A PRODUÇÃO DE PERIFERIAS EM CIDADE PEQUENAS: O CASO

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
A PRODUÇÃO DE PERIFERIAS EM CIDADE PEQUENAS: O CASO
DE FRUTAL – MG
ANANDA MARIA GARCIA VEDUVOTO1
Resumo: O programa do Governo Federal, “Minha Casa, Minha Vida, intensificou a produção do
espaço urbano na maior parte das cidades brasileiras, transformando-as em verdadeiros canteiros de
obras. O programa em questão estendeu-se para além das metrópoles, cidades grandes e médias,
chegando a regiões que ainda não tinham sido alcançadas por este tipo de investimento – as cidades
pequenas, no interior do país. Em Frutal, município de 53.468 habitantes, situado no Triângulo
Mineiro, tem ocorrido de forma intensa a expansão do seu espaço urbano por meio da construção de
conjuntos habitacionais e abertura de novos loteamentos. O espraiamento do perímetro urbano se
deu, principalmente, em áreas periféricas, que tinham outrora uso agrícola. No que se refere ao
acesso e circulação na cidade, grande parte dos moradores dos novos conjuntos habitacionais tem
dificuldades para ter acesso aos equipamentos e serviços concentrados no centro, isto em função de
uma mobilidade urbana deficitária. As cidades pequenas passam a reproduzir um modelo de
urbanização incompleta, assemelhando-se à formação de periferias dos médios e grandes centros
urbanos. Diante disso, o objetivo deste trabalho é o de analisar, para além do direito à moradia, o
direito a ter e participar da cidade, especialmente pelos cidadãos contemplados pelo “Minha Casa,
Minha Vida”.
Palavras – chave: Cidades pequenas – Conjuntos habitacionais – Direito à cidade.
THE PRODUCTION OF OUTSKIRTS IN SMALL TOWNS: FRUTAL CASE
Abstract: The Federal Government Program, "Minha Casa, Minha Vida”, intensified the production of
urban space in most Brazilian cities, turning them into real construction sites. This program has
extended beyond the large and medium cities, reaching regions that had not yet been reached by this
type of investment - small towns, in the countryside. In Frutal, a town of 53,468 inhabitants located in
the Triângulo Mineiro, the expansion of urban space through the construction of housing projects and
opening of new housing developments has been intense. The spreading of the urban area was mainly
in outlying areas which had formerly agricultural use. Concerning the access and circulation in the
town, most residents of the new housing developments have difficulties to gain access to equipment
and services concentrated in the downtonwn due to a shortage urban mobility. Small towns replicate
an incomplete urbanization model, resembling the formation of outskirts in medium and large urban
centers. Therefore, the aim of this study is to analyze, beyond the right to housing, the right to have
and participate in city´s life, especially by the citizens covered by the "Minha Casa, Minha Vida".
Wordkeys: Small towns - Housing developments - Right to housing - Right to the city
1
Mestranda em Geografia na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), IGEO – Instituto de
Geociências. E-mail: [email protected]
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1 – Introdução
Este artigo objetiva apresentar alguns dos resultados preliminares de
pesquisa de mestrado em andamento. O intuito do estudo em questão é o de
compreender a produção do espaço urbano vinculada às estratégias de gestão
urbana em Frutal – MG. No entanto, este texto visa analisar e discutir as implicações
e desdobramentos do projeto “Minha Casa, Minha Vida” em Frutal. Isto porque, o
PMCMV, elaborado na gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009
(junto com o PAC – Programa da Aceleração do Crescimento) e ampliado na gestão
da Presidente Dilma Rousseff em 2010, intensificou a produção do espaço urbano
na maior parte das cidades brasileiras, transformando-as em inacabados e
constantes canteiros de obras.
Para que se tenha noção da amplitude do PMCMV, em material de
divulgação bilíngue (portugês/inglês) do Ministério das Cidades2, assinado pela
então Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães, exalta-se que houve a
contratação de 1.728.555 unidades habitacionais – no período de março de 2009 a
maio de 2012. Sendo que, 1.005. 128 corresponderam à primeira fase do projeto
(2009 a 2011) e 723. 427 unidades habitacionais foram encomendadas na segunda
fase (2011 a 2014).
No âmbito dos estudos urbanos, muitas foram as pesquisas que
contemplaram o PMCMV como objeto central de suas análises nos últimos cinco
anos. Como mostram os dados explicitados acima, o programa tomou grande
proporção em todo o país. Não só no que se refere à reorganização das cidades,
que foram bombardeadas com novos empreendimentos imobiliários, mas também
pela grande movimentação financeira gerada pelo programa3.
