ATUALIZAÇÃO _. 143-

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ATUALIZAÇÃO
ARQ. SAúDE MENTAL -
ESTADO DE SÃO PAULO, Vais. XLVII a LII, ( 143·153 ) 1988/93
FLUFENAZINA
-
UMA REVISÃO
Roberto Moscatello *
RESUMO
O autor faz uma revisão da literatura acerca da flufenazina, partindo
do primeiro trabalho publicado (1959') até os mais recentes (1988),
abrangendo aspectos farmacológicos e clínicos. Mostra que foi o
primeiro tranquilizante maior de longa ação, e que esta tem sido sua
maior vantagem, pois trouxe consideráveis benefícios para o tratamento
de esquizofrênicos crônicos, contribuindo para a diminuição do número
de internações e recaídas, bem como reduzindo o tempo de hospitalização.
I-INTRODUÇÃO
Junto com a evolução da humanidade e as preocupações humanísticas,
nasceu e se desenvolveu a Psiquiatria. No começo do século XX o
trabalho pioneiro de psicologia profunda desenvolvido por Sigmund
Freud (6) revolucionou a Psiquiatria. O primeiro relato sobre o tratamento da Mania com sais de litio em 1949(27), a sintese da clorpromazina em 1950 na França e o seu uso em pacientes psiquiátricos por
Lelay e Deniker (citado por Penildon Silva (27) em 1952 marcaram o
início de outra revolução na Psiquiatria, com o advento dos psicofármacos. A partir de então a Psiquiatria teve uma nova face, tornou-se
possível uma melhor organização dos serviços psiquiátricos, mais humanização e diminuição do sofrimento daqueles que são portadores de
desordens mentais (6).
* Médico Psiquiatra da Secretaria de Saúde, lotado no MDP-II, Hospital
de Juqueri.
_. 143-
ROBERTO
MOSCATELLO
Em 1959,nos EUA, Harry F. Darling (3) publicou um ensaio sobre a
utilização de um novo potente psicofármaco, o cloridrato de flufenazina.
Esta droga foi utilizada por via oral em 110 pacientes hospitalizados
por um período de 4 meses, apresentando efetiva ação antipsicótica
para casos agudos e crônicos, com uma efetividade 25 vezes superior
à clorpromazina. Anos depois (1962 e 1963), surgiram trabalhos a
respeito de uma preparação parenteral da fluflenazina, o enantato de
flufenazina (28). Aparecia então o primeiro psicofármaco de longa
ação, pois o enantato podia ser usado somente a cada 15 dias através
de via parenteral (subcutânea ou intramuscular) .
Esta forma parenteral de longa ação facilitou o tratamento de
esquizofrênicos crônicos, já que a não confiabilidade destes em tomar
medicação regularmente por um longo período é bem conhecida (16) .
Então, as vantagens do enantado de flufenazina foram inúmeras, tais
como uma acentuada diminuição das recaídas psicóticas, redução do
tempo de internação hospitalar, a certeza do seguimento da prescrição
médica, facilidade de retorno do paciente à vida domiciliar e social,
como assinalou Ey (6) .
Na sequência serão abordados aspectos bíoquímícos, de farmacocinética
e farmacodinâmica, indicações, efeitos colaterais, contra-indicações,
posologia e interações com outras drogas.
II -
CLASSIFICAÇÃO
Para Delay (citado por Penildon Silva (27), os psicofármacos podem
deprimir, excitar ou desviar a atividade mental. São consideradas
neurolépticos as drogas que inibem a atividade psíquica na esfera
afetiva (reserpina, fenotiazínicos, butirofenonas, etc.) , Derivados fenotiazínicos foram os primeiros grandes grupos de antipsicóticos. Três
subfamílias químicas podem ser distinguidas: as séries alifáticas e
piperadinas, consideradas como compostos de baixa potência. A flufenazina pertence à subfamília piperazinil, sendo considerada uma droga
de alta potência (12) .
-144-
HUFENAZ1NA
III -
ASPECTOS
VAIA
RE\TISAO
FAR1\1ACOLóGICOS
Flufenazina, cuja fórmula química completa é 4-(-(3-2)trifluorometil)
-Iü-fenotíazil)propil) -l-píperazína-etancl, dihidrocloride, um derivado
fenotiazínico, é o homologo trifluorometil da perfenazina Cl7). O cíoridrato de flufenazina é usado por via oral (3). O enantato de flufena:::ina
é um ester do ácido heptanóico, dissolvido em óleo de sésamo (28)
Fora do Brasil existe o decanoato de fluíenazína, que também é um
ácido esterificado, mas de ação um pouco mais longa (29). O enantato
e o decanoato de flufenazina são usados de forma injetável e têm ação
longa.
