Revista SÍNTESE

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ISSN 2236-9414
Revista SÍNTESE
Direito Desportivo
Ano IV – Nº 20 – Ago-Set 2014
Diretor Executivo
Elton José Donato
Gerente Editorial e de Consultoria
Eliane Beltramini
Coordenador Editorial
Cristiano Basaglia
Editora
Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza
Conselho Editorial
Alberto dos Santos Puga Barbosa
Carlos Miguel C. Aidar
Cristiano Augusto Rodrigues Possídio
Domingos Sávio Zainaghi
Fábio Lira da Silva
Fernando Tasso de Souza Neto
Gustavo Lopes Pires de Souza
Marcelo Jucá Barros
Martinho Neves Miranda
Milton Jordão
Paulo Bracks
Rafael Teixeira Ramos
Roberto Soares de Vasconcellos Paes
Sandro Mauricio de Abreu Trindade
Comitê Técnico
Alexandre Ramalho Miranda
Caroline Nogueira Accioly
Colaboradores desta Edição
Caren Vian Cerezere, Cassio M. C. Penteado Jr., Fábio André Guaragni, Fábio Menezes de Sá Filho,
Gustavo Lopes Pires de Souza, João Paulo Romero Baldin, Leonardo Schmitt de Bem,
Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni, Rafael Teixeira Ramos, Rômulo de Andrade Moreira,
Rosario de Vicente Martínez, Vanderlei de Lima
2011 © SÍNTESE
Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.
Publicação de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos.
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Distribuída em todo o território nacional.
Tiragem: 2.000
Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração
Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Revista Síntese Direito Desportivo. – Ano 4, n. 20 (ago./set. 2014)- .
– São Paulo: IOB, 2011- .
v. ; 23 cm.
Bimestral.
ISSN 2236-9414
1. Ciências sociais aplicadas – Periódico. 2. Esportes – Legislação –
Periódico. 3. Justiça desportiva – Periódico.
CDU: 34:796
CDD: 344.81099
Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues – CRB 10/1569
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05036‑060 – São Paulo – SP
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Carta do Editor
Passado o momento histórico em nosso país com a Copa de 2014, outras
questões surgiram na seara.
Aspectos jurídicos abordados nos levaram a escolher, como Assunto Especial desta Edição da Revista SÍNTESE Direito Desportivo, o tema “Copa – Aspectos Jurídicos”.
Para acalentar ainda mais a temática, os Mestres em Direito Desportivo,
os Drs. Rafael Teixeira Ramos, Rômulo de Andrade Moreira e Cassio M. C.
Penteado Jr. colaboraram com os seguintes temas, respectivamente: “Desporto,
Constituição e Copa do Mundo 2014”, “A Lei da Copa e a Liberdade de Expressão”, e “A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Antidesportiva por Meio
Audiovisual. O Caso Luis Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014”.
Já na Parte Geral publicamos um vasto conteúdo, atual e relevante, no
Direito Desportivo, como Ementário de Jurisprudência, Acórdãos na Íntegra,
Clipping Jurídico, Bibliografia Complementar, Doutrinas e Seções Especiais.
Na Seção de Doutrinas, selecionamos o texto do Dr. Gustavo Lopes Pires
de Souza analisando o “Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Rumos”; o
Dr. Fábio Menezes de Sá Filho tece consideração sobre a “Análise da Natureza
Jurídica do Bom Senso Futebol Clube e a Possibilidade do Exercício do Direito
de Greve”; o Professor Leonardo Schmitt de Bem estuda “A FIFA e o Direito
Penal”; o Dr. Fábio André Guaragni comenta sobre os “Aspectos Penais do
Cambismo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de Economia Popular e o Estatuto
do Torcedor”; o Dr. João Paulo Romero Baldin questiona sobre “O Regime Societário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades de seus Dirigentes”; e o
Dr. Rosario de Vicente Martínez aborda “O Delito de Doping Esportivo”.
Na Seção Especial intitulada “Estudo Dirigido”, os Professores Caren
Vian Cerezere e Vanderlei de Lima fazem uma ampla análise dos “Torcedores
Violentos ou Seres Humanos Problemáticos? Breve Reflexão Antropológico-Psicológica”.
Por fim, destacamos, também, as Seções Especiais intituladas “Prática
Processual” e “Sentença na Íntegra”, nas quais publicamos a Reclamação Trabalhista do Advogado Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni e a decisão proferida pelo
magistrado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
Desejamos a você, leitor, uma excelente leitura!
Eliane Beltramini
Gerente Editorial e de Consultoria
Sumário
Normas Editoriais para Envio de Artigos........................................................................... 7
Assunto Especial
Copa – Aspectos Jurídicos
Doutrinas
1. Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014
Rafael Teixeira Ramos...................................................................................... 9
2. A Lei da Copa e a Liberdade de Expressão
Rômulo de Andrade Moreira.......................................................................... 21
3. A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Antidesportiva por Meio
Audiovisual. O Caso Luis Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014
Cassio M. C. Penteado Jr. .............................................................................. 25
Parte Geral
Doutrinas
1. Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Rumos
Gustavo Lopes Pires de Souza........................................................................ 30
2. Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Futebol Clube e a
Possibilidade do Exercício do Direito de Greve
Fábio Menezes de Sá Filho............................................................................ 41
3. A FIFA e o Direito Penal
Leonardo Schmitt de Bem.............................................................................. 51
4. Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de
Economia Popular e o Estatuto do Torcedor
Fábio André Guaragni.................................................................................... 61
5. O Regime Societário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades de
Seus Dirigentes
João Paulo Romero Baldin............................................................................. 87
6. O Delito de Doping Esportivo
Rosario de Vicente Martínez.......................................................................... 99
Jurisprudência
Acórdãos na Íntegra
1. Superior Tribunal de Justiça......................................................................... 127
2. Tribunal Superior do Trabalho..................................................................... 143
3. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios............................... 148
4. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.................................................. 156
5. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo............................................ 160
6. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.............................................. 165
7. Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região.............................................. 174
Ementário
1. Administrativo e Constitucional................................................................... 180
2.Civil............................................................................................................. 182
3.Penal........................................................................................................... 191
4.Previdenciário.............................................................................................. 192
5.Trabalhista................................................................................................... 193
6.Tributário..................................................................................................... 201
Seção Especial
Estudo Dirigido
1. Torcedores Violentos ou Seres Humanos Problemáticos? Breve
Reflexão Antropológico-Psicológica
Caren Vian Cerezere e Vanderlei de Lima................................................... 204
Prática Processual
1. Reclamação Trabalhista
Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni.................................................................... 219
Sentença na Íntegra
1. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região................................................ 226
Clipping Jurídico.................................................................................................... 233
Bibliografia Complementar........................................................................................ 241
Índice Alfabético e Remissivo.................................................................................... 242
Normas Editoriais para Envio de Artigos
1.
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Os artigos para publicação na Revista SÍNTESE Direito Desportivo deverão ser técnico-científicos e focados em sua área temática.
Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação
do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas
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Assunto Especial – Doutrina
Copa – Aspectos Jurídicos
Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014
RAFAEL TEIXEIRA RAMOS
Mestrado em Ciências Jurídico-Laborais e Pós-Graduação em Direito ao Desporto, ambos pela
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), Conselheiro da Revista Síntese
Direito Desportivo, Professor de Pós-Graduação em Direito Desportivo.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Direito ao desporto no Brasil e Copa do Mundo; 2 Normas constitucionais
específicas do desporto e a Copa 2014; 2.1 Proteção ao acesso e ao exercício da prática desportiva;
2.2 Autonomia desportiva; 2.3 Prioridade de recursos públicos; 2.4 Tratamento diferenciado (diferenciação); 2.5 Promoção social do desporto; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Volvidos que estamos com a Copa do Mundo FIFA 2014, não é despiciendo revisitarmos alguns tópicos constitucionais estabelecedores das bases do
sistema desportivo brasileiro e a recente relação paradoxal com o período de
organização dos jogos no Estado brasileiro.
Alguns poucos anos atrás, tivemos a oportunidade de redigir, sob uma
ótica bastante técnico-jurídica, as basilares dos princípios constitucionais desportivos dispostos no art. 217 da Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB). Entretanto, diante do evento FIFA de futebol e, por menção “tabelar”,
as Olimpíadas de 2016 no Estado do Rio de Janeiro, jamais se poderia afastar as
diretrizes jurídicas desportivas constitucionais de certas críticas que envolvem
o país sede.
Cabe ressalvar, no entanto, já em linhas iniciais, que a realização de uma
Copa do Mundo passa realmente por um “Estado de exceção político-jurídico”
com anuência de representantes do Estado-sede. Dependendo do país, as cedências são iguais ou menores do que vêm ocorrendo no Brasil. Nem por isso,
abdicaremos de uma breve análise crítica dos acontecimentos relacionados ao
texto constitucional inerente ao desporto.
Nessa tônica, pretende-se relembrar, em breves linhas tópicas, alguns
princípios constitucionais específicos do desporto na CRFB, bem como recordar
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algumas de suas garantias em matéria de desporto relacionadas à temporada de
Copa do Mundo 2014.
1 DIREITO AO DESPORTO NO BRASIL E COPA DO MUNDO
A Carta Magna e as normas infraconstitucionais do ordenamento jurídico
brasileiro sacramentam o direito ao desporto como um direito social fundamental; essa asserção é facilmente verificável pelo posicionamento das normas
específicas referentes ao desporto no Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo
III – Da Educação, Da Cultura e Do Desporto, Seção III – Do Desporto.
O legislador constituinte reconheceu e implantou, com a nova ordem
jurídica iniciada a partir de outubro de 1988, a importância social do desporto
na vida moderna de uma sociedade, seja no aspecto não profissional ou profissional.
A prática do desporto é dotada de valias polifuncionais na evolução dos
seres em comunidade, como a disciplina associada à educação e ao ensino;
a vida em coletividade (inserção social); a convivência com as diferenças e a
superação das adversidades (quebra de discriminações e paradigmas preconceituosos); forte instrumento de manutenção da saúde (física, mental, sensorial,
espiritual) e bem-estar de uma população, a conscientização política e a criação
de alternativas para produção econômica. Por conta dessa questão material, o
redator constituinte considerou o direito ao desporto como objeto indispensável
aos ditames de uma Constituição bastante analítica, formal e detalhista.
Nada obstante as motivações materiais de constitucionalização do desporto no plano dos direitos sociais, a assertiva de que o desporto constitui matéria de direito social fundamental se apreende da própria sistematização do
desporto no texto da Lei Ápice, conforme a previsão do redimensionamento dos
princípios de direitos fundamentais (art. 5º, § 2º) conjuntamente com os amplos
direitos sociais fundamentais de segunda dimensão (art. 6º), com a competência
legislativa concorrente em matéria de “educação, cultura, ensino e desporto”
(art. 24, IX), e suas decodificações diretas na assistência do Estado à garantia da
prática desportiva não profissional e do fomento da prática desportiva profissionalizada (art. 217)1.
A retratação do desporto como direito fundamental se reproduz expressivamente no § 3º, art. 217 da CF/1988, correlacionado aos limiares jurídicos
acima descritos e outros ao longo das normas sociais constitucionais, como
são exemplos os direitos constitucionais a saúde, cultura, educação, assistência
1
CANOTILHO, J. J. Gomes. CRP: Constituição da República portuguesa anotada. 7. ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 2007. p. 931-938.
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social, da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso etc. Fato é
que o desporto estabelece relação com quase todos os segmentos constitucionalizados em nosso sistema jurídico2.
A reflexão da importância social do desporto em nosso ordenamento é
constantemente explicitada no âmbito infraconstitucional, segundo constam a
própria Lei Geral de Desportos (Lei Pelé); Estatuto da Criança e do Adolescente; Estatuto do Idoso; Estatuto da Juventude; Estatuto da Igualdade Racial; até
o Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União, Autarquias e Fundações
Públicas Federais (art. 102, X, da Lei nº 8.112/1990) etc.
Em decorrência dessa importância social fundamental do desporto em
nossa ordem jurídica é que o legislador pecou por excesso antidemocrático e
antijurídico na Lei Geral das Copas (Lei nº 12.663/2012), como editar normas
de matérias sem nenhuma pertinência com o objeto principal da referente lei,
algumas de disposição permanente, em um texto de figura normativa que deveria ser temporária e estritamente relacionada às Copas do Mundo e Confederações da FIFA.
Com efeito, a Lei Geral da Copa já nasce organicamente disforme, com
temas de origens e matérias diversas, como modificações de integração ao Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei Permanente de Política Desportiva Nacional),
assistência social de ex-atletas que representaram a seleção brasileira de futebol
e as demais normatividades dirigidas às Copas.
Em consonância do que relatamos acima, tais condutas legislativas do
Congresso brasileiro cindiram com a organização normativa e social do desporto em nossa Norma Suprema, desde o apego de manobras políticas para
não desagradar segmentos eleitorados, com vistas ao sempre obscuro “jeitinho
brasileiro” de fazer política e economia, bem como ao arrepio das normas jurídicas fundantes por desconhecimento de como melhor responder às exigências
da FIFA, enquanto a sociedade continua destituída da noção do impacto dessa
confusa normação Copa 2014, embora insatisfeita e demonstrando intenso volume de protestos em séries estratificadas e desordenadas (como é exemplo o
movimento anônimo “Não vai ter Copa”).
2 NORMAS CONSTITUCIONAIS ESPECÍFICAS DO DESPORTO E A COPA 2014
Uma abordagem de relembrança normativa específica do direito ao desporto fundados em nossa Constituição sempre é de grande valia para identificarmos de onde viemos e qual momento estamos passando. Certo que não pode2
MEIRIM, José Manuel. A federação desportiva como sujeito público do sistema desportivo. Lisboa: Coimbra
Editora, 2002. p. 127-198.
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mos exclusivamente creditar os problemas estruturais e conjunturais brasileiros
por conta do evento da Copa 2014, pois não é novidade, tampouco privilégio
“brazuca” protestos em megaeventos, na medida em que tais jogos internacionais proporcionam grandes atenções do mundo. Por outro lado, é indisfarçável
o real fenômeno que tem sido as movimentações sociais em derredor das Copas
(Confederações e do Mundo).
2.1 Proteção ao acesso e ao exercício da prática desportiva
O caput do art. 217 preconiza a dimensão mais ampla do direito ao desporto, como um direito individual, metaindividual e coletivo ao mesmo tempo;
é o direito de todo cidadão de ter acesso e exercício da prática desportiva,
desde a infância até idade provecta. O direito de praticar o desporto como
desenvolvimento humano individual e coletivo, sem nenhum tipo de discriminação. Essa narrativa normativa deve ser diretamente agregada ao § 3º, que reza
a promoção social por meio do desporto.
Assevere-se que esse estrato legal prescreve “fomentar práticas desportivas formais e não formais”; neste ponto, o Poder Constituinte elegeu esses dois
termos “formais e não formais com intuito de estabelecer os dois pilastres mais
abrangentes do desporto, que albergam todas espécies de prática desportiva.
A intenção é fornecer a possibilidade de acesso à prática desportiva às
camadas menos favorecidas da sociedade e facilitar a prática dos mais abonados da sociedade. Portanto, o termo “formentar” utilizado pelo constituinte no
caput em pauta significa além da sua interpretação estritamente literal, prefigurando mesmo subsídio, e não somente estímulo.
Dessa maneira, em conformidade com o caráter fundamental de segunda
dimensão do direito ao desporto arquitetado na CF/1988, é inadmissível que
todas as instalações desportivas para Copa 2014 (estádios, campos de treinamentos, arredores e canteiros esportivos) tenham sido construídas com suporte financeiro público, mas para não restar nenhum legado à população para
ter acesso e prática ao desporto. É só lembrar que os cofres públicos estão se
abrindo para construir e reformar estádios de clubes que só fomentam em sua
grande parte atividade profissional sem ter nenhuma contrapartida – caso da
Arena Corinthians (São Paulo), Arena da Baixada (Paraná), Estádio Beira-Rio
(Rio Grande do Sul)
No Rio de Janeiro – e é idêntico no Ceará (apenas exemplificando) –,
os megaestádios reformados (Arenas Maracanã e Castelão) foram repassados à
iniciativa privada, que só explorará as estruturas para lucrar com jogos, shows
e eventos com entradas de valores elevados, novamente sem nenhum tipo de
contrapartida de ações sociais em matéria de prática desportiva. E isso sem contar com os verdadeiros elefantes brancos, seguindo a estigma do Estádio João
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Havelange, feito para o Pan-americano, como as Arenas de Manaus e Cuiabá,
ou seja, verdadeiros templos construídos para pós-Copa serem deteriorados e
sem acesso para a prática do desporto pelo povo.
2.2 Autonomia desportiva
A autonomia desportiva (art. 217, I, da CF/1988) tem raízes na liberdade
de associação do art. 5º, XVII, da CF/1988, fundamenta o associativismo desportivo no âmbito interno do nosso ordenamento jurídico e se coaduna com
as bases sociais originárias do desporto formal (competição, competição profissional), tanto na face internacional (universal), quanto no feixe nacional. Este
primado principiológico confere legitimidade para a constituição associativa
específica no desporto, desporto federado (confederações, federações, ligas nacionais e internacionais), que detém a prerrogativa de se autoconstituir, autogerir e autonormatizar de acordo com os interesses das competições. Não resta
dúvida de que esse modelo proporciona a rede de ligações bastante aprofundadas entre o associativismo desportivo nacional e internacional (atletas, clubes,
ligas, federações, confederações), representando o sistema unificado de regras e
classificatórias em torno da competição e do esporte organizado/gerido3.
São corolários da autonomia desportiva: a unicidade do federativismo
desportivo e o monopólio da organização de competições4.
A unicidade permite uma organização da modalidade desportiva pautada numa única federação, que concentra toda a representatividade de maneira
singular por uma determinada região territorial em sistema de subordinação
piramidal (teoria espiral ou coloidal). Essa sistemática proporciona a promoção
e a exploração da respectiva modalidade esportiva de maneira uniforme em
todo o globo terrestre, com suas disposições estatutárias, regulamentares, regras
da modalidade, criando a chamada ordem desportiva, que, açambarcada pelo
associativismo, institui o seu próprio direito – direitos federativos.
É devido à unicidade que o movimento associativo desportivo (federativismo ou comitês) faz circular as mesmas normas atinentes à organização
e competição da modalidade federada, como aplicações uniformes de regras
classificatórias para competições internacionais a partir de competições regionais, nacionais; regras de regência dos jogos para quaisquer competições seja
onde for; aplicação de normas quanto à relação de seus associados com as
regras da modalidade e suas competições (regulação de filiação, participação,
disciplinar, tudo pertinente à competição).
3
4
MELO FILO, Álvaro. O desporto na ordem jurídico-constitucional brasileira. São Paulo: Malheiros, 1995.
p. 63-91.
REI, Maria Raquel et al. Estudos de direito desportivo. Lisboa: Almedina, 2002. p. 44-47.
14 R��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA
Já o monopólio, intrinsecamente enraizado nos princípios anteriores,
confere às federações desportivas que representam a modalidade o poder de
monopolizar as competições oficiais, as únicas que podem organizar e chancelar a validade oficial de competições. Exemplo: a Confederação Brasileira
de Futebol impinge oficialidade às suas competições que se entrelaçam com
as suas competições classificatórias internacionais da Federação Sulamericana
de Futebol e da Federação Internacional de Futebol, a Confederação Brasileira
de Voleibol oficializa as suas competições que se ligam às classificatórias das
competições internacionais de Voleibol da Federação Internacional de Voleibol
(art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.615/1998).
Esses três princípios consagram em nosso país o sistema jusprivatista na
forma de administrar e legislar sobre o desporto nacional, transparecido na forma como o Estado apoia e credita às entidades federativas desportivas autonomia para realizar o desporto profissional, ao passo que incentiva essas entidades
a investir no desporto não profissional.
Nessa esteira, é cediço que, na esfera nacional, a receptividade da FIFA
com aceitação do caderno de encargo, e o credenciamento a sede da Copa
2014 encontra um campo muito propício para competição, pelo menos na seara jurídica, bem como no “Estado de Exceção Ordenamental” exigido.
Porém, nada justifica os excessos desse “Estado de Exceção Ordenamental” promovidos pela LGC (Lei Geral da Copa) durante o período Copa, quando
impõe uma série de normas intensamente privilegiadoras em termos de exploração comercial (arts. 3º a 18 da LGC); zona de exclusividade comercial a 2km de
diâmetro das Arenas (art. 11 da LGC), repercutindo restrição de locomoção dos
moradores e exacerbação nas sanções penais (arts. 30 a 36 da LGC), certamente
essas violações a direitos fundamentais não estão no “calendário jurídico” da
nossa Magna Carta. Induvidoso que a Copa 2014 gera, como geraram outras
Copas em outros Estados, “exceção jurídica ordenamental”, mas essa intensidade também depende da capacidade e competência dos órgãos públicos e
privados do país sede, o que não tem sido e não será mais o caso brasileiro.
2.3 Prioridade de recursos públicos
Talvez aqui a CRFB seja mais violada desde que o Brasil foi declarado
sede da Copa 2014 há sete anos. Nesse ponto, não se pode passar a culpa,
nem ao menos dividi-la com a FIFA, pois revelou-se no que muitos brasileiros
pensavam: caminhada de abertura dos cofres públicos; canteiros de obras inacabadas; investimentos desarrazoados com finalidades escusas; espúrios investimentos; confusão entre o público e privado; erros grosseiros de investimentos;
algumas obras necessárias, mas com valores excessivos (superfaturados), por
todo o país, de norte a sul, leste a oeste; o pior: até as obras extremamente
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA.............................................................................................................
