do artigo

Propaganda
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):90-96
março/abril
Artigo
Original
Silva et al.
Clínica de Insuficiência Cardíaca
Artigo Original
Impacto Inicial de uma Clínica de Insuficiência Cardíaca em Hospital
Cardiológico Privado
Initial Impact of a Disease Management Program on Heart Failure in a Private Cardiology Hospital
Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva1, Douglas Jose Ribeiro2, Viviane Aparecida Fernandes2,
Damiana Vieira dos Santos Rinaldi2, Denise Louzada Ramos2, Mariana Yumi Okada2, Marcelo Jamus2,
Antonio Claudio do Amaral Baruzzi2, Hugo Tannus Furtado de Mendonça Filho3, Valter Furlan2
Resumo
Abstract
Fundamentos: A insuficiência cardíaca ainda leva a
hospitalizações frequentes apesar dos notáveis
avanços terapêuticos. Programas que monitoram e
otimizam cuidados têm potencial para melhorar o
controle desses pacientes apesar de evidências ainda
controversas quanto ao seu real benefício.
Objetivos: Caracterizar a população incluída em
clínica de insuficiência cardíaca e avaliar a hipótese
de benefícios a curto prazo (seis meses).
Métodos: Estudo prospectivo que avaliou pacientes
hospitalizados com insuficiência cardíaca em hospital
privado cardiológico de janeiro a dezembro 2012. Os
pacientes foram estratificados em: Grupo 1 – pacientes
pré-Programa de cuidados (feito apenas registro de
dados); Grupo 2 – pacientes pós-Programa (registro
dos mesmos dados junto com intervenções educativas
feitas pelo programa de cuidados da Clínica de
Insuficiência Cardíaca). Analisadas características da
população, indicadores de qualidade e desfechos
clínicos.
Resultados: Avaliados 762 pacientes, média de idade
70,4±11,0 anos, 56,0 % do sexo masculino. Fração de
ejeção reduzida observada em 65,0 %, perfil
hemodinâmico B em 66,0 %, etiologia isquêmica em
52,0 % e infecção como fator de descompensação em
29,0 % dos casos. Desfechos analisados nos Grupos 1
e 2, respectivamente: re-hospitalização em 30 dias
(13,0 % vs. 9,0 %; p=0,10); tempo médio de
hospitalização (9,0 dias vs. 8,4 dias; p=0,4);
descompensação por má aderência (17,0 % vs. 10,0 %;
p=0,004); mortalidade hospitalar (9,0 % vs. 8,0 %; p=0,7).
Background: Heart failure still leads to frequent
hospitalizations despite notable therapeutic advances.
Programs that monitor and optimize care have the
potential to enhance control of these patients,
although evidence of their real benefits is still
controversial.
Objectives: To describe the population with heart
failure included in a Clinical Care Program, assessing
the hypothesis of short-term benefits (6 months).
Methods: Prospective study assessing heart failure
patients in a private cardiology hospital from January
to December 2012, divided into two groups: Group 1
– pre-Care Program patients with only data recorded;
Group 2 – post-Care Program patients with the same
data recorded, together with educational interventions
through the Care Program run by the Heart Failure
Clinic. The demographic characteristics of the
population were analyzed, together with quality
indicators and clinical outcomes.
Results: Among the 762 patients assessed, the mean
age was 70.4±11.0 years, with 56.0% male. Reduced
ejection fraction was noted in 65.0%, hemodynamic
profile B in 66.0%, ischemic etiology in 52.0% and
infection as a decompensation factor in 29.0% of cases.
The outcomes analyzed in Groups 1 and 2 were,
respectively: hospital readmissions within 30 days
(13.0% vs. 9.0%; p=0.1); average length of stay (9.0 days
vs. 8.4 days, p=0.4); decompensation due to poor
compliance (17.0% vs. 10.0%; p=0.004); and in-hospital
mortality (9.0% vs. 8.0%; p=0.7).
AMIL-São Paulo - São Paulo, SP - Brasil
Hospital Totalcor - São Paulo, SP - Brasil
3
AMIL Clinical Research - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Correspondência: Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva
E-mail: [email protected]
Alameda Santos, 764 - Cerqueira César - 01418-100 - São Paulo, SP - Brasil
Recebido em: 06/12/2013 | Aceito em: 26/02/2014
1
2
90
Silva et al.
