UMA ANÁLISE DISCURSIVA E ESQUEMÁTICA SOBRE A COMPLEXIDADE DA ATUAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS/PORTUGUÊS EM CONTEXTO DIALOGAL. Angela Maria da Silva Corrêa (UFRJ)1 Luiz Cláudio da Silva Souza (UFRJ)2 Este trabalho é um desdobramento de minha pesquisa de mestrado. A análise aqui empreendida percorre diversos esquemas elaborados para explicitar a situação de comunicação e tradução (JAKOBSON, 2011; CORRÊA, 2007; CHARAUDEAU, 2010). Nosso intuito é apresentar um esquema que permita visualizar a atuação do TILSP na complexidade do ato Interpretativo de modo considerar as variáveis existentes na situação discursiva. A tradução e interpretação são atividades consideradas complexas devido às inúmeras variantes que estão em jogo na realização desse exercício. Entretanto, há aqueles que entendem a interpretação como uma atividade mecânica ou ainda pensam que para desempenhar tal tarefa não são necessários outros conhecimentos além do linguístico. Assim sendo, deixam transparecer que apenas o fato de ser bilíngue seria a condição única para ser tornar um intérprete. Contudo, as atividades tradutória e interpretativa não compreendem apenas o domínio de duas línguas. Dessa forma, falantes bilíngues não necessariamente constituem tradutores ou intérpretes. Segundo ALBIR (2005, p.19): “A competência tradutória é um conhecimento especializado, integrado por um conjunto de conhecimentos e habilidades, que singulariza o tradutor e o diferencia de outros falantes bilíngues não tradutores”. Nesse sentido, compreendemos que as atividades tradutória e interpretativa envolvem certa complexidade que transcendem o ato puramente linguístico. Nesta perspectiva, podemos dizer que o tradutor/intérprete necessita de amplos conhecimentos em diversas áreas para realizar seu trabalho. Nesta perspectiva, LACERDA (2010, p.147) afirma: Assim, o trabalho de interpretação não se restringe a um trabalho linguístico. Os campos culturais e sociais precisam ser considerados quando se pretende compreender um enunciado. Para além do conhecimento da gramática da língua, importa conhecer seu funcionamento, os diferentes usos da linguagem nas ações humanas. 1 2 Professora Doutora da Universidade Federal do Rio de Janeiro – (UFRJ) Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa Interdisciplinar em Linguística Aplicada - UFRJ Assim sendo, a elaboração do projeto interpretativo deve levar em conta os vários componentes existentes na situação discursiva. Abaixo apresentaremos os principais componentes da situação comunicativa com base em CHARAUDEAU 2010. COMPONENTES DA SITUAÇÃO COMUNICATIVA Características físicas Características Sociais Características Contratuais Números de parceiros Idade, sexo, etnia. Permite envolvidos Troca: Dialogal Presentes ou ausentes Profissão. Não permite Troca: Monologal Próximos ou afastados Aspectos psicológicos e relacionais Tabela 1 Em nossa proposta de elaboração do esquema interpretativo, focalizamos as relações contratuais existente na situação comunicativa e a diferença de modalidade entre as línguas. Assim sendo, demonstraremos a abaixo o esquema elaborado por nós para visualização da atuação do TILSP3. Partimos do pressuposto que o Locutor produz um Dizer para o Interlocutor que passa por um processo de intermediação interlinguística propiciada pelo TILSP conforme vemos a seguir: Locutor----------------TILSP--------------Interlocutor Este cenário aparentemente simples esconde diversos fatores ligados ao contrato Interpretativo, ou seja, a relação de troca ou não troca entre os parceiros, alguns aspectos sociais e psicológicas relacionados aos sujeitos. Dessa forma, os seguintes imaginários podem circular na situação Interpretativa: Qual a identidade social do interlocutor? LOCUTOR Serei Interpretado? Como situar minha fala nesta situação? 3 Tradutor e Intérprete de LIBRAS/Português Faço parte do imaginário Locutor? TILSP TILSP Como devo proceder nesta situação? Qual é a identidade social do locutor? INTERLOCUTOR Que imagem ele fabrica de mim? Como me situar neste contexto? Tabela 2 Estes são possíveis imaginários que podem surgir de forma consciente ou inconsciente entre os parceiros da situação Interpretativa. Foi com base nesta linha de raciocínio que elaboramos o esquema abaixo: Esquema 1 Descrição: Língua 1 – Língua de Partida. V.E – Modalidade Visual – Espacial. Língua 2 – Língua de Chegada. O.A – Modalidade Oral-Auditiva. SC1 – Sujeito Comunicante 1 - toma a iniciativa no processo de comunicação (Locutor). TUi 1 – TU interpretante 1 - Primeiro participante responsável pelo processo de assimilação/interpretação do ato da linguagem (mediador). TUi 