RIT – Revista Inovação Tecnológica Volume 5, número 2 – 2015 ISSN: 2179-2895 Editor Científico: Alessandro Marco Rosini Avaliação: Melhores práticas editoriais da ANPAD A FERIDA DO OUTRO E A BUSCA DO DESENVOLVI MENTO INCLUDENTE, SUSTENTÁVEL, SUSTENTADO: ISTO É POSSÍVEL? Regina Maria da Luz Vieira, [email protected] RES UMO Este texto é uma resenha acadêmica com o objetivo de traçar um paralelo entre dois autores economistas europeus: um polonês, naturalizado francês, Ignacy Sachs (atualmente diretor da École dês Hautes Études em Scienses S – – , posteriormente, o Centro Internacional de Pesquisa sobre M eio Ambiente e Desenvolvimento) e o outro italiano: Luigino Bruni (estudioso da Economia de Comunhão na Liberdade, surgida no Brasil, em 1991, mas que se disseminou em diversos países tanto na Europa como em outros continentes). Os dois estudiosos apresentam uma mesma preocupação: a valorização das relações humanas e sociais para uma Economia mais includente, sustentável e sustentada e empresas de mercado que contribuam para relações sociais mais justas e equilibradas, capazes de criar uma economia tridimensional congregando os valores de liberdade e igualdade, mas também res gatando a fraternidade – considerado o Princípio Esquecido pela sociedade Pós-moderna – para esta sociedade do século XXI. Palavras-Chave: Desenvolvimento Social, globalização, desenvolvimento includente sustentável, economia e relações humanas, ferida do outro. Data do recebimento do artigo: 30/08/2015 Data do aceite de publicação: 05/09/2015 Regina Maria da Luz Vieira Enquanto Ignacy Sachs é reconhecido como ecossocioeconomista, com diversos estudos voltados para os países subdesenvolvidos e suas potencialidades, principalmente na América Latina, o economista italiano, historiador do pensamento econômico, interessado em filosofia e teologia, Luigino Bruni tem sua linha de pensamento voltada para a Economia Civil, com destaque para a Economia de Comunhão. Ele, em conjunto com o também economista, escritor e pesquisador italiano Stefano Zamagni, é co-fundador da Escola de Economia Civil e também é o coordenador da Comissão Internacional de Economia de Comunhão (EOC). Tanto Sachs quanto Bruni acreditam e buscam demonstrar que uma globalização mais includente pode contribuir para o chamado desenvolvimento sustentável em seus múltiplos aspectos. Consideram para isto a necessidade de novos paradigmas culturais e econômicos, os quais já estão sendo protagonizados por diversas ações na área d a Economia Civil na qual incluem a Economia Solidária e a Economia de Comunhão na Liberdade. ág v “D v v áv ” editado pela Garamond Universitária, em parceria com o SEBRAE, em 2008, articula a tese de um desenvolvimento sustentável como alternativa desejável e possível para promover a inclusão social, o bem-estar econômico e a preservação dos recursos naturais, de modo particular nos países em desenvolvimento. Ao longo dos seus quatro capítulos, Ignacy Sachs, tem como base as análises apresentadas pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e também os documento do PNUMA (Programa das Nações Unidas Para o M eio Ambiente) referindo-se, sobretudo, às potencialidades dos países latino-americanos, destacando o Brasil e a Argentina, onde considera que “ f ág ” j à çã (Sachs, 2008, p.11). Sendo especialista em problemas latino-americanos, de modo especial o Brasil, Sachs utiliza-se de metáforas e parábolas literárias para, partindo de relatórios do PNUM A, analisar o contexto em que está inserido seu trabalho e demonstrar que ainda há esperança no futuro pa x ê “fá g ”. A obra de Sachs divide-se em quatro capítulos, além de conter o Prefácio do renomado economista Celso Furtado, que no segundo parágrafo do texto questiona o fato do Brasil ter tido uma taxa de crescimento negativo no correr do último decênio, referindo-se aos anos 2000. De acordo com ele “ v j á v çã fá que os prisioneiros confundiram a realidade com as imagens projetadas na cavern ” (F ô , 2008, p.8), referindo-se ao mito da caverna em Platão. Já no capítulo 1 – Desenvolvimento e ética para onde ir na América Latina? – o autor deixa claro que no tocante à Revista Inovação Tecnológica, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 123-130, jul./dez. 2015 - ISSN 2179-2895 124 Regina Maria da Luz Vieira Argentina de hoje, somos espectadores de um a tragédia da vida desenvolvimentista da vida real, e não de uma tragédia literária [...] O colapso da Argentina signi fica o fim do Consenso de Washington e da versão neoliberal do fundamentalismo de mercado, tanto quanto o colapso ‘ ’ O ignificou o fim do estatismo e da economia de comando [...] (Sachs, 2008, p.9). f à . f g v f gilidade da sustentabilidade ambiental. Destaca ainda a visão do estudioso indiano Amartya Sem (1990) que afirma estarem interligadas economia e ética por duas questões de fundo: a questão das motivações humanas e a avaliação das conquistas sociais. 