2013/03/22 AS FORÇAS ARMADAS E O INSTRUMENTO DA SUA MISSÃO – O SISTEMA DE FORÇAS João Pires Neves1 No decurso do último mês vários foram os artigos, as locais e as intervenções que nos Media, em geral, e neste mesmo Jornal, em particular, abordaram a questão das Forças Armadas e da Defesa Nacional com o objetivo de trazerem à colação a temática em si mesma e, assim, poderem os respetivos autores participar e contribuir com as suas opiniões para a resolução do que entendem ser os problemas das Forças Armadas (FFAA) da sua estrutura, organização e/ou emprego operacional. A discussão, as circunstâncias e os termos em que foi feita andaram, com mais ou menos calor e emoção, e à boa maneira maniqueísta e portuguesa, em torno da questão principal do planeamento estratégico de defesa nacional e da própria metodologia que o sustenta, focando-se a atenção em torno do “Conceito Estratégico de (Segurança) e Defesa Nacional”, enquanto documento estruturante – chave - que é, de toda esta problemática das FFAA e de uma “estratégia de meios” que lhe subjaz e é inerente e que, por isso mesmo, importa ter presente e acautelar. Nós próprios afirmávamos na altura2 que estas questões das FFAA, sempre complexas e difíceis, não deveriam, nem poderiam ser desenvolvidas a correr e de supetão, sob pena de se poder fazer cair o próprio sistema-alvo “Instituição-FFAA” numa situação grave de desarticulação e de inconsistência totais. De qualquer forma, as opiniões vertidas, na sua grande maioria, e bem, apontavam para que qualquer discussão desta natureza não faria qualquer sentido prosseguir sem que antes se iniciasse e percorresse, com método e rigor, diríamos, o ciclo de planeamento estratégico a que alude a Lei de Defesa Nacional (LDN)3 e a própria Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA)4. Ora estas Leis o que estabelecem, com total clareza, é que a atuação das FFAA se desenvolve no respeito pela Constituição e pela lei, em execução da política de defesa nacional definida e do Conceito estratégico de defesa nacional (CEDN) aprovado, e por forma a corresponder às normas e orientações estabelecidas nos seguintes outros documentos estruturantes: o Conceito estratégico militar (CEM); 1 Vice-almirante na Reforma. Local do autor, no JDRI, de 23.02.13, sob o título “Uma vez mais a problemática da Defesa nacional e das Forças Armadas”. 3 Lei orgânica nº1-B/2009, de 07 Julho, publicada no D.R., 1ª série – nº 138 – de 20 de Julho de 2009. 4 Lei orgânica nº1-A/2009, de 07 Julho, publicada no D.R., 1ª série – nº 129 – de 07 de Julho de 2009. 2 Página 1 de 4 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt as Missões das Forças Armadas (MIFA), o Sistema de forças (SF) e o Dispositivo de forças. De todo este conjunto de documentos para o qual se requer e exige uma rigorosa e muito estrita coerência há um, no entanto, o sistema de forças, que, do nosso ponto de vista, pela sua natureza e relevância, se constitui, ele próprio, na grande referência de toda a Instituição – FFAA e no seu elemento estruturante por excelência, tema que de seguida tentaremos, resumidamente, abordar e desenvolver nas suas linhas de força de maior evidência e realce. De facto, no quadro da Defesa Nacional, as FFAA têm um papel a desempenhar e uma Missão a cumprir e isso exige a disponibilidade em todo o tempo de forças e meios adequados. O arranjo concebido, integrando meios de toda a ordem, designa-se por Sistema de Forças (SF) e constitui-se em instrumento privilegiado de concretização da componente militar da política de Defesa Nacional. Com a revisão da LOBOFA, levada a efeito em 1999, confirmou-se o entendimento que vinha, aliás, da anterior lei (1991) de que o “sistema de forças” define os tipos e quantitativos de forças e meios que devem existir para o cumprimentos das missões das FFAA e é constituído por duas componentes: uma “componente operacional e uma “componente fixa”. A primeira engloba “o conjunto das forças e meios relacionados entre si numa perspetiva de emprego operacional integrado”. A segunda componente tem a ver “com o conjunto de órgãos e serviços essenciais à organização e apoio geral das Forças Armadas e dos seus ramos”. Esta Lei introduz ainda uma outra ideia de que o “sistema de forças” deve, nos prazos admitidos nos planos gerais de defesa ou nos planos de contingência, dispor de capacidade para atingir os níveis de forças ou meios neles considerados”, transformando-se num outro sistema de forças, porventura de “tempo de guerra”, acrescentamos nós. Não obstante esta nossa assunção, na prática, o que vem sucedendo é que o Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN) tem vindo a definir e a aprovar o SF sem contudo especificar o que ele é, muito menos, sem referir, se ele é um sistema de forças “permanente”, de “tempo de crise”, ou de “tempo de guerra”. Ora, nestas circunstâncias, será lícito questionar que sistemas de força é este que a lei prevê, mas que o CSDN, na execução daquela lei, não cuida de esclarecer na sua substância e propósito. Porque não é conveniente? Porque qualquer tentativa de clarificação em tempo útil carece de credibilidade? Na falta desta clarificação o expediente assumido foi o de passar, então, a ideia de que se cresce para um Sistema de Forças de Tempo de Guerra (SFTG) por recurso a instrumentos de mobilização (e também de requisição militar), matéria que, tanto quanto se julga saber, não tem sido no presente convenientemente trabalhada, seja nos seus termos de referência seja nas suas circunstâncias. A experiência, neste particular é, mesmo extremamente reduzida. O País, nos últimos 100 anos, digamos assim, excetuando a entrada na 1ª Guerra Mundial (1914-18) e o período da guerra de África (1961-74), não foi envolvido em nenhuma outra