Cardiomiopatia de Takotsubo: Relato de Caso e Revisão de Literatura

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Rodrigues et al.
Cardiomiopatia de Takotsubo
Relato de Caso
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):135-138
março/abril
Cardiomiopatia de Takotsubo: Relato de Caso e Revisão de Literatura
Takotsubo Cardiomyopathy: Case Report and Review of the Literature
Relato de
Caso
Vinícius Lustosa de Araújo Rodrigues1, José Flávio Sette de Souza2, Allan Longhi2, Marco Antonio Yukishigue Kaimoti2
Resumo
Abstract
Cardiomiopatia de Takotsubo (CMT) é uma doença
caracterizada por disfunção ventricular esquerda
aguda em resposta a estresse físico ou emocional.
Relata-se o caso de uma mulher, 82 anos, que foi
hospitalizada com queixa de dor torácica e dispneia.
A paciente apresentou alterações eletrocardiográficas,
elevação das enzimas cardíacas, alterações de
movimento da parede do ventrículo esquerdo (VE),
mimetizando síndrome coronariana aguda (SCA),
todavia as coronárias estavam angiograficamente
normais. Apresentou como complicações da CMT
insuficiência cardíaca esquerda com edema agudo de
pulmão, disfunção valvar mitral e formação de trombo
em ápice de VE. A função ventricular esquerda foi
completamente recuperada em três semanas.
Takotsubo cardiomyopathy (TCM) is a disease
characterized by acute left ventricular dysfunction
in response to physical or emotional stress. This
report addresses the case of an 82-year-old woman
hospitalized for chest pain and dyspnea. The
patient presented electrocardiographic alterations,
elevated heart enzymes and left ventricular (LV)
wall motion changes, mimicking acute coronary
syndrome (ACS), but with angiographically normal
coronary arteries. The complications resulting from
TCM were: left side heart failure with acute
pulmonary edema, mitral valve disorder and
thrombus formation in the LV apex. The left
ventricular function was recovered completely in
three weeks.
Palavras-chave: Cardiomiopatia de Takotsubo;
Catecolaminas; Disfunção ventricular
Keywords: Takotsubo cardiomyopathy;
Catecholamines; Ventricular dysfunction
Introdução
capturar polvo2. Nessa síndrome, o coração adota
forma semelhante a esse recipiente à ventriculografia
e ao ecocardiograma (ECO)1.
Cardiomiopatia de Takotsubo (CMT) foi descrita pela
primeira vez no Japão, em 1990, por Sato apud
Amruthlal Jain et al.1 Caracteriza-se por disfunção
aguda do ventrículo esquerdo (VE) em resposta a um
estresse emocional ou físico1.
No Japão, Takotsubo é o nome atribuído a um pote
de fundo redondo e gargalo estreito usado para
Acomete mais comumente idosos (entre 62-75 anos)
e mulheres (82,0-100,0 % dos casos)3. Frequentemente
é subdiagnosticada2. Apresenta características clínicas
e de imagem que mimetizam síndrome coronariana
aguda (SCA)2, sendo dor torácica e dispneia as queixas
comuns1. Nos Estados Unidos da América, representa
Curso de Medicina - Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) - Dourados, MS - Brasil
Hospital Universitário - Universidade Federal da Grande Dourados (HU/UFGD) - Dourados, MS - Brasil
Correspondência: Vinícius Lustosa de Araújo Rodrigues
E-mail: [email protected]
Rua João Corrêa Neto, 794 - Jardim São Pedro - 79810-080 - Dourados, MS - Brasil
Recebido em: 05/11/2013 | Aceito em: 04/03/2014
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1,2-2,2 % dos casos admitidos como infarto agudo do
miocárdio (IAM)4.
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Cardiomiopatia de Takotsubo
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desempenho sistólico global e segmentar dos
ventrículos dentro da normalidade.
A mortalidade intra-hospitalar na CMT é estimada em
1,0 % 3 , enquanto na SCA é 6,5 % 5 . Um correto
diagnóstico previne o tratamento para doença cardíaca
isquêmica, o qual não mostra benefícios em CMT, além
de possibilitar efeitos adversos5.
Relata-se o caso de paciente feminina, com idade
superior à média de idade dos casos até então
descritos, que apresentou rara complicação da
síndrome, bem como um padrão atípico de
acometimento do VE.
Relato do caso
Paciente feminina, 82 anos, branca, foi hospitalizada
em decorrência de início súbito de dor torácica
retroesternal em aperto e dispneia. A dor era
desencadeada aos leves esforços, sem fator de melhora
ou piora, não apresentava irradiação, com duração de
30 minutos. Tinha história de doença renal crônica não
dialítica e pielolitotomia realizada há um mês,
apresentando sepse uma semana após a cirurgia.
Paciente recebeu alta hospitalar duas semanas após o
início da sepse em boas condições. Uma semana após,
foi re-hospitalizada apresentando os referidos
sintomas de dor torácica e dispneia. Não fazia uso de
tabaco, álcool ou drogas ilícitas.
Radiografia simples de tórax evidenciava aumento
da área cardíaca 2+/4+ à custa de VE e sinais de
congestão pulmonar. Eletrocardiograma (ECG)
realizado à admissão demonstrou ritmo sinusal com
extrassístoles atriais e inversão de ondas T nas
derivações precordiais V4 a V6. ECG não evidenciou
elevação do segmento ST, bem como alterações
relacionadas ao QT.