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necessárias que já nascem defasadas, em sua grande maioria, não se consegue
finalizá-las a tempo do início do evento; temerário é que algumas nunca acabem ou terminem de qualquer forma, com danos ao Erário e sem nenhum tipo
de legado básico que seja.
A prioridade de recursos públicos no desporto (art. 217, II, da CF/1988)
significa que o Poder Público deve envidar os seus desforços econômicos prioritários no desporto educação, aquele esporte de base da escola pública, com
a finalidade de paralelamente ao ensino e ao conhecimento contribuir na formação do ser humano, indivíduo, de forma individual e coletiva, imerso na
sociedade, no desenvolvimento de verdadeiros cidadãos.
O termo “deporto educacional” utilizado pelo constituinte deve ser interpretado com uma amplitude maior, pois se aspira que os recursos sejam
também utilizados com prioridade no desporto não profissional (não formal),
aquele desporto público carente, em que se deve criar espaços comunitários de
lazer, mantendo instalações públicas desportivas e com orientações mínimas de
prática, tudo como um contributo para repudiar a violência nas ruas, valorizar
a vida, a saúde e o bem-estar da população, além de reforçar o lazer comunitário, necessário a higiene mental, higidez do cidadão, sendo um direito social
fundamental.
Nesse espectro constitucional, não significa que o Estado não possa investir recursos públicos no desporto de alto rendimento (formal, profissional);
ao contrário, o próprio excerto constitucional traz que, “em casos específicos,
os recursos serão empregados no desporto de alto rendimento”. Depreende-se
desse amparo textual a possibilidade de a máquina pública investir em instalações públicas que sirvam de lazer à população, ainda que seja cobrando taxa à
população para usufruir esses bens públicos, como é o exemplo mais cristalino
dos estádios de futebol. Então, é bom que se expresse: a Constituição da República Federativa do Brasil não veda a possível construção de estádios.
Todavia, o que a Lei Suprema veda é a distorção dos investimentos públicos. No caso em apreço, o problema se afigura quando o Poder Público, ainda
precário na promoção do desporto educacional público, simplesmente ignora o
ditame constitucional para construir estádios da Copa do Mundo, pois são bastante corriqueiras as reivindicações externadas midiaticamente em localidades
comunitárias sem nenhuma instalação pública esportiva e dos muitos parques
nacionais esportivos, e a falta de manutenção e a deterioração dos instrumentos
são uma realidade sob alegação de falta de recursos públicos.
Nesse diapasão, não violaria a Constituição a construção de estádios padrão FIFA em cada estado do Brasil, desde que as instalações públicas desportivas em geral suprissem a necessidade da população e as suas manutenções e
operacionalidade estivessem em dia.
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Aqui mesmo no estado do articulista são constantes os parques esportivos
na capital e no interior fechados e com instalações deteriorados. Isso quando a
localidade possui algum tipo de instalação esportiva. Enquanto isso, os agentes
públicos do Estado se resumem a reproduzir: “A Arena Castelão foi o primeiro
estádio do País a ficar pronto”.
Mas isso não é privilégio do estado do Ceará; ao longo de todos os estádios ainda em construção para Copa do Mundo, é perceptível o excesso de
dinheiro público sem o acabamento padrão FIFA, para entregar à iniciativa privada sem nenhuma espécie de contrapartida social, legado apenas ao reboque
de exploração econômica, como são os consórcios criados para administrar
algumas das arenas (caso cearense Galvão & Mendonça), que só realizam jogos
profissionais e shows: o que se faz de social é quase sem impacto positivo para
a sociedade.
Em outros casos, o BNDES entregou reformas e construções de estádios a
clubes tradicionais do futebol brasileiro a custos e juros muito privilegiados no
mercado nacional: Arena Corinthians, Arena da Baixada, Estádio Beira-Rio, que
também serão utilizadas para exploração profissional desportiva sem legado
social. Registre-se ainda que a Arena Dunas (estado do Rio Grande do Norte) e
a Arena Pantanal (estado do Mato Grosso) são fortes candidatas a se tornarem
“elefantes brancos”, ou seja, mais patrimônios públicos de valores avultadíssimos sem serventia social e deteriorando ao relento, como restou o famoso
Estádio Pan-Americano João Havelange no Rio de Janeiro.
Para não se alongar mais, apenas vale frisar que esse dispositivo deve estar em consentâneo com as demais normas constitucionais, portanto o volume
de recursos públicos apregoados em obras de mobilidade urbana, aeroportos
etc. foi incalculável e, até o presente momento, o que se observa são obras inacabadas, finalizadas de qualquer forma, obras que nunca terminarão (expansão
do aeroporto internacional de Fortaleza/CE) e grande parte das obras estarão em
realização durante a competição. Estranha-se, antes de o Brasil ser escolhido
para Copa, não existir recursos para estruturação mínima das cidades e, depois
de ser escolhido como sede, passar a existir um grande volume. O pior são as
declarações de agentes públicos, repise-se: “O que importa não é a expansão
do Aeroporto Internacional de Fortaleza/CE, e sim a Arena Castelão, que já está
pronta para os jogos, desde o fim de 2012”. Mas a realidade é dura!, na medida
em que as próprias vias de acesso à Arena Castelão não estão prontas a nove (9)
dias da Copa, e pelo que se indica não ficarão.
Em síntese, não somente o art. 217, II, da CF/1988 foi transgredido, mas
também os arts. 37 e seguintes e uma gama de disposições alhures descritas e
relativas ao direito ao desporto.
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2.4 Tratamento diferenciado (diferenciação)
Previsto no art. 217, III, da CF/1988, a interpretação desse mandamento constitucional deve ser pormenorizada/detalhista, abrangendo o tratamento
diferenciado das diversas formas de prática desportiva. Quando o legislador
constituinte utiliza o termo “profissional” e “não profissional”, quer garantir, a
partir dos exemplos mais abrangentes, que o tratamento seja isonômico para
cada espécie de desporto. O tratamento diferenciado para cada segmento do
desporto possibilita o entendimento melhor das necessidades de cada ramificação e o desenvolvimento eficiente das finalidades desportivas. Isso é o que
possibilita a organização do espetáculo desportivo de maneira econômica, com
o fim de produzir um novo mercado na economia e praticar o profissionalismo.
A forma como o Estado normatiza e dispõe suas prestações na sustentação e no fomento à atividade desportiva formal e não profissional (caso das
competições de categorias de bases e seus atletas com contrato de formação
desportiva – sem vínculo empregatício, sem profissionalismo) devem ter uma
tratativa diferenciada; o mesmo deve ocorrer no deporto profissional autônomo
(sem vínculo empregatício – desportos olímpicos individuais à luz do art. 28-A
da Lei Pelé), no desporto não profissional e educacional, no desporto não profissional e não formal (mero deleite ou lazer).
Essa norma constitucional no seio do art. 217, III, deveria aperfeiçoar a
organização normativa e administrativa do desporto nacional, com o fim de
obter os melhores resultados prestacionais a custos mais reduzidos (eficiência).
Contundo, o que ocorre com a temporada Copa 2014? Com a burocracia, ineficiência, corrupção e incapacidade do Poder Público para estruturar o
País na recepção dos jogos, nem os estádios estavam ficando prontos para o
megaevento, e, sob a pressão da FIFA, órgãos públicos de fiscalização e controle, empreiteiras, construtoras iniciaram e mantiveram construção de estádios
regadas a muita morte de trabalhadores mais acidentes laborais em canteiros
de obras de estádios, direitos trabalhistas mínimos de proteção, saúde, higiene,
segurança no trabalho (direito social fundamental). Ou seja, laços aprofundados
com essa norma magna foram deixados ao relento para que se pudessem finalizar os estádios, que, ainda assim, repetimos, a 9 (nove) dias do Mundial, não
foram correta e tempestivamente terminados.
Isso tudo para não se relatar minuciosamente as variadas infringências
trabalhistas de enquadramento de categorias na construção dos estádios, com
salários reduzidos, atrasados, violação de cláusulas normativas, normas de proteção e segurança no trabalho – por isso também as greves que atrasaram as
obras.
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Ademais, houve queixas de dificuldades de fiscalização laboral durante a
Copa das Confederações 2013. Se não há práticas ilícitas trabalhistas durante os
jogos, não se entende por que tanta dificuldade dos órgão públicos de fiscalização do trabalho no acompanhamento da competição, em relação às empresas
de comunicação, marketing e promoção do espetáculo, pois a zona exclusiva
alhures explicada não deve servir de zona livre para infrações dos direitos trabalhistas (profissionais) mínimos (direitos humanos e fundamentais de segunda
dimensão).
Enfim, o tratamento diferenciado que se deu ao desporto formal e profissional, exatamente retratado no evento FIFA da Copa 2014, permanece sendo
o de bastante infração às normas trabalhistas mínimas atreladas solidamente a
esse conceito constitucional.
2.5 Promoção social do desporto
Por fim, vale destacar uma das obras normativas mais inspiradas do Poder Constituinte em nossa CRFB, art. 217, § 3º: “O Poder Público incentivará o
lazer, como forma de promoção social”.
Além de esse comando da Carta Superior reforçar todos os mandamentos anteriores do artigo em tela, devendo ser interpretado sempre de maneira
sistêmica e teleológica com o caput e os demais direitos sociais, enfatiza o
elo natural entre desporto e lazer, em verdade, é mesmo com sinonímia que
o constituinte enfatizou lazer como desporto e sua garantia enquanto direito
social fundamental assentada no art. 6º da CF/1988, quando se delineia no rol
dos direitos sociais o “direito ao lazer”.
Essa disposição, indispensavelmente, atua na elevação do direito ao desporto a um direito social fundamental e a sua abertura, relação com os demais
direitos e garantias fundamentais, bem como os demais direitos sociais.
Nesse esteio, porventura, se justificariam os arts 37 a 47 das disposições
permanentes da LGC que trata da assistência social a ex-atletas profissionais,
caso se beneficiassem todos os atletas representantes de seleções nacionais,
independentemente da modalidade disputada.
Os relatados artigos defrontam a Constituição não por inexistir contrapartida de contribuição, já que se está perante assistência social, portanto, desnecessárias fontes de contribuição direta, já que não se trata de previdência.
Todavia, são verbetes legais completamente inconstitucionais por violar o princípio fundamental da igualdade/isonomia, não discriminação e ser dotada de
falta de razoabilidade, proporcionalidade. Verifique-se que a referida assistência criada só beneficiaria ex-atletas da seleção brasileira de futebol, campeões
do mundo de 1958, 1962 e 1970. Nesse ponto reside a afronta constitucional,
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pois por qual motivo estariam de fora dessa assistência os jogadores campeões
do mundo das Copas de 1994 e 2002, quando se sabe que alguns deles estão
também em situação difícil? Que desigualdade de tratamento assistencial legal seria essa! Para agravar a inconstitucionalidade, por qual motivo estão de
fora os outros atletas das modalidades desportivas diversas, principalmente as
olímpicas, em que os seus competidores passam muito mais dificuldades na
representatividade do país? Por que então somente privilégios para jogadores de
futebol? Não se pode nem justificar, sob a alegação de que a carreira de jogador
de futebol é curta e ele não consegue aposentadoria, pois é mais efêmera ainda
algumas outras carreiras atléticas.
Não há explicação razoável para os feitores da LGC, parecendo muito
mais “jogatina” política no desfrute de épocas de grandes eventos esportivos. É
mesmo flagrante inconstitucionalidade, pois, em se tratando de assistência social, teria que se prestar essa assistência social a todos os ex-atletas de quaisquer
modalidades que tenham representado as seleções/delegações brasileiras em
campeonatos mundiais; caso contrário, da forma como se dispõe, é completamente discriminatório e “bola fora do nosso ordenamento jurídico”, além de
não atender aos interesses sociais.
CONCLUSÃO
Em resumo, sabe-se que o período de “Estado de Exceção” é sempre
exigência e comum aonde se realizam esses eventos, decerto que em uns mais,
em outros menos, dependendo da “grandeza” do país; porém, em muitos locais
terrestres, aproveitaram-se os momentos desse “Estado de Exceção” para a contrapartida dos legados impulsionados ao vapor da iniciativa privada.
No entanto, em solo brasileiro, mais uma vez se perde a chance da guinada do País no mundo, não restando nada de “legado”, e ao fim da Copa
restarão as “ressacas” das obras inacabadas com suas respectivas dívidas, transformando ou mantendo a roda do “Estado de Exceção” em “Estado de Exceção
Permanente”5.
REFERÊNCIAS
CANOTILHO, J. J. Gomes. CRP: Constituição da República portuguesa anotada. 7. ed.
Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
5
MAIOR, Jorge Luiz Souto. O “rolezinho” da FIFA no país de pedrinhas em estado de exceção permanente.
Revista Síntese Direito Desportivo – RDD, São Paulo: IOB, n. 17, p. 93-113, fev./mar. 2014.
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MAIOR, Jorge Luiz Souto. O “rolezinho” da FIFA no país de pedrinhas em estado de
exceção permanente. Revista Síntese Direito Desportivo – RDD, São Paulo: IOB, n. 17,
p. 93-113, fev./mar. 2014.
MEIRIM, José Manuel. A federação desportiva como sujeito público do sistema desportivo. Lisboa: Coimbra Editora, 2002.
MELO FILO, Álvaro. O desporto na ordem jurídico-constitucional brasileira. São Paulo:
Malheiros, 1995.
REI, Maria Raquel et al. Estudos de direito desportivo. Lisboa: Almedina, 2002.
Assunto Especial – Doutrina
Copa – Aspectos Jurídicos
A Lei da Copa e a Liberdade de Expressão
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA
Procurador de Justiça na Bahia e Coordenador do Centro de Especialização e Aperfeiçoamento
Funcional do Ministério Público da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria-Geral de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais e Procurador-Geral
de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos, Ex-Procurador da Fazenda Estadual, Professor de
Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS, na Graduação e na Pós-Graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público), Pós-Graduado,
Lato Sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal), Especialista
em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista
J. J. Calmon de Passos), Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação
Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, Membro Fundador do Instituto
Baiano de Direito Processual Penal. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de
concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor
Convidado dos Cursos de Pós-Graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG), IELF
(SP) e do Centro de Aperfeiçoamento e Atualização Funcional do Ministério Público da Bahia.
Autor de obras jurídicas e palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
Por oito votos a dois, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou
improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5136, na qual se questionava o § 1º do art. 28 da Lei nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa), que trata
da liberdade de expressão nos locais oficiais de competição. Na referida ação,
alegava-se que o dispositivo criaria limitação à liberdade de expressão para
além daquelas reconhecidas pela Constituição e por tratados internacionais,
“valendo-se, para tanto, de conceito indeterminado excludente de outros temas,
tais como as manifestações de natureza política ou ideológica”.
Com efeito, o referido dispositivo legal ressalva o direito constitucional
ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão, em defesa
da dignidade da pessoa humana. E é justamente essa ressalva que se questionou
na ação, pois o parágrafo ou a interpretação que a ele possa ser atribuída, “cria
limitação à liberdade de expressão, em defesa de dignidade da pessoa humana,
para além daquelas reconhecidas pela Constituição”, contrariando o art. 5º, IV,
da Constituição Federal, segundo o qual “é livre a manifestação do pensamento,
sendo vedado o anonimato”, e o art. 220, que impede qualquer restrição à manifestação de pensamento e veda toda e qualquer forma de censura de natureza
política, ideológica e artística.
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Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes observou que “é notória a importância da liberdade de expressão para o regime democrático”. Mas, segundo
ele, “o constituinte não a concebeu com abrangência absoluta, insuscetível de
restrição”. E isso, lembrou, já foi debatido em diversas ocasiões pelo Supremo,
entre outros na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, sobre a extinta Lei de Imprensa. Assim, segundo o Ministro, quando houver uma
colisão de outros direitos fundamentais, cabe fazer a ponderação entre eles e
aplicar o princípio da proporcionalidade. Observou, outrossim, que a aplicação
desse princípio se dá quando verificada a restrição a determinado direito fundamental ou conflito entre princípios constitucionais distintos, de modo a exigir
que se estabeleça o peso relativo de cada um. Segundo ele, as restrições previstas no art. 28 da Lei da Copa parecem se enquadrar nesses requisitos. Trata-se,
conforme assinalou, de limitação específica aos torcedores de diversas nacionalidades, que comparecem aos estádios em evento de grande porte e que, portanto, precisam contar com regras específicas que ajudem a prevenir confrontos
em potencial. No caso, o Ministro disse entender que a norma impugnada “parece ter objetivado manifestações com potencial para gerar maiores conflitos
que possam afetar a segurança dos demais”. Ele lembrou que medidas semelhantes já se encontram no Estatuto do Torcedor, que dispõe sobre medidas de
repressão e prevenção a atos de violência por ocasião de competições desportivas. Votaram com o Relator os Ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa
Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski.
Vencido no julgamento, o Ministro Marco Aurélio julgou procedente a
ação para conferir ao dispositivo interpretação conforme a Constituição, para
assentar que as demais manifestações não violentas têm amparo na ordem constitucional: “Outras manifestações bem-vindas podem ocorrer”.
Também no mesmo sentido votou o Ministro Joaquim Barbosa, pois, segundo ele, “o direito à liberdade de expressão preserva o indivíduo e impede
que o Estado molde a sua vontade, seus pensamentos”. Em seu entendimento,
“se outros direitos forem respeitados, não há razão para restringir a expressão
do público nos jogos da Copa ao que os organizadores e o governo entendem
como adequado, mas a expressão deve ser pacífica, não impedir que outros
assistam às partidas”. Ele lembrou precedentes da Suprema Corte nesse sentido,
como na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4451, que tratou da veiculação de charges e humor com candidatos em período eleitoral. Por outro lado,
ele observou que “o financiamento público direto e indireto foi condição necessária para a realização da Copa”. Assim, “não faria sentido limitar o plexo de
liberdades constitucionais justamente das pessoas que custearam esse evento”
(STF).
Pois bem.
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23
Entendemos que, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal deixou de
avançar na tutela dos direitos constitucionalmente declarados e devidamente
garantidos.
Aliás, o Ministro Celso de Mello, ao negar provimento ao Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 705630, já teve a oportunidade de, com
absoluta lucidez e serenidade, afirmar que:
No contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais
dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática
legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional
[...]. O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais
suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas. [...] O direito de crítica
encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apoia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático
de Direito.
Ora, em um Estado Democrático de Direito é preciso aprender a conviver com a liberdade de manifestação do pensamento, de expressão, da imprensa e da informação, arcando, cada um de nós, com o ônus da prática de ofensa
à honra alheia (seja a chamada honra objetiva – calúnia e difamação, seja a
honra subjetiva: a injúria), independentemente da responsabilidade civil.
O dispositivo questionado, pelo menos de forma reflexa ou oblíqua (o
que é pior), fere o direito à liberdade de imprensa, igualmente declarado e garantido na Constituição (via mandado de segurança, por exemplo).
A propósito, anota Gilberto Haddad Jabur que o
direito à informação verdadeira, ou liberdade de informação ativa, por intermédio de qualquer meio de difusão, é condição para o saudável e legítimo exercício
da liberdade de pensamento, viga mestra dos registros democráticos. O direito
de receber informação autêntica depende não só do propósito de quem a presta,
mas também dos meios que a divulgam. É direito-pressuposto para o correto
encadeamento de ideias, fase do processo de formação de opinião. A correta difusão do pensamento (liberdade de expressão por qualquer veículo), a adequada
formação da consciência ou crença, dependem do conteúdo fidedigno da informação, neste ou naquele terreno. Derivam, assim, da preliminar e isenta apreensão dos fatos em torno dos quais se formam, desenvolvem-se e manifestam-se.
[...] O direito à informação verdadeira é, em suma, o germe da correta e livre
formação do pensamento e suas ramificações.1
Também corretas estas observações de Ilivaldo Duarte:
1
Liberdade de pensamento e direito à vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 165 e 172.
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Os meios de comunicação vêm contribuindo sobremaneira e cumprindo o seu
papel social para a vigência e consolidação do estado democrático de direito,
iniciado com a Constituição Federal Brasileira em 1988. Durante décadas, antes
da CF de 1988, o que se verificou em nosso país foram anos de censura política
e ideológica que marcaram a vida de centenas de brasileiros em meio à ditadura
instalada pelo governo. Provocando o impedimento e o cerceamento ao direito
à liberdade e à manifestação de opinião, seja esta de modo individual ou coletivo, ou até mesmo, através das manifestações pessoais ou formais. Felizmente,
vivemos hoje um novo tempo, um novo momento na história política e social,
e porque não dizer, na história da cidadania brasileira, com a vivência na prática dos fundamentos do estado democrático de direito da República Federativa
do Brasil, alicerçado na soberania, dignidade humana e cidadania, previstos no
art. 1º da nossa Constituição. [...] Sem dúvida alguma, a liberdade de imprensa
é um dos pilares da cidadania e do legítimo estado democrático. E a sociedade,
razão maior do trabalho da imprensa, tem direito à informação e estar a par dos
fatos do cotidiano. Mas, para que esses acontecimentos continuem sendo desfraldados e levados ao conhecimento de todos, para o bem comum de todos, devem
ser respeitados os limites da legalidade, da ética e da verdade, para que tenhamos
um país consolidado na liberdade e na democracia, através de uma sociedade
organizada e participativa, com a preservação da dignidade humana, um dos
mais importantes direitos constitucionais.
Este autor, citando Ruy Barbosa (A Imprensa e o Dever da Verdade), lembra que já em 1920 o jurista brasileiro afirmava que:
A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa, ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam
e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou
nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e
se acautela do que a ameaça.2
2
Disponível em: www.parana-online.com.br – 02.10.2005.
