CAPÍTULO II INTRODUÇÃO À FÍSICA DOS PLASMAS

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CAPÍTULO II
INTRODUÇÃO À FÍSICA DOS PLASMAS
2.1. INTRODUÇÃO
Suponhamos que temos um bloco de gelo (água no estado sólido) dentro de um recipiente
metálico. Se fornecermos energia (por exemplo, calor) ao bloco de gelo, todos sabemos que
ao fim de algum tempo o gelo derreteu e passamos a ter água no estado líquido. Continuando
a fornecer energia ao sistema, atingiremos uma fase em que uma parte significativa, no limite
toda, a água está sob a forma de vapor de água, ou seja, no estado gasoso. Prosseguindo o
fornecimento de energia ao sistema, as moléculas de vapor de água movem-se cada vez com
maior velocidade (agitação térmica) e colidem com maior frequência umas com as outras.
Quando a energia é suficientemente elevada, as colisões entre duas moléculas pode conduzir à
criação de dois iões e de dois electrões. Ou seja, passamos a ter um meio ionizado constituído
por moléculas neutras de água, iões (cargas eléctricas positivas) e electrões (cargas eléctricas
negativas). Continuando a fornecer energia ao sistema, poderemos atingir as condições para
que o meio possa ser considerado um plasma1,2.
O estado de plasma é normalmente designado como o quarto estado da matéria. A
vizinhança das estrelas e o espaço inter-planetário encontram-se no estado de plasma. É, por
isso, corrente afirmar que 99% do Universo está no estado de plasma. Uma excepção é a
Terra, devido às suas baixas temperaturas que permitem a vida animal e vegetal à sua
superfície.
1
2
É importante chamar a atenção do leitor para o facto de nem todos os meios ionizados serem plasmas.
Ver secção.
2.2. DEFINIÇÃO DE PLASMA
Um plasma é um meio ionizado, quase neutro, com comportamento colectivo.
Já vimos na secção anterior o que significa um meio ionizado. Vamos agora ver o
significado de “quase neutro” e de “comportamento colectivo”.
“Quase neutro” significa que, salvo condições especiais que serão referidas na secção
2.3.3, num plasma o número de cargas positivas (iões) é igual ao número de cargas negativas
(electrões) (Figura 2.1).
Figura 2.1 – Representação esquemática de um plasma
O movimento das partículas neutras de um gás é condicionado pelas colisões entre as suas
moléculas, ou seja, por forças de pequeno alcance. Estamos perante o chamado
comportamento individual em que o movimento de cada partícula é essencialmente
condicionado pelas suas colisões com as partículas vizinhas.
Tudo é diferente num meio ionizado, cujas partículas carregadas exibem o chamado
comportamento colectivo. De facto, o movimento de uma partícula deste meio não é
condicionado pelas partículas carregadas vizinhas, mas sim pelas partículas carregadas que se
encontram a grande distância da partícula alvo. Este facto acontece porque, apesar da força de
interacção diminuir com o quadrado da distância3, o número de partículas situadas dentro do
ângulo sólido cujo vertice está na partícula alvo aumenta com o cubo da distância. Ou seja, a
força de interacção aumenta com r (Figura 2.2).
Figura 2.2 – Forças de longo alcance num meio ionizado
3
De acordo com a Lei de Coulomb
1
2.3. PARÂMETROS CARACTERÍSTICOS DE UM PLASMA
2.3.1. Densidade
A densidade designa o número de partículas por unidade de volume (m3 ou cm3).
Num gás ionizado, é necessário distinguir entre a densidade das partículas neutras (nn),
dos iões (ni) e dos electrões (ne). Num plasma verifica-se normalmente a relação
n ≅n
i
e
(2.1)
A Tabela 2.1 apresenta os valores típicos das densidades electrónica e iónica de alguns
plasmas mais frequentes no universo, nos laboratórios ou em aplicações comerciais.
2.3.2. Temperatura
O conceito de temperatura (T) num gás neutro está associado à largura da distribuição
Maxweliana das velocidades das suas partículas em equilíbrio termodinâmico:
mv 2
f (v) = A e 2 KT
−
(2.2)
em que m e v representam a massa e a velocidade da partícula e K é a constante da
Boltzmann.
A Figura 2.3 apresenta as funções de distribuição de velocidades de dois gases em
equilíbrio termodinâmico. O gás que possui a distribuição “mais larga” é o que tem maior
