SISTEMAS AGROFLORESTAIS COMO ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO DA PRODUÇÃO ERVATEIRA AGROFORESTRY SYSTEMS AS AN ALTERNATIVE TO THE SUSTAINABLE RURAL DEVELOPMENT: A CASE STUDY OF THE HERB PRODUCTION Thaimon da Silva Socoloski1 [email protected] Eduardo Schiavone Cardoso² [email protected] Zuleide Fruet³ [email protected] Universidade Federal de Santa Maria - UFSM RESUMO A expansão e modernização da agricultura brasileira resultam numa severa diminuição da cobertura florestal natural. Uma das alternativas para combater este processo é a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), sendo estes a combinação de cultivos simultâneos de espécies arbóreas nativas e/ou exóticas com outras culturas agrícolas. Desta forma, o presente trabalho busca abordar a utilização da erva-mate nos SAFs como estratégia para a promoção do desenvolvimento rural sustentável na agricultura, a partir da análise da inserção da erva-mate “cambona 4” nos SAFs do município de Machadinho/RS. Conclui-se que a erva-mate cambona 4 cultivada em consórcio com árvores nativas traz ganhos ambientais valiosos, bem como mantém uma alta produtividade e rendimento para o produtor, sinalizando que a produtividade desta espécie tem um ciclo de produção superior ao de ervais comuns. Palavras-chave: Sistemas Agroflorestais; Cambona 4; Rural; Sustentável; Erva-mate. ABSTRACT The expansion and the modernization of the Brazilian agriculture have caused a severe decrease in the natural forest cover. An alternative to diminish this process is the use of Agroforestry Systems (AFSs) that are the combination of native and/or exotic trees simultaneous cultivation with other farming cultures. Considering this, the study aims at focusing on the herb use in the AFSs as an strategy to promote the sustainable rural development in agriculture based on the analysis of the “cambona 4” herb inclusion in the city of Machadinho/RS. It was possible to conclude that the “cambona 4” herb cultivated combined with native trees led to valuable natural advantages maintaining high productivity and results to the producer, showing that the cultivation of this species presents a production cycle higher than common herbs. 1 Mestrando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGEO) e Graduando em Geografia Licenciatura Plena – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). ²Professor Doutor pelo Departamento de Geociências - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). ³Mestranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGEO) – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Key words: Agroforestry Systems; Cambona 4; Rural; Sustainable; Herb. INTRODUÇÃO A expansão e a modernização da agricultura brasileira inegavelmente proporcionaram significativos aumentos da área plantada, da produtividade e, consequentemente, da produção de produtos de origem animal e vegetal. Porém, resultaram numa severa diminuição da cobertura florestal natural. Essa situação se acentua em diversas regiões brasileiras, onde, além da pequena cobertura florestal ocasionada pela agricultura extensiva, existem extensões significativas de áreas degradadas e/ou em processo adiantado de degradação e empobrecidas, mas com grande potencial para o uso silvicultural2. Uma das alternativas para combater este processo é a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), sendo estes a combinação de cultivos simultâneos e/ou sequenciais de espécies arbóreas nativas e/ou exóticas com outras culturas agrícolas, como hortaliças, fruteiras, criação de animais, etc. (DA CROCE, 1992). Os SAFs podem trazer diversas vantagens ecológicas, econômicas e sociais em relação aos sistemas de produção agrícola tradicionais, tais como vantagens ecológicas, com a melhoria da conservação do solo, da água e do microclima para as plantas e animais, aumento da biodiversidade, redução dos impactos ambientais negativos locais e regionais e redução das pressões sobre as vegetações naturais remanescentes; econômicas, com a obtenção de produtos agrícolas e florestais na mesma área, redução das perdas na comercialização, redução dos custos de implantação e de manutenção florestal e aumento da renda líquida por unidade de área da propriedade; e sociais, a partir da melhoria da distribuição da mão-de-obra ao longo do ano, diversificação da produção, melhoria das condições de trabalho no meio rural e melhoria da qualidade de vida do produtor. Dentre as desvantagens, destaca-se o maior investimento inicial, a necessidade de maior entendimento do sistema, bem como aumento da competição entre as espécies (EMBRAPA, 2016). No que tange