Avaliação Ecocardiográfica da Sincronia Cardíaca: Há a

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Avaliação Ecocardiográfica da Sincronia Cardíaca: Há a Necessidade de
Hierarquização dos Métodos?
ISSN 1984 - 3038
Artigo Revisão
Echocardiographic Evaluation of Cardiac Dysynchrony: Is it Mecessary to Hierarchize the
Methods?
Viviane T. HOTTA1,2, Marcelo L. C. VIEIRA1,3, Frederico J. N. MANCUSO4, Valdir A. MOISÉS2,4,
Wilson MATHIAS Jr5
RESUMO
A detecção e quantificação da dissincronia cardíaca têm papel central na indicação da terapia de ressincronização. O ecocardiograma é
o método mais utilizado para esse fim, porém nenhum parâmetro ecocardiográfico, até o momento, mostrou superioridade em relação
aos demais. Este artigo visa a enfatizar as vantagens e limitações associadas a cada método, além de propor uma abordagem sequencial na
avaliação da sincronia cardíaca.
Descritores: Ecocardiografia, Ecocardiografia Doppler, Avaliação, Métodos.
SUMMARY
The detection and quantification of cardiac dyssynchrony have a central role in the setting of cardiac resynchronization therapy.
Echocardiography is the most useful and commonly used method for this purpose, but none of the different echocardiographic parameters
available has proven its superiority toward the others. This article will expose the advantages and pitfalls of each method and will suggest a
logical and practical approach in the evaluation of cardiac synchrony.
Descriptors: Echocardiography; Echocardiography Doppler; Evaluation; Methods.
Introdução
Nos últimos anos, houve crescente interesse pela
terapia de ressincronização cardíaca (TRC), tendo
em vista os benefícios comprovados dessa terapia
para a melhora dos parâmetros clínicos (qualidade de vida, classe funcional New York Heart Association, mortalidade), assim como dos parâmetros
funcionais (teste de caminhada de seis minutos,
insuficiência valvar mitral) e morfológicos (dimensões e fração de ejeção do ventrículo esquerdo)1-3.
Apesar dos benefícios comprovados, os estudos
clínicos, realizados até o momento, evidenciaram
taxas ao redor de 30% de pacientes que não apresentam melhora clínica com a TRC (MIRACLE
2002)4. Quando levados em consideração critérios
Instituição:
Instituto do Coração - HC-FMUSP - São Paulo
mais rigorosos, como os parâmetros ecocardiográficos, a taxa de pacientes não respondedores pode
variar de 18 a 52%. Dessa forma, fazem-se necessários critérios rigorosos de seleção para a sua indicação, pois a TRC consiste em tratamento de
custo5, não acessível a todos os pacientes, e que
pode estar associado (em pequeno número de casos) a complicações relacionadas ao implante do
marca-passo ressincronizador.
A ecocardiografia tem papel central e fundamental entre os métodos atualmente disponíveis
para avaliação da sincronia cardíaca, porém as diversas modalidades ecocardiográficas (modo-M,
Doppler pulsátil, Doppler tecidual e ecocardiografia tridimensional) utilizadas para avaliação da sincronia não estão disponíveis de forma homogênea
1 - Médico do Setor de Ecocardiografia do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo;
2 - Médico - Fleury Medicina e Saúde;
Correspondência:
Viviane Tiemi Hotta
Endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar nº 44
Cerqueira César - CEP: 05403-000 - São Paulo - SP
E-mail: viviane.hotta@fleury.com.br
Recebido em: 29/09/2008 - Aceito em: 22/12/2008
40
3 - Médico do Hospital Israelita Albert Einstein;
4 - Médico da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM) – São Paulo – SP;
5 - Diretor do Serviço de Ecocardiografia do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo.
Rev bras ecocardiogr imagem cardiovasc 22 (2): 40 - 48, 2009.
e seu papel tem sido discutido em diversos estudos.
A seguir, serão discutidos os métodos disponíveis,
atualmente, suas vantagens e limitações.
Modo-M
HOTTA VT, et al. Avaliação ecocardiográfica da sincronia cardíaca:
há a necessidade de hierarquização dos métodos?
do ser associada a outros métodos como o Doppler
tecidual.
Para melhor visibilização do momento de maior
espessamento das paredes septal e ínfero-lateral,
pode ser utilizado o modo M tecidual colorido (Figura 2). Esse recurso permite que o miocárdio seja
colorido em vermelho ao se aproximar do transdutor e, em azul, quando em sentido contrário (afastando-se do transdutor). Dessa forma, a medida
entre a contração máxima (transição entre as cores
azul e vermelha) das paredes estudadas pode ser
realizada com melhor definição.
Um dos primeiros métodos ecocardiográficos,
utilizados para avaliação da dissincronia cardíaca,
foi a medida do atraso da contração do septo anterior, em relação à parede ínfero-lateral, obtida pelo
modo-M na projeção paraesternal transversal ao
nível dos músculos papilares (Figura 1).
Como para as demais modalidades ecocardiográficas, é necessário que a ima- Figura 1 : Modo M em projeção paraesternal transversal ao nível dos músculos
gem tenha boa qualidade e que papilares. Medida do atraso da contração entre as paredes septal anterior e
ínfero-lateral.
o alinhamento entre as paredes
avaliadas esteja adequado. Medidas com valores acima de 130ms
estão associadas a uma boa resposta à TRC6. Porém, os estudos
a respeito da utilidade da medida
do atraso da contração das paredes
septal e ínfero-lateral são conflitantes, e a ausência desse critério
não exclui a presença de dissincronia cardíaca.
O método é limitado em pacientes com cardiomiopatia isquêmica (particularmente em pacientes com evidência de fibrose Figura 2 : Modo M tecidual colorido. A transição entre as cores azul e vermelha
o momento de maior espessamento das paredes septal e ínfero-lateral,
da parede septal e/ ou da parede mostra
permitindo maior precisão na medida da sincronia intraventricular.
ínfero-lateral) e avalia apenas dois
segmentos cardíacos (segmentos
médios da parede septal anterior
e da parede ínfero-lateral). Pode,
também, ser limitado em pacientes portadores de cardiomiopatia
chagásica que apresentem grande
comprometimento da contração
em parede ínfero-lateral. Por outro lado, não exige equipamentos
específicos e é de execução relativamente fácil e rápida.
A avaliação da sincronia cardíaca não deve ser realizada de forma isolada pelo método, deven-
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há a necessidade de hierarquização dos métodos?
Doppler Pulsátil
direito (VSVD), para medida do tempo de prePode ser utilizado para a avaliação da sincroejeção pulmonar (Figura 3). A seguir, realiza-se a
nia intraventricular e interventricular. O Dopmedida do intervalo, a partir da onda Q do ECG
pler pulsátil tem sua aplicação na avaliação dos
até o início do componente sistólico do fluxo da
tempos de preejeção aórtico e pulmonar. Para a
VSVD da curva espectral do Doppler.
avaliação do tempo de preejeção aórtico e pulPara a medida do tempo de preejeção aórtico,
monar, o paciente deve estar monitorado com
na projeção apical 5 câmaras, posicionar a amostra
eletrocardiograma (ECG) de boa qualidade. Na
do volume do Doppler pulsado na via de saída do
projeção paraesternal transversal ao nível dos vaventrículo esquerdo (VSVE). A seguir, é medido o
sos da base, o volume amostral do Doppler pultempo, a partir da onda Q do ECG até o composátil é posicionado na via de saída do ventrículo
nente sistólico do fluxo da VSVE (Figura 4).
A medida do tempo de preejeFigura 3 : Medida do tempo de preejeção pulmonar. Projeção paraesternal
ção aórtico > 140ms está relacionatransversal com a amostra do volume do Doppler pulsátil posicionada na via de
saída do ventrículo direito.
da à presença de dissincronia intraventricular significativa7, e a diferença entre os tempos de preejeção
aórtico e pulmonar > 40ms está associada à presença de dissincronia
interventricular significativa8.
Essas análises são de fácil execução e aquisição e também não
requerem equipamentos específicos. Alguns estudos têm demonstrado maior valor da dissincronia intraventricular, quando
comparada à interventricular na
predição de boa resposta à TRC.
Além disso, o método apenas
avalia a presença da dissincronia
Figura 4 : Medida do tempo de preejeção aórtico. Projeção apical 5 câmaras
ventricular esquerda, não sendo
com a amostra do volume do Doppler pulsátil posicionada na via de saída do
capaz de detectar a localização
ventrículo esquerdo.
do segmento de maior atraso.
Doppler Tecidual
O Doppler tecidual consiste
em um dos métodos mais utilizados para avaliação da sincronia cardíaca no momento. Esse
método permite a detecção da
presença de dissincronia, além
da localização do segmento
ventricular com maior atraso
na condução, o que permite a
orientação do melhor sítio de
implante do eletrodo do marcapasso ressincronizador.
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O Doppler tecidual avalia a contração longituvantagem a avaliação de maior número de segdinal miocárdica e possibilita a medida do atraso
mentos miocárdicos e alta resolução temporal,
eletromecânico em cada segmento do ventrículo
além de permitir a localização do segmento com
esquerdo. Esse atraso é medido pelo tempo decormaior atraso de contração. Além disso, é o mérido entre a atividade elétrica, representada pelo
todo mais estudado até o momento e o que apreinício da onda Q ao ECG, até o pico do composenta maior número de evidências como bom
nente sistólico do Doppler tecidual (Figura 5).
preditor de sucesso da TRC. Por outro lado, são
Em alguns trabalhos, foram realizadas medidas
necessárias várias imagens em diferentes ciclos
do início da onda Q ao ECG até o início do comcardíacos para a avaliação completa de todos os
ponente sistólico, ao invés do pico sistólico. Em
segmentos estudados. Os intervalos medidos
geral, recomenda-se, sempre que possível, a medinão ocorrem simultaneamente e as medidas do
da do início da onda Q até o pico do componenDoppler tecidual sofrem influência dos movite sistólico (intervalo eletromecânico), quando
mentos rotacionais das fibras miocárdicas.
o traçado possibilita o reconhecimento do pico.
A avaliação pelo Doppler tecidual colorido
Porém, se a curva do Doppler tecidual é tecnipermite a visibilização da contração miocárdica
camente limitada para a identificação do pico,
através da padronização, em cores, das velocidarealiza-se a medida do intervalo da onda Q até
des de contração miocárdica. É possível separar
o início do componente sistólico. É fundamental
as velocidades miocárdicas e do fluxo sanguíneo,
que os intervalos medidos (onda Q ao pico, ou
devido às diferenças das amplitudes do sinal e
onda Q ao início do componente sistólico) sejam
das frequências Doppler. É obtida uma curva esos mesmos em todos os segmentos analisados.
pectral velocidade x tempo e são comparados os
Habitualmente, recomenda-se a avaliação
pontos de maior velocidade em dois segmentos
dos segmentos basais do ventrículo esquerdo nas
de paredes opostas (Figura 6). Valores acima de
projeções apicais 4, 2 e 3 câmaras. São avaliadas
65ms são considerados significativos e estão asas paredes ínfero-septal, ântero-lateral, inferior,
sociados à melhora clínica (CF NYHA, teste de
anterior, ínfero-lateral e ântero-septal. A maiocaminhada de 6 minutos e remodelamento reria dos serviços utiliza protocolos de avaliação
verso considerado como redução > 15% do volume
de 4 ou 6 segmentos. São avaliados os intervalos
sistólico do VE), após TRC.
eletromecânicos de cada segmento miocárdico e realizada Figura 5 : Medida do tempo de preejeção pulmonar. Projeção paraesternal
transversal com a amostra do volume do Doppler pulsátil posicionada na via de
a diferença entre os diferentes saída do ventrículo direito.
intervalos9.
Em pacientes com miocardiopatia dilatada, o alinhamento entre o segmento avaliado e
a linha de interrogação do Doppler tecidual pode estar prejudicado pela dilatação ventricular
e, assim, as curvas do Doppler
tecidual podem apresentar velocidades diminuídas dificultando a realização das medidas dos
intervalos eletromecânicos.
Em relação ao modo M e ao
Doppler convencional, o Doppler tecidual pulsátil tem como
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há a necessidade de hierarquização dos métodos?
A abordagem mais simples avalia os segmentos
basais das paredes ínfero-septal e ântero-lateral na
projeção apical 4 câmaras e mede o atraso da con-
dução entre as duas paredes. Podem ser avaliados,
também, os segmentos basais das paredes anterior e
inferior (análise de 4 segmentos). Yu et al10, em hosFigura 6 : O movimento dos segmentos miocárdicos pode ser observado através pital de Hong Kong, desenvolveda padronização das velocidades pela escala de cores. O miocárdio, aproximan- ram um modelo (índice de Yu) de
do-se do transdutor, é colorido em vermelho e os segmentos em direção oposta
são visibilizados em azul. São medidas as velocidades longitudinais de pico nos análise de 12 segmentos (associa a
segmentos basais das paredes septal (seta e curva em rosa) e ântero-lateral (seta e avaliação das paredes ínfero-latecurva em amarelo). Atraso entre as paredes = 12 ms (VN < 65 ms).
ral e septal anterior na janela apical 3 câmaras às paredes descritas),
o qual é calculado como o desvio
padrão das velocidades de pico sistólico na fase de ejeção.
Em pacientes candidatos à TRC
e QRS com duração>150ms, esse
índice apresentou sensibilidade de
100% e especificidade de 78%,
na predição de remodelamento
reverso. Em paciente com QRS
entre 120 a 150ms, a sensibilidade é de 73% e a especificidade de
86%. Apresenta como vantagens a
facilidade e a rapidez na aquisição
das imagens, pois o processamento
é realizado off-line10-12. Como desvantagens, esse método exige equipamentos específicos, treinamento
técnico especializado e sofre influência do ângulo de análise e avalia
Figura 7 : Projeção apical 4 câmaras com demonstração de estudo vetorial (displacement radial endocárdico) de paciente portador com dissicronia em segmento apenas a contração longitudinal.
médio do septo inferior e em segmentos médio e basal da parede lateral (coloração em vermelho). O maior retardo na sincronia eletromecânica foi observado
no segmento médio do septo inferior (1306 ms).
Speckle Tracking: Strain Radial,
Strain Circunferencial, Strain
Longitudinal
O Strain avalia a variação da
deformação de uma determinada
amostra do miocárdio em relação
ao comprimento original. Pela
técnica de speckle tracking, é possível obter algumas vantagens em
relação à técnica do Doppler tecidual. Entre elas, a independência
em relação ao ângulo de análise, o
que permite a avaliação do strain
radial, circunferencial e/ ou longitudinal em todos os segmentos
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há a necessidade de hierarquização dos métodos?
miocárdicos13, sendo o strain radial o mais estudado
direção a um ponto específico, selecionado pelo
para avaliação de dissincronia, quando essa técnica é
ecocardiografista16 (Figura 8). A vantagem dessa
utilizada.
técnica é ser independente do ângulo de avaliação
Para realização do strain radial, utiliza-se, habie poder demonstrar a velocidade tecidual, o strain e
tualmente, a imagem longitudinal no eixo curto do
o strain rate, além de permitir o cálculo da diferenventrículo esquerdo. É possível avaliar o tempo entre
ça de tempo entre os diferentes segmentos. Estudo
o início do complexo QRS até o strain máximo nos
recente mostrou boa sensibilidade e especificidade
6 segmentos basais e médios14. A análise de dissincropara a avaliação de melhora após a TRC19.
nia pode ser feita pela diferença de
tempo entre duas paredes opostas Figura 8 : Projeção apical 4 câmaras com demonstração de estudo vetorial de
portador de dissincronia em segmento basal do septo inferior (divergênou entre os segmentos basais e/ ou paciente
cia de orientação espacial do conjunto de vetores do segmento basal inferior em
médios (intervalo entre a menor e relação ao restante dos vetores do endocárdio ventricular esquerdo) (Imagem à
a maior diferença) (Figura 7). Para esquerda). A imagem à direita demonstra a variação da velocidade dos diferentes
segmentos endocárdicos ao longo do ciclo cardíaco.
esses parâmetros, tem sido utilizada
diferença maior que 130ms como
preditora de resposta à TRC15.
Pode-se, também, calcular o desvio padrão do tempo até o pico
do strain em 6 ou 12 segmentos.
O valor de referência determinado
em um estudo foi de 76ms16.
Os estudos que avaliaram a
utilização dessa técnica para a pesquisa de dissincronia mostraram
resultados controversos. Estudos
mostraram a sua utilidade14,15,17,
porém Knebel et al18 não conseguiram demonstrar utilidade do
strain radial como preditor de me- Figura 9 : As curvas de variação volumétrica dos 16 segmentos miocárdicos em
lhora após TRC .
função do tempo são demonstradas nesta figura. O índice de dissincronia foi calem 9,60% (análise de 16 segmentos), denotando dissincronia significativa
As desvantagens do método são culado
(VN < 5%)
o pequeno número de estudos em
que o método foi empregado, a divergência dos achados dessas investigações e a limitação para uso amplo,
pois poucos aparelhos dispõem, até
o momento, dessa técnica.
Imagem do vetor de
velocidade
A técnica de imagem do vetor
de velocidade utiliza algoritmos
do modo B para estimar as velocidades miocárdicas regionais, em
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As desvantagens do método também são a escassez de estudos e a limitação para uso amplo, pois
poucos aparelhos dispõem, até o momento, dessa
técnica.
Ecocardiografia tridimensional (Eco 3D)
A avaliação tridimensional pode representar
uma alternativa promissora na avaliação da sincronia cardíaca. A partir da aquisição de um bloco de
imagem tridimensional, é realizada a reconstrução
volumétrica semi-automática do ventrículo esquerdo. A partir de pontos de referência determinados
manualmente, o ventrículo esquerdo é reconstruído e dividido em 17 segmentos, segundo a Sociedade Americana de Ecocardiografia (ASE). (Figura
9). Esse processo é realizado no momento da diástole (determinada pelo momento de maior volume
do ventrículo esquerdo, levando-se, também, em
consideração o traçado ECG) e da sístole.
Automaticamente, são calculados os volumes
sistólico, diastólico e fração de ejeção do ventrículo esquerdo. O tempo de contração sistólica,
definido como o tempo necessário para que cada
segmento atinja seu menor volume (volume sistólico), de cada um dos 16 segmentos (o segmento
apical 17 não é incluído na análise), é avaliado em
relação ao ciclo cardíaco e, a seguir, é calculado
o desvio padrão e sua porcentagem em relação ao
intervalo RR20. Valores > 5% são considerados significativos21.
Discussão
O ecocardiograma, é o método mais utilizado para a avaliação da sincronia cardíaca e vários
estudos têm sido realizados, com a finalidade de
comparação entre os diferentes critérios ecocardiográficos disponíveis e avaliação do valor preditivo
desses métodos, na seleção dos pacientes candidatos à TRC22.
Tendo em vista, a grande quantidade de estudos publicados até o momento e com resultados
por vezes discordantes, foi realizado um estudo
multicêntrico, com grande número de pacientes
para avaliar a acurácia dos diferentes critérios eco46
HOTTA VT, et al. Avaliação ecocardiográfica da sincronia cardíaca:
há a necessidade de hierarquização dos métodos?
cardiográficos na predição de resposta à TRC. Esse
estudo (PROSPECT)23, publicado recentemente,
avaliou 467 pacientes, em 53 centros na Europa,
Estados Unidos e Hong-Kong. Foram avaliados
12 critérios ecocardiográficos diferentes em um
estudo prospectivo antes e 6 meses após TRC. Foi
considerada, como desfecho primário composto, a
melhora clínica (CF NYHA) e/ ou redução > 15%
do volume sistólico final do ventrículo esquerdo
(VSFVE), em seis meses.
Entre os critérios avaliados, foram incluídos
critérios convencionais (Modo M. Doppler pulsátil) e critérios derivados da análise com Doppler
tecidual. Dos 476 pacientes analisados, houve melhora do desfecho clínico em 69% dos pacientes e
redução do VSFVE > 15% em 56% dos pacientes.
Houve grande variação na sensibilidade (6 a 74%)
e especificidade (35 a 91%) dos critérios ecocardiográficos como preditores da melhora do VSFVE e
da resposta clínica (9 a 77% de sensibilidade e 31
a 91% de especificidade).
Para todos os parâmetros avaliados, houve
grande variabilidade interobservador com baixa
concordância entre os diferentes critérios.
Os autores concluíram que, dada a baixa sensibilidade e especificidade dos critérios analisados,
nenhuma medida ecocardiográfica isolada de dissincronia é recomendada para melhorar a seleção
dos pacientes candidates à TRC, no momento.
Apesar dos resultados desapontadores, à primeira vista, do estudo PROSPECT, alguns métodos de avaliação mais atuais não foram incluídos
na análise deste estudo. A avaliação da sincronia
pelo Eco 3D, do strain radial (Speckle tracking) e
imagem vetorial, métodos promissores, não foram
realizadas neste estudo.
Além disso, a população de pacientes, incluídos
neste estudo, apresentava algumas características
clínicas diferentes de alguns estudos realizados
previamente. Cerca de 20,2% dos pacientes do
estudo PROSPECT apresentavam FEVE > 0,35
(quando realizados nos centros centrais de análise
dos dados nos Estados Unidos da América e na
Itália) e 37,8 % dos pacientes apresentavam diâmetro diastólico < 65mm – Tratava-se, portanto,
de população portadora de cardiomiopatia menos
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avançada, apresentando remodelamento positivo
(dilatação ventricular) menos acentuado, o que a
diferia de pacientes de estudos como MIRACLE4,
MIRACLE ICD24 e COMPANION3.
Dessa forma, devido às diferenças entre as populações analisadas nos diferentes estudos, a falha
dos métodos avaliados em predizer remodelamento reverso nos pacientes submetidos à TRC pode
refletir, na verdade, a ausência de homogeneidade na escolha das populações estudadas e não
propriamente limitações referentes à TRC e não
ao ecocardiograma como ferramentas de seleção.
Outras limitações como diferenças entre o local
de implante do marca-passo ressincronizador e o
sítio com maior atraso de ativação, o implante do
eletrodo em locais sem viabilidade e reserva miocárdica, entre outros, também podem ter influenciado os resultados deste estudo.
Assim sendo, apesar do grande potencial da
ecocardiografia na avaliação da sincronia cardíaca,
os métodos atualmente disponíveis necessitam de
aperfeiçoamento no sentido de melhorar sua acurácia na seleção de
pacientes candidatos à TRC.
Até que um critério obtenha resultados objetivos
e robustos na avaliação da sincronia
cardíaca, os métodos disponíveis,
no momento, devem ser utilizados
de forma conjunta
e complementar,
uma vez que nenhum critério ecocardiográfico
de
forma isolada mostrou superioridade indiscutível em
relação aos outros.
Todos os diferentes critérios devem
ser utilizados para
HOTTA VT, et al. Avaliação ecocardiográfica da sincronia cardíaca:
há a necessidade de hierarquização dos métodos?
a avaliação da sincronia cardíaca e a interpretação
dos resultados deve levar em consideração a análise global de todos eles. Em casos de discordância
entre os critérios utilizados, é recomendado avaliar
a limitação de cada método e o quanto cada limitação afeta a análise final dos dados.
A despeito da falta de um padrão ouro na avaliação da sincronia cardíaca, o ecocardiograma
ainda permanece como método promissor e útil
na seleção dos pacientes candidatos à TRC. Novos estudos e critérios são necessários para o aperfeiçoamento do método na avaliação da sincronia
cardíaca.
Tendo em vista a variação de sensibilidade e
especificidade entre os critérios ecocardiográficos
disponíveis, uma sugestão para utilização dos métodos disponíveis é a utilização de forma progressiva dos critérios, iniciando-se com o método de
maior especificidade e menor sensibilidade e progredindo a avaliação com métodos de maior sensibilidade.
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