Clínica de Insuficiência Cardíaca
Artigo Original
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):90-96
março/abril
Conclusões: Os pacientes incluídos eram
predominantemente idosos, do sexo masculino, com
fração de ejeção reduzida, tendo infecção como
principal causa de descompensação. Após o início do
programa houve redução de internações por má
aderência terapêutica.
Conclusions: Most of the enrolled patients were
elderly males with reduced ejection fraction and
infection as the main cause of decompensation. After
the implementation of the Program, there were fewer
hospitalizations due to poor compliance with
treatment.
Palavras-chave: Insuficiência cardíaca; Adesão à
medicação; Monitoramento; Hospitalização
Keywords: Heart failure; Compliance with medication;
Monitoring; Hospitalization
Introdução
adequado. Indicadores de processo e de resultados
são mensurados a fim de promover melhorias
contínuas e integração de toda a equipe
multiprofissional. A implementação desses programas,
desde a admissão até o acompanhamento pós-alta,
tem potencial para melhorar o controle clínico dos
pacientes com IC. A Clínica de IC possibilita um
melhor conhecimento do perfil desse grupo de
pacientes e, em consequência, a elaboração de
estratégias para reduzir desfechos adversos nessa
população.
A insuficiência cardíaca (IC) é a via final comum da
maioria das cardiopatias e representa um problema
epidêmico em progressão1-3. Essa prevalência crescente
da IC associa-se a aumento progressivo da expectativa
de vida, tendo em vista que a sua ocorrência tem
relação direta com a idade e com as comorbidades que
são mais comuns no envelhecimento.
Um aspecto peculiar na história natural da IC é que
esta condição clínica apresenta descompensações
frequentes, gerando muitas vezes a necessidade de
internações de repetição4-6. Esses eventos apresentam
importante impacto na mortalidade, pois as
descompensações têm efeito negativo sobre a curva
de sobrevida dos pacientes com IC6. A falta de controle
das reinternações faz com que a IC seja a principal
causa de hospitalização cardiovascular no Brasil e no
mundo, com alto consumo de recursos7-9. Assim, o alto
número de internações, o custo elevado a cada
admissão hospitalar e a incapacidade que a doença
gera ao seu portador, muitos em fase laboral ativa, faz
com que a IC se associe a graves consequências sociais
e econômicas, especialmente após internações por
descompensação.
Apesar de vários avanços terapêuticos com impacto
real na morbimortalidade dos pacientes portadores
de IC, não se conseguiu reverter de maneira satisfatória
o cenário de reinternações frequentes10. Isto se deve
em parte à falta de aplicação real dos tratamentos
baseados em evidência para controle ambulatorial, haja
vista que a má aderência terapêutica é responsabilizada
em grande parte pelas descompensações cardíacas10-12.
Entidades de qualidade assistencial têm critérios
normatizados para avaliação e certificação de
diversos programas de cuidados clínicos, dentre eles
o programa em IC conhecido como Clínica de
Insuficiência Cardíaca, que tem por objetivo prover
assistência de qualidade aos portadores da doença
e ajudar na aplicação prática do tratamento
Apesar de as Clínicas de IC terem potencial para
melhorar os desfechos clínicos de morbimortalidade,
as evidências baseadas em estudos internacionais são
controversas, principalmente para desfechos
duros11,13-15. Além disso, é importante avaliar esse tipo
de programa no Brasil, onde características
socioculturais podem ter grande influência na
prescrição e aderência terapêutica.
Assim, este estudo tem por objetivos: caracterizar a
população internada por IC em hospital privado
especializado em cardiologia; e avaliar a hipótese de
benefícios em curto prazo (seis meses) da clínica de
IC nos desfechos de re-hospitalização, má aderência
terapêutica, tempo de hospitalização e mortalidade
intra-hospitalar em hospital brasileiro privado
especializado em cardiologia de nível de atenção
terciário.