A ação da flufenazina não difere da ação de outros antipsicóticos,
exceto a forma parenteral que tem uma ação mais prolongada (16).
A «hipótese dopamina» (aumento da função neuronal da doparnína no
sistema nervoso central) é a preponderante hipótese biológica da
esquízotrenía dos últimos vinte anos (26). O fato de que todas as
drogas antipsicóticas conhecidas bloqueiam a transmissão da dopamina
no cérebro proporciona a mais clara indicação de que sistemas
dopaminérgicos no SNC estão de alguma maneira relacionados com
psicoses e esquizofrenia. Os antipsicóticos, então, podem ser chamados
de antagonistas da dopamina central (12). Ocorre bloqueio do receptor
pós-sínáptico
no sistema mesolímbíco do cérebro, enquanto que o
bloqueio dos receptores dopamínérgícos no sistema nígrostríatum é
responsável pelas reações extrapiramidais. O bloqueio do sistema
dopamínérgíco tubero-iníundíhular é responsável pelas alterações endócrinas (12) .
Segundo Hollister (1984), os antipsicóticos também atuam em graus
variáveis sobre outros receptores. Bloqueio alfa-adrenoreceptor causa
alguns dos efeitos colater ais adrenolítícos, tais como hipotensão
ortostática e subsequente taquicardia secundária.
Bloqueio do
receptor histamína-l central pode ser o responsável por alguns dos
efeitos sedativos. Bloqueio do receptor antimuscarínico provavelmente
causa boca seca, visão turva, constipação e retenção urinária (12).
Muitas dessas drogas podem baixar o limiar convulsivo e induzir
padrões de descarga no EEG que são associadas com desordens
convulsívas, o que ocorre mais comumente com as fenotiazinas alífátí-
caso Com a flufenazina esse efeito parece ser mínimo
-145-
ClO) .
lWBERTO
MOSCATELLO
Devido às limitações de técnicas laboratoriais e do metabolismo
complexo dos antipsicóticos, o estudo da farmacocinética e farmacodinãmíca dos neurolépticos permanece com poucas conclusões (10). De
qualquer maneira, estudos recentes mostram alguns fatos. Por exemplo,
sabe-se que a oxigenação biológica do anel do átomo de enxôfre para
formar derivados sulfóxidos, é uma grande rota no metabolismo das
drogas fenotiazínicas. Midha e cols. (25) atribuem significante bloqueio
da atividade da doparnina pelos metabólitos sulfóxidos da clorpromazina e flufenazina.
Midha e cols (1987) também relatam dificuldades analíticas para se
estudar a flufenazina por causa dos níveis extremamente baixos da
droga e metabólitos nas amostras do soro e plasma dos pacientes (25) .
Mas, pode-se concluir que a parede intestinal tem um importante
papel no metabolismo de íenotiazínícos administrados oralmente.
Esses autores (25) também relatam a detecção de flufenazina e 7hidroxiflufenazina, o que significa que conjugados da flufenazina são
excretados na bile e hidrolisados no intestino, deixando aberta a
possibilidade de ação metabólica durante reabsorção através da parede
intestinal.
Trabalhos no início da década de 60 (Simpson e col. , 1964) mostravam
que uma única dose de enantato de flufenazina inibia a resposta
condicionada de evitamento em ratos por 12-15dias, enquanto que uma
injeção de flufenazina comum inibia somente por 24-48 horas (28) .
Nascia, então, a era dos traquílízantes de longa ação. Já naqueles
primeiros trabalhos (Kínross-Wright
e col., 19(3) podia-se concluir
que duas injeções mensais de 25 mg de enantato de flufenazina eram
terapeuticamente equivalentes às doses diárias de 5 mg de flufenazina
oral (17).
Segundo Johnson e Freeman (1972), os efeitos do enantato de flufenazina
não são diferentes daqueles apresentados pelo cloridrato de flufenazina,
exceto a ação mais prolongada (16). A esterificação prolonga bastante
a duração do efeito produzido pela droga, sem diminuir sua atividade.
Tanto o enantato como o decanoato de flufenazina são metabolizados
no organismo sendo que a ação farmacológica sobre o SNC é da
flufenazina livre ou flufenazina cloridrato. O enantato tem uma ação
mais curta 00-14 dias), enquanto o decanoato permanece efetivo por
21-28 dias. A absorção é provável ser relativamente constante, sendo
que provavelmente ocorra um aumento do pico no soro pela predomínàncía de reações extrapiramidais entre o 2° e 6° dia da injeção (16, 17).
-146-
FLUFENAZINA
IV -
UMA
INDICAÇÕES
REVISÃO
CLINICAE3
As indicações habituais da flufenazina são para o tratamento das
psicoses crônicas, particularmente a Esquízofrenia Cl,2,3,6,lO,1l,U,ltl,
16,17,20,22,21,22,26,27,29,30)
.