2 O capít “D v v h ” mostra a dimensão social da globalização segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e “ v v ã ”( h çõ 200 pam do processo .27). planeta são finitos e também a necessidade de superar as duas principais dificuldades ou problemas do século XX: o desemprego em massa e as desigualdades crescentes. Fala ainda do FM I e sua ação sobre diversas nações em desenvolvimento, tanto na América Latina quanto em países da Europa e da África. Trata-se do capítulo central da obra, contextualizando e articulando a tese central apresentada no capítulo anterior. “ g x v v v v ”( h 200 .3 ). em questão os microcréditos ou créditos para pequenos produtores, remete à experiência do Grameen Bank (criado por M uhammad Yunus, denominado banqueiro dos pobres) que atualmente opera de maneira sustentável, com a cobrança de taxas de juros consideradas moderadas. O capítulo 3 – “D v v ” h ó ao desenvolvimento includente em países menos U T D( f ê çõ U e o Desenvolvimento) que fazem uma análise precisa sobre a situação dos países menos desenvolvidos. É neste capítulo que Sachs ressalta a diferença entre sustentável e sustentado. O termo sustentado se refere à permanência do processo desenvolvimento, que para Sachs, também não significa apenas crescimento material, mas implica o fim das desigualdades sociais, do desemp g . “O x á v ê : f peças para montar uma estratégia de desenvolvimento triádica, visando uma ação direta para o bemestar da população e por fim anotações de uma agenda internacion ”. ( “I ã h : á h 200 .7 ). ú ” tema-título do capítulo 4, referindo-se a situação econômica e social do país ao longo da primeira Revista Inovação Tecnológica, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 123-130, jul./dez. 2015 - ISSN 2179-2895 125 Regina Maria da Luz Vieira década do século XXI quando economistas de renome como Celso Pastore afirmou que o Brasil vivia um tempo paradoxal de euforia no mercado financeiro e desespero no mercado de trabalho, período em que a economia teve um desempenho real considerado medíocre e com base nos relatórios apresentados a característica central do mercado em 2003 foi o aumento do trabalho precário, com a redução da quantidade de 907 mil empregados com carteira assinada no setor ã privado. x v ã “ v v social não deve esperar pelo desenvolvimento econômico e a sequência histórica seguida pelos v P v f ”. ( h 200 3-138). ã “ ‘fá transform g ‘ ’ x á f aproximadamente o tamanho dos diferentes nichos de oportunidades, aprofundando, ao mesmo tempo, a discussão sobre os obstáculos que devem ser removidos e as políticas públicas que se f á ”. (Sachs, 2008, p.151). Ele sugere a utilização dos dados contidos no relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) a fim de fazer uma estimativa do custo de diferentes empregos e, ao mesmo tempo, elaborar estratégias locais e regionais de desenvolvimento. Em função do tamanho do projeto proposto caberá ao M inistério do Trabalho fazer parcerias com diversos órgãos públicos e organismos civis para realizar o projeto e a gestão do mesmo. P v v “ F do Outro – çõ h ” pela Cidade Nova de Portugal e, posteriormente, publicado também no Brasil, traz em sua capa a imagem bíblica da luta de Jacó com o anjo que o fere na coxa em busca de justiça para a benção roubada ú ( v ê ô ) f xã . á v 200 ág f ê g áf , escritas em português de Portugal, consta de sete capítulos densos e mostra as origens não só do pensamento econômico e suas inter-relações culturais, mas traça um paralelo entre o pensamento clássico, a visão pré-moderna, a visão moderna da economia e as relações culturais. Luigino Bruni começa a Introdução descrevendo uma cidade totalmente virtual em que todos os relacionamentos são também virtuais (por skype, e- ). f “ onde os conflitos foram realmente eliminados, porque se diminuiu até a pré-condição do conflito, ”( que é insistir que haja um espaç 20 0 . ). g autor pergunta aos leitores se desejariam viver numa cidade como esta e afirma sua esperança de que respondam sim, porque este cenário estilizado aproxima-se muito da realidade que está a surgir nas cidades que actualmente se imaginam e projectam nas nossas sociedades de mercado. Mercado, sim, porque o mercado e a lógica de mercado é precisam ente aquilo que mais determina este tipo de cenário. (Bruni, 2010, p.10). Revista Inovação Tecnológica, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 123-130, jul./dez. 2015 - ISSN 2179-2895 126 Regina Maria da Luz Vieira O autor esclarece ainda que o livro pretende oferecer algumas explicações sobre a razão pel a qual está a surgir um tal cenário, e t alvez, dar algumas pistas de reflexão àqueles que (como eu) estão muito preocupados com ess a perspectiva Há um a imagem e uma intuição que estão na origem deste texto: a imagem é a luta de Jacob, tal como é narrado no Génesis. A intuição é o vínculo indissolúvel entre “f ” “ çã ” á humanos