temperatura.
Figura 2.3 – Funções de distribuição de velocidades de dois gases em equilíbrio termodinâmico
Num gás ionizado é necessário distinguir as temperaturas das partículas neutras (Tn), dos
iões (Ti) e dos electrões (Te), dado que cada uma destas espécies de partículas pode estar num
equilíbrio termodinâmico. No caso dos meios ionizados imersos num campo magnético
estático, usado normalmente para o seu confinamento, é ainda necessário distinguir para cada
2
espécie de partículas carregadas (iões ou electrões) entre as temperaturas nas direcções
paralela e perpendicular ao campo magnético. Estas diferentes temperaturas resultam do facto
do campo magnético actuar de forma distinta nas partículas carregadas que possuem, nos
casos limites, velocidades paralelas ou perpendiculares ao campo magnético (Lei de Lorentz).
F = q v×B
(2.3)
em que q e v representam a carga e a velocidade da partícula e B é o campo magnético
estático.
Como podemos ver na Tabela 2.1, existem plasmas caracterizados por Ti<<Te (por
exemplo, o plasma de uma lâmpada flurescente) e Ti>Te (por exemplo, um plasma de fusão).
As temperaturas das partículas carregadas de um plasma são normalmente expressas em
electrão-volt (eV). Um electrão-volt é a energia de um electrão sujeito a uma diferença de
potencial de 1 Volt. Ou seja:
1 eV = 1.6 × 10 −19
Joules
(2.4)
Como a energia térmica (Et) é dada por
Et = KT
(2.5)
em que K é a constante de Boltzmann (K = 1.38×10-23 J/oK), podemos concluir que
1 eV ≅ 11600 o C
Plasma
Densidade
(2.6)
106
Temperatura
Electrónica Iónica
0.01
Ionosfera
1011
0.05
Reactor de Fusão
1021
10 000
Descarga eléctrica
1015
2
5×106
50
10
109
1 000
1
Espaço interplanetário
Tokamak JET
Tokamak ITER
Tokamak ISTTOK
Vento solar
Cintura de Van Allen
Tabela 2.1 – Densidade e temperaturas típicas de alguns dos plasmas mais frequentes
2.3.3. Distância de Debye
Uma carga eléctrica (q) colocada num ponto do vácuo cria um campo eléctrico electrostático
3
E = − grad V
(2.7)
em que
V =
1
q
4πε 0 r
(2.8)
onde r representa a distância do ponto onde medimos o campo eléctrico à carga.
Quando a mesma carga é imersa num plasma existem três diferenças fundamentais
resultantes do facto deste meio possuir cargas eléctricas:
As cargas de sinal contrário são atraídas para a vizinhança da carga teste, de modo a curtocircuitarem o potencial que foi aplicado ao plasma (Figura 2.4);
Figura 2.4 – Blindagem de uma carga eléctrica imersa num plasma
O potencial criado pela carga teste vai cair mais rapidamente no plasma do que no vácuo
(Figura 2.5).
Figura 2.5 – Variação no espaço do potencial criado por uma carga eléctrica imersa no vácuo e num plasma
A neutralidade do plasma é destruída numa região à volta da carga teste, uma vez que
existirá um excesso de cargas com sinal oposto ao da carga teste.
4
A extensão desta região de não-neutralidade e a forma como o potencial decai no espaço
dependem de um parâmetro do plasma chamado distância de Debye (λD). De uma forma
qualitativa, baseada nos mecanismos físicos que suportam a blindagem da carga teste,
podemos desde já concluir que a distância de Debye deve ser proporcional à temperatura
electrónica e inversamente proporcional à densidade dos electrões. De facto, quanto maior for
a temperatura dos electrões, maior é a probabilidade destas partículas carregadas se escaparem
da força de atracção resultante da Lei de Coulomb, pelo que maior deverá ser a largura da
“bainha de carga espacial” que se forma em redor da carga teste. De modo inverso, quanto
maior for a densidade do plasma menor deverá ser a extensão da “bainha de carga espacial”
porque há mais partículas para blindarem a carga teste.
Do ponto de vista quantitativo, podemos chegar às conclusões referidas no parágrafo
anterior resolvendo a equação de Poisson.
lap V =
e
ρ
=−
(n − n )
ε
ε i e
o
o
(2.9)
em que, admitindo que os iões não são afectados pelo potencial eléctrico,
n =n
i
o
(2.10)
e
eV
KT
n =n e e
e
o
(2.11)
Esta equação pode ser obtida integrando a função de distribuição maxweliana dos
electrões na presença de um potencial eléctrico