a inserção de pés de erva-mate (ilex paraguariensis) nos SAFs, além da rentabilidade econômica, o cultivo de outras culturas nas entrelinhas dos ervais (como feijão, milho, e determinadas espécies arbóreas), contribui com a cobertura do solo, com a operação 2 Entende-se silvicultura como aplicação e manutenção da propriedade visando o aproveitamento e uso consciente das florestas (EMBRAPA, 2016). comum da eliminação das plantas indesejáveis, além de que as erveiras também se beneficiam da adubação realizada nas culturas anuais. Em sistemas agroflorestais com erva-mate e culturas anuais, há menor ataque de pragas, tanto na erva-mate como nas demais culturas, acabando com a necessidade de uso de agrotóxicos (VIEIRA, 2012). Metodologicamente, a presente pesquisa se divide em 3 diferentes etapas: na primeira etapa, buscou-se fazer um levantamento do referencial teórico, abordando temas como os Sistemas Agroflorestais (SAFs), bem como um aprofundamento no debate sobre as diferentes concepções de desenvolvimento rural sustentável. Na segunda etapa, aborda-se a inserção da erva-mate nos SAFs, a partir de dados disponibilizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), bem como do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por fim, faz-se uma discussão sobre os resultados da pesquisa a partir da análise da inserção da erva-mate “cambona 4” nos SAFs no município de Machadinho, no norte do Rio Grande do Sul. Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo geral abordar a utilização da erva-mate nos sistemas agroflorestais, como estratégia para a promoção do desenvolvimento rural sustentável na agricultura. CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE MACHADINHO/RS O município de Machadinho está localizado no norte do estado do Rio Grande do Sul, com coordenadas geográficas 27º34’01 de latitude sul e 51º40'04" de longitude Oeste (Figura 1). Figura 01 – Mapa de localização do município de Machadinho/RS Org.: SCHREINER, B. T.; SOCOLOSKI, T. S. 2016. Machadinho é pertencente à Mesorregião Noroeste Rio-Grandense e à Microrregião de Sananduva. Segundo a classificação climática de Köppen-Geiger, o município possui clima subtropical úmido, bioma mata-atlântica, e uma altitude média de 757 metros sob o nível do mar, possuindo 335,031 km² de área, distribuída entre área urbana e rural. Segundo dados do IBGE, contidos no CENSO 2010, sua população é de 5.510 pessoas, onde 2.125 pessoas vivem na área rural e 3.385 pessoas vivem na área urbana. O município atualmente está buscando novas alternativas de desenvolvimento através do turismo, ecoturismo e turismo de negócios, com a construção de uma parque aquático, já em funcionamento, da exploração de trilhas que levam à cachoeiras e da Festchêmate - Feira de Indústria, Comércio e Agropecuária. A população do município de Machadinho é de maioria descendentes de italianos, tendo também traços da imigração alemã e polonesa. DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL O termo desenvolvimento é muitas vezes utilizado de forma errônea, expressando de forma contrária daquilo que realmente deve expressar. Existem diferentes conotações para o termo em questão, sendo utilizado na linguagem coloquial como um processo pelo qual são liberadas as potencialidades de um objeto ou organismo, para que se alcance sua forma natural, completa e amadurecida (WOLFGANG, 2000). No decorrer das décadas, o termo desenvolvimento sofreu diversas alterações na sua definição, sendo esta em diversas áreas, como política, econômica, científica e social. Desta forma, no final da década de 40 durante o governo do Presidente Harry Truman nos Estados Unidos, uma nova era se abriu para o desenvolvimento, afirmando assim a supremacia americana perante o resto do mundo, e estendendo seu imperialismo para as demais nações, a qual propunha avanços políticos e tecnológicos. Na mesma década, Truman empregou pela primeira vez o termo “subdesenvolvimento”, dando um novo significado a palavra “desenvolvimento”, criando um símbolo a partir disso, referindo-se a hegemonia americana e dividindo o mundo economicamente. Assim, o subdesenvolvimento era a criação do desenvolvimento, submetendo diversos países a definições de atrasados e pobres, criando uma larga distinção entre social e econômico, sendo estas consideradas realidades distintas (WOLFGANG, 2000). A busca por uma definição unificada do termo desenvolvimento perdurou por décadas, onde se abordava cada vez mais diferentes campos de análise a abrangência, como na área ambiental, de bem-estar social, industrial, dentre outras esferas. Dentre diversas definições, o propósito