A forma parenteral da flufenazina íntroduzída na década de 60 (KinrossWright e cal. , 1963,EUA) permitiu um avanço notável no planejamento
e tratamento de esquizofrênicos ambulatoríaís ( 17,28). Desde então
inúmeros trabalhos em diversas partes do mundo (2,14,16,18,21,28,29)
mostram que o emprego da forma «depot» da flufenazina em pacientes
psicóticos reduziu significativamente a frequência das recidivas dos
surtos psicóticos. A flufenazina depot passou a ser droga de escolha
para aqueles pacientes, principalmenteos que recusam medicação, e para
os pacientes internados em fase de reagudizaçâo, pois diminui'). o
tempo de permanência hospitalar.
Também está índícada, em pequenas doses (10), em pacientes com
síndrome cerebral aguda com agitação, sem probabilidade de convulsão,
e para transtornos de conduta em oligofrênicos (6), estados de ansiedade resistentes aos benzodiazepínicos como pacientes dependentes de drogas em fase de abstinência também em pequenas doses (13). lVIartin e
Schiff (23) mostrãram que o uso da associação de 0,5 mg de flufenazina
+ 10 mg de nortríptílína corrige anormalidades funcionais e proporciona
alívio sintomático em pacientes com Síndrome da Bexiga Irritável. Uma
outra indicação clínica da flufenazina é para o tratamento de políneuropatía diabética dolorosa, um sério problema de pacientes diabéticos.
O trabtalho de Gornez-Perez e col. (9) mostrou alívio da dor parestesia
em pacientes com neuropatia diabética através do uso daquela associação medicamentosa (fluíenazina 0,5 mg + nortriptilina 10 mg ,
v-
CONTRA
- INDICAÇõES
Em geral não difere dos outros neurolépticos (16). Assim, está contraindicado em estados comatosos, intoxicação aguda por substâncias
depressoras do SNC (álcool, hípínótícos,
etc. I, úlceras péptíca, discrasias
sanguíneas, hipersensibilidade conhecida, insuficiência cardíaca, hepática ou renal, doença do sistema extrapíramídal. Alguns autores (Good-
-147-
ROBERTO
MOSCATELLO
man and Gilmans, Hollister, Silva também salientam sua contraindicação em pacientes com antecedentes de depressão ou em fase
depressiva 00,12,27). O uso durante a gravidez deve ser feito com
precaução 00,27), devendo-se evítá-lo nos três primeiros meses de
gestação.
VI -
EFEITOS COLATERAIS
Desde o seu surgimento no cenario clínico, a flufenazina é conhecida
por efeitos indesejáveis, muitas vezes severos (15,16). Estes efeitos
atingem diversos sistemas elo organismo, sendo mais frequentes as
reações extrapíramidais 02,15,19). Estas reações podem ser agudas
(discinesias agudas, parkinsonismo, acatísía e síndrome neuroléptica
malígna) ou crônicas (díscínesía tardia). Atribui-se à flufenazina o
surgimento de um estado depressivo dias após seu uso em pacientes
psicóticos crônicos, mas estudos recentes, mostram que tal fato deve-se
mais a uma provável ligação entre esquizofrenia e distúrbios afetivos
do que à flufenazina (2,15,16,18). Entre os efeitos do Sistema Nervoso
Autônomo estão visão turva, boca seca, dificuldade de micção, constipação, hipotensão ortostática ou crise hipotensiva aguda (12). Há relato
na leitura do priapísmo em decorrência de cloridrato de flufenazina (7). Entre os efeitos metabólicos e endócrínos estão ganho de peso,
galactorréia, arnenorréía, diminuição da libido, impotência, esterilidade,
sindrome da secreção inapropiada de ADH e edema periférico
(3,10,12,15,16). Agranulocitose é extremamente raro (12). Sabe-se que
o decanoato de flufenazina reduz o número de plaquetas, o que facilita
possível coagulopatía (23). Reações alérgicas podem ocorrer (15).
VIU -
POSOLOGIA
O clorídrato de flufenazina é encontrado no comércio sob a forma
de drágeas de 1 e 2,5mg (Anatensol) e 5 mg (Anatensol P). O enantato
de flufenazina (Anatensol Depot) é apresentado em ampolas de 1 cm3,
contendo 25 mg/emã.
-148 _.
FWFENAZINA
UMA
REVISÃO
o cloridrato de flufenazína é tomado por via oral, variando a dose de
2-60mgjdia (12). No caso de se tratar de estados não psícotícos, como
ansiedade severa, a dose pode ser 1-2mgjdia (13).
o
de flufenazina
é administrado
habitualmente
por via
profunda, 2,5-100mg, a cada 2 ou 3 semanas (6,12,20,21).
