HISTÓRIA, MEMÓRIA E LITERATURA NA OBRA AS BENEVOLENTES DE JONATHAN LITTEL Johana Elisabeth Michelz (PqI-Unicentro), [email protected]. Universidade Estadual do Centro-Oeste/Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes/Guarapuava/Paraná Palavras-chave: História, Memória, Literatura, Guerra, Holocausto. Resumo: Pesquisa realizada no entrecruzamento da História e da Literatura sob o ângulo da memória. A análise da obra literária As Benevolentes de Jonathan Littel é fundamentada na teoria desenvolvida por Paul Ricouer em seu livro A memória, a história, o esquecimento. Introdução De tempos remotos aos dias atuais, a memória dos homens se constrói através da transmissão oral, frágil e efêmera, e da conservação pela escrita, que acena com a possibilidade de perdurar mais. Oralidade e escrita, como discursos mnemônicos, são temas de reflexão dos poetas épicos aos escritores e intelectuais do século XXI. Os estudos da memória são um campo da pesquisa que por atrair profissionais de diferentes áreas acabam conquistando um caráter interdisciplinar. A temática já foi examinada por historiadores, teóricos literários, filósofos, antropólogos e sociólogos de renome. Em função dessa grande preocupação com a questão da memória presenciamos uma produção crescente de estudos sobre memória, desmemória, resgate, tradições. Nas graduações e pós-graduações de História estuda-se uma história dos lugares da memória, dos usos da memória, da relação entre memória e história. Em literatura comparada muitos são os trabalhos que abordam as relações entre escrita e memória, autobiografia e memória, trauma e memória. É na relação entre a história e a literatura, sob o ângulo da memória, através da análise de uma obra literária produzida em perspectiva histórica, que buscamos nos inserir nesse campo de discussões e pesquisas. Materiais e Métodos Fundamentamos nosso trabalho na teoria desenvolvida por Paul Ricouer em seu livro A memória, a história, o esquecimento(2007) onde, como já diz o título, ele apresenta o debate histórico em torno da memória, da história e do Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 esquecimento usando como eixo norteador o Holocausto. Nessa obra o autor, após a reavaliação da nova tarefa da historiografia, defende a idéia da memória como matriz de história, na medida em que a última continua sendo a guardiã da problemática da relação representativa do presente com o passado. Trabalha também a idéia de cura terapêutica como dever da memória. Essa tarefa poderia ser resumida em alguns verbos: lembrar, falar/ escrever, esquecer. No caso do Holocausto, o dever da memória funciona como tentativa de exorcismo numa situação histórica marcada pela obsessão dos traumatismos sofridos entre os anos de 1940 e 1945. Buscamos relacionar esse referencial teórico com a obra As Benevolentes(2007), publicada em 2006 na França. O autor, Jonathan Littel, judeu nascido em Nova York e educado na França, fez uma extensa pesquisa histórica para escrever esse texto em formato de memórias. O livro conta a história de Maximilien Aue, jovem alemão de origem francesa, oficial da SS, que através de seu ponto de vista nos leva a conhecer personagens históricos e momentos marcantes da Segunda Guerra Mundial, especialmente a organização dos campos de concentração e a execução de judeus. Ao relacionarmos essas duas obras, ambas tendo o holocausto como eixo orientador e publicadas no Brasil em 2007, nos propusemos as seguintes questões: Seria essa obra literária uma estratégia de cura terapêutica? Sob o signo do perdão, o personagem narrador seria considerado como capaz de outra coisa além de seus delitos e faltas? O personagem, que é apresentado como atormentado por um passado turbulento e pela realidade absurda da guerra, vítima de delírios e pesadelos, não poderia ser um símbolo do perdão do autor, como um primeiro passo para o esquecimento? A boa aceitação do livro pela crítica e pelos leitores franceses, que transformaram As Benevolentes em um fenômeno de vendas, não seria a representação de um perdão coletivo, já visando o esquecimento? Qual o valor de uma obra literária como essa para o campo do conhecimento histórico? Resultados e Discussão Jonathan Littel nos apresenta uma obra que trabalha com uma realidade histórica levemente romanceada. O texto é apresentado em primeira pessoa, através da voz de um carrasco nazista, que utiliza-o como uma maneira de analisar e expiar atos e fatos. A primeira frase do livro é “Irmãos humanos, permitam-me contar como tudo aconteceu.”(Littel,2007,p.11) Ela exemplifica o fato de que a obra é norteada pelo conceito de humanidade, e que busca teorizar sobre o inexistência de diferenças substanciais entre carrascos e vítimas, ou seja, que a diferença na atitude desses personagens históricos, que trazem dentro de si o potencial para o bem e para o mal, dependem apenas das circunstâncias a que são expostos. A aceitação da obra pelos leitores, principalmente os franceses, se explica pelo fato de que Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 ainda sofremos com a culpa do Holocausto, que foi um ato alemão, mas antes disso, um ato de seres humanos. É uma tese controversa, que apesar de vir ao encontro da teoria de Paul Ricouer, não encontra aceitação na crítica norte-americana. Obra de indiscutível valor histórico na medida em que se fundamenta na pesquisa de muitos documentos e estudos da Segunda Guerra Mundial. Conclusões Jonatahn Littel conseguiu apresentar, com realismo extremo, os detalhes da profunda desestabilização espiritual, moral, psicológica e sexual de seus personagens, em função de sua experiência pessoal adquirida com o trabalho desenvolvido junto ao grupo humanitário Ação contra a Fome, que lhe permitiu conhecer carrascos reais de diferentes nacionalidades, na Rússia, na antiga Iugoslávia, em Ruanda, no Afeganistão e no Paquistão. De modo que é a memória da vivência pessoal do autor que o leva a usar um tema controverso como o holocausto para abrir os olhos do homem para o mal que o habita e que em situações extremas compromete a sua humanidade. De forma indireta é a sua própria história pessoal que é lembrada, escrita e esquecida. Agradecimentos Agradecemos aos membros do DEHIS e do SEHLA que aprovaram e propiciaram as condições de execução desse projeto de pesquisa. Referências: Little, Jonathan. As benevolentes. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. Ricouer, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François [et al.]. Campinas, SP: Editora da UNICAMPç. 2007. Seligmann-Silva, Márcio (org.). História, memória, literature: o testemunho na era das catastrophes. Campinas,SP: Editora da UNICAMP, 2003. Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009