1

−  mu 2 − eV 
2



KT
e
f (u ) = A e
(2.12)
e significa que existem mais (menos) electrões nas regiões do espaço onde o potencial elétrico
é mais positivo (negativo).
Substituindo (2.11) e (2.10) em (2.9), e admitindo movimento dos electrões apenas na
direcção do eixo dos Xs, obtemos
5
eV


2
KT
d V
e 
e
=−
n
−
n
e
 o o
2
ε
dx
o









(2.13)
Nas regiões em que
eV
«1
KTe
(2.14)
podemos fazer o desenvolvimento em série de Taylor da exponencial, o que conduz a
2


n e
d 2V
eV
1  eV 

o
+ ...... − 1
1+
=+
+



2
ε
KT
2 KT
dx
o 
e

 e


n e2
= o
ε KT
o e
(2.15)
desprezando os termos de ordem superior à primeira.
A equação (2.15) admite uma solução da forma
x
λ
V ( x) = V e D
o
−
(2.16)
em que
λ
D
=
ε KT
o e
n e2
o
(2.17)
2.3.4. Frequência de plasma
Quando uma partícula carregada de um plasma é afastada da sua posição de equilíbrio, cria-se
um campo eléctrico que a faz regressar à sua posição de equilíbrio (Figura 5b). Quando a
posição de equilíbrio é novamente atingida, a partícula está animada de energia cinética, pelo
que inicia um movimento retardado no sentido contrário. Quando a velocidade é finalmente
anulada, a partícula está localizada numa posição simétrica à inicial em relação à posição de
equilíbrio (Figura 5c). Cria-se, novamente, um campo eléctrico que força, novamente, a
partícula a regressar à sua posição de equilíbrio, repetindo-se o processo atrás descrito. Quer
dizer, quando uma partícula carregada de um plasma é afastada da sua posição de equilíbrio
6
gera-se um processo oscilatório caracterizado pela chamada frequência de plasma. Como os
electrões e os iões possuem massas muito diferentes, é de esperar que as frequências de
plasma dos electrões (fpe) e dos iões (fpi) sejam diferentes.
A relação entre a frequência de plasma, a massa da partícula e a densidade do plasma pode
ser calculada resolvendo o seguinte sistema de equações:
Figura 5 - Oscilação de um electrão em torno da sua posição de equilíbrio
m
dv
= − eE
dt
(2.18a)
div E =
ρ
ε
o
(2.18b)
div J +
∂ρ
=0
∂t
(2.18c)
admitindo que:
(i)
Cada grandeza é composta pela soma de um termo de equilíbrio e por uma perturbação
de primeira ordem
(ii)
n =n +n
e eo
e1
(2.19)
n =n +n
i io
i1
(2.20)
v= v + v
o 1
(2.21)
E= E + E
1
o
(2.22)
ni1=0 (os iões estão parados), neo=nio=no (devido à neutralidade do plasma), vo =0 (o
plasma está em repouso na situação de equilíbrio e Eo=0 (devido à neutralidade do
plasma na situação de equilíbrio);
(iii) Desprezamos os termos de ordem superior à primeira;
(iv)
As soluções são do tipo onda plana
s(r , t ) = S e
o
j (ωt − kz )
(2.23)
Nas condições referidas no parágrafo anterior, o sistema de equações (2.18) pode ser
escrito na forma:
7
jω mv = −e E
1
1
(2.24a)
e
− jkE = −
n
1
ε 1
o
(2.24b)
− e n (− jk )v + jω (−e)n = 0
o
1
1
(2.24c)
de onde concluimos que:
eE
v =− 1
1
jω m
(2.25)
n kv
n = o 1
1
ω
(2.26)
e
pelo que
n e2
− jkE = − o
1
ε ω2
o
E
1
jm
(2.27)
ou seja
 ω2

pe
kE 1 −
1
ω2




=0



(2.28)
com
n e2
2
ω = o
pe mε
o
(2.29)
ω = ±ω
(2.30)
A equação (2.28) implica que
pe
ou seja, um electrão de um plasma afastado da sua posição de equilíbrio vai descrever um
movimento oscilatório, com uma frequência que é directamente proporcional à carga e
inversamente proporcional à massa da partícula. Este resultado significa que a frequência de
plasma dos electrões (fpe) é maior que a frequência de plasma dos iões (fpi), razão porque
usualmente no estudo de fenómenos ondulatórios de alta frequência se considera que os iões
estão em repouso.
O modelo descrito anteriormente é ideal e muito simples, dado que consideramos o
plasma infinito, frio (Te=Ti=0), sem colisões (υ=0) e não confinado por um campo magnético
8
estático. Por exemplo, se o plasma for finito ou se existir temperatura electrónica, as
oscilações transformam-se em ondas electrónicas de plasma. Se considerarmos a existência
de colisões entre partículas, a amplitude das oscilações vai diminuir no tempo. Do ponto de
vista matemático, estas alterações decorrem do facto da força que actua sobre o electrão
passar a ser dada por
F = −e E − γ KT grad n − mυv
(2.31)
em que o segundo termo representa a força devida à pressão e o terceiro termo as forças de
colisão.
2.3.5. Frequência ciclotrónica
Os plasmas laboratoriais estão, normalmente, sujeitos à acção de um campo magnético
estático4 que procede ao seu confinamento, impedindo que o plasma contacte com as paredes
do recipiente onde está contido5. O chamado confinamento magnético resulta do facto das
partículas carregadas de um plasma descreverem órbitas circulares em torno das linhas de
força do campo magnético, com um raio designado por Raio de Larmor dado por:
v
r = ⊥
L ω
c
(2.32)
onde v⊥ representa a componente da velocidade da partícula no plano perpendicular ao campo
magnético e ωc representa a frequência angular ciclotrónica dada por
ωc =
qB
m
(2.33)
onde q e m são, respectivamente, o módulo da carga e a massa da partícula carregada e B é a
intensidade do campo magnético.
As fórmulas (2.32) e (2.33) permitem tirar duas conclusões importantes: (i) Os electrões e
os iões possuem diferentes frequências ciclotrónicas, em resultado não só das suas diferentes
massas, mas também das suas possíveis diferentes temperaturas (as quais determinam o valor
da velocidade); (ii) O aumento da intensidade do campo magnético conduz à diminuição do
raio de Larmor, ou seja, a um melhor confinamento das partículas carregadas, e ao aumento
da frequência ciclotrónica.
4
Dependendo da sua intensidade, este campo magnético pode ser criado por ímans, bobinas de cobre (com ou
sem arrefecimento próprio) e por bobinas supercondutoras.
5
O contacto do plasma com o recipiente onde está contido pode ter três consequências negativas: (i) o plasma
ficaria mais frio dado que uma parte da sua energia seria transferida para a parede; (ii) a parede do recipiente
poderia ficar danificada devido à energia muito elevada do plasma; (iii) o nível de impurezas no plasma seria
aumentado, o que conduz ao acréscimo das perdas de energia por radiação.
9
A dedução das expressões (2.32) e (2.33) pode ser feita resolvendo a equação do
movimento de uma partícula carregada (q, m) num campo magnético (B).
dv
m
= qv × B
dt
Admitindo um sistema de coordenadas cartesianas tal que
B = Bu
z
(2.34)
(2.35)
e
v(0) = vox u
x
(2.36)
podemos escrever a equação vectorial (2.34) na forma de um sistema de três equações
escalares
m
dv x
y
= q Bv
dt
(2.37a)
m
y
dv
= −q B v x
dt
(2.37b)
m
dv z
=0
dt
(2.37c)
Derivando a equação (2.37a) em ordem ao tempo e substituindo (2.37b) no resultado
obtemos
y
d 2 v x qB dv
=
m dt
dt 2
(2.38)
qB  qB  x
=
−
v
m m
que podemos escrever na forma
d 2v x
+ ω 2v x = 0
c
2
dt
(2.39)
qB
ω =
c m
(2.33)
em que
10
A equação (2.39) é a bem conhecida equação do movimento de um oscilador harmónico
simples, a qual admite uma solução do tipo
v x (t ) = v0 cos(ω t + α )
c
(2.40)
em que vo e α são duas constantes de integração
Substituindo (2.34) em (2.37a) obtemos
y
v (t ) = v sen(ω t + α )
0
c
(2.41)
Integrando as equações (2.34) e (2.35) obtemos as expressões para a variação no tempo
das coordenadas x e y.
vo
sen(ω t + α ) + x
c
o
ω
c
(2.42)
vo
y (t ) =
cos(ω t + α ) + y
c
o
ω
c
(2.43)
x(t ) =
A trajectória da partícula no plano perpendicular ao campo magnético pode ser calculada
somando os quadrados das equações anteriores
( x(t ) − x )2 + ( y (t ) − y )2 = r 2
o
o
L
(2.44)
ou seja, a partícula carregada descreve uma circunferência de raio
vo
r =
L ω
c
(2.32)
ao redor de uma linha de força do campo magnético (Figura 2.6).
A integração da equação (2.38c) conduz a
Figura 2.6 – Movimento de uma partícula carregada no plano perpendicular ao campo magnético
v z (t ) = cons tan te
11
(2.45)
pelo que duas situações podem ocorrer: (i) A velocidade da partícula no instante zero não tem
componente paralela ao campo magnético. Neste caso:
v z (t ) = 0
(2.46)
z (t ) = z
(2.47)
e
0
o que significa que a partícula apenas tem movimento no plano perpendicular ao campo
magnético; (ii) Se a velocidade da partícula tiver no instante zero componente paralela ao
campo magnético (v0z), então
v z (t ) = v 0 z
(2.48)
e
z = v0z t + z
0
(2.49)
o que significa que o movimento da partícula será uma hélice à volta de uma linha de força do
campo magnético (Figura 2.7).
Figura 2.7 – Movimento de partículas electrizadas num campo magnético
Figura 2.8 – Movimento de iões e electrões num campo magnético
O sentido da rotação das partículas carregadas em torno das linhas de força de um campo
magnético pode ser determinado através do Princípio da Acção e da Reacção. Cada partícula
vai girar no sentido em que origina uma corrente eléctrica que cria um campo magnético de
sentido oposto ao do campo que originou o movimento (Figura 2.8).
Na prática o movimento das partículas carregadas num campo magnético é bem mais
complexo. Em primeiro lugar, porque o campo magnético não é homogéneo (podem existir
12
gradientes do campo perpendiculares ou paralelos à direcção do campo e as linhas de força
são curvas). Em segundo lugar porque a distribuição de partículas carregadas não é uniforme.
2.3.6. Resistividade eléctrica
Quando um plasma é sujeito à acção de um campo eléctrico exterior (E), os seus iões e
electrões vão-se mover na direcção do campo eléctrico, embora em sentidos opostos.
Contudo, como as cargas eléctricas dos iões e dos electrões têm sinais contrários, estes
movimentos das partículas carregadas do plasma dão origem a uma corrente eléctrica (j) no
sentido do campo eléctrico tal que
E =η j
(2.50)
em que η representa a resistividade do plasma.
A resistividade de um plasma depende do seu grau de ionização, da função de distribuição
dos electrões e iões e do tipo de colisões dominantes. Segundo Spitzer, a resistividade de um
plasma totalmente ionizado, em que as colisões do tipo Coulomb são dominantes, em que os
iões estão parados e os electrões têm uma função de distribuição Maxweliana é dada por
η=
πe2m1 / 2
ln Λ
(kT )3 / 2
e
(2.51)
em que
λ 
Λ= D
 r 
 o  av
(2.52)
sendo r0 o parâmetro de impacto das colisões de Coulomb (Figura 2.9). Os valores típicos de
ln Λ são 6 para um plasma com KTe=0.1 eV e n0=1018 m-3, 15 quando KTe=100 eV e n0=1019
m-3 e 17 se KTe=10 000 eV e n0=1021 m-3.
Figura 2.9 – Representação esquemática de uma colisão do tipo Coulomb
A análise da equação (2.51) permite tirar algumas considerações importantes:
(i) A resistividade é praticamente independente da densidade do plasma (a dependência de η
com n0 está apenas implicita no termo ln Λ). Este resultado significa que a corrente gerada
13
pela aplicação de um campo eléctrico a um plasma tem uma intensidade que é independente
da densidade do plasma. Este resultado resulta do facto do aumento de ne aumentar a corrente
de plasma, mas também a densidade dos iões, o que origina um aumento da fricção ao
movimento dos electrões. Como ne=ni os dois efeitos cancelam-se, pelo que a intensidade da
corrente não depende da densidade do plasma.
(ii) A resistividade do plasma diminui com (KTe)3/2. Este resultado significa que, para
temperaturas superiores a 1000 eV, a resistividade do plasma é praticamente nula. Ou seja,
um plasma não pode ser aquecido por efeito de Joule para temperaturas superiores a 1 keV.
Acima deste valor, os plasmas de fusão são aquecidos através dos chamados métodos
auxiliares (injecção de feixes de potência de partículas neutras ou de rádio-frequência numa
frequência de ressonância do sistema).
A Tabela 2.2 compara os valores típicos das resistividades de um plasma com o cobre, aço
inox e mercúrio.
Meio
Resistividade (ohm.cm)
Plasma com kTe=100 eV
5×10-5
Cobre
2×10-6
Aço inox
7×10-5
Mercúrio
10-4
Tabela 2.2 – Valores da resistividade de meios condutores
2.3.7. Valores típicos destas grandezas
A Tabela 2.3 apresenta os valores dos parâmetros definidos nesta secção para alguns plasma
típicos.
Plasma
no
Te
B
fpe
fce
rL λD
(m-3) (eV) (T) (MHz) (MHz)
ITER
JET
ISTTOK
Feixe-plasma
Tabela 2.3 – Valores de alguns parâmetros de plasma típicos
14
2.4. CONDIÇÕES DE PLASMA
Já dissemos anteriormente que nem todos os meios ionizados são plasmas. Existem três
condições para que um meio ionizado possa ser considerado um plasma
N »1
D
(2.53)
L»λ
(2.54)
f
D
, f »υ
pe ce
(2.55)
em que ND representa o número de partículas no interior de uma esfera com raio igual à
distância de Debye, L é a dimensão característica do plasma e ϑ é a frequência das colisões
dominantes.
A condição (2.53) é necessária para que seja possível definir uma função de distribuição
de velocidades das partículas carregadas do plasma. A condição (2.54) garante a neutralidade
do plasma6 e a condição (2.55) assegura o comportamento colectivo7.
2.5. ONDAS E INSTABILIDADES
2.5.1. Introdução
O estudo da propagação de ondas em plasmas ocupa, quase sempre, uma parte significativa de
qualquer livro de “Introdução à Física dos Plasmas”. A importância deste assunto resulta das
seguintes razões fundamentais:
Um plasma é um meio complexo8, inhomogéneo9 e dispersivo10, factores que contribuem
para a complexidade, ou mesmo para a impossibilidade, de definir modelos analíticos para
a geração e a propagação de ondas;
Os plasmas laboratoriais estão, normalmente, imersos num campo magnético e contidos
num recipiente metálico, factores que dificultam a modelização analítica da propagação de
ondas11;
Em distâncias inferiores a λD o plasma pode não ser neutro, devido à aplicação de potenciais ao meio ionizado.
Quando ϑ ≅ fpe, fce as colisões têm um papel determinante no movimento das partículas carregadas do plasma,
o que destroi o comportamento colectivo.
8
A descrição de um plasma, utilizando as equações dos fluídos ou a teoria cinética, é uma tarefa bastante
complicada.
9
A densidade e a temperature dos electrões e dos iões variam ao longo do espaço (por exemplo, nas direcções
axial e radial de um dispositivo experimental).
10
Meio dispersivo significa que a velocidade de fase de uma onda depende da sua frequência.
11
A propagação guiada de onda electromagnéticas no vácuo conduz a alterações importantes em relação à
propagação em espaço livre: (i) Nem todos os modos se podem propagar; (ii) Para cada modo, existe uma
frequência abaixo da qual a propagação não é possível; (iii) A relação entre a frequência e o número de onda
deixa de ser linear.
6
7
15
Sendo um plasma um meio activo, podem-se criar condições que conduzem à geração de
ondas cuja amplitude cresce no tempo (instabilidades absolutas) ou no tempo e no espaço
(instabilidades convectivas). Estas instabilidades podem causar problemas ao equilíbrio e
à estabilidade do plasma, pelo que o seu controlo constitui um dos problemas básicos da
Física dos Plasmas;
A injecção de ondas em plasmas constitui a base de algumas importantes técnicas de
disgnóstico dos plasmas12;
A injecção de feixes de ondas, de elevada potência, constitui a base de alguns métodos de
ionização do gás que origina o plasma, de geração não-indutiva de corrente em
dispositivos experimentais de geometria toroidal e de aquecimento suplementar do
plasma.
O estudo da propagação de ondas num plasma é feito, normalmente, resolvendo o sistema
de equação constituído pelas equações de Maxwell, as equações de conservação da carga
eléctrica e as equações do movimento das partículas carregadas.
2.5.2. Ondas electrostáticas e ondas electromagnéticas
No estudo da propagação de ondas em plasmas é costume considerar dois tipos distintos de
ondas: as electrostáticas e as electromagnéticas.
Uma onda electrostática é caracterizado pelo facto do seu campo eléctrico verificar a
condição
E = − grad V
(2.56)
rot E = 0
(2.57)
ou seja
Esta condição escrita para ondas planas
− jk × E = 0
(2.58)
significa que o k seja paralelo a E . Ou seja, as ondas electrostáticas são ondas longitudinais,
dado que o campo eléctrico da onda é paralelo à direcção de propagação.
Uma onda electrostática é caracterizada pela existência de um campo eléctrico (E) e de
um campo magnético (B) que verificam as equações de Maxwell. Estas equações, escritas
para ondas planas
12
Por exemplo, a interferometria e a reflectometria.
16
− jk × H = J + j ω ε E
− jk × E = − j ω µ H
1
− jk ⋅ E =
ρ
ε
o
− jk ⋅ H = 0
(2.59)
(2.60)
(2.61)
(2.62)
permitem concluir que, fora das fontes (J=0 e ρ=0), as ondas electromagnéticas são ondas
transversais, já que, como
e
− jk ⋅ E = 0
(2.63)
− jk ⋅ H = 0
(2.64)
os campos E e H são perpendiculares à direcção de propagação.
2.5.3. Diagrama de dispersão
Uma onda é caracterizada por uma frequência angular (ω) e por um número de onda (k), que
estão relacionados entre si pela chamada equação de dispersão.
A equação de dispersão, que é simples no caso da propagação de ondas electromagnéticas
no vácuo
ω=kc
(2.65)
complica-se quando estudamos a propagação destas ondas num plasma frio, infinito, sem
colisões e não sujeito à acção de um campo magnético estático13
ω2 = ω
pe
+ c2 k 2
(2.66)
e ainda mais quando se verificam algumas das situações a seguir referidas: (i) o plasma está
confinado por um campo magnético; (ii) a direcção de propagação não é paralela ao campo
magnético; (iii) os electrões e/ou os iões possuem temperatura; e (iv) o meio está contido num
guia cilíndrico ou toroidal.
Por exemplo, a equação


 ω2

ω2
ω2
ω2
pe
pb
pe
pb




2
2
p 1 −
−
+ k 1 −
−


2
2 (ω − k v )2 − ω 2
ω 2 (ω − k v )2 
 ω −ω


ce
b
ce 
b 


13
Ver secção ………
17
(2.67)
é a relação de dispersão de ondas electrostáticas num sistema de interacção feixe-plasma,
contido num guia de geometria cilíndrica, imerso num campo magnético estático. Nesta
equação, p representa o número de onda radial, ωpe e ωpb são as frequências de plasma dos
electrões do plasma e do feixe, ωce é a frequência ciclotrónica dos electrões e vb é a
velocidade do feixe.
As soluções das equações de dispersão, que no caso simples da equação (2.65) são reais,
podem ser complexas quer em k
k = k + jk
r
i
(2.68)
ω = ω + jω
r
i
(2.69)
quer em ω
o que conduz a ondas cuja amplitude diminui ou aumenta no tempo ou no espaço, consoante o
meio seja passivo ou activo. No primeiro caso, se kr=0 e ωi=0 temos as ondas evanescentes.
Na segunda situação estamos perante instabilidades.
Os diagramas de dispersão são representações gráficas das equações de dispersão, cuja
complexidade depende do grau em ω e em k da respectiva equação de dispersão14. Em muitos
casos, a resolução matemática da equação de dispersão conduz a soluções complexas
conjugadas. Nestes casos, a escolha do sinal da parte imaginária é feita a partir de
considerações de ordem física15.
A análise de um diagrama de dispersão permite definir as zonas de propagação e
determinar as frequências de corte e as frequências de ressonância do sistema.
A frequência de corte corresponde à situação em que o número de onda é nulo. Quando
uma onda se propaga num meio inhomogéneo e atinge uma região em que a frequência da
onda é igual à frequência de corte, a onda é reflectida. Este facto é usado na propagação de
ondas-curtas16 e no desenvolvimento de uma técnica importante de diagnóstico de um plasma:
a reflectometria.
As frequências de ressonância correspondem à situação em que o número de onda é
infinito. Quando uma onda atinge uma região de ressonância, a energia da onda é absorvida
pelo meio. Este resultado constitui o princípio de funcionamento dos métodos auxiliares de
aquecimento de um plasma, baseados na injecção de feixes de potência de ondas de
A equação (2.67) é do oitavo grau em ω e do sexto grau em k.
Ver secção ….
16
As ondas curtas são reflectidas pelo plasma da ionosfera da Terra.
14
15
18
radiofrequência. Para isso, é preciso garantir que a frequência das ondas é igual a uma das
frequências de ressonância da região onde pretendemos aquecer o plasma.
Os diagramas de dispersão permitem, ainda, determinar graficamente as velocidades de
fase e de grupo. De facto (Figura 2.10):
vf =
ω
= cotg α
k
(2.70)
vg =
∂ω
= cotg β
∂k
(2.71)
e
Figura 2.10 – Determinação gráfica das velocidades de fase e de grupo
2.5.4. Equações de dispersão típicas
2.5.4.1. Ondas electrostáticas de plasma
Consideremos um plasma infinito, não sujeito à acção de um campo magnético estático, na
ausência de colisões, no qual os iões podem ser considerados em repouso e em que a
temperatura dos electrões é diferente de zero.
Nestas condições, o movimento dos electrões é regido pela equação
m=
dv
= −e E − grad p
dt
(2.72)
onde p representa a pressão
p = γ kT n
e
19
(2.73)
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