Inicialmente ele foi empregado por via subcutânea (17) e recentemente
tem havido trabalhos
chamando
a atenção sobre o uso subcutâneo
ao invés de intramuscular,
por haver um maior vazamento da droga
por esta última via e, talvez, o fato de que 40% dos pacientes tratados
com neurolépticos
depot serem não respondedores
pode ser atribuído
ao local de injeção (8). Na Alemanha Federal tem havido o uso de
flufenazina E.V. ,cuja dose deve ser no mínimo 300mg (4). No que se
refere à dose padrão, isto só será alcançado de acordo com as condições
particulares
de cada paciente 00,27). Em razão da díscínesía tardia e
outras reações extrapirarnidais
dos neuroléptícos,
tem-se tentado usar
a menor dose possível de manutenção (21). No caso da flufenazina,
doses mais altas são empregadas com o objetivo de proporcionar
maior
proteção
contra recaídas, mas isto tem o íncoveníente
de causar
muito desconforto ao paciente, além do risco de díscínesia tardia (22).
Embora doses mais baixas estejam associadas com aumento do número
de recaídas, o emprego de doses mais baixas tem sido tendência atual no
mundo (14,20,21,22). Inclusive há uma associação
entre altos níveis
plasmáticos de neurolépticos
e pobre resposta clínica, o que contraria
a prática
habitual
de clínicos aumentarem
a dose da medicação
desejando
um melhor efeito (24). Então, o que se recomenda
são
doses baixas de manutenção,
acompanhamento
do paciente, e quando
houver sinais de reagudização aumenta-se a dose, mesmo por via oral,
até estabelecer
um ajuste adequado (20,21,22) .
enantato
íntramuscular
VIII -
A interação
hipnóticos,
sor destes
com o uso
associação
(12) .
INTERAÇÕES
MEDICAMENTOSAS
com outros depressores
do SNC (sedativos convencionais,
álcool, opiáceos, antíhístarnícos) potencíalíza o efeito depres00,12,27). Os efeitos antícolínérgícos
podem se acentuar
associado de antídepressivos ou antiparkisonianos
(12). A
com lítio pode provocar piora de síndromes parkinsonianas
-149-
.ROBERTO
MOSCATELLO
Sabe-se que o fumo de tabaco afeta o metabolismo da flufenazina e
outros neurolépticos por estimular o sistema enzimático do microssoma
hepático (5). A taxa aumentada do metabolismo da droga pode levar a
níveis plasmátícos diminuídos, uma duração mais curta do efeito e
possíveis mudanças nos efeitos benéficos ou adversos .
Uma nova associação benéfica é flufenazina e alprazolam no tratamento
de diversas desordens esquizofrênicas, havendo melhora clínica dos
sintomas produtivos e deficitários esquízotrênícos
(31).
IX -
CONCLUSÃO
Este trabalho faz uma revisao bibliográfica sobre um importante
fenotiazínico, a flufenazina. Esta droga, quando usada pela primeira
vez 0(59), mostrou ser um potente antipsicótico. Foi o primeiro
antipsicótico de longa ação. Os estudos de farmacocinética e farmacodinâmica são muito difíceis de serem avaliados, devido ao baixo nível
sérico da droga e seus metabólitos. Sua principal indicação é o uso
em pacientes psicótícos crônicos tratados em ambulatórios. A preparação
depot é sua melhor vantagem, pois permite a confiabilidade do
tratamento, um conhecido problema da Psiquiatria. Tal fato reduziu
significativamente o número de recaídas de esquizofrênicos e o tempo
de internação daqueles que estão em ambiente hospitalar. O maior
inconveniente da droga é a sua facilidade em promover reações
extrapíramídaís (acatísía, discinesias agudas, parkínsonismo, síndrome
neuroléptica malígna e discinesia tardia). Em suma, este potente
neuroléptíco é um importante recurso terapêutíco, principalmente na
forma depot, ao permitir ao médico a certeza do tratamento instituído,
facilidade de receber medicação somente a cada 2-3 semanas, evolução
estável da doença e melhor reinserçâo social do paciente.
X-SUMMARY
This work showes aspects of the fluphenazine. This important drug
has used since 1959 with advantabes and disavantages. The dtepot.
form is its great advantage because ít is used each fifteen days. The
unwanted extra-pyramídal effects are its great disadvantage.
-150-
FLUFENAZINA
UMA
REVISÃO
The work does a review about pharmacologic and bíochemícal actíons,
metabolism, clínícal use, síde affects and ínteratíons wíth other drugs.
XI -
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