2 - TU interpretante 2 - Segundo participante responsável pelo processo de interpretação do ato da linguagem (Público alvo). TUd1 – TU destinatário 1 - Participante a quem se destina o ato de linguagem. Corresponde a uma imagem fabricada pelo SC1 no processo de produção discursiva. TUd 2 - TU destinatário 2 - Participante a quem se destina o ato de linguagem. Corresponde a uma imagem fabricada pelo SC2 no processo de produção discursiva. Di – Destinatário indireto - Participante previsto no imaginário do locutor Indiretamente (mediador) Di-TUi1-SC2 – Papéis assumidos pelo TILSP na situação de interpretação Discussão Elaboramos o esquema acima prevendo um contrato que permite troca entre os parceiros inscritos na Situação de Comunicação. Assim, a organização do esquema se deu com base em um contrato dialogal. No entanto, o esquema também se mostrou útil para contratos comunicacionais que não permitem troca entre os participantes. Para utilizá-lo em contrato monologal (que não permitem troca), basta seguir somente um sentido/direção, isto é, da língua 1 para a Língua 2. Em nosso esquema, o SC1 (Locutor) discursa para um destinatário indireto-Di (intermediador) almejando atingir o público alvo (TUd1). O TILSP, como vimos, assume o papel de destinatário indireto (Di) e de Tui1 (TU interpretante), pois, ele é o primeiro participante responsável pelo processo de assimilação do ato de linguagem. Posteriormente, ele toma a iniciativa no processo de interpretação interlinguística (SC2), produzindo um Dizer que segue a fidelidade semântica e intencional do SC1. O SC2 (TILSP) tem como TUd o mesmo público que SC1 almeja atingir. Este público que para o SC1 seria denominado como TUd1, para o TILSP (SC2) é considerado como TUd2, pois, a imagem que o SC1 e SC2 fabricam, em muitos casos não são equivalentes. Este sujeito (TUd2), assume, logo em seguida, o papel de Tui2, pois, este recebe a mensagem produzida pelo processo de intermediação interlinguística interpretada pelo sujeito SC2. Como estamos falando de INTERPRETAÇÃO que, geralmente, tem natureza simultânea e, prevendo que o público esteja fisicamente presente na situação de comunicação - como em caso da interpretação feita em sala de aula - situação muito comum aos TILSP - este arranjo pode ser invertido rapidamente. O Tui2 pode assumir o papel de SC1 ter um destinatário indireto - Di(TILSP) e um TUd1 (público alvo). Todas as informações discutidas até agora nos levam a duas conclusões. A primeira, é que, invertendo-se o sentido/direção da comunicação, o Tui2 assumirá todos os papéis comunicativos exercidos pelo SC1. Nossa segunda conclusão nos leva a dizer que o TILSP é o único nesta relação comunicativa que não terá seu papel comunicativo alterado, isto é, independente do sentido/direção da comunicação – de A para B ou B para A – o TILSP será sempre o Di-TUi1-SC2. No entanto, embora o papel do TILSP seja fixo, a língua e a modalidade serão alteradas dependendo da dinâmica comunicacional. Assim, a interpretação de uma língua de sinais para o português exigirá estratégias diferentes em relação ao processo inverso, ou seja, do português para a língua de sinais. Com base nas discussões levantadas neste trabalho e através da elaboração de nosso esquema INTERPRETATIVO, conseguimos prever duas relações contratuais a que os TILSP estão sujeitos. A primeira tem a ver com a situação de comunicação em que o TILSP faz parte do imaginário do SC1, isto é, o Locutor modifica sua fala em virtude da atividade de interpretação. Na segunda relação contratual, identificamos ausência de modificação da fala do Locutor, isto é, o TILSP não faz parte do imaginário do (SC1). Nesse sentido, podemos dizer que há distanciamento psicossocial entre o Locutor e o TILSP e, neste caso, não há uma preocupação explícita com a atividade de interpretação. Com o objetivo de ilustrar as duas situações contratuais aqui descritas, veremos a seguir algumas situações que possibilitaram a formulação de tais hipóteses: Situação em sala de aula e Conferência Uma das características do contexto de sala de aula é a proximidade física entre os participantes envolvidos na situação de comunicação. Assim, quando pensamos especificamente neste contexto, identificamos um caráter proximal entre o professor (surdo ou ouvinte), o TILSP e os alunos. Dessa forma, acreditamos que o TILSP faz parte do imaginário do professor e, portanto, de alguma forma este professor modifica sua fala ou sua didática ao evidenciar que seu discurso será alvo de interpretação. Essa situação fica mais evidente quando o professor é uma pessoa surda. Por exemplo, no contexto universitário onde atuamos, identificamos