do desenvolvimento não deveria ser única e exclusivamente das coisas, mas sim um desenvolvimento humano. Neste leque desenvolvimentista, passa-se a abordar um termo além do puro desenvolvimento, mas como um desenvolvimento que deveria ser, antes de tudo, sustentável. O termo desenvolvimento sustentável foi utilizado oficialmente pela primeira vez em 1979, na Assembleia Geral das Nações Unidas, sendo mais tarde definido no relatório Brundtland, em 1987, publicado com o nome "Nosso Futuro Comum”. Este relatório apresenta o acúmulo de diversos debates entre especialistas convocados pela ONU e nele consta o conceito mais conhecido atualmente de desenvolvimento sustentável: "sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades" (ASSIS, 2006). O conceito de desenvolvimento sustentável abriga uma série de concepções e visões de mundo, sendo que a maioria daqueles que se envolvem no debate em torno da questão são unânimes em concordar que o mesmo representa um grande avanço no campo das concepções de desenvolvimento e nas abordagens tradicionais relativas à preservação dos recursos naturais. Neste “guarda-chuva” do desenvolvimento sustentável se abrigam desde críticos das noções de evolucionismo e modernidade, a defensores de um “capitalismo verde”, que buscam no desenvolvimento sustentável um resgate da ideia de progresso e crença no avanço tecnológico. Este grupo é integrado pelos atores “alternativos”, que buscam “inventar” um novo modo de desenvolvimento e de agricultura que seja socialmente justo, economicamente viável, ecologicamente sustentável e culturalmente aceito, recuperando técnicas, valores e tradições (ALMEIDA, 1997). Segundo Assis (2006, p. 15), O desenvolvimento sustentável tem como eixo central a melhoria da qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas e, na sua consecução, as pessoas, ao mesmo tempo que são beneficiários, são instrumentos do processo, sendo seu envolvimento fundamental para o alcance do sucesso desejado. Isto se verifica especialmente no que se refere à questão ambiental, na medida em que as populações mais pobres, ao mesmo tempo que são as mais atingidas pela degradação ambiental, em razão do desprovimento de recursos e da falta de informação, são também agentes da degradação. Para que o desenvolvimento sustentável aconteça de fato, é necessário visar à harmonia e à racionalidade, não somente entre o homem e a natureza, mas principalmente entre os seres humanos. As pessoas devem ser sujeito no processo de desenvolvimento, o qual deve ser visto não como fim em si mesmo, mas como meio de se obter, respeitando-se as características étnico-culturais, melhoria de qualidade de vida para diferentes populações, especialmente as mais pobres. Para tanto, as ações desenvolvimentistas devem priorizar investimentos e programas que tenham como lastro tecnologias e projetos comunitários que procurem sempre despertar a solidariedade e a mobilização por objetivos comuns nos grupos envolvidos. Assim, a noção de desenvolvimento rural sustentável surge nesta esteira com uma premissa fundamental de que o reconhecimento da “insustentabilidade” ou inadequação econômica, social e ambiental do padrão de desenvolvimento das sociedades contemporâneas é reflexo do descaso proporcionado principalmente pelo modelo capitalista de produção (SCHMITT, 1995). Esta noção nasce da compreensão da finitude dos recursos naturais e das injustiças sociais provocadas por este modelo de desenvolvimento vigente na maioria dos países. SISTEMAS AGROFLORESTAIS (SAFs) Os sistemas agroflorestais (SAFs) são consórcios de culturas agrícolas com espécies arbóreas que podem ser utilizados para restaurar florestas e recuperar áreas degradadas (EMBRAPA, 2016). A tecnologia ameniza limitações do terreno, minimiza riscos de degradação inerentes à atividade agrícola e otimiza a produtividade a ser obtida, bem como a diminuição da perda de fertilidade do solo e do ataque de pragas. Assim, utilização de árvores é fundamental para a recuperação das funções ecológicas, uma vez que possibilita o restabelecimento de boa parte das relações entre as plantas e os animais. Os componentes arbóreos são inseridos como estratégia para o combate da erosão e o aporte de matéria orgânica, restaurando a fertilidade do solo. Na fase inicial de recuperação, deve ser feito o plantio de árvores de rápido crescimento, para acelerar a disponibilidade de biomassa, o que irá promover a ciclagem de nutrientes e permitir o plantio de espécies mais exigentes. Há melhoria na estrutura e na atividade da fauna do solo e maior disponibilidade de nutrientes, alcançando um equilíbrio biológico que