Uma interpretação da conjuntura inflacionária Gilmar Mendes Lourenço* O cotidiano econômico brasileiro passou a incorporar repiques inflacionários nas áreas de serviços em geral e bens comercializáveis, a partir da virada do primeiro para o segundo semestre de 2007. De pronto, assistiu-se ao retorno do conservadorismo do Banco Central (BC) na condução da política monetária, particularmente na fixação das taxas de juros por parte do Comitê de Política Monetária (COPOM), ainda que as projeções contemplassem folgas nas metas de variação média de preços de 4,5% para os exercícios fechados de 2007, 2008 e 2009. Tanto é assim que na reunião de 05 de setembro aquele organismo, influenciado pela precipitação de movimentos de volatilidade no panorama financeiro internacional, com a crise das hipotecas subprime nos Estados Unidos (EUA) e a provável perda de ímpeto da trajetória de sobrevalorização do real, optou, por decisão unânime, por interromper a série de reduções de 0,5 pontos percentuais na taxa básica de juros (SELIC), diminuindo-a em apenas 0,25 ponto percentual e, o que é pior, levando os mercados a interpretarem tratar-se do derradeiro declínio de 2007. De fato, é fácil perceber o revigoramento de focos de aquecimento da espiral de preços derivado de fatores de oferta e de demanda. Pelo ângulo da oferta emerge o alcance do limite técnico de utilização da capacidade produtiva em vários segmentos industriais e os efeitos da deterioração do aparato infra-estrutural em um ambiente macroeconômico ainda inóspito à proliferação de projetos de investimentos em ativo fixo, centrado no apreciável custo de capital, formado por tributos, juros, infra-estrutura, burocracia, falta de política industrial, dentre outros componentes. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, o grau de utilização do potencial instalado na indústria atingiu 86,0% em agosto de 2007, o maior desde 1995. Pela ótica da demanda, contabiliza-se forte elevação dos dispêndios públicos correntes, notadamente com custeio e programas de transferência de renda, amparada por crescente carga tributária; ampliação da disponibilidade real e barateamento do custo do crédito ao setor privado, sobretudo da modalidade em consignação; incremento da massa de salários, com a recuperação dos níveis de emprego e o acréscimo das remunerações reais (capitaneado pelo reajuste do mínimo e pelas conquistas de reposição acima da inflação por ocasião dos dissídios da maioria das categorias); e continuidade do crescimento do mercado internacional, puxado pela China e pelos EUA, com repercussões nas cotações das commodities agrícolas e metálicas. Cumpre esclarecer, no que se refere ao crédito, a interferência da disseminação das transações livres, que provocaram crescimento da fatia destinada às famílias de 5,5% para 11,0% do Produto Interno Bruto (PIB) em um intervalo de tempo inferior a dois anos, motivada pela acentuação da concorrência entre as instituições. As cadeias produtivas isentas de concorrência externa vêm tirando proveito da reativação do mercado doméstico Voltando à inflação, enquanto as cadeias produtivas isentas de concorrência externa vêm tirando proveito da reativação do mercado doméstico para o delineamento de um processo de recomposição e/ou alargamento de margens de lucro, os segmentos do agronegócio protagonizam um espetáculo conhecido como choque de oferta, principalmente em produtos como leite, carnes, soja, milho, trigo e derivados. Mais precisamente, o prosseguimento da extraordinária velocidade de expansão do comércio mundial ancorada na China, ladeado pela frustração da safra de trigo no Canadá e na Argentina, pelos efeitos do salto na produção de álcool nos EUA sobre os mercados de milho e soja, pela eliminação dos embargos internacionais à carne, pela influência da quebra acusada na produção de leite dos países da Oceania e por problemas climáticos no Nordeste brasileiro, constitui o fator preponderante da marcha de valorização dos produtos primários. * Economista, técnico da equipe permanente desta publicação, coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UNIFAE – Centro Universitário – FAE Business School. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.30, n.01-02, p.7, jan./fev. 2008 Todavia, no caso brasileiro, particularmente no ramo de alimentos, é prudente considerar, ainda, um episódio de recuperação de rentabilidade depois dos prejuízos contabilizados desde o final de 2004, associados às intempéries climáticas e às distorções provocadas pela apreciação cambial derivada da orientação conservadora da gestão econômica. O maior problema conjuntural reside na provável neutralização da recomposição do poder aquisitivo da população de baixa renda – reduto hospedeiro da maior parcela de estoque de capital político acumulado pelo governo –, e conseqüentemente de seu potencial de ANÁLISE CONJUNTURAL, v.30, n.01-02, p.8, jan./fev. 2008 mercado, vinculado ao recrudescimento inflacionário na área de bens essenciais. A reversão ou ao menos a acomodação desse quadro menos favorável dependerá do abrandamento das causas sazonais (entressafra), da intensidade da prospectada desaceleração do crescimento da economia mundial em 2008 e das chances de a maturação dos investimentos públicos e privados em gestação no Brasil em 2007 resultar em expressiva diminuição de relevante fração da defasagem entre produção de demanda doméstica não-equacionada e/ou amortecida pelo aumento das importações.