É necessário ressaltar que, para além de um programa federal de crédito
habitacional, a iniciativa do governo federal também teve outras intenções, por conta
2
BRASIL.
Programa
Minha
Casa,
Minha
Vida.
Disponível
http://www.sedhab.df.gov.br/mapas_sicad/conferencias/programa_minha_casa_minha_vida.pdf.
Acesso em 15 mar. 2015
em
3
Estima-se que foram movimentados 13,6 bilhões de reais somente no que diz respeito aos
mercados de materiais e serviços voltados à construção.
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da acentuada crise financeira mundial. O intuito foi impulsionar o mercado da
construção civil e o setor imobiliário. Consequentemente, houve a movimentação de
grandes somas de dinheiro em todos os níveis deste processo – desde a
disponibilização de créditos ao processo de geração de empregos.
Rolnik4 (2012, p. 14), porém, reitera que a implementação do PMCMV valeuse de pretexto econômico e político – ainda que tenha sido promovido como uma
política habitacional. Para a autora, foi “praticada como elemento de dinamização
econômica para enfrentar uma possível crise e gerar empregos, colocando-se de
forma desarticulada com uma política de ordenamento territorial e fundiária [...]”.
Bastos (2012, p. 20) explica que, “a chamada crise financeira de 2007/2008
– ou crise das hipotecas subprime – promoveu a reorganização da propriedade
financeira das principais instituições bancárias e de crédito do mundo globalizado
[...]”. No Brasil este processo se deu de maneira bastante acentuada, capitais da
iniciativa privada, junto de incentivos de disponibilização de crédito do governo
federal, passaram a operar em todo o país, chegando a regiões que ainda não
tinham sido alcançadas por este tipo de investimento. “Avançando sobre as
fronteiras urbanas, ampliando a escala de investimentos e ganhando capilaridade
em Estados e Municípios nunca antes explorados pelos grandes grupos econômicos
de produção de mercadorias imobiliárias” (BASTOS, 2012, p. 20).
Outro processo que foi desencadeado pelo desenvolvimento do PMCMV foi
o aumento significativo do preço das terras urbanas5. O financiamento público,
destinado às construtoras funcionou, de acordo com Rolnik (2012, p. 14), como um
“estímulo à produção habitacional de mercado, se transformou em um enorme
mecanismo de transferência de subsídios públicos, do orçamento estatal, para o
4
ROLNIK, Raquel. 10 Anos do Estatuto da Cidade: Das Lutas pela Reforma Urbana às Cidades
da Copa do Mundo. Blog da Raquel Rolnik. Acesso em 04 de mar. de 2015. Disponível em:
https://raquelrolnik.wordpress.com/artigos-e-publicacoes/.
5
“A intervenção governamental por meio do programa MCMV, combinada com um massivo
investimento privado internacional, permitiu uma gigantesca alavancagem no mercado imobiliário
brasileiro. Uma das principais consequências do crescimento deste setor foi o aumento do preço dos
imóveis (terra e edificações imobilizadas) nas cidades brasileiras. Desde o anúncio oficial do
programa, diversas pesquisas e indicadores apontam para uma elevação nos preços das
mercadorias imobiliárias, sobretudo nas grandes cidades, superior aos índices de inflação e
descolada da variação salarial” (BASTOS, 2012, p. 23).
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preço da terra e dos imóveis [...]”, gerando uma conjuntura de pouco ou nenhum
controle dos processos de especulação imobiliária nas instâncias federais, estaduais
e municipais.
Devido ao aumento significativo do preço da terra urbana, os conjuntos
habitacionais foram construídos, de modo geral, nas periferias6 – onde a terra
urbana tem menor valor. Assim, gerou quantidades significativas de grandes
loteamentos isolados da malha urbana. O objetivo deste trabalho é analisar quais
são os desdobramentos da construção de conjuntos habitacionais em áreas
periféricas, particularmente, em cidades pequenas, que não recebiam, de modo
recorrente, investimentos desta monta.
2 – Do direito à moradia ao direito à cidade: a produção de periferias em
cidades pequenas.
O PMCMV estendeu-se para além das metrópoles, cidades grandes e
médias, chegando a regiões que ainda não tinham sido alcançadas por este tipo de
investimento – as cidades pequenas, no interior do país. Em Frutal, município de
53.468 habitantes, situado no Triângulo Mineiro, cuja população residente urbana
atinge uma soma de 46.086 e a população rural de 7.379, tem ocorrido de forma
intensa a expansão do seu espaço urbano por meio da construção de conjuntos
habitacionais e abertura de novos loteamentos, impulsionados, especialmente, pela
forte atuação do “Minha Casa, Minha Vida”.
