Correio da Bahia Online - Salvador - BA 30/04/2015 - 13:26 Márcio Nascimento: 60 Anos do CERN, Internet e a Partícula de Deus Da Redação O maior laboratório de física do mundo, voltado aos estudos e pesquisas das menores partículas do universo, celebra 60 anos em 2015. Situado nos arredores de Genebra, na fronteira entre a Suíça e a França, o CERN (do francês “Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire” ou “Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear”), é uma organização formada por 21 países-membros, tendo recebido mais de 11 mil pesquisadores de mais de 110 países. O Brasil tem uma participação ativa, com centenas de pesquisadores trabalhando em suas dependências, embora ainda não seja um membro associado (depende de aprovação do Congresso Nacional, em espera desde 2013). Muitas pessoas talvez nem tenham ouvido falar desta organização, mas se utilizam quase diariamente de um de seus processos mais famosos, uma descoberta única: a internet. A WWW foi concebida nas dependências do CERN pelo físico britânico Timothy John Berners-Lee (n. 1955) próximo do Natal de 1990 utilizando uma estação de trabalho NEXT enquanto servidor. O primeiro site ainda existe e é acessível no endereço: http://info.cern.ch. Bastante simples, sem o uso de figuras – apresenta apenas links, mas contém os conceitos básicos da web: URL, http e html. O CERN esteve em grande evidência da mídia em 4 de julho de 2012 ao confirmar a existência do Bóson de Higgs – a “Partícula de Deus”. Isto ocorreu após experimentos utilizando o acelerador de partículas LHC (“Large Hadron Colisor” ou “Grande Colisor de Hadrons”). Desta forma, o físico inglês Peter Ware Higgs (n. 1929) foi laureado com o Prêmio Nobel de Física em 2013, devido a sua publicação em 1964 sobre a “Quebra de Simetrias e as Massas dos Bósons de Calibre” (“Broken Symmetries and the Masses of Gauge Bosons”, Phys. Rev. Lett. 13, 508509), prevendo tal partícula. O epíteto proveio do lançamento do livro “The God Particle: If the Universe Is the Answer, What Is the Question?” (“A Partícula de Deus: Se o Universo é a Resposta, qual é a Pergunta?”) do físico americano Leon Max Lederman (n. 1922), Prêmio Nobel de Física de 1988. Para entender o que tal partícula teria de divino basta compreender a diferença entre matéria e luz no início do universo, há quase 14 bilhões de anos. Neste instante, o do Big Bang, onde “fez-se a luz”, como dito no Livro do Gênesis, a grandeza física a que chamamos massa ainda não existia. A matéria que forma o universo hoje era apenas uma coleção de partículas subatômicas se movendo à velocidade da luz. O milagre científico ocorreu quando estas partículas, denominadas bósons de Higgs, que também estavam espalhadas durante o início do Cosmos, de repente passaram a se unir, formando um oceano de partículas elementares (o “Oceano de Higgs”). Algumas das outras partículas que vagavam na aurora cósmica, como a luz, não interagiam com estes bósons, mas para outras fez toda a diferença: foi o caso dos quarks. Esta situação propiciou a conexão entre os quarks, formando a matéria como conhecemos. No LHC – que consiste num grande túnel circular de 27 km de extensão, foi feito o processo reverso, recriando as condições iniciais do Big Bang em nanoescala, colidindo partículas entre si em velocidades relativísticas e com energias extremamente altas, e um dos resultados destas colisões identificou a presença da “Partícula de Deus”. Em resumo: sem o bóson de Higgs, a matéria não existiria – e por conseguinte o universo, já que matéria é tudo o que tem massa. Somente o LHC custou 10 bilhões de dólares. Muitos questionam os custos de pesquisas, pois boa parte delas provém do esforço dos contribuintes e empresas de cada país. Mas é inquestionável que apenas o desenvolvimento de um processo de comunicação – a elaboração da internet, algo que não havia sido encomendado tão pouco planejado, pode ser considerada uma grande descoberta. Assim como ocorre em todas as descobertas, “fez-se a luz”, mas esta dentro de um sexagenário laboratório de partículas! *Marcio Luis Ferreira Nascimento é Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA www.achixclip.com.br www.inovsi.com.br