Assunto Especial – Doutrina
Copa – Aspectos Jurídicos
A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Antidesportiva por Meio
Audiovisual. O Caso Luis Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014
CASSIO M. C. PENTEADO JR.
Advogado em Recife/PE.
Nas linhas que seguem, trazemos ao debate a questão – cada vez mais
presente – da admissibilidade da prova da prática de atos antidesportivos em
competições, mormente nas partidas de futebol, por meio da apresentação de
imagens, usualmente captadas e exibidas pela televisão. O constante aperfeiçoamento das transmissões e o incremento na quantidade de câmeras, bem assim,
seu estratégico posicionamento, importam em revelar detalhes das atitudes dos
jogadores no decorrer dos prélios, exibindo pormenores que escapam, naturalmente, do campo de visão do árbitro e de seus auxiliares.
Celebrizou-se, assim, na recém terminada Copa do Mundo, promovida
pela FIFA e disputada aqui no Brasil, singular episódio envolvendo o atacante Luis Suárez, do selecionado uruguaio, que provocou acesa polêmica. Com
efeito, em peleja – ainda na fase de grupos – contra a seleção italiana, o avante
uruguaio, em jogada na grande área, tentando dominar a bola, chocou-se com
o zagueiro da Itália, Chiellini, e, ao cair, desfere uma mordida no ombro do
adversário. O árbitro e seus auxiliares não se aperceberam da ocorrência, tanto
que não se assinalou infração nem se puniu o agressor com o devido cartão vermelho, dada a gravidade do ato praticado. Entretanto, sem embargo da inação
do mediador e da consequente omissão do fato na súmula da partida, queixas
públicas do jogador ofendido, da delegação italiana e dos comentários da imprensa, com a exibição de imagens de televisão, levaram o Comitê Disciplinar
da FIFA a abrir procedimento contra Suárez.
Em sequência, o aludido Comitê denunciou o jogador como incurso nos
arts. 48, § 1º, inciso d (agressão) e 57 (comportamento antidesportivo contra
outro jogador) do Código Disciplinar da FIFA (FIFA Disciplinary Code – FDC),
sendo certo que o Colegiado, a seu turno, fundamentou-se, também, nas previsões dos arts. 77, inciso a, e 96 do sobredito FDC, os quais, respectivamente,
declaram sua competência para impor eventuais sanções pela ocorrência de
sérias infrações que tenham escapado à atenção da arbitragem da partida, bem
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como, admite como comprovação dos fatos, relatórios dos árbitros; declaração
das partes envolvidas e testemunhas; evidências materiais; registros em áudio
e/ou vídeos1. O Comitê Disciplinar, com toda celeridade, tendo em conta que
outras partidas se seguiriam no torneio mundial, recebeu as razões de defesa
apresentadas pela Federação Uruguaia de Futebol, em prol do atleta indiciado,
porém aplicou severas punições, suspendendo Suárez por nove partidas oficiais
e banindo-o de quaisquer atividades esportivas relacionadas ao futebol, inclusive presença em estádios, pelo período de quatro meses. Além disso, impôs pena
pecuniária. Finda a Copa, foi interposta apelação, no entanto rejeitada pela
FIFA, sendo que se aguarda – presentemente – audiência e decisão pela Corte
Arbitral do Esporte (CAS) versando o banimento por quatro meses, que impede
o jogador de atuar profissionalmente. Registre-se que, embora a severidade das
sanções tenha sido repudiada por parte da imprensa e dos meios esportivos,
Luis Suárez é reincidente nessas agressões por mordidas, circunstância agravante que deve ter sido considerada pela FIFA.
Na esteira dessa inusitada ocorrência em Copas do Mundo, antes comentada, parece conveniente abordar – ademais – as similares provisões da lei
esportiva brasileira em torno da admissão da prova da prática de atos antidesportivos nas partidas de futebol, mercê da apresentação de imagens televisivas
ou eventualmente fotográficas.
De fato, o Código Brasileiro da Justiça Desportiva (CBJD), na redação que
lhe foi dada pela Resolução nº 29/2009 do CNE, dispõe como segue:
Art. 58-B. As decisões disciplinares tomadas pela equipe de arbitragem durante
a disputa de partidas, provas ou equivalentes são definitivas, não sendo passíveis
de modificação pelos órgãos judicantes da Justiça Desportiva.
Parágrafo único. Em caso de infrações graves que tenham escapado à atenção da
equipe de arbitragem, ou em caso de notório equívoco na aplicação das decisões
disciplinares, os órgãos judicantes poderão, excepcionalmente, apenar infrações
ocorridas na disputa de partidas, provas ou equivalentes.
O Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), comentando as alterações trazidas pela Resolução nº 29/2009, observa sobre a hipótese cogitada
pelo parágrafo único do art. 58-B:
Enfrentou-se tema dos mais polêmicos em matéria de Justiça Desportiva: definir
até que ponto os tribunais, notadamente mediante o uso de imagens televisivas,
poderão apenar infrações que não tiverem sido objeto de reprimenda significati1
No original, o texto do comunicado da FIFA sobre o procedimento aberto contra Luis Suárez: According to
art. 77 lit. a of the FIFA Disciplinary Code (FDC), the FIFA Disciplinary Committee is responsible for
sanctioning serious infringements which have escaped the match officials’ attention. Furthermore, according
to art. 96 of the FDC, any type of proof may be produced (par. 1), in particular are admissible, reports from
referees, declarations from the parties and witnesses, material evidence, audio or video recordings (par. 3).
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va pelo árbitro. O art. 58-B, com seu parágrafo único, adotou a postura de admitir
a condenação, com base em prova audiovisual, apenas nos casos de infrações
graves que tenham escapado à atenção da arbitragem, ou que, por notório equívoco, não tenham sido devidamente punidas.
Busca-se com isso evitar que lances de pequeno potencial ofensivo sejam desnecessariamente levados a julgamento. A título exemplificativo, a regra pretende
impedir que uma falta cometida numa partida de futebol, objeto de mera advertência pelo árbitro (o que denota a ausência de maior gravidade), seja reavaliada
no âmbito da Justiça Desportiva para levar a suspensão do atleta, sem que haja
qualquer fator robusto o suficiente a demonstrar que o árbitro cometeu notório
equívoco. O dispositivo tem ainda o potencial de impedir que uma pequena divergência entre adversários, longe dos olhos do árbitro, seja objeto de suspensão
por infração disciplinar, dada a ausência de gravidade.2
O considerado Álvaro Melo Filho, no entanto, ressalva a cautela indispensável, que se impõe aos órgãos judicantes na apreciação e valoração desses
meios probatórios, súmula do árbitro e meios videográficos, como segue:
Antes dotada de presunção absoluta, a súmula da partida deixou de ser a “rainha
das provas” para transfundir-se na “princesa probatória”, posto que, na dicção do
art. 58 do CBJD, juntamente com o relatório e demais informações prestadas pela
equipe de arbitragem, a súmula goza de “presunção relativa de veracidade” ou
de “interina certeza”, como assinalam os juristas espanhóis. [...] De todo modo,
não se pode esconder que, nos casos da infração de ofensa moral ao árbitro,
relatada na súmula, esta tem, de fato, uma quase presunção absoluta, salvo se
houve, por exemplo, possibilidade de leitura labial constante de prova de vídeo,
de modo a não gerar um desequilíbrio no exercício do contraditório e da ampla
defesa.
De outra parte, cumpre realçar que “os árbitros e auxiliares ainda que próximos
dos lances não dispõem do mesmo nível de percepção que acabam captando
as câmeras de vídeo. O que interessa, portanto, é saber se ocorreu uma agressão, ato de hostilidade, deslealdade, jogada violenta, ou seja, um determinado
desvalor de conduta previsto nos mais de 90 tipos infracionais do CBJD”, daí
a importância da súmula gozar de presunção relativa de veracidade. Aduza-se
que o reconhecimento da presunção relativa ou presunção juris tantum, possibilita ao acusado a realização da contraprova, isto é, faculta-se ao réu a demonstração, de que aquele fato, naquele caso concreto, não gerou qualquer perigo
ao bem jurídico-desportivo. Nada obstante, não se pode, na prática, em razão
da relatividade probante da súmula, torná-la imprestável ou colocá-la a latere,
substituindo-a radicalmente pela prova de vídeo e tornando esta prova eletrônica
herdeira universal do valor absoluto antes concedido tão apenas à súmula [...].3
2Ver Código Brasileiro da Justiça Desportiva, publicado pelo IBDD.
3
Ver CBDJ 2010: reequilíbrio do jogo jus-desportivo. Derecho Deportivo en Línea. Disponível em: dd-el.com.
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Também Felipe Tobar, em suas precisas considerações sobre a anulação
do apenamento de atletas, aos quais tenha sido exibido o cartão amarelo ou
vermelho, trazendo à colação argumentos de Fernando Tasso, observa em torno
da matéria ora em pauta:
Após rápida leitura de ambos os dispositivos muitos aficionados podem se questionar do porque em vários casos já apreciados pela Justiça Desportiva, atletas
acabam sendo punidos mesmo que sequer tenham recebido um cartão amarelo.
Não estaria o STJD violando tais normas?
Não estaria ocorrendo um reapitamento das partidas? A resposta é negativa. Isto
porque, o CBJD abriga em seu texto, dispositivo que permite, desde que em específicos casos, o apenamento de tais atletas segundo critérios definidos no parágrafo único do art. 58-B, a saber: “Art. 58-B. [...]. Parágrafo único. Em caso
de infrações graves que tenham escapado à atenção da equipe de arbitragem,
ou em caso de notório equívoco na aplicação das decisões disciplinares, os órgãos judicantes poderão, excepcionalmente, apenar infrações ocorridas na disputa de partidas provas ou equivalentes”. Ao comentar o citado artigo, o mestre
Fernando Tasso, explica em linhas gerais o objetivo de sua criação: “Esse artigo
tenta solucionar uma polêmica, a possibilidade da Justiça Desportiva, rever a
atuação do árbitro, seja anulando cartões, seja aplicando sanções quando não
forem percebidas pelo árbitro. [...] A regra geral do caput pode assim ser definida: as decisões dos árbitros são soberanas e não podem ser revistas pela Justiça
Desportiva. Assim, a aplicação de um cartão amarelo ou vermelho, bem como
a suspensão automática advinda da expulsão em jogo anterior é imutável. Não
é possível recorrer da aplicação de um cartão vermelho ou buscar a anulação
de uma expulsão, nem tampouco anular um gol, um pênalti ou algo assim. [...]
Maior polêmica existe, porém, quando, no mesmo caso, o árbitro vê o lance,
marca falta, mas não aplica nenhum cartão, ou aplica um cartão amarelo. Nesse
caso, entende-se que o árbitro interpretou o lance e decidiu que não se constituía
em agressão, não sendo passível de expulsão. Nesse caso, quando o órgão da
Justiça Desportiva entender que houve “notório equívoco” do árbitro, poderá sim
aplicar uma punição ao agressor.
Ademais é requisito fundamental que a infração seja considerada grave.4
Por derradeiro, colacionamos interessante decisão da Justiça Desportiva
no relativo às provas constituídas por imagens videográficas. Do voto do Relator
Nicolao Constantino Filho no Processo nº 70/2014 (Segunda Comissão Disciplinar do STJD), colhe-se que, na partida entre a Ponte Preta (Campinas) e o Oeste
(Itápolis), um jogador da Ponte Preta sofreu falta e, segundo o árbitro, teria – supostamente – agredido com uma “peitada” o jogador do Oeste, que cometera
4
Ver “A possibilidade de anulação de cartões disciplinares e do instituto da suspensão automática pela Justiça
Desportiva do Futebol brasileiro”, resumo de artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Desportivo
(RBDD) e apresentado no Congresso de Direito Desportivo da UFSC em novembro de 2013. O autor cita a
argumentação de Fernando Tasso (Código Brasileiro de Justiça Desportiva CBJD – Comentários à Resolução
CNE nº 29, de 10.12.2009. p. 77).
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29
a infração, pelo que foi expulso de campo. Ocorre, porém, que as imagens
apresentadas pela defesa do atleta da Ponte Preta mostraram que o mediador se
equivocou, pois – na verdade – quem deu um “empurrão” no jogador expulso
foi o atleta do Oeste. Dessarte, constatado o engano do árbitro, o jogador da
Ponte Preta resultou absolvido, sendo, então, denunciado o jogador do Oeste.
A Procuradoria, com a denúncia, pretendeu o apenamento do real agressor.
Porém, como o jogador do Oeste, por sua atitude, já fora punido com a
advertência pelo cartão amarelo, a Comissão deliberou absolvê-lo, estribando-se na redação do art. 58-B do CBDJ, como segue:
No meu entendimento o pleito da defesa deve ser acatado, pois deve-se aplicar
a regra do jogo, ou seja o arbitro apreciou o lance e aplicou o cartão amarelo, ao
ora denunciado, conforme se constata das provas apresentadas e da súmula da
partida. Ad referendum, o atleta foi punido durante a partida, conforme interpretação do árbitro, portanto, seria injusto e inviável, a reprimenda deste Tribunal,
nos termos do já citado art. 58-B. As decisões disciplinares tomadas pela equipe
de arbitragem durante a disputa de partidas, provas ou equivalentes são definitivas, não sendo passíveis de modificações pelos órgãos judicantes da Justiça
Desportiva. Isto posto, diante do acima mencionado e com fulcro no art. 58-B do
CBJD, voto pela absolvição do denunciado [...] do Oeste F. C., que estava incurso
no art. 250, § 1º, inciso II do CBJD.
1º de abril de 2014
Parte Geral – Doutrina
Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Rumos
GUSTAVO LOPES PIRES DE SOUZA
Doutorando em Activitat Física i Esport pela Universitat de Lleida, Mestre em Direito Desportivo pelo INEFC – Institut Nacional d’Educación Fisica de Catalunya/Universitat de Lleida
(Espanha), Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Auditor do STJD
da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAT), Procurador do TJD da FF7MG, Associado e
Membro do Conselho Consultivo do Instituto Mineiro de Direito Desportivo (IMDD), Associado
e Diretor Regional (MG) do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Coordenador Regional (MG) do Curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo da Unifia, Membro do Conselho
Editorial da Revista Síntese de Direito Desportivo, Membro do Conselho de Apoio e Pesquisa da
Revista Brasileira de Direito Desportivo (IBDD/RT), Professor de Direito Desportivo, Professor
de Curso Preparatório para Concursos Públicos (Mega Concursos), Professor da Faculdade de
Direito de Contagem, Colunista dos Sites Universidade do Futebol e Última Instância (UOL).
Autor dos Livros Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte e
Comentários ao Estatuto do Torcedor, além de capítulos e artigos.
Área do Direito: Civil, Direito Comparado, Tributário, Desportivo.
RESUMO: O trabalho teve por objetivo explorar os conceitos de patrocínios desportivos por meio
do mecenato. Após um breve relato histórico, a descrição dos conceitos e a exposição do direito
comparado, identificando experiências positivas e delineando seus novos rumos.
PALAVRAS-CHAVE: Patrocínio desportivo; avaliação; mecenato; marketing desportivo; novos rumos.
ABSTRACT: The study aimed to explore de concepts of the sports sponsorship trough patronage.
After a brief historical account, the description and explanation of the concepts of comparative law,
identifying positive experienxes and outlining the new direction.
KEYWORDS: Sports sponsorship; mecenato; evaluation and sports marketing; new direction.
RESUMEN: Este estudio tuvo como objetivo explorar los conceptos de patrocinio deportivo a través
del clientelismo. Después de una breve reseña histórica, la descripción y explicación de los conceptos
de derecho comparado, la identificación de experiencias positivas y delinear la nueva dirección.
PALABRAS CLAVE: Evaluación de patrocinio deportivo; el patrocinio y marketing deportivo; nuevas
direcciones.
Em meados do século XIX, tanto na Europa como nos EUA, muitos esportes estavam em fase de desenvolvimento, como o futebol, o atletismo, o boxe
e a corrida de cavalos; eles começavam a trazer interesse do grande público,
alcançando maior espaço nos meios de comunicação. Ademais, vários países
atingiam excelência nos negócios empresariais, nos transportes e na urbani­
zação.
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31
Um dos primeiros casos de patrocínio esportivo ocorreu por meio do
“Wisden’s Cricketer’s Almanack”, quando, em 1850, John Wisden, fabricante
de roupas masculinas da Grã-Bretanha, resolveu patrocinar um anuário sobre
Cricket.
Os Jogos Olímpicos modernos propiciaram o desenvolvimento do patrocínio contemporâneo em grandes eventos. Uma das primeiras empresas a
estampar sua marca nos Jogos Olímpicos foi a Kodak.
Em 1912, nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, cerca de 10 empresas adquiriram os direitos exclusivos de veiculação de suas marcas. Nos Jogos de
Amsterdã em 1928, a Coca-Cola, atual parceira do COI em todos os jogos,
iniciou sua participação publicitária em Olimpíadas.
O patrocínio esportivo avançou ainda mais com o advento da televisão.
A primeira transmissão televisiva de um evento olímpico ocorreu em 1936,
nos Jogos Olímpicos de Berlim, com 138 horas de transmissão para cerca de
160.000 telespectadores.
A partir da década de 50, nas Olimpíadas de Helsinque, grandes empresas começaram a monopolizar a compra dos direitos de associar aos Jogos
Olímpicos, entre elas Coca-Cola, Nestlé, Omega, GM e entidades bancárias.
Em 1960, as Olimpíadas de Roma foram televisionadas ao vivo pela primeira vez para 18 países, com delay de algumas horas para os EUA. Naqueles
Jogos, os patrocinadores passam a ser definidos como “Fornecedores Oficiais
dos Jogos Olímpicos”.
Nos Jogos de Montreal em 1976, o evento contou com 168 empresas
divididas em patrocinadores oficiais, colaboradores e licenciados.
A Copa do Mundo de 1982 foi o evento escolhido pela empresa suíça
ISL para finalizar o processo de profissionalização do patrocínio esportivo em
grandes eventos. O projeto foi incorporado pelo COI para as Olimpíadas de
Seul realizado em 1988, quando os patrocinadores dos jogos passaram a ser
considerados oficiais pelo período de quatro anos.
Atualmente, os patrocínios de eventos esportivos ao redor do mundo são
de fundamental importância para o desenvolvimento e crescimento da indústria
de esportes; estima-se que os valores relativos a patrocínios sejam no importe
de US$ 26 bilhões, sendo que o esporte é responsável por cerca de 70% deste
montante.
No Brasil, estima-se que os investimentos com patrocínio de eventos esportivos sejam superiores a R$ 1 bilhão por ano, sendo que mais de 50% desses
investimentos são destinados ao futebol, seguido do vôlei, basquete, tênis e
futsal.
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Outras modalidades esportivas vêm ocupando seu espaço no mercado
esportivo, fazendo os investimentos crescerem todos os anos. Entre algumas das
modalidades que começaram a chamar a atenção do mercado, destacam-se: o
atletismo, com mais de 4 milhões de corredores; os esportes de aventuras, com
mais de 500 mil praticantes; e o golfe, com mais de 25 mil jogadores.
O patrocínio esportivo pode ser definido como uma operação pela qual
os particulares auxiliam o desenvolvimento de determinada atividade financiando-a. Por patrocínio em sentido amplo entende-se como a ação de favorecer e
ajudar economicamente. Imprescindível, entretanto, diferenciar o patrocínio de
caráter oneroso (denominado como comercial, empresarial, publicitário ou de
esposorisação) e o patrocínio sem contraprestação, de caráter gratuito, conhecido como mecenato.
Assim, o que diferencia as ações de mecenato é o fato de se tratar de um
patrocínio financeiro com o fim de permitir-lhes desenvolver sua atividade sem
contrapartida imediata, ainda que as empresas, indiretamente, beneficiem-se
melhorando sua reputação, convertendo-se em uma ação de relações públicas.
Segundo Casanellas, pode-se dizer que o mecenato em sentido amplo é
caracterizado, em primeiro lugar, porque é uma iniciativa privada, já que realizada por um particular. Segundo, é uma iniciativa que busca a satisfação de
fins de interesse geral, quer fazendo uma contribuição ou despesas diretamente,
quer por meio de investimentos feitos por particulares em benefício das mencionadas atividades de interesse geral. Terceiro, o potencial de lucro ou publicidade econômicos associados à ação financiada pelo mecenato não dissolve a
natureza altruísta da ação, pois não corresponde à sua finalidade. E, finalmente,
esta é uma ação cuja implementação em muitos países é incentivada pelo reconhecimento de um benefício fiscal. Termo que denomina o apoio económico
oferecido por um patrono, pessoa ou instituição abastada e influente a artistas,
cientistas ou desportistas com o intuito de promover a sociedade nos domínios
cultural, científico, desportivo, entre outros, através das actividades empreendidas pelos destinatários. Embora se trate de um apoio desinteressado, a pessoa
ou entidade beneficiada dedica, muitas vezes, a obra produzida ao seu patrono,
prestando-lhe homenagem e consolidando o seu estatuto social.
Sábias as palavras de Paulo Capriotti:
Podríamos sintetizar la opinión de la mayoría de los autores en cuanto a la esencia en común del Patrocinio y del Mecenazgo, que tiene que ver con la acción concreta a realizar. Así, podemos establecer una definición básica unificada
de dichos conceptos como la aportación de recursos (económicos, humanos,
tecnológicos, etc.) por parte de una persona u organización hacia otra/s persona/s
u organización/es.