6
Tendo em vista da quantidade e diversidade do que se chama de “periferia” no Brasil, o intuito
desde trabalho foi o de observar como ocorreu a construção de conjuntos habitacionais (casas
populares) em lugares distantes do centro urbano (áreas periféricas). Especialmente em cidades
pequenas, com a ampliação do Programa “Minha casa, Minha vida”, do Governo Federal. Spósito
(2004) apoiada em Santos (1981), explica que “analisando, também, as formas de extensão territorial
urbana e se referindo especificamente às cidades subdesenvolvidas, Santos (1981:187-202) afirmava
que o livre jogo da especulação é responsável pelo deslocamento do habitai popular para a periferia,
fazendo com que dentro da cidade, a acessibilidade aos diferentes serviços, mais concentrados na
área central, varie em função das rendas de cada grupo social, gerando "cidades justa-postas", mal
vinculadas entre si, dentro da própria cidade. Destacando esses traços, Santos já definia a periferia
não apenas do ponto de vista morfológico, mas mostrava seu menor grau de coesão ou participação
na estruturação urbana e lhe atribuía um conteúdo social muito peculiar, quando tratava das cidades
localizadas em países subdesenvolvidos.
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Frutal está sofrendo alterações importantes em seus espaços urbano e rural.
Tanto no que concerne a estabelecimentos de ensino e aprendizagem, quanto no
que se refere a uma maior diversificação dos setores produtivos da economia. As
alterações citadas devem-se, essencialmente, à instalação da Universidade do
Estado de Minas Gerais (UEMG), em 2004; à abertura da FAF (Faculdade de
Frutal), em 2005; à construção do Centro UNESCO–HidroEX e ao início da
implantação da Cidade das Águas, em 2009. Além disso, alterações significativas
ocorreram no campo, com a instalação das usinas de açúcar e álcool (Usina
Cerradão: em 2006: Usina Frutal: em 2008).
Além disso, a intervenção do programa do governo federal “Minha Casa,
Minha Vida” tem contribuído significativamente para o espraiamento do tecido
urbano de Frutal. Os conjuntos habitacionais Faixa I e os empreendimentos
habitacionais Faixa II foram construídos, em sua maioria, em áreas rurais que
sofreram o processo de urbanização. As paisagens rurais são transformadas em
paisagens urbanas, de modo que é possível identificar características da zona rural
(como pastagens, cercas e porteiras) ao lado de grandes conjuntos habitacionais.
Há dois desdobramentos do programa “Minha Casa, Minha Vida” em Frutal. O
principal critério de seleção das famílias que serão atendidas pelo programa é a
renda. As unidades habitacionais Faixa I e Faixa II são distintas, dentre outras
características, em estrutura (interna e externa), tamanho dos lotes, valor da
prestação e o tempo de financiamento dos imóveis. Isto porque as unidades
habitacionais Faixa I são subsidias pelo FAR (Fundo de Arrendamento Residencial)
e recebem subsídio do orçamento geral da união. Os conjuntos habitacionais Faixa I
são destinados à população com renda familiar mensal inferior a R$ 1.600,00.
No caso dos empreendimentos da Faixa 1, a demanda é inteiramente
indicada pelos governos locais. A construtora é remunerada pela execução
do projeto diretamente pelo FAR, não se sujeitando ao risco de
inadimplência dos beneficiários e não exercendo qualquer atribuição
relacionada à comercialização dos imóveis. (ROLNIK et al., 2015, p.130)
E, também, as habitações Faixa II, para as famílias com renda mensal entre
R$ 1.600,00 a R$ 3. 100,00. De acordo com a Caixa Econômica Federal, Frutal não
recebeu empreendimentos Faixa III (de 3.100,01 a 5.000,00 reais).
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As condições são bem diferentes no caso dos empreendimentos destinados
à Faixa 2 e à Faixa 3, que integram o chamado "mercado popular". Nesses
casos, a construtora figura como incorporadora da operação,
responsabilizando-se pela comercialização das unidades. Os beneficiários
celebram contratos de compra e venda diretamente com a construtora,
recebendo financiamento para a compra das unidades. O financiamento é
concedido pela CAIXA com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS). (ROLNIK et al., 2015, p.130)
Em Frutal, de acordo com informações fornecidas pela Secretaria de
Promoção Humana7, foram construídos cinco loteamentos Faixa I: Waldemar Marchi
I (384 casas), Flamboyant (354 casas), Waldemar Marchi II (364 casas), Waldemar
Marchi segunda etapa (304 casas). E o Moron, ainda em fase de construção, que
abrigará 447 casas – totalizando, na modalidade Faixa I, a construção de 1.853
unidades habitacionais.
