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto utilizando-o, é melhor para trabalhar conceitos, coordenação motora, individualidade, conjunto, sendo mais fácil de ensinar e de as crianças aprenderem. Acrescenta-se ainda que, com a sua utilização, podem observar o crescimento da criança. As educadoras consideram bons os espaços para brincar presentes na instituição, ressaltando o ‘varandão’ como a principal opção. Reclamaram do descaso com o parquinho. Salientam que precisa de ter sua areia trocada, pois está dando micose nas crianças, e há muito tempo não podem utilizá-lo. Duas educadoras responsáveis pelas crianças de 5 anos, reclamaram do tamanho da sala, dizendo ser muito pequena para se trabalhar com a quantidade de crianças na turma. E ainda que os espaços livres na instituição como quadra, ‘varandão’ e parquinho, não são utilizados adequadamente e várias turmas ocupam um só espaço ao mesmo tempo, causando desorganização. Todas as educadoras responderam que existem momentos na rotina das crianças, em que podem brincar livremente. Tais momentos ocorrem geralmente após alguma atividade, na parte da manhã e depois do lanche, no período vespertino. Segundo as educadoras, esses momentos são importantes, para que as crianças possam descansar das atividades e expressar sua realidade, expondo seu interior. Nenhuma educadora acha difícil trabalhar com o brincar livre das crianças. Ressaltam que na brincadeira livre, a criança expressa sua realidade, seus medos e desejos, além de promover o desenvolvimento, a aprendizagem e a socialização. 273 Das vídeo-gravações Em relação ao empenho do adulto, nesse caso das 6 educadoras, foram consideradas as dez vídeo-gravações de cada uma. Os registros de empenho foram analisados pelas opções de resposta à escala que revelam os cinco níveis de empenho, nos três fatores. A Tabela 2 mostra a distribuição, sendo que a opção NP significa não pertence, refere-se à ausência de comportamento de empenho da educadora. Verificou-se que houve uma predominância de respostas na opção intermediária no item Sensibilidade, com 35% de ocorrências. Quanto à Estimulação, a maior freqüência foi também na opção intermediária, com 28,3%. Isto indica que para estes fatores não há nem predominância de empenho ou falta dele. Já no item Autonomia a maior freqüência permaneceu na opção falta total de empenho, com 28,3%. Assim depreende-se que, na prática profissional dessas educadoras, há atitudes de falta de empenho, porém foi possível verificar comportamentos de empenho e interação delas com as crianças. A distribuição das freqüências e porcentagens das educadoras pode ser vista nas Tabelas 3 e 4. A educadora 1 tem 22 anos, segundo grau completo de escolaridade e está cursando o magistério. Trabalha atendendo 23 crianças de 3 a 4 anos, no período vespertino, com tempo na função de 2 anos. Essa educadora apresenta níveis extremamente baixos de empenho nas atividades que desenvolve com as crianças, estando todos os itens, Sensibilidade, Estimulação e Autonomia, no nível 1, com 70% de ocorrência. Causam preocupação as atividades Tabela 2: Freqüência e porcentagem dos comportamentos de empenho observados nas educadoras. Nível de empenho Sensibilidade F % Estimulação F % Autonomia F % 5 1 1,6 3 5 1 1,6 4 12 20 9 15 5 8,3 3 21 35 17 28,3 14 23,3 2 8 13,3 9 15 11 18,3 1 9 15 12 20 17 28,3 NP 9 15 10 16,6 12 16,6 Total 60 100 60 100 60 100 NF-não pertence Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 269-278 274 Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás Tabela 3: Pontuação dos comportamentos de empenho observados nas educadoras 1,2 e 3. Nivel de empenho Educador Comportamento 5 4 3 2 1 1 2 3 Não pertence Sensibilidade 0 0 0 0 70 30 Estimulação 0 0 0 0 70 30 Autonomia 0 0 0 0 70 30 Sensibilidade 0 10 20 30 20 20 Estimulação 0 0 20 30 30 20 Autonomia 0 0 20 10 40 30 Sensibilidade 0 10 60 20 0 10 Estimulação 0 10 40 30 10 10 Autonomia 0 0 50 30 10 10 oferecidas às crianças, visto que denotam a ausência de empenho da educadora, considerando ainda que as atividades ocorrem fora da sala de aula, em outros espaços da instituição, que poderiam ser mais bem explorados. Pode-se justificar esse comportamento pelo fato de que a educadora não gosta de trabalhar com Educação Infantil, de acordo com os dados da entrevista, e está na creche por causa de um concurso público e, por mais que tenha afirmado que considera a atividade lúdica importante, não soube dizer o porquê, o que pode fazer com que ela não se empenhe durante o desenvolvimento das atividades, por não saber ao certo o que faz e para que faz. A segunda educadora tem 33 anos e segundo grau completo (magistério), com tempo na função de 3 anos. Trabalha atendendo 23 crianças de 3 a 4 anos, no período da manhã. Pela Tabela 2, pode-se observar a freqüência dos comportamentos de empenho observados nessa educadora. Os dados revelam que, em relação à Sensibilidade, seus comportamentos encontram-se, em 50% das ocorrências, no nível 1 e 2, ou seja há um predomínio da ausência de empenho, o que sugere, portanto, que tal educadora precisa repensar suas estratégias de ensino, bem como as experiências de aprendizagem que oferece à criança. Nos itens referentes à Estimulação e à Autonomia, os dados mostram uma situação também preocupante, já que, em 60% das ocorrências em Estimulação, a educadora permaneceu nos níveis 1 e 2, referentes ao predomínio de ausência de empenho, não demonstrando empatia para com as necessidades e preocupações da criança, apresentando falta de energia e impedindo que a criança escolha, experimente outras possibilidades de aprendizagem. Já em Autonomia, apresentou 40% de ocorrência no nível 1, e 30% de NP , indicando que, em 70% das situações filmadas, a educadora não interagiu com a criança. A educadora 3 tem 39 anos, superior incompleto de escolaridade, tempo na função de 6 anos e meio. Atende 24 crianças de 4 anos a 5 anos, no período da tarde. Essa educadora é uma das que está há mais tempo trabalhando nesta instituição infantil, já tendo atendido crianças de faixas etárias diferentes. No item Sensibilidade, a educadora obteve seu melhor empenho, com 60% de ocorrência no nível 3, que é um nível mediano e ainda se fazem presentes algumas atitudes de empenho, apresentando 10% das ocorrências no nível 4. Nos itens seguintes, a educadora também obteve maior freqüência no nível 3, sendo que no item Estimulação obteve 40%, seguido de 30% do nível dois, referente à predominância de falta de empenho. Já com relação à Autonomia, obteve 50% no nível 3, e 30% no nível dois, referente também à falta de empenho. Deve-se lembrar aqui que suas atividades ocorrem fora de sala de aula, quando o brincar é livre. A professora parece não considerar esse momento como de aprendizagem, o que foi confirmado pela entrevista. A idade da educadora 4 é 24 anos, possui pósgraduação em Educação Ambiental, com tempo na função de 6 meses. Atende 25 crianças de 5 anos, no período vespertino. Essa foi a única educadora que apresentou comportamentos dentro do nível 5, indicando que desenvolve um processo mediacional de melhor Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto 275 Tabela 4: Pontuação dos comportamentos de empenho observados nas educadoras 4, 5 e 6. Educador 1 2 3 Comportamento 5 4 Nível de empenho 3 2 1 Não pertence Sensibilidade 10 50 40 0 0 0 Estimulação 30 20 40 0 0 10 Autonomia 10 10 40 10 0 30 Sensibilidade 0 0 40 30 0 30 Estimulação 0 0 30 30 10 30 Autonomia 0 0 10 20 50 20 Sensibilidade 0 50 50 0 0 0 Estimulação 0 60 40 0 0 0 Autonomia 0 40 20 40 0 0 qualidade, do que suas colegas. Contudo, ainda deixa a desejar quanto à autonomia da criança. Quanto ao item Sensibilidade, a educadora utilizou-se, em 60% das ocorrências, de comportamento nos níveis 4 e 5, o que parece demonstrar a sua atenção ao que as crianças sentem, respeitando-as, sendo carinhosa e afetuosa com as mesmas. A mesma educadora utiliza comportamentos de Estimulação nos níveis 4 e 5, com 50% de ocorrência, já que ela, nas atividades propostas aparenta energia e vitalidade, estimulando o diálogo e o pensamento, motivando a criança a participar, valorizando suas experiências. Obteve 40% de ocorrência no nível 3, um resultado mediano. Os comportamentos referentes à Autonomia também permaneceram no nível 3, com 40 % de ocorrência, e ainda obteve 30% de NP, o que significa ausência de interação com as crianças, durante suas atividades, que são ao ar livre. Demonstra, assim, o que expressou na entrevista, quanto à concepção sobre o brincar, desvalorizando essa atividade, quando livre, considerando ocasião de aprendizagem apenas o brinquedo dirigido. Mesmo assim, parece que seu maior nível de formação, com curso de especialização, pode estar favorecendo suas mediações de melhor qualidade. A educadora 5 tem 24 anos, segundo grau completo de escolaridade (magistério), com tempo na função atual de 3 meses. Atende 24 crianças de 4 a 5 anos, no período matutino. Os dados revelam que, em relação à Sensibilidade, seus comportamentos concentram-se em 40% no nível 3, seguidos de 30% no nível 2. Percebese portanto, que há nas atividades uma considerável presença de comportamentos de falta de empenho, quando não demonstra muita empatia nas relações com as crianças. Com relação ao item Estimulação os resultados apresentados são: 30% das ocorrências no nível 3, 30% no nível 2 e 30% de NP, ou seja, seus comportamentos não se constituíram em situações de interação com as crianças. A educadora demonstrou a existência de poucos comportamentos de estimulação, porém necessita de mais entusiasmo nas atividades, para proporcionar um melhor desenvolvimento às crianças. No terceiro item, referente à Autonomia, a educadora teve o nível mais baixo de empenho, com 50% das ocorrências no nível 1 e 20% no nível 2, revelando-se autoritária e aplicando regras com rigidez e impossibilitando que a criança experimente outras possibilidades de aprendizagens. E por fim a sexta educadora tem 41 anos e curso superior incompleto, cursa Pedagogia, tempo de trabalho na função atual é de 4 meses. Atende 25 crianças de 5 anos, no período matutino. Quanto ao item sensibilidade, a educadora utilizou-se em 50% dos comportamentos no nível 4, o que parece demonstrar que é carinhosa e afetuosa, respeita a criança, demonstra empatia com as necessidades e preocupações da criança, ouvindo-as. Utiliza comportamentos de Estimulação nos níveis 3 e 4 , já que ela, nas atividades, apresenta certa energia e vitalidade e motiva a criança a participar, estimulando o diálogo e valorizando as experiências das crianças. Os comportamentos referentes à Autonomia, a educadora os apresentou, 40% no nível 4, 20% no nível 3 e 30% no nível 2, aplicando as regras disciplinares com certa rigidez em alguns momentos. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 269-278 276 Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás DISCUSSÃO É interessante observar que as educadoras apontam o fato de que, enquanto as crianças brincam, ou elas se colocam como parceiras da brincadeira, ou permanecem observando, tendo a preocupação de que as crianças não se machuquem. Contudo, nas filmagens realizadas, observamos, claramente, que essa interação não acontece, sendo freqüente ver as educadoras realizando outras tarefas ou conversando com outras educadoras, nas ocasiões de brinquedo livre. Em estudo anterior (Maimoni, 2003), dentro do projeto, verificou-se que, apesar disso, as crianças envolvem-se mais nas atividades do período vespertino, do que nas do período matutino, quando as atividades ocorrem predominantemente em sala de aula. Assim, essa creche parece adotar, segundo Figueiredo (2002), uma concepção de que a educação infantil deva ser “uma extensão para baixo” da escola fundamental. Ou seja, são mais valorizadas as atividades de lápis e papel ou mesmo lúdicas, dentro da sala de aula e visando formar certas habilidades consideradas preparatórias para a leitura e escrita, mesmo sendo menos motivadoras para as crianças, já que sua atividade principal, nessa faixa etária, não é a escolar. Essa concepção aparece mais claramente, quando as educadoras dizem que existe direcionamento nas brincadeiras das crianças, com o objetivo de aprendizagens específicas. Segundo as mesmas, nessas atividades, elas trabalham a coordenação motora, cores e figuras geométricas, limite, atenção, dentre outras atividades, conforme o cronograma seguido na instituição, cujas atividades são programadas toda semana. O brincar livre não é considerado como situação de aprendizagem e de desenvolvimento e o trabalho realizado no período matutino, ao ar livre ou no ‘varandão’, é bastante desvalorizado pedagogicamente, existindo apenas para “descansar das atividades”. Isso evidencia também uma desvalorização do papel da educadora, que atua nesse período, mais como cuidadora, tal com ressalta Figueiredo (2000). Um outro aspecto observado é que a instituição permite que as crianças tragam brinquedos de casa para a instituição e isso acontece uma vez por semana, geralmente na sexta-feira. As educadoras relatam que, assim, podem trabalhar a socialização, porém ficam preocupadas com o fato de que alguma criança não tenha brinquedos para levar. Ou mesmo que estrague os brinquedos das outras crianças, gerando brigas. Não percebem que essa prática de ter um dia, em que as crianças levam seus brinquedos de casa, pode contribuir para que uma criança, que, pela primeira vez, entra para um novo contexto de aprendizagem, o da instituição, possa se sentir mais ajustada, o que é demonstrado pelo levantamento de estudos feito por Bronfebrenner (1996), quando se refere às inter-relações possíveis entre lar e escola. Embora todas as educadoras tenham discordado de que a criança deva brincar somente com jogo pedagógico, apesar da crença de que os mesmos contribuem mais para o desenvolvimento infantil, não existe a consciência de que, conforme salienta Leontiev (1988a): O desenvolvimento mental de uma criança é conscientemente regulado, sobretudo pelo controle de sua relação precípua e dominante com a realidade, pelo controle de sua atividade principal . Nesse caso, o brinquedo é a atividade principal. Chamamos atividade principal aquela em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos, que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento (p. 122). É importante ressaltar, nesse particular, que as educadoras concebem o brincar como algo inerente à criança. Afirmam que as crianças já nascem com desejo de brincar e que cabe a elas, educadoras, incentivar esse desejo, como, por exemplo, escolhendo tipos de brinquedos apropriados para cada idade, já que tal atividade colabora na interação e no desenvolvimento da criança. Não percebem, portanto, que a brincadeira, mesmo sem brinquedo, na concepção vigotskiana, é um momento de apropriação pela criança do mundo adulto e que não é inato, mas aprendido, como qualquer prática social. Quanto à importância do seu papel como educadora, no desenvolvimento e aprendizagem das crianças, todas concordaram que são importantes, justificando que têm o papel de orientadoras, norteando os caminhos, para que eles possam aprender e se desenvolver. A criança vê a educadora como um exemplo a ser seguido, na percepção delas, servindo de parâmetro para as Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto crianças, salientando que não se pode apenas ensinar, é preciso dar exemplo de comportamento. Pode-se interpretar, a partir do que as educadoras expressaram, que as mesmas têm consciência da função da imitação na aprendizagem infantil, mas não do quanto sua mediação é importante. Nesse sentido, Leontiev (1988b) observa: “As relações de uma criança, dentro de um grupo de crianças são também peculiares. Os vínculos que as crianças de três a cinco anos estabelecem entre si constituem ainda, em grande parte, o elemento pessoal - privado, por assim dizer em seu desenvolvimento, que conduz a um verdadeiro espírito de grupo. Nesse aspecto, a professora desempenha o papel principal - mais uma vez em virtude de suas relações pessoais com as crianças” (p.60). Algumas educadoras revelaram ainda que também aprendem muito com as crianças, pressupondo uma relação de troca. Contudo, como se pode observar nas tabelas de empenho do adulto, as educadoras da sala de 3 anos mostraram os índices mais baixos de empenho. Talvez se deva ao fato de acreditarem que as crianças pequenas precisem ser primeiramente cuidadas e não educadas, sendo observados comportamentos que seriam considerados não de promoção do desenvolvimento e da aprendizagem, mas de inibição das iniciativas das crianças. Já na sala de 4 anos, as educadoras apresentaram-se um pouco mais estimuladoras nas atividades, porém pode-se dizer que, apesar dos resultados indicarem uma mediação de melhor qualidade, parece-nos necessário um REFERÊNCIAS Bertram, T. (1996). Effective educators of young children: developing a methology for improvment. Tese de doutorado. Coventry University. Bhering, E., & Sganderla, A. P. (2002). Avaliação da qualidade na educação infantil: um estudo sobre a interação adulto/crianças. Resumo de Comunicação Científica apresentado na XXXII Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de psicologia, Ribeirão Preto. 277 acompanhamento das atividades de ensino, por um especialista na área de desenvolvimento infantil, para auxiliá-las a organizarem melhor essas atividades. O que se propõe aqui é uma intervenção em formação continuada, em que o formador atue como mediador dos conhecimentos científicos produzidos na área, na tentativa de superar o conhecimento comum presente entre as educadoras, conduzindo, acreditamos, a um processo de autonomia do professor e da criança (Mazzeu, 1998), partindo de sua prática revelada nas vídeo-gravações e nos seus relatos. Quanto às educadoras da sala de 5 anos, os comportamentos de empenho foram melhor classificados, já que as educadoras atuaram de forma a possibilitar diferentes e estimulantes experiências de aprendizagem, sendo sensíveis para as necessidades infantis. Mesmo assim, o aspecto da autonomia infantil necessita de ser melhor discutido com as professoras, em uma proposta de formação continuada.. Vale constatar que as educadoras passam por dificuldades para conseguirem materiais, tanto para a brincadeira livre, como para as atividades direcionadas, além dos baixos salários, que as levam a trabalharem, muitas vezes em dois turnos. Suas insatisfações transparecem em suas falas, mostrando as características de um trabalho alienado, que lhes causa mais desprazer do que satisfação. A atividade de ensino torna-se, assim, sem significado, mostrando a necessidade dessas educadoras de uma tomada de consciência sobre o que está acontecendo no seu mundo do trabalho, a fim de modificá-lo e modificar-se, e isso deverá ser implementado, em uma experiência de formação continuada, a ser realizada na instituição, como parte do projeto maior. Bronfebrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais planejados. Porto Alegre: Artmed. Figueiredo, T. A. (2002). Educação Infantil para quem? a organização do trabalho pedagógico com crianças de 0 a 6 anos. [citado em 10 de março de 2002]. Em http:// w w w. p s i c o p e d a g o g i a . c o m . b r / a r t i g o s / artigos.asp?entreID=321. Oliveira - Formosinho, J., & Formosinho, J. ( 2002). Associação criança: um contexto de formação em contexto. Braga: Livraria Minho. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 269-278 278 Kramer, S. (1999). Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a Educação Infantil (13ª ed.). São Paulo: Ática. Laevers, F. (1996). An exploration of the concept of involvement as an indicator for quality in early childhood education. Dundee: Scottish Consultative Council on the Curriculum. Leontiev, A.N. (1988a). Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. Em L. S. Vigotskii, A. R. Luria & A. N. Leontiev (orgs.). Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (pp. 119-142). São Paulo: Ícone. Leontiev, A. N. (1988b). Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. Em L. S. Vigotskii, A. R. Luria & A. N. Leontiev (orgs.). Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (pp. 59-83). São Paulo: Ícone. Maimoni, E. H. (2003). Formando profesores para la educacion infantil. Em L. A. Prada (org.). Formación de Profesores en la América Latina: diversos contextos socio-políticos (pp. 297-319 ). Bogotá: Antropos. Mazzeu, F. J. C. (1998). Uma proposta metodológica para a formação continuada de professores na perspectiva histórico-cultural. Caderno Cedes, 44 , 59-72. Eulália Henriques Maimone e Débora Nogueira Tomás Oliveira, Z. M.; Mello, A. M.; Vitória, T., & Ferreira, M. C. R. (1992). Creches: crianças, faz de conta e cia. São Paulo: Vozes. Pascal, C., & Bertram, T. (1996). Desenvolvendo a qualidade em parcerias: nove estudos de casos. Lisboa: Porto Editora. Vectore, C., Gomide, E. F., Maimoni, E. H., & Costa, L. H. F. M. (2002). Qualidade da Educação Infantil: aspectos históricos e tendências atuais. Revista da Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro, 6(2), 81-89. Vygotsky, L. S. (1987). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes Vygotsky, L. S. (1998). A formação social da mente (3° ed). São Paulo: Martins Fontes. Zabalza, M. (1998). Qualidade em Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed. Recebido em: 11/04/2005 Revisado em: 21/09/2005 Aprovado em: 14/10/2005 Endereço para correspondência: Eulália Henriques Maimone: Av. Dr. Misael Rodrigues de Castro, 569 – Santa Mônica – CEP 34408-184 – Uberlândia – MG – email: [email protected] Débora Nogueira Tomás: Av. 3 , no. 665 – Centro – CEP 14790-000 – Guaíra-SP – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 279-290 ESCRITA, MATURIDADE EMOCIONAL, OPERATORIEDADE E CRIATIVIDADE NUM GRUPO DE CRIANÇAS DE UBERLÂNDIA ESCRITA, MATURIDADE EMOCIONAL, OPERATORIEDADE E CRIATIVIDADE Claudia Araújo da Cunha1 Resumo Este trabalho teve como objetivo discutir as possíveis relações estabelecidas entre as dificuldades de aprendizagem na escrita, o nível intelectual, criatividade e maturacional de crianças de segunda série do ensino fundamental. Para tanto, utilizou-se a Escala de Avaliação na Aprendizagem na Escrita (ADAPE), a prova de conservação de comprimento, a prova de posições possíveis dos dados sobre um suporte e o teste do CAT-H. Os quatro testes foram aplicados em 40 crianças, de ambos os sexos, de duas escolas da rede pública de ensino da cidade de Uberlândia - MG. Os coeficientes de correlação por postos de Spearman sugerem que houve uma correlação positiva significante obtida entre as variáveis conservação de comprimento e criatividade. Quanto aos valores de U a partir da aplicação do teste de Mann-Whitney, a escola localizada na região mais central obteve diferenças significantes entre as variáveis erros do ditado e conservação de comprimento. Palavras-Chave: Dificuldade de aprendizagem; Nível cognitivo; Ensino fundamental. WRITING, EMOTIONAL MATURITY, OPERATIVENESS AND CREATIVITY IN A CHILDREN’S GROUP FROM UBERLÂNDIA Abstract The aim of this paper is to discuss the possible relations established between learning disabilities in writing and the intellectual, creative and maturity levels of children in the second year of primary school. To do so, we have used the Scale of Learning Evaluation in Writing (ADAPE), the length conservation test, the test of possible positions of data about a support experiment and the CAT-H test. All four tests were applied in 40 children, of both genres, from two state schools in the town of Uberlândia. The Spearman correlation coefficient by ranks suggests that there has been a significant positive correlation of the creativity with the length conservation variables. Regarding the U-values acquired from the application of the Mann-Whitney test, the school located in the most central area obtained significant differences between the dictation error variable and the length conservation variable. Key-words: Learning disabilities; Cgnitive assessment; Elementary school. INTRODUÇÃO O processo ensino-aprendizagem suscita inúmeros questionamentos acerca do desempenho escolar daqueles que não apresentam comportamentos condizentes ao esperado. Educadores, pedagogos, psicólogos e demais profissionais da educação buscam explicações plausíveis do que esteja 1 acontecendo, ou melhor, das possíveis causas das dificuldades de aprendizagem de seus alunos. Dificuldades essas referentes a seis grandes áreas: perceptivo-atencional, psicomotora, lingüística, socioafetiva/emocional, pensamento lógico e também do pensamento criativo (Sisto, 2002A). Docente do Programa de Graduação e Pós-graduação em Psicologia Aplicada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Apoio: CNPq 280 As dúvidas e questionamentos são muitos e, não é raro, encontrarmos nos mitos e preconceitos presentes no cotidiano escolar respostas ditas conclusivas que explicam o fracasso escolar de um grupo de alunos. Postulados oriundos do senso comum surgem com uma certa regularidade, tais como: “esta criança tem família desestruturada”, “emocionalmente abalada”, “criança pobre não aprende porque é desnutrida” e até mesmo “criança pobre não aprende porque é indisciplinada”. Essas e outras afirmativas colaboram com o surgimento e, posterior, manutenção de determinados padrões considerados “normais” em detrimento de outros menos esperados. Isso contribui com os assim chamados “comportamentos previsíveis”, no qual uma conduta leva necessariamente a outra. Se considerarmos tal posicionamento como relevante, estaríamos também afirmando, ou que o sujeito já nasce pronto e acabado ou que o ambiente o molda do jeito que convém, uma vez que o sujeito nasce uma tábula rasa. Nem só o meio, como diriam os empiristas, nem só o sujeito pré-formado frente às requisições do meio, como postulam os inatistas constituem para Piaget e Gréco (1974) a base da aprendizagem construtivista. Aprendizagem construtivista para Piaget e Gréco (1974) não é pura aquisição de conhecimento nem também de constructos já formados. É uma aprendizagem construída em interações sucessivas entre sujeito e o objeto de estudo. Nesse sentido, cabe questionarmos: por que meu aluno não aprende frente a dado conteúdo, que fatores estariam contribuindo para o baixo rendimento escolar, poderíamos,, então, relacionar possíveis variáveis que estejam incidindo sobre tal conduta? Dificuldade de Aprendizagem em Escrita Segundo Sisto (2002A), o baixo rendimento escolar é uma das manifestações mais evidentes das dificuldades de aprendizagem. Se uma criança apresenta um bom desempenho escolar, mesmo que tenha dificuldade para aprender e com muito esforço a esteja superando, esta criança passará despercebida, da mesma forma que crianças que não estudam por falta de interesse ou preguiça correm o risco de serem classificadas como crianças com dificuldade de aprendizagem. As generalizações excessivas podem, por vezes, levar a confusões conceituais sérias em que pouco ou quase nada ajudam no diagnóstico das possíveis causas dos problemas de aprendizagem para as crianças que de fato apresentam dificuldades de aprendizagem. Claudia Araújo da Cunha Ainda no seu relato, Sisto (conforme citado por Lyon, 1995) afirma que atualmente os problemas fonológicos representariam cerca de 80% das dificuldades de aprendizagem. Além disso, acrescenta-se o fato de que as dificuldades morfológicas também estariam na base dessa problemática (Carlisle, 1995). O estudo de Guimarães (2003) investigou a relação entre habilidades metalingüísticas (consciência fonológica e sintática) e desempenho na leitura e na escrita (ortografia) de palavras isoladas. Para tal, foram formados três grupos de sujeitos: 20 crianças com dificuldades em leitura e escrita, cursando 3a e 4a séries (grupo 1); 20 crianças da 1a série, com o mesmo nível de leitura e escrita, dos sujeitos do grupo 1 (grupo 2) e 20 crianças da 3 a e 4a séries, com a mesma idade cronológica dos sujeitos do grupo 1 (grupo 3). A hipótese de que o grupo 1 apresentasse escores inferiores nas habilidades metalingüísticas, quando comparado aos outros grupos foi confirmada Não se observou, entretanto, diferença significativa entre os grupos 1 e 2, os quais tiveram um desempenho inferior ao do grupo 3. Conclui-se que as dificuldades em leitura e escrita estão relacionadas, predominantemente, com problemas de natureza fonológica. Por outro lado também lidamos rotineiramente com crianças sem problemas fonológicos (consciência fonológica ou morfológica, uso da codificação fonológica, recuperação rápida pela memória da informação fonológica, amplitude de memória, percepção da fala, seqüências fonológicas complexas etc.) e com bom desenvolvimento na linguagem que podem vir a ter dificuldades durante o processo de alfabetização. Isso sugere que outras variáveis estariam incidindo nesse processo. Vê-se, pois, que as dificuldades de aprendizagem associam-se a outros fatores e perpassam ao longo da vida das pessoas. Além disso, Sisto (2002A) reitera suas colocações, afirmando que há uma forte tendência explicativa atual das dificuldades de aprendizagem. Estas estariam relacionadas a problemas de cunho lingüístico e suas conseqüências, ao estarem associadas ao fracasso escolar, seriam a diminuição da motivação pelo rendimento escolar, da auto-estima, da auto-eficácia e problemas de auto-regulação ou metacognitivos. A maturidade emocional e a dificuldade de aprendizagem na escrita Inúmeros estudos tem sido realizados no intuito de demonstrar até que ponto os fatores emocionais/afetivos Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia corroboram ou não dificuldades de aprendizagem na escrita. Destacaremos, pois, algumas pesquisas que contemplam essa investigação. Sisto e cols. (2002) foram os precursores no