uma preocupação destes professores em enviar o material com antecedência para os TILSP e, em alguns casos, se reunir alguns minutos antes da aula para explicitar um sinal técnico ou apresentar o tema da aula e a maneira como esta será conduzida. A situação relatada nos faz acreditar que a mensagem produzida pelo professor prevê dois sujeitos destinatários diferente. O primeiro que classificamos como TUd1, são os alunos que o professor surdo deseja atingir. O segundo, que denominamos como Destinatário Indireto (Di) - é aquele que o professor precisa para intermediar a relação e levar a informação ao TU1 tendo em vista atingir seu objetivo. Por outro lado, observamos duas situações distintas no contexto de interpretação de conferência. Para ilustrar, pensemos, por exemplo, em um evento específico para a comunidade surda em que alguns palestrantes ouvintes proferem suas palestras em português e necessitam dos TILSP para fazerem a interpretação para a língua brasileira de sinais. Em casos como este, percebemos que os palestrantes ouvintes tendem a se preocupar com a velocidade de sua fala, com alguns termos técnicos entre outras questões. É o caso também dos palestrantes surdos. Geralmente, quando os surdos fazem suas palestras ou fazem alguma pergunta nesses eventos, percebemos a preocupação em iniciar seu discurso somente quando os TILSP estão com os microfones dispostos. Outro fato relevante diz respeito aos sinais relacionados aos nomes de pessoas citadas no discurso. Comumente, esses sinais são de conhecimento das pessoas surdas, porém, podem não ser de conhecimento do TILSP que necessita interpretar esses nomes em seu equivalente em português. Assim, alguns surdos, reconhecendo essa necessidade, fazem o sinal (que é o nome em língua de sinais da pessoa a quem está se referindo), seguido de seu equivalente em português utilizando a datilologia. Desse modo, podemos dizer que nas duas situações o TILSP assume o papel de Di, pois, de alguma forma o palestrante modifica sua fala ou demonstra preocupação em seu discurso tendo em vista que sua fala será alvo de interpretação. Portanto, neste caso, o TILSP faz parte do imaginário do palestrante (SC1). Idealizemos agora uma situação hipotética em que o contexto é uma palestra de medicina voltada para os profissionais da área da saúde. Por um compromisso legal, inserir o TILSP neste contexto para fazer a interpretação do evento. Os participantes somam-se em aproximadamente 400 profissionais. Dentre esse público, encontram-se dois surdos presentes na plateia. Certamente, esse palestrante não preparou sua apresentação prevendo a presença de surdos no evento. Neste caso, acreditamos que o TILSP não faz parte do imaginário do SC1. No cenário descrito isso se justifica, pois, o palestrante não teria nenhum conhecimento sobre a especificidade do surdo no que se refere à sua língua e cultura. Assim sendo, dificilmente sua fala ou sua didática serão modificadas em sua exposição. Nesta situação, o TILSP assumiria o papel de destinatário nulo, pois, não há ligação psicológica do SC1 com o TILSP. Situações: Nas situações citadas acima estão previstas dos tipos de relação contratual. No primeiro contrato, o TILSP faz parte do imaginário do SC1. Neste caso, podemos considerá-lo como o destinatário indireto (Di). Nesse sentido, podemos dizer que de alguma forma a fala do SC1 (surdo ou ouvinte) será modificada para adequar a informação ao público alvo. Em outra situação, o TILSP não está previsto no contrato de comunicação. Assim sendo, concluímos que, nesse caso, o mais viável seria caracterizá-lo como destinatário nulo. A identificação desses contextos visa contribuir com a preparação dos TILSP antes de suas atuações. Ao analisar a relação contratual do ambiente em que trabalhará, o TILSP pode identificar se está previsto nesse contrato comunicativo, isto é, se está inscrito no imaginário do SC1. Caso esteja, será mais simples o cumprimento do contrato interpretativo, caso contrário, saberá que sua interpretação precisará de mais atenção para ser feita, pois, não obterá retornos dos participantes envolvidos na situação de comunicação. Portanto, nosso esquema foi pensado inicialmente prevendo uma forte ligação com característica de uma relação em que o TILSP faz parte desse contexto psicossocial do orador/sinalizador. No entanto, a própria reflexão sobre a situação de interpretação e, posteriormente, a elaboração do esquema, fez com que analisássemos as diversas situações aqui abordadas. BIBLIOGRAFIA ALBIR, H.A. A Aquisição da Competência Tradutória: aspectos teóricos e didáticos. 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