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Pero, a partir de este punto en partida común, tanto en el debate histórico como
el semántico, así como en la creciente práctica profesional, todos han contribuido de forma notable a establecer unos criterios básicos de diferenciación entre
ellos: la finalidad o intencionalidad de las actividades, y el ámbito de aplicación
de cada uno de ellos (García Nieto, 1994: 102-104; Méndiz Noguero, 2001:
28-29; Pérez del Campo, 2002:117). Así, vinculando los dos criterios básicos
de diferenciación, podríamos observar una separación bastante clara entre las
actividades con vocación filantrópica (espíritu altruista y desinteresado orientado
a aspectos sociales y culturales) y actividades con vocación comercial (enfoque
publicitario y promocional orientado a acciones deportivas o mediáticas).
Do ponto de vista histórico, a figura do mecenato tem sua origem na atividade protetora de artistas e escritores dispensado pelo patrício romano Caius
Mecenas Cilnius, estadista romano e ministro do Imperador Augusto.
Desde então, esse termo tem sido tradicionalmente associado com as
ações e apoio desinteressado à cultura e arte em geral, às ações que buscam
promover o interesse público acima de quaisquer interesses especiais, sem esquecer que, nessa figura, maior ou menor grau, este achado pode ser de um certo prestígio político, status social ou interesse pessoal na atividade de proteção
ou ajuda econômica dispensada.
Inclusive, o termo mecenato deriva de Gaius Mecenas. O seu apelido é
habitualmente usado como sinónimo de patrono e símbolo do rico benfeitor
das artes. A prática é-lhe, no entanto, muito anterior, pois os faraós do Egipto e
os tiranos gregos, como Péricles, favoreceram a criação artística como meio esplendoroso de afirmar a sua grandeza. De qualquer forma, o objectivo mudou,
dado que o patrono não busca a obtenção de reconhecimento ou glória em
resposta à sua oferta, que se quer puramente unilateral.
O mecenato constituiu prática comum não durante a época clássica e
por toda a Idade Média e Renascença, tendo sido praticado por príncipes, reis,
papas ou, até mesmo, por nobres ricos e poderosos. Miguel Ângelo e Galileu
Galilei são dois bons exemplos de artistas apoiados por essa actividade: o primeiro se beneficiou do mecenato do papa Júlio II para aprimorar e aplicar o
seu conhecimento e talento na pintura, escultura, arquitectura e poesia; o outro
usufruiu a ajuda do marquês Del Monte e do grão-duque da Toscânia Cosimo II
de Medici, na sua longa carreira como matemático, cientista e inventor.
Ao longo da história de Portugal, foram vários os mecenas, principalmente os monarcas, a proteger os artistas e a impulsionar as suas obras, podendo
ser destacadas as figuras da infanta D. Maria (1521-1577), praticante do mecenato cultural e religioso, de Diogo Mendes e sua família (século XVI) e de
D. Fernando II (1816-1835), príncipe alemão casado em segundas núpcias com
D. Maria II e que, após a morte da rainha, se revelou, igualmente, um regente
culto e um defensor das artes. Inclusive, naquele período, escritores procura-
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vam no mecenato e no respectivo patrono, para além da ajuda económica, a
segurança necessária para evitar suspeitas por parte da Inquisição.
Nos dias atuais, o mecenato não constitui prática comum, eis que as
empresas, quase sempre, optam pelo patrocínio publicitário, no qual o benecificiário compromete-se a uma contrapartida, como participação em eventos,
campanhas publicitárias, entre outros.
No esporte, historicamente, a Fórmula 1 tem constituído um dos maiores
campos do mecenato esportivo mundial. O último é Dieter Mateschitz, dono
da Red Bull e Toro Rosso, mas já houve outros abnegados que, ao seu estilo,
financiaram carros e pilotos.
Outro mecenas bastante conhecido na Fórmula 1 foi a Benetton, quando,
em 1986, os irmãos Luciano, Gilberto, Carlo e Giuliana deixaram de ser copatrocinadores da Tyrrell e Alfa Romeo e compraram a Toleman para transformá-la na Benetton Formula.
De forma bastante ousada, a meta era atingir, por meio do retorno publicitário da F-1, novos mercados em 115 países, com prioridade para Japão,
Coreia, Tailândia e China.
A estratégia teve sucesso e a produção da empresa aumentou em 70%,
com um superávit de 1,6 bilhões de dólares, impulsionado pelas façanhas de
Michael Schumacher no bicampeonato de 1994/1995.
Após o sucesso, a Benetton deixou o gênero mecenas e passou a reduzir
os custos da equipe, loteando gradualmente o espaço nos carros até 75% da
área útil para publicidade em seus protótipos.
Há pouquíssimas experiências de mecenato tão bem sucedidas como a
Benetton, que, em 2001, vendeu a equipe à Renault e deixou a lição de como
passar de mecenas a campeões e bem-sucedido merchandising.
Não obstante, alguns países como Portugal e Espanha e até o Brasil conferem incentivos fiscais para o patrocínio sem contraprestação, incentivando-se
a atividade do mecenato.
Na Espanha, o tratamento fiscal do mecenato e sua aplicação ao campo
dos esportes corresponde a uma manifestação da obrigação do art. 43,3 que a
Constituição espanhola impõe aos poderes públicos para promover o esporte.
A principal regra que rege o patrocínio na Espanha é a Lei nº 49/2002,
de 23 de dezembro, sobre o tratamento fiscal das entidades sem fins lucrativos
e incentivos fiscais para patrocínio.
Em Portugal, há um Estatuto do Mecenato que autoriza o Governo luso
a proceder à reformulação integrada dos vários tipos de donativos efetuados ao
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abrigo dos mecenatos, nomeadamente os de natureza social, cultural, ambiental, científica e desportiva, no sentido da sua tendencial harmonização.
Nos termos da mesma disposição, a definição do Estatuto do Mecenato
deve realizar-se com vista à definição dos objetivos, da coerência, da graduação e das condições de atribuição e controle dos donativos, bem como à criação de um regime claro e incentivador, com unidade e adequada ponderação
da sua relevância, e à definição da modalidade do incentivo fiscal, que melhor
sirva os objetivos de eficiência e equidade fiscal.
No Brasil, a Lei Rouanet prevê incentivos fiscais ao financiamento de
projetos culturais e esportivos. Mais recentemente a Lei de Incentivo ao Esporte,
de dezembro de 2006, permite o desconto no Imposto de Renda de patrocínios
e doações para eventos esportivos.
Em 2007, por exemplo, os projetos da Lei Rouanet somaram R$ 891
milhões. No setor esportivo, foram captados R$ 53 milhões para 21 projetos (a
Petrobras entrou com R$ 26 milhões destinados ao Comitê Olímpico).
Na área dos desportes, as empresas podem usar a isenção fiscal até o
equivalente a 1% do IR devido. Mas a grande maioria fica longe do abatimento
a que tem direito.
A maior mecenas brasileira tem sido a Petrobras, que, em 2007, investiu
R$ 205 milhões (R$ 180 milhões através da Lei Rouanet). Em segundo lugar, a
Vale, com patrocínios na ordem de R$ 32 milhões.
Com o advento da Lei de Incentivo ao Esporte (Lei nº 11.438, de
29.12.2006), inaugurou-se uma nova era para o esporte no Brasil. A nova legislação indica os critérios para o processo de captação dos recursos privados,
via benefícios fiscais, criação das Comissões Técnicas, juízo para análise dos
projetos e possíveis infrações.
Sobre o mecenato na Lei de Incentivo ao Esporte, assim entende Gustavo
Delbin, Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo:
[...] a doação é transferência gratuita, em caráter definitivo, ao proponente, bens
ou serviços para a realização de projetos desportivos desde que não empregados
em publicidade, ainda que para divulgação das atividades objeto do respectivo
projeto ou distribuição gratuita de ingressos para eventos de caráter desportivo e
paradesportivo por pessoa jurídica a empregados e seus dependentes legais ou a
integrantes de comunidades de vulnerabilidade social.
Os benefícios tributários concedidos aos mecenas constituem o exercício
do dever do Estado de estimular e incentivar o financiamento privado. Ademais,
a atuação das empresas por meio do mecenato corresponde ao exercício de sua
responsabilidade social. Nas palavras do Professor Luis Felipe Solano Santos:
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El mecenazgo es una acción filantrópica y en consecuencia, totalmente voluntaria, por virtud de la cual la empresa devuelve a la sociedad parte – pequeña – de
sus beneficios y se trata, repetimos, de una actividad absolutamente voluntaria;
el hecho de que en algunos países sea posible desgravar fiscalmente su coste, ni
añade ni quita valor a las mismas – al menos, presumamos la buena fe –, entre
otras razones, porque primero fue el hecho y después la consecuencia y nos
referimos al dato fiscal. Prescindiendo de que, en numerosas ocasiones, se trata
de verdaderas inversiones – inversiones en imagen social, en desgravaciones fiscales, en posicionamiento político, etc. –, e incluso presumiendo la buena fe en
sus autores, el mecenazgo ha creado la falsa conciencia de hacerlos depender
del libre arbitrio de sus autores, lo que ha retrasado hasta la fecha su consideración de actividades exigibles por parte de la sociedad. Pero, aun hay más; en el
mecenazgo, la empresa que lo ejerce elige caprichosamente todas y cada una de
las circunstancias que lo rodean, que o bien puede ser la reconstrucción de un
monumento, la erección de un orfanato, la creación de becas o de premios a la
investigación y un larguísimo etcétera, inacabable como inacabable es el universo de las acciones humanas. (grifos nossos)
Neste quadro é que o mecenato deve ser analisado, que, em princípio,
consiste em uma atitude filantrópica, altruísta e desinteressada de empenho no
desenvolvimento cultural e social do País, materializada ao que a cultura diz
respeito, por meio do apoio (atribuição de donativos) a organizações, projetos e
atividades culturais – conceito esse que deriva da definição do mecenas como
o protetor das letras e das artes ou dos sábios e artistas.
Essa ideia de mecenato, indiscutivelmente vinculado à filantropia, ao altruísmo e à dádiva sem expectativa de recompensa ou retorno, foi apropriada
pelo Estado e transformada num instrumento das políticas públicas, assumindo
este para si a responsabilidade de incentivar e premiar os mecenas por meio de
benefícios fiscais (abdicando de receita) e dando, assim, uma outra dimensão
ao conceito.
Visto desta perspectiva e tendo em conta igualmente o atual enquadramento legal, o mecenato não pode mais ser categorizado como uma modalidade de financiamento exclusivamente privada, já que um dos seus pressupostos
fundamentais radica nos benefícios fiscais os quais, inequivocamente, se traduzem em financiamento público, ainda que indireto.
Ademais, a figura do mecenas sofreu evolução e deixou de ser o de mero
“protetor” e atingiu o protagonismo empresarial ao assumir um papel relevante
no exercício da responsabilidade social e na melhora da imagem da empresa no
contexto sócio econômico que se insere, embora simultaneamente se pretenda
preservar a natureza filantrópica e desinteressada dos apoios impondo por via
legal a impossibilidade de existência de contrapartidas aos donativos.
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37
Consequentemente, a redefinição do conceito de mecenato deve passar
inexoravelmente pele redefinição do conceito de responsabilidade social, e não
como um mero ato de generosidade da empresa, mas como um conjunto de
obrigações para com a sociedade, revestindo-se, inclusive, da características de
autodefesa frente a circunstâncias sociais adversas.
O mecenato, como atividade empresarial, traduz-se, na maior parte dos
poucos casos em que é utilizado, na aquisição de publicidade (imagem corporativa) ou de reconhecimento social, o qual só existe se o financiamento ou o
apoio for conhecido e amplamente divulgado.
Destarte, no que concerne ao desporto os incentivos fiscais, justificam-se
porque o esporte é uma atividade essencialmente sadia; a conquista de títulos
mundiais é importante porque serve como motivação para o aparecimento de
novos talentos; o aprimoramento do talento desportivo não deve ter limites,
nem no sentido quantitativo, nem no sentido qualitativo.
As mudanças de estruturas sociais no mundo remodelaram todos os campos de atividade, começando pela economia, e o mecenato migrou da nobre
aristocracia à burguesia, que logrou em sustentar esta estrutura identificando
sua função cultural. Esse novo cenário também gerou novas relações entre os
beneficiários e seu público, surgindo o mecenato moderno (ou neomecenato), que tem como embasamento fundamental a confiança e, principalmente,
fundamenta-se em uma relação de confiança para com as empresas.
Nessas novas figuras de relação de arte e mercado e outras como a gestão
empresarial, encontra formas importantes de serem identificadas, como é o caso
da responsabilidade social corporativa que corresponde ao mecenato moderno.
Assim, a responsabilidade social corporativa é a versão atual do que foi
a filantropia. O filósofo caracterizava-se pelo grande amor pelo ser humano
e pelas suas obras em favor da comunidade, ou seja, era um benfeitor que se
realizava em atos humanitários, de maneira que a responsabilidade social corporativa faz referência a um compromisso que as companhias possuem com
seus associados, empregados e, principalmente, com a comunidade, pelo que
assumem e destinam importantes fundos especialmente em áreas de grande
apelo sociocultural sem esperar recompensas econômicas, mas com uma estratégia de marketing social.
Dessa forma, o mecenato constrói uma nova imagem da marca e do produto associando-os a valores que simbolizem a atividade objeto do patrocínio.
Ademais, há outros objetivos secundários, como obter motivação e força nas
vendas em virtude da opinião pública sobre a marca, sua aceitação social e sua
cobertura nos meios de comunicação sobre a nova imagem empresarial. E, para
alcançar visibilidade no mercado brasileiro, poucas são as áreas que trazem
tanta atenção quanto a esportiva.
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A evolução do mecenato certamente trouxe a este instituto roupagem e
aplicabilidade diversos do que ocorreu na sua origem, especialmente no Brasil,
onde a Lei de Incentivo ao Esporte é recente, eis que data de 2006. Como bem
acentua o advogado Gustavo Delbin:
Antes que façam um prejulgamento, vale registrar que pessoalmente sou favorável a todas as leis e projetos que visam a beneficiar, incrementar e desenvolver
o esporte. Mais uma vez afirmo que não se deve julgar grande parte das pessoas
honestas e dedicadas, engajadas e comprometidas com o esporte – seja no setor público, nos clubes privados ou em organizações não governamentais – em
detrimento de uma minoria corrupta e sem caráter. Acredito que todos os meios
devam mesmo ser criados para desenvolver o esporte, porém sempre com mecanismos rigorosos de fiscalização e controle, para se verificar, de maneira, eficaz
o bom uso das verbas e benefícios advindos do governo ou da iniciativa privada,
com a transparência e publicidade necessária.
Segundo João Paulo Medina, em “Educação física e esporte: perspectivas
para o século XX”:
Podemos dizer que, de certa forma e em grandes linhas, o esporte reproduz os
valores dominantes da sociedade. Não é sem razão, pois, que o esporte de alta
competição como é praticado hoje em dia estimule, mesmo que de forma sutil, o
doping, a violência, a mentira, a aparência, o individualismo, de alienação ou o
nacionalismo exacerbado, provocando sequelas ou traumatismos físicos e emocionais em seus praticantes, afastando-os de seu bem-estar físico, mental e social
e sedimentando uma determinada visão e um determinado modelo de educação
e cultura próprios de nossos tempos.
Portanto, ante todo o exposto, percebe-se a imprescindibilidade do patrocínio para a atividade desportiva e o relevante papel do mecenato moderno
como atividade pública por meio de incentivos fiscais e como atividade privada
por intermédio do exercício da responsabilidade social corporativa e da associação da empresa como uma prática social relevante. Neste esteio, o desporto
possui função predominante, já que, além de sua importância na saúde, na
educação e na cultura brasileira, adquire imensa visibilidade e tem relevante
simpatia dos brasileiros, especialmente nos anos que antecedem a realização
dos grande eventos esportivos no Brasil.
REFERÊNCIAS
ANDRÉS, A. J. Mecenazgo y patrocinio. Madrid: Editmex, 1993.
FERRAND, Alain; TORRIGIANI, Luiggino; POVILL, Andreu Camps I. Sport et sponsoring. Barcelona, 2007.
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Parte Geral – Doutrina
Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Futebol Clube e a
Possibilidade do Exercício do Direito de Greve
FÁBIO MENEZES DE SÁ FILHO
Mestre e Graduado em Direito pela UNICAP, Especialista em Direito Judiciário e Magistratura
do Trabalho pela Esmatra VI, Professor do Curso de Graduação em Direito da FADIC, Professor
do Curso de Graduação em Direito da FMR, Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito
do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário do IMN, Professor do Curso de
Pós-Graduação em Direito Processual do Trabalho e Previdenciário da ESA/PE, Professor do
Curso de Direito Desportivo da ESA/PE, Membro da Asociación Iberoamericana de Derecho
del Trabajo y de la Seguridad Social, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo,
Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE, Coordenador do Núcleo de Direito
Desportivo da ESA/PE, Presidente do Conselho Fiscal e Associado Fundador do IPDD, Presidente do Conselho de Ética do Inama/PE, Administrador e Associado Fundador da Academia
Jurídica Virtual, Advogado.
Área do Direito: Desportivo; Trabalho.
RESUMO: O presente estudo analisa a natureza jurídica do movimento social organizado originalmente por atletas profissionais de futebol e conhecido por Bom Senso Futebol Clube. Trata-se de
um grupo de pessoas que busca melhores condições de trabalho para os seus interessados. Diante
dessa atribuição conferida ao movimento, a qual é reconhecida pelos referidos atletas, indaga-se a
respeito de ser possível a deflagração de um movimento paredista, que poderia ser organizado por
essa entidade de classe. Contudo, é notório que, onde houver sindicato da categoria, este será o
órgão legitimado para defender os interesses de determinado grupo de atletas.
PALAVRAS-CHAVE: Bom Senso FC; natureza jurídica; sindicato da categoria; atletas; greve.
ABSTRACT: This study analyzes the legal nature of the social movement originally organized by professional soccer athletes and as known as Bom Senso Futebol Clube. This is a group of people
seeking better working conditions for their stakeholders. Due to this assignment given to this movement, which is recognized by those athletes, this study should inquire about the possible outbreak
of a strike movement, which could be organized by that entity class. However, it is clear that where
there is labor union, this will be the legitimate body to represent the interests of a particular group
of athletes.
KEYWORDS: Bom Senso FC; legal nature; labor union; athletes; strike.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Bom Senso FC: o novo movimento social e sua natureza jurídica; 2 Sindicalismo brasileiro: análise da possibilidade da deflagração da greve com a assistência do Bom Senso
FC; Conclusão; Referências.
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INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar o movimento social
intitulado Bom Senso Futebol Clube, a partir da transformação em artigo do
estudo que serviu de base para uma Carta Aberta aos Associados e Amigos do
Bom Senso FC, a qual foi elaborada em 30 de dezembro de 2013 e divulgada
entre os diretamente interessados em 8 de janeiro de 2014, cujos fatos sociais
motivadores deste documento foram os incidentes gerados nos estados brasileiros em reação contrária à costumeira prática de atraso de salários dos atletas
profissionais de futebol pelos seus clubes empregadores. Contudo, tal prática
vem sendo repelida pelos profissionais do desporto em geral e ganhando cada
vez mais adeptos. São objetivos específicos deste estudo: a) afirmar qual seria a
natureza jurídica do Bom Senso FC; e b) analisar a possibilidade de esse movimento poder participar de uma greve, representando os atletas profissionais de
futebol, sendo esta a problemática da pesquisa.
Para a lapidação do presente estudo e resolução da problemática proposta, serão utilizados textos bibliográficos, aliados ao conhecimento acumulado,
pelo autor desta pesquisa, até os dias atuais, o que inclui o aprendizado obtido
por estar ministrando aulas de direito coletivo do trabalho, desde o primeiro semestre de 2011, atualmente em nível de graduação e de pós-graduação.
Realiza-se, portanto, uma pesquisa descritiva e bibliográfica.
Primeiramente, aborda-se sobre a existência de um novo movimento nascido das massas populares, especificamente no seio futebolístico, que tem por
missão defender os interesses da categoria dos atletas profissionais de futebol.
Neste mesmo tópico, estuda-se a sua natureza jurídica.
Por fim, encerra-se o estudo analisando a sua problemática, a qual visa a
entender se seria possível o Bom Senso assistir os atletas na deflagração de um
movimento paredista, conforme prevê a legislação regente da matéria.
1 BOM SENSO FC: O NOVO MOVIMENTO SOCIAL E SUA NATUREZA JURÍDICA
O Bom Senso FC1 é um recentíssimo movimento social brasileiro que
vem ganhando novos contornos a cada dia que passa, bem assim o seu volume
de adeptos e simpatizantes que tem aumentado consideravelmente.
Proteger os interesses da categoria foi o propósito maior para a criação
desse movimento social, o qual tem sido idealizado principalmente por atletas
que ainda estão em atividade, a exemplo dos atletas Paulo André (ex-Corinthians
1
Para maiores detalhes sobre este movimento social, deve ser acessado o seguinte endereço eletrônico:
http://www.bomsensofc.org/.
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA.......................................................................................................................
43
e atualmente atuando no futebol chinês), Dida (Internacional), Alex (Coritiba),
Rogério Ceni (São Paulo), entre outros.
Nesse viés, por saber desse objetivo social que o Bom Senso FC possui, é
possível defender a tese de que esse movimento tem a natureza jurídica de uma
entidade parassindical, a qual é formada por atletas profissionais de futebol, e
que pode receber suporte de profissionais de diversas áreas. Assim, trata-se de
uma associação sem fins lucrativos e com as atribuições de uma entidade que
seria quase sindical, que atuaria ao lado do sindicato ou que, na sua ausência
(inexistência de sindicato específico numa localidade ou por não atender ao
chamado dos trabalhadores no prazo previsto em lei), faria isso no seu lugar.