estudo da integridade do ego e o desempenho em escrita. Participaram da pesquisa 56 crianças, de ambos os sexos, provenientes de três classes de 1a série do ensino fundamental da cidade de Campinas – SP. Os instrumentos utilizados foram o teste desiderativo e três tipos de ditados, estudados por Gualberto (1984) com quantidades de palavras e níveis de dificuldades também distintos. Os resultados permitiram constatar que os erros no ditado, tanto no que se refere a letras quanto de palavras incompletas estavam relacionados significativamente com o grau de força do ego. Quanto mais forte era o ego da criança, menor era a média de erros no ditado de palavras e letras. Algumas pesquisas recentes (Cruvinel e Boruchovitch, 2003; Enumo, Ferrão, Ribeiro e Dias, 2003) têm destacado que a depressão e a ansiedade não se manifestam isoladamente, mas que vem associadas a outras dificuldades, principalmente a problemas comportamentais e escolares, ocasionando um prejuízo no seu funcionamento psicossocial. Nesse sentido, Pacheco (2003) objetivou averiguar a relação entre variáveis psicossociais e as dificuldades de aprendizagem na escrita. Foram analisadas respostas de 123 crianças da 3 a série do ensino fundamental, pertencentes a quatro escolas da rede pública da cidade de Campinas - SP. Utilizou a escala ADAPE - Avaliação das Dificuldades de Aprendizagem na Escrita - no intuito de detectar as dificuldades de aprendizagem na escrita, além da escala de personalidade para crianças. Os resultados apontaram que os sujeitos dissimulados socialmente, com pontuações mais baixas na escala sinceridade ou dissimulação social (S) apresentaram dificuldade de aprendizagem acentuada na escrita. Dentro de um enfoque em que a interação pessoal também é constituída por percepções e expectativas em relação à(s) outra(s), Schiavoni e Martinelli (2003) investigaram a existência de relação entre o desempenho em escrita de crianças e como essas percebem as expectativas de seus professores. Participaram deste estudo 139 sujeitos, sendo 73 do sexo masculino e 66 do sexo feminino, freqüentando a 3 a série do ensino fundamental. A avaliação do desempenho em escrita foi medida por meio de um ditado padronizado e elaborado (ADAPE) 281 por Sisto (2002a) que detecta as dificuldades mais comuns na escrita de crianças, sendo constituídos três grupos de acordo com o desempenho em escrita. A percepção dos sujeitos em relação ao que pensam ser a opinião de seus professores a seu respeito foi obtida através de um instrumento contendo vinte afirmações, dez positivas, que indicam boa percepção do aluno, e dez que indicam uma percepção negativa, cujas opções de respostas eram sempre, às vezes ou nunca. Os resultados indicaram que quanto pior o desempenho em escrita, mais negativa a percepção que as crianças acreditam terem seus professores a seu respeito. Borges e Martinelli (2003) pesquisaram as possíveis relações entre dificuldades de escrita e a força do ego. Para tal, aplicou-se a escala ADAPE para avaliar a dificuldade de escrita e para avaliar a força do ego, utilizou-se o teste desiderativo. A amostra foi composta por 100 crianças, ambos os sexos, da 3a série do ensino fundamental. Os resultados apontaram que as dificuldades de escrita por erros por palavras e erros por letras estão significativamente relacionados à força do ego. Assim, quanto maior a força do ego maior a dificuldade de escrita e quanto mais bem estruturado o ego se apresenta, melhor desempenho na escrita. Os pesquisadores, contudo, ressaltam que não há como generalizar de que toda criança que possui um ego bem estruturado terá sucesso, uma vez que é sabido que este não se constitui como único fator que interfere no processo de aprendizagem da escrita, sendo necessário considerar a multifatorialidade do fracasso escolar. Sisto e Bartholomeu (2003) procuraram analisar as relações entre a intensidade de problemas emocionais e os erros na escrita. Os participantes foram 88 alunos de classes de 2a série do ensino fundamental de uma escola pública. Foram utilizados o Desenho de Figura Humana e o ADAPE (Escala de Avaliação de Dificuldades de Aprendizagem em Escrita). Os resultados evidenciaram que crianças que apresentam maiores dificuldades na aquisição da escrita, encontram-se acompanhadas por indícios de problemas emocionais. Dificuldades de Aprendizagem, Operações Concretas e a Abertura de Possíveis Yaegashi (1992), Martinelli (1992), Liesenberg (1992), Louro (1993), Sisto e Yaegashi (1994); Silva (1995), Pereira (1995) e Pavanello (1995) foram os precursores na literatura nacional acerca das possíveis relações Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 279-290 282 estabelecidas entre as operações concretas e a formação de possíveis. Yaegashi (1992) objetivou responder ao efeito da abertura para novos possíveis na prova de recorte de quadrados num conteúdo operatório (prova de inclusão de classes). Foi interesse também da autora verificar a estabilidade ou não do conteúdo aprendido. O grupo experimental composto por 4 sujeitos de 6 anos, 3 sujeitos de 7 anos e 3 de 8 anos foi submetido a um processo de intervenção por conflito cognitivo. O intuito foi o de realizar intervenções que desequilibrassem as concepções das crianças. Já o grupo controle não passou por nenhum tipo de intervenção. Os resultados evidenciaram que todos os sujeitos submetidos a um processo de intervenção para aprendizagem dos possíveis na prova de recorte de um quadrado evoluíram para o nível dos co-possíveis. Nenhum dos sujeitos retornou ao nível analógico depois do pós-teste. Não se constatou, entretanto, uma influência muito nítida entre aprendizagem em possíveis e um conteúdo operatório. Apenas dois sujeitos passaram a apresentar o conceito de inclusão de classes e, mesmo assim, demonstraram-no somente algum tempo depois do processo de intervenção. Já o grupo controle não sofreu alteração do começo ao final do experimento. Semelhantemente ao trabalho de Yaegashi (1992), Liesenberg (1992) também objetivou averiguar a possibilidade da ocorrência de aprendizagem por conflito cognitivo na prova formas possíveis de uma realidade parcialmente escondida, e qual a influência desta na aquisição da conservação de líquido. Foram selecionados somente os sujeitos que apresentaram comportamento analógico puro na prova de possíveis e não conservadores na prova de conservação de líquido. Os resultados também evidenciaram a eficácia do processo de intervenção na aquisição de novos possíveis pela criança. Entretanto, a relação entre possíveis e operatoriedade também se mostrou tênue, pois o grupo controle também apresentou progressos na conservação. Logo, não foi possível atribuir tal conclusão à intervenção propriamente dita, mas ao acaso. Além disso, a autora também constatou que nos dois grupos, experimental e controle, quando houve mudança evolutiva em conservação, os dois grupos também atingiram o nível dos co-possíveis no pós-teste retardado. O estudo de Louro (1993) seguiu uma trajetória inversa a das pesquisas anteriormente citadas, uma vez que a autora interviu numa prova de conteúdo operatório Claudia Araújo da Cunha (conservação de massa) e tentou verificar se essa aquisição possibilitaria ao indivíduo manifestar uma abertura aos co-possíveis na prova de posições de três dados sobre um suporte. O grupo experimental foi composto por 11 sujeitos entre 4 a 6 anos e o controle por seis sujeitos na mesma faixa etária. Os resultados do experimento mostraram que os sujeitos que sofreram intervenção no conteúdo operatório apresentaram uma evolução do nível analógico constatado no pré-teste para o nível dos co-possíveis no pós-teste. Tal evolução permaneceu até o pós-teste retardado. Sisto e Yaegashi (1994) trabalharam com a relação da criatividade lógica e de operações concretas. Para tanto, foram utilizadas as prova de conservação de massa, o recorte de quadrados e a posição dos dados. Os resultados apontaram que não houve uma relação de antecedência entre a prova de conservação de massa e de posição dos dados. Nos recortes livres, contudo, a operatoriedade parece sucedê-la enquanto nos recortes livres em dois, recorte em dois iguais, recorte em três e três iguais, sugeriu-se que a presença do nível dos copossíveis não implica em conservação, mas conservar implica em apresentar co-possíveis quaisquer. O estudo realizado por Silva (1995) partiu da hipótese de que a formação de possíveis antecede as operações concretas. O autor trabalhou com dois processos diferentes de intervenção para a aquisição da conservação de massa em sujeitos não conservadores. Uma das técnicas utilizou-se somente do conflito para resolver a conservação e a outra uniu o uso do conflito e possíveis. A primeira técnica caracterizou-se por subtrair ou adicionar pedaços de massa e, a segunda pelo acréscimo de questionamentos quanto à possibilidade de solucionar o problema de outras maneiras ou imaginar outros jeitos de amassar as bolinhas e chegar aos resultados possíveis com a massa, por ele previsto.Foram selecionados 20 sujeitos entre 6 a 7 anos que não apresentavam indício de operatoriedade. Dois grupos experimentais foram formados com 10 sujeitos cada. Os resultados apontaram para uma eficácia maior da intervenção somente com conflito cognitivo, pois esse tipo de intervenção possibilitou o aparecimento da operatoriedade de forma mais rápida que a proporcionada pela intervenção com conflito e possíveis. Isto pode ter sido explicado pelo número de conflitos. Pereira (1995) por sua vez, questionou até que ponto o recorte de quadrados interferiria ou provocaria a Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia seriação operatória. Pesquisou 56 crianças, com idade entre 4,9 a 6,9 anos, de ambos os sexos de uma creche com nível sócio-econômico baixo. Os sujeitos foram prétestados na prova de recorte de quadrados e na seriação de bastonetes. Aqueles classificados como analógicos e ausentes, quanto à criatividade e à operatoriedade formaram o grupo experimental e controle. As intervenções, em número de oito, na forma de conflito cognitivo, terminaram, uma vez alcançado o nível dos co-possíveis. Os resultados evidenciaram que todos os sujeitos do grupo experimental apresentaram evolução em seus níveis. Tal constatação manteve-se no decorrer dos póstestes 1 e 2. Contudo, não houve influência da prova de possíveis sobre o conceito da aquisição de seriação operatória. Somente cinco crianças alcançaram o nível de seriação operatória, o que leva a crer que tal conceito já se encontrava em fase de formação, fazendo parte de um desenvolvimento espontâneo. Pavanello (1995) pesquisou a aprendizagem de possíveis por conflito cognitivo na prova da maior construção de Piaget (1985). Também foi interesse da autora averiguar a influência do procedimento experimental na conservação de comprimento, de área e na evolução da prova de realidade parcialmente escondida. Os sujeitos do grupo experimental apresentaram uma evolução na prova da maior construção no primeiro pósteste. O mesmo não foi encontrado no segundo pós-teste, que demonstrou pouca estabilidade. Na prova de conservação de comprimento ocorreram mudanças positivas nos sujeitos, porém, não foram mudanças uniformes para todos os sujeitos. Com relação à prova de conservação em área, tanto o grupo experimental como o controle manteve-se no nível de não conservação. Na prova de realidade parcialmente escondida não ocorreu evolução em ambos os grupos. A conclusão a que a autora chegou foi que o conflito cognitivo mostrou-se eficaz na melhoria do desempenho dos sujeitos na prova em que foi aplicado como procedimento. Contudo, no que se refere às estruturas operatórias, as mudanças foram atribuídas ao acaso. Em síntese, os autores apontaram que sujeitos, quando submetidos a um processo de intervenção para aprendizagem, seja em provas de criatividade ou em conteúdos operatórios, evidenciaram mudanças de nível cognitivo. Entretanto o que não se pôde afirmar foi a influência clara entre aprendizagem em possíveis e conteúdo operatório. 283 Conflito cognitivo e a formação de possíveis Os estudos de Martinelli (1992; 1998) e Costa (1995) colocaram uma problemática diferente a dos demais autores citados, pois além de terem utilizado o conflito cognitivo como procedimento nas sessões de aprendizagem, procuraram discutir as relações existentes entre duas provas de possíveis. Martinelli (1992) também desenvolveu um modelo de conflito cognitivo com 60 crianças entre 5 e 7 anos, utilizando, especificamente, os recortes livres, a mediação em partes iguais, a multiplicação de possíveis e sua atualização como a única solução correta além da construção de arranjos espaciais e de eqüidistância, na qual a partir de inúmeras possibilidades, o sujeito deveria chegar à solução mais aceitável que seria o círculo, resultando numa variedade, dos possíveis admitidos.Os resultados apontaram para uma alta concentração de sujeitos no nível dos co-possíveis e sua gradativa organização ao possível exigível. Contudo, a autora colocou que devido ao pouco tempo de realização do estudo, não foi possível determinar relações significativas entre aprendizagem em eqüidistância e abertura dos possíveis na prova de recortes. Costa (1995) procurou verificar até que ponto a manipulação de um material é capaz de desencadear o possível dedutível quando os sujeitos são submetidos a um processo de intervenção que se utiliza do conflito cognitivo. As provas utilizadas foram posições possíveis de três dados sobre um suporte e um caso de possível dedutível. Participaram da pesquisa 38 sujeitos entre 5 a 6,8 anos de idade, classificados como analógicos no préteste, que compuseram dois grupos: 16 do grupo experimental e 17 do grupo controle. Os resultados demonstraram que 10 sujeitos do grupo experimental apresentaram movimentação cognitiva e seis sujeitos apresentaram ausência de movimento do pré para o pósteste 2. Na prova posições possíveis de três dados, houve alguma movimentação no grupo controle. Martinelli (1998), mais recentemente, realizou uma pesquisa com o objetivo de verificar se houve relação entre o tempo de intervenção e quantidade de conflito no desempenho de grupos. Fizeram parte desse estudo 77 sujeitos entre 4,7 a 6,8 anos, divididos em quatro grupos. Os dois primeiros grupos foram submetidos a sessões de aprendizagem em apenas uma prova. O primeiro grupo trabalhou com a prova de formas parcialmente escondidas e o segundo grupo em Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 279-290 284 Claudia Araújo da Cunha eqüidistância O terceiro grupo seguiu a seguinte seqüência de aprendizagem: eqüidistância e posteriormente formas parcialmente escondidas. O quarto grupo seguiu a seqüência inversa. Foram encontradas diferenças significativas entre idade e desempenho na prova de realidade parcialmente escondida. Em relação ao tempo e à quantidade de conflito na mesma prova não foram encontradas diferenças entre os grupos. Em eqüidistância, os resultados mostraram alguma diferença com relação ao tempo. As pesquisas apontaram que, a aprendizagem em um conteúdo específico pôde favorecer a aprendizagem em outro conteúdo também de possível. Isto significou que quando alguns conteúdos foram adquiridos, esses podiam facilitar a aquisição de outros. Pôde-se afirmar que houve aprendizagem de formas, além de conteúdos. Partindo da premissa de que a dificuldade de aprendizagem na escrita perpassa por um processo no qual aspectos afetivos, lógicos e de criatividade, dentre outros, podem exercer alguma influência na construção do conhecimento de grupos de crianças, a presente pesquisa objetivou investigar as relações estabelecidas entre a dificuldade de aprendizagem da escrita, o nível cognitivo, formação de possíveis e o nível de maturidade emocional, em sujeitos do ensino fundamental. MÉTODO Participantes Participaram da pesquisa 40 sujeitos, alunos da 2a série do ensino fundamental, de ambos os sexos, sendo 57,5% (n=23) do sexo feminino e 42,5% (n=17) do sexo masculino, de nível sócio-econômico baixo, de duas escolas públicas estaduais da cidade de Uberlândia MG, uma delas periférica e a outra localizada no centro da cidade. Foram aplicados os testes em 10 crianças da escola periférica e 30 da escola no centro da cidade. As crianças da escola periférica tinham idades variando de 7 anos e 6 meses a 8 anos e 3 meses, com média de 7 anos e 11 meses e desvio padrão de 3 meses. As idades das crianças que freqüentam a escola mais central variavam de 7 anos completos a 8 anos e 4 meses, com média de 7 anos e 9 meses e desvio padrão de 4 meses. Instrumentos Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita – ADAPE. (Sisto, 2002a). O texto da escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE) foi construído e validado numa versão mais atual descrita em Sisto (2002a), seguindo alguns critérios como: palavras usuais no cotidiano escolar das crianças; uma mesma palavra poderia conter mais de uma dificuldade; e deveria haver pelo menos um terço de palavras trissílabas e/ou polissílabas. O texto é constituído por 114 palavras, com 60 delas apresentando algum tipo de dificuldade classificada como encontro consonantal, dígrafo, sílaba composta e sílaba complexa, e 54, não. Cada uma das palavras foi considerada um item ou unidade de medida para efeitos de pesquisa. Para a correção dos ditados, cada palavra foi considerada uma unidade e qualquer erro ortográfico ou ausência de palavra foi considerada erro, assim como acentos e letras maiúsculas e minúsculas indevidas, sendo a soma dos erros a pontuação de cada criança. Quanto à classificação: até 20 erros (sem dificuldade de aprendizagem); entre 21-49 erros (início de indicação de dificuldade de aprendizagem); 50-79 erros (dificuldade de aprendizagem leve) e 80 ou mais erros (dificuldade de aprendizagem média). Prova de Conservação de Comprimento A prova de conservação de comprimento originouse da prova intitulada “deformação de linhas a comparar” (Piaget, 1976). Foram utilizados os seguintes materiais: a)quatro palitos de madeira medindo 7 cm de comprimento por 0,8 cm de largura, denominados palitos grandes, e nove palitos pequenos, medindo 4 cm de comprimento por 0,8 cm de largura, denominados palitos pequenos, b) uma folha de registro elaborada para esta prova. Nela foram anotadas as respostas de cada sujeito e o tempo de duração.Quanto aos critérios de classificação da prova, três tipos de respostas foram considerados: a) ausência de conservação, quando os sujeitos não afirmaram a igualdade das retas; b) reações intermediárias: quando as crianças oscilavam entre a conservação e a nãoconservação e c) resposta de conservação, quando o sujeito coordenou as operações de partição e de colocação ou deslocamento. A aplicação do teste foi de aproximadamente 10 minutos. Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia Prova de Posições Possíveis dos Dados A prova de posições possíveis dos dados utilizou os seguintes materiais: a) três dados de papelão coloridos, b) dois suportes de papel duro, nas formas triangular e circular, c) uma folha de registro elaborada para esta prova.A criança era classificada no nível IA (possível analógico mais elementar) quando trabalhava com pequenas variações e dentro de uma só família. Quando apresentava maiores variações e até duas famílias, era considerada intermediária (IB, possível analógico mais avançado). O nível II (co-possíveis) caracterizava-se quando as variações eram marcantes e havia presença de pelo menos três famílias de possíveis. Para o nível III (co-possíveis quaisquer) era necessário que a criança aceitasse que não havia limite nas formas de colocar os dados, isto é, sempre poderia ter mais um jeito diferente de colocar os dados. O tempo de duração da prova foi de aproximadamente 10 minutos. Teste Projetivo de Apercepção Temática Infantil Humano (CAT-H) O Teste Projetivo de Apercepção Temática Infantil Humano (CAT-H) confeccionado por Bellak e Bellak (1965) foi realizado mediante a apresentação de dez pranchas com figuras humanas, no qual cada criança deveria elaborar uma breve história com base na cena representada por cada uma das pranchas. Essas histórias deveriam conter os sentimentos e pensamentos dos personagens, o que gostam de fazer e o que estava acontecendo com eles em cada cena apresentada.A análise interpretativa está dividida em dez variáveis, quais sejam, tema principal; herói; quais as figuras são visualizadas e, diante delas, como a criança reage; qual a concepção de mundo; figuras, objetos e circunstâncias externas introduzidas; objetos ou figuras omitidos; natureza das ansiedades; conflitos significativos; severidade do superego; integração do ego (nível de maturidade emocional). Nesta última, avalia-se o nível de maturidade da criança, caracterizando-a como aquém, dentro do esperado ou além, de acordo com a idade da mesma. A atribuição de escores seguiu critério de Cunha, Freitas e Raymundo (1993). O escore zero foi atribuído na ausência de resposta ou quando a criança não conseguia cumprir a tarefa; ou seja, quando a verbalização, se existente, era muito rudimentar e a criança ou se limitava a apontar ou a enumerar um item, ou no máximo, dois itens, mas de forma não adequada. 285 O escore 1, quando a verbalização se restringia à enumeração adequada de pelo menos dois itens, presentes na gravura estímulo. O escore 2, quando a verbalização se limitava, no máximo, a uma descrição simples, com inclusão de uma ação (ou de ações com significado idêntico), justificada pelo estímulo. O escore 3, quando a verbalização era uma descrição mais elaborada, constituída por uma justaposição de ações, justificadas pelo estímulo, sem estabelecer uma seqüência temporal. O escore 4, quando havia uma tentativa de estabelecer uma seqüência temporal, sugerida pela mudança no tempo dos verbos, uso de advérbios de tempo ou estabelecimento de relação de causa e efeito. O escore 5, quando existia uma seqüência temporal nítida, mas baseada num referencial externo, em rotina de vida diária (doméstica ou institucional). O escore 6, quando ocorria uma seqüência temporal nítida, que não dependia de um referencial externo de caráter rotineiro, sendo possível reconhecer início, meio e fim. Procedimento A aplicação dos testes foi feita em duas etapas. Primeiramente, foi aplicado o ditado proposto por Sisto e cols. (2002), realizado na própria sala de aula. Depois em sala apropriada, foram aplicados a prova de conservação de comprimento, a prova posições possíveis dos dados sobre um suporte e o teste CAT-H, administrados individualmente. A aplicação do ditado foi feita pela professora da classe de 2a série, juntamente com um experimentador, depois de instruída para informar aos alunos que eles iriam fazer um ditado. A professora informou também aos alunos que cada palavra seria ditada uma única vez e nenhuma delas seria repetida e, por isso, precisariam prestar bastante atenção. A prova de conservação de comprimento foi iniciada colocando-se quatro palitos grandes alinhados em uma reta, construída pelo experimentador. A reta que a criança construísse deveria conter sete palitos pequenos para que ficasse do mesmo comprimento que a reta do experimentador. Em seguida, foram feitas mais quatro transformações, solicitando à criança que dissesse se existe igualdade no comprimento das duas estradas, acrescentando-se o pedido para que a criança justificasse sua resposta. A prova posições possíveis dos dados foi iniciada quando se escolhia um dos suportes e solicitava-se à Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 279-290 286 Claudia Araújo da Cunha criança que colocasse os dados em cada um dos suportes da forma que quisesse. Em seguida, solicitava-se que colocasse de outra maneira, até que a criança afirmasse que tinham-se esgotado as possibilidades ou que poderia ser colocado de infinitas maneiras. As instruções dadas para a aplicação do CAT-Humano foram as seguintes: “Hoje iremos brincar de contar histórias. Você as contará olhando um desenho e nos dirá o que está acontecendo e o que as pessoas estão fazendo”. RESULTADOS Os resultados obtidos estão nas Tabelas 1, 2, 3 e 4. Todos esses dados foram computados. A Tabela 1 ilustra a classificação de acordo com os erros cometidos pelas crianças na Escala de Avaliação das Dificuldades de Aprendizagem na Escrita - até 20 erros (sem dificuldade de aprendizagem); entre 21-49 erros (início de indicação de dificuldade de aprendizagem); 50-79 erros (dificuldade de aprendizagem leve) e 80 ou mais erros (dificuldade de aprendizagem média). A Tabela 2 ilustra os critérios de classificação da Prova de Conservação de Comprimento. Três tipos de respostas foram considerados: ausência de conservação, quando os sujeitos não afirmaram a igualdade das retas; reações intermediárias: quando as crianças oscilavam entre a conservação e a não-conservação e resposta de conservação, quando o sujeito coordenou as operações de partição e de colocação ou deslocamento. A Tabela 3 ilustra o nível de maturidade da criança, caracterizando-a como aquém, dentro do esperado ou além, de acordo com a idade da mesma. As respostas das crianças obedecem a alguns critérios, de acordo com Cunha e colaboradores (1993), assim como uma atribuição de escores, indo de 0 a 6 pontos. Tabela 1: Classificação dos participantes por escola no ADAPE. Participantes nº de erros até 20 erros Escola Central Escola Periférica Categoria 00 00 cat 0 21 a 49 erros 11 00 cat 1 50 a 79 erros 19 08 cat 2 80 ou mais 00 02 cat 3 Tabela 2: Classificação dos participantes por escola na Prova de conservação de comprimento Participantes Classificação Não conservadora Escola Central Escola Periférica 04 04 Intermediária 19 06 Conservadora 07 00 Tabela 3: Classificação dos participantes por escola quanto ao nível de maturidade no Teste CAT-H Participantes Classificação Aquém do esperado Escola Central Escola Periférica 11 01 Dentro do esperado 13 08 Além do esperado 06 01 Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia A Tabela 4 ilustra a classificação das crianças na Prova de Posições Possíveis dos Dados sobre um Suporte: a criança era classificada no nível IA (possível analógico mais elementar) quando trabalhava com pequenas variações e dentro de uma só família. Quando apresentava maiores variações e até duas famílias, era considerada intermediária (IB, possível analógico mais avançado). O nível II (co-possíveis) caracterizava-se quando as variações eram marcantes e havia presença de pelo menos três famílias de possíveis. Para o nível III (co-possíveis quaisquer) era necessário que a criança aceitasse que não havia limite nas formas de colocar os dados, isto é, sempre poderia ter mais um jeito diferente de colocar os dados 287 no ditado, conservação de comprimento, aos escores obtidos no teste CAT e ao nível de criatividade, foi aplicado o Coeficiente de Correlação por Postos de Spearman (Siegel, 1975), aos valores das variáveis, combinados dois a dois. O nível de significância foi estabelecido em 0,05, em uma prova bilateral. Os resultados estão demonstrados na Tabela 5. Foi encontrada uma correlação positiva estatisticamente significativa entre as variáveis “conservação do comprimento” e “criatividade”. Isto indica que, à medida que os valores de uma das variáveis aumentam, os da outra aumentam, também. Com o objetivo de verificar a existência ou não de diferenças significantes entre os resultados obtidos pe- Tabela 4: Classificação dos participantes por escola na Prova das posições dos dados sobre um suporte Participantes Escola Central Escola Periférica Classificação IA 04 02 IB 16 05 II 10 03 III 00 00 Tabela 5: Valores de r e das probabilidades de ocorrência a eles associadas, obtidos quando da aplicação do Coeficiente de Correlação por Postos de Spearman aos resultados relativos às variáveis analisadas Variáveis Analisadas Idade x erros Valores de r -0,21 Probabilidades 0,54 Idade x conservação - 0,07 0,84 Idade x escores CAT 0,12 0,73 Idade x criatividade - 0,12 0,73 Erros x conservação - 0,21 0,55 Erros x escores CAT - 0,26 0,45 Erros x criatividade 0,15 0,66 Conservação x escores CAT 0,44 0,20 Conservação x criatividade 0,69 0,02* Escores CAT x criatividade 0,25 0,48 (*) p < 0,05 Com interesse em verificar a existência ou não de correlações significantes entre os resultados relativos às idades das crianças, ao número de erros cometidos los alunos das duas escolas estaduais, sendo uma periférica e outra mais central, foi aplicado o teste U de Mann-Whitney (Siegel, 1975), aos valores relativos às Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 279-290 288 Claudia Araújo da Cunha Tabela 6: Valores de U e das probabilidades a eles associadas, obtidos quando da aplicação do teste de Mann-Whitney aos resultados com alunos de duas diferentes escolas, relativos às variáveis analisadas. Variáveis Analisadas Idade Valores de U 105 Probabilidades 0,15 Erros do ditado 48 0,00* Conservação do comprimento 89 0,02* Escores teste CAT 104 0,13 Nível de criatividade 139 0,70 (*) p < 0,05 idades das crianças, aos erros do ditado, à conservação do comprimento, aos escores do teste CAT e ao nível de criatividade.O nível de significância foi estabelecido em 0,05, em uma prova bilateral. Os resultados estão demonstrados na Tabela 6. De acordo com os resultados demonstrados na Tabela 6, foram encontradas diferenças significantes entre as variáveis “erros do ditado” e “conservação do comprimento”, sendo que os resultados mais elevados foram os relativos aos alunos da escola estadual localizada na região mais central da cidade de Uberlândia – MG. DISCUSSÃO Os resultados da pesquisa evidenciaram que a maioria dos sujeitos (n = 25) apresentaram-se intermediários no teste de conservação de comprimento, 27 crianças apresentam início de indicação de dificuldade de aprendizagem