guerra e, como tal, o modo e a forma como se passa de uma economia de paz para uma economia de guerra, não estão devidamente planificados e preparados. Se, por um lado, sob o ponto de vista humano, isso é “bom”, porque ninguém vai para a guerra por gosto, por outro, será “mau”, tendo em conta que se vem adiando para um amanhã, que ninguém sabe quando pode chegar, matéria que tem um tempo próprio para ser estudada, o tempo de paz. Anote-se, no entanto, que a mobilização nem sequer é encarada por todos os ramos do mesmo modo. Se é fácil compreender que o Exército cresce mais por via Página 2 de 4 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt da mobilização que acrescenta pessoal; a Marinha e a Força Aérea têm de considerar esse crescimento na base da entrada ao serviço de mais navios e aviões, ou aeronaves. Sem prejuízo desta nossa afirmação, o facto de o SF constituir instrumento por excelência do cumprimento da missão das FFAA (nalguns casos, até mesmo, 24h/dia - 365 dias /ano) recomendaria que independentemente da sua capacidade de modulação e crescimento, o SF assegurasse, em permanência, a capacidade de concretizar uma linha de ação típica de tempo de paz que o Conceito Estratégico Militar (CEM), ao seu nível, estabeleceria, detalhando o quadro orientador específico da sua organização e emprego. Assim, o SF que CSDN aprovaria seria, então, um sistema de forças integrante das forças e dos meios que, devendo fazer parte de um qualquer sistema de forças, existiriam em permanência, e como tal um Sistema de forças permanente (SFP). Esta seria a única forma de obviar à constante alteração da sua concepção e estrutura, com incidências negativas, desde logo, no grande referencial do planeamento de forças. Insistindo: nenhum sistema de forças, e muito menos o SF definido e aprovado, poderá constituir-se num sistema de forças com carácter temporário e aleatório. O sistema de forças terá de ser sempre o grande referencial dos Objetivos de Força Nacionais (OFN), visto a sua conceção assentar em necessidades estratégicas previamente assumidas (CEDN) e a sua não edificação, levantamento, ou falta de sustentação poder originar, ou agravar mesmo, eventuais vulnerabilidades existentes e elevar os riscos para níveis de inaceitabilidade. Em ordem a evitar um quadro problemático como este, o SF deveria ser composto por um conjunto nuclear e credível de forças e meios que, existindo em permanência, viabilizassem a concretização de uma linha de ação típica de tempo de paz adotando, nas circunstâncias, a designação já antes referida de “Sistema de Forças Permanente” (SFP). Concebido e delineado que fosse, nestes termos, o SFP constituir-se-ia, ele próprio, como paradigma de racionalidade e equilíbrio pretendido para as Forças Armadas Portuguesas, na medida em que: (i) constituiria a via mais credível para a concretização de uma linha de ação para tempo de paz, sem vulnerabilidades inaceitáveis, (ii) permitiria uma edificação coerente e sustentada em ritmo e em tempo oportunos; (iii) viabilizaria uma melhor relação custo/eficácia; e (iv) possibilitaria mais adequadas inflexões sempre que ocorressem significativas alterações da envolvente político-estratégica e dos respetivos quadros de emprego. Colocada a questão deste modo, perguntar-se-á, agora, se seria demasiadamente ambicioso pretender que o País assumisse este SFP como um seu desígnio? Implicaria, é certo, ter de se comprometer consigo próprio em edificá-lo, mantê-lo e operá-lo sustentadamente, disponibilizando os apropriados meios e recursos. No atual estado de coisas em que o cidadão comum sente que o Estado não assegura a satisfação de algumas necessidades a seu cargo, e a noção da ameaça é algo que está ausente da consciência dos nossos concidadãos, é forçoso concluir que uma resposta positiva à pergunta formulada careceria de um trabalho políticoinstitucional esclarecido, responsável e persistente, a assumir pelos órgãos de soberania primariamente responsáveis pela Defesa Nacional. Assim mesmo, não atender aos requisitos de constituição de um sistema de forças, como o que se ofereceu, é conferir-lhe carácter perfeitamente aleatório, sem qualquer racional estratégico conhecido. Como consequência, a prazo, poder-se-á assistir à descaracterização do próprio SF, enquanto todo harmonioso e integrado e, pior ainda, à sua completa ineficácia operacional. Página 3 de 4 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt Sintetizando: o Sistema de Forças Nacional não nasce por geração espontânea. Resulta de um exercício complexo de planeamento – estratégico e de forças e se assim não suceder, o resultado mais evidente será a entrada em disfunção do próprio sistema de forças existente, ou a inviabilização de um outro, diferente, mais conforme com o momento estratégico atual e com sua expectável evolução. Há, neste particular que conhecer, então, e bem, não apenas a estrutura de força existente, a sua dimensão, mas também a forma como a despesa e a sustentação dos meios e das forças vem sendo operada e conseguida. Acima de tudo, há que conhecer com rigor as necessidades efetivas dos ramos para funcionamento e investimento sustentados. No fundo, há que bem perceber como é que os diversos planeamentos se interligam, o estratégico e o de forças com os demais planeamentos, o logístico e o financeiro, ou seja, há que assegurar coerência com os orçamentos de funcionamento e de investimento dos próprios ramos. E será justamente este tipo de conhecimento estruturado e não outro que, do nosso ponto de vista, melhor permitirá prosseguir e sedimentar um modelo de credibilidade, eficiência e eficácia nas Forças Armadas Portuguesas que todos os portugueses anseiam e, em concreto, desejam prosseguido e concretizado. Página 4 de 4