Métodos
Realizada coleta de dados de maneira prospectiva, no
período de janeiro a dezembro 2012, mediante
formulário específico, por meio de entrevistas com
pacientes e profissionais da área de saúde, além de
busca ativa em prontuários eletrônicos. Todos os
dados coletados foram inseridos em base de dados
institucional de acesso restrito. No primeiro semestre
de 2012 foi realizado apenas registro dos dados de
atendimento e acompanhamento dos pacientes; no
91
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):90-96
março/abril
segundo semestre foi feito o monitoramento associado
a intervenções educativas pelo Programa de Cuidados
Clínicos de insuficiência cardíaca.
Foram incluídos no estudo pacientes hospitalizados
em 2012, com história de insuficiência cardíaca
notificada em prontuário, em hospital privado
especializado em cardiologia de São Paulo, seja como
motivo da admissão ou como antecedente (enfermeira
gestora fez rastreamento diário do diagnóstico entre os
pacientes internados). Dessa forma, foram incluídos
casos de IC com fração de ejeção normal ou reduzida,
compensada ou não, nos diversos perfis hemodinâmicos.
A Clínica de Insuficiência Cardíaca teve início em julho
2012, e oferecida a todos os pacientes admitidos com
diagnóstico de IC que, após consentimento, passaram
a fazer parte do programa. Uma vez incluído, todo
o cuidado ao paciente passa a ser gerenciado por
uma enfermeira gestora, que mobiliza a equipe
multiprofissional, checa os prontuários, organiza o
processo e acompanha indicadores através de formulário
específico que serve também para a coleta de dados.
Todos os profissionais assistenciais receberam
treinamento teórico sobre o programa de cuidados
clínicos. Um médico especializado em IC trabalhou
em conjunto para fazer intervenções educativas nos
profissionais que não estivessem cumprindo as metas
determinadas pelo protocolo institucional, o qual se
baseou em diretrizes internacionais selecionadas pelo
método Agree16.
Os pacientes estudados foram estratificados em dois
grupos: Grupo 1 – formado por pacientes pré-implantação
do Programa, registrando-se apenas os dados de
atendimento e acompanhamento (primeiro semestre);
Grupo 2 – formado por pacientes pós-Programa, quando
foi realizado monitoramento associado a intervenções
educativas pelo Programa (segundo semestre).
Foram analisadas as características demográficas da
população de pacientes portadores de IC hospitalizados
em 2012: idade, sexo, etiologia da IC, perfil
hemodinâmico e comorbidades. A causa da
descompensação foi avaliada através de relato médico
(prontuário eletrônico ou entrevista feita pela gestora
do protocolo), sendo atribuída à má adesão de acordo
com a percepção do médico durante acompanhamento
hospitalar do paciente.
As seguintes variáveis relacionadas a indicadores de
qualidade e a desfechos clínicos foram comparadas
no período pré e pós-Programa de cuidados clínicos:
- Indicadores de qualidade na alta hospitalar como:
uso de betabloqueador e inibidores da enzima
92
Silva et al.
Clínica de Insuficiência Cardíaca
Artigo Original
conversora da angiotensina (IECA) ou bloqueadores
de receptores de angiotensina II (BRA), e
encaminhamento para imunizações, reabilitação
cardíaca e grupo de cessação de tabagismo.
- Re-hospitalização em 30 dias.
- Re-hospitalização por má aderência terapêutica.
- Tempo de permanência intra-hospitalar.
- Mortalidade intra-hospitalar.
Foram calculadas as estimativas pontuais e os
respectivos intervalos de confiança de 95 % (IC95 %).
Para os testes estatísticos foi definido um limite
máximo de significância para a chance de erro tipo I
de 5 % (p<0,05) em testes bicaudais. Variáveis
contínuas foram representadas como médias e
desvios-padrão, nos casos em que se pôde determinar
a proximidade com uma distribuição normal, tendo
sido comparadas utilizando-se o teste t de Student.
Dados relacionados a variáveis categóricas foram
analisados pelo teste do qui-quadrado ou pelo teste
exato de Fisher quando necessário. Os cálculos estatísticos
foram realizados pelo programa SPSS (Statistical Package
for Social Sciences, Chicago, Illinois - USA) versão 20.0.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Instituição sob o nº 244143.