na escrita e 21 crianças no nível analógico mais avançado na abertura para novos possíveis, encontrando-se, também, dentro do esperado, segundo o nível de maturidade emocional. Tais dados demonstraram que nas quatro provas aplicadas, mais da metade dos sujeitos experimentais encontraram-se num nível de classificação posterior ao mais elementar. Ou foram sujeitos classificados como intermediários na prova de conservação de comprimento, ou num nível IB na prova posições possíveis dos dados, ou dentro do esperado, emocionalmente, para a faixa etária ou com indícios de dificuldade de aprendizagem na escrita. Isso demonstra que a maioria dos sujeitos não se encontrava no nível mais preliminar de classificação mas também não atingiram um nível de desenvolvimento mais avançado a partir da aplicação dos testes já mencionados. Com relação à correlação positiva encontrada entre as variáveis conservação de comprimento e posições possíveis dos dados, é interessante destacar o fato de que quanto mais as crianças mostraram-se criativas, também demonstraram um nível de desenvolvimento cognitivo mais elaborado, isto é, com respostas de conservação. Sisto (2000) realça tal constatação quando coloca que aos poucos, a criança antes dominada por uma pseudonecessidade, qual seja, a de que a continuação de uma figura de um círculo encoberta pela metade, necessariamente tem que ser um círculo, começa a abrir-se para outros possíveis jeitos de terminar a figura que não seja círculo, e essas aberturas marcam o advento do pensamento operatório concreto. Começa, então, a se desvincular de pseudo-impossibilidades. Já com relação à correlação positiva observada entre as variáveis erros do ditado e conservação do comprimento, a escola estadual localizada no centro da cidade foi a que apresentou o maior número de erros no ditado, evidenciando, pois, indícios de dificuldade de aprendizagem na escrita e/ou dificuldade de aprendizagem leve. Em termos de operatoriedade, foi possível notar que essa mesma escola apresentou índices significativos de sujeitos classificados como conservadores no conteúdo conservação de comprimento. Isso demonstrou que apesar da ocorrência de dificuldades de aprendizagem na escrita, não houve evidência de ausência de operatoriedade. A noção de conservação não apresentou uma relação direta com a ausência de dificuldade de aprendizagem. Com relação aos erros cometidos no ditado e os níveis de criatividade e operatoriedade também não foi possível detectarmos correlações positivas, o que demonstra que um indício de dificuldade de aprendizagem na escrita e/ ou uma dificuldade de aprendizagem leve não suscita Escrita, maturidade emocional, operatoriedade e criatividade num grupo de crianças de Uberlândia 289 necessariamente níveis de criatividade precários e ausência de operatoriedade em dado conteúdo. Tal constatação corrobora as colocações de Rossini e Santos (2002) de que o fracasso escolar tem sido um dos temas mais discutidos e explorados pela literatura científica, sendo possível constatar que, apesar de não se tratar de uma questão nova, trata-se de uma questão não resolvida, uma vez que inúmeras variáveis podem contribuir com o bom andamento do processo de aprendizagem, sejam fatores ditos afetivos-emocionais, ambientais, orgânicos e culturais. Scoz (1994) afirma que contribuições de diversas áreas do conhecimento tais como a Antropologia, Sociologia e Lingüística vem tentando explicar as dificuldades de aprendizagem num âmbito mais geral, evitando, assim, a medicalização dos problemas de aprendizagem bem como ênfases exageradas na repercussão dos aspectos afetivos da aprendizagem. Podemos afirmar, assim, que inúmeros aspectos, de fato podem estar relacionados a problemas circunstâncias e, por vezes, mais duradouros de aprendizagem. Mas qual a intensidade de tais sintomas frente ao processo ensinoaprendizagem? Como se manifestam? Sabe-se que a incidência de aspectos emocionais no processo ensino-aprendizagem ocorre com uma certa freqüência, porém, a presente pesquisa não constatou dados correlacionais significantes da variável maturidade emocional e os erros no ditado, o nível de criatividade bem como a operatoriedade nesse grupo de crianças por ora estudado. Isso pode ser explicado pela maioria dos sujeitos encontrar-se num nível de maturidade dentro do esperado para sua faixa etária. Nesse sentido, Sisto (2002a) destaca a existência de uma interação entre fatores sociais, educativos e individuais como possíveis explicações para as dificuldades de aprendizagem. Assim, faz-se mister realçar que apesar dos inúmeros estudos e pesquisas que abordam as dificuldades de aprendizagem como um processo mais amplo, muitas das vezes, a culpabilização pelo fracasso ainda se encontra na criança/aluno. Esses e outros questionamentos continuam a nos instigar: Até que ponto somos colaboradores passivos frente à explicação organicista do problema de aprendizagem? Cabe-nos investigar que se assim o fosse, não encontraríamos crianças que apesar de participarem de interações que envolvem fatores sociais, educativos e individuais bastante precários, aprendem rápida e facilmente a escrever muito bem (Sisto, 2002a). Outros estudos devem ser feitos nesse sentido, levando-nos a investigar segmentos, por vezes, negligenciados e, portanto, pouco explorados pela literatura vigente. Referências Cruvinel, M. & Boruchovitch, E. (2003). Sintomas da depressão infantil e o uso de estratégias de aprendizagem. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), XXXIII Reunião da Sociedade Brasileira de Psicologia, Resumos (p. 202). Belo Horizonte: SBP. Enumo, S.R.F., Ferrão, E.S., Ribeiro, M.P.L. & Dias, T.L. (2003). Ansiedade e depressão e suas relações com o desempenho acadêmico de alunos do ensino fundamental de Vitória - ES. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), XXXIII Reunião da Sociedade Brasileira de Psicologia, Resumos (pp. 213-214). Belo Horizonte: SBP. Gualberto, I. (1984). Repetência escolar na primeira série do 1o grau. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Educação, Campinas-SP. Guimarães, S.R.K. (2003). 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Para tanto, a pesquisa explicita determinados aspectos relacionados à rotina de sala de aula, bem como descreve determinados dilemas presentes nos contextos em que os registros são produzidos. Utilizando-se de uma perspectiva etnográfica, o pesquisador valeu-se de um ano de observação participante em sala-de-aula, em uma sala de primeira série do Ensino Fundamental, bem como da análise dos cadernos produzidos pelos alunos. Neste período, foram observadas as regras para a utilização dos cadernos escolares: cópia do que está escrito na lousa, organização dos conteúdos, utilização da borracha, seqüência das atividades, dentre outras. Observou-se que os cadernos são instrumentos de controle do professor sobre a criança e dos pais sobre o trabalho do professor e do estudante, tendo os bilhetes como exemplo. Observou-se ainda que os cadernos pouco expressam os dilemas e o contexto no qual tais registros são produzidos. Assim, se os cadernos forem analisados apartados do contexto de sua produção, ter-se-á uma visão, muitas vezes, negativa a respeito do desempenho de aluno iniciantes. Palavras chave: Cadernos escolares; Etnografia; Ensino fundamental. NOTEBOOKS: HOW THINGS ARE REGISTERED IN THE SCHOOL CONTEXT Abstract This paper aims to discuss about one of the most traditional modality of record in the school process: the notebook. For this reason, the research demonstrates some important aspects that occur in the school daily work and also describes some kinds of dilemmas present in the school context in which these reports had been done. From an ethnographic perspective, the fieldwork had some procedures such as: participant observation during one year inside the classroom and the analyses of notebooks. Many rules for using the notebook were observed during this year: to copy many words from the blackboard; to organize the issues; to use the rubber; to make the correct sequence of the activities, and so on. The notebooks are important instruments of control from the teacher to the students and from the parents to the teacher and the student. They don’t express sufficiently the dilemmas and the context in which the records are produced. When the notebooks are separated from the context in which they are produced, they will make us draw negative impression about the students’ performance. Keywords: Notebooks; Ethnography; Elementary school. INTRODUÇÃO Cadernos Escolares: como e o que se registra no contexto escolar Os cadernos são instrumentos didáticos presentes nas várias etapas da escolarização, desde a pré-escola até a pós-graduação. Certamente, em cada uma dessas etapas, difere a utilização que se faz desse material, assim como diferem as finalidades e os significados que 1 os cadernos assumem para alunos e professores. Ainda assim, é evidente que é um instrumento didático bastante presente, utilizado e que exerce influências no modo como se organizam ações e relações no contexto de ensino. Sendo os cadernos tão constantes e importantes, revela-se surpreendente o fato de haver, até o momento, poucos trabalhos dedicados a estudá-los. Doutoranda no Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 2 Professora Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Projeto Financiado pela FAPESP 292 Os cadernos escolares, à medida que são utilizados nas escolas, tornam-se registros de parcela do cotidiano e das relações do contexto de ensino. Porém, não são objetos neutros que unicamente registram aquilo que se passa. Também imprimem, ao cotidiano escolar, especificidades relativas ao seu uso. Implicando na exigência e domínio de alguns saberes bastante específicos ao seu manuseio e preenchimento (Gvirtz, 1997, 1999). Para se utilizar os cadernos é preciso saber que há margens, nas quais nada deve ser escrito, que o preenchimento das folhas deve obedecer às seqüências temporal e de realização das tarefas. Também devem ser aprendidas convenções de comunicação utilizadas por professores para indicar a avaliação das atividades realizadas. Assim sendo, a iniciação no uso dos cadernos prescinde a aprendizagem de um conjunto de regras, convenções e procedimentos. Inseridos desta forma no cotidiano de ensino, os cadernos fazem parte da cultura escolar, entendida como ‘conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos’ (Julia, 2001, p.15), e simultaneamente tornam-se registros de como esta se revela na prática. Dessa forma, considera-se fundamental, para o aprimoramento das práticas pedagógicas, que se conheça como os cadernos se inserem no contexto educacional, a fim de que possam ser identificadas e planejadas estratégias que potencializem a utilização deste importante recurso didático. As pesquisas na área de educação que utilizam os cadernos como fonte de informações para compreender aspectos do cotidiano escolar também carecem de informações sobre esses materiais. Especialmente pesquisas de caráter histórico, cujas possibilidades de acesso direto aos eventos e atores que constituem seus objetos de estudo são dificultadas, têm mais recentemente se valido dos cadernos e de outros materiais escolares (Nóvoa, 1993). No entanto, para que haja a eficiente utilização dos registros em pesquisas, é importante que se saiba mais a respeito do contexto em que tais fontes de informação são elaboradas. Para que se conheça melhor as informações registradas nos cadernos e para que melhor se possa apreender os processos escolares por meio destes documentos, é fundamental conhecer sobre a forma como são produzidos, como se inserem no cotidiano escolar e como são utilizados. Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza MÉTODO Fonte Etnográfica Com a intenção de melhor compreender o que permanece registrado, e sobre aquilo que não chega a ser registrado nos cadernos, foram privilegiadas estratégias que permitissem reconstruir a história desses materiais escolares, desde o momento em que começam a ser preenchidos e ocupados por conteúdos. Para isso, a etnografia, que tem como uma de suas funções mais importantes documentar a realidade não documentada (Ezpeleta, 1989), foi a perspectiva teórico-metodológica eleita. Outra peculiaridade desta forma de construção de teoria e conhecimento sobre contextos educacionais é a busca por caracterizar uma cultura e as significações que atos, rituais ou objetos, assumem para os seus atores (Geertz, 1987). Como o foco desta pesquisa centrou-se nos alunos, foi dada ênfase a ouvi-los a respeito de seus cadernos, ou seja, foi dada voz aos que preponderantemente preenchem os cadernos, tornando-os registros da sua escolarização. Dessa forma, procurou-se conhecer os significados que os alunos atribuem a esses objetos. Para tanto foram fundamentais os conceitos de cotidiano e não cotidiano, conforme definidos por Agnes Heller (1994). A autora define a vida cotidiana como a vida de todo homem, do homem inteiro, na qual ‘colocam-se ‘em funcionamento’ todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias’ (Heller, 2000, p. 17). Fundamental seria atentar, também, para as ações que representam descontinuidades, para as soluções criativas, para momentos em que haja investimento mais homogêneo das capacidades, dos sentidos e da reflexão. Seriam os momentos em que há um distanciamento do cotidiano e uma aproximação do não cotidiano. Situação e Local A escolha da primeira série fundamentou-se no objetivo de estudar a gênese do uso dos cadernos escolares. Atualmente, com a tendência de que a alfabetização seja iniciada na pré-escola, cada vez mais cedo os cadernos têm sido introduzidos no dia-a-dia das crianças. No entanto, não era este o caso na escola escolhida para o desenvolvimento da pesquisa. A maioria das crianças, vindas das classes populares, encontrava- Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar? se, pela primeira vez, diante de materiais especificamente escolares, destacando-se os cadernos. A escola era uma conquista recente do bairro. Em 1997, após reivindicações populares, foram instalados dois contêineres que constituíram a escola em caráter emergencial. As condições eram precárias e a própria comunidade se organizava para fazer a limpeza e providenciar a merenda. As melhoras nas condições físicas foram gradativas e em 2000 a escola contava com 6 salas de aula, salas administrativas, pátio coberto e um campo de futebol improvisado. O prédio definitivo da escola, construção moderna e espaçosa, foi disponibilizado em julho de 2000 e para lá foram transferidas todas as atividades. Dessa forma, a pesquisa foi iniciada no prédio provisório e finalizada no prédio definitivo da escola. A professora da sala de aula era Ana (nome fictício, assim como todos que foram mencionados). Uma professora bastante jovem que iniciava o seu segundo ano de carreira docente. Nunca havia trabalhado com a primeira série e teve, em 2000, sua primeira experiência com a alfabetização. Mais de metade dos alunos não havia cursado pré-escola, tendo sido, portanto, naquele ano, iniciados na cultura escolar e nas formas propostas por essa cultura para o uso do caderno. Uma das estratégias utilizadas para a realização da pesquisa foi o acompanhamento das aulas pela pesquisadora, que ia a campo portando um caderno, tal como fazem os alunos. Nesse caderno buscou anotar aquilo que ocorria na sala, nos vinte e nove dias de aula acompanhados ao longo de todo o ano letivo. As informações recolhidas eram posteriormente acrescidas das demais informações de que se podia recordar a pesquisadora. O fato de utilizar um caderno em seu trabalho de campo, deixou de ser um mero detalhe metodológico, mas passou a ser um facilitador na relação e na identificação com os alunos, que por vezes ficavam confusos quanto ao papel exercido pela pesquisadora, ora associavam-na à professora e, mais freqüentemente, incluíam-na no grupo de alunos. Tal proximidade com os alunos, bem como a boa relação com a professora, facilitaram a ocorrência de entrevistas com os alunos na própria sala de aula. Essa possibilidade, não prevista inicialmente, ocasionou mudanças na condução dos procedimentos metodológicos. Se, inicialmente, pretendia-se realizar as entrevistas em grupos e fora da escola, optou-se por prosseguir realizando-as ao longo das observações em 293 sala de aula. Tais entrevistas pautavam-se sobre os cadernos e os fatos relacionados a estes materiais escolares. Ocorriam de modo bastante informal, durante o transcorrer das aulas, fornecendo informações importantes para o esclarecimento de eventos e para o levantamento dos significados que os cadernos assumiam para os alunos ao longo do ano. A troca de informações com a professora Ana foi outro recurso bastante útil e que ocorreu com certa freqüência. As conversas ocorriam sempre na própria escola, em geral na própria sala de aula e tiveram duração variável, dependendo do tema sobre o qual versava a conversa, e das possibilidades circunstanciais existentes. Eram diálogos entrecortados, Ana falava ou ouvia enquanto dava recomendações ou atendia os alunos que a procuravam. Apesar das condições adversas, essa forma de obter informações, com alunos e professora, revelou-se bastante interessante por haver a possibilidade de conversar sobre situações ocorridas num tempo muito próximo. Quando o tema referia-se a algo ocorrido em sala de aula, havia a possibilidade de que os informantes se remetessem a objetos presentes, que pudessem mostrar à pesquisadora como a situação havia ocorrido. Dessa forma, os relatos ganhavam riqueza de detalhes que não poderia ser obtida em uma entrevista feita posteriormente. Após o encerramento do ano letivo e, conseqüentemente, do trabalho de campo, foram recolhidos alguns cadernos. Posteriormente o conteúdo destes forneceu elementos que auxiliaram na realização da análise das informações recolhidas em campo. RESULTADOS E DISCUSSÃO A presença dos cadernos na sala de aula Os cadernos escolares são um dos recursos didáticos mais freqüentemente utilizados nas escolas. De modo geral, nos anos iniciais de escolarização, servem especialmente a funções planejadas pelos docentes e nas séries mais avançadas passam a ter seu uso pelos alunos mais livre. Na sala de aula acompanhada, o uso dos cadernos era constante. Estava previsto na quase totalidade das atividades. Na maioria das vezes, o uso dava-se para a realização de cópias de conteúdos apresentados na lousa. Elizarrarás (1990), que estudou a utilização da lousa em Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 291-302 294 uma série inicial, ressalta que a atividade de cópia da lousa é um dos importantes aprendizados da primeira série. Os próprios alunos reconheciam o caderno, prioritariamente, como um suporte para a realização de cópias. A frase de um dos alunos, dita à pesquisadora enquanto esta fazia anotações de campo em seu caderno, é representativa dessa concepção. “Me aproximo do grupo de Vivian e Eduardo, fico agachada ao lado da mesa escrevendo em meu caderno de anotações, (…) Vivian me pergunta: ‘De onde você está copiando? Respondo que não estou copiando”. A desenvoltura dos alunos nas atividades de cópia variava imensamente. Enquanto alguns realizavam esta tarefa de modo rápido e preciso, outros alunos necessitavam de grandes períodos para a realização da cópia de pequenos conteúdos. A demora, bem como a diferença de ritmos entre os alunos da sala, para fazer cópias da lousa, levou Ana a adotar uma estratégia que facilitou sensivelmente a realização de exercícios: a utilização de folhas mimeografadas. Nas tais ‘folhinhas’ eram apresentados exercícios a serem realizados, cabendo ao aluno apenas preenchê-los com as respostas. Ainda neste tipo de tarefa os cadernos assumiam importante papel, dado que era nestes materiais que, depois de preenchidas, as folhinhas deveriam ser coladas. O caderno enquanto instrumento de controle pedagógico e social Desde sua origem, os cadernos estiveram associados ao controle nas instituições educacionais. O escolanovismo, que enfatizou e defendeu utilização de cadernos escolares em larga escala, preconizava a padronização do conteúdo destes materiais, a fim de que o diretor da escola pudesse ter acesso, a partir de qualquer exemplar, àquilo que era realizado na sala de aula. Na escola em que se realizou a pesquisa tal controle também se apresentava, ainda que de forma diversa. Devalle de Rendo e Perelman de Solarz, (conforme citado por Gvirtz, 1999) referem-se ao caderno da seguinte forma ‘articula uma rede de relações servindo ao controle mútuo que, por sua vez, conduz ao autocontrole’ (p.13). Todos se sentem vistos através do caderno. O controle, exercido conforme descrito por Foucault (1987), visa “fabricar” indivíduos potencializando a força desses, controlando minuciosamente as operações dos corpos para dominá-los, torná-los úteis e obedientes. ‘O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar; um aparelho onde as técnicas que per- Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza mitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem visíveis aqueles sobre quem se aplicam’ (Foucault, 1987, p. 143) Os cadernos prestam-se bem a serem esses instrumentos de vigilância. Controle e avaliação dos alunos pelos professores Controlar e obter informações sobre o aluno são instâncias que muitas vezes se confundem e se sobrepõe na prática do professor. Àquele que observa, vigia e controla é dada a possibilidade de constituir um saber sobre aquele que é controlado (Foucault, 1987). Dessa forma o caderno, que serve como registro de boa parte das atividades desenvolvidas em sala de aula pelos alunos, cumpre fortemente a função de proporcionar o controle e o conhecimento, por parte do professor, daquilo que o aluno faz. Pelas páginas desse material escolar é possível identificar o que foi e o que não foi realizado, de que forma foi feito, quais foram os erros e os acertos. Até mesmo as correções e o uso da borracha deixam marcas que podem ser identificadas. Ainda que outros materiais prestassem-se à avaliação, na classe pesquisada, eram os cadernos que no dia-a-dia eram vistos e utilizados para o acompanhamento tanto dos pontuais avanços e retrocessos, referentes a pequenas mudanças de desempenho, quanto das mais significativas aquisições de conhecimento. Também era a partir dos cadernos que a professora formava uma idéia de qual seria o desempenho esperado para cada criança. Qualquer atividade que se diferenciasse significativamente disso era vista com suspeição, como não sendo produção do próprio aluno. “Isabel foi até a frente da sala mostrar a Ana o que havia feito. Após olhar o caderno, Ana diz: ‘Você copiou de alguém, você não sabe escrever... Copiou de alguém que ainda nem sabe direito... Eu sei como cada um aqui escreve”. O caderno é fonte de informações que possibilita ao professor formular não somente hipóteses relativas à aprendizagem, mas também relativas à personalidade do aluno, e ao modo como estes se relacionam com o saber e com a escola. A não realização de uma atividade freqüentemente levava a professora a atribuir razões e justificativas intrínsecas aos alunos, tais como: falta de interesse ou motivação, não gostar da escola, ser preguiçoso. Pergunto a Ana sobre Severino. Ela diz não saber o que acontece com ele: ‘Não faz, não gosta de estar Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar? aqui, não queria estar aqui’. Sempre que Ana olha, o seu caderno está em branco. O controle hierarquizado Ainda que os cadernos pertençam aos alunos e sejam, primordialmente, preenchidos por eles, não somente o trabalho discente é controlado por meio destes materiais. O caderno também é espaço de registro daquilo que é ensinado e da interação entre professores e alunos. Na escola onde foi realizada a pesquisa, o trabalho dos professores era controlado, pela coordenação pedagógica, por meio de dois tipos de cadernos: os dos aluno e os dos próprios professores. O conteúdo dos cadernos dos alunos dava informações à coordenadora que estabelecia hipóteses sobre se os alunos estavam compreendendo aquilo que o professor ensinava; a aparência informava sobre o quanto o professor valorizava o cuidado destes materiais. Os seja, o caderno dos alunos era associado à possibilidade de acesso ao trabalho do professor, bem como aos efeitos deste sobre o desempenho dos alunos. Todos os professores da escola deveriam ter seus próprios cadernos, nos quais deveriam ser registradas todas as atividades desenvolvidas em sala de aula. Tais materiais eram verificados e avaliados pela coordenação, tal qual fazem os professores com os seus alunos. A coordenadora relatava utilizá-los para constatar a realização do planejamento de aulas. Além disso, o caderno de Ana, revelava a valorização da organização e da estética, representada pelo mesmo modelo de comunicação tão comumente utilizado pelos professores nos cadernos de seus alunos: os “bilhetes”. Também a professora recebia bilhetes de sua coordenadora. Tais comunicações ora elogiosas, ora indicadoras de falhas avaliavam e/ou comentavam sobre seu caderno. O controle mútuo entre pais e professor Os cadernos atuam fortemente na relação entre a escola e os pais de alunos. São materiais que transitam diariamente entre a escola e a casa dos alunos, levando e trazendo informações. E, em especial no caso de escolas que mantém restritas possibilidades de acesso e comunicação entre pais e professores, são os cadernos que possibilitam às famílias o acompanhamento das atividades desenvolvidas no dia-a-dia da sala de aula. Durante o acompanhamento da classe foi possível identificar aspectos observados pelos pais nos cadernos de seus filhos. Em geral, era com o intuito de reclamar e de 295 mostrar insatisfação que os pais comunicavam aquilo que viam. As observações dos pais referiam-se basicamente ao conteúdo e quantidade de registros e aos procedimentos adotados pela professora. Por exemplo, o pai de Severino reclamava que no caderno de seu filho havia “coisas que nem letras são”. A mãe de Rebeca se queixava que havia pouco conteúdo, apenas encontrava datas no caderno de sua filha. Alguns pais pediam à professora, que usava letras de forma para alfabetizar, que utilizasse também letras manuscritas, outros solicitavam correção diária das atividades. Ana não considerava justas as considerações feitas pelos pais dos alunos em relação ao seu trabalho, sentiase cobrada ora por não trabalhar o suficiente, ora por não ser competente. Alegava que muitas das atividades desenvolvidas em sala de aula não implicavam na utilização de cadernos e, portanto, não resultavam em nenhum tipo de registro. Quanto às correções diárias dos cadernos, a professora considerava não haver tempo para isso. Ainda que Ana não concordasse com aquilo que os pais alegavam, mudou seus procedimentos. Declarou, ao meio do ano: “às vezes eu mudo tudo o que estou fazendo para dar conta do que o pai está pedindo.” Passou a indicar, nas tarefas dos alunos, aquilo que estava certo e o que estava errado; adotou o uso de comunicações escritas – chamadas de bilhetes – para indicar quando uma atividade não havia sido realizada ou não havia sido concluída; passou a fazer avaliações gerais dos conteúdos dos cadernos como um todo. Ou seja, o controle do trabalho pedagógico exercido pelos pais, por meio dos cadernos, exercia efeitos sobre o modo como transcorriam as atividades didáticas, sobre os procedimentos da professora, bem como sobre a relação desta com seus alunos. As motivações para que tais alterações fossem adotadas escaparam ao registro dos cadernos, no entanto seus efeitos puderam ser identificados. Também procedimentos dos pais em relação à escolarização de seus filhos podem ser mediados pelos cadernos, deixando em algumas situações registros que podem ser encontrados nesses materiais. Os cadernos dão indícios sobre como os pais acompanham a escolarização dos seus filhos e permitem, ao professor, formular hipóteses a respeito. Assim, bilhetes que retornavam sem a assinatura dos pais sugeriam à professora que os cadernos não costumavam ser vistos. Enquanto que o fato de alguns pais irem até à escola Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 291-302 296 comentar sobre a aparência ou o conteúdo do caderno, foi considerado como mostra de que estavam interessados na aprendizagem de seus filhos. Assim, os cadernos, conforme são preenchidos, transformam-se em instrumentos que servem ao controle em várias instâncias. Alunos, pais e professores são controlados a partir daquilo que fica registrado, e os registros medeiam as relações entre eles. A troca de bilhetes entre professora e pais nos cadernos escolares Bilhete era o nome dado, na sala de aula onde se realizou o estudo, às comunicações feitas por escrito pela professora no caderno do aluno. Identifica-se que, não apenas na sala de aula de Ana, mas nas escolas de modo geral é bastante comum a prática de escrever bilhetes. É ao longo da escolarização que o fato de a professora escrever algo no caderno de um aluno adquire significado. Inicialmente, pode-se supor que a tal evento poderia ser atribuída uma multiplicidade de significados. Ao acompanhar uma sala de primeira série, na qual os alunos se iniciavam na experiência de receber bilhetes, foi possível conhecer sobre como se formam essas significações. Ao realizar entrevistas informais com os alunos foram unânimes as declarações que caracterizavam os bilhetes como algo negativo e indesejável. “Nunca levei, nem vou levar bilhete” foi o que declarou, com orgulho, Vanderlei no início do segundo semestre. O orgulho não o impediu de ter, algum tempo depois, um bilhete registrado nas páginas de seu caderno, tal como a maioria dos demais alunos da sala de aula. Observar qual é o conteúdo dos