Sendo assim, o Bom Senso FC poderia auxiliar os atletas juntamente com
o sindicato local (representativo, por exemplo, de um município ou estado) ou
atuar no lugar deste (sindicato), prestando um auxílio maior, o que equivaleria
a um verdadeiro assistencialismo de caráter sindical.
2 SINDICALISMO BRASILEIRO: ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DA DEFLAGRAÇÃO DA GREVE COM A
ASSISTÊNCIA DO BOM SENSO FC
O Brasil possui um modelo de sindicalismo que é ultrapassado, pois foi
modelado num período em que os sindicatos seguiam o que era ditado pelo
Estado Social, sem ter liberdade alguma ou com pouquíssima autonomia. Tal
modelo foi idealizado primeiramente na Itália e na Espanha (Estados nacionais
socialistas, e que eram fascistas), respectivamente, durante as décadas de 1920
e 1930, numa fase que antecedeu a 2ª Guerra Mundial.
No primeiro Governo de Getúlio Vargas, em 1930, esse modelo de sindicalismo quase sem liberdade alguma começou a ser regulado em leis (inclusive,
diversos decretos-lei) e demais atos normativos.
A greve nesse período, como sempre foi tratada há diversas décadas antecessoras (principalmente nas de 1800 a 1900), era vista como um ato ilícito
e, muitas vezes, de índole criminosa, que atentava contra os interesses econômicos do Estado.
Assim, a greve, que significa paralisar coletivamente alguma atividade de
determinado empreendimento econômico, era vista por gestores estatais como
algo a ser evitado pela sociedade por ser prejudicial a esta, diante de reflexos
econômicos negativos que seriam gerados ao Estado. No entanto, no passado,
não se respeitava a figura do trabalhador como um ser humano, que deveria ser
tratado com dignidade. O operário era muito explorado, principalmente nas indústrias. O trabalhador, muitas vezes, tinha que trabalhar por mais de 12 (doze)
horas seguidas, em local pouco ventilado e muito fechado, sem a devida manu-
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tenção e limpeza e sem o treinamento adequado para manusear equipamentos,
que apresentavam riscos de lesão e até de causar a sua morte. Isso fez com que
trabalhadores, que tiveram alguma oportunidade para adquirir conhecimento,
aliados a outros pensadores da época, buscassem liderar grupos profissionais
para melhorar as suas condições de trabalho. Surgiram assim, de acordo com o
Barroso, as primeiras coalizões, os embriões dos sindicatos2.
Os sindicatos eram conhecidos pela expressão “coalizão” (no sentido
de associação de pessoas), quando ainda não era permitida a sua existência
pelo Estado. Quando passaram a ser reconhecidos (principalmente depois da
criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, após a 1ª Guerra
Mundial), oficializaram o uso do nome “sindicato”3, que deriva de expressões
latina e grega com alusão à palavra advogado, no sentido de que o sindicato
defenderia os interesses de alguém individual ou coletivamente.
No Brasil, o direito do exercício de greve só foi permitido pela primeira
vez em 1946, na Constituição da época. O ato normativo que regulamentou
essa matéria no mesmo ano de 1946 previa que só poderia haver greve nas chamadas atividades acessórias, e considerava praticamente tudo como atividade
essencial/fundamental. Na prática, ainda não se podia fazer greve. Essa situação
permaneceu sem mudanças favoráveis durante todo o período da ditadura militar (1964-1985).
O Brasil, de verdade, só pode visualizar na prática o legítimo exercício
do direito de greve após a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 (CRFB/1988), quando foi criada a Lei nº 7.783/1989. Essa lei passou a
permitir a greve até nas atividades essenciais/fundamentais (a exemplo daquelas desempenhadas em hospitais, para tratamento e abastecimento de água,
produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, distribuição e
comercialização de medicamentos e alimentos, e quanto ao fornecimento de
transporte coletivo), desde que, entre vários outros requisitos, a sociedade e
demais interessados fossem avisados, pelo menos, até 72 (setenta e duas) horas
antes da paralisação coletiva (da greve) e houvesse um efetivo mínimo de pessoas trabalhando para garantir o bom desempenho dessas atividades.
O desempenho da prática futebolística é considerado como uma atividade acessória. Por lei, as atividades desportivas em geral não são fundamentais
para a sociedade, a exemplo daquelas listadas acima.
Assim, como regra geral, a lei exige que haja um aviso prévio de, pelo
menos, até 48 (quarenta e oito) horas antes da paralisação da atividade futebo2
3
BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 25-27.
VALENTIM, Marta. Arquivos sindicais. Marília, 2013. Disponível em: <http://www.valentim.pro.br/Slides/
Arquivos_Empresariais/Arquivos_Sindicais.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2013.
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lística, por não ser atividade essencial. Esse aviso deve ser direcionado para o
sindicato patronal correspondente (dos clubes de futebol, se existir) ou diretamente para o clube empregador.
A paralisação deve ser coletiva (não haveria desempenho de trabalho
algum por qualquer atleta do clube), mas não há necessidade de que todos participem presencialmente. Por exemplo, se há greve nos bancos, muitos trabalhadores vão comparecer na frente do estabelecimento bancário a que prestam
serviços e vão tentar convencer os demais colegas a não trabalharem também,
até paralisar totalmente a atividade. Outros poderiam ficar em suas residências
mesmo, por saberem que haveria alguma garantia de que poderiam paralisar a
atividade sem prejuízo do salário dos dias que não fossem trabalhar.
A paralisação não pode ter o emprego de violência. Assim, a greve deve
ser também um ato coletivo exercido de uma maneira que seja a mais pacífica
possível. No máximo, pode haver pessoas que sejam líderes que queiram convencer, por intermédio do uso da palavra, os demais colegas a participar da
greve.
A paralisação coletiva de uma atividade deve ainda ser por prazo determinado. Não existe um prazo certo, mas pode haver um ato-condição que
finalize a razão de ser da greve. Portanto, se houver o atraso de salário de atletas
por mais de 3 (três) meses, poderia ser sugerido que a regularização da situação
de 2 (dois) meses seria suficiente para terminar a greve. Assim, o ato-condição
terminativo da greve seria o pagamento de 2 (dois) meses de salário dos atletas
por parte de um clube específico. Esse ato-condição deve ser estabelecido antes
de se fazer a greve.
E o principal requisito legal é que a greve deve ser vista justamente como
o último instrumento para se resolver questões que envolvam interesses comuns
de vários trabalhadores. Para isso, devem ser esgotadas primeiramente as chamadas vias ordinárias de resolução de conflitos coletivos de trabalho. A greve
seria uma via extraordinária, que só pode ser utilizada após o esgotamento de
todas as vias ordinárias.
Assim, seriam vias ordinárias para se resolver qualquer conflito coletivo
relacionado ao futebol (exatamente nesta ordem):
a1) a tentativa de firmação do chamado acordo coletivo de trabalho
(ACT) entre um clube específico e o sindicato dos atletas profissionais de futebol local. Nesse caso, os atletas de um clube específico
seriam representados por seu sindicato local para resolver os conflitos; ou
a2) a tentativa de firmação da chamada convenção coletiva de trabalho
(CCT) entre o sindicato dos clubes de futebol e o sindicato dos atle-
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tas profissionais de futebol local. Nesse caso, os atletas de um ou
mais clubes específicos de uma mesma localidade também seriam
representados pelo seu sindicato para resolver os conflitos;
b)
se o clube e o sindicato não chegassem a um senso comum para firmar o ACT ou se os sindicatos de clube e de atletas não chegassem
a um senso comum para firmar a CCT (o que se chama de malogro,
no sentido de frustração), poderia ser ofertada às partes que primeiramente resolvessem o conflito pela mediação (que poderia ser
realizada por um membro do Ministério do Trabalho e Emprego ou
do Ministério Público do Trabalho);
c)
se os representantes de clube e atletas não quisessem a mediação,
poderia ser ofertado que resolvessem o conflito por arbitragem (que
não é a “arbitragem do apito”; esta arbitragem é realizada por uma
pessoa que teria quase os mesmos poderes de um julgador da Justiça estatal). A arbitragem quase não costuma ser utilizada para este
fim (resolver conflitos coletivos de trabalho);
d)
se as partes também não quisessem resolver por arbitragem, poderiam resolver na Justiça estatal, com a chamada ação de Dissídio
Coletivo do Trabalho (DCT), e por quase sempre versar sobre questões de natureza econômica, precisaria que os sindicatos dos clubes
e dos atletas quisessem entrar com essa ação em comum acordo.
Portanto, é possível que, se um sindicato não quisesse entrar com a
ação de DCT, o outro sindicato não poderia fazer isso sozinho. Essa
regra é teratológica e fere o princípio da inafastabilidade de jurisdição (previsto no art. 5º, XXXV4), estando na CRFB/1988 praticamente desde o início de 2005, quando foi alterado o § 2º do seu art. 114
por emenda constitucional (EC 45/2004)5. Se o sindicato dos clubes
não quiser ajuizar um DCT, só vai restar ao sindicato dos atletas
sugerir que os empregados dos clubes paralisem coletivamente a
atividade, exercendo o legítimo direito à greve.
Existem diversas outras situações possíveis que poderiam ser analisadas
sobre o manejo do ACT, da CCT e/ou do DCT, mas o estudo ficará restrito ao
4
5
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito; [...].”
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004) [...] § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é
facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça
do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como
as convencionadas anteriormente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) [...].”
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que foi exposto acima e que é crucial para o que será explicado mais adiante
sobre a greve.
Todas essas etapas seriam abreviadas caso o sindicato dos atletas profissionais de futebol resolvesse o conflito diretamente com um clube específico,
criando um ACT, que iriam conter cláusulas e iriam tratar de diversos direitos e
obrigações de natureza geral dos trabalhadores deste clube. Portanto, não seria
necessária a deflagração de uma greve. A não ser que o clube começasse a desrespeitar as suas obrigações constantes no referido ACT. Se houvesse esse desrespeito a obrigações previstas no ACT por um clube, seria possível que os seus
atletas paralisassem coletivamente a atividade futebolística. Isso seria possível
porque o esgotamento da via ordinária foi cumprido quando se firmou o ACT.
Sendo assim, a greve só é possível de ser exercida caso todas as vias
ordinárias sejam esgotadas: a) tentar resolver por meio de Acordo Coletivo de
Trabalho (ACT) ou Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) e haver a frustração
desta negociação; b) não aceitar a oferta de resolver o conflito por mediação;
c) não aceitar a oferta de resolver o conflito por arbitragem; e d) não haver o
ajuizamento de Dissídio Coletivo do Trabalho (DCT).
Por outro lado, deve-se reiterar que, se existisse um ACT, uma CCT ou
uma sentença normativa (trata-se do produto originado pela Justiça estatal
quando do julgamento de um DCT, servido como substituto de um ACT ou
uma CCT), e o clube deixasse de cumprir as obrigações estipuladas num desses
diplomas coletivos, poderiam os atletas desse clube paralisar a atividade futebolística, ou seja, fazer greve diante do seu clube empregador.
Dessa forma, conclui-se que o sindicato é extremamente importante para
a resolução de qualquer conflito coletivo de trabalho.
Contudo, em virtude de existir muitos sindicatos no Brasil que são conhecidos como “pelegos” ou “amarelos”, pois, dentro daquela sistemática arcaica
que permanece até os dias atuais, o sindicalismo brasileiro se mantém financeiramente sem precisar depender da filiação de trabalhadores nos sindicatos.
Sendo assim, qualquer sindicato, independentemente de ser atuante ou não,
sobreviverá mesmo que não tenha trabalhador algum da categoria filiado a ele.
Isso acontece porque, no Brasil, existe a chamada contribuição sindical
“obrigatória” (com natureza de tributo), que corresponde a um dia de trabalho,
descontada, no caso de atletas profissionais, diretamente na folha de pagamento
do mês de março de cada ano. Essa contribuição independe de filiação do atleta
ao sindicato. Basta ele ser empregado de algum clube e existir um sindicato no
local em que ele prestar serviço ou uma federação sindical da categoria. Assim,
se um atleta se emprega num clube de Pernambuco, no mês de janeiro, ao se
adentrar no mês de março o clube irá reter uma parcela do seu salário para
repassar ao respectivo sindicato dos atletas profissionais de PE. E, mesmo que
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o referido atleta se empregue depois do mês de março (por exemplo, no mês
de maio), terá que contribuir individualmente do mesmo jeito. O seu primeiro
salário de maio, por exemplo, terá a retenção de um dia de trabalho. Fica clara
a noção de que essa contribuição sindical é obrigatória.
Entretanto, não se deve confundir essa contribuição sindical “obrigatória” com outras contribuições que podem ser descontadas do salário de atletas.
Se houver alguma taxa cobrada mensalmente e o atleta não tiver autorizado
expressamente essa cobrança, esse desconto é ilegal e abusivo. Para poder haver a cobrança desta taxa mensal ou mensalidade sindical, antes de haver a
autorização, o atleta teria que ser filiado ao sindicato. Se o atleta não é filiado
ao sindicato, essa taxa mensal já é abusiva, não se adentrando na discussão a
respeito de ter havido ou não autorização para a cobrança. Se for filiado, tem
que analisar se houve autorização expressa do atleta para haver o desconto. Na
prática, clubes em parceria com sindicatos fazem esse desconto sem o atleta ser
filiado ao sindicato e/ou ter autorizado tal cobrança. Isso é flagrantemente ilegal
e bastante comum de acontecer.
Explicou-se isso, pois, caso algum atleta não se filie ao sindicato que
existir na sua localidade, e não contribuir com as taxas que alguma entidade
sindical quiser cobrar, ainda assim tais sindicatos vão conseguir se manter, por
causa daquela contribuição sindical “obrigatória”.
Essa contribuição sindical “obrigatória” é uma fonte de receita que mantém os sindicatos, as federações e as confederações sindicais, independentemente de essas entidades quererem atuar, defendendo o interesse da categoria
(dos trabalhadores ou dos empregadores).
Nesse mesmo sentido e continuando o raciocínio, para um sindicato dos
atletas firmar um ACT (com um clube específico) ou CCT (com o sindicato dos
clubes), é preciso que os interessados (os atletas profissionais) provoquem-no
primeiramente para atender ao seu chamado. Isso pode ser feito por correspondência (com a devida comprovação de recebimento), e a lei determina que esse
sindicato terá 8 (oito) dias para atender ao chamado. Se o sindicato atender ao
chamado, presidirá as negociações pelas vias ordinárias e, se for necessário,
pela via extraordinária (greve), conforme explicado acima.
Se o sindicato não atender ao chamado por alguma razão qualquer, que
pode ser porque não quer se indispor com um clube específico (descumprindo
a sua obrigação principal de defesa dos interesses dos seus representados, que
são os atletas), caberá aos mesmos empregados provocar em outros 8 (oito) dias
a federação dos atletas profissionais de futebol, que só existe uma atualmente
e tem amplitude nacional (Fenapaf, que fica no Rio de Janeiro/RJ). Caso essa
federação sindical também não atenda ao chamado (e por não haver confederação sindical desta natureza no Brasil), aí a lei diz que os atletas podem formar
uma comissão de trabalhadores eleita por eles (e diante do seu empregador),
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para que façam as negociações ordinárias e a extraordinária (greve), se esta for
necessária.
Por exemplo, se o sindicato dos atletas profissionais do estado “X” for provocado pelos empregados de um clube “Y” para resolver questões dos seus interesses e o sindicato não atender ao chamado em 8 (oito) dias (se a notificação da
parte se desse hoje, 03.06.2014, teria até o dia 11.06.2014), esses mesmos atletas poderiam solicitar, em novos 8 (oito) dias, que a Fenapaf atendesse ao chamado (partindo-se do pressuposto que tal notificação ocorresse em 12.06.2014,
o prazo para atendimento do chamado se esgotaria em 20.06.2014), a fim de
firmar um ACT com o clube “Y”. Caso essa federação sindical também não
atendesse ao chamado, teoricamente os trabalhadores poderiam eleger entre
eles um ou mais membros para liderar uma comissão de trabalhadores e levar a
resolução do conflito coletivo de trabalho adiante. É nesse momento que o Bom
Senso FC poderia se engajar, dando suporte para a formação dessa comissão de
trabalhadores diante de um empregador específico, que poderia levar a negociação coletiva adiante. Sem a participação do Bom Senso FC, dando suporte
à formação de tal comissão negocial, dificilmente isto iria acontecer, uma vez
que os atletas não teriam as mesmas proteções jurídicas que um dirigente sindical possui (de estabilidade jurídica e inamovibilidade sindical, na forma da
lei). E a participação do Bom Senso FC daria uma relativa segurança jurídica aos
integrantes de tal comissão, pois poderia atrair para si a responsabilidade pela
negociação, ao invés de deixar o peso da decisão concentrada nos atletas, que
estariam desprotegidos pela lei (em comparação a um dirigente sindical).
Conclui-se, diante do que foi dito acima, que o exercício do direito de
greve é algo muito burocratizado no Brasil, só sendo possível caso sejam esgotadas as vias ordinárias primeiramente.
No entanto, mesmo que não sejam esgotadas as vias ordinárias, não haveria impedimento para que uma “paralisação geral” fosse deflagrada no Brasil
por todos (ou quase todos) os atletas de diversos clubes, fazendo com que paralisassem, por exemplo, a atividade de uma rodada inteira de uma competição futebolística de âmbito nacional, a fim de buscar melhores condições de
trabalho. Porém, nessa situação, caso o clube prejudicado buscasse a justiça,
esta poderia reconhecer a ilegalidade da greve (por não terem sido esgotadas
as vias ordinárias), e ordenar o retorno dos atletas à atividade imediatamente,
podendo reconhecer ou não o direito ao empregador de descontar o(s) dia(s)
não trabalhado(s).
Não se quer aqui incitar qualquer pessoa a paralisar uma atividade. Neste
estudo, há apenas uma tentativa de se trazer uma explicação didática com relação ao que poderia ocorrer numa situação prática.
Além disso, vale a pena lembrar o que prevê a Lei nº 9.615/1998 (Lei dos
Desportos), no seu art. 32, o qual dispõe que: “É lícito ao atleta profissional re-
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cusar competir por entidade de prática desportiva quando seus salários, no todo
ou em parte, estiverem atrasados em dois ou mais meses”.
Sendo assim, se o salário do atleta estiver atrasado, até mesmo parcialmente (ex.: deveria perceber R$ 2.000,00 e só recebeu R$ 724,00 num mês
específico), por período igual ou superior a 2 (dois) meses, o referido empregado futebolista pode se recusar individualmente a competir, o que inclui os
treinamentos e as disputas de partidas. Não se quis discutir aqui a questão de
o direito de imagem ter ou não natureza salarial6, pois aí a discussão teria um
aprofundamento que não foi visado quando da elaboração dos seus objetivos.
Sendo assim, acerca da regra prevista no art. 32 da Lei dos Desportos,
apenas se quis dizer que a paralisação pode ser feita também individualmente
por cada atleta que tiver o seu salário atrasado, não importando se é na íntegra,
mas devendo tal atraso ser por período igual ou superior a 2 (dois) meses.
CONCLUSÃO
No presente estudo, viu-se que a natureza jurídica do Bom Senso FC tem
se assemelhado cada vez mais à de uma entidade parassindical, em virtude
de a sua atuação ser bastante próxima em relação ao que é praticado por uma
entidade sindical.
Conclui-se afirmando que é possível o Bom Senso FC dar suporte aos
atletas profissionais de futebol para que estes deflagrem uma greve, diante da
inexistência de uma entidade sindical específica ou do não atendimento do
chamado por parte desta, quando devidamente provocada pelos interessados.
Contudo, não seria o Bom Senso FC que poderia deflagrar a greve, por ainda
não ter autorização legal expressa neste sentido, mas seriam os próprios atletas
interessados que fariam isto, com o suporte de tal movimento social.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual
de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010.
VALENTIM, Marta. Arquivos sindicais. Marília, 2013. Disponível em: <http://www.
valentim.pro.br/Slides/Arquivos_Empresariais/Arquivos_Sindicais.pdf>. Acesso em:
28 dez. 2013.
6
Sobre a temática do direito de imagem pago em fraude à lei, sugere-se a leitura da obra: SÁ FILHO,
Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol.
São Paulo: LTr, 2010. p. 93-99.
Parte Geral – Doutrina
A FIFA e o Direito Penal
LEONARDO SCHMITT DE BEM
Doutor em Direito Penal pela Università degli Studi di Milano e pela Universidad de Castilla-La Mancha, Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra, Professor
de Direito Penal em Santa Catarina, Cocoordenador e Articulista na obra Direito Desportivo e
Conexões com o Direito Penal.
RESUMO: O futebol representa excelente âmbito para analisar algumas questões relacionadas com
a criminalização. Os casos Suárez e Zuñiga, ocorridos no Mundial do Brasil, comprovam essa assertiva. Com base no episódio da mordida do jogador uruguaio, analisarei se a incidência penal deverá
ser sempre a última medida e, reflexamente, se a pena criminal é a mais grave das intervenções na
liberdade humana. Com respaldo na joelhada proferida pelo atleta colombiano, discorrerei sobre a
fronteira entre as condutas lesivas toleráveis e intoleráveis no âmbito do futebol. Em síntese, analisarei se realmente o direito penal deve incidir para fins de punição dos jogadores sulamericanos.
SUMÁRIO: 1 O caso Luis Suárez; 2 O caso Juan Zuñiga.
