PARECER Nº 1867/2014 1 - PL – Poder Legislativo. Processo Legislativo. Emendas e Substitutivos. Denominação de Logradouros e Próprios Públicos. O Juízo político não pode substituir o Poder Judiciário na condenação ou suposição de crimes de figuras públicas ou históricas quer do passado recente quer do passado remoto da Nação. Comentários. CONSULTA: A Consulente, Câmara, solicita Parecer sobre emenda e dois substitutivos em Projeto de Lei sobre a matéria denominação de logradouros e próprios públicos. A Consulta segue documentada, mas o Projeto de Lei (M) nº. 108/2014 não foi encaminhado. RESPOSTA: A palavra logradouro (ou logradoiro) é um termo que designa qualquer espaço público reconhecido pela Administração de um Município, como avenidas, ruas, praças, jardins, parques etc. Já a palavra próprio ou prédio público remete a um imóvel especialmente construído ou adaptado para albergar serviços administrativos ou outros destinados a servir o público, como, por exemplo, uma escola, hospital etc. O ato de denominar ou batizar uma coisa é uma homenagem, ou seja, um gesto de reconhecimento público pelas qualidades ou feitos 1PARECER SOLICITADO POR WAGNER NUNES CERQUEIRA,SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS - CÂMARA MUNICIPAL (LIMEIRA-SP) 1 notáveis do homenageado por parte daqueles que o admiram por sua importância, sua contribuição para algum ramo da civilização. Não há regra que vincule a homenagem a uma figura de importância para o ramo, muito embora seja concretamente mais adequado homenagear alguém da própria área. Trata-se de assunto da competência do Município homenagear personalidades com nomes de praças, ruas, bairros, cidades, até mesmo prédios públicos, hospitais, cemitérios, presídios e escolas. Assim, por exemplo, ao denominar uma escola, o mais correto é utilizar o nome de um professor muito querido e reconhecido na localidade ou um educador de reconhecida importância. Entretanto, isso é uma decisão do administrador a quem incumbe a gestão da coisa pública e não uma imposição legal. A denominação de próprios municipais e logradouros é matéria cuja iniciativa é concorrente. No entanto, tal posição necessita reparo para melhor esclarecimento da matéria. É claro que a denominação de ruas, praças, bairros, distritos e logradouros públicos em geral é da competência concorrente entre o Poder Executivo e o Legislativo. Entretanto, a denominação de próprios públicos ligados à estrutura de cada um dos poderes é questão ligada diretamente ao próprio poder envolvido. Assim, a competência para denominar os próprios integrantes da estrutura do Executivo é desse Poder, assim como é da alçada do Poder Legislativo e do Poder Judiciário denominar os próprios sob sua administração, não havendo que se falar em ingerência indevida de um Poder sobre outro. Quanto à espécie normativa adequada para se promover a denominação de próprios públicos, não há necessidade que se dê por meio de lei, podendo ser via decreto ou outra figura normativa equivalente. Nas palavras do professor HELLY LOPES MEIRELLES. Direito Municipal Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Malheiros. 2001, p. 700: 2 "Compete ao prefeito, como chefe do Executivo, privativamente, expedir decretos e, concorrentemente com as demais autoridades executivas, editar outros atos administrativo, tais como portarias, instruções, circulares, ordens de serviço, despachos. (...) Os decretos podem ser gerais ou individuais, regulamentares ou específicos, de execução ou autônomos. Qualquer que seja sua modalidade e objeto, são sempre da competência exclusiva e indelegável do prefeito. Por isso, os atos privativos do Chefe do Executivo devem ser formalizados em decreto, e os comuns a ele e às demais autoridades executivas expressam-se em outras formas administrativas. Todo o decreto é ato de efeitos externos, razão pela qual há que ser regularmente publicado para o início de sua operatividade". É claro que o administrador não está completamente livre para batizar obras públicas, porque deve obediência à Lei Orgânica do Município, que na maior parte das vezes, veda a denominação de pessoas vivas, e aos Princípios da Moralidade e da Impessoalidade, princípios