Como é possível observar na figura abaixo, o Residencial Waldemar Marchi
(2ª etapa) não pertence à malha urbana de Frutal, reforçando um padrão periférico
de construção das habitações de baixa renda de cidades de médio/grande porte. Os
conjuntos habitacionais destoam da forma morfológica da cidade já constituída, pois
não há “urbano” ao redor das casas. Torna evidente, portanto, a segregação
socioespacial gerada por este tipo de empreendimento. Rolnik et al. (2015, p. 131)
explica que,
Embora alguns assumam um papel mais ativo no planejamento da oferta de
habitação popular e na alocação de terrenos para essa finalidade, o
programa consolida um modelo em que a oferta de habitação se transforma
fundamentalmente num negócio, sendo orientada por uma lógica em que a
maximização dos ganhos das empresas se torna a principal condicionante
do modo como os terrenos são escolhidos e de como os projetos são
elaborados. No caso da Faixa 1, a margem de lucro das empresas na
produção de um empreendimento é determinada fundamentalmente por
fatores como o custo de produção das unidades, o valor do terreno e o
custo de infraestrutura e fundações demandado em função das
características da gleba e sua localização.
7
A Secretaria de Promoção Humana, da Prefeitura Municipal, é responsável por desenvolver todas
as atividades de assistência social no município. Dentre outras iniciativas, esta Secretaria ficou
responsável por fazer a triagem da população que tem interesse em participar do processo de
seleção do “Minha Casa, Minha Vida” Faixa I.
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Figura 1: Residencial Waldemar Marchi (2ª etapa).
Fonte: News Alô Frutal8
Em cidades pequenas, diferentemente das cidades médias e grandes, alguns
serviços, principalmente os bancários, são alocados de forma pontual no espaço
urbano. Em Frutal, as agências bancárias estão situadas no centro da cidade e há
apenas uma sede de cada banco no município, dificultando a criação de outras
centralidades. Ainda que em bairros mais antigos e já constituídos haja melhor
diversificação e variação dos tipos de comércio – como padarias, pequenos
mercados, farmácias e lojas –, os moradores precisam ir ao centro para resolver
questões do cotidiano.
Sendo assim, a acelerada expansão do espaço urbano em cidades pequenas,
condicionada pela construção em série das unidades habitacionais, esbarra em
questões essenciais. Citamos como exemplo, o acesso aos equipamentos e
serviços de uso coletivo, concentrados, predominantemente, no centro da cidade. O
NEWS ALÔ FRUTAL. “Presidenta Dilma e prefeito Mauri vão inaugurar o maior programa
habitacional da história”. Disponível em: http://alofrutal.com.br/news/presidenta-dilma-e-prefeitomauri-vao-inaugurar-o-maior-programa-habitacional-da-historia/. Acesso em: 20 jun. 2015.
8
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mesmo ocorre com a mobilidade urbana, precária e ineficiente, que torna restrita a
movimentação dos moradores dos novos conjuntos pela cidade.
Além de atualizar a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano em 2012,
nota-se que não houve investimentos em programas e políticas de mobilidade
urbana ou de ampliação da rede de equipamentos e serviços públicos por parte da
gestão pública municipal.
Figura 02: Conjuntos habitacionais “Minha Casa, Minha Vida” situados em áreas
periféricas.
Fonte: Prefeitura Municipal de Frutal.
Org. VEDUVOTO, Ananda (2015).
É preciso destacar que, além dos conjuntos habitacionais Faixa I, em Frutal,
foram construídas, em média, 2.000 unidades habitacionais Faixa II. De acordo com
informações fornecidas por agentes do mercado imobiliário, a Prefeitura Municipal
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se responsabiliza apenas pela fiscalização dos empreendimentos. Fica a cargo das
construtoras fornecerem toda a infraestrutura, assim como a construção e venda das
unidades, por meio da Caixa Econômica Federal.
No que se refere à localização, a maior parte dos loteamentos, assim como os
de Faixa I, foram construídos em áreas rurais que passaram pelo processo de
urbanização. Ou seja, às margens do perímetro urbano. As construtoras reclamam a
valorização do preço da terra e evidenciam que todo o processo de construção das
unidades habitacionais Faixa II é gerido pela iniciativa privada.
