Silva et al. Cardiomiopatia de Takotsubo em Octogenária Relato de Caso Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):481-84 novembro/dezembro Relato de Caso Cardiomiopatia de Takotsubo em Octogenária 1 Takotsubo Cardiomyopathy in Octogenarian Antônio Welington da Silva1, Lúcia de Sousa Belém1, Francisco Eduardo Siqueira da Rocha2, Hilton Aguiar Canuto3, Antônio Daniel Leite Simão3, Victor Hugo Lauro Soares3 Resumo Abstract Mulher, 88 anos, é admitida na emergência com dor anginosa típica, retroesternal, forte intensidade, em aperto, com duração maior que 30 minutos, associada à dispneia, náuseas, lipotímia, sudorese moderada e apresentando supradesnivelamento de segmento ST ao eletrocardiograma após intensa discussão familiar. Paciente é conduzida inicialmente como infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de segmento ST. Na cineangiocoronariografia, evidenciou-se ausência de lesões em artérias coronárias e balonamento de parede anterior semelhante a um haltere, recebendo diagnóstico de cardiomiopatia de Takotsubo. Female, 88 years old, admitted to the Emergency Department in distress after a heated family discussion, with high intensity retrosternal typical anginal pain lasting more than 30 minutes, associated with moderate sweating, dyspnea, nausea and fainting, with ST-segment elevation in the electrocardiogram. Patient initially treated as an acute myocardial infarction with ST-segment elevation. Cinecoronary angiography showed an absence of coronary artery lesion with the anterior wall ballooning like a dumbbell, diagnosed as Takotsubo cardiomyopathy. Palavras-chave: Cardiomiopatia de Takotsubo; Estresse psicológico; Isquemia miocárdica; Disfunção ventricular esquerda Keywords: Takotsubo cardiomyopathy; Psychological stress; Myocardial ischemia; Left ventricular dysfunction Introdução pós-menopausa e é marcada por recuperação da função ventricular em poucas semanas. A Cardiomiopatia de Takotsubo (CT) consiste na disfunção transitória e segmentar do ventrículo esquerdo (VE), na ausência de doença coronariana relevante. Apresenta-se na ventriculografia com acinesia em porção apical associada a uma hipercinesia basal, levando a balonamento da região apical. Os sintomas simulam infarto agudo do miocárdio (IAM), precedida de estresse físico ou emocional, dor torácica típica e/ou dispneia, alterações no eletrocardiograma (ECG) e elevação dos marcadores de lesão miocárdica. Predomina em mulheres na Relato do Caso Mulher, 88 anos, admitida na emergência cardiológica com dor precordial em aperto, que irradiava para membro superior esquerdo, de forte intensidade e duração maior que 30 minutos, associada à dispneia, náuseas, lipotímia e sudorese moderada. O episódio ocorreu após discussão familiar. Há relato de hipertensão arterial, diabetes mellitus de longa data Hospital de Messejana – Fortaleza, CE - Brasil Hospital Geral de Fortaleza - Instituto Dr. José Frota - Fortaleza, CE - Brasil 3 Curso de graduação em Medicina - Centro Universitário Christus (UniChristus) - Fortaleza, CE - Brasil Correspondência: Antônio Wellington da Silva E-mail: [email protected] Centro Universitário Christus – Rua Viriato Ribeiro, 1820 – Pici – 60442-640 – Fortaleza, CE - Brasil Recebido em: 22/04/2013 | Aceito em: 14/06/2013 1 2 481 Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):481-84 novembro/dezembro e um episódio de acidente vascular encefálico há 11 anos. Fazia uso de captopril, ácido acetilsalicílico e alprazolam. Ao exame físico, apresentava estado geral regular, com alguns momentos de desorientação, sonolenta, dispneica, hipocorada (+/+4). Ausculta cardíaca e pulmonar fisiológicas. O abdome encontrava-se doloroso à palpação superficial e profunda de hipocôndrio direito e hipogástrio. O ECG de 12 derivações realizado à admissão evidenciou supradesnivelamento do segmento ST em parede inferolateral, tendo diagnóstico inicial de IAM de parede inferolateral. Conduta inicial foi ácido acetilsalicílico, clopidogrel, metoprolol, metoclopramida, sinvastatina, captopril, oxigenioterapia e cuidados gerais. A radiografia de tórax foi normal. Foram realizados exames laboratoriais e a paciente foi encaminhada à hemodinâmica para realização de cateterismo cardíaco. Os marcadores séricos de lesão miocárdica estão apresentados na Tabela 1. Silva et al. Cardiomiopatia de Takotsubo em Octogenária Relato de Caso Tabela 1 Valores dos marcadores séricos de lesão miocárdica: Troponina I e CK-MB à admissão e oito horas após. Marcadores séricos de lesão miocárdica Admissão Após Valores de 8 horas referência Troponina I (ng/ml) 0,72 1,89 0,00 a 0,10 CreatinofosfoquinaseMB(CK-MB) (ng/ml) 10,48 40,39 0,10 a 4,94 A cineangiocoronariografia revelou artérias coronárias sem lesões significativas e a ventriculografia esquerda mostrou balonamento de parede anterior em forma de “Takotsubo” ou haltere (Figura 1). O ecocardiograma (ECO) realizado 48 horas após a admissão revelou cavidades cardíacas com dimensões e espessuras normais, acinesia de toda região apical do VE, contratilidade preservada nos demais segmentos; disfunção sistólica moderada (fração de ejeção de 38 % pelo método de Simpson), disfunção diastólica leve estágio I, esclerose mitroaórtica, refluxo tricúspide leve (pressão sistólica de artéria pulmonar: 32 mmHg), pericárdio normal (Figura 2). Figura 1 Coronariografia mostrando artérias coronárias sem lesões significativas (parte superior da figura) e ventriculografia esquerda em sístole e diástole mostrando balonamento apical (parte inferior da figura). 