expressos contidos no art. 37 da CRFB/88, que traçam as diretrizes fundamentais da Administração, só podendo ser considerados válidos os atos com eles compatíveis. O Princípio da Moralidade, de acordo com a lição de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO em Manual de Direito Administrativo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. A administração deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto. Isso tanto em relação aos administrados em geral, como em relação aos agentes da Administração. Já o Princípio da Impessoalidade reflete a aplicação do conhecido princípio da finalidade, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público, e em sendo perseguido interesse particular ocorre o chamado desvio de finalidade, cuja sanção é 3 cominada no art. 2º, "e", da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular). Nas palavras de GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO em Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 835: "o princípio da impessoalidade consubstancia a idéia de que a Administração Pública, enquanto estrutura composta de órgãos e de pessoas incumbidas de gerir a coisa pública, tem de desempenhar esse múnus sem levar em conta interesses pessoais, próprios ou de terceiros, a não ser quando o atendimento de pretensões parciais constitua concretização do interesse geral". Assim, o princípio da impessoalidade, previsto § 1º, do art. 37, da CRFB/88, veda a indicação de nomes em obras públicas, quando caracterizada não a publicidade institucional, mas a promoção pessoal de autoridade, tendo em vista primordialmente interesses eleitorais. Com isso, almeja-se evitar a personalização da coisa pública, que é fato odioso e fruto de interesses coronelistas há muito arraigados na prática política brasileira e que devem ser repudiados pela moderna Administração Pública. Sobre a aplicação dos Princípios da Moralidade e da Impessoalidade em relação à denominação de obra pública, cabe transcrever o seguinte Acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que qualifica conduta de Prefeito em desconformidade com esses princípios como improbidade administrativa. Vejamos: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EX-PREFEITO QUE, NO EXERCÍCIO DO MANDATO, APÓS RECUSA DO PROJETO DE LEI PELA CÂMARA DE VEREDORES, EXPEDIU DECRETO, CONFERINDO AO GINÁSIO DE ESPORTES DA CIDADE A DENOMINAÇÃO DE MANECÃO, EM HOMENAGEM AO SEU GENITOR. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. COMPETÊNCIA DO STF. APLICABILIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA À EX-PREFEITO. 4 QUESTÃO NÃO DECIDIDA PELO TRIBUNAL A QUO E NÃO SUSCITADA NAS RAZÕES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. CONDUTA DO RECORRENTE. CONFIGURAÇÃO DE ATO ATENTATÓRIO CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/92. (...). 5. É incontroverso que o recorrente, então Prefeito, mesmo ciente da necessidade de veiculação da matéria por lei e inobstante a desaprovação por parte da Câmara dos Vereadores, expediu decreto executivo, determinando a colocação do nome de seu próprio pai em obra pública. 6. Ainda que se admita, consoante asseverou o julgado a quo, não ter havido prejuízo ao erário e, portanto, configuração de ato administrativo previsto no artigo 10 da Lei 8.249/92 (o que não se questiona sob pena de reformatio in pejus), tal fato não impede seja a conduta enquadrada no disposto no artigo 11, caput, da Lei 8.429/92, uma vez que a configuração do ato de improbidade administrativa por lesão aos princípios da Administração Pública não exige prejuízo ao erário, nos termos do art. 21 da Lei 8.429/92. Precedente. 7. Assim, não há como negar que a atribuição do nome do genitor do recorrente a prédio público, em evidente desobediência ao determinado pelo legislativo municipal, que havia anteriormente recusado projeto de lei com o mesmo conteúdo, fere princípios constitucionais da moralidade administrativa, impessoalidade e legalidade, o que se subsume ao disposto no artigo 11, caput, da Lei 8.429/92. 