Troponina T apresentou pico de 0,119 µg/L (normal
até 0,02 µg/L), com posterior queda. CK total e CK-MB
mostraram-se normais.
ECO também realizado à admissão mostrou fração de
ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) de 46 % pelo
método de Simpson, com alteração segmentar contrátil
caracterizada por hipocinesia acentuada de todo o
ápex (septo-antero-latero-inferoapicais) e hipocinesia
difusa dos demais segmentos. Observado trombo séssil
apical do VE medindo cerca de 1,5x1,5 cm (Figura 1) e
insuficiência mitral (IM) de grau moderado.
ECO realizado há um mês, previamente à realização
de pielolitotomia, mostrava FEVE de 75 % com
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Figura 1
Ecocardiograma transtorácico mostrando trombo em ápice
de VE.
VE=ventrículo esquerdo
Considerou-se hipótese diagnóstica inicial de SCA sem
supradesnivelamento do segmento ST, sendo estratificado
o risco e indicado cateterismo cardíaco (CAT). Foi
medicada com antiagregante plaquetário, heparina de
baixo peso molecular, betabloqueador (BB), inibidores
da enzima conversora da angiotensina (IECA) e
estatina.
CAT realizado duas semanas após o ECO de
admissão revelou FEVE discordante da revelada por
esse exame durante a internação hospitalar. CAT
mostrou FEVE de 65 %, hipocinesia apical de VE, IM
discreta e coronárias sem lesões obstrutivas
significativas (Figura 2). Não evidenciou trombo
intraventricular.
Mediante a discordância entre os exames, foi
realizado novo ECO pelo mesmo cardiologista uma
semana após o CAT, revelando: FEVE de 59 %;
desempenho sistólico global e segmentar dos
ventrículos dentro da normalidade; ausência de
trombo e da disfunção sistólica do VE anteriormente
descrita.
Não foram realizadas cintilografia miocárdica com
MIBG nem ressonância magnética cardíaca.
Paciente evoluiu com total remissão dos sintomas e
recuperação completa da função ventricular esquerda
em três semanas.
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Figura 2
Angiografia mostrando coronárias normais (A) e ventriculografia evidenciando hipocinesia apical de VE (B).
VE=ventrículo esquerdo
Discussão
Existem várias hipóteses para explicar a fisiopatologia
da CMT6. Uma seria que as catecolaminas liberadas
em resposta a um estresse intenso promovem um
efeito tóxico direto aos cardiomiócitos 7, além de
promover sobrecarga de cálcio intracelular, levando
à disfunção cardíaca4.
Outras hipóteses referem-se a: disfunção da
microvasculatura coronariana2; espasmo de múltiplos
vasos coronarianos epicárdicos2; presença de placa
ateromatosa instável na artéria descendente anterior
esquerda, com rápida reperfusão5; mecanismo mediado
neurologicamente8; papel desempenhado pela redução
dos níveis estrogênicos na pós-menopausa2.
O caso relatado apresenta características compatíveis
com CMT. Paciente tinha manifestações clínicas,
alterações ao ECG, elevação de marcadores de necrose
miocárdica, anormalidades de movimento da parede
do VE mimetizando SCA, todavia as coronárias estavam
angiograficamente normais. Adicionalmente, a função
ventricular esquerda se restabeleceu em três semanas.
CMT foi desencadeada pelo estresse representado
pelo procedimento cirúrgico e a sepse no pósoperatório, que fortalece o princípio de que um evento
estressor é capaz de elevar as catecolaminas a níveis
suprafisiológicos, com potencial para gerar CMT em
indivíduos susceptíveis.
O padrão clássico de alteração de movimento do VE
ao ECO é: acinesia, hipocinesia ou discinesia dos
segmentos apicais e médios do VE e hipercinesia dos
segmentos basais 5. No caso relatado, o ECO não
mostrou hipercinesia dos segmentos basais,
evidenciando alteração segmentar contrátil com
hipocinesia acentuada de todo o ápex e hipocinesia
difusa dos demais segmentos.
A origem de formas atípicas pode decorrer de variação
na inervação autonômica e na distribuição de
receptores adrenérgicos dentro do coração 5, sob
influência da idade e das condições hormonais3.
A CMT pode cursar com complicações como
disfunções valvares 5 , choque cardiogênico,
insuficiência cardíaca (IC) com ou sem edema
pulmonar, taquiarritmias, bradiarritmias e morte7.
O caso relatado evoluiu com IC esquerda com edema
agudo de pulmão, surgimento de IM, além da
formação de trombo apical, que é uma rara complicação
de CMT (incidência de 2,5-9,0 %5).
O tratamento é de suporte, determinado pelas
complicações que ocorrem na fase aguda 5. Os
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medicamentos frequentemente utilizados são BB,
IECA ou bloqueadores dos receptores da angiotensina
II (BRA)3.
CMT tem uma importante implicação clínica, tendo
em vista que mimetiza SCA e é, por isso, frequentemente
subdiagnosticada. CMT deve ser lembrada como
diagnóstico diferencial, principalmente em pacientes
femininas na pós-menopausa, apresentando sintomas
agudos de dor torácica acompanhada ou não de
dispneia e com evento estressor intenso e recente.
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Referências
1.
2.
3.
4.
5.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento
externas.
Vinculação Acadêmica
O presente estudo não está vinculado a qualquer programa
de pós-graduação.
138
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7.
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