bilhetes, auxilia na compreensão de como estas vias de comunicação adquirem uma significação tão negativa. A quase totalidade dos bilhetes referia-se a comunicações sobre o não cumprimento das tarefas escolares e/ou atos considerados de indisciplina. Quase todos os bilhetes endereçavam-se aos pais ou mais especificamente às mães. Fato denotado pelos vocativos comumente utilizados, como no exemplo a seguir, no qual Ana expressa. “Senhores pais, o Severino não está fazendo as lições nem de classe e nem as de casa. Passa o tempo brincando e não se esforça para fazer as lições, isso prejudica o aprendizado dele”. Mesmo os bilhetes que não se dirigiam aos pais de modo tão explícito, acabavam por direcionar-se a eles Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza pela sua forma. Tais comunicações apresentavam-se sempre escritas em letra manuscrita, sendo que os alunos dessa primeira série eram alfabetizados com letra de forma. Apenas no mês de setembro as letras manuscritas começaram a ser introduzidas, ainda assim apenas para os alunos que estavam mais adiantados no processo de letramento. Ou seja, os bilhetes, que se referiam aos alunos e que eram registrados nas páginas de seus cadernos, eram para eles completamente inacessíveis. Esse fato chegou a ser apontado pela pesquisadora para Ana, que nunca havia atentado para o fato de que seus alunos desconheciam o conteúdo daquilo que ela escrevia em seus cadernos, nem para o fato de que tais comunicações referiam-se predominantemente a aspectos negativos a respeito dos alunos. Foi interessante a repercussão desta percepção, ocorrida quando o ano letivo já estava bem próximo do final. Houve um ditado no qual os alunos tiveram um desempenho um pouco melhor que o esperado pela professora. Ana aproveitou esta situação para escrever, em letra de forma, comentários sobre aquilo que os alunos haviam feito no ditado. Nesse caso, predominaram os comentários positivos e houve um forte incentivo para que eles lessem o que havia sido escrito. Desse modo, observa-se o seguinte comentário “Muito bem continue se esforçando Ana” (Bilhete escrito no caderno de Severino). Foi possível identificar que os alunos reconheceram a mudança no caráter das comunicações escritas. Dessa vez, sentiram-se felizes e orgulhosos. Faziam questão de mostrar e ler os conteúdos de seus bilhetes. Como o ano letivo estava próximo do final, não foi possível verificar as repercussões desta mudança de procedimento na construção de significados que os alunos atribuem aos bilhetes. No entanto pôde-se identificar a possibilidade de que comunicações escritas feitas nos cadernos dos alunos pelo professor possam adquirir significações positivas e de que possam servir, efetivamente, como via de comunicação não somente com suas famílias, mas também com os alunos. Naquilo que se refere à relação entre a escola e as famílias de seus alunos, identifica-se que os bilhetes podem ser eficientes aliados, dado que possibilitam a troca de informações de modo rápido e prático. No entanto, conforme apontado anteriormente, verificou-se a predominância de conteúdos negativos. Fatos positivos, tais como a melhora de desempenho acadêmico, a realização com sucesso de alguma atividade escolar ou uma atitude considerada positiva Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar? não eram registradas nos cadernos. A predominância das reclamações em relação à disciplina e à execução das lições, nas comunicações direcionadas aos pais, denota a concepção, vigente no meio escolar, de que os pais são co-responsáveis pelas atitudes de seus filhos em relação à escolarização. Na maioria dos bilhetes, essa concepção ficou subentendida; em outros foi declarada de modo explícito. “Mãe, o Cassiano não fez a lição de casa isso é muito importante para ele e também é responsabilidade dos pais cuidada (sic) para que o aluno vá bem na escola”. Nesse caso, a situação desencadeadora do bilhete foi o não cumprimento da lição de casa. Mas não era somente neste caso que tal recurso de comunicação era utilizado. Também em relação a atividades estritamente escolares era possível encontrar chamados, por meio de bilhetes, para que os pais se posicionassem ou tomassem providências. “Mãe, a Sueli não está fazendo suas lições, seu caderno está uma bagunça. Não fez a lição de casa e fica brincando na hora que deveria fazer lição. Ana”. Esse bilhete foi respondido, de forma bastante interessante pela mãe de Sueli. “Shra Professora. Eu não sei que lição é essa do filme que ela assistiu, eu não assisti. Se ela não sabe eu é que não sei. Ela vai apanhar aqui hoje por isso, é a shra. pode ficar brava com ela pega no pé dela não dá moleza não. Obrigada, Silvia”. Este par de bilhetes, o comunicado de não cumprimento de tarefas escolares e a resposta da mãe, mostram alguns aspectos importantes e recorrentes desta forma de comunicação. Um deles é a priorização da comunicação à família de aspectos negativos relativos à escolarização. Outro aspecto importante é o fato de a escola chamar os pais à responsabilidade por fatos e comportamentos relacionados estritamente à escola. A resposta de Silvia mostra, inicialmente, o empenho que ela teve em averiguar quais eram as atividades a que se referiu a professora. Ao dizer que a filha iria apanhar, fica evidente o fato de que os bilhetes costumam ter conseqüências, tais como castigos e reprimendas. Mas o mais interessante desta resposta está na indicação que Silvia dá à professora a respeito da inadequação daquilo que lhe é solicitado, ela mostra sua impotência para auxiliar a filha em algo que havia sido tratado em um espaço – o escolar – que não lhe era acessível. Diante da impossibilidade de ajudar a filha na tarefa não realizada, restava-lhe punir a menina e solicitar à pro- 297 fessora que assumisse a responsabilidades sobre aquilo que dizia respeito ao âmbito escolar. Os bastidores dos cadernos – aquilo que não é passível de registro Conforme apontado anteriormente, os cadernos são materiais que se tornam, ao longo da trajetória escolar, registro de aprendizados, retrocessos, tentativas, erros e acertos. Nóvoa (1993) e Gvirtz (1999) apontam a importância dos cadernos para a realização de pesquisas de caráter histórico, sobre tempos passados, pois neste caso são limitadas as possibilidades de se ter acesso àquilo que efetivamente ocorreu. Julia (2001) defende que as produções escolares são fundamentais para que se tenha acesso à cultura escolar e atribui aos cadernos dos alunos o importante papel de reconstituir as práticas escolares que a eles deram origem. Hébrard (2001) descreve os conteúdos dos cadernos como “prova irrefutável do trabalho realizado”. Ou seja, os cadernos escolares são considerados pelos pesquisadores como importantes fontes de informação sobre o contexto de ensino. Também professores e psicólogos clínicos que trabalham com queixas escolares utilizam os cadernos como instrumento psicodiagnóstico, ou seja, como forma de ter acesso àquilo que se passa com o aluno, com seu desenvolvimento e aprendizagem escolares. Estas utilizações dos cadernos conduzem a importante questionamento: afinal, o que registram e o que não registram os cadernos? A pesquisa, por ora apresentada, não se propõe a responder tão complexa pergunta. Porém, é possível apresentar algumas informações que tragam algumas luzes para tal questão, em especial no que se refere aos cadernos das séries iniciais. Uma situação protagonizada por Mateus, um dos alunos da sala de aula estudada, pode ser útil nesta empreitada. Mateus era um aluno que não primava por cumprir as tarefas propostas, era mal-visto pela professora e considerado pelos colegas como um mau aluno. Em uma das últimas aulas do primeiro semestre, a professora Ana, como de costume, colocou na lousa o cabeçalho e a frase do dia, da seguinte forma. “Hortolândia, 03 de julho de 2000. Segunda-feira. Sou muito caprichoso e atencioso com meu caderno e minhas lições”. Em seguida escreveu as letras do alfabeto, uma abaixo da outra formando duas colunas, com um “DE” à frente de cada uma das letras. Depois de terminada esta etapa, ela começou a conversar com a sala de aula, solicitando nomes de animais que começassem com cada uma das letras. Os animais Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 291-302 298 sugeridos pelos alunos eram anotados na lousa à frente da respectiva letra inicial. Para exemplificar, segue o resultado da atividade para as primeiras letras do alfabeto. A DE ABELHA, ÁGUIA, AVESTRUZ, ARARA, ARANHA B DE BEIJA-FLOR, BALEIA, BURRO, BOTO, BÚFALO C DE CABRA, CAVALO, CACHORRO, CABRITO, COBRA D DE DRAGÃO, DINOSSAURO, DROMEDÁRIO E DE ELEFANTE, ÉGUA, EMA, ESCORPIÃO Ao final dessa etapa da atividade a lousa estava repleta, para cada letra havia cerca de cinco nomes de animais. Ana solicitou que os alunos copiassem. Até essa altura do ano, não era habitual a cópia de conteúdos tão longos. Mateus iniciou a cópia pelo cabeçalho, depois a frase do dia e, finalmente, a atividade propriamente dita. Ele começa copiando, em coluna, as letras do alfabeto, assim como havia feito inicialmente a professora, e depois, ainda em colunas, os Ds à frente de cada letra, posteriormente os Es e, em seguida, as primeiras letras dos nomes dos animais. Ou seja, Mateus prosseguiu copiando o conteúdo da lousa em colunas. Inicialmente, fez o trabalho a que se propôs sem grandes problemas e copiando corretamente o conteúdo de cada coluna, porém sem levar em consideração as linhas. Assim, a coluna de Es terminava uma linha abaixo das anteriores, enquanto a coluna com as primeiras letras dos animais começava uma linha antes e terminava duas acima. Porém, à medida que Mateus prosseguia na atividade, essa se tornava crescentemente difícil. Afinal, se a princípio era fácil encontrar colunas para copiar, a partir da terceira ou quarta letra dos nomes de animais era quase impossível estabelecer colunas no conteúdo escrito em linhas na lousa, conforme as convenções da escrita ocidental. Ainda assim, era possível encontrar na lousa “colunas” correspondentes às colunas escritas por Mateus em seu caderno. Contudo, a tarefa a que se propôs Mateus ficava a cada coluna mais difícil, até que ficou impossível de ser realizada. Por fim, diante da dificuldade de encontrar uma forma de copiar, Mateus desistiu da tarefa. O registro em seu caderno, incompreensível e repleto de borrões, consistia numa série de letras espalhadas a partir das quais sequer era possível deduzir uma palavra. Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza A lógica utilizada por Mateus, que de modo algum pode ser considerada absurda, dificilmente poderia ser abstraída observando-se o registro elaborado por ele. Facilmente é possível supor que o aluno tenha feito a atividade com desleixo, descuido e desinteresse. No entanto, foi com muito esforço que ele fez a mal-sucedida tentativa de copiar o que havia sido solicitado. Assim como há trabalhos elaborados com empenho e dedicação que ficam registrados sob a forma de atividades incompletas ou incorretas, há cópias feitas sem interesse, ou de modo mecânico, que não implicam em conhecimento sobre o conteúdo copiado, que se revelam nos cadernos como registros feitos com correção e perfeição estética. Quanto à utilização dos cadernos para pesquisas em relação ao currículo e aos conteúdos didáticos abordados em diferentes épocas e em diversas instituições de ensino, é relevante questionar: até que ponto seria possível considerá-los como um registro confiável deste tipo de informação? É possível trazer alguns elementos para que se possa refletir sobre tal questão. Algumas situações ocorridas a partir do final do mês de novembro, na sala de Ana, podem ser úteis para isso. Nesse mês, houve uma seqüência de aulas nas quais a professora dedicou-se ao ensino da tabuada. Preenchia a lousa com desenhos que simbolizavam as operações matemáticas e propunha algumas contas para que exercitassem os novos saberes. Aos alunos cabia copiar e resolver. No entanto, o nível de exigência aplicado a cada uma destas atividades era bastante diferenciado. Enquanto a cópia era severamente exigida, a não resolução das operações era relevada. “João acabou de copiar as contas. Faltam agora as multiplicações. (...) João leva o caderno para que Ana veja, e ela diz: ‘Isso, lá do outro lado, na outra folha’, dando indicações para que ele prossiga a cópia. Verifico que João não resolveu nenhuma das contas, e a indicação de Ana foi para que ele copiasse as multiplicações. Apesar de não haver resolvido nenhuma das contas, não parece que ele ache que isso seja necessário, pergunto a ele sobre as contas e ele responde: ‘Tá certo, a professora falou que tá certo”. Continuo perguntando se já está tudo pronto, ele diz que sim. Verifico que João traçou quadros em volta das contas, sem deixar, sequer, espaços para a resolução. As razões pelas quais Ana se preocupava em garantir que tais conteúdos fossem registrados relacionavam-se Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar? mais diretamente com a existência de um programa previsto para a 1a série, por cujo cumprimento ela seria cobrada. A questão de como o caderno presta-se a funções de controle foi anteriormente abordada e encontra nesta situação mais um exemplo. Dessa forma, a exigência da professora para que as operações matemáticas constassem nos cadernos dizia menos respeito à aprendizagem dos alunos que às exigências, hierarquicamente superiores, de que tais conteúdos fossem ministrados. Assim como há conteúdos registrados que foram abordados de modo precário, há aqueles que foram bastante presentes, mas que são parcamente representados nos cadernos. Apenas uma parcela das atividades e das informações que circulam na sala de aula é passível de registro. Além disso, muitas das estratégias pedagógicas utilizadas não incluem a utilização e o registro nos cadernos. Sem dúvida os cadernos, por meio das informações neles contidas, possibilitam o acompanhamento histórico sobre o aprendiz, o professor e sobre as relações que se dão no contexto escolar. No entanto, os eventos apresentados exemplificam a existência de aspectos do contexto escolar que fogem à capacidade de registro do caderno: são os bastidores dos cadernos. Ou seja, as situações e informações que estão por trás do preenchimento dos cadernos, exercendo forte influência naquilo que fica registrado, mas que não são passíveis de deixar marcas nesses materiais escolares. Aquilo que escapa ao registro dos cadernos não pode ser considerado como detalhe de menor importância ou como informação acessória que apenas serviria para complementar aquilo que o caderno prova materialmente. São informações que podem ser decisivas para que, efetivamente, se obtenha conhecimento a partir das páginas desses materiais de registro. Severino: um aluno e seu caderno Conforme foi apontado, os cadernos intermedeiam uma série de processos e relações escolares. Para ilustrar como este objeto se insere no cotidiano escolar de uma sala de aula e, especialmente, nas experiências de um aluno de primeira série do ensino fundamental, elege-se um aluno da sala de aula estudada: Severino. 299 Esse é um aluno que encontrou dificuldades extremas no início de sua escolarização e, em especial, para a aprendizagem da utilização de seu caderno. Conhecer um caso em que o processo ganhou tons mais fortes pode auxiliar na compreensão dos percalços que podem ocorrer com outros alunos. Severino era um aluno que chamava a atenção no início do ano. Passava quase toda a aula chorando, sofrimento que não era aplacado pelo constante consolo dos colegas, professores e funcionários da escola. Mesmo chorando, Severino cumpria as atividades solicitadas, que àquela altura do ano consistiam basicamente em jogos e desenhos. Aos poucos, Severino deixou de ser o aluno que mais chamava a atenção para ser um dos mais discretos da sala. Sua fisionomia revelava seriedade, e sua postura, sobriedade. Raramente conversava com os colegas, ou envolvia-se em brincadeiras. Passava a maior parte do tempo só. Em sala de aula estava sempre sentado à sua mesa, tendo à frente os materiais escolares envolvidos nas tarefas propostas. Raramente adotava o procedimento, bastante comum nessa classe, de mostrar à professora o resultado de cada atividade cumprida. No recreio, fazia as refeições, andava pelo pátio e, muito raramente, brincava com os colegas. Falava pouco, sua voz era rouca e grave. Em geral, Severino respondia de forma breve quando alguém lhe dirigia a palavra. Seu desempenho acadêmico foi bastante fraco; ao final do ano, foi classificado pela professora em relação à aquisição de conhecimentos de leitura e escrita como “silábico”3. Em relação à aquisição de conteúdos de matemática a situação não foi melhor. No final do ano, Severino ainda não conhecia a representação gráfica dos números de 1 a 10. Contudo, não é possível compreender o início da escolarização de Severino sem dedicar especial atenção aos seus cadernos e ao seu trabalho com esses materiais. Ao longo do ano, Severino utilizou vários cadernos. Apesar do esforço realizado ao longo da pesquisa para acompanhar os destinos dados a esses materiais, nem sempre foi possível obter informações sobre os fins dados aos cadernos. O primeiro foi utilizado por mais tempo, tendo durado desde o início do ano, até meados de junho, quando um novo caderno passou a ser utilizado, apesar de o anterior não ter sido preenchido em sua 3 Tendo em vista que a abordagem utilizada na escola pesquisada centrava-se no construtivismo com base nos trabalhos de Emília Ferreiro, o processo de alfabetização recebia o nome das principais fases de aquisição da leitura e da escrita, a saber, présilábica, silábica, silabicaalfabética e alfabética. No caso de Severino, ele encontrava-se no segundo momento do processo, a fase “silábica”. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 291-302 300 totalidade. A busca por informações sobre o destino do primeiro caderno revelou que Severino o havia queimado, após sua irmã menor o ter riscado e rasgado. Quanto aos demais cadernos: um deles foi perdido, outro a professora guardou após ter sido iniciado, o último foi cedido temporariamente à pesquisadora. Sobre outros cadernos utilizados no decorrer do ano não foram obtidas informações. No entanto, nenhum deles foi utilizado em sua totalidade. Essas informações poderiam sugerir uma atitude de descaso em relação aos materiais escolares. No entanto, uma situação ocorrida logo após as férias de julho pôde ilustrar a preocupação de Severino com seu caderno. A pesquisadora solicitou a quatro alunos que lhe emprestassem seus cadernos por apenas um dia. Todos entregaram os cadernos logo que a aula acabou, exceto Severino. Ele disse que só emprestaria com a permissão de sua mãe. Dado que ela não foi buscar o filho à escola, foi necessária a ida da pesquisadora à residência do aluno para que o caderno lhe fosse cedido. Nos cadernos de Severino, não foi possível encontrar dias em que as lições foram feitas de modo completo e correto. Ao longo do ano, foi possível identificar mudanças importantes no conteúdo registrado nos cadernos desse aluno. Nas primeiras semanas, o caderno de Severino mostrava apenas tentativas, mal sucedidas, de cópia do cabeçalho. Ainda não familiarizado com o formato de letras e números, ele tentava reproduzir as formas colocadas na lousa. Ao longo do ano, Severino passou a conseguir obter mais sucesso nessa atividade diária, chegando a conseguir, em alguns dias, concluir a cópia da data e da frase, passando a dedicar-se às demais atividades propostas. Porém, com o passar do tempo, um número maior de alunos passou a dominar a atividade de copiar da lousa, o que possibilitou a Ana solicitar mais esse tipo de tarefa dos alunos. Ao ter uma grande quantidade de conteúdos a copiar, Severino acabava por dedicar-se durante todo o tempo de aula a essa tarefa, que na maioria das vezes tinha sua execução privilegiada pela professora. O resultado era que ele não realizava nenhuma atividade mais direcionada à aprendizagem de leitura e escrita ou de matemática. Uma das manhãs de Severino em sala de aula pode auxiliar na compreensão do modo como foram realizados os trabalhos desse aluno no decorrer do ano. “Chego às 7h40. Os alunos estão copiando da lousa a data e a frase do dia. (...) Na lousa, a data com um erro: 29, em vez de 30 de maio. A frase do dia é ‘EU SOU Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza CAPAZ DE SER MELHOR DO QUE JÁ SOU.’ Observo o trabalho de Severino, que inicia a cópia em uma folha em branco do caderno. Copia inicialmente o 2000 no canto superior direito da folha. (...) Prossegue escrevendo da direita para a esquerda, caderno bastante inclinado, quase invertido. Fez várias letras, apaga. Vira o caderno pra lá e pra cá, enquanto copia da lousa. (...) Apaga novamente, me aproximo, e verifico que o que resta escrito no caderno é “MAO 2000.” Fica muito sério quando tento conversar com ele. Continua virando muito o caderno. Faz, apaga. Parece um trabalho exaustivo. Lucas copia. Renato terminou. Ana percebe a data errada na lousa. Apaga, coloca o dia certo e pede: ‘Corrige todo mundo... É só apagar o numerozinho’. Severino ainda não chegou ao número, prossegue copiando. Ora apaga aqui, ora apaga ali. Não apaga somente coisas que acabou de fazer, mas também algumas do começo. Fica em pé ao lado da carteira e continua copiando. Acredito que desse modo ele consiga ver melhor o que está escrito na lousa. Apaga uma letrinha e continua. Severino senta-se. (...) Continua copiando. Parece estar terminando a primeira linha. Vejo um H. Apaga tudo do H ao 2000. 8h10 Recomeça a copiar da esquerda para a direita. Está de pé e vai fazendo. Ana fala sobre coisas que os alunos devem trazer para a festa junina: prendas e alimentos. Ao que for trazido será atribuída uma pontuação. A classe que obtiver mais pontos ganhará um passeio. (...) Severino continua copiando sentado, não se manifesta, ao contrário da maioria dos alunos que faz comentários, diz o que vai trazer, comenta sobre o passeio. Ele vira o caderno, parece estar desenhando. Levanta o caderno e observa mais de perto, apaga uma letra, sopra, termina a palavra HORTOLÂNDIA. A conversa com a sala continua. (...) Ninguém, exceto Severino, está copiando. (...) Ana passa a ler com os alunos a data. Primeiro os alunos vão nomeando as letras, e depois Ana pergunta como ficam algumas letras juntas: “E o L e o A? LA. Quando junta o N o que dá?” Severino continua apagando a primeira linha. Parece muito exigente e/ou crítico com o próprio trabalho. Quase todos ajudam Ana a ler, todos olham. Severino não, apaga de novo algo e continua copiando. Olha de perto, vira o caderno prá lá e prá cá. Olha para a lousa. Olha para o caderno, apaga. Ana continua lendo a frase. (...) Severino apaga algo na primeira linha. Ana conversa com a classe, ‘Quem explica esta frase?’ Quando são 8h30. Passa para a próxima linha, escreve o T. Me aproximo e vejo qual foi o resultado da Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar? primeira linha: HOTROLNDIA MAI DE 2000. Pergunto: ‘Posso ver?’ Ele deixa ver. Pergunto: ‘Por que você apagou o que tinha feito?’ Severino responde baixinho, quase sem me olhar, sério: ‘Por que não deu certo.’ Pergunto: ‘Agora deu certo?’ Faz que sim com a cabeça. (...) A segunda linha prossegue bem mais rápido o resultado é TE FEAR. (...) Um aluno distribui uma folhinha com um texto e duas figuras para pintar. Severino passa para a frase, copia corretamente a primeira palavra, EU. Olha para trás, vê que Toni pinta, volta para seu caderno. Fica longo tempo ‘desenhando’ o S, que fica parecendo um Z invertido, faz o O e o U rápido. Minha sensação, acompanhando o trabalho de Severino, é de que ainda falta uma quantidade imensa para ele terminar. (...) Severino volta ao caderno que vira pra cá, vira pra lá, copiando. Renato pinta a folhinha. Horácio também. (...) Vejo a cópia de Severino EU SOU CAPZ DE. O resultado é sensivelmente melhor e a velocidade maior. (...) Ana vai ler o ‘textinho’ com os alunos. Começa letra a letra. Severino não acompanha a leitura, continua copiando. (...) Ana decide passar o texto na lousa. ‘Vou passar a musiquinha na lousa.’ (...) Passa na lousa o texto, e Luís lê para a classe. Severino continua copiando: DE ERS MH, a linha de seu caderno acaba. Ele prossegue escrevendo, dentro do espaço da espiral. Apaga parte daquilo que havia copiado no começo (que estava correto!) (...) Apagou uma parte que estava correta e prossegue copiando. Não consigo ver claramente o que ele está fazendo, mas parece-me que faz errado. Apaga toda essa linha. Ana diz para classe: ‘Nós vamos colar esta lição no caderno... Embaixo da data.’ Severino faz novamente EU, e começa a pintar a lição. Aproximome da carteira dele e pergunto o que está fazendo, ele diz: ‘Pintando?’ Pergunto se terminou de copiar, e ele diz: ‘Depois eu termino.’ Pergunto: ‘Falta muito?’E ele faz que sim com a cabeça e indica na lousa: ‘Aquela última linha.’ 9h10. Essa cena, que resume uma hora e meia de trabalho, é representativa do empenho usualmente empregado por Severino para cumprir as tarefas que lhe eram propostas. No entanto, algumas questões surgem, e ficam ainda sem resposta após essa observação. Por que ele apagava tanto? Por que usava os procedimentos descritos? Por que não parecia ficar satisfeito com o resultado, ainda quando este não parecia ruim à pesquisadora? Foi necessário o acompanhamento de outro de 301 seus dias em sala de aula para que se pudesse responder a essas perguntas. Novamente repetiu-se esse incansável e sofrido trabalho de cópia de algo colocado na lousa. Houve, então, esforço por parte da pesquisadora para conversar com Severino, buscando compreender as suas razões para realizar a atividade desse modo. Pergunto: “’O que foi?’ E ele responde: ‘Eu não consigo’, procuro compreender: ‘O que você não consegue?’ Ele não responde. Insisto: ‘Copiar?’ E aí Severino conta o que eu acredito estar sendo sua principal dificuldade: ‘A linha de lá [da lousa] é grande e essa [a do caderno] é pequena”. Essa declaração de Severino esclarece que o aluno procurava com esforço e dedicação reproduzir aquilo que estava na lousa tal e qual como era apresentado. Assim, quando uma frase estava colocada na lousa, em uma única linha, ele procurava fazê-la também em uma linha de seu caderno, tarefa que se revelava difícil na maioria das vezes, especialmente pelo fato de seu caderno ser pequeno e de sua letra ser grande. Foram diversas as estratégias utilizadas por Severino para alcançar o ideal de fazer exatamente como estava na lousa. De modo algum, tal objetivo pode ser considerado sem razão. Inúmeras vezes, ao longo das observações, foi possível ouvir recomendações da professora a toda a sala para que fizessem igual ao que estava na lousa. Severino, que não conseguia ainda diferenciar em que momentos era fundamental fazer igual e em quais era possível fazer adaptações, apenas buscava cumprir o que lhe era freqüentemente solicitado. Imerso em tais preocupações, o aluno deixava de voltar sua atenção para os conteúdos realmente fundamentais desta etapa da escolarização. Enquanto ele se empenhava em fazer a data caber em uma linha, estava à margem de atividades relativas à aprendizagem de leitura e escrita que transcorriam na sala. Certamente, as dificuldades de Severino para trabalhar com o caderno agravaram-se pelo fato de interagir pouco com a professora. Ele, muito tímido e reservado, raramente falava com quem quer que fosse. Ana, por sua vez, considerava que as dificuldades de Severino deviam-se à falta de interesse e preguiça. Houve sensíveis avanços no desempenho do aluno, nos raros momentos em que a professora acompanhou mais de perto seu trabalho, auxiliando-o com as recomendações necessárias. Ana reconheceu, próximo ao fim do ano, que o uso do caderno prejudicou muito as possibilidades de Severino aprender os demais conteúdos da 1a série. Chegou a afir- Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 291-302 302 Anabela Almeida Costa e Santos e Marilene Proença Rebello de Souza mar que considerava que se ele pudesse recomeçar a escolarização após ter aprendido a trabalhar com o caderno, certamente teria um desempenho bem melhor. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os cadernos, mais do que meros objetos acessórios das atividades desenvolvidas em sala de aula, são materiais cuja utilização organiza e imprime características à dinâmica escolar. Possibilitam o acompanhamento e o controle do desenvolvimento e da aprendizagem de um aluno; o registro de informações quanto aos conteúdos ensinados; a comunicação entre pais e escola; bem como entre professor e aluno. Sendo, tão presentes e importantes, faz-se necessário que sejam utilizadas e planejadas estratégias para que possam ser utilizados em toda a sua potencialidade. São importantes instrumentos de registro que podem revelar sobre o aluno, a escola e as relações que se dão em torno da escolarização. Mas, cujas informações podem conduzir à formulação de hipóteses errôneas REFERÊNCIAS Elizarrarás, M. E. L. (1990). Trabajo en el pizarrón. Manuscrito não publicado. Ezpeleta, J. (1989). Pesquisa participante. São Paulo: Cortez. Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes. Geertz, C. (1987). Descripción densa: hacia una teoría interpretativa de la cultura. Em: La interpretación da las culturas. México: Getisa. Gvirtz, S. 