8. Demonstrado o indispensável elemento subjetivo, ou seja, a conduta dolosa do agente público de atentado aos princípios da Administração Pública, é de se concluir que a pretensão trazida no presente recurso especial, no sentido de que os fatos narrados pelo parquet não configuram ato de improbidade administrativa, não merece prosperar, devendo ser mantido o acórdão atacado. 9. Recurso especial não provido”.(STJ - 1ª Turma. REsp 5 1146592 / RS. Julg. em 04/05/2010. Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES) A falta de critérios objetivos e de planejamento para classificação dos logradouros públicos é um problema alarmante e sinônimo de transtornos e de inúmeros prejuízos para os munícipes, provocando muita confusão, como, por exemplo, com o envio ou recebimento de cartas e encomendas em endereços errados, pois muitas vezes as pessoas não conhecem o Código de Endereçamento Postal (CEP) ou o preenchem de forma equivocada, acabando com a única forma de evitar a confusão ante à duplicidade de logradouros homônimos, eis que os carteiros se orientam pelo CEP das ruas, avenidas, becos ou alamedas, sendo o código é formado por oito dígitos e sua estrutura identifica a região, sub-região, setor, subsetor, divisor de subsetor e identificadores de distribuição. Historicamente, registre-se que o problema da nomenclatura das ruas vem desde os tempos do Império e ainda no ano de 1893, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a Lei de n° 77, visando acabar com as "ruas em duplicatas". Vejamos: "Lei nº 77 Autoriza o Intendente a dar nomes ás ruas e praças O dr. Pedro Vicenete de Azevedo, Presidente da Câmara Municipal de S. Paulo: Faço saber que a Câmara, em sessão de 5 do corrente mez, decretou e eu promulgo, na fórma do regimento, a seguinte lei: Art. único. - Sem credito especial para despesas extraordinárias e dentro de suas atribuições e poderes, o Intendente fará dar nome ás ruas e praças que não tiverem, substituindo ou mudando as que estão com nome em duplicatas, respeitando quanto possível aquelles pelos quaes já estiverem conhecidos. São revogadas as disposições em contrário. Cumpra-se. E o Intendente Municipal a faça imprimir e publicar. 6 Paço da Câmara Municipal de S. Paulo, 9 de dezembro de 1893. Dr. Pedro Vicente de Azevedo. Registrada e archivado o original na mesma data supra declarada. O Secretario da Câmara, Antonio Vieira Braga". Não chega a ser um problema a homonínima entre próprios públicos e também é possível a existência de homonímia entre um logradouro e um próprio público (escola, ginásio, biblioteca, museu, centro cultural, auditório, casa, posto de saúde, etc.). Entretanto, a homonímia entre logradouros públicos não é recomendável ante os critérios norteadores da boa técnica ururbanística. Assim, no que toca à emenda supressiva remetida, temos que não é adequada, porque desconsidera a questão dos homônimos, que devem ser evitados a qualquer custo. Já no que concerne ao Substutivo e ao Projeto de Lei (M) nº. 108/2014, temos o seguinte. O Substitutivo só contém um dispositivo de manifesta inconstitucionalidade, que é o art. 1º, IV que, aliás, se repete no art. 6º, IV do Projeto de Lei. Vejamos: "Art. 1°. A alteração de denominação de vias e logradouros públicos, ocorrerá nos seguintes casos: (...) IV - quando se tratar de denominação referente à autoridade que tenha cometido crime de lesa humanidade ou, graves violações de direitos humanos". Sem medo de ser tachado de reacionário ou de Direita é preciso esclarecer de forma apolítica que se verifica um frenesi em nossa história recente em torno dos abusos ocorridos durante o chamado período da ditadura militar e um esforço por parte de setores da sociedade para 7 reescrever ou como alguns preferem, trazer a tona "a verdade" sobre esses anos de chumbo. Neste sentido, é de se indagar o que significaria para a lei local ter cometido essa ou aquela autoridade ter cometido crime de lesa humanidade ou grave violação de direitos humanos? Com efeito, trocar o nome desta ou daquela rua ou do próprio, porque o então homenageado "cometeu crime de lesa humanidade ou violou gravemente os direitos humanos" somente seria justificável na hipótese de restar efetivamente comprovado que houve condenação criminal transitada em julgado nesse sentido, caso contrário o Município estaria fazendo as vezes do Judiciário para dizer por via transversa que fulano e beltrano cometeram crimes, em evidente violação às garantias constitucionais estampadas nos incisos XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção) e LVII (ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória) do artigo 5º da Constituição. E se assim fosse, poderíamos admitir, diante deste ou daquele juízo de valor, que os presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares e certas autoridades do regime militar ou até mesmo de setores da imprensa, do clero, da classe política ou do próprio Judiciário que de certa forma colaboraram, se omitiram ou foram coniventes com práticas abomináveis e de todo condenáveis que se tem ciência, também cometeram crimes lesa humanidade, ainda que por omissão. E o que se diga de outros conhecidos personagens de nossa história como D. Pedro I, Getúlio Vargas, Marechal Floriano, Duque de Caxias e tantos outros que em algum momento, dentro deste ou daquele juízo, teriam violado direitos humanos ou cometido crimes de lesa humanidade. E mais, não é mudando o nome de uma praça, rua, ponte, estrada ou avenida contruída e inaugurada durante o regime militar é que se vai fazer justiça em face de abusos ocorridos que efetivamente ocorreram e isso ninguém nega. No mais, é de se dizer que o Município pode homenagear ou deixar de homenagear quem bem entender e trocar o nome da rua, avenida ou praça conforme melhor lhe aprouver, ou seja, não está 8 obrigado a homenagear ou manter homenagem conferida a qualquer personagem da história, tenha sido ele presidente, general, doutor, santo ou herói de direita ou de esquerda. O que nos quer parecer é que não é dado justificar a retirada da homenagem sob o argumento de que este ou aquele personagem era um corrupto, safado, pedófilo, torturador, genocida, nazista ou a imagem do cão que cometeu este ou aquele crime lesa humanidade sem que tal conduta não lhe tenha sido imputada e reconhecida por sentença judicial transitada em julgado, por evidente violação à ordem consitucional vigente. Por outro lado, o Projeto de Lei (M) nº. 108/2014, também ostenta vários dispositivos inconstitucionais. Vejamos eles: Os arts. 8, 9 e 10 são inconstitucionais, posto que, como explicitado acima, cada Poder tem autonomia e competência para batizar seus próprios públicos, não competindo à Câmara impor critérios balizadores para o Chefe do Executivo batizar os próprios municipais, até mesmo porque o art. 14, XVI, da LOM não atribui competência privativa da Câmara para fazê-lo. O art. 11 é inconstitucional, porque não atede aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além do mais a forma das placas é ato de gestão a critério exclusivo do Prefeito, não havendo motivo para que conste nome de Distrito em Placa de Rua. O art. 12 é inconstitucional, porque não cabe ao Poder Legislativo impor obrigações administrativas de mera gestão ao Chefe de Poder Executivo, muito menos fixar responsabililidades e prazos para os servidores subordinados ao Prefeito. O art. 14 é inconstitucional, porque não se admite lei autorizativa para que o Prefeito assine Convênios ou faça parcerias. O art. 16 é inconstitucional, porque não se admite ao Poder Legislativo que fixe prazo máximo para o Poder Executivo regulamentar lei. 9 Por fim, o art. 17 é inconstitucional, porque não especifica as verbas orçamentárias necessárias à execução da lei, consistindo num cheque em branco, portanto, inadmissível. Em suma: 1) a Emenda Supressiva é atécnica, 2) o Substitutivo ao Projeto de Lei (M) nº. 108/2014, desde que suprimido o art. 1º, IV, está corretamente redigido e está em condições de ser posto em votação; e 3) o Projeto de Lei (M) nº. 108/2014 ostenta inúmeros outros dispositivos inconstitucionais, razão pela qual deve ser adequado aos termos acima apontados para validamente poder prosperar. É o parecer, s.m.j. Jaber Lopes Mendonça Monteiro Consultor Técnico Aprovo o parecer Marcus Alonso Ribeiro Neves Consultor Jurídico Rio de Janeiro, 17 de julho de 2014. PARA CONFIRMAR A AUTENTICIDADE DESTE DOCUMENTO ENTRE NO ENDEREÇO ELETRÔNICO http://lam.ibam.org.br/confirma.asp E UTILIZE O CÓDIGO fdh3edfjle 10