482 Silva et al. Cardiomiopatia de Takotsubo em Octogenária Relato de Caso Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):481-84 novembro/dezembro catecolaminas via receptores adrenérgicos as principais hipóteses2. Na maioria dos casos, existe correlação prévia estresse físico e/ou emocional. No caso relatado, ocorreu após estresse emocional3,4. O quadro clínico da CT é: início súbito de dor anginosa, alterações eletrocardiográficas e elevação discreta de marcadores de necrose miocárdica, compatível com IAM com supradesnível do segmento ST, podendo mimetizar muitas vezes esse diagnóstico nas salas de emergência. Na paciente relatada, houve quadro clínico de dor torácica após evento de estresse emocional, além da elevação dos marcadores séricos de lesão miocárdica e supradesnivelamento do segmento ST ao ECG em parede inferolateral5. Figura 2 Ecocardiograma mostrando acinesia de região apical de ventrículo esquerdo. A paciente apresentou melhora clínica da dor, dispneia e náuseas após as condutas iniciais, todavia apresentou um novo episódio de precordialgia e dispneia no quarto dia de internação hospitalar (DIH), sendo realizadas medidas de suporte. A paciente recebeu alta no quinto DIH, em uso de metoprolol, ácido acetilsalicílico, sinvastatina, captopril e enoxaparina sódica. Um novo ECG mostrou redução do supradesnivelamento ST. Retornou para avaliação após 24 dias, com novo ECO, que revelou cavidades cardíacas de dimensões e espessuras normais; contratilidade global e segmentar do VE preservada (fração de ejeção: 64 %); disfunção diastólica leve do VE; insuficiência mitral leve; regurgitação tricúspide mínima, compatível com o padrão fisiológico (pressão sistólica da artéria pulmonar estimada em 15 mmHg). O exame foi realizado pelo aparelho Vivid-i (Contagem, MG – Brasil), sem obtenção de fotos. Discussão A CT é uma disfunção sistólica transitória que pode acometer a região apical do VE e excepcionalmente do ventrículo direito, fazendo com que o VE, na fase aguda, na sístole, adquira a forma que lembra um jarro japonês utilizado para capturar polvo (Tako=polvo, Tsubo=jarro ou vaso)1,2. Sua etiologia é desconhecida, sendo o espasmo microvascular e a injúria miocárdica direta pelas Nas últimas décadas, mudanças no estilo de vida têm aumentado o risco cardiovascular das mulheres e, consequentemente, o risco de IAM. Assim, é importante diferenciar IAM da CT, pois apesar de ambos apresentarem clínica similar, esta não aumenta a morbimortalidade em longo prazo, possuindo características, tratamento e prognóstico diferentes6,7,8. Tipicamente, a CT afeta mais mulheres na pós-menopausa, acima de 60 anos. Os angiogramas evidenciam coronárias sem obstruções significativas e um aspecto de acinesia apical característico, o que também fora evidenciado no caso em questão9. A disfunção sistólica pode ser marcante, com até 40 % dos pacientes requerendo estabilização hemodinâmica com vasopressores ou contrapulsação aórtica, porém a normalização da função ventricular ocorre em média 18 dias, tendo ocorrido na terceira semana após o evento na paciente10. Não existe tratamento específico para disfunção ventricular esquerda pela CT, visto que a função cardíaca retorna ao normal em algumas semanas. Por outro lado, pode ser necessário o uso de medicamentos e não existem ainda ensaios clínicos para o tratamento dessa síndrome; portanto, podem ser utilizados inibidores da enzima conversora da angiotensina, betabloqueadores e diuréticos se houver sobrecarga de volume10. O prognóstico desta cardiomiopatia geralmente é favorável, sendo a insuficiência cardíaca, com ou sem edema pulmonar, a complicação mais frequente, presente em aproximadamente 20 % dos casos. A taxa de mortalidade intra-hospitalar varia entre zero e 8 %, apesar de alguns especialistas7,8 afirmarem que os dados publicados estão subestimados. Alguns autores 7,8 evidenciaram taxa de recorrência de aproximadamente 10 % em quatro anos9. 483 Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):481-84 novembro/dezembro Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Referências 1. Lemos AET, Araújo ALJ, Lemos MT, Belém LS, Vasconcelos Filho FJC, Barros RB. Síndrome do coração partido (síndrome de Takotsubo). Arq Bras Cardiol. 2008;90(1):e1-3. 2. Diamant L, Costa LC, Santos MLO, Ribeiro MA, Lins Júnior LA, Souza RJE, et al. Cardiomiopatia de Takotsubo evoluindo com choque cardiogênico em paciente de 38 anos. Rev SOCERJ. 2006;19(3):236-9. 3. Macedo LA, Silva FB, Martins ABB, Jorge JKC, Medeiros P, Barbirato GB, et al. Takotsubo invertido: uma nova forma de apresentação de cardiopatia adrenérgica. Rev SOCERJ. 2008;21(2):114-7. 4. Dec GW. Recognition of the apical ballooning syndrome in the United States. Circulation. 2005;111(4):388-90. 484 Silva et al. Cardiomiopatia de Takotsubo em Octogenária Relato de Caso 5. 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