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Quando os cadernos escolares são desvinculados dos processos perceptivo, cognitivo e afetivo que os compõem, são, muitas vezes, interpretados negativamente pelo educador, até mesmo como sinônimo de desinteresse do aluno pela tarefa escolar. E este é um passo importante para que tanto o aluno como o professor passem a construir uma visão negativa das possibilidades de aprendizado e do desenvolvimento escolares, constituindose em mais um elemento do processo de produção do fracasso escolar nas séries iniciais. XIX e XX). Revista Brasileira de Educação, (1), 115-141. Heller, A. (2000). O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Heller, A. (1994). Sociología de la vida cotidiana. Barcelona: Península. Julia, D. (2001). A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, (1), 9-43. Nóvoa, A. (1993). Perspectivas de renovação da história da educação em Portugal. Em A Nóvoa & J. Berrio (Orgs.), A história da educação em Espanha e Portugal: investigação e actividades (pp.11-22). Lisboa: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação: Sociedade Espanhola de Ciências da Educação. Recebido em: 04/05/2005 Revisado em: 30/08/2005 Aprovado em: 20/10/2005 Endereço para correspondência: AnabelaAlmeida Costa e Santos: Rua Carlos Webwe, 601 – apto 131, Bloco B – Vila leopoldina – CEP: 05303-000 – São Paulo/ SP e-mail: [email protected] Marilene Proença Rebello de Souza: Rua Carlos Weber, 601 – apto 131 – B – Vila Leopoldina – CEP: 05303-000 – São Paulo/ SP e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 303-312 EM BUSCA DE UMA COMPREENSÃO DAS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA RELAÇÕES FAMÍLIA-ESCOLA Ana da Costa Polonia1 Maria Auxiliadora Dessen2 Resumo Pesquisadores e educadores têm mostrado um crescente interesse pelo estudo das relações entre a família e a escola devido à sua importância para a educação e o desenvolvimento humano. Neste artigo teórico, apresentamos algumas reflexões sobre o envolvimento da família com a escola e seu impacto sobre a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. Os benefícios de uma boa integração e as implicações de uma falta de integração entre os dois contextos são discutidos brevemente, bem como são descritos aspectos das relações estabelecidas entre ambos, que vêm sendo focalizados nas pesquisas empíricas. Especial atenção é dada às concepções e tipos de envolvimento família-escola e às percepções de pais e professores sobre este envolvimento. Ao final, enfatizamos a necessidade de uma integração mais efetiva entre a família e a escola, respeitando as peculiaridades de cada segmento, e da implementação de pesquisas que levem em conta as inter-relações entre os dois contextos. Palavras-chave: Aprendizagem; Relação família – escola; Desenvolvimento infantil. TOWARDS UNDERSTANDING PARENT SCHOOL RELATIONSHIP Abstract Researchers and educators have showed an increasingly interest in the study of the relationship between family and school due to its importance for education and human development. In this theoretical article, we present some reflections about the importance of the family-school involvement and its impact on the learning process and child development. The benefits of a good integration between family and school as well as the implications of a lack of integration between them are briefly discussed. Moreover, we present some aspects of their relationships that have been focused on empirical research, emphasizing the conceptions and types of family-school involvement and teacher and parental perceptions about it. At the end, we move the focus to discuss the necessity of promoting a better integration between family and school, considering the peculiarities of each one, and implementing researches taking account of the interrelatedness between both contexts. Keywords: Learning; Parent school; Childhood development INTRODUÇÃO Questões sobre o envolvimento entre família e escola têm despertado o interesse dos pesquisadores (Bost, Vaughn, Boston, Kazura & O’Neal, 2004; Ferreira & Marturano, 2002), principalmente no que se refere às implicações para o desenvolvimento social e cognitivo do aluno e suas relações com o sucesso escolar. Ao lado disso, são poucas as pesquisas que têm investigado as inter-relações entre os papéis da família e da escola, 1 de modo a oferecer estratégias que promovam o aprimoramento e a ampliação dos modelos de relação entre os dois ambientes. Tais pesquisas requerem uma visão integrada, contextualizada, sistêmica e ampla de tais ambientes, o que nem sempre é possível, quer pela falta de conhecimento do próprio pesquisador, quer pela falta de infra-estrutura para implementar projetos desta natureza. Faculdade de Educação, Departamento de Teoria e Fundamentos, Universidade de Brasília. Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento, Laboratório de Desenvolvimento Familiar, Universidade de Brasília. 2 304 A família e a escola emergem como duas instituições fundamentais para desencadear os processos evolutivos das pessoas, atuando como propulsores ou inibidores do seu crescimento físico, intelectual e social. A escola constitui -se um contexto no qual as crianças investem seu tempo, envolvem-se em atividades diferenciadas ligadas às tarefas formais (pesquisa, leitura dirigida, por ex.) e aos espaços informais de aprendizagem (hora do recreio, excursões, atividades de lazer). Neste ambiente, o atendimento às necessidades cognitivas, psicológicas, sociais e culturais da criança é realizado de uma maneira mais estruturada e pedagógica que no ambiente de casa. A família não é, portanto, o único contexto em que a criança tem oportunidade de experienciar e ampliar o seu repertório como sujeito de aprendizagem e desenvolvimento (Cezar-Ferreira, 2004; Formiga, 2004; Marques, 2001, 2002; Rego, 2003; Szymanski, 2001). Buscando compreender as relações entre família e escola, este artigo apresenta uma reflexão sobre as diferentes perspectivas do envolvimento entre ambos os segmentos, possíveis influências sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humana e como a integração entre eles tem repercutido sobre os processos de aprendizagem e relativo às percepções de pais e professores sobre esta relação. Algumas considerações são feitas a respeito da necessidade de promover uma integração mais efetiva entre a família e a escola e de implementar pesquisas que investiguem as inter-relações entre os dois ambientes. OS CONTEXTOS FAMILIAR E ESCOLAR E SUAS INFLUÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM HUMANA Quando o foco de debate é o papel dos pais na escolarização dos filhos e suas implicações para a aprendizagem, na escola, há aspectos a serem ressaltados. A família como impulsionadora da produtividade escolar e do aproveitamento acadêmico e o distanciamento da família, podendo provocar o desinteresse escolar e a desvalorização da educação, especialmente nas classes menos favorecidas. Apesar de a família ser apontada como uma das variáveis responsáveis pelo fracasso escolar do aluno (Carvalho, 2000), a sua contribuição para o desenvolvimento e aprendizagem humana é inegável. Um dos seus Ana da Costa Polonia e Maria Auxiliadora Dessen papéis principais é a socialização da criança, isto é, sua inclusão no mundo cultural mediante o ensino da língua materna, dos símbolos e regras de convivência em grupo, englobando a educação geral e parte da formal, em colaboração com a escola. Neste contexto, os recursos psicológicos, sociais, econômicos e culturais dos pais são aspectos essenciais para a promoção do desenvolvimento humano (Christenson & Anderson, 2002; Marques, 2002). A escola também tem sua parcela de contribuição no desenvolvimento do indivíduo, mais especificamente na aquisição do saber culturalmente organizado e em suas áreas distintas de conhecimento. Segundo Ananias (2000), a escola deve resgatar, além das disciplinas científicas, as noções de ação política e busca da cidadania e da construção de um mundo mais eqüitativo. Neste contexto, a escola deve visar não apenas a apreensão de conteúdo, mas ir além, buscando a formação de um cidadão inserido, crítico e agente de transformação, já que é um espaço privilegiado para o desenvolvimento das idéias, ideais, crenças e valores. Para López (1999/2002), a família não tem condições de educar sem a colaboração da escola. As ações educativas na escola e na família apresentam funções distintas quanto aos objetivos, conteúdos e métodos, bem como as expectativas e interações peculiares a cada contexto (Szymanski, 2001). Por exemplo, Lampreia (1999) destaca que uma atividade como a cópia, no ambiente escolar, tem objetivo programado e é avaliada como uma competência que permite a estruturação da aprendizagem, na área de letramento. Já, no âmbito familiar, a mãe considera tal atividade apenas como mais uma tarefa doméstica de supervisão e cuidados dispensados aos filhos. Neste caso, o objetivo da cópia passa a ser a obtenção de um desempenho sem erro por parte do filho, devendo ser executada com um maior grau de precisão e economia de tempo. Quando a família e a escola mantêm boas relações, as condições para um melhor aprendizado e desenvolvimento da criança podem ser maximizadas. Assim, pais e professores devem ser estimulados a discutirem e buscarem estratégias conjuntas e específicas ao seu papel, que resultem em novas opções e condições de ajuda mútua (Leite & Tassoni, 2002). A escola deve reconhecer a importância da colaboração dos pais na história e no projeto escolar dos alunos e auxiliar as famílias a exercerem o seu papel na educação, na evolução e no sucesso profissional dos filhos e, concomitantemente, na transformação da sociedade. Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola Cada vez mais cedo, a escolarização se torna presente na vida das crianças e mais tarde tem finalizado. A introdução de modelos e maneiras de propiciar a interação entre a família e a escola, reconhecendo a contribuição e os limites da família na educação formal é fundamental para “diversificar os sistemas de ensino e envolver, nas parcerias educativas, as famílias e os diversos atores sociais” (MEC & Unesco, 2000, p. 56). A seguir, discutimos os benefícios de uma integração entre a família e a escola para a educação formal do indivíduo e as repercussões decorrentes da falta ou da pouca integração entre ambas. Integração dos ambientes escolar e familiar na educação formal As pesquisas (Costa, 2003; Fonseca, 2003; Marques, 2002) têm demonstrado os benefícios da integração família e escola, particularmente, quando o projeto pedagógico da escola abre espaço para a participação familiar e reconhece os papéis diferenciados de ambas no processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. É o projeto pedagógico que permite uma flexibilização das ações conjuntas, de forma complementar, e o desenvolvimento de repertórios singulares a cada espaço educacional (Ananias 2000; Antunes, 2003). Enquanto a escola estimula e desenvolve uma perspectiva mais universal e ampliada do conhecimento científico, a família transmite valores e crenças e, como conseqüência, os processos de aprendizagem e desenvolvimento se estabelecem de uma maneira coordenada. Os benefícios de uma boa integração entre a família e a escola relacionam-se a possíveis transformações evolutivas nos níveis cognitivos, afetivos, sociais e de personalidade dos alunos. Hess e Holloway (conforme citados por Ensminger & Slusarcick, 1992) destacam cinco aspectos do processo de funcionamento da família considerados fundamentais para promover a integração entre esses dois ambientes. São eles a interação verbal entre a mãe e a criança, um relacionamento afetivo positivo entre os pais e a criança, as crenças e as influências dos pais sobre os filhos, as estratégias disciplinares e de controle e as expectativas dos pais. Estes aspectos influenciam a família, de maneira direta, e a escola, indiretamente, constituindo-se num campo de investigação extremamente rico, cujos dados poderiam subsidiar as políticas públicas brasileiras no 305 que diz respeito à elaboração de planos e projetos nacionais (Bock, 2003; Bost & cols., 2004; Marques, 2002). No que tange à escola, a qualidade da instrução, a organização escolar, as metodologias de ensino, o número de alunos em sala e o apoio pedagógico fornecido aos professores são evidenciados como aspectos que podem contribuir para a melhoria do sistema escolar (Hess & Holloway, conforme citados por Ensminger & Slusarcick, 1992). Mesmo quando a instituição escolar planeja e implementa um bom programa curricular, a aprendizagem do aluno só é evidenciada quando este é cercado de atenção da família e da comunidade. Neste caso, a família e a comunidade devem ser orientadas quanto às novas abordagens utilizadas no ensino, visando acompanhar o progresso e as necessidades do aluno. Em uma investigação realizada por Jowett e Baginsky (1988), relacionada aos potenciais benefícios decorrentes da parceria família e escola no ensino básico, os respondentes (inspetores de educação e diretores de escolas) indicaram melhor compreensão dos pais sobre a escola e a educação em geral, realização de reuniões conjuntas, com oportunidades para os pais falarem do seu papel e de si mesmos, promoção de encontros específicos, com o objetivo de ajudar pais e professores, em momentos críticos, favorecimento de troca de informações entre professores e pais, abertura de canais de comunicação entre a escola e a família, beneficiando os alunos, dentre outros, como resultados desta integração. No entanto, quando predomina uma fraca ou pouca integração entre a família e a escola, as conseqüências são variadas. A despeito de tais benefícios, a participação da família na educação formal do aluno vem sendo subestimada em diferentes culturas. Por exemplo, para Ben-Fadel (1998), o ambiente familiar é negligenciado como o iniciador e promotor das práticas de leitura e escrita; no entanto, os elementos lingüísticos e da escrita são trabalhados antes, durante e depois da vivência escolar, no contexto familiar. Ilustrando este aspecto, Luria (1988) ressalta que ao copiar o comportamento da mãe ou do irmão, rabiscando ou desenhando, a criança reconstrói internamente o processo da escrita, envolvendo os aspectos motor, cognitivo, social, além dos significados culturais desta atividade. Mas, em muitos dos casos, a escola não considera e nem aproveita estas experiências no seu currículo e no desenvolvimento das capacidades cognitivas do aluno. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 303-312 306 Ao lado disso, os pais de baixo nível sócio-econômico têm dificuldades ou se sentem inseguros ao participarem do currículo escolar. Os conflitos e limitações na sua participação podem ser produtos de sua imagem negativa como pais, de sua própria experiência escolar ou de um sentimento de inadequação em relação à aprendizagem. Mas, tais limitações também podem estar diretamente ligadas ao corpo docente, como o receio dos professores de serem cobrados e fiscalizados pelos pais, a percepção de que os pais não têm capacidade ou condições de auxiliar os filhos e a ausência de um programa ou projeto que integre pais e professores, em um sistema de colaboração (Marques, 2001, 2002). Embora um sistema escolar transformador possa reverter estes aspectos negativos, mediando e estimulando ações positivas e um desempenho satisfatório, a própria escola ignora ou minimiza os efeitos que vêm de outros contextos e que influenciam significativamente a aprendizagem formal do aluno. Os conteúdos, vivências, concepções do aluno e do professor são isolados no currículo, enfatizando apenas aqueles adquiridos no espaço escolar. Bartolome (1981), desde a década de 80, já propunha que a escola e a família atuassem como ambientes complementares, uma vez que tanto os pais quanto os professores têm grandes responsabilidades no desenvolvimento da criança e do adolescente. Ele sugeria também que a escola, utilizando-se dos diversos mecanismos, como reunião de pais, comunicações e projeto político pedagógico, criasse um ambiente mais acolhedor e afetivo, que possibilitasse à família recapitular o valor da criança e o sentido de responsabilidade compartilhada. Entretanto, Ben-Fadel (1998) reconhece que a escola, hoje, ainda não está preparada para lidar com o envolvimento familiar. Para que isto ocorra, deve haver, primeiramente, o reconhecimento do meio familiar como um verdadeiro aliado da escola no seu empreendimento educacional, não se restringindo, a escola, à concepção paternalista e de mera tutoria das atividades e orientações familiares. Algumas pesquisas (Fonseca, 2003; Rocha, Marcelo & Pereira, 2002; Soares, Salvetti & Ávila, 2003) têm indicado que a organização política e a participação dos pais são elementos promotores de uma nova concepção de colaboração e envolvimento escola-família e de uma mudança na concepção dos educadores e na comunicação efetiva com a comunidade. Outros elementos associados que funcionam Ana da Costa Polonia e Maria Auxiliadora Dessen como promotores desta colaboração são: a formação docente, a melhoria da imagem da escola e a otimização do seu espaço e de seus recursos humanos e materiais. Para estimular e implementar a participação dos pais de modo a fortalecer uma nova cultura de participação, deve-se estabelecer, no projeto pedagógico da escola, espaço físico e estratégias diferenciadas (Ben-Fadel, 1998). O primeiro passo para isto é a identificação eficaz do tipo de envolvimento da família com a escola que, por sua vez, depende do reconhecimento e da descrição sistemática dos padrões e modelos de relação constituintes de tal envolvimento. A seguir, descrevemos algumas dimensões das relações família-escola, destacando os tipos de envolvimento e as percepções de pais e professores sobre tais tipos de envolvimento. AS RELAÇÕES ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: COMO ESTÃO E PARA ONDE VÃO? Vários pesquisadores (Antunes, 2003; Bock, 2003; Epstein & Dauber, 1991; Ferreira & Marturano, 2002; Marques, 2002; Silveira, 2003) têm discutido os diferentes mecanismos e estratégias de integração entre pais e escola, reconhecendo suas peculiaridades e apontando os pontos que favorecem e dificultam tal relação. Uma das primeiras barreiras encontradas para a compreensão dos mecanismos e estratégias de integração refere-se à definição do próprio termo envolvimento. Afinal, o que se entende por envolvimento entre família e escola? Dois aspectos dificultam a compreensão do termo, de acordo com Coleman e Churchill (1997). O primeiro refere-se ao uso de definições amplas e muito diferenciadas do termo na literatura, onde são identificadas diferentes ações sobre a participação da família, por parte da escola. Por exemplo, oferecer aos pais informações e conceitos básicos sobre a evolução e desenvolvimento dos seus filhos; treinar os pais para orientar e ensinar seus filhos, no que diz respeito aos conteúdos e conhecimentos acadêmicos; proporcionar momentos de trocas de informações entre pais e professores, em reuniões estruturadas; realizar atividades em conjunto, para avaliar a criança ou implementar programas de apoio acadêmico ou social. O segundo aspecto que dificulta a compreensão do termo refere-se à diversidade entre os ambientes da família e da escola. Além do reconhecimento de que Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola esses dois contextos onde o aluno realiza sua aprendizagem são diferentes e diversificados, é importante também identificar e lidar com as similaridades e diferenças entre eles. Na escola, costumes, espaços, recursos, expectativas, experiências, linguagem e valores podem ser diferentes da família ou, quando similares, podem diferenciar-se em grau. E estas diferenças são, em geral, decorrência da condição sócio-econômica, dos valores e crenças, ou mesmo das diferenças culturais (Yunes, 2003). Entretanto, tais diferenças não constituem (ou não deveriam constituir) um impedimento para o envolvimento e o estabelecimento de relações entre a família e a escola. Interligar estes dois contextos tornase uma tarefa crucial para o estabelecimento de políticas e implementação de programas educacionais. Como o termo envolvimento dos pais é empregado para definir uma ampla gama de atividades que concernem tanto à escola quanto à família, precisamos não só ter clareza, mas também especificar quais são as atividades que estamos nos referindo em nosso estudo. Jowett e Baginsky (1988) apontam algumas tendências que devemos observar no envolvimento família-escola. Dentre elas estão como os pais percebem e incrementam competências para dinamizar o desenvolvimento dos filhos, como os pais e as escolas delineiam atividades do cotidiano ou da vida na escola e os direitos e as necessidades dos pais enquanto consumidores. As relações entre a família e a escola apresentam padrões e formas de interação bem peculiares que precisam ser identificadas, apreendidas e analisadas com o intuito de propiciar uma melhor compreensão não só dos aspectos gerais da integração entre ambos como também daqueles mais peculiares a cada ambiente. A tipologia proposta por Epstein (conforme citado por Bhering & Siraj-Blatchford, 1999; Marques, 2002) engloba cinco tipos de envolvimento entre os contextos familiar e escolar Tipo 1. Obrigações essenciais dos pais. Reflete as ações e atitudes da família ligadas ao desenvolvimento integral da criança e à promoção da saúde, proteção e repertórios evolutivos. Além da capacidade de atender às demandas da criança, considerando sua etapa de desenvolvimento para inserção na escolarização formal, é tarefa da família criar um ambiente propício para a aprendizagem escolar, incluindo acompanhamento sistemático e orientações contínuas em relação aos hábitos de estudos e às tarefas escolares. 307 Tipo 2. Obrigações essenciais da escola. Retrata as diferentes formas e estratégias adotadas pela escola com o intuito de apresentar e discutir os tipos de programas existentes na escola e evidenciar os progressos da criança, em diferentes níveis, para os pais ou responsáveis. As formas de comunicação da escola com a família variam, incluindo desde mensagens, jornais, livretos, convites e boletins até observações na agenda do aluno. A explicitação das normas adotadas, do funcionamento geral da escola, dos métodos de ensino e de avaliação e a abertura de espaços, onde os pais possam participar ativamente e dar suas opiniões sobre estes temas, é estratégico. Tipo 3. Envolvimento dos pais em atividades de colaboração, na escola. Refere-se à como os pais trabalham com a equipe da direção no que concerne ao funcionamento da escola como um todo, isto é, em programações, reuniões, gincanas, eventos culturais, atividades extra-curriculares etc.. Este tipo de envolvimento visa auxiliar professores, orientadores, psicólogos, coordenadores e apoio pedagógico em suas atividades específicas, quer mediante ajuda direta, em sala de aula, quer na preparação de atividades ligadas às festas ou desfiles. Tipo 4. Envolvimento dos pais em atividades que afetam a aprendizagem e o aproveitamento escolar, em casa. Caracteriza-se pelo emprego de mecanismos e estratégias que os pais utilizam para acompanhar as tarefas escolares, agindo como tutores, monitores e /ou mediadores, atuando de forma independente ou sob a orientação do professor. Tipo 5. Envolvimento dos pais no projeto político da escola. Reflete a participação efetiva dos pais na tomada de decisão quanto às metas e aos projetos da escola. Retrata os diferentes tipos de organização, desde o estabelecimento do colegiado e da associação de pais e mestres até intervenções na política local e regional. Em síntese, os pais devem participar ativamente da educação de seus filhos, tanto em casa quanto na escola, e devem envolver-se nas tomadas de decisão e em atividades voluntárias, sejam esporádicas ou permanentes, dependendo de sua disponibilidade. No entanto, cada escola, em conjunto com os pais, deve encontrar formas peculiares de relacionamento que sejam compatíveis com a realidade de pais, professores, alunos e direção, a fim de tornar este espaço físico e psicológico um fator de crescimento e de real envol- Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 303-312 308 vimento entre todos os segmentos. É importante ter em mente que, em todos os tipos de envolvimento família-escola, a qualidade dos relacionamentos é mais importante que a quantidade (Laureau, 1987). Ao analisar o tipo de relacionamento entre esses dois segmentos, em duas escolas, Laureau verificou diferenças marcantes. Em uma das escolas, o relacionamento era rígido e gerava um certo incomodo, com os pais mostrando certa relutância em manter contato com outros pais e professores e, também, insegurança em discutir questões não acadêmicas. Os sinais de desconforto dos pais eram evidenciados por interações curtas, formais e rígidas com a escola. Na outra escola, ele verificou que as interações eram menos formais, mais freqüentes e centradas em assuntos acadêmicos, gerando um clima amistoso que favorecia a aproximação entre os pais e a escola. As formas peculiares de relacionamento que pais e escolas mantém entre si dependem, sobretudo, das percepções que cada um desses segmentos têm de si próprio e do outro. A seguir, tecemos algumas considerações a respeito do que pensam pais e professores sobre o envolvimento da família com a escola. Percepções de pais e professores sobre o envolvimento da família com a escola Bronfrenbrenner (1999) enfatiza que os três principais sistemas que afetam a criança em desenvolvimento são: a família, a escola e o ambiente externo a estes dois contextos. Ele destaca a influência dos aspectos culturais, como crenças, valores, atitudes e oportunidades, que podem facilitar ou mesmo dificultar a evolução da pessoa. Por exemplo, se a escola acredita que os pais devem participar apenas contribuindo com a Associação de Pais, Alunos e Mestres (APAM) ou, somente, participando das reuniões bimestrais, eles certamente não serão convidados a discutirem aspectos ligados à concepção pedagógica de ensino e aos processos de avaliação adotados. As crenças, valores e atitudes podem ser efetivas no estabelecimento de alianças e de um clima de cumplicidade entre pais e professores. Como os pais têm um importante papel instrucional, pois são os agentes primários do desenvolvimento infantil, destacamos, a seguir, a sua visão sobre o papel da família no processo educacional. A importância e a influência da família como agente educativo é inquestionável. Por exemplo, o estabelecimento de um vínculo afetivo saudável entre Ana da Costa Polonia e Maria Auxiliadora Dessen os pais e seus filhos pode desencadear o desenvolvimento de padrões interacionais positivos e de repertórios salutares para enfrentar as situações cotidianas, o que permite um ajustamento do indivíduo aos diferentes ambientes em que ele participa (Marques, 2001), incluindo a própria escola. Por outro lado, filhos cujos pais experienciam freqüentemente situações de estresse, ansiedade e medo têm dificuldades em interagir com outras pessoas e exibem um repertório de comportamentos limitado para lidar com o seu ambiente. Os estudos mostram percepções diferenciadas sobre a influência da família e da escola no processo educativo, particularmente no que tange à percepção dos pais (Bock, 2003; Carvalho, 2000; Chaves & cols., 2002; Christenson & Anderson, 2002; Costa, 2003; Galvão, 2004). Os pais vêem de modo positivo a sua participação no processo educativo quando se tornam efetivamente aliados dos professores (Carvalho, 2000; Coleman & Churchill, 1997; Epstein, 1986; Marques, 2002). De acordo com Laureau (1987), quando os professores consideram os pais como parceiros, eles desenvolvem estratégias de acompanhamento e auxílio sistemático aos filhos, promovendo uma melhor interação entre os vários níveis curriculares, o que possibilita, ao aluno, usar todo o seu potencial. E, ao contrário, se os professores estabelecem um contato distante, rígido, baseado apenas no conteúdo, os pais também adotam essa postura e percebem a relação com a escola como um momento que gera ansiedade e frustração. Como nem todos os pais tiveram boas experiências no período de sua escolarização, tal fato faz com que eles transmitam percepções negativas da escola para os seus filhos e adotem uma postura distante e desconfiada (Grossman, 1999). O pouco tempo para acompanhar a criança, as oportunidades mínimas para realizar a aproximação com a escola, a indiferença ou antagonismo quanto à sua presença na instituição, são comuns no espaço escolar. Outros fatores dificultam a aproximação entre pais e professores, dentre eles, as barreiras culturais, especialmente quando a escola não as considera como elo importante nesta cadeia. Portanto, é necessário que professores, diretores e outros segmentos da escola desenvolvam habilidades e ações que explorem os diferentes níveis de experiências, conhecimento e oportunidades dos pais, visando uma implementação mais efetiva do envolvimento famíliaescola (Ferreira & Marturano, 2002; Formiga, 2004; Marques, 2001, 2002). Para isto, a percepção que os Em busca de uma compreensão das relações entre família e escola professores possuem da família como agente educativo desempenha papel preponderante. Grossman (1999) identifica um conjunto de crenças dos educadores sobre a sua relação com a família, ora facilitando, ora impedindo a aproximação desta. Um dos pontos críticos é a crença de que os pais de nível sócioeconômico mais baixos não estão preocupados com seus filhos, adotando freqüentemente uma postura negligente e pouco participativa (Silvern, 1988). Outro ponto diz respeito aos professores e diretores que acham que os pais têm pouco ou quase nada a contribuir para o currículo escolar, devendo apenas participar das reuniões para entrega de boletins. Independentemente das crenças de educadores, a participação dos pais na educação formal dos filhos constitui fonte de intensa preocupação nas escolas, uma vez que esta participação é limitada, na medida em que os pais se restringem a buscarem as notas e pouco se envolvem com o currículo e com as atividades escolares (Marques, 2002). Sendo assim, é importante considerar as peculiaridades dos papéis dos pais, dos professores, dos coordenadores, dos diretores e de outros componentes da escola. Uma avaliação consistente e sistemática que indique os diferentes graus de participação de cada um deles na escola, auxilia a compreensão e a identificação das diferentes formas de participação dos pais nas atividades escolares e fornece informações sobre a dinâmica da família e dos processos evolutivos dos alunos. Considerações finais: em busca de uma integração mais efetiva Não há dúvidas de que psicólogos, educadores e demais profissionais que atuam na escola reconhecem a importância das relações que se estabelecem entre a família e a escola e os benefícios potenciais de uma boa integração entre os dois contextos para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo do aluno. Para que isto ocorra, é preciso adaptar diferentes estratégias e formas de implementar a relação famíliaescola, considerando o contexto cultural, isto é, as crenças, os valores e as peculiaridades dos ambientes sociais (Baker, 1999; Carvalho, 2000; Epstein, 1986; Epstein & Dauber, 1991; Marques, 2002). Para superar as descontinuidades entre os ambientes familiar e escolar, é necessário conhecer os tipos de envolvimento entre pais e escola e estabelecer estratégias que permitam a concretização de objetivos comuns. Silvern (1988) classifica os processos de 309 continuidade e descontinuidade entre a escola e a família, em dois grandes blocos. A idealização do ambiente familiar, onde se busca a compreensão do afeto, da livre expressão dos sentimentos, da unidade familiar, da riqueza verbal e das trocas emocionais que acontecem de forma constante e de maneira mais livre neste contexto, e o significado e as experiências que a criança traz para a escola, provenientes deste espaço familiar, que se distingue do escolar pela adoção de uma linguagem particular, frente ao uso do tempo e das atividades mais estruturadas e sistematizadas. Normalmente, na escola, o espaço torna-se mais frio, distante, impessoal e altamente competitivo quando comparado ao espaço da família. A linguagem adotada e os símbolos empregados se estruturam de maneira descontextualizada, ignorando-se as características familiares. O reconhecimento destas diferenças, por exemplo, possibilitaria implementar estratégias apropriadas e fornecer orientações específicas para cada um, observando-se as características culturais, os papéis e a disponibilidade efetiva para concretizar as atividades conjuntas. Sulzer-Azaroff, Mayer, Rosenfied e McLoughlin (1989) acreditam que para estabelecer uma relação efetiva entre pais e escola é necessário que os professores aceitem a responsabilidade de se comunicarem de forma clara, simples e compreensível com os pais. Além disso, percebam que o sucesso da parceria pais-professores está interligado à compreensão das diferentes questões que os envolvem na ação educativa, com respeito ao aluno e sua história escolar, considerem que pais e educadores têm uma relativa igualdade no impacto sobre a criança, compreendam que pais e educadores devem ser honestos uns com os outros e aprendam a se adaptar uns aos outros e a concentrar o seu investimento sobre a criança. Todos estes aspectos são relevantes quando visam o seu bem estar e o seu desenvolvimento. A escola deve, especialmente no ensino fundamental, não só reconhecer que o aluno realiza conexões dos conhecimentos adquiridos na família, e faz deles sua referência no intuito de compreender e estabelecer suas relações com os conteúdos curriculares (Epstein, 1986; López,1999/2002), mas também implementar ações subsidiadas em tais conexões. Não é somente a criança que é afetada pela visão estanque dos conhecimentos e experiências adquiridas fora da escola, mas também pais e professores, que sentem esta ruptura e isolamento, Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 2 303-312 310 Ana da Costa Polonia e Maria Auxiliadora Dessen tendo como conseqüência o prejuízo das relações interpessoais e da própria aprendizagem do aluno. A integração do ambiente escolar e familiar não é uma tarefa fácil e não deve ser encarada de forma amadora ou ‘idealística’. Urge que dados empíricos sejam gerados, permitindo a identificação de fatores que facilitam ou dificultam esta interação. Esta perspectiva é compartilhada por vários pesquisadores (Baker, Kessler-Skar, Piotrowski & Parker, 1999; Carvalho, 2000; Coleman & Churchill, 1997; Epstein, 1986; Epstein & Dauber, 1991; Marques, 2002), que enfatizam a necessidade de uma base empírica para influenciar e estruturar as políticas educacionais voltadas à relação família e escola. Segundo Carvalho (2000) e Marques (2002), hoje, impera mais o discurso que a articulação de dados relacionados à pesquisa, particularmente no Brasil. Além disso, é preciso, também, que as investigações científicas sejam baseadas em um modelo sistêmico, que implica, necessariamente, a adoção de uma abordagem multimetodológica, permitindo captar, de modo mais sensível, a dinâmica dos dois ambientes, revelando suas peculiaridades e padrões comuns (Dessen, 2005; Dessen & Aranha, 1994; Polonia & Senna, 2005). Para compreender o processo evolutivo do indivíduo, é necessário integrar os vários ‘endereços sociais’, isto é, todos os ambientes onde ele realiza suas atividades (Lerner, Fisher & Weinberg, 2000). Segundo Bronfenbrenner (1999), as atividades desempenhadas pelos indivíduos nos diferentes contextos possibilitam a evolução, a adaptação e a reestruturação do seu ambiente físico e psicológico. A grande maioria das pesquisas é oriunda da cultura norte-americana e européia, o que, de certa forma, espelha os seus valores, normas e crenças no que diz respeito às funções da família e da escola. Isso não significa que estas pesquisas não possam subsidiar o conhecimento em outros contextos culturais, como o nosso. Pelo contrário, elas possibilitam identificar similaridades e idiossincrasias com a população brasileira. No entanto, é imprescindível implementar projetos levando em conta o contexto cultural brasileiro, a fim de evitar o emprego de modelos educacionais que são apropriados para outros contextos. Em se tratando do nosso contexto sociocultural, é preciso fomentar a relação família-escola, tomando como base as diferenças sociais e regionais que caracterizam a nossa cultura e a real condição de implementação de projetos de pesquisa. Fazse mister, sobretudo, estimular as produções acadêmicas direcionadas ao estudo do envolvimento da família com a escola, transformando-as em fomento e em mecanismos que contribuam para o planejamento de políticas e de programas educacionais. No âmbito político, por sua vez, é preciso estabelecer novos rumos para a relação família-escola que visem o desenvolvimento global dos alunos. Conhecer os processos que permeiam os dois contextos e suas inter-relações possibilitaria uma visão mais dinâmica do processo educacional e, certamente, intervenções mais precisas e efetivas, e uma ampla discussão de modelos de articulação entre esses dois agentes educacionais, considerando as condições brasileiras. Esperamos, com este artigo, despertar o interesse de pesquisadores, psicólogos e educadores, para a obtenção de uma base empírica para as discussões e implementação de ações visando um funcionamento escolar que integre a escola e a família. REFERÊNCIAS and student satisfaction with school. The Elementary School Journal, 100, 57-70. Baker, A. J. L., Kessler-Sklar, S. K., Piotrowski, C. S. & Parker, F. L. (1999). Kindergarten and first-grade teachers’ reported knowledge of parents’ involvement in their children’s education. The Elementary School Journal, 99, 367-380. Bartolome, P. I. (1981). The changing family and early childhood education. 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Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e na família. Psicologia em Estudo, 8, 75-84. Recebido em: 16/12/2004 Revisado em: 16/08/2005 Aprovado em: 14/10/2005 Endereço para correspondência: Ana da Costa Polonia: Universidade de Brasília-UnB – Faculdade de Educação-TEF – Campus Universitário Darcy Ribeiro – Asa Norte – CEP: 70910-900 – Brasília-DF – e-mail: [email protected] Maria Auxiliadora Dessen: Universidade de Brasília – Instituto de Psicologia, PED – Campus Universitário ‘Darcy Ribeiro’ – Brasília- DF – Brasil – CEP: 70.910-900 – e.mail: [email protected] Resenhas LITERATURA, LEITURA E APRENDIZAGEM DA ESCRITA Olness, R. (2005). Using literature to encharge writing instruction: A guide for K5 teachers. Newark: IRA, xii + 204p. A literatura é uma das dimensões culturais que mais oferece condições para o desenvolvimento do ser e que, por esta razão, pode ser instrumento e meio de ensino de muitas áreas do conhecimento além dela própria. Vale lembrar seu uso no ensino da leitura, da escrita, da história, da filosofia, da geografia, da matemática. Na obra aqui resenhada é enfocado seu uso no desenvolvimento da competência na escrita por escolares. Rebecca Olness é uma professora aposentada, especialista na área, com mais de 30 anos de experiência e que oferece aos leitores, embora enfoque principalmente os alunos do 5ª série do ensino fundamental, por vezes, considera também séries precedentes e posteriores. Além disso, muitos dos procedimentos e técnicas podem ser úteis no nível médio e mesmo adaptadas para o nível superior. Assim sendo, o livro tem o potencial de poder ser útil a muitos docentes. A obra compreende prefácio, escrito pela própria autora, 10 capítulos, referências e índice de autores e conteúdo. As referências são predominantemente recentes, incluindo literatura cinza e artigos de periódicos. Em cada capítulo, em relação específica, são apresentadas muitas obras literárias citadas ao longo do trabalho. O texto segue basicamente o modelo de escrita denominado Modelo dos Seis Traços Analíticos da Escrita, de Spandel e Stiggs, infelizmente pouco conhecido Brasil. Os seis traços ou elementos são: 1) idéias, 2) organização, 3) voz, 4) escolha da palavra, 5) fluência oracional (sentença) e 6)convenções. Cada elemento é avaliado, analisado e trabalhado independentemente de modo a se produzir uma boa escrita. A meta da autora é auxiliar o professor como ensinar seus alunos a reconhecerem estes traços em bons textos, em obras literárias, para que possam incluílos em sua própria escrita. O livro tem potencial para que o professor possa realmente transformar sua prática. É rico em exemplos e sugestões , bem sustentados em pesquisa e inspira muitas outras investigações. O primeiro capítulo é uma rápida revisão da relação leitura-escrita em que lembra os autores como mentores ou modelos, a preocupação com a audiência, o gênero dos autores, a questão do vocabulário, do estilo e da ilustração. Parte do pressuposto que um bom leitor eventualmente é também um escritor. No capítulo seguinte começa por lembrar que tanto crianças como adultos aprenderam melhor em um ambiente que os apoie, em uma situação positivamente reforçadora. Passa a considerar os gêneros literários e suas possibilidades de uso no ensino da escrita desde os livros de figura até textos mais complexos. Indica rapidamente as possibilidades as quais são retomadas e aprofundadas nos capítulos següintes. “Escrever é mais do que viver...... é estar consciente do viver” (p.35) é com esta formulação de Lindbergh que a autora começa o capitulo 3 no qual enfoca a relação experiência-escrita, tendo por base: o tópico (escolher e aprofundar), fornecimento de pistas, introdução de regras ou parâmetros e aprender a escrever com os outros. Muitos escrevem sobre o que sabem, suas experiências, memórias, observações e registros. Os alunos podem aprender a fazer o mesmo como básico para o desenvolvimento de sua escrita. É a partir do 4º capitulo que a Autora começa a melhor especificar cada elemento do modelo. Nesse capítulo trata do encontrar boas idéias e detalhes. As idéias são a própria razão do escrever do autor, o que transmitir. É preciso relacionar as características, enfocar a quantidade dos detalhes ir além do óbvio. É comum começar com um tema muito amplo, é preciso afunilálo, restringí-lo e escolher os detalhes mais importantes pode ser muito útil. Mas há a contrapartida – escolher sobre o que não falar. A seguir trata de como usar livros como exemplo de idéias, verificando como os autores 314 trabalham. Uma lista de checagem para o aluno pode ser de grande valia (Meu tema está suficientemente restrito?, Falei o suficiente sobre o assunto? Apresentei os detalhes importantes? Demonstrei mais do que falei? Minha mensagem está clara?) Para auxiliar o professor, apresenta alguns planos de aula, como o fazer relação aos elementos enfocados no capítulos posteriores. O traço seguinte é a elaboração do esquema ou primeira redação, o que requer técnicas específicas. Apresenta rapidamente poucas técnicas das muitas presentes na produção científica. Vale lembrar que desde o inicio deve-se organizar a produção do começo ao fim. No capítulo 6 trata de expressão dos sentimento por meio das vozes dos personagens dos textos literários. Trata também do tipo de discurso que pretende persuadir o outro, indicando tecnologias auxiliares para êxito nesta tarefa. A escolha da palavra correta é essencial na escrita, aprender a fazer esta seleção amplia o vocabulário e permite ganhos em precisão no uso das várias categorias gramaticais. Aprender a usar tesouras, enciclopédias dicionários e glossários é fundamental. Paralelamente é preciso desencorajar o uso de jargões e frases feitas. Novamente há o cuidado da autora de ensinar ao professor o uso de algumas tecnologias. No presente caso optou pelo Procedimento ou técnica de Cloze. Neste, como em todos os capítulos, o uso de livros como exemplo de escolha e uso de palavras é parte importante do processo de ensino-aprendizagem. Dominar a fluência e o ritmo (especialmente no texto literário) é fundamental na escrita (capítulo 8). A análise de obras literárias pode ser muito útil para o domínio de começar uma sentença, da extensão da mesma, da combinação de sentenças, do uso de Resenhas elementos gramaticais no estabelecimento da coesão. Vale lembrar a importância da revisão. A apresentação de qualquer escrita segue convenções (capitulo 9) específicas para cada tipo de texto. A partir de textos literários, usando tecnologias especiais de ensino, são trabalhadas: a soletração, a pontuação, as maiúsculas, as habilidades de editoração; o acesso às convenções e o respeito às mesmas. No último capitulo, a autora acrescenta algumas considerações finais sobre o aprender a escrever tendo a literatura como referencial. Lembra que precisam ler muito não só literatura mas também sobre como escrever e como fazê-lo efetivamente. Os professores também precisam ser escritores, serem modelo para seus alunos. Lembra ainda que escrever requer tempo e que é preciso que seja previsto pelo mesmo de 25 a 40 minutos diários para escrita, desde a primeira série. Espera-se que 33% do tempo passado em sala de aula seja dedicado à aprendizagem da escrita e ela deve ser transversal a todo o currículo. O professor também precisa cuidar de desenvolver suas habilidades pessoais escritas (15 a 20 minutos de treino diariamente pelo menos). Vale concluir esta resenha com o último parágrafo do livro: Assim, leia para seus estudantes. Envolva-os em todas as formas de escrita, gênero e literatura. Partilhe com ele seus textos e livros favoritos. Demonstre o processo de escrita, indique e discuta com eles os traços da escrita. Seja criativo e encontre meios para oferece tempo contínuo para escrita em sua sala de aula. E, acima de tudo, divirta-se. Seu entusiasmo e amor pela literatura e leitura será contagioso. (p. 188) Geraldina Porto Witter UMC/ PUC-Campinas CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA À EDUCAÇÃO ESCOLAR Maluf, M. R. (2004). Psicologia Educacional: questões contemporâneas. São Paulo: Casa do psicólogo, 222p. O livro em questão é resultado de um projeto de cooperação entre a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Comité Franòais d’ Évaluation da la Coopération Universitaire avec le Brésil (COFECUB). O projeto “Desenvolvimento das competências, integração escolar e social de crianças e adolescentes”, aconteceu entre os anos 2000 e 2003. No Brasil, o projeto foi coordenado pela professora Doutora Maria Regina Maluf do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e na França, pelo professor Doutor Michel Deleau de l’ Université de Rennes. Os textos, portanto, são resultados de pesquisas gerados por docentes, mestrandos e doutorandos. O primeiro capítulo aborda a construção da identidade sexuada durante os primeiros anos de vida. Os autores analisam resultados de pesquisa de 1963 ‘a 2001, perpassando por questões como determinismo genético, a teoria da aprendizagem social e os enfoques cognitivos. Este texto favorece ao leitor uma visão do desenvolvimento dos papéis relacionados ‘a sexualidade masculina ou feminina. O capítulo dois, relata o entendimento que elas elaboram, durante os primeiros anos de vida, a respeito da mente, ou seja, as intenções, os pensamentos e crenças das outras pessoas que convivem com elas. O texto aborda o que é teoria da mente e destaca os trabalhos precursores realizados no Brasil, citando também os primeiros trabalhos que surgiram na literatura internacional. É um texto de extrema importância para os leitores que desejam conhecer sobre o assunto ou até mesmo atualizar-se sobre as pesquisas da área. No terceiro capítulo, as autoras fazem uma revisão das pesquisas que demonstram a relação entre consciência fonológica e alfabetização. A partir dessa introdução teórica, o leitor encontrará resultados de uma experiência de intervenção experimental em crianças pré-escolares, cujo objetivo foi verificar os efeitos de um programa de intervenção em consciência fonológica sobre a aquisição da linguagem escrita. Os resultados apontam uma interação entre habilidades metafonológicas e aquisição da linguagem escrita. A dimensão morfológica nos principais modelos de aprendizagem da leitura, constitui o título do quarto capítulo. Os autores franceses iniciam o texto com uma breve explicação a respeito dos princípios da leitura e da escrita, abordando a fonologia e a morfologia. Para discutir especificamente a questão da morfologia, o leitor se depara com uma explanação a respeito dos modelos de etapas e conexionista, aprendizagem da leitura. As reflexões finais sugerem que a morfologia intervém no reconhecimento de palavras escritas, desde o primeiro ano de aprendizagem da leitura, quando as crianças não dominam plenamente o código alfabético. Sugerem também, que se deve considerar a estrutura morfológica como facilitadora do processamento da leitura. Baseando-se em reflexões feitas sobre autores que abordam a questão, o texto do capítulo cinco, nos remete ao conceito de interação social colocando a tutoria como uma das formas de interação. Para obter um panorama geral do assunto, as autoras comentam as origens da tutoria, citando posteriormente, estudos mais recentes e no final do capítulo discursam sobre as implicações para a Educação. Tais implicações evidenciam alguns pontos importantes sobre a tutoria como estratégia de aprendizagem a ser adotada com vistas ao sucesso escolar, os níveis de escolarização, prevenção do fracasso escolar na aquisição da leitura e escrita no ensino fundamental e ajuda na inclusão de alunos com necessidades especiais no sistema regular de ensino. A violência aparece como tema no capítulo seis é discutida ao longo do texto a evolução da conduta agressiva e as crenças e sentimentos envolvidos na 316 agressão. A partir desta introdução, a autora nos remete a pensar sobre formas não violentas de resolver conflitos, educando para a negociação. A prática de resolução de conflitos através de oportunidades reflexivas geradas pelo professor, traz a possibilidade de desenvolvimento da autonomia, trabalhando na relação a percepção de si mesmo e do outro. O último capítulo suscita algumas reflexões sobre a influência da Internet no falar de si, na exploração do si mesmo e na construção de fronteiras da intimidade durante a adolescência. Apresenta inicialmente o contexto da comunicação virtual baseando-se em estudos recentes sobre o tema. Os autores relatam os Resenhas resultados de suas pesquisas, despertando no leitor importantes descobertas e suscitando novas reflexões a respeito. No final de cada capítulo encontram-se as referências bibliográficas dos assuntos pesquisados, propiciando ao leitor consulta posterior se assim desejar. A leitura deste livro é recomendada a todos os profissionais da área educacional, uma vez que oferece vários temas atuais que permeiam o processo educativo. Jussara Fernandes Mestranda da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) História ENTREVISTA COM EVELY BORUCHOVITCH Entrevistadora: KATYA LUCIANE DE OLIVEIRA EVELY BORUCHOVITCH formou-se em psicologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e fez seu doutorado na University of Southern California. Evely é professora do ensino superior desde 1995, atua no Programa de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas, na linha de pesquisa Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação. Sua atuação profissional apresenta grandes realizações, tendo orientado diversos trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Sua trajetória é marcada por inúmeras publicações de livros, artigos e apresentações de trabalhos em congressos nacionais e internacionais. A professora Evely, como é chamada por seus alunos, é uma pessoa dinâmica e engajada com os ideais educacionais brasileiro. Sua competência acadêmica, ética profissional e solicitude, características reconhecidas por seus pares no âmbito da Psicologia Escolar e Educacional, fazem dela uma presença marcante na área. O relato da entrevista com Evely feita por Katya Luciane de Oliveira revelam tais características no âmbito profissional e pessoal. Katya: Como foi a sua formação profissional? Evely Boruchovitch: Apesar das várias dúvidas e conflitos naturais da adolescência, tinha certeza de que era Psicologia o que eu gostaria de seguir. Eu queria compreender e ajudar o ser humano. Os mistérios da psique e da vida emocional fascinavam-me. Eu prestei o vestibular aos 17 anos para Psicologia e passei para a minha primeira opção que era Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Tive uma formação teórica e prática bastante sólida e diversificada. Apaixonei-me pela Psicanálise. Como não se encantar? Além de a teoria ser de uma beleza e riqueza ímpares, tive excelentes professores em Psicanálise, como Luís Alfredo Garcia Roza e Maria Luiza Seminério. Ser psicóloga clínica e trabalhar dentro de um referencial psicanalítico era, na ocasião, tudo o que eu mais desejava. Apaixonada pela psicanálise, percebia que ela não poderia ser acessível a todos. Interessei-me demais pela questão elucidada por Freud, em 1919, no artigo Linhas 318 de Progresso na Terapia Psicanalítica, de adaptarmos a nossa técnica às novas condições sociais. Não tinha dúvidas de que era fundamental que profissionais da área de saúde mental refletissem sobre alternativas psicoterápicas ao tratamento psicanalítico, uma vez que este nunca foi acessível à maioria da população brasileira. Envolvi-me, profundamente, com a literatura relativa a psicoterapia breve de orientação psicanalítica. Estagiei no Serviço de Psicologia Aplicada da UERJ, atendendo à adultos, sob a supervisão da Profa. Ana Lúcia Furtado, dentro dessa perspectiva. Pude vivenciar os possíveis desafios do psicólogo clínico. Entretanto, o desejo nítido de ser psicóloga clínica em momento nenhum fez-me fechar os olhos para todos os outros caminhos que a Psicologia poderia me oferecer. Então, realizei estágios nas mais diversas áreas da Psicologia, o que hoje considero ter sido um dos pontos fortes da minha formação. A UERJ oferecia várias possibilidades de prática supervisionada. Estagiei na área de Psicologia do Trabalho, na Divisão de Desenvolvimento de Pessoal (DDP) da própria UERJ. Atuei em dois projetos importantes, na época: o projeto de implantação de uma creche para os filhos dos funcionários e o projeto de reestruturação de cargos e salários. Ainda na DDP, tive a chance de trabalhar na área de seleção de pessoal, aplicando e levantando testes de aptidão e personalidade, elaborando relatórios de seleção e participando de uma pesquisa sobre grafismo para estudos de seleção. A realização desse estágio não só me permitiu descobrir as atividades do psicólogo do trabalho, mas também representou o despertar do meu interesse pelas atividades de pesquisa. Queria também ter uma visão mais ampla do papel do psicólogo em outras instituições. Estagiei no Hospital das Clínicas da UERJ, no setor de psiquiatria, fazendo acompanhamento de pacientes psiquiátricos e coordenando grupos operativos com os mesmos. A escola era também uma instituição que muito me instigava. Tive oportunidade de realizar um trabalho de análise institucional, em grupo, sob a supervisão da Marisa Lopes da Rocha, numa escola de uma paróquia, voltada para a alfabetização de adultos de baixa renda. Os estágios – tanto no hospital, quanto na escola – foram bastante enriquecedores e me possibilitaram a descoberta de novas perspectivas de atuação. Na realidade, não me limitei aos estágios oferecidos pela UERJ. Das atividades fora da UERJ, a que mais me sensibilizou foi a realizada numa instituição situada História numa favela e que tinha como objetivo receber crianças e adolescentes do local, no período em que não estivessem na escola, oferecendo-lhes apoio psicopedagógico e orientação profissional. A finalidade era evitar que essas crianças se engajassem, na ausência dos pais, em comportamentos ligados à marginalidade. Cresci bastante nesse estágio, coordenando os grupos de atividades psicopedagógicas para crianças, grupos de informação profissional para adolescentes, e fazendo visitas domiciliares à população da favela que se beneficiava da instituição. A certeza da importância do ensino de Psicologia na formação de professores conduziu-me a realizar o curso de Licenciatura em Psicologia. A Licenciatura permitiu que eu entendesse mais o sistema educacional brasileiro e seus problemas. A Faculdade de Educação da UERJ me proporcionou uma formação bastante interessante. Os cinco anos em que estive na UERJ foram caracterizados por inúmeros ganhos, quer profissionais, quer pessoais. Concluí o curso em agosto de 1984 com uma formação teórica sólida e com uma visão bastante ampla da atuação do psicólogo. Além da experiência profissional adquirida, a universidade representou um espaço muito importante para mim, no qual eu aprendi a postular questões complexas e repensar o mundo. Assim que me formei, trabalhei em consultório particular por quatro anos, realizando atendimento psicoterápico de orientação psicanalítica para adultos e adolescentes, o que muito me gratificava. Tive, concomitantemente, a chance de enriquecer essa prática clínica participando de um projeto de pesquisa em Educação e Saúde, voltado para professores e alunos do ensino fundamental, no Departamento de Biologia da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), coordenado pela Dra. Virgínia Torres Schall. Tive bolsa de Profissional em Aperfeiçoamento do CNPq. Minha participação nesse projeto diminuía o isolamento da prática clínica, permitia-me atingir um maior número de pessoas e ter uma contribuição profissional mais ampla. Dediquei-me ao estudo da formação de conceitos de saúde e doença em estudantes do ensino fundamental. Temática essa que se constituiu num embrião de uma pesquisa que vim a desenvolver, mais tarde, em maior profundidade, como tese de doutorado. Na realidade, eu saí da FIOCRUZ para cursar o doutorado fora do Brasil. Quando ingressei no doutorado na University of Southern California (USC), em Los História Angeles, pela natureza do meu projeto de pesquisa, a minha área de concentração principal foi Desenvolvimento Humano e a secundária foi Metodologia da Pesquisa. Katya: Descreva quais aspectos foram mais marcantes no seu doutoramento na University of Southern California. Evely Boruchovitch: Na University of Southern California, eu prestei seleção para o Departamento de Psicologia Educacional da Escola de Educação, visto que pretendia dar continuidade às inquietações que surgiram decorrentes da minha participação no projeto de Educação e Saúde. Diversos aspectos me marcaram durante o doutorado : – Era impressionante a quantidade de informações e de leituras que tínhamos a cada aula. O número de referências bibliográficas obrigatórias por disciplina era enorme. Evidentemente, não havia um controle de freqüência, mas ninguém faltava às aulas. As disciplinas eram muito difíceis e a carga de trabalho bastante intensa. Assistir a aulas avançadas em inglês, no início, era doloroso. Os seis anos de curso de inglês no Instituto Brasil-Estados Unidos e três semestres de cadeiras avançadas de Gramática e Literatura do curso de formação de professores não me pouparam das dificuldades iniciais de compreender o inglês falado. – Como eu era bolsista Capes e a bolsa tinha a duração de quatro anos, tive que fazer um curso de Estatística logo no primeiro semestre, pois ele era pré-requisito de outros. Esse curso era o terror dos americanos. Durante esse curso, ocorreu uma coisa que me marcou muito. Pedi um caderno emprestado para copiar e confirmar as anotações de aula. Ninguém queria me emprestar. Recém-chegada do Brasil, eu não conseguia entender tal comportamento. Até que eu descobri que as avaliações dos cursos lá eram feitas, baseando-se na curva normal, que prefixava o percentual de alunos que poderia tirar uma nota A. Então, se eu acertasse uma questão a mais que alguém, isso diminuía a possibilidade dessa pessoa de tirar a nota máxima. De todas as disciplinas que cursei durante o doutorado, em 99%, as notas eram dadas dessa forma. Fomentava-se muita competição entre os colegas. Só fiz uma disciplina que todos podiam, a priori, ser “vencedores” (tirar nota A). E isso tudo era extremamente contraditório em relação aos avanços que surgiam, naquela mesma época, acerca das teorias sociocognitivas da motivação, no que 319 concerne à importância dos climas cooperativos em sala de aula para a promoção e manutenção da motivação para aprender do aluno. – O número de créditos de disciplinas necessárias e obrigatórias para a formação do Ph.D. era bastante elevado. Cursei 66 créditos, o equivalente a 15 disciplinas. – Havia muita solidão acadêmica. Eu só fiz um trabalho em grupo, durante o curso inteiro. Tinha pouca oportunidade de discussão e interlocução com os colegas. – A relação era extremamente formal e hierárquica entre professor e aluno, orientador e orientando, e ia se modificando e melhorando à medida que o orientando ia produzindo e avançando nos exames, na tese... – Havia simultaneidade da seriedade da formação tanto em um nível mais geral, quanto em um nível mais específico. – A atualização dos textos e da literatura recomendada, ao mesmo tempo que os autores clássicos nunca eram relegados. – Havia um número excessivo de exames de qualificação. Fiz quatro exames dessa natureza ao longo do curso. O primeiro foi um exame escrito, logo após a conclusão das disciplinas básicas. Após a conclusão de todos os créditos, havia mais três exames: dois escritos, um sobre o estado da arte dos principais temas da sua área de concentração principal e outro sobre o estado da arte dos principais temas da sua área de concentração secundária. O terceiro exame era oral com cinco professores e versava sobre o seu projeto de pesquisa e questões relativas à tese. Esses exames eram longos, estressantes e sem consulta, requerendo um preparo prévio enorme. Defender tese, depois de tudo isso, foi uma das coisas mais tranqüilas do processo. – Eram rigorosas as críticas nos feedbacks recebidos a cada trabalho corrigido. – Foi desgastante redigir uma tese em uma língua que não era a minha e lidar com a excelência de redação exigida. O texto tinha que ter a qualidade do native speaker. No meu caso específico, o inglês não era a primeira língua, nem para mim nem para a minha orientadora, Dr. Birgitte Mednick, que era dinamarquesa. – Pude me dedicar exclusivamente ao doutorado – isso foi muito positivo e único. Até então, eu vivia dividida entre várias atividades. – Depois da defesa de tese, tive a satisfação de receber alguns reconhecimentos promovidos pela Universidade como: um certificado de Outstanding 320 Academic Achievement, a Harold Cook Merit Scholarship, e a Phi Delta Kappa Scholarship. Katya: Qual o motivo que a levou a escolher a Psicologia Escolar/Educacional como área de atuação? Evely Boruchovitch: Acho que três fatores contribuíram para essa escolha: os dois estágios realizados em Psicologia Escolar durante a graduação, ter sido aluna e ter realizado estágio em Psicologia escolar sob a supervisão da Marisa Lopes da Rocha e ter participado, logo que me formei, de um projeto de pesquisa em Educação e Saúde, na Fundação Oswaldo Cruz. A participação no projeto de Educação em Saúde representou para mim uma inesgotável fonte de aprendizado e muito contribuiu para o meu amadurecimento profissional e pessoal. Consolidei a certeza de que queria o caminho instigante do mundo da pesquisa e da Psicologia Escolar e Educacional. Katya: Como se interessou pela Psicologia Cognitiva, em especial a baseada na teoria do processamento da informação? Qual o papel desse referencial teórico na sua atuação? Evely Boruchovitch: Muito preocupada com o fracasso escolar brasileiro, cursei, durante o doutorado, diversas cadeiras fora das minhas áreas de concentração. Investi muito nos cursos ligados a aprendizagem humana, também, e me fascinei pelas contribuições das teorias cognitivas da aprendizagem e suas frutíferas aplicações na melhoria da aprendizagem e do rendimento escolar de alunos. Encantei-me pelos trabalhos sobre a metacognição – as propostas de aprendizagem auto-regulada, a possibilidade de fortalecer a capacidade de aprender do aluno, mediante o ensino de estratégias de aprendizagem, de ensiná-lo a aprender a aprender e, a exercer mais controle e reflexão sobre seu o próprio processo de aprendizagem . Pensando sobre isso, escrevi dois artigos teóricos. O primeiro, em 1993, foi uma reflexão sobre a metacognição e suas possíveis contribuições para o fracasso escolar brasileiro. Já o outro versava sobre o impacto das variáveis psicológicas no desempenho escolar. Foi por meio desse segundo artigo que conheci o Prof. José Aloyseo Bzuneck. Ele, ao ler o artigo, me enviou uma carta falando dos seus interesses História semelhantes de investigação. A partir daí, começamos trabalhos em conjunto. Na realidade, as recentes contribuições da Psicologia Cognitiva baseada na Teoria do Processamento da Informação têm norteado a minha atuação como professora e pesquisadora. Tenho estudado a aprendizagem de alunos brasileiros, tendo esse referencial teórico. Comecei a pesquisar as estratégias de aprendizagem e os hábitos de estudos de crianças brasileiras do ensino fundamental, acreditando ser um passo inicial importante para se poder contribuir para fortalecer a capacidade de aprender de nossos alunos, para a prevenção de dificuldades de aprendizagem, bem como para se tentar caminhar em direção a construção de um conhecimento maior sobre como os nossos estudantes estudam e aprendem. Minhas pesquisas têm se concentrado na identificação das estratégias de aprendizagem utilizadas pelos alunos espontaneamente ou como conseqüência de intervenções psicopedagógica e na análise dos fatores afetivos, motivacionais e demográficos que facilitam ou impedem os alunos de aprender e de se engajar no uso de estratégias de aprendizagem. Tenho tentado caminhar em direção a um ensino voltado para o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem e para a promoção da motivação para aprender nos alunos. Há pesquisadores que defendem a criação de uma cultura que valorize e promova o aprender a aprender, os processos metacognitivos e o desenvolvimento do estudante auto-regulado. Penso que isso é um investimento a longo prazo, que só será alcançado se, houver uma inserção maior das contribuições da psicologia cognitiva baseada na teoria do processamento da informação nos cursos de formação de professores, não só do ponto de vista teórico, mas de forma crítica, auto-reflexiva e, sobretudo, vivencial. Como se constata a carência de instrumentos nacionais relativos à avaliação psicoeducacional, sobretudo dentro desse referencial teórico, tenho tentado também contribuir para discussão e produção de conhecimentos nessa direção. Participo, atualmente, do Grupo de Trabalho de Avaliação Psicológica da ANPPEP. Katya: Relate um pouco do seu percurso de pesquisadora e, na sua percepção, quais os impasses enfrentados por um pesquisador no Brasil? História Evely Boruchovitch: O meu trabalho na área de formação de conceitos na FIOCRUZ me suscitou uma série de indagações que tentei responder na minha tese de doutorado. Na ocasião, eu almejava tanto contribuir para a realidade brasileira, obter informações úteis para a melhoria do ensino de Saúde, como para a implementação de programas preventivos em Educação e Saúde. Defendi tese no final de 1993. Tendo cumprido os meus objetivos profissionais em Los Angeles, era hora de voltar. Por mais que o Rio de Janeiro, minha terra natal, fosse atraente e mais aconchegante do ponto de vista afetivo, queria algo diferente. Escolhi a Faculdade de Educação da UNICAMP pela sua elevada reputação, que me possibilitaria realizações profissionais. Candidatei-me, então, a uma bolsa de recém-doutor no Departamento de Psicologia Educacional (DEPE) da Faculdade de Educação da UNICAMP. Na ocasião, foi-me solicitado o envio do projeto de pesquisa e o curriculum vitae para que o meu pedido pudesse ser avaliado. Elaborei um projeto voltado para a temática do fracasso escolar, tendo como referencial teórico as contribuições da Psicologia Cognitiva baseada na Teoria do Processamento da Informação. Fiquei muito contente ao receber a resposta positiva do DEPE pela admiração que sentia pelo conjunto de professores pesquisadores que lá realizavam um trabalho destacado, em nível nacional. Isso foi no início de 1995. No final do ano de 1995, houve uma seleção interna, e tive, portanto, a possibilidade de concorrer a uma vaga de Professor-Assistente-Doutor, com regime de trabalho em tempo parcial. Foi gratificante saber que tinha sido uma das selecionadas. Passei a fazer parte do corpo docente do DEPE a partir de julho de 1996, o que me ampliou as oportunidades de atuação profissional, quer em nível de ensino, quer em nível de pesquisa. Mas era um contrato temporário. Prestei outro concurso público, em 1999 e passei a integrar o quadro permanente da Faculdade de Educação da UNICAMP. Logo após ter sido oficialmente contratada pela UNICAMP, fui convidada pelo Prof. Fermino F. Sisto a fazer parte do Grupo de Pesquisas e Estudos em Psicopedagogia (Gepesp). Participar desse grupo vem representando para mim uma perspectiva muito interessante de atuação em projetos de pesquisa e atividades grupais. Como eu era tempo parcial na UNICAMP, O Prof. Fermino, em 1999, sugeriu-me que prestasse uma seleção para atuar no Programa de Pós-Graduação 321 em Educação da Universidade São Francisco, que na época estava tentando a sua consolidação junto à Capes. Foi uma experiência profissional rica na qual comecei a desenvolver uma parceria frutífera com a Profa. Acácia Santos, em função de interesses comuns de trabalho. Começou a ficar pessoalmente difícil conciliar o trabalho em duas instituições e surgiu a oportunidade de eu assumir o regime de dedicação exclusiva na UNICAMP. Acabei optando por isso. Considero que, esses dez anos de trabalho na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, tem me proporcionado a oportunidade de contribuir com o ensino de Psicologia nos cursos de formação de professores, formar pesquisadores e atuar em cursos de especialização em Psicopedagia, em nível de extensão, o que para mim representa considerável crescimento profissional e pessoal. Bom, no que diz respeito aos impasses enfrentados por um pesquisador, no Brasil, penso que há uma escassez de verbas para pesquisa nas áreas humanas, há necessidade de aumento de bolsas de mestrado e doutorado. Faz muita falta o aluno que possa se dedicar exclusivamente à pós-graduação. É difícil administrar verbas de projetos grandes, relatórios de prestação de contas e, em geral, não contar com uma infra-estrutura de apoio que possa auxiliar nessa parte. Há também a dificuldade de fazer pesquisas que sejam mais representativas nacionalmente. É necessário haver uma maior integração entre os pesquisadores que estudam a mesma temática, ou temáticas que se complementam, em nível nacional. Precisa-se fomentar e estimular o estabelecimento de um maior número de intercâmbios interinstitucionais. Katya: Enquanto professora da UNICAMP, tendo orientado diversas dissertações e teses, qual a sugestão que você daria àqueles que querem seguir uma carreira acadêmica? Evely Boruchovitch: Abraçar a vida acadêmica implica um compromisso que envolve, não só a produção de conhecimento e a formação daqueles que produzirão o conhecimento, futuramente, mas também daqueles que usarão esse conhecimento e atuarão com ele. É essencial que as atividades de pesquisa e docência estejam sempre interligadas. Eu remeteria aos interessados em seguir vida acadêmica a Carta aos Jovens, de I. Pavlov, na qual ele 322 destaca três atributos essenciais mais gerais que devem ser perseguidos por aqueles que querem fazer ciência: Constância, Modéstia e Paixão. Pavlov destaca também a importância da Discrição, da Paciência e do Esforço. Eu lembraria a eles que pesquisar é produzir conhecimento. Implica, pois, a aquisição de um conjunto de competências que vão desde o estilo de redação ao conhecimento profundo de teorias, técnicas, métodos, instrumentos, procedimentos de coleta e análise de dados. Esse conhecimento leva um tempo enorme para ser construído e é interminável. Seria interessante que essa construção começasse desde a graduação. Não resistiria e voltaria a Pavlov para reforçar a importância do exercício e do desenvolvimento da humildade. Apontaria para a importância da ética, da autoreflexão. Despertaria a consciência de que, na vida acadêmica, as nossas idéias são e serão sempre criticadas e que a crítica construtiva dos pares se constitui numa das fontes mais ricas de aprendizagem e fortalecimento profissional. É muito importante saber fazê-la e saber recebê-la. Destacaria também a relevância de se ter uma formação teórica sólida, que não se restrinja ao conhecimento de um único referencial teórico em profundidade. Daí a importância de se aproveitar o máximo dos cursos de graduação e de pós-graduação. Katya: Quais os principais desafios a serem superados pela Psicologia Escolar/Educacional em nosso país? Evely Boruchovitch: Por um lado, acho que a Psicologia Escolar e Educacional passa por um momento muito mais favorável hoje, quando comparado à época em me formei, há 21 anos. Hoje há um interesse muito maior dos estudantes de Psicologia por essa área do que naquela época. A existência de uma associação como a Abrapee tem contribuído muito para isso por meio da promoção de congressos e congregação de profissionais e estudantes interessados na Psicologia Escolar e Educacional, bem como tem nos representado muito bem em instâncias como CRP, CFP, entre outras. A Revista de Psicologia Escolar e Educacional tem sido muito útil, organizando, publicando e divulgando o conhecimento que vem sendo produzido em Psicologia Escolar e Educacional, mostrando o quanto é instigante e interessante o seu objeto de estudo. História Por outro lado, acho que a formação do psicólogo escolar ainda deixa muito a desejar. Ele acaba por não ter uma idéia de todas as possibilidades de atuação que se pode ter além da escola. Tenho atuado em cursos de especialização em Psicopedagogia. Constata-se que a formação do psicólogo é precária em Psicologia Escolar e Educacional, bem como em Educação. O mesmo ocorre com o pedagogo que também carece dos conhecimentos acerca das contribuições da Psicologia para a Educação. A Psicologia Escolar e Educacional deve ajudar os professores a maximizar as condições que favoreçam a aprendizagem e a motivação para aprender do aluno. Deve se preocupar também com a promoção da saúde mental, do bem-estar emocional, do desenvolvimento pleno e da qualidade de vida daqueles que aprendem e ensinam. Ainda temos um enfoque muito remediativo. Inexiste uma cultura da prevenção. É inegável que tenhamos hoje uma literatura considerável e importantíssima sobre o fracasso escolar e problemas educacionais brasileiros, mas temos pouca produção nacional sobre o que promove a aprendizagem dos nossos alunos. Os livros de Psicologia Educacional precisam ser mais voltados para a aplicação do conhecimento. Embora o panorama esteja se modificando e vários esforços estejam sendo empreendidos, carecemos ainda de instrumentos de avaliação psicoeducacional nacionais e/ou validados para nossa realidade. Deveria haver uma maior interação entre pesquisadores. Há uma dificuldade de se caminhar em direção a construção de um corpo de conhecimento mais mais compreensivo da aprendizagem de nossos alunos, que possa inclusive nortear melhor a formação de professores. Falta também uma maior aproximação daqueles que fazem e produzem psicologia escolar na sala de aula, na escola, sobre o professor, sobre o aluno, com aqueles que atuam no delineamento de políticas nacionais de Educação, de Saúde. Eu gostaria muito de agradecer à Revista Psicologia Educacional e Escolar pela oportunidade de participar desta entrevista e refletir sobre essas questões. Sugestões Práticas COMPETÊNCIAS EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR Ronei Ximenes Martins1 É fato a influência das tecnologias na sociedade. Práticas sociais, relações comerciais e a educação são cada vez mais orientadas por e para as tecnologias de informação e comunicação (TIC). Neste contexto, as pessoas devem estar adaptadas aos padrões de uso dos recursos tecnológicos, principalmente no tocante ao exercício profissional. Para tal, é essencial adquirir habilidades e consolidar competências necessárias à utilização de computadores, redes e outros dispositivos telemáticos em diferentes situações. Tais habilidades estão associadas à aplicação dos recursos tecnológicos, ao uso das diversas mídias de comunicação, à busca de informação e à solução de problemas com o auxilio da tecnologia (Joly, 2004; Leu, Mallette, Karchmer & KaraSoteriou, 2005). Por já estar em evidência há quase três décadas, o uso da informática (e mais recentemente das tecnologias de comunicação) na educação pode não mais despertar interesse dos profissionais que atuam na área. Aparentemente a situação apresenta-se como solucionada. No Brasil, vários programas de iniciativa do poder público, ao longo da última década, dedicaram-se à capacitação de professores e incorporação de equipamentos no ambiente escolar. As tecnologias de informação estão presentes na escola desde o surgimento dos computadores como produtos comerciais. A principio, em algumas universidades, como objeto de pesquisa e de acesso bastante restrito. Posteriormente como máquinas de ensinar, destinadas aos jovens e adultos e, atualmente, como auxiliares de aprendizagem para crianças, jovens e adultos. As iniciativas, no país, para utilização de tecnologias em atividades de ensino, envolvendo a educação básica começaram na década de 1980 com o projeto 1 EDUCOM (Valente, 2002). Neste período, vários grupos de pesquisa em informática educacional foram constituídos nas universidades brasileiras (Fernandes & Santos, 1999) sendo que o tema possui um acervo considerável de pesquisas. Contudo, um cenário hipotético pode exemplificar o status quo observável pelos que acompanham criticamente a incorporação das tecnologias nas escolas. Na sala de aula, os alunos estão atentos à professora que escreve com giz no quadro verde, “o pentágono é um polígono convexo de cinco lados” para em seguida desenhar a figura. No mesmo corredor, pouco à frente, uma sala fechada com uma placa na porta onde se lê: “Laboratório de Informática – Uso permitido aos alunos somente com a presença do técnico responsável”. Esta situação é a tradução do que pesquisas (Tosta, 2002; Santos, 2003; Joly & Silveira, 2003; Joly, 2004, Joly & Martins, 2005a, 2005b, dentre outros) sobre desempenho docente em tecnologias para educação apontam. Equipar escolas com computadores e oferecer curso de informática educacional aos professores não está se traduzindo em geração de competências para a maioria dos alunos, principalmente nas instituições educacionais públicas. As habilidades relacionadas ao uso de tecnologia delineiam um novo modelo para a escola. Os recursos oferecidos pelos computadores, pela Internet e outras redes de comunicação evidenciam a necessidade de se estabelecerem vínculos entre os conteúdos das disciplinas escolares, as diversas aprendizagens no âmbito da escola e a realidade cotidiana. Notadamente as informações circulantes são mais ricas em forma e mais diversificadas em conteúdo do que as existentes na escola tradicional (Lévy, 1999; Moran, 2000; Marinho, Licenciado em Matemática. Mestre em Engenharia de Produção - Mídia e conhecimento – pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Psicologia pela Universidade São Francisco. Docente da graduação e pós graduação lato sensu do Centro Universitário do Sul de Minas nas áreas de educação, psicopedagogia e informática; [email protected] 324 2002). Até o advento das tecnologias de informação e comunicação, a escola era o lugar para onde as pessoas se destinavam a fim de adquirir conhecimento sistematizado, o lugar onde estavam as informações mais importantes e o professor era visto, então, como o detentor e provedor de saberes. Com a profusão de mídias e facilidade de acesso oferecido pelas TIC, a escola redefine-se no que diz respeito a ser repositório de informações e o professor passa a ter o papel de mediador e orientador da aprendizagem, devendo ser hábil no uso das tecnologias para a educação. (Casanova, 2002; Belloni, 2002; Joly & Silveira, 2003). Leu, Kinzer, Cairo e Cammarck (2004) consideram a necessidade de uma nova alfabetização (New Literacy) advinda dos avanços tecnológicos. Ela inclui habilidades, estratégias e disposição necessárias para explorar com sucesso as rápidas mudanças rápidas proporcionadas pelas TIC, de forma a potencializar oportunidades de crescimento das pessoas no trabalho e na vida privada. Segundo estes autores, o construto New Literacy se funda sobre as habilidades básicas de leitora, escrita e lógica matemática (alfabetização) utilizadas nas escolas e que preparam os estudantes para o uso de livros, papel e caneta, ampliando-as para o uso fluente da tecnologia. Segundo os autores, esta nova forma de alfabetização propõe um estado de conhecimento especialista (Expertise) que inclui habilidades relacionadas às novas formas de ler e escrever adaptadas ao hipertexto e hipermídia, à busca e organização de informações utilizando aparato informático, além de habilidades em comunicar-se e interagir utilizando aparato telemático. Além da necessidade de desenvolver uma nova alfabetização que permita expertiase em tecnologias, a inclusão de TIC no ambiente escolar proporciona versatilidade e profusão de alternativas em praticas educativas, visto que potencializa a aprendizagem dos conteúdos ao oferecer informação através de multimeios sensoriais (Moran, 1994; Gardner, 1996; Moran, 2000). Então, manter estudantes e professores em contato com as tecnologias de comunicação e com os computadores tem dupla ação educativa. Permite gerar competência para operar em um contexto social totalmente influenciado por tecnologias de comunicação e informação e oportuniza formas de aprender relacionadas à significação (Howard, 2002), cognição e metacognição (Casanova, 2002; Howard, 2002). Belloni (2002) confirma estas ações educativas, considerando que pedagogia e tecnologia sempre andaram juntas, pois Sugestões Práticas o processo de socialização das novas gerações inclui, necessariamente, a preparação dos jovens indivíduos para o uso dos meios técnicos disponíveis na sociedade. A importância do desenvolvimento de competência em tecnologias no ambiente escolar, através da constituição de New Leteracy, tem despertado o interesse de pesquisadores nas áreas de educação e psicologia. Segundo Leu, Mallette, Karchmer e KaraSoteriou (2005), o construto New Leteracy envolve incorporação de avanços tecnológicos contínuos às habilidades para utilizar tal aparato produtivamente. Um dos focos de investigação neste sentido é a mensuração do desempenho de estudantes e professores em tecnologias de informação e comunicação, considerando a perspectiva da incorporação de competências em tecnologias na formação de crianças e adolecentes. Já foram desenvolvidos padrões internacionais quanto às habilidades em TIC esperadas das pessoas em cada etapa de formação na escola. Um dos padrões, utilizado pela United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO (2004), com categorias específicas para estudantes, professores e gestores educacionais, foi criado pela International Society for Technology in Education – ISTE (2000), e está sendo adotado nos Estados Unidos da América (EUA) e em outros paises. Este padrão pode ser utilizado como base para obtenção de dados quanto ao desempenho do aluno e do professor em tecnologias de informação e comunicação utilizadas na educação. Também é indicador para elaboração de projetos de incorporação das tecnologias nas atividades cotidianas da escola, indicando ao professor como se utilizar todos os recursos disponíveis para operacionalizar atividades de aprendizagem através de computadores, redes, áudio e vídeo, a fim de explorar a dupla ação educativa de seu uso: aprender o conteúdo e construir New Literacy. Recente pesquisa realizada pela Organização NetDay (2004) revelou que alunos e professores americanos mantêm hábitos e habilidades similares quanto ao uso da tecnologia para estudar, fruto da adoção dos padrões em tecnologia educacional como orientadores de projetos pedagógicos. Oitenta e sete por cento (87%) dos professores respondeu que considera o domínio da tecnologia muito importante em sua profissão e que o uso dela nas aulas é sua responsabilidade profissional. Setenta e cinco por cento (75%) incorporam constantemente materiais didáticos obtidos na Internet em suas aulas e setenta e oito por Sugestões Práticas 325 cento (78%) consulta periodicamente os padrões estaduais e/ou federais para uso da tecnologia. A maioria dos professores revelou contar com a habilidade dos alunos para suporte às tecnologias na sala de aula. Tal panorama reflete-se positivamente no desempenho dos alunos frente às tecnologias. Pesquisa do National Center for Education Statistics (NCES) do Departamento de Educação dos EUA aponta que 90% das crianças entre 5 e 17 anos usam computadores e que os adolescentes americanos passam mais tempo utilizando Internet do que assistindo à televisão. A grande maioria deles (94%) utiliza a Internet para pesquisas relacionadas à escola e 24% é capaz de criar suas próprias páginas na Internet. O estudo também registrou que 97% dos alunos do jardim de infância (pré-escola na Brasil) já têm acesso ao computador na escola ou em casa (U.S. Department of Education, 2004). A percepção de que professores hábeis no uso de tecnologias para atividades educacionais induzem esta habilidade nos seus alunos foi constatada por Zhao e col (2001), em estudo sobre as práticas, crenças, atitudes e estilos pedagógicos de professores da educação básica que haviam feito uso inovador da tecnologia em suas escolas e gerado resultados positivos no aprendizado dos alunos. Joly (2004) também registra que somente professores hábeis no uso de tecnologia em situações de ensino-aprendizagem são capazes de levar o aluno a utilizar efetivamente os dispositivos e recursos de forma mais avançada do que em operações básicas, além de demonstrar atitudes mais próximas dos padrões desejáveis estabelecidos pela ISTE. A psicologia educacional tem relevante contribuição neste contexto. A atuação do psicólogo escolar e educacional, segundo a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE, abrange a melhoraria do processo ensino-aprendizagem no seu aspecto global (cognitivo, emocional, social e motor) e caracteriza-se, inclusive, pela intervenção na prática, atuando no ambiente escolar. A análise crítica de como os recursos tecnológicos estão sendo incorporados à prática pedagógica da escola, a adaptação dos padrões internacionais ao projeto pedagógico de cada instituição, a mensurarão periódica do desempenho em tecnologias (new literacy), a avaliação da aquisição de habilidades e competências por professores e alunos, além da pesquisa de novas tecnologias e novas formas de utilizá-las na educação, devem ser parte integrante da agenda de trabalho de todos os profissionais envolvidos com aprendizagem no contexto escolar. REFERÊNCIAS International Society for Technology in Education (2000). National Educational Technology Standards for Teachers. Eugene: ISTE. Joly, M.C.R.A., & Silveira, M.A. (2003). Avaliação preliminar do Questionário de Informática Educacional (QIE). Psicologia em Estudo, 8, 85-92. Joly, M.C.R.A. (2004). Evidências de validade de uma escala de desempenho docente em informática educacional. Psico-USF, 9, 173-180. Joly, M.C.R.A., Martins, R.X. (2005a, no prelo). Estudo de validade da Escala de Desempenho em Informática Educacional para professores. Avaliação Psicológica. Joly, M.C.R.A., & Martins, R.X. (2005b, em desenvolvimento). Uso de tecnologias por docentes da educação básica. Pesquisa em desenvolvimento. Universidade São Francisco, Itatiba. Leu, D.J, Kinzer, C.R., Cairo, J.L., & Cammack, D.W. (2004). Toward a theory of new literacies emerging from de Internet and other information and communication technologies. Em R.B. Ruddell & N.J. Unrau (orgs). Belloni, M.L. (2002). Ensaio Sobre a Educação a Distância no Brasil. Educação & Sociedade, XXIII, 78, 117-142. Casanova, G.W. (2002). El uso de lãs nuevas tecnologias para la enseñanza y el aprendizaje de lãs ciencias. Revista electronica de investigación educativa, 4. Disponível em http://redie.ens.uabc.mx/vol4n1/. Acessado em 22/10/ 2005. Fernandes, C.T & Santos, N. (1999). Pesquisa e Desenvolvimento em informática na educação no Brasil – parte I. Revista Brasileira de Informática na Educação,4. Disponível em http://www.inf.ufsc.br/sbc-ie/revista/nr4/. Acessado em 30/10/2005. Gardner, H. (1996). A nova ciência da mente. Trad. Cláudia Malbergier Caon. (2. ed. ) São Paulo: EDUSP. Howard, J (2002). Technology-enhanced project-based learning in teacher education: addressing the goals of transfer. Journal. of technology and teacher education 10, 343-364. 326 Theorical models and processes of reading (p. 15701613). Newark:.International Reading Association. Leu, D.J, Mallette, M.H, Karchmer, R.A., Kara-Soteriou, J. (2005). Innovative approaches to literacy education:using the internet to support new literacies. Newark,USA:.International Reading Association. Lévy, P. (1999) Cibercultura. São Paulo: Editora 34. Marinho, S.P. (2002). Tecnologia, educação contemporânea e desafios ao professor. Em M. C. R. A Joly (org.). A Tecnologia no Ensino: implicações para a aprendizagem, (p. 41-62). São Paulo:Casa do Psicólogo Moran, J.M. (1994). Interferências dos Meios de Comunicação no nosso Conhecimento. Revista Intercom, 7 (2). Disponível no endereço: http://www.eca.usp.br/prof/ moran/interf.htm. Acessado em 10/12/2005 Moran, J.M. (2000). Ensino e aprendizagem inovadoras com tecnologias audiovisuais e telemáticas. Em J. M. Moran., M. T. Masetto & M. A. Behrens (orgs.). Novas tecnologias e mediação pedagógica. (pp. 11-66) São Paulo: Papirus. NetDay National Office (2004). Speak up day for teachers 2004. Disponível em http://www.netday.org. Acessado em 12/10/2005. Santos, G.L. (2003). A internet na escola fundamental: sondagem de modos de uso por professores. Educação e Pesquisa. 29, 303-312. Sugestões Práticas Tosta, S. F. P. (2002). Tecnologias digitais na educação - estudo de caso em escola da rede pública de Minas. Anais do XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.Disponível:http://www.intercom.org.br/ papers/xxvci/np11/NP11TOSTA.PDF Acessado em 03/ 12/2005. UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - División de Educación Superior (2004). Las tecnologías de la información y la comunicación en la formación docente: guía de planificación. Montevideo:Trilce US. Department of Education, (2004). Toward a new golden age in american education: how the internet, the law and today’s students are revolutionizing expectations. Disponível em http://www.NationalEdTechPlan.org. Acessado em 15/10/2005. Valente, J.A. (2002). A Espiral da Aprendizagem e as Tecnologias da Informação e Comunicação: repensando Conceitos. Em M. C. R. A Joly (org.). A Tecnologia no Ensino: implicações para a aprendizagem. (p. 41-62). São Paulo:Casa do Psicólogo Zhao, Y., Byers, J., Mishra, P., Topper, A., Chen, H., Enfield, M., Ferdig, R., Frank, K., Pugh, K., & Hueysantan, S. (2001) What do they know? A comprehensive portrait of exemplary technology: using teachers. Journal of computing in teacher education 17(2), 24-36. Endereço para correspondência: Ronei Ximenes Martins: Rua Cel Ovídio Reis, 148 – CEP 37014020 – Varginha/MG – e-mail: [email protected] Informativo NOTÍCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brock, C.H, Raphael, T.E. (2005). Windows to lanquage, literacy, and culture. Newark: IRA., Xiv+114 p. Enfoca a aprendizagem do inglês por crianças de outra língua incluídas em uma classe regular, tendo por base estudos de caso, a leitura científica a vivência profissional e a atitude investigativa. Caixeta, M., Caixeta, L. (2005). Teoria da mente - aspectos psicológicos, neurológicos, neuropsicológicos e psiquiátricos. Campinas: Átomo, 138 p. A partir de um enfoque médico-psiquiátrico, em que se formaram, os autores descrevem vários aspectos da Teoria da Mente, entendida como “a maneira como sentimos e entendemos a mente dos outros” (p. 7). Dado o enfoque assumido prevalece a percepção do desvio, do patológico. Conselho Federal de Psicologia (org.) (2005). Psicólogo Brasileiro – construção de novos espaços. Campinas: Alínea, 255 p. (edição ampliada e atualizada). Apresenta o evoluir das várias áreas da Psicologia e de algumas áreas emergentes. Conselho Regional de Psicologia - SP (org.) (2005). Psicologia e informática: desenvolvimentos e progressos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 243 p. Treze autores escrevem textos relacionando informática e psicologia em termos de eventos, configuração psíquica (subjetividade), jogos, os “chats”, relações interpessoais, clínica, terapia, aconselhamento, orientação e avaliação psicológica, questionários “online”, aplicações diversas. Gonzáles, M. (2005). Fundamentos da tutoria em educação a distância. São Paulo: Avercamp, 92p. – A educação a distância é tema e atividade cada vez mais freqüente em todos os níveis de ensino. O livro trata de novas tecnologias nesta modalidade de ensino, o desenvolvimento humano e especialmente a formação do docente e da introdução da pesquisa na formação do professor. Fecha com outro tema que não é novo, mas pouco trabalhado no Brasil, trata-se da aprendizagem colaborativa. Johnson, H., Freedman, L. 2005. Developing critical awareness at the midde level: using texts as tools for critique and pleasure. Newark: IRA, xv+ 223 p. O uso de textos para desenvolver a consciência crítica e o prazer da leitura é a temática tratada nos nove capítulos que integram o livro. Enfocam: aspectos teóricos e práticos, conflitos face a variedade de informação, identidade e representação, poder e opressão e criticidade, compreensão do diferente, contextualização e perspectiva futuras. Karchmer, R. A. ; Marllette, M. At.; Kara-Soteriou, J; Leu Jr. D. J. (org). (2005) Inovative approaches to literacy education: using internet to support new literacies. Newark: IRA, 238 p. Enfocam o contexto do ensino face às novas tecnologias, às mudanças sociais aos serviços disponíveis na comunidade. Trata da educação em colaboração, do uso da irternet e de outros recursos online e do preparo de professores. Libâneo, J. C., Santos, A. (orgs.) (2005). Educação na era do conhecimentoe em rede e transdisciplinaridade. Campinas: Alínea, 240 p. Tratam das tecnologias modernas dentro de um enfoque transdisciplinar com destaque para a formação do professor, a crítica e as várias possibilidades. Marinho-Araújo, C. M., Almeida, S. J. C. (2005) Psicologia Escolar: construção e consolidação da identidade profissional. Campinas: Alínea, 121 p. Com prefácio de R. S. L. Guzzo é aproveitada parte da tese de MarinhoAraújo e a vivência das autoras na área Psicologia Escolar, que em uma posição crítica tratam da educação escolar, do trabalho com o professor, da formação e da atuação do psicólogo e da intervenção no meio educacional. Medico, M. D. (2005). PIP - Programa de Informação Profissional. São Paulo: Casa do Psicólogo, 230 p. Trata da informação profissional como parte integrante da Orientação Vocacional e Profissional em linguagem simples. A bibliografia de sustentação é limitada e não há indicação no corpo de discurso das fontes utilizadas o que é uma falha grave. Oliveira, M. H. M. A. e Gargantini, M. B. M. (orgs.) (2005). Tópicos em leitura-escrita: pesquisa e prática. São José 328 dos Campos: Pulso, 2005, 120p. Além das organizadoras a obra conta com a colaboração de A. L. Guedes-Pinto e H. O. Macedo. Há um esforço em equilibrar pesquisa e prática ao longo do livro, composto por oito capítulos, sendo quatro de cada um destes temas. Rossi, A.M., Perrewé, P.L. & Santer, S.L.(Orgs). (2005). Stress e qualidade de vida no trabalho. São Paulo: Atlas S.A., xxii+197. Trata das questões envolvendo o estresse no trabalho de um modo geral sendo útil em qualquer área de atividade: fontes de risco do estresse ocupacional, conseqüências deste tipo de estresse e na saúde, bem como , prevenção como estratégia básica. Santos, C. R. (org). (2005). Avaliação educacional: um olhar reflexivo sobre sua prática. São Paulo: Avercamp, 93p. O tema está sempre presente na área educacional e na obra é enfocada a análise conceitual, legal e crítica; o portfólio como meio de avaliação, contexto e ética ao longo da história Scarpato, M. (org). (2004). Os procedimentos de ensino fazem a aula acontecer. São Paulo: Avercamp, 133p. Os autores enfocam o que ocorre na sala de aula destacando: aprendizagem integral, escolha de procedimento, técnicas Freinet, aprendizagem em grupos, multiculturalidade e preparo da aula. Shine, S. (org.) (2005). Avaliação Psicológica e lei: adoção, vitimização, separação conjugal, dano psíquico e outros temas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 245 p. Vários psicólogos enfocam a avaliação psicológica na área Informativo jurídico/ forense tais como vara da família, aspectos gerais, adoção, separação conjugal, violência (crianças, adolescentes, mulheres, institucionalização) e laudo pericial. Silva, S. M. C. (2005). Psicologia Escolar e arte: uma proposta para a formação e atuação profissional. Campinas: Alínea/EDUFU, 208 p. Apresenta, em 8 capítulos, a vivência da autora como professora, supervisora e pesquisadora na área de Psicologia Escolar, de caráter qualitativo, que constituiu sua tese de doutorado, defendida na UNICAMP. Tessaro, Nilza S. (2005). Inclusão escolar: concepções de professores e alunos da educação regular e especial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 202 p. Trata da inclusão do escolar atípico, sendo o produto de sua tese de doutorado em que analisou concepções de professores e alunos tanto vinculados à educação regular como à especial. Trabalho atual e crítico para a análise do problema em tela. Wulf, C. (2005). Antropologia da Educação. Campinas: Alínea, 214 p. Trata de enfoque raro na bibliografia disponível em português no Brasil - a perspectiva antropológica da educação, em um enfoque que traz uma leitura psicanalítica clássica subjacente. Os temas tratados são perfectibilidade na educação e individual, gestos e ritos no trabalho, mimesis na educação, gesto e ritual, imagem e imaginação, violência inevitável, o outro, mundialização e intercultura na educação. Informativo 329 INFORME Março/2006 – dias 22 a 25 AMERICAN CREATIVITY ASSOCIATION INTERNATIONAL CONFERENCE 2006 Local: Austin, Texas/USA Contato: [email protected] Abril/2006 – dias 27 a 29 I ENCONTRO MINEIRO DE PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL Local: Universidade Federal de Uberlândia Contato: www.ufu.br Abril/Maio/2006 – dias 30/04 a 04/05 a 25 IRA’S 51ST ANNUAL CONVENTION Local: Chicago, USA Contato: www.reading.org Julho/2006 – dias 2 a 6 10TH BIENNIAL MEETING OF THE INTERNATIONAL SOCIETY FOR THE STUDY OS BEHAVIOURAL DEVELOPMENT (ISSBD) Local: Melbourne, Austrália Contato: www.issbd2006.com.au Julho/2006 – dias 16 a 21 26TH INTERNATIONAL CONGRESS OF APPLIED PSYCHOLOGY (IAAP) Local: Atenas, Grécia Contato: www.iaapsy.org ou www.erasmus.gr Setembro/2006 – dias 05 a 09 II CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO Local: São Paulo, SP Contato: www.cienciaeprofissao.com.br Informativo 331 Forma de Apresentação dos Manuscritos Psicologia Escolar e Educacional adota as normas da APA (4a edição, 1994), exceto em situações específicas onde há conflito com a necessidade de se assegurar o cumprimento da revisão cega por pares, regras do uso da língua portuguesa, normas gerais da ABNT, procedimentos internos da revista, inclusive características de infra-estrutura operacional. A omissão de informação no detalhamento que se segue implica em que prevalece a orientação da APA. Os manuscritos devem ser redigidos em português, espanhol, inglês e francês nas seguintes categorias: 1. Artigos – trabalhos originais teóricos, de revisão de literatura e de relatos de pesquisa (até 25 laudas); Comunicação de Pesquisa – relatos originais sucintos de pesquisas realizadas; Resenhas – apresentação e análise de livros publicados na área nos últimos dois anos (até 5 laudas) 2. História – reimpressão ou impressão de trabalhos ou documentos de difícil acesso relevantes para a pesquisa e a preservação da história da Psicologia Escolar; entrevistas com personagens relevantes da área e trabalhos originais sobre esta história; 3. Sugestões Práticas – apresentação de procedimentos, tecnologias, propostas de trabalhos úteis para a solução de problemas psicoeducacionais ou para a atuação do psicólogo escolar, de vivência do autor de novos instrumentos e de outras sugestões relevantes para a área (até 5 laudas); 4. Registro Informativo – dados sobre eventos, publicações na área, assuntos diversos de interesse de psicólogos escolares e educacionais (até 2 laudas); 5. Cartas dos leitores – inclui cópias de cartas, ou parte de cartas de leitores à direção da revista e aos seus autores, bem como respostas aos mesmos. Os manuscritos originais deverão ser encaminhados em quatro vias impressas em papel e uma em disquete, digitadas em espaço duplo, em fonte tipo Times New Roman, tamanho 12, não excedendo o número de laudas da categoria em que o trabalho se insere, paginado desde a folha de rosto personalizada, a qual receberá número de página 1. A página deverá ser tamanho carta ou A4, com formatação de margens superior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm). Em caso de reformulação, a nova versão deve ser encaminhada em três vias em papel e uma via no formato de disquete, sendo que a formatação de texto e de página deve obedecer às mesmas características indicadas para a primeira versão. Todo e qualquer encaminhamento à revista deve ser acompanhado de carta assinada pelos autores, na qual deve estar explicitada a intenção de submissão ou re-submissão do trabalho a publicação. Além disso, devem conceder à Psicologia Escolar e Educacional o direito autoral do artigo, se publicado, bem como responsabilizando-se pelos procedimentos éticos necessários quando da realização de pesquisas com seres humanos. A apresentação dos trabalhos deve seguir a seguinte ordem: Informativo 332 1. Folha de rosto despersonalizada contendo apenas: 1.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12 palavras. 1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não devendo exceder 4 palavras. 1.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em português. 2. Folha de rosto personalizada contendo: 2.1. Título pleno em português. 2.2. Sugestão de título abreviado. 2.3. Título pleno em inglês. 2.4. Nome de cada autor, seguido por afiliação institucional e titulação por ocasião da submissão do trabalho. 2.5. Indicação de endereço para correspondência postal e eletrônica, seguido de endereço completo, de acordo com as normas do correio de todos os autores. 2.6. Indicação de endereço para correspondência com o editor sobre a tramitação do manuscrito, incluindo fax, telefone e, se disponível, endereço eletrônico. 2.7. Se necessário, indicação de atualização de afiliação institucional. 2.8. Se apropriado, parágrafo reconhecendo apoio financeiro, colaboração de colegas e técnicos, origem do trabalho (por exemplo, anteriormente apresentado em evento, derivado de tese ou dissertação, coleta de dados efetuada em instituição distinta daquela informada no item 2.4), e outros fatos de divulgação eticamente necessária. 2.9 Endereço postal completo e endereço eletrônico de todos os autores. 3. Folha contendo Resumo, em português. O resumo deve ter o máximo de 150 palavras para trabalhos na categoria de Artigos. Ao resumo devem-se seguir 3 a 5 palavras-chave para fins de indexação do trabalho - devem ser escolhidas palavras que classifiquem o trabalho com precisão adequada, que permitam que ele seja recuperado junto com trabalhos semelhantes, e que possivelmente seriam evocadas por um pesquisador efetuando levantamento bibliográfico. No caso de relato de pesquisa, o resumo deve incluir: descrição sumária do problema investigado, características pertinentes da amostra, método utilizado para a coleta de dados, resultados e conclusões, suas implicações ou aplicações. O resumo de uma revisão crítica ou de um estudo teórico deve incluir: tópico tratado (em uma frase), objetivo, tese ou construto sob análise ou organizador do estudo, fontes usadas (p. ex. observação feita pelo autor, literatura publicada) e conclusões. 4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o texto do resumo. O Abstract deve obedecer às mesmas especificações para a versão em português, seguido de key words, compatíveis com as palavras-chave. Informativo 333 5. Texto propriamente dito. Em todas as categorias de trabalho original, o texto deve ter uma organização de reconhecimento fácil, sinalizada por um sistema de títulos e subtítulos que reflitam esta organização. No caso de relatos de pesquisa o texto deverá, obrigatoriamente, apresentar: introdução, metodologia, resultados e discussão. As notas não bibliográficas deverão ser reduzidas a um mínimo e colocadas ao pé das páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota. Os locais sugeridos para inserção de figuras e tabelas deverão ser indicados no texto. As citações de autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA, exemplificadas ao final deste texto. No caso de transcrição na íntegra de um texto, a transcrição deve ser delimitada por aspas e a citação do autor seguida do número da página citada. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio, começando em nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. O tamanho da fonte deve ser 12, como no restante do texto. 6. Referências, ordenadas de acordo com as regras gerais que se seguem. Trabalhos de autoria única e do mesmo autor são ordenadas por ano de publicação, a mais antiga primeiro. Trabalhos de autoria única precedem trabalhos de autoria múltipla, quando o sobrenome é o mesmo. Trabalhos em que o primeiro autor é o mesmo, mas co-autores diferem são ordenados por sobrenome dos co-autores. Trabalhos com a mesma autoria múltipla são ordenados por data, o mais antigo primeiro. Trabalhos com a mesma autoria e a mesma data são ordenados alfabeticamente pelo título, desconsiderando a primeira palavra se for artigo ou pronome, exceto quando o próprio título contiver indicação de ordem; o ano é imediatamente seguido de letras minúsculas. Quando repetido, o nome do autor não deve ser substituído por travessão ou outros sinais. A formatação da lista de referências deve ser apropriada à tarefa de revisão e de editoração - além de espaço duplo e tamanho de fonte 12, parágrafo normal com recuo apenas na primeira linha, sem deslocamento das margens; os grifos devem ser indicados por um traço sob a palavra (p. ex., sublinha). A formatação dos parágrafos com recuo e dos grifos em itálico é reservada para a fase final de editoração do artigo. 7. Anexos, apenas quando contiverem informação original importante, ou destacamento indispensável para a compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos. 8. Figuras, incluindo legenda, uma por página em papel, ao final do trabalho. Para assegurar qualidade de reprodução as figuras contendo desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografia; as figuras contendo gráficos não poderão estar impressas em impressora matricial. Como a versão publicada não poderá exceder a largura de 8,3 cm para figuras simples, e de 17,5 cm para figuras complexas, o autor deverá cuidar para que as legendas mantenham qualidade de leitura, caso redução seja necessária. 9. Tabelas, incluindo título e notas, uma por página em papel e por arquivo de computador. Na publicação impressa a tabela não poderá exceder 17,5 cm de largura x 23,7 cm de comprimento. Ao prepará-las, o autor Informativo 334 deverá limitar sua largura a 60 caracteres, para tabelas simples a ocupar uma coluna impressa, incluindo 3 caracteres de espaço entre colunas da tabela, e limitar a 125 caracteres para tabelas complexas a ocupar duas colunas impressas. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para outros detalhamentos, especialmente em casos anômalos, o manual da APA deve ser consultado. TIPOS COMUNS DE CITAÇÃO NO TEXTO Citação de artigo de autoria múltipla 1. Dois autores O sobrenome dos autores é explicitado em todas as citações, usando e ou & conforme abaixo: “ A revisão realizada por Guzzo e Witter (1987)” mas “a relação do psicólogo-escola pública foi descrita com base num estudo exploratório na região de Campinas” (Guzzo & Witter, 1987)” 2. De três a cinco autores O sobrenome de todos os autores é explicitado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só o sobrenome do primeiro autor é explicitado, seguido de “e cols.” e o ano, se for a primeira citação de uma referência dentro de um mesmo parágrafo: Vendramini, Silva e Cazorla (2000) verificaram que [primeira citação no texto] Vendramini e cols. (2000) verificaram que [citação subsequente, primeira no parágrafo] Vendramini e cols. verificaram [omita o ano em citações subsequentes dentro de um mesmo parágrafo] Na seção de Referências todos os nomes são relacionados. 3. Seis ou mais autores No texto, desde a primeira citação, só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, seguido de “e cols.”, exceto se este formato gerar ambigüidade, caso em que a mesma solução indicada no item anterior deve ser utilizada: Primi e cols. (2001). Na seção de referências todos os nomes são relacionados. Citações de trabalho discutido em uma fonte secundária O trabalho usa como fonte um trabalho discutido em outro, sem que o trabalho original tenha sido lido (por exemplo, um estudo de Taylor, citado por Santos, 1990). No texto, use a seguinte citação: Taylor (conforme citado por Santos, 1990) acrescenta que a avaliação da compreensão em leitura... Na seção de Referências informe apenas a fonte secundária, no caso Santos, usando o formato apropriado. Informativo 335 Exemplos de Tipos Comuns de Referência 1. Trabalho apresentado em congresso, mas não publicado Serpa, M.N.F. & Santos, A.A.A. (1997, outubro). Implantação e primeiro ano de funcionamento do Serviço de Orientação ao Estudante. Trabalho apresentado no XI Seminário Nacional das Universidades Brasileiras, Guarulhos - São Paulo. 2. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação seriada regular Tratar como publicação em periódico, acrescentando logo após o título a indicação de que se trata de resumo. Silva, A.A. & Engelmann, A. (1988). Teste de eficácia de um curso para melhorar a capacidade de julgamentos corretos de expressões faciais de emoções [Resumo]. Ciência e Cultura, 40 (7, Suplemento), 927. 3. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação especial Tratar como publicação em livro, informando sobre o evento de acordo com as informações disponíveis em capa. Todorov, J.C., Souza, D.G. & Bori, C.M. (1992). Escolha e decisão: A teoria da maximização momentânea [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas, XXII Reunião Anual de Psicologia (p. 66). Ribeirão Preto: SBP. Witter, G.P. (1985). Quem é o psicólogo escolar: Sua atuação prática. [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), XVII Reunião Anual de Psicologia, Resumos (p. 261). Ribeirão Preto: SBP. 4. Teses ou dissertações não publicadas Polydoro, S.A.J. (2001). O trancamento de matrícula na trajetória acadêmica do universitário: Condições de saída e de retorno à instituição. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. 5. Livros Solé, I. (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Mdicas. 6. Capítulo de livro. Anderson, R.C. & Pearson, P.D. (1984). A schema-theoretic view of basic processes in reading comprehension. Em P.D. Pearson, R. Barr, M.L. Kamil & P. Mosenthal (Orgs.) Handbook of reading research (Vol. 1, pp 251-291). New York: Longman. Pasquali, L. (1996). Teoria da resposta ao item - IRT: uma introdução Em L. Pasquali (Org.), Teoria e métodos de medida em ciências do comportamento (pp. 173-195). Brasília, INEP. 7. Livro traduzido, em língua portuguesa Salvador, C.C. (1994). Aprendizagem escolar e construção de conhecimento. (E.O. Dihel, Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1990) História 336 Se a tradução em língua portuguesa de um trabalho em outra língua é usada como fonte, citar a tradução em português e indicar ano de publicação do trabalho original. No texto, citar o ano da publicação original e o ano da tradução: (Salvador, 1990/1994). 8. Artigo em periódico científico Kintsch, W. (1994). Text comprehension, memory, and learning American Psychologist, 49 (4), 294-303. 9. Obra no prelo Não forneça ano, volume ou número de páginas até que o artigo esteja publicado. Respeitada a ordem de nomes, é a ultima referência do autor. Sonawat, R. (no prelo). Families in India. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 10. Autoria institucional American Psychiatric Association (1988). DSM-III-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3a ed. revisada). Washington, DC: Autor. A remessa de manuscritos para publicação, bem como toda a correspondência de seguimento que se fizer necessária, deve ser enviada para a Revista Psicologia Escolar e Educacional, conforme endereço abaixo ou enviada para o endereço eletrônico [email protected] : Universidade São Francisco Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Profª Drª Maria Cristina Joly Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 13251-900 – Itatiba/SP Procedimentos de submissão e avaliação dos manuscritos Os manuscritos que se enquadrarem nas modalidades de trabalho especificadas acima, passarão pelo seguinte procedimento: 1. Encaminhamento para emissão de parecer a membros do Corpo Editorial da revista e/ou consultores ad hoc 2. Recepção dos pareceres, com recomendação para aceitação (com ou sem modificações) ou rejeição. No caso de aceitação com modificações, os autores serão notificados com a maior brevidade possível das sugestões (cópias dos pareceres serão enviados aos autores, exceto quando houver restrição expressa por parte do consultor). História 337 3. No caso de aceitação para publicação, o Conselho Editorial reserva-se o direito de introduzir pequenas alterações para efeito de padronização conforme os parâmetros editoriais da Revista. 4. O processo de avaliação utiliza o sistema de revisão cega por pares, preservando a identidade dos autores e consultores. 5. A decisão final acerca da publicação ou não do manuscrito é sempre do Conselho Editorial. Direitos autorais Os direitos autorais das matérias publicadas são da revista Psicologia Escolar e Educacional. A reprodução total ou parcial (mais de 500 palavras do texto) requererá autorização por escrito do Editor. O autor principal da matéria receberá três exemplares da edição em que esta foi publicada. Os originais não-publicados não serão devolvidos. FORMULÁRIO PARA PAGAMENTO DA ANUIDADE 2005 Nome: _________________________________________________________________________________________ Forma de pagamento: ( ) Cheque nº__________________________Banco nº__________________Data ________/________/_______ VALOR: R$ ___________________________________ ( ) Depósito em conta bancária: Banco Itaú - ag. 1025 CC: 04716-6 - VALOR: R$ ______________________ (enviar cópia do recibo do depósito com esta ficha). A anuidade da ABRAPEE é de R$95,00 para sócios efetivos e associados. Para sócios aspirantes (estudantes de graduação e pós-graduação) o valor da anuidade é de R$45,00. Obs: esses valores são validos até o dia 01/05/2005 após essa data os valores são de R$50,00 (estudantes) e R$100,00 (profissional). O cheque deve ser enviado para o núcleo da ABRAPEE no estado de sua residência, ou para a central nacional no seguinte endereço: ABRAPEE Av. Nossa Senhora de Fátima, 1128 – Bloco. 32 – CEP 13090-001 – Campinas-SP . Fone: (19) 9127-9566 – [email protected] Data _______/________/________ assinatura sócio __________________________________________ ____________________________________________________________ Por favor, atualize os dados abaixo: Endereço: ______________________________________________________Bairro:__________________________ Cep:_________________________Cidade:____________________________________________UF:_____________ Tel.: (_____) ____________________________________Fax: (_____) _____________________________________ CRP nº: ___________________________________________ (para atualização do cadastro) E-mail: ______________________________________________________________________(incluir ou atualizar) (PARA USO DA ABRAPEE) ———————————————————————————————————————————— (Devolveremos o recibo após carimbo e assinatura da Secretaria da ABRAPEE) ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL CNPJ 66 068 818 / 0001- 54 RECIBO DA ANUIDADE DE 2005 Recebemos de ____________________________________________________________CODAB_______________ o valor de R$ ______________________________________________________________________________________________, referente à anuidade de 2005. Campinas, ________de ______________________ de 2005. Tesouraria da ABRAPEE ENDEREÇO DA ABRAPEE: Av. Nossa Senhora de Fátima, 1128 – Bloco. 32 – CEP 13090-001– Campinas/SP Fone: (19) 9127 9566 Site: http://www.abrapee.psc.br Fale conosco: [email protected] ALGUNS TÍTULOS DA CASA DO PSICÓLOGO Título Autor/Organizador Educação, Pedagogia Cinco Estudos de Educação Moral Computador no Ensino e a Limitação da Consciência Crianças de Classe Especial Crianças Querem Saber, e Agora?, As Difusão Das Idéias de Piaget No Brasil, A Encontros com Sara Paín Ensaios Construtivistas Era Assim ... Agora Não Ética e Valores: Métodos para um Ensino Transversal Formas Elementares da Dialética, As Guia de Orientação Sexual Histórias de Indisciplina Escolar Introdução à Psicologia Escolar Jean Piaget Sobre a Pedagogia Oficina Criativa e Psicopedagogia Pelos Caminhos da Ignorância e do Conhecimento Professores e Alunos – Problema: um círculo vicioso Produção do Fracasso Escolar, A Programa de Leitura Silenciosa Psicanálise e Educação – Laços Refeitos Psicologia e Educação Psicologia Escolar: em Busca de Novos Rumos Psicopedagogia: Uma Prática, Diferentes Estilos Saúde e Educação. Muito prazer! Quatro Cores, Senha e Dominó Quatro Cores, Senha e Dominó – Caderno para Atividades Reunião de Pais: Sofrimento Ou Prazer? Tecnologia no Ensino:Implicações para a Aprendizagem, A Macedo, Lino de (Org.) Crochik, Jose Leon Machado, Adriana Costa, Moacir Vasconcelos, Mario Sérgio Parente, Sonia Maria Macedo, Lino de Scarpa, Regina Puig, Josep Maria Piaget, Jean Gtpos – Abia – Ecos Cíntia Copit Freller Patto, Maria Helena S. Parrat, Sílvia Allessandrini, Cristina Parente, Sonia Maria Mantovanini, Maria Cristina Maria Helena S. Patto Condemarin, Mabel Bacha, Márcia Neder Marilene Proença Machado, Adriana M. (Org.) Rubinstein, Edith Maria Salum e Morais; Beatriz Souza (Orgs.) Macedo, Lino (Org.) Macedo, Lino (Org.) Althuon, Beate G. Joly, Maria Cristina Rodrigues (Org.)