1 O CASO LUIS SUÁREZ
O uruguaio Luis Suárez proferiu uma mordida em jogador adversário
durante partida da Copa do Mundo no Brasil. A Comissão Disciplinar da FIFA
puniu energicamente o atleta suspendendo-o pelos próximos nove jogos da seleção, desvinculando-o por quatro meses de atividades esportivas e do simples
acesso aos estádios nesse período, além de multá-lo em milhares de francos
suíços. Em síntese, a entidade entende que o futebol pressupõe certa ética e que
o futebolista deixou de cumprir as regras desportivas e de preservar a chamada
integridade desportiva.
A conduta antidesportiva do jogador celeste e a punição exagerada da
entidade máxima do futebol contribuem, ao menos, em dois importantes debates no direito penal. Primeiro: a pena criminal é a mais grave das intervenções
na liberdade humana? Segundo e, reflexamente: a incidência penal deverá ser
realmente a última medida?
Luis Suárez, ao morder o ombro de Chiellini, praticou, em tese, uma
lesão corporal leve tipificada no caput do art. 129 do Código Penal com pena
mínima cominada de três meses. Para ser possível sua incriminação, exige-se,
legalmente, representação do ofendido (art. 88 da Lei nº 9.099/1995). A vítima
italiana, que já entendeu excessiva a punição, certamente decairá deste direito
uma vez que deixará transcorrer o prazo de seis meses para o seu exercício.
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Vistas as coisas, algo anda muito mal quando se observa uma punição
disciplinar mais grave que uma possível punição criminal. Seria como dizer,
em outros termos, que o fair play (jogo limpo), um bem (valor) estritamente esportivo e sem um correspondente direito fundamental reconhecido constitucionalmente, teria uma proteção mais ampla que um legítimo bem jurídico penal.
Alguém pode se perguntar: como a pena disciplinar aplicada ao jogador
que violou as regras do esporte poder ser mais grave que a sanção mínima cominada para o crime de lesão corporal leve? É surpreendente a atitude da FIFA,
e quem enaltece esse julgamento se esquece da função da pena criminal, ou
seja, de ser a mais intimidante reprimenda estatal e, com efeito, possibilita que
a pena imposta pela classe administrativa seja maior que a coação definida pela
atuação jurisdicional1.
Quando isso ocorre, seguramente há “algo mais” protegido no esporte.
Mas esse “algo mais” deve ser algo distinto ao próprio objeto jurídico tutelado
penalmente. É o mesmo que dizer que o bem jurídico penal protegido contra
as ofensas físicas não pode estar encoberto na tutela do fair play. E por que
não pode? Quando a conduta praticada não é coagida penalmente, porque no
âmbito da violência física não está proibida ou está justificada ou depende do
exercício de alguma condição, não resulta possível a punição disciplinar, salvo se o fundamento jurídico for diferente. Significa dizer que não pode haver
identidade entre os interesses jurídicos tutelados pelas distintas normas sancionadoras. Porém, repetimos que um bem estritamente desportivo não pode estar
protegido com sanções mais graves que as previstas para a proteção de bens
jurídico-penais.
A FIFA não respeitou essa regra, quiçá, porque a ideia de prevenção não
resulta suficiente com a previsão da sanção disciplinar somente para a tutela da
integridade desportiva. Queremos afirmar, em termos mais simples, que a sanção disciplinar cominada exclusivamente para a proteção do espírito desportivo
não cumpriria as finalidades de prevenção que derivam da pena criminal. Para
mudar esse contexto, a FIFA termina por camuflar sob uma etiqueta jurídica
indeterminada, pois as expressões citadas têm bela sonoridade, mas carecem
de conteúdo – sendo este definido pelos membros de sua Comissão disciplinar
– interesses jurídicos já protegidos penalmente. Contudo, em nosso entender,
a FIFA, com esse procedimento velado, ofende a proibição de duplicidade de
sanções por uma mesma conduta, como enuncia o princípio non bis in idem.
1
Manuel Portero Honares (¿Principio de efectiva protección de bienes jurídicos?: Derecho penal europeo y
principio de proporcionalidad. In: Los derechos fundamentales en el derecho penal europeo. Pamplona:
Arazandi, 2010. p. 321) destaca que “a pena criminal tem uma importante função que é a de fixar o limite
máximo da força que podem alcançar as demais intervenções”.
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Assim, e na sequência do que defenderemos, a aplicação das sanções
disciplinares poderá ocorrer em somente dois contextos: com o descumprimento das regras desportivas e com consequências ofensivas unicamente aos interesses desportivos; ou, nos casos de condutas de escassa gravidade aos objetos
jurídico-penais, pois nesse contexto, primeiramente, é suficiente a instância
desportiva para a devida tutela e, em segundo lugar, pois as ofensas insignificantes não concernem ao direito penal. Nesses casos, novamente reforçamos
que a sanção disciplinar não poderá superar à penal, pois, segundo expõe Cuchi
Denia, “em um Estado Democrático de Direito, é difícil que predomine o decoro de uma organização antes da proteção à integridade de seus participantes”2.
Diante desse contexto, é possível aderir à doutrina de Tiedemann e
Schünemann, que acodem não ser sempre precisa a opinião majoritária que
pressupõe que a reprimenda penal é a mais grave das intervenções na liberdade3. Explicamos detalhadamente.
O exercício de qualquer atividade transforma a vida humana. Entendendo-se o trabalho como uma atividade qualquer, como a prática desportiva
profissional, a sua restrição, é dizer, a restrição da liberdade de seu exercício,
afeta a vida humana. Sendo assim, a suspensão imposta pela FIFA ao uruguaio,
ademais de excepcionar nossa Carta Fundamental no âmbito de seus direitos e
garantias fundamentais, pois, ademais da punição desportiva, proibiu-se Suárez
de adentrar aos estádios da Copa e mesmo de permanecer nos locais oficiais
junto com seus colegas de seleção, seguramente pode ser considerada mais
grave que uma pena criminal4.
Considerando o caso Suárez, a objeção dos penalistas é correta se o conceito de liberdade não contempla apenas o direito de ir e vir, é dizer, o direito
de locomoção, porque não há dúvidas de que a pena de privação de liberdade
é a coação mais intrusiva para o ser humano. E isso sem olvidar dos países que
aderem à prisão perpétua. Porém, se o conceito de liberdade abarcar, mais além
do direito de locomoção, o direito de exercer uma atividade (prática desportiva), determinadas penas disciplinares ou administrativas serão – se já não o são
– realmente mais graves.
Com esse novo alcance conceitual, é possível observar que o castigo
penal não é a pior resposta que um Estado pode atribuir às pessoas. Isso não
2
3
4
CUCHI DENIA, Javier. La incidencia del derecho penal en la asignatura deportiva: la aplicación del principio
ne bis in idem. Revista Española de Derecho Deportivo, n. 8, p. 172 e ss., 1997.
Apud GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 58-59.
Outro famoso caso que ilustra esse contexto foi o banimento de todos os esportes olímpicos da nadadora
brasileira Rebeca Gusmão pela Corte Arbitral do Esporte pelo uso reiterado de substâncias proibidas. Essa
sanção disciplinar supera as penas criminais previstas, por exemplo, nas leis belga e italiana, que punem a
prática da autodopagem.
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significa, contudo, que o dogma da intervenção mínima do direito penal deva
ser abandonado, mas nada impede uma revisão.
Nesse sentido, é muito interessante a proposta de Nils Jareborg, que não
segue a ideia de que o direito penal atue somente quando os demais meios
legais são insuficientes5. O penalista altera a forma de analisar o princípio da
intervenção mínima tendo em consideração que as restrições ao legislador não
são amplas6, de sorte que passa a considerá-lo como uma condição favorável à
criminalização, e não mais como sendo uma condição contrária7.
Essa análise destaca, inicialmente, que a intervenção mínima é tão somente um princípio da ética legislativa que fundamenta a ideologia de um Estado de direito e que se presume existir em países governados democraticamente. Sem embargo, reconhecendo que a argumentação ética é também ampla,
apresenta uma nova sistematização por ele chamada de equilíbrio reflexivo do
legislador, valendo-se de uma expressão importada de John Rawls8. Destacaremos alguns detalhes.
O penalista pretende impedir o uso radical do direito penal. Para cumprir
esse objetivo, converte o direito penal no meio extremo para casos extremos.
Para demarcar sua tese, elege terminologia muito interessante. Trabalha a intervenção mínima sob um amplo princípio in dubio pro libertate em oposição ao
princípio in dubio pro lege. O conteúdo essencial daquele provém de argumentos favoráveis e contrários à criminalização que constituem elementos de três
subprincípios: o valor penal, a utilidade e a humanidade, sendo que, em casos
extremos, o primeiro tem prioridade sobre os outros dois9.
Interpretando sua doutrina, concluímos que ações sem grau suficiente de
desaprovação não devem ser sancionadas criminalmente. Logo, quanto maior
seja o valor penal da conduta, mais provável será a sua criminalização. Verificado esse alto valor, as dúvidas para a incriminação desaparecem. O princípio do
valor penal reúne dois argumentos. O primeiro é a reprovação pela culpabilidade que é constituído pelo bem jurídico violado, pela criação de riscos ou danos
ao interesse jurídico protegido, pela atuação intencional ou negligente do agente, entre outros. O segundo é a análise da proporcionalidade retrospectiva, é
dizer, para que a sanção penal não pareça exagerada para certo tipo de condu5
6
7
8
9
ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no desporto. In: Liber Discipulorum para Jorge
de Figueiredo Dias. Coimbra, 2003. p. 682 – inclusive assinalando que o sistema sancionador desportivo
“acrescenta uma força nada depreciável ao princípio da ultima ratio do direito penal”.
Klaus Tiedemann (Constitución y derecho penal. Revista Española de Derecho Constitucional, n. 33. Trad.
Luis Arroyo Zapatero. Madrid, p. 148, 1991), particularmente no contexto constitucional alemão, destaca “a
ampla margem de liberdade ao legislador para a configuração do ordenamento penal”.
JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso. Revista Síntese de Direito Penal e Processo Penal,
n. 77. Trad. Lucas Minorelli. Porto Alegre: Thomson, p. 58-74, 2013.
JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso, p. 60.
JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso, p. 67-68.
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ta, será necessário compará-la com outras condutas com o fim de verificar sua
suficiente gravidade. O segundo argumento constitui um freio do primeiro10.
A interpretação se deve realizar no sentido de que o legislador apenas
exalte como delituosas as condutas que afetem os bens jurídicos de modo relevante. Longe de advogar a eliminação penal do âmbito desportivo, deve-se
valer de sua presença somente em última instância, porém não com a finalidade de examinar os demais instrumentos legais, senão em face de ações
que apresentem, de maneira efetiva, um índice de lesividade ao bem jurídico.
Exemplificando: se em uma partida, todos os insultos que jogadores dirigem
ao árbitro fossem punidos criminalmente, o sistema da Justiça Penal entraria
em colapso devido à sobrecarga de processos. Por isso, é necessário avaliar
a ofensividade do insulto e apenas no caso de ofensas que possuam relevante
carga de lesividade, como nas ofensas discriminatórias, incluir-se-iam entre as
condutas merecedoras de sanção penal. O mesmo deverá ocorrer nos casos de
violência corporal e nos que afetam interesses patrimoniais ou econômicos no
esporte. Equivale a dizer que algumas condutas devem ser excluídas totalmente
da incidência penal. Nessa linha, assinala Vicente Martínez que “a intervenção
estatal deve seguir a alguns parâmetros contrários à criminalização de aqueles
comportamentos carentes de um plus de lesividade que não legitimem a intervenção penal”11. Porém, a afirmação da conduta delituosa não constitui uma
autorização para relegar a um plano secundário a proporcionalidade em sentido estrito, pois esta “orienta o legislador a que use as normas de modo cauteloso
e reservado”12.
Quais são as vantagens da construção de Nils Jareborg? Primeiramente,
como destaca o próprio penalista, sua teoria implica que o princípio da necessidade penal adquire uma função normativa independente e, com efeito,
tende a ser mais realista que na concepção tradicional13. Em segundo lugar,
seguindo um direito penal constitucionalmente orientado, só as ofensas mais
intoleráveis deverão ser abarcadas penalmente, porque, do contrário, haverá
ofensa ao princípio da dignidade humana e, no contexto desportivo, a paralisação da atividade em si mesma14. Não é relevante, ademais, estabelecer o grau
de eficácia das sanções alternativas, inclusive porque, verificados os ataques
mais graves em detrimento aos interesses jurídicos que assumam a dignidade
de direitos fundamentais, deverá incidir a sanção penal15. Outro efeito de sua
10 JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso, p. 67.
11 VICENTE MARTÍNEZ, Rosario de. Derecho penal del deporte. Barcelona: Bosch, 2012. p. 98.
12 SCHWABE, Jürgen. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão. Org. e introd.
Leonardo Martins. Montevideo: Fundación Konrad Adenauer, 2006. p. 271.
13 JAREBORG, Nils. A criminalização como último recurso, p. 71.
14 ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no desporto, p. 682.
15 Francesco Angioni (Beni costituzionale e criteri orientativi sull’area dell’illecito penale. In: Bene giuridico e
riforma della parte speciale. Napoli: Jovene, 1985. p. 111) assinala que essa análise paralela é mais difícil
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construção refere-se ao princípio da legalidade, estando o legislador vinculado
à precisão e à determinação na descrição das ações proibidas pelos tipos legais,
pois a elas corresponderão as penas mais enérgicas. Em último lugar, as sanções
cominadas às demais condutas, é dizer, as sanções disciplinares previstas para
as ações menos ofensivas não poderão ser superiores à pena criminal sob pena
de desvirtuar por completo a função e a própria existência penal16.
Em síntese, a punição imposta pena FIFA a Luis Suárez não se adéqua ao
“padrão” exigido para a realização da Copa do Mundo no Brasil.
2 O CASO JUAN ZUÑIGA
A conduta do lateral colombiano Juan Zuñiga que atingiu com uma joelhada a lombar de Neymar em partida válida pelas quartas de final da Copa do
Mundo do Brasil reabriu a discussão sobre a linha de fronteira entre a tolerabilidade e a intolerabilidade jurídico-penal das lesões que ocorrem no futebol.
Seria possível punir criminalmente o atleta estrangeiro? Essa questão poderia
receber diferentes respostas a depender da época penal e respectivas teorias
que se pretendessem seguir. Isso porque há mais de cem anos a doutrina penal
se debruça sobre o tema17.
Luiz Flávio Gomes, em recente vídeo, preferiu enquadrar sua resposta
no âmbito funcionalista da teoria do risco não permitido lapidada por Roxin.
Segundo o professor, a “atrabiliária entrada” de Zuñiga “inequivocamente se
tratou da geração de risco proibido”, visto que o jogador colombiano “visou
exclusivamente o corpo de Neymar”. Concluiu o penalista, porém, que em consideração ao princípio da subsidiariedade, apenas se a FIFA rejeitar o recurso
interporto pela CBF em relação à não punição de Zuñiga caberá uma intervenção penal18.
Interpretando sua análise, alcanço duas conclusões: a) o jogador que
gera um risco juridicamente relevante tem a sua imputação excluída quando
se tratar de um risco permitido; b) se o árbitro não considera determinada ação
do que aparenta, pois, para ter um conhecimento exato da eficácia das outras medidas, seria necessário
substituir, ao menos provisoriamente, a sanção penal – algo que, para o penalista italiano, é pouco factível.
16 Manuel Portero Honares (¿Principio de efectiva protección de bienes jurídicos? Derecho penal europeo y
principio de proporcionalidad, p. 321) aduz que “o recurso à pena garante que outras medidas muito mais
agressivas, como a vingança ou os sistemas de proteção privados, não ocupem seu lugar”. O professor
espanhol também ressalta que “o aspecto central em torno ao princípio da ultima ratio se refere, precisamente,
à condição que há de existir para que este possa efetivamente desempenhar sua função: sua aplicação exige
que a sanção penal seja efetivamente a sanção que mais intimide as pessoas dentre todas que conta o
Estado”.
17 Um amplo desenvolvimento sobre o assunto foi por mim defendido em tese de doutorado junto ao Departamento
de Direito Penal Cesare Beccaria da Università degli Studi di Milano, Itália, em 2013, atualmente estando
presente no livro: Responsabilidad penal en el deporte. Curitiba: Juruá, 2014. 464 p.
18 Possível visualização em: <https://www.youtube.com/watch?v=cCtDU2AUqhc>.
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em uma partida como antidesportiva (bem como a FIFA), por mais grave que
essa seja não se deve falar de conduta ilícita, porque, não havendo ilicitude no
campo desportivo, tampouco haverá no campo penal. Um setor da doutrina
penal espanhola segue essa tese – que não comentarei nesse ensaio – e com ela
pretende preservar uma coerência lógico-sistemática e valorativa do ordenamento jurídico que exige a não contradição sobre a determinação da conduta
ilícita em distintos setores19.
Não há dúvida a respeito que a intervenção penal somente impera a partir do momento em que se excede o risco permitido. Porém, como se delimitam
os riscos permitidos no âmbito do futebol, mormente considerando que se trata
de um modelo de interação com contato físico?
Para a determinação do que se deve considerar criação de risco não
permitido, Roxin recorreu às jurisprudências e doutrinas científicas, apresentando algumas diretrizes. Entre estas, o penalista menciona as normas técnicas, ou seja, “as regulamentações que são criadas por associações ou consórcios de interesses privados, sobretudo para a prática de certas especialidades
desportivas”20. As leis do jogo no futebol, por exemplo, são autorizadas pela International Football Association Board21 e regem em todo o mundo por estarem
em conformidade com a FIFA. Assim, a criação de um risco proibido derivaria
do descumprimento dessas leis do jogo.
Penso necessário fazer três ressalvas. Primeiramente, na esteira de
Ribeiro de Faria, “as regras do jogo são somente um ponto de referência para a
valoração da conduta do agente, pois estabelecem de forma abstrata as modalidades de condutas permitidas e os limites da licitude desportiva”22. Em segundo
lugar, como bem destaca Burgstaller, citado por Luís Greco, a delimitação do
risco permitido de que se trata nessas normas técnicas é problemática, pois
“muitas vezes essas normas não têm a finalidade primordial de proteção da
integridade física, senão são elaboradas para fins de caracterização da própria
modalidade desportiva”23. Por fim, poder-se-ia questionar “a ausência de legitimidade democrática das leis de jogo a ponto de não se atribuir a mesma
19 RODRÍGUEZ DEVESA, José María; SERRANO GÓMEZ, Alfonso. Derecho penal español. 18. ed. Madrid:
Dykinson, 1995. p. 514; PAREDES CASTAÑÓN, José Manuel. Consentimiento y riesgo en las actividades
deportivas. In: Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, n. 43, p. 654, 1990.
20 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general, 1997, p. 1003.
21 Possível visualização em: <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/ifab/aboutifab.html>.
22 RIBEIRO DE FARIA, Maria Paula Bonifácio. A adequação social da conduta no direito penal, 2005, p. 515. O
próprio Roxin conhece o caráter indiciário do descumprimento das normas técnicas da modalidade desportiva
para fins de responsabilização criminal do jogador.
23 BURGSTALLER, Manfred apud GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 52. Segundo o penalista brasileiro, “tem razão Burgstaller ao observar que
a violação de regras desportivas tem ainda menos relevância para a fundamentação do risco juridicamente
desaprovado do que a das demais regras de segurança privadas”.
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transcendência que as proibições de colocação em perigo abstratas definidas
em uma legislação criminal”24.
Apesar dessas ressalvas, em princípio os regulamentos desportivos contêm o instrumentário de normas que devem ser respeitadas, pelo que as condutas que infrinjam as referidas leis do jogo geram grande probabilidade de criar
riscos não permitidos. Foi o exemplo de Zuñiga em Neymar, segundo entendeu
Luiz Flávio Gomes. Em síntese, a conduta do colombiano revelou, ao menos,
uma péssima prática do futebol. Acrescento a esse entendimento, por entender
imprescindível à situação, que a infração da regra esportiva, essencialmente
como ímpeto do jogador colombiano, deverá ser considerada nos limites do
futebol, com independência de que o resultado causado em Neymar tenha sido
grave, pois o que se tolera quanto ao risco permitido é a ação perigosa.
Outros penalistas seguem uma postura mais cautelosa. Segundo Costa
Andrade, “a violação das regras do jogo não tem necessariamente – nem sequer
normalmente – que realizar o risco proibido capaz de suportar a imputação do
resultado típico”25. Roxin pareceu não adotar essa posição, pois salienta que,
“se o risco permitido é excedido, por meio do descumprimento das normas
técnicas, a causação do resultado de lesão corporal devido a presente violação
representará uma conduta que será punível a título de dolo ou culpa”. Porém,
sua consideração é flexibilizada na seara esportiva, desde logo no futebol, concluindo que “a infração das regras do esporte tampouco fundamenta sem mais
a imprudência jurídico-penal, nem sequer quando estas pretendem tutelar a
integridade física dos jogadores, pois nas especialidades esportivas com contato
são inevitáveis e devem ser aceitas as infrações leves das regras em razão de
uma atuação mais incisiva”26.
Cometer uma infração antidesportiva, intencional ou não, portanto, pode
estar dentro do limite do risco ao qual um atleta se submete durante a partida de
futebol. Se o fato de cometer uma infração leve da regra27 fosse suficiente para
dar procedência à atuação do Ministério Público, todo atleta expulso por realizar uma entrada perigosa deveria ser processado, o que revelaria grande absurdo, mais além de tornar inviável, em alguns contextos, o próprio jogo. Nesse
ponto, portanto, deve-se seguir Costa Andrade quando repudia a doutrina de
Günther e Horn ao proporem para o efeito os critérios que determinam a desqualificação ou expulsão do jogador, isto é, o critério do “cartão vermelho”28.