autênticos. (Bruni, 2007, p.10). A partir disso, Bruni destaca que todos, em determinado momento da vida, realizam a experiência que determina o início da plena maturidade, compreendendo por si mesmo que só x “ çã g ” do outro. Ou seja, não há v f g f h “ se atravessar o território escuro e perigoso do outro, e que, qualquer forma de se escapar a esta luta ou a esta agonia leva inevitavelmente a uma condição humana sem alegria”. Num certo sentido, resume-se nisto a ideia que originou este livro, que contém “uma tentativa de fazer dialogar a economia com esta ‘ ’ f çã No capítulo 1 – “O ”. (Bruni, 2010, p.10). j ” – o autor destaca quatro aspectos: a radical ambivalência da vida em comum; a comunidade trágica; a mediação do Absoluto e a descoberta do tu, na qual o anjo torna-se o outro. Já o capítulo 2 – “ - v v g : ê ‘ g ’ ( ã ) g ” h; beneficência e a reciprocidade (valor chave na Economia de Comunhão). A responsabilidade das empresas, mercado e hierarquia são os assuntos presentes no capítulo 3 – “Q ?I 4f ‘ ê :“ f h ág ”. O ” gratuidade, mostrando o amor humano, uno e múltiplo e o bem comum. O capítulo 5 –“ g ” - trata da felicidade pública, da economia civil, de relacionamentos e bem-estar, do paradoxo da infelicidade opulenta e conclui com uma avaliação crítica do debate sobre economia e felicidade. O capítulo 6 – “O ” –apresenta os relacionamentos como bens que a economia tradicional não consegue ver; os bens relacionais; os relacionamentos á á f ‘o inferno são os outros’. O capítulo 7, que é o último intitula- “O g f ô v ” mostrando um olhar diferente sobre a Economia e ainda os carismas e inovação. Na Conclusão, o “ ç ” áf g ã apenas na capa do livro, mas na Introdução. Recorda que a realidade p resente nas cidades modernas está muito próxima desta cidade ideal uma vez que estas se imaginam e se projetam nas nossas sociedades de mercado exatamente neste cenário de redução dos espaços públicos e com o máximo Revista Inovação Tecnológica, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 123-130, jul./dez. 2015 - ISSN 2179-2895 127 Regina Maria da Luz Vieira de contato por meios tecnológicos. Bruni lembra ainda que a própria tradição sociológica e a f óf “ v ê x v áv h ” Immanuel Kant. (Bruni, 2010, p.193). Nesta Conclusão ele também deixa claro que o livro, bem como o projeto de investigação do f f xã v ã ó “ h ú ”. T g ã f -se também de uma tentativa de indicar, mesmo se de longe, caminhos alternativos para os parodoxos aos quais faz referência ao longo dos vários capítulos. No tocante aos caminhos alternativos, o autor se remete a experiências econômicas nas quais está presente a gratuidade vivida nas relações com o outro que, muitas vezes é dolorosa. São experiências da economia civil as quais, de modo consciente, deseja mostrar que é possível ter a esperança de uma vida mais feliz construindo relações reais. É isto que esta obra pretende transmitir. Com relação às duas obras resenhadas verifica-se que mesmo sendo dois autores contemporâneos suas bibliografias só têm em comum os pesquisadores: Amartya Sen e M uhammed Yunus, o banqueiro dos pobres. Entretanto, os temas convergem, principalmente, os cap. 3, 6 e 7 do v “ F O ” f çã ” . 2 4 “D v v áv v v ç necessidade das relações humanas valorizadas como bens relacionais tanto nas empresas como no mercado. É importante lembrar que são pessoas e não apenas máquinas que trabalham nas vv h ‘ ’ já teorias econômicas tradicionais. Além disso, a preocupação com uma globalização mais justa e includente perspassa as duas publicações, em diversos momentos. Revista Inovação Tecnológica, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 123-130, jul./dez. 2015 - ISSN 2179-2895 128 Regina Maria da Luz Vieira REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS BRUNI, L. (2010). A ferida do outro. Economia e relações humanas. (A. Rosário, A. Psotiga, A. Antão, A. Nogueira, M . Panão, R. Cordeiro, S. Cunha, trad.). Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova. BRUNi, L. (2007). La ferita dell’altro. Trento, Itália: Casa Edritrice Il M argine. BRUNI, L., Zamagni, S. (2010). Economia civil. eficiência, equidade, felicidade pública. (D. 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The two students have the same concern: the enhancement of human and social relations to a more inclusive, sustainable and sustained economy and market businesses that contribute to fairer and more balanced social relations, able to create a three-dimensional economy bringing the values of freedom and equality, but also rescuing the fraternity - considered the Principle forgotten by the post-modern society - for society of XXI century. Keywords: Social Development, globalization, sustainable inclusive development, economy and human relations, wounded another. Revista Inovação Tecnológica, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 123-130, jul./dez. 2015 - ISSN 2179-2895 130