Nesse sentido, é necessário perceber que embora o direito à moradia esteja
sendo parcialmente atendido, negou-se à população dos novos conjuntos o direito à
cidade. Rolnik (2015)9 ressalta que “como as casas são produzidas pelo mercado é
ele quem define qual vai ser a localização dos empreendimentos e ela é sempre a
pior possível, onde não tem cidade”.
Lefebvre (2001) explica que o espaço urbano pressupõe a existência de
encontros, coexistência das diferenças e dos conhecimentos, diferentes modos de
vida, confrontos ideológicos e políticos.10 Características que são perdidas com a
construção dos loteamentos (isolados e distantes do centro da cidade), pois a
realidade urbana é dissipada: as ruas, as praças, monumentos, espaços de
encontros e, até mesmo, os bares, cafés, restaurantes e comércios.
Se antes tínhamos um problema grave de déficit de moradia, agora, teremos
um grande entrave no que se refere ao acesso à cidade. Ainda que historicamente o
centro das cidades seja o “lugar” dos ricos e a periferia “o espaço” dos pobres, em
cidades pequenas, esta condição foi sumariamente acirrada com a construção dos
conjuntos habitacionais. Reproduz-se a condição de segregação socioespacial das
médias/grandes cidades e metrópoles. Destaca-se a falta de planejamento prévio
para atender a demanda dos novos bairros, ainda que tenham sido construídos por
demandas do próprio Estado. “Então a gente tinha os sem-casa e agora nós
estamos criando os “sem-cidade”” (ROLNIK, 2015).
Cf. BRASIL DE FATO. “Antes tínhamos os sem-casa, agora estamos criando os „sem-cidade‟”.
Acesso
em
15
mar.
2015.
Disponível
em:
http://www.brasildefato.com.br/node/31184#.VOc95Yw5uJU.facebook.
9
10
De acordo com Henri Lefebvre (2001, p. 25): “A consciência social vai deixar pouco a pouco de se
referir à produção para se centralizar em torno da cotidianidade, do consumo”.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados coletados pela pesquisa, até o momento, permitem concluir que o
espraiamento do perímetro urbano se deu, principalmente, em áreas periféricas, que
tinham outrora uso agrícola. Os loteamentos, em geral, são distantes do centro da
cidade, onde estão concentrados os principais equipamentos e serviços de uso
coletivo. Dessa forma, as cidades pequenas passam a reproduzir um modelo de
urbanização incompleta, assemelhando-se à formação das periferias dos médios e
grandes centros urbanos.
Analisando a construção de subúrbios na Paris do século XIX, Lefebvre
identifica um processo que, em certa medida, propicia a leitura crítica da construção
dos conjuntos habitacionais implantados pelo PMCMV.
11
a construção de habitats,
Isto se deu com
do tipo “pavilhão”, que se espraiou ao redor da capital
francesa. As comunidades suburbanas foram ampliadas de maneira desordenada.
Os espaços vazios foram preenchidos pelos grandes loteamentos e conjuntos
habitacionais. A análise do autor, embora relacionada a outro contexto, permanece
esclarecedora:
Como Engels previra, a questão da moradia, ainda que agravada,
politicamente desempenha apenas um papel menor. Os grupos e partidos
de esquerda contentam-se em reclamar “mais casas”. Por outro lado, não é
um pensamento urbanístico que dirige as iniciativas dos organismos
públicos e semipúblicos, é simplesmente o projeto de fornecer moradias o
mais rápido possível pelo menor custo possível. Os novos conjuntos serão
marcados por uma característica funcional e abstrata: o conceito
de habitat levado à sua forma pura pela burocracia estatal (LEFEBVRE,
2001, p. 26).
Nesse sentido, é preciso salientar que os cidadãos ganham e perdem ao
mesmo tempo. Embora tenham sido contemplados com a construção de moradias e
tenham se estabelecido nas tão “estimadas” casas próprias, deixam de participar da
11
Lefebvre (2001, p.23) diferencia os conceitos habitar e habitat. Para o autor o habitat é fruto de
uma estratégia política e ideológica, que suprime o habitar. Em suas palavras: “Até então, “habitar”
era participar de uma vida social, de uma comunidade, aldeia ou cidade. A vida urbana detinha, entre
outras, essa qualidade, esse atributo. Ela deixava habitar, permitia que os citadinos-cidadãos
habitassem”.
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cidade e da vida urbana. Ainda utilizando as ideias de Lefebvre (2001), embora a
realidade urbana seja mutilada e dissociada, e os problemas administrativos cada
vez mais difíceis de serem resolvidos, é necessário dizer que tais dilemas nos
inserem diretamente na cidade real.
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