24
25
26
27
VICENTE MARTÍNEZ, Rosario de. Derecho penal del deporte, 2010, p. 137.
ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no desporto, 2003, p. 719.
ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general, p. 1004.
Para diferenciar o caso Zuñiga-Neymar, que, a meu ver, caracteriza uma infração leve à regra desportiva,
recordo do caso Leonardo Ramos na Copa do Mundo de 1994, cujo vídeo é muito mais ilustrativo que
qualquer explicação. Possível visualização em: <http://www.youtube.com/watch?v=30rSHY9aFBI>.
28 ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no desporto, 2003, p. 703.
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Não é outra a postura de Albin Eser: “Para evitar que essas modalidades esportivas se desvirtuem pela sua desnaturalização, há de se aceitar algumas infrações
às regras do esporte, ademais dos riscos que elas representem”29.
Ventas Sastre relembra julgado do Tribunal Supremo Espanhol do qual se
extrai que “a ideia do risco que cada esporte pode implicar, como, exemplificando, a ruptura de ligamento ou a fratura de vértebra é inerente a sua natureza
e, com efeito, o assume quem se dedica ao seu exercício”30. A decisão exprime
que o risco particular que a prática do futebol pode acarretar está implícito em
seu exercício, porque é completamente impossível participar de um jogo sem
assumir algum grau de risco. Questiono se seria realmente possível ao jogador
Neymar atuar pela seleção nos jogos do Mundial sem se expor a sofrer uma entrada incisiva de jogador adversário ou um forte golpe em uma disputa da bola
contra o oponente. Até mesmo o torcedor mais patriota responderia que atuar
sem correr riscos de lesão seria praticamente impossível para o jovem jogador.
Assim, ainda que as infrações no jogo possam ser penalizadas – o que
não ocorreu no jogo entre Brasil e Colômbia simplesmente pela vantagem dada
pelo árbitro à seleção brasileira –, isso não significa que a conduta do atleta
Zuñiga amolda-se ao risco proibido, porquanto o não respeito às normas técnicas ou regulamentares só tem caráter indiciário de produção de um risco
proibido, “devendo ser avaliadas no caso concreto, porque a cada situação
corresponde seu próprio grau de risco”31. Daí seguir Morillas Cueva, para quem
“o direito penal não pode se eximir de atuar nos contextos que excedam a dinâmica própria do esporte de que se trate, embora este tenha uma base violenta
por si mesma”32. Não é o caso de Zuñiga, em meu sentir.
Àqueles que pensam em sentido contrário, como o próprio Professor Luiz
Flávio Gomes, devem também observar um segundo detalhe apresentado por
Zaffaroni: “A violação da regra desportiva não pode ser confundida com a lesão
em si, dado que é perfeitamente possível haver uma violação intencional das
normas desportivas com resultado culposo de lesão”33. Logo, a intenção de violar as leis do jogo não é igual à vontade de lesionar. Assim, afirmar que Zuñiga
agiu com dolo direto (intenção inequívoca de lesar) ou com dolo eventual (as29 ESER, Albin. Deporte y justicia penal. Revista Penal, Barcelona, n. 6, p. 61, 2000.
30 VENTAS SASTRE, Rosa. Una aproximación al tratamiento jurídico-penal de las lesiones deportivas. Revista
Jurídica del Deporte, Navarra: Arazandi, n. 13, p. 244, 2005.
31 DOMÍNGUEZ IZQUIERDO, Eva. El consentimiento y la relevancia penal de los resultados lesivos em los
deportes de contacto eventualmente violentos: el caso del fútbol. In. Estudios sobre derecho y deporte.
Madrid, p. 163, 2008. Outras características devem ser tomadas em consideração, desde a estrutura física
dos atletas envolvidos, velocidade com que cada qual foi em direção à disputa da bola, o histórico de lesões
já sofridas pelo ofendido etc.
32 MORILLAS CUEVA, Lorenzo. Derecho penal y deporte. In. Revista Andaluza de Derecho del Deporte, n. 1,
p. 49. É o que poderia se passar no caso de Leonardo antes retratado em vídeo.
33 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2006.
p. 385.
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sumiu o risco de produzir o resultado) me parece muitíssimo precipitado. Isso
porque, segundo as imagens televisivas do jogo, a intenção do colombiano foi
impedir que o brasileiro dominasse a bola e pudesse armar eventual contrataque ou, até mesmo, “matar a jogada”, como comumente acontece em jogos de
futebol. A mensagem ofertada pelo adversário do Brasil depois do jogo justifica
essa interpretação. Decidindo-se pela presença do risco proibido, a força desproporcional empreendida na jogada pela violação da regra desportiva é apta a
caracterizar uma lesão corporal culposa, a ensejar eventual ação penal somente
se a vítima – no caso, Neymar – exercer o seu direito de representação34.
34 Seguindo a regra que o crime de lesão corporal culposa exige representação do ofendido (art. 88 da Lei
nº 9.099/1995) no prazo de seis meses de acordo com o art. 103 do Código Penal.
Parte Geral – Doutrina
Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de
Economia Popular e o Estatuto do Torcedor
FÁBIO ANDRÉ GUARAGNI
Promotor de Justiça, Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais (UFPR), Professor de
Direito Penal Econômico do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do
UniCuritiba, Professor de Direito Penal do UniCuritiba, Fempar, Esmae, Cejur e LFG, Coordenador da Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – Fempar, Núcleo Curitiba.
RESUMO: Mediante estudo de caso, o texto desenvolve os aspectos penais do cambismo nos espetáculos públicos de qualquer natureza, v.g., artísticos, culturais e desportivos, explorando o enquadramento desta atividade no tipo penal do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 – Lei de Economia
Popular. Após, com base no Estatuto do Torcedor, expõe as mudanças provocadas no tratamento
jurídico-penal da matéria exclusivamente em relação a espetáculos desportivos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito penal econômico; Lei de Economia Popular; cambismo; direito do consumidor; direito penal das relações de consumo; ordem econômica; registros públicos.
SUMÁRIO: Introdução; I – Circunstâncias do enquadramento típico-penal da venda de ingressos
para espetáculos públicos de qualquer natureza – inclusive os desportivos – mediante cambismo;
I.1 Tipicidade penal da atividade de cambismo de ingressos para espetáculos públicos, inclusive
desportivos, até a redação do Estatuto do Torcedor dada pela Lei nº 12.299/2010; I.2 Possibilidade de
configuração do crime sem o “concurso da pessoa efetivamente lesada”; I.3 Exigências para a tipicidade da conduta em face da classificação do crime como de perigo concreto; I.4 Impossibilidade de
registro público de associações de cambistas de espetáculos artísticos e desportivos; II – A redação
do Estatuto do Torcedor a partir de 2010 e seus impactos no tratamento jurídico-penal do cambismo
para espetáculos desportivos; Conclusões; Referências.
INTRODUÇÃO
No já distante ano de 1999, o Comando Geral da Polícia Militar do Estado do Paraná formulou consulta à Procuradoria Geral de Justiça do mesmo
Estado solicitando parecer acerca da possibilidade de realizar o enquadramento
típico penal da atividade dos cambistas em espetáculos desportivos e artísticos. À época, questionava-se a subsunção na hipótese do art. 2º, IX, da Lei
nº 1.521/1951, que trata dos crimes contra a economia popular. Ainda, efetuou
questionamento quanto à viabilidade de apreensão de ingressos ou bilhetes em
poder dos cambistas “[...] independente do concurso da pessoa efetivamente
lesada”, por força da equiparação, presente no tipo, entre a forma consumada e
a tentada. Finalmente, aventou a possibilidade de atuação do Ministério Públi-
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co Estadual no sentido de promover a cassação do registro da “Associação dos
Cambistas de Espetáculos Artísticos e Desportivos do Paraná”.
Encontravam-se, em meio ao material enviado para análise, cópia de
ofício desta Associação ao comando da Polícia Militar, relação de associados,
estatuto social arquivado no 1º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de
Curitiba em 9 de outubro de 1995, ata da Assembleia constitutiva de 12 de
junho de 1995, cartão de identificação no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, alvará de funcionamento concedido pela Prefeitura Municipal de
Curitiba em 12 de dezembro de 1998.
Em atuação funcional junto ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, exaramos parecer acerca do caráter
ilícito penal da atividade do cambista, cujas bases foram aproveitadas e atualizadas nas considerações que seguem. Por elas, pretende-se:
a) estabelecer se e em que circunstâncias, ao tempo da consulta e ao depois, era possível o enquadramento típico-penal da venda de ingressos para espetáculos públicos de qualquer natureza – inclusive os desportivos – mediante
cambismo. A atividade importa na elevação de valor dos ingressos em relação
àquele da bilheteria mediante especulação ou processo fraudulento, efetuada
por intermediários entre o fornecedor e o consumidor final;
b) especificar que mudanças se produziram em relação às conclusões
então obtidas, no que toca aos eventos desportivos, a partir do Estatuto do Torcedor – Lei nº 10.671/2003, tomando-se em conta os acréscimos que lhe foram
dados pela Lei nº 12.299/2010.
Como pano de fundo, figura a consulta realizada pela Polícia Militar
acerca da específica situação concreta da Associação de Cambistas, então constituída, bem como as questões que apresentou ao órgão ministerial estadual, em
autêntico case. Um case com qualidade para exploração doutrinária é aquele
que possui caráter passível de generalização. Tanto mais generalizável e repetível a situação concreta explorada, tanto mais útil é o estudo de caso.
Na hipótese, as questões lançadas pelo Comando da Polícia Militar repercutem a cada espetáculo público realizado no país, em que se verifica o
cambismo de ingressos. Às vésperas desses escritos, o site G1.Globo notícias
veiculava a manchete a propósito de jogo decisivo da Copa Libertadores da
América de 2012: “Cambista vende ingresso para jogo do Corinthians por R$ 30
mil. Polícia foi atrás de cambista que oferecia as entradas em site. Ingressos estão esgotados nas bilheterias, mas procura ainda é grande”1. Da necessidade de
1
Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/07/cambista-vende-ingresso-para-jogo-do-corin­
thians-por-r-30-mil.html>. Acesso em: 07 dez. 2012.
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esclarecimentos do órgão policial paranaense comungam, seguramente, muitos
operadores do direito penal. O caso concreto serve como referência, ademais,
na cena internacional. Aqui, a referência brasileira pode servir ao estudo do
direito penal comparado. As observações subsequentes pretendem-se úteis nas
duas vias.
I – CIRCUNSTÂNCIAS DO ENQUADRAMENTO TÍPICO-PENAL DA VENDA DE INGRESSOS PARA
ESPETÁCULOS PÚBLICOS DE QUALQUER NATUREZA – INCLUSIVE OS DESPORTIVOS –
MEDIANTE CAMBISMO
Conforme exposto na introdução, inicia-se pela demonstração de ser –
ou não – possível o enquadramento típico penal da atividade de cambismo
na generalidade dos espetáculos oferecidos ao público, de natureza artística,
cultural, desportiva ou diversa, a partir da Lei de Economia Popular, quando do
case (que data de 1999) e após. O recorte alusivo aos espetáculos desportivos,
posterior à redação do Estatuto do Torcedor definida a partir de 2010, será desenvolvido ao final.
I.1 Tipicidade penal da atividade de cambismo de ingressos para espetáculos públicos, inclusive
desportivos, até a redação do Estatuto do Torcedor dada pela Lei nº 12.299/2010
A consulta efetuada à Procuradoria Geral de Justiça cingia-se à análise
da tipicidade penal da conduta dos cambistas, ao intermediarem a venda de ingressos para espetáculos públicos – em regra desportivos ou artísticos. Questionava-se acerca da possibilidade de subsunção da conduta ao art. 2º, IX, da Lei
nº 1.521/1951, que define os crimes contra a economia popular, assim redigido:
Art. 2º São crimes desta natureza:
[...]
IX – Obter ou tentar obter ganhos ilícitos, em detrimento do povo ou de indeterminado número de pessoas, mediante especulações ou processos fraudulentos
(“bola-de-neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes).
Entre a escassa doutrina sobre a matéria, constituiu-se, como importante
referência, o trabalho de Paschoal Mantecca. Reportado autor positivou a existência do crime contra a economia popular em relação às atividades de cambismo de ingressos, em termos:
Delito tipicamente enquadrado neste inciso IX diz respeito à já conhecida
atuação dos “cambistas”. No Brasil, sobretudo nas grandes capitais, os cambistas
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exercem sua atividade ilícita, a despeito da repressão policial efetivamente desencadeada contra eles...2
O caráter de referência obrigatória do texto de Mantecca concerne justamente ao caso concreto ora selecionado. De fato, reportado autor destacou precedente do Estado de São Paulo em que foi enfrentada situação similar. Segundo pesquisou, no Processo da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São
Paulo – CG 170/79, o 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Capital cancelou o registro da “Associação dos Cambistas de Espetáculos Desportivos e Artísticos do Estado de São Paulo”, por ser ilícita a atividade, cumprindo
determinação emanada da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, capital.
Note-se que essa decisão foi tomada pelo Juiz da 1ª Vara de Registros Públicos
no plano administrativo, na atividade correicional do foro extrajudicial. Após,
foi confirmada em sede recursal-administrativa pelo então Corregedor Geral de
Justiça Humberto Andrade Junqueira, com amparo no art. 115 da Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015/1973. O dispositivo afirma, textualmente:
Art. 115. Não poderão ser registrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas,
quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividades
ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes.
O d. Corregedor baseou-se no parecer do então Juiz Auxiliar Hélio
Quaglia Barbosa (após, Ministro do STJ, entre os anos de 2004 e 2008), o qual
questionava:
Ora, qual o objetivo do grupo de cambistas, erigido em Associação, senão o de
especular, injustificadamente e sem qualquer proveito para a coletividade, explorando os usuários de espetáculos públicos, pela cobrança abusiva de preços para
os ingressos, que tais elementos se apressam, habitualmente, em amealhá-los das
bilheterias, com vista à eliminação de alternativa para o espectador, senão a de
ceder às exigências extorsivas propostas. Não se trata, de forma alguma, de uma
atividade que envolva intermediação legítima, venda de conforto, ou de comodidade [...]. Trata-se na verdade sem que se possa excluir mesmo a alta probabilidade de conluio com elementos vinculados à venda regular de ingressos, de um
sistema de construção de dificuldades para o usuário – através do monopólio dos
ingressos, naturalmente em número limitado, de acordo com a capacidade das
casas de espetáculo ou dos estádios esportivos – para a negociação subseqüente
e resultante de “facilidades”, em autêntica rapinagem à bolsa popular.3
A jurisprudência, entretanto, sempre vacilou. Recolhe-se de RT 647/316
o seguinte excerto: “Viola o art. 2º, IX, da Lei nº 1.521, de 26.12.1951, o ‘cam2
3
MANTECCA, Paschoal. Crimes contra a economia popular e sua repressão. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
p. 22-23.
Idem, p. 23 e ss.
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bista’ que vende ou tenta vender ingressos de partida de futebol por preços
superiores aos estipulados pela entidade desportiva”. Também o precedente
TACrimSP, Recurso Criminal nº 911.579/1, J. 20.12.1994, Rel. Juiz Roberto
Mortari4. No mesmo sentido, o col. STJ, no precedente lançado no Habeas
Corpus nº 92.074/RJ, 5ª T., Relatora Ministra Laurita Vaz, publicado em 6 de
outubro de 2008, cuja ementa reporta “Crime contra a economia popular –
Cambista”, registrou:
A conduta praticada pelo acusado pode, em tese, ser enquadrada no tipo do
art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, e não existe nos autos qualquer documento que
demonstre, extreme de dúvidas, os exatos contornos da conduta imputada ao
paciente.
No entanto, dando ressonância à posição coligida na RT 513/416, contrária ao enquadramento típico penal da atividade de cambismo pela Lei de
Economia Popular, constou do julgado recolhido na RT 654/312 o quanto
segue:
Crimes contra a economia popular. Cambista. Venda de ingressos de espetáculo público acima do preço fixado. Adquirentes que, tendo pleno conhecimento
do preço real, pagam o preço majorado visando à suas próprias conveniências
e comodidades. Inexistência de utilização de métodos ilusórios para ludibriar
o comprador. Conduta penalmente atípica. Inteligência do art. 2º, IX, da Lei
nº 1.521/1951.
Os precedentes indicam o caráter vacilante da subsunção, instigando a
necessidade de solução. Esta, por certo, passa por uma das funções conferidas
ao tipo penal, atinente à proteção de bens jurídicos. Para protegê-los, o legislador usa de normas, cujo caráter poderá ser proibitivo (negando a possibilidade
de realizar certas condutas) ou preceptivo/ordinatório (preceituando, ordenando a realização de certas condutas). As normas ficam antepostas ao tipo penal,
que se limita a descrever os comportamentos violadores das normas e, por consequência, dos bens jurídicos, ou bens tutelados pelo direito5. Calha transcrever
o pensamento de Luiz Luisi:
[...] os bens jurídicos estão na base da criação dos tipos penais. Esta resulta da
necessidade de proteção daqueles bens indispensáveis ao convívio ordenado dos
4
5
Apud GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira de.
Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 130. Consta do precedente: “Configura, em tese, o
delito do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, a conduta do cambista que compra ingressos de espetáculo e os
revende por preço superior ao real, máxime porque os cambistas, atuando de modo organizado e ardiloso, têm
constantemente saqueado a economia popular com suas investidas, condicionando a diversão da população
ao próprio enriquecimento”. No mesmo sentido, citam o precedente TJRJ Proc. 2007.059.05928.
Nesta linha, copiosa a doutrina nacional. Entre tantos, v. Zaffaroni e Pierangeli (Manual de direito penal
brasileiro. São Paulo: RT, 1997. p. 458-459), Cezar R. Bitencourt (Manual de direito penal. 4. ed. São Paulo,
1997, p. 226) e Luiz Luisi (O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris, 1987. p. 50).
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homens. O legislador, ao plasmar os tipos, descreve condutas e fatos que, em
tese, são antijurídicos porque atentam contra bens e interesses a eles vinculados,
que a sociedade reconhece da mais alta valia e significação.6
A doutrina estrangeira, à parte setores que se apegam ao desvalor da ação
como centro da construção típica7, igualmente chancela a ideia de que “os bens
jurídicos estão na base da criação dos tipos penais”, conforme Francisco Muñoz
Conde8. Vale transcrever Jescheck:
El bien jurídico constituye el punto de partida y la idea que preside la formación
del tipo. Son bienes jurídicos aquellos intereses de la vida de la comunidad a los
que presta protección el Derecho Penal [...] significa que las normas jurídicas
prohíben bajo pena aquellas acciones que resultan apropiadas para menoscabar
de forma especialmente peligrosa los intereses de la vida de la colectividad. [...]
El tipo parte, pues, de la norma y ésta, del bien jurídico.9
Mais ainda: toda a construção do sistema de análise de crime, na proposta funcionalista de Roxin, gira em torno da função de proteção subsidiária
de bens10.
A chamada “tipicidade material” resulta justamente deste modo de pensar, é dizer, típica será a conduta que se amoldar ao comportamento descrito
no tipo legal (entendido como tipo complexo, exigindo-se o preenchimento das
elementares do tipo objetivo e o preenchimento do tipo subjetivo, composto em
regra do dolo e excepcionalmente de elementos subjetivos diversos), violar a
norma que está por trás do tipo e lesar o bem jurídico. O preenchimento desses
três “momentos” de análise fornece-nos a ideia de que uma conduta humana é
penalmente típica11.
6
LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,
1987. p. 50.
7 Fundamental, nesta linha, Welzel (Derecho penal alemán. 4. ed. espanhola. Santiago do Chile: Editorial
Juridica de Chile, 1993. p. 75). Um direito penal de puro desvalor de ação se justificava, em seu pensamento,
a partir da sua concepção de missão do direito penal: “Todavia, a missão primária do direito penal não é a
proteção atual de bens jurídicos, isto é, a proteção da pessoa individual, de sua propriedade etc. Pois, quando
entra efetivamente em ação, em geral já é demasiado tarde” (Op. cit., p. 03). Para ele, a tipo penal tem por
trás de si somente a norma, proibitiva ou preceptiva. Atualmente, o direito penal proposto por Jakobs também
se concentra no desvalor de ação, a partir da quebra do papel social delineado pela norma. O desvalor de
resultado atinente à lesão de bem jurídico secundariza-se. Daí deriva, por exemplo, a centralidade da ruptura
do papel social na construção dos critérios de imputação objetiva de Jakobs (La imputación objetiva en
derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Madrid: Ad Hoc, 1997. p. 25).
8
MUNOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988. p. 50.
9
JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Barcelona: Bosch, v. I, 1981. p. 350.
10 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Tomo I: Fundamentos. La estructura de la teoría del delito. 2. ed.
Madrid: Civitas, 2006. p. 65.
11 Não caberia, neste trabalho, a distinção sobre a norma anteposta ao tipo dever ser considerada isoladamente,
como propôs Welzel, numa linha tradicional (Derecho penal alemán. 4. ed. espanhola. Santiago do Chile:
Editorial Juridica de Chile, 1993. p. 58/60), ou conglobada com as demais normas componentes daquilo que
Zaffaroni denominou ordenamento normativo, distinto do ordenamento jurídico e nele contido (ZAFFARONI,
Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: RT, 1997.