promove o controle de pragas e doenças (EMBRAPA, 2016). Na mesma área, é possível estabelecer consórcios entre espécies de importância econômica, frutíferas e hortaliças. Podem ser introduzidas espécies de leguminosas para uso como adubo verde, as quais são roçadas, e espécies de leguminosas arbóreas que, com a mesma finalidade, são podadas, visando a deposição de material orgânico sobre o solo. Além de contribuir para a conservação do meio ambiente, os benefícios dos sistemas agroflorestais despertam o interesse dos agricultores, pois, como estão aliados à produção de alimentos, permitem oferecer produtos agrícolas e florestais, incrementando a geração de renda das comunidades agrícolas. Figura 02 - Alternativas de organização dos SAFs Fonte: Embrapa Florestas. Os SAFs são considerados como uma das alternativas de uso dos recursos naturais que normalmente causam pouca ou nenhuma degradação ao meio ambiente, principalmente por respeitarem os princípios básicos de manejo sustentável dos agroecossistemas (MACEDO, 2000). Em restauração de áreas degradadas, este sistema é bastante adequado, pois promove a estruturação do solo e aumenta os níveis de nutrientes no solo em função de uma maior eficiência de ciclagem de nutrientes, promovida pelas raízes e pelo acúmulo de serapilheira (MACEDO, 2000). Segundo a EMBRAPA (2016), os sistemas agroflorestais tornam-se uma forma de uso da terra onde espécies perenes (lenhosas) são cultivadas juntamente com espécies herbáceas (cultivos anuais e/ou pastagens), obtendo-se benefícios das interações ecológicas e ou econômicas advindas desta combinação. Existem diversos tipos de sistemas agroflorestais, compostos por diferentes espécies e sob diferentes tipos de manejos, porém em todos eles a biodiversidade presente é sempre muito maior que em monocultivos, sendo responsável pela melhoria da fertilidade dos solos, garantindo maior sustentabilidade. A sustentabilidade resulta da diversidade biológica promovida pela presença de diferentes espécies vegetais, que exploram nichos diversificados dentro do sistema. A diversidade de espécies vegetais utilizadas nos SAFs forma uma estratificação diferenciada do dossel de copas e do sistema radicular das plantas no solo (MACEDO, 2000). Desta forma, o objetivo desses sistemas é a criação de diferentes estratos vegetais, procurando imitar um bosque natural, onde as árvores e/ou os arbustos, pela influência que exercem no processo de ciclagem de nutrientes e no aproveitamento da energia solar, são considerados os elementos estruturais básicos e a chave para a estabilidade do sistema. RESULTADOS E DISCUSSÃO Como resultado do estudo sobre as agroflorestas, e a experiência com a erva-mate nos SAFs, buscou-se analisar a inserção da erva-mate “Cambona 4” nestes espaços, a partir da análise de dados da EMBRAPA, Embrapa Florestas, bem como informações retiradas da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-RS). O estudo de caso baseia-se na produção ervateira de cambona 4 na cidade de Machadinho, no norte do Rio Grande do Sul. Historicamente, a erva-mate tem sido fundamental para a economia de muitos municípios do Sul do Brasil e, atualmente, é o principal produto não madeireiro do agronegócio3 florestal na região. O setor ervateiro, que já teve um ciclo econômico no qual era chamado de "Ouro Verde", passou por um longo período de estagnação, com consequente queda nos investimentos e no desenvolvimento de tecnologias. Atualmente, embora sem retomar as dimensões do passado áureo, o mercado ervateiro vem mostrando reação positiva e a descoberta do potencial da erva-mate pelo mercado internacional se mostra uma oportunidade de retomada de crescimento do setor. Segundo dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil produz atualmente cerca de 860 mil toneladas de erva-mate verde, sendo que Argentina (690 mil toneladas) e Paraguai (85 mil toneladas) também cultivam a planta. Aproximadamente 80% da produção brasileira de erva-mate destinam-se ao mercado interno, 3 Entende-se por um conjunto de negócios relacionados à agricultura e pecuária dentro do ponto de vista econômico. sendo que 96% são consumidas como chimarrão e 4% na forma de chás e outros usos. Por se tratar de uma planta cuja composição química possui compostos de interesse e propriedades benéficas ao organismo, podem-se vislumbrar muitas aplicações que podem vir a ampliar o mercado para a erva-mate e também a aumentar o valor agregado do produto. Ao longo dos anos tem acontecido uma intensa substituição de ervais nativos por ervais cultivados a pleno sol, restando algumas regiões do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul como redutos tradicionais de produção de erva nativa. Em função deste fenômeno, setores de pesquisa como Embrapa Florestas concentraram diversas pesquisas em plantios fora da condição natural. A agrossilvicultura, ou seja, o emprego de culturas agrícolas ou pastagens em associação com plantios florestais, tem merecido especial atenção nos últimos anos, graças às perspectivas que pode oferecer quanto à otimização do uso dos solos, inclusive sob o ponto de vista ecológico. No Sul do Brasil, onde é alto o grau de ocupação das terras agricultáveis, o desenvolvimento de projetos agroflorestais em áreas hoje ocupadas apenas com florestas, ou apenas com lavouras e pastagens, constitui-se como uma alternativa interessante para o aumento tanto da produção florestal como da agropecuária. A erva-mate “Cambona 4” foi identificada há aproximadamente 30 anos, no município de Machadinho, no norte do Rio Grande do Sul. A espécie em questão destaca-se por ser vigorosa, com folhas de coloração diferenciada, capaz de produzir uma bebida suave, bem ao estilo dos genuínos ervais nativos gaúchos. De acordo com dados disponibilizados pela EMATER-RS, atualmente cerca de 80 produtores do município de Machadinho plantam aproximadamente 190 hectares da ervamate cambona 4. O número médio de plantas por hectare é de 2.500 árvores com uma produtividade média de 1.108 arroba/há, significando um rendimento médio de R$ 22 mil por hectare. Este tipo de erva-mate pode ser plantado em sistemas agroflorestais, possuindo produtividade duas vezes superior à dos ervais comuns da região Sul do Brasil, plantados em monocultivo, e por ser diferenciado, a lucratividade pode chegar a 40%. Atualmente a Cambona 4 vem sendo introduzida em sistemas agroflorestais, em consórcio com árvores nativas, trazendo ganhos ambientais valiosos (EMBRAPA, 2011). A utilização desta espécie requer pouca alteração antrópica no ambiente, como movimentação de terra, além de dispensar a necessidade de corte raso, contribuindo assim para a conservação do equilíbrio dinâmico de pragas e doenças sem necessidade de utilização de fungicidas, inseticidas e adubos. Figura 03 – Matriz da Cambona 4 em Machadinho/RS Fonte: Embrapa Florestas (2011). Sendo assim, como a erva-mate (tanto da espécie nativa como da cambona 4) é uma espécie nativa nas florestas com Araucária, onde observando a estrutura da vegetação, é possível entender o adensamento da floresta como coerente com esse requisito de rápida adaptação, desde que o aumento da população existente de erveiras não cause dano ao equilíbrio natural. Efetuado o enriquecimento ecológico, é necessário considerar a necessidade de práticas silviculturais inerentes ao bom desenvolvimento da espécie em destaque (VIEIRA, 2012). Segundo pesquisas realizadas pela Embrapa Florestas, nos últimos 5 anos, a produtividade média dos plantios de Cambona 4 é de 585 arrobas por hectare plantado, demonstrando assim um rendimento muito superior ao de ervais de outras espécies, como nativos e da espécie argentina. Assim, em comparação com outros ervais, a produção de cambona 4 foi 56% maior que o da erva-mate comum. A partir dos dados fornecidos pela EMBRAPA (2016), em Machadinho-RS, os ervais de cambona 4 que estão inseridos em sistemas agroflorestais em estágios avançados de inserção, sinalizam que a produtividade da erva-mate tende a aumentar em longos espaços de tempo, tendo um ciclo de produção por pé plantado superior ao de ervais comuns (figura 4). Figura 04 - Uso da erva-mate em Sistemas Agroflorestais (SAFs) Fonte: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Como nicho de mercado, a erva-mate cambona 4 tem grande valor de comercialização, fazendo com que a produção seja rentável financeiramente para os agricultores que praticam esta cultura ervateira em consórcio com outras espécies, aplicando assim nos SAFs. Porém, conforme pode-se observar na tabela 01, a área destinada a produção ervateira reduziu-se a praticamente metade nos últimos 10 anos no município de Machadinho/RS, caindo de 435 hectares em 2004 para 210 hectares em 2014, segundo dados do IBGE. O que pode-se observar é que, mesmo com a redução da área plantada, o rendimento médio da produção ervateira em 2014 é muito superior ao de 2004, mesmo que a área destinada ao plantio e a colheita tenha sido muito inferior. Constata-se que esse rendimento superior é ocasionado pela Cambona 4, que por possuir um porte arbustivo maior que o das espécies anteriormente cultivadas (nativa, nativa plantada, argentina), rende uma quantidade superior de Kg por hectare plantado. Tabela 01: Produção de Erva-Mate no município de Machadinho/RS4 Ervamate (folha verde) 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Área Colhida (h) 435 435 435 350 350 185 185 230 280 280 210 Área destinada á colheita (h) 435 435 435 350 350 185 185 230 280 280 210 Quantidade produzida (t) Rendimento médio (Kg/h) 3.045 2.610 2.610 2.100 2.100 1.480 1.480 1.840 2.310 2.310 2.310 7.000 6.000 6.000 6.000 6.000 8.000 8.000 8.000 8.250 8.250 11.000 Valor da produção (mil reais) 579 522 710 500 672 385 654 656 837 2.772 2.449 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Org.: SOCOLOSKI, T. S. Observa-se também que o cultivo e produção ervateira no município de Machadinho se caracterizam por propriedades onde a produção de erva-mate não é a atividade fundamental de renda para o agricultor. Estas propriedades se caracterizam por diversas culturas além da ervateira, como o plantio de soja, milho e trigo, e em algumas delas, da pecuária. Porém muitos destes produtores dão um valor especial para a erva-mate, o que para muitos é de extrema relevância, pois além da mesma ser um traço cultural forte no estado do Rio Grande do Sul, muitos destes ervais são fruto de seus antepassados, que praticavam a cultura ervateira já na época de colonização no município, sendo estes produtores descendentes de migrantes poloneses, italianos e alemães. O que se pode observar quanto ao mercado ervateiro, é que as inúmeras destinações da folha-verde, seja para elaboração de chás, tintas, refrigerantes e cosméticos, são as principais justificativas para o aumento da procura pela erva-mate, sugerindo que os produtores rurais e agroindústrias devem se adequar de forma a tornar seus processos mais eficientes, a partir de novas técnicas de manejo e poda, visando o aproveitamento cada vez maior dos pés de ervamate. Em algumas propriedades rurais, observa-se que a cultura da plantação de erva-mate foi sendo substituída pelas produções que forneciam um retorno financeiro mais ágil e à curto prazo, como soja, milho e trigo, vez que, a muda da erva-mate, para começar a produzir, 4 A produção levada em conta pelo IBGE abrange as diferentes espécies de erva-mate que são cultivadas no município, como a nativa, nativa plantada, argentina, e recentemente a cambona 4. demora em torno de 4 a 6 anos, e só pode ser colhida em um período mínimo de 2 em 2 anos. Independente do fato destas propriedades terem realizado essa substituição, existe a possibilidade de que muitas voltem a produzir erva-mate, pois, em face da entrada de novos setores de processamento da erva cancheada, há incentivos econômicos para explorar esta atividade agrícola, não só no âmbito regional, como em âmbito nacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS A implementação de sistemas agrícolas sustentáveis depende de mudanças profundas do paradigma de desenvolvimento vigente na sociedade contemporânea, ou seja, entre outros aspectos, na elaboração de estratégias de desenvolvimento fundamentadas nos eixos local e regional. Na agricultura, principalmente em âmbito familiar, observa-se uma crescente demanda por alternativas compatíveis com a diversidade dos ecossistemas locais e com os sistemas culturais que levem em conta as dimensões econômica, ambiental e sociocultural da sustentabilidade. Os sistemas agroflorestais, adotados principalmente por agricultores familiares brasileiros e assistidos por organizações de assistência técnica rural, são geralmente implantados buscando-se a interação com os princípios da Agroecologia, potencializando a transição de modelos simples para propostas complexas através de estratégias participativas. Dentre essas experiências, muitas refletem uma tendência à transição agroecológica, desde a diminuição e substituição de insumos ao redesenho de suas propriedades através dos SAFs, respeitando as condições do ecossistema. A agricultura convencional mostra-se claramente insustentável e os modelos de desenvolvimento que seguem a mesma lógica não são sustentáveis. Assim, percebe-se que o desenvolvimento rural sustentável deve ser orientado na busca de pontos de equilíbrio entre as diferentes dimensões (social, econômica, ecológica, cultural, política e ética), na transição para agriculturas mais sustentáveis, a partir dos princípios da Agroecologia. Por fim, os sistemas agroflorestais apresentam grande potencial para atender a esses requisitos quando incorporam os princípios agroecológicos, a partir da preservação e ampliação da biodiversidade dos ecossistemas, natural ou transformado, em que se insere o sistema produtivo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, J. 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