Resultados
De janeiro a dezembro de 2012, 762 pacientes foram
incluídos no programa de cuidados clínicos em IC. A
média de idade encontrada foi 70,4±11,0 anos, sendo
que 80,0 % dos pacientes encontravam-se acima de
60 anos, com maior prevalência do sexo masculino
(56,0 %). A hipertensão arterial sistêmica (HAS) foi a
comorbidade mais prevalente (64,0 %), seguida de
diabetes mellitus (34,0 %), doença renal crônica (32,0 %),
fibrilação atrial (25,0 %), infarto agudo do miocárdio
(14,0 %), hipotireoidismo (10,0 %) e doença pulmonar
obstrutiva crônica (9,0 %).
A insuficiência cardíaca sistólica foi observada em 65,0 %
dos pacientes (FE ≤50 %), houve maior incidência do
perfil hemodinâmico B (66,0 %) e etiologia isquêmica
(52,0 %). Dentre os pacientes com disfunção ventricular
esquerda, a média de fração de ejeção foi 35,0 %. A
insuficiência cardíaca descompensada foi a causa
primária de internação em 64,0 % dos casos, sendo a
infecção o principal fator de descompensação (29,0 %).
Outros fatores também foram encontrados: evolução
da doença (17,0 %), má adesão ao tratamento (14,0 %),
arritmias (8,0 %) e crise hipertensiva (4,0 %). Dentre as
causas infecciosas de descompensação, o foco
respiratório foi identificado em 78,0 % das infecções.
Em 8,0 % de todos os pacientes incluídos no Programa,
houve descompensação da IC (perfil hemodinâmico
Silva et al.
Clínica de Insuficiência Cardíaca
Artigo Original
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):90-96
março/abril
diferente do A), porém a IC não era a causa primária
da internação.
Quanto ao impacto da clínica de insuficiência
cardíaca, observou-se redução de hospitalização
por IC descompensada devido à má aderência,
porém não houve redução significativa de rehospitalização em 30 dias, tempo médio de
hospitalização e mortalidade intra-hospitalar
(Tabela 3).
As características da população estão discriminadas
nas Tabelas 1 e 2, tendo sido separados os grupos pré
e pós-Programa de cuidados clínicos (primeiro e
segundo semestre de 2012).
Tabela 1
Características demográficas e clínicas da população incluída no Programa de Cuidados Clínicos
1º Semestre
2º Semestre
% (IC 95 %)
% (IC 95 %)
338
424
71±12
70±11
Sexo masculino
55 (50-60)
56 (51-61)
FE (média±DP)
37±10
41±8
IC FEP
63 (58,0-68,0)
66 (61,5-70,5)
FA
26 (21,0-31,0)
24 (20,0-28,0)
IRC
35 (30,0-40,0)
31 (27,0-36,0)
8 (5,0-11,0)
12 (9,0-15,0)
HAS
56 (51,0-61,0)
71 (67,0-76,0)
Diabetes mellitus
28 (23,0-33,0)
40 (35,0-45,0)
Dislipidemia
32 (27,0-37,0)
42 (38,0-47,0)
8 (5,0-11,0)
9 (6,0-12,0)
n
Idade (anos) média±DP
Hipotireoidismo
DPOC
FE=fração de ejeção; IC=insuficiência cardíaca; FEP=fração de ejeção preservada; FA=fibrilação atrial; IRC=insuficiência renal crônica;
HAS=hipertensão arterial sistêmica; DPOC=doença pulmonar obstrutiva crônica; DP=desvio-padrão
Tabela 2
Etiologia da IC e perfil hemodinâmico dos pacientes incluídos no Programa de Cuidados Clínicos
1º semestre
2º semestre
% (IC 95 %)
% (IC 95 %)
Isquêmica
48,2 (43,0-53,5)
55,0 (50,0-60,0)
Doença valvar
15,1 (11,0-19,0)
18,0 (14,0-22,0)
Hipertensiva
13,3 (10,0-17,0)
7,8 (5,5-11,0)
Cardiomiopatia dilatada idiopática
6,2 (4,0-9,5)
4,0 (2,5-6,5)
Doença de Chagas
5,0 (3,0-8,0)
3,8 (2,0-6,0)
Etiologia
Perfil hemodinâmico
1º semestre
2º semestre
A
22,6 (18,1-27,0)
32,6 (28,0-37,0)
B
70,2 (65,0-75,0)
62,9 (58,0-67,5)
C
5,65 (3,0-8,0)
4,0 (2,1-5,9)
L
1,5 (0,2-2,8)
0,47 (0,01-1,82)
93
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):90-96
março/abril
Silva et al.
Clínica de Insuficiência Cardíaca
Artigo Original
Tabela 3
Desfechos clínicos pré e pós-Programa de Cuidados Clínicos
Grupo 1
Grupo 2
% (IC 95 %)
% (IC 95 %)
Re-hospitalização em 30 dias
13 (10,0-17,0)
9 (6,0-12,0)
0,10
Tempo médio de hospitalização (dias)
9,0 (7,8-10,2)
8,4 (7,5-9,3)
0,40
Descompensação por má aderência terapêutica
17 (14,0-22,0)
10 (8,0-13,0)
0,004
9 (6,0-13,0)
8 (6,0-11,0)
0,07
Mortalidade intra-hospitalar
Indicadores de qualidade na alta hospitalar não
apresentaram modificação significativa em relação ao
período pré-Programa (primeiro semestre de 2012). O
uso de IECA/BRA e betabloqueador nos pacientes
elegíveis foi de 96,0 % (IC95 %: 93,0-98,0 %) no primeiro
semestre para 98,0 % (IC95 %: 96,0-99,0 %) no segundo
(p=0,15). A orientação para reabilitação e imunização
foi mensurada apenas no segundo semestre e, nesse
período, houve registro dessas recomendações em
100,0 % dos pacientes (ambas identificadas através de
registro de encaminhamento por prontuário
eletrônico).
Discussão
Diversas variáveis demográficas e clínicas foram
coletadas para melhor caracterização dos pacientes.
Conforme descrito na literatura17,18, a idade avançada
foi fator bastante prevalente nesta população, tendo
em vista que 80,0 % dos pacientes estavam na faixa
etária acima de 60 anos. Da mesma forma, comorbidades
associadas ao aumento da idade foram bastante
comuns, especialmente aquelas relacionadas também
a cardiopatias estruturais como história de fibrilação
atrial (FA) presente em 25,0 % dos pacientes deste
estudo. Neste caso, a idade per se não justifica a alta
prevalência de FA na população do estudo, tendo em
vista que entre 5-10 % dos idosos de uma maneira geral
apresentam arritmia, enquanto o resultado encontrado
se assemelha de fato a populações de insuficiência
cardíaca em que FA é identificada em 13,0-27,0 % dos
casos19-21.
Diferente de registros prévios em que a IC com FE
normal representava cerca de metade dos casos22,23, a
população deste estudo apresentou claro predomínio
de IC sistólica (65,0 %). Provavelmente essa diferença
se deve ao fato de os pacientes analisados serem de
um centro de referência para cardiologia de uma rede
hospitalar privada e muitos casos de IC com FE normal
94
p-valor
não foram transferidos para tratamento nesse serviço.
Outra possível explicação seria o menor reconhecimento
do histórico de IC em pacientes compensados (perfil A)
que foram admitidos por outra condição, haja vista
que esse diagnóstico é poucas vezes informado ao
paciente que tem FE normal e ainda não há tratamento
específico para essa condição.
A Clínica de IC foi avaliada no período do processo
de certificação e mostrou redução significativa de
re-hospitalização por má aderência nos seus
primeiros seis meses de funcionamento. A melhora
da aderência e redução de reinternação já foi
demonstrada 2 , mas é importante avaliar a
reprodução desse benefício num serviço privado
especializado brasileiro. Outros desfechos como
re-hospitalização em 30 dias, tempo médio de
hospitalização e mortalidade intra-hospitalar
mostraram benefício apesar de não terem atingido
significância estatística. Provavelmente isto se deve
ao menor efeito dessa intervenção educativa nesses
desfechos o que implicaria menor poder para esse
tipo de avaliação num estudo que apresenta número
limitado de pacientes e um período relativamente
curto de avaliação como no presente estudo, o qual
teve como objetivo avaliar o impacto inicial do
programa (seis meses).
Quanto aos indicadores de qualidade de tratamento
na alta hospitalar, estes já apresentavam resultados
próximos de 100,0 % antes da implantação do
Programa e apesar da discreta melhoria no segundo
semestre, a diferença entre os grupos não foi
significativa do ponto de vista estatístico.
Como limitações, é importante ressaltar que o presente
estudo se realizou por observação em centro único e
de tamanho amostral limitado. A ausência de um
grupo-controle por randomização tornou a análise dos
desfechos selecionados vulneráveis a fatores de
confusão. Ajustes para potenciais fatores de confusão
Silva et al.
Clínica de Insuficiência Cardíaca
Artigo Original
minimizariam esse possível viés; entretanto, fatores
prognósticos desconhecidos ou que não foram
computados poderiam influenciar no resultado a
despeito de ajuste estatístico. Por outro lado, os grupos
de comparação do estudo foram os pacientes
internados com história de IC antes e após intervenções
educativas, e essas duas populações apresentaram
características prognósticas semelhantes tendo sido
acompanhadas no mesmo serviço pela mesma equipe.
Outro possível viés se deve ao fato de que a análise
ocorreu no momento do processo de certificação do
programa de cuidados clínicos o que habitualmente
gera um maior compromisso e participação de toda a
equipe do hospital nos processos operacionais
internos.
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):90-96
março/abril
3.
4.
5.
6.
Conclusão
Os pacientes portadores de insuficiência cardíaca
acompanhados na clínica de IC eram
predominantemente: idosos, hipertensos, do sexo
masculino e que apresentavam fração de ejeção
reduzida. Infecção foi a principal causa de
descompensação, especialmente de foco respiratório.
Após o início do programa houve redução de
internações por má aderência terapêutica. Uma vez
traçado o perfil desta população e identificado o
impacto do programa, torna-se possível adequar o
tratamento e acompanhamento proporcionando
segurança e qualidade assistencial ao paciente
portador de insuficiência cardíaca.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo foi parcialmente financiado pelo Hospital
Totalcor Amil Clinical Research.
Vinculação Acadêmica
O presente estudo não está vinculado a qualquer programa
de pós-graduação.
Referências
1. Cowie MR. The epidemiology of heart failure: an
epidemic in progress. In: Coats A, Cleland JGF (eds).
Controversies in the management of heart failure.
Churchill-Livingstone; 1997. p.11-23.
2. Bocchi EA, Braga FG, Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira
WA, Almeida DR, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia.
III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica.
Arq Bras Cardiol. 2009;93(1 supl. 1):3-70.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS,
Albuquerque D, Rodrigues D, et al; Sociedade Brasileira
de Cardiologia. Atualização da Diretriz Brasileira de
Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol.
2012;98(1 supl. 1):1-33.
Montera MW, Almeida RA, Tinoco EM, Rocha RM,
Moura LZ, Réa-Neto A, et al. Sociedade Brasileira de
Cardiologia. II Diretriz Brasileira de Insuficiência
Cardíaca Aguda. Arq Bras Cardiol. 2009;93(3 supl. 3):1-65.
Montera MW, Pereira SB, Colafranceschi AS, Almeida
DR, Tinoco EM, Rocha RM, et al. Sumário de Atualização
da II Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Aguda
2009/2011. Arq Bras Cardiol. 2012;98(5):375-83.
Lassus JP, Siirilä-Waris K, Nieminen MS, Tolonen J,
Tarvasmäki T, Peuhkurinen K, et al; FINN-AKVA Study
Group. Long-term survival after hospitalization for
acute heart failure - differences in prognosis of acutely
decompensated chronic and new-onset acute heart
failure. Int J Cardiol. 2013;168(1):458-62.
Ministério da Saúde. Datasus. [Internet]. Informações
de Saúde. [acesso em 2013 dez. 15]. Disponível em:
<http://www.datasus.gov.br>
Alla F, Zannad F, Filippatos G. Epidemiology of acute
heart failure syndromes. Heart Fail Rev. 2007;12(2):91-5.
O’Connell JB. The economic burden of heart failure.
Clin Cardiol. 2000;23(3 Suppl):III6-10.
Moser DK, Mann DL. Improving outcomes in heart
failure: it’s not unusual beyond usual care. Circulation.
2002;105(24):2810-2.
Butler J, Kalogeropoulos A. Hospital strategies to
reduce heart failure readmissions: where is the
evidence? J Am Coll Cardiol. 2012;60(7):615-7.
Silva CP, Bacal F, Pires PV, Mangini S, Issa VS, Moreira
SF, et al. Heart failure treatment profile at the beta
blockers era. Arq Bras Cardiol. 2007;88(4):475-9.
McAlister FA, Lawson FM, Teo KK, Armstrong PW. A
systematic review of randomized trials of disease
management programs in heart fatlure. Am J Med.
2001;110(5):378-84.
Grancelli H, Varini S, Ferrante D, Schwartzman R,
Zambrano C, Soifer S, et al; GESICA Investigators.
Randomized trial of telephone intervention in chronic
heart failure (DIAL): study design and preliminary
observations. J Card Fail. 2003;9(3):172-9.
Roccaforte R, Demers C, Baldassarre F, Teo KK, Yusuf
S. Effectiveness of comprehensive disease management
programmes in improving clinical outcomes in heart
failure patients. A meta-analysis. Eur J Heart Fail.
2005;7(7):1133-44. Erratum in: Eur J Heart Fail.
2006;8(2):223-4.
Brouwers MC, Kho ME, Browman GP, Burgers JS, Cluzeau
F, Feder G, et al; AGREE Next Steps Consortium. AGREE
II: advancing guideline development, reporting and
evaluation in health care. CMAJ. 2010;182(18):e839-42.
95
Rev Bras Cardiol. 2014;27(2):90-96
março/abril
17. Massie BM, Shah NB. Evolving trends in the
epidemiologic factors of heart failure: rationale for
preventive strategies and comprehensive disease
management. Am Heart J. 1997;133(6):703-12.
18. Cowie MR, Mosterd A, Wood DA, Deckers JW, PooleWilson PA, Sutton GC, et al. The epidemiology of heart
failure. Eur Heart J. 1997;18(2):208-25.
19. Anter E, Jessup M, Callans DJ. Atrial fibrillation and
heart failure: treatment considerations for a dual
epidemic. Circulation. 2009;119(18):2516-25.
20. Fuster V, Rydén LE, Cannom DS, Crijns HJ, Curtis AB,
Ellenbogen KA, et al; Task Force on Practice Guidelines,
American College of Cardiology/American Heart
Association; Committee for Practice Guidelines,
European Society of Cardiology; European Heart
Rhythm Association; Heart Rhythm Society. ACC/
AHA/ESC 2006 guidelines for the management of
patients with atrial fibrillation - executive summary: a
report of the American College of Cardiology/
96
Silva et al.
Clínica de Insuficiência Cardíaca
Artigo Original
American Heart Association Task Force on Practice
Guidelines and the European Society of Cardiology
Committee for Practice Guidelines (Writing Committee
to Revise the 2001 Guidelines for the Management of
Patients with Atrial Fibrillation). Eur Heart J.
2006;27(16):1979-2030. Erratum in: Eur Heart J.
2007;28(16):2046.
21. Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C,
Atié J, Lorga Filho A, et al. Sociedade Brasileira de
Cardiologia. Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial.
Arq Bras Cardiol. 2009;92(6 supl.1):1-39.
22. Owan TE, Hodge DO, Herges RM, Jacobsen SJ, Roger
VL, Redfield MM. Trends in prevalence and outcome
of heart failure with preserved ejection fraction. N Engl
J Med. 2006;355(3):251-9.
23. Moutinho MA, Colucci FA, Alcoforado V, Tavares LR,
Rachid MB, Rosa ML, et al. Heart failure with preserved
ejection fraction and systolic dysfunction in the
community. Arq Bras Cardiol. 2008;90(2):132-7.
Download