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Lançados esses pressupostos rápidos, tem-se que a atividade dos cambistas, para ser considerada típica, segundo a Lei de Economia Popular
nº 1.521/1951, art. 2º, IX, deve satisfazer os três “momentos” assinalados. O
tipo legal em questão é comissivo, admitindo somente as formas dolosas de
comportamento. É o dolo o único elemento do tipo subjetivo. Antepõe-se-lhe
uma norma proibitiva. Poderia ser assim enunciada: “Não obterás ou tentarás
obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de
pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos”.
O bem jurídico protegido é a “economia popular”.
Segundo conceito de Elias de Oliveira, na monografia mais tradicional acerca do tema – “Economia popular é a resultante do complexo de interesses econômicos domésticos, familiares e individuais, embora como fictio
juris, constituindo in abstracto um patrimônio do povo, isto é, de um indefinido número de indivíduos, na vida em sociedade”12. Assim delineava o bem
jurídico penal contido na normativa de 1951. A seu turno, dizia o Decreto-Lei
nº 869/1938, ao versar sobre idêntico tema, que crime contra a economia popular era “[...] todo o fato que representasse um dano efetivo ou potencial ao
patrimônio de um indefinido número de pessoas”.
Na atualidade, sobretudo com o advento, nos anos 90, do Código de Defesa do Consumidor, a unidade funcional economia popular esvaziou-se para,
em boa medida, conceder lugar à tutela das relações de consumo, voltada à
compensação da hipossuficiência do consumidor, como parte de uma sadia
ordem econômica. Não se olvide que esta unidade funcional – ordem econômica – norteia-se pela defesa do consumidor a partir de norma constitucional,
contida no art. 170, V. De todo modo, a superposição dos bens jurídicos ideais
em questão garante atualidade aos revelhos conceitos de economia popular
evocados.
Acerca do conceito de Elias de Oliveira, pronunciou-se Manuel Pedro
Pimentel, em termos:
Não é o patrimônio individual, portanto, que se protege, mas o patrimônio do
povo em geral, ameaçado pela ganância dos que pretendem locupletar-se com a
exploração das necessidades fundamentais de toda uma comunidade. Para designar esse bem jurídico e os interesses que lhe são sempre correlatos, fala-se, hoje,
em direitos difusos. Daí se conceituar a economia popular como um bem coletip. 461/463). A discussão perdeu muita força com o tipo de injusto pós-finalista, bem como com os critérios
de imputação objetiva valorativos próprios do funcionalismo pós-finalista. Há, todavia, um novo modelo de
tipicidade conglobante apresentado por Zaffaroni, Alagia e Slokar (Derecho penal. Parte general. Buenos Aires:
Ediar, 2000, passim), a partir da atribuição ao tipo de uma função pragmática, atinente ao estabelecimento
da conflitividade entre o pragma e o bem de proteção. Esta nova versão torna atual a discussão.
12 OLIVEIRA, Elias de. Crimes contra a economia popular e o júri tradicional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1952. p. 09.
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vo, estimado não apenas pelo que representa de importante para um indivíduo,
mas porque essa necessidade individual é a expressão de iguais necessidades
relacionadas com todos os componentes do mesmo extrato social.13
A caracterização do bem jurídico “economia popular” como difuso, segundo espelham os conceitos acima, encontra confirmação na própria legislação, invocando-se a interpretação sistemática do Direito – o ordenamento
jurídico é unitário – a partir do art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa
do Consumidor, que estipula como difusos os interesses “[...] transindividuais,
de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas
por circunstâncias de fato”. Sem embargo, o modo como se dá a concreta violação do bem pode também gerar interesses transindividuais coletivos (em que
o grupo interessado é identificável, por exemplo, consumidores associados de
um determinado bem ou produto) ou individuais homogêneos (quando identificável o quinhão individual de cada lesado, conquanto parte de um grupo; o
próprio valor pago a mais em cada ingresso pode ser individualmente apurado,
dando lugar a tal interesse).
O caráter difuso, coletivo ou individual homogêneo do bem supraindividual deriva do tipo de violação concreta experimentada por ele e da tutela respectiva postulada junto ao órgão judiciário. Nada a comprometer a conclusão
fundamental: a economia popular, gizada na legislação de 1951, tanto quanto a
ordem econômica e, nela, as relações de consumo, protegidas em especial pela
Lei nº 8.137/1990, art. 7º, tem caráter transindividual.
Portanto, dentro da linha de trabalho proposta, identifica-se, no tocante
ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, a norma que se lhe antepõe e o bem jurídico tutelado. Com isto, torna-se possível enfrentar a vexata quaestio. Para ser
típica, a conduta dos cambistas – friso novamente – deverá: 1) preencher o tipo
objetivo e tipo subjetivo componentes do tipo legal complexo; 2) violar a norma
proibitiva da ofensa ao bem jurídico; 3) atentar, por corolário, contra o próprio
bem jurídico.
Os núcleos do tipo objetivo do artigo em questão são “obter” e “tentar obter”, equiparando-se a forma tentada ao crime consumado (característica
dos denominados crimes de atentado). Aqui, adotou-se o fundamento subjetivo
da punição dos crimes tentados: estes são reprováveis porque contêm manifestação de vontade contrária ao direito, idêntica àquela existente nos crimes
consumados. Note-se que o critério adotado pelo legislador é completamente
excepcional, pois tradicional no direito penal brasileiro é a observação do fundamento objetivo, que autoriza a punição de condutas criminosas tentadas des13 PIMENTEL, Manuel Pedro. Aspectos novos da lei de economia popular. Revista dos Tribunais, n. 607, maio
1986. p. 263-271.
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69
de que exponham o bem jurídico tutelado a perigo, optando-se pela relevância
do desvalor do resultado, tanto que o crime tentado implica pena menor que a
forma consumada. A propósito, o art. 14, II, do CP.
O objeto material da conduta consiste em “ganhos ilícitos”, obtidos em
“detrimento” – prejuízo – do povo, i.é, número indeterminado de pessoas. O
sujeito ativo da conduta não é apontado, tratando-se de crime comum. Já o
sujeito passivo, no dizer de Rui Stoco, é a coletividade14. Trata-se de tipo penal
de forma vinculada, eis que exige sejam os ganhos obtidos mediante “especulações” ou “processos fraudulentos”.
Sendo crime comum, os cambistas podem ser sujeitos ativos da conduta.
A atividade dos cambistas dirige-se a um número indeterminado de pessoas –
consumidores potenciais dos ingressos ou bilhetes de espetáculos públicos que
expõem à venda – de modo que o sujeito passivo da conduta típica é indeterminado (crime vago).
Se o objeto material da conduta – ganhos ilícitos – depende da concorrência dos meios apontados em lei, é dizer, serão ilícitos os ganhos obtidos mediante especulações ou processos fraudulentos, importa descartar o que
eles são. Com efeito, são processos fraudulentos aqueles capazes de ilaquear
a boa-fé das pessoas, induzindo-as ou mantendo-as em erro. Daí dizer Elias de
Oliveira que o artigo prevê uma espécie de estelionato contra um indeterminado número de pessoas15.
No cambismo, isto pode ocorrer desde que o cambista iluda o adquirente
quanto ao preço, convencendo-o de que é vantajoso em relação à bilheteria,
ou mesmo de que não há mais ingressos na bilheteria, quando existiam. A mera
mentira basta para produzir ilusão e configura-se como processo fraudulento.
Tudo se dá ao contrário quando o cambista oferece o ingresso ou bilhete de
espetáculo à venda sem instar qualquer falsa representação da realidade por
parte do adquirente do bilhete, agindo este com perfeita noção de que adquire o
produto por preço acima do ofertado nas bilheterias. Então, de fato, não há que
se falar em “meio fraudulento” ao se abordar a prática dos cambistas.
Sem embargo, subsiste nestes casos a necessidade de análise da existência de “especulação” na atuação do cambista. Com efeito, a palavra significa,
segundo Plácido e Silva,
[...] a própria exploração de um negócio ou mesmo a aplicação de capitais na
compra de mercadorias sujeitas a oscilações. [...] Mas, em sentido pejorativo, é
aplicado para designar o açambarcamento de mercadorias ou a exposição ou
14 STOCO, Rui. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: RT, 1995. p. 508.
15 OLIVEIRA, Elias de. Crimes contra a economia popular e o júri tradicional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1952. p. 92-93.
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a venda de mercadorias por preços excessivos e lucros exagerados, em conse­
quência de sua falta no mercado. É, assim, o aproveitamento injusto por parte do
comerciante, que poderia vender a mercadoria por preços mais baixos ou módicos, reservando para si um lucro normal. Mas, vendo-se em propícia ocasião,
exagera os preços, elevando-os desconsideradamente, ou porque haja falta deles,
ou porque abuse da ingenuidade dos compradores...16
Obviamente que a conotação empregada em lei é a segunda, pena de
incriminar-se todo o ganho auferido da gestão de negócios, na forma daquele
primeiro sentido apontado, o que não teria cabimento. Aliás, o próprio tipo
penal deixa isto claro quando taxa de “ilícito” este ganho.
Sendo assim, a atividade do cambista caracteriza especulação quando
oferece a um número indefinido de pessoas ingressos ou bilhetes para espetáculos públicos a preços acima do fixado pela entidade promotora do evento,
fazendo-o em consequência de sua falta no mercado, gerada – mais das vezes
– pelos próprios cambistas, como ato preparatório, ao adquirirem ingressos em
grande quantidade e esgotá-los, associados ou não. A norma proibitiva da atividade estampada no art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 resta atingida.
Também o bem jurídico é ofendido. De fato, nestes casos os patrimônios
de uma indefinida massa de consumidores que pretendem assistir ao evento
ficam vulneráveis, à medida que o cambista passa a fixar preço diverso do valor do ingresso, sem qualquer prestação de serviços adicional que a justifique,
mantendo o consumidor “amarrado” às suas exigências. Afinal, a compra do ingresso pelo cambista passa a ser a única possibilidade de acesso ao espetáculo.
Veja-se o exemplo na notícia sobre o jogo Atlético-PR e Flamengo-RJ, extraída
do Jornal Gazeta do Povo, de 2 de agosto de 1999, Curitiba, p. 28, citada na
informação do Comando do Policiamento da Capital, que configura o case de
partida:
As bilheterias do Estádio Joaquim Américo, a “Baixada”, informavam que não
havia mais nenhuma entrada disponível. Porém, nas ruas em torno do local era
fácil encontrar cambistas oferecendo os ingressos para a arquibancada – com
preço original de R$ 10,00 – por pelo menos R$ 20. Ontem, os mesmos ingressos
passaram a valer R$ 40,00, uma diferença de 300%.
Neste exemplo, ao tempo da ocorrência, o crime ficou configurado, pois
a venda ou oferta à venda caracterizou “especulação”, com a qual os cambistas
obtiveram ou tentaram obter (tanto faz) ganhos ilícitos, em prejuízo de todos
os indeterminados consumidores que acorreram às imediações do estádio no
afã de assistir ao jogo, de modo que indiscutivelmente a polícia militar poderia
16 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 197.
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA.......................................................................................................................
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ter procedido à prisão em flagrante de tantos quantos estivessem – naquelas
circunstâncias – atuando.
I.2 Possibilidade de configuração do crime sem o “concurso da pessoa efetivamente lesada”
A figura criminosa configura-se pelo fato de o cambista estar ofertando
os ingressos, sem o concurso da pessoa lesada mediante a efetiva aquisição? A
resposta é positiva.
O agente “tenta obter” ganhos ilícitos com a oferta dos ingressos ao público, seja a pessoas abordadas individualmente, seja mediante anúncio verbal
a pessoas indistintamente consideradas (gritos proferidos pelo cambista de que
tem ingressos à venda). Neste caso, mesmo usando-se o vetusto critério formal-objetivo – o mais restritivo critério definidor de atos executórios, em confronto
com os atos preparatórios –, a tentativa está configurada, com subsunção típica
direta ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Com efeito, o critério objetivo-formal
define a distinção entre atos preparatórios e atos executórios a partir da penetração no núcleo do tipo. Por ele, o ato de adquirir e – após – a conduta de
portar os ingressos consistiriam em meros atos preparatórios para a prática dos
núcleos do tipo penal consistentes em “obter” ou “tentar obter” ganhos. Por esse
sistema, obtém ganhos o cambista que, após a venda do ingresso, aufere lucro.
Tenta obter ganhos o cambista que oferta os ingressos. Assim, “tentar obter ganhos” somente se configuraria com a efetiva oferta.
Todavia, esse critério é bastante ultrapassado. De fato, alterando-se o
critério definidor de ato executório, necessário à configuração da tentativa
(no caso, subsumível de modo imediato ao tipo penal do art. 2º, IX, da Lei
nº 1.521/1951), amplia-se a possibilidade de a conduta criminosa configurar-se.
Ao tipo em tela adequar-se-ão outros comportamentos, como o ato de adquirir
os ingressos para revenda ou o porte deles no local de passagem do público
imediatamente antes da exposição à venda.
Tais conclusões surgem à luz do critério objetivo-individual, adotado,
v.g., por Zaffaroni & Pierangeli17. Por este critério, não só é ato executório o núcleo do tipo, porém o último ato anterior ao núcleo segundo o plano concreto
do autor. Este ato já caracteriza o “tentar”. Destarte, toda vez que, pelo plano
concreto do autor, o ato de aquisição dos ingressos for o último ato imediatamente anterior à oferta dos ingressos, configura-se o “tentar obter” ganhos ilícitos. Assim, v.g., supondo-se a aquisição de ingressos no estádio pelo cambista,
momentos antes do jogo, após o que imediatamente passarão a ofertados à
venda: neste caso, quando da aquisição, está-se já a praticar ato executório do
crime em questão. “Tenta obter”. Porém, se a compra ocorre dias antes, sendo
17 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Da tentativa. 3. ed. São Paulo: RT, 1992. p. 55-56.
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que ainda ocorrerão atos intermediários para a prática do crime até o momento
da “oferta” dos ingressos ao público, como, por exemplo, ter o agente que se
deslocar ao estádio de futebol no dia do jogo, então o simples “portar” os ingressos não configura o crime e não justifica a prisão em flagrante. Trata-se de
ato preparatório.
É de se repelir, aqui, o critério da inequivocidade, da teoria italiana, exposto, por exemplo, por Paulo José da Costa Júnior18, pois seu grau de certeza
é muito reduzido, não fixando parâmetro seguro para definição de quando um
ato componente do iter criminis é executório. Estabelecer um ato como “inequívoco”, no sentido do cometimento de um crime, é subjetivo. Também é de se
excogitar a concepção do ato executório pelo plano concreto do autor segundo
uma “concepção natural da vida”, pelo mesmo motivo relacionado à insegurança do critério e porque, sabendo-se o plano concreto do autor, torna-se (aquele
critério) desnecessário19.
Em suma, não é necessário o concurso do agente comprador para caracterização da conduta típica, que pode se dar pela oferta a pessoas indistintamente consideradas – anúncio verbal, oferta aos gritos etc. –, no próprio ato da
aquisição do ingresso, quando último ato antes da oferta, ou no posicionar-se
no local de passagem de público portando-os, desde que na mesma circunstância (último ato anterior aos núcleos típicos). O próprio tipo penal assim anuncia,
ao equipar a conatus à forma consumada.
I.3 Exigências para a tipicidade da conduta em face da classificação do crime como de perigo
concreto
Por fim, cabe considerar ainda que o crime em questão é de perigo, não
exigindo efetiva lesão ao bem jurídico (crimes de dano), senão exposição dos
patrimônios de indeterminado número de pessoas a riscos de lesões injustificadas, ante a impossibilidade de acesso ao espetáculo público por forma diversa
da aquisição de ingresso junto ao cambista, por preço exorbitante.
Quanto ao resultado naturalístico, o tipo penal não está a exigir modificação no mundo exterior, consistente na diminuição efetiva do patrimônio de
uma indeterminada massa de pessoas. Basta a exposição da denominada “bolsa
pública” ao risco de que isso ocorra, razão pela qual se equiparou o “tentar
obter” ganhos à forma consumada. Claro que à forma típica atinente à efetiva
obtenção de ganhos corresponde um resultado naturalístico. Porém, a modalidade típica alternativa “tentar obter” torna-a desnecessária.
18 COSTA JR., Paulo José da. Direito penal – Curso completo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 72.
19 Assim, ZAFFARONI; PIERANGELI. Da tentativa. 3. ed. São Paulo: RT, 1992. p. 53-54.
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Impende, aqui, definir que o crime é de perigo concreto. Com efeito, a
partir do momento em que o legislador associa a expressão “tentar obter ganho
ilícito” à geração de possíveis prejuízos a indeterminado número de pessoas
– “em detrimento” é a expressão do tipo –, está a exigir que o ato de “tentar
obter” ganho gere prejuízos potenciais no caso concreto. Se o legislador não
mencionasse que os ganhos deveriam ocorrer em detrimento do público indeterminado do espetáculo, estaríamos diante de crime de perigo abstrato, em que
o perigo gerado não é mencionado pelo tipo, cuja letra limita-se à descrição
do comportamento. Este é o critério adotado pelos italianos, como se vê em
Fiandaca & Musco:
Nos primeiros [crimes de perigo concreto] o perigo – em geral concebido como
relevante possibilidade de verificação de um evento temido – representa um elemento constitutivo do tipo penal, cuja existência cumpre ao juiz verificar, com
base nas circunstâncias concretas de cada caso [...]. Nos crimes de perigo da segunda categoria [perigo abstrato], ao invés, presume-se, com base em uma regra
de experiência, que na realização de certas ações faça-se acompanhar o surgimento do perigo. O legislador, em outros termos, deixa de inserir o perigo entre
os requisitos explícitos do tipo incriminador e se limita a tipificar uma conduta,
de cuja realização usual ou geralmente se faz acompanhar a colocação em perigo de um determinado bem: assim, uma vez verificada aquela, o juiz está dispensado de desenvolver ulteriores indagações relativas à verificação do segundo.20
No mesmo sentido, Pagliaro21 e Mantovani, o qual agrega, como fator
diferenciador, o fato de ser impossível, no momento da conduta, em crimes de
perigo abstrato, controlar a existência do perigo ou pelo menos algumas condições para a verificação do evento lesivo22.
Portanto, em relação ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, não há necessidade de entrar na discussão sobre a invalidade de crimes de perigo abstrato
em face do princípio da lesividade – nullum crimen sine iniuria –, sustentada,
v.g., por Bustos Ramirez23, posição encampada no Brasil por muitos para definição dos crimes contidos no Código de Trânsito de recente vigência. Note-se,
a propósito, que o tipo penal foge da usual técnica do legislador que, em tema
20 FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo. Diritto penale. Parte generale. 3. ed. Bologna: Zanichelli, 1995.
p. 174: “Nei primi [crimes de perigo concreto] il pericolo – in genere concepito come rilevante possibilità
di verificazione di un´evento temuto – rappresenta un´elemento costitutivo della fattispecie incriminatrice,
onde spetta al giudice, in base alle circostanze concrete del singolo caso, accertarne l’esistenza. [...] Nei
reati di pericolo della seconda categoria invece si presume, in base ad una regola di esperienza, che al
compimento di certe azioni si accompagni l’insorgere del pericolo. Il legislatore, in altri termini, fa a meno di
inserire il pericolo fra i requisiti espliciti della fattispecie incriminatrice e si limita a tipizzare una condotta,
al cui compimento tipicamente o generalmente si accompagna la messa in pericolo di un determinato
bene: sicchè, una volta accertata la prima, il giudice è dispensato dallo svolgere ulteriori indagini circa la
verificazione del secondo”.
21 PAGLIARO, Antonio. Principi di diritto criminale. 5. ed. Milano: Giuffré, 1996. p. 243-244.
22 MANTOVANI, Ferrando. Diritto penale. 3. ed. Padova: Cedam, 1992. p. 225.
23 BUSTOS RAMIREZ, Juan. Manual de derecho penal. 3. ed. Barcelona: Ariel, 1989. p. 164-165.
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de economia popular, bem como de relações de consumo e proteção da ordem
econômica, vale-se, no mais das vezes, de incriminações caracterizadas pelas
tipificações de perigo abstrato.
Deriva, sim, da conclusão acerca da classificação do crime do art. 2º,
IX, da Lei nº 1.521/1951, como de perigo concreto, na modalidade relativa ao
“tentar obter”, que haverá a necessidade de provar-se, no caso concreto, que
a conduta praticada pelo cambista era lesiva à economia popular. Neste compasso, torna-se inconcebível, por exemplo, que alguém seja preso em flagrante
pela prática do crime quando oferta ingressos à venda por preço superior ao
encontrado nas bilheterias, havendo – porém – a possibilidade de o destinatário
da oferta optar pela compra de ingressos de idêntica qualidade pela via usual,
na bilheteria do espetáculo, em normalidade de condições de espera, acesso
e opções. Nessa situação, não se caracteriza a especulação. Não há processo
especulativo apoiado em restrição de oferta de locais para assistir ao espetáculo
(seja pelo término dos bilhetes, seja pelo término do acesso a setores com maior
visibilidade ou acústica) ou em desconfortos atinentes ao acesso ou demais
circunstâncias do evento (como a espera em filas, inclusive com perda de parte
do espetáculo, por exemplo), de modo que a economia popular não se experimenta perigo. Simplesmente se apresenta, ao consumidor, uma possibilidade
de escolha. Desde que observadas essas circunstâncias, a decisão contida em
RT 654/312, no particular, é correta, negando o enquadramento típico.
I.4 Impossibilidade de registro público de associações de cambistas de espetáculos artísticos e
desportivos
Aspecto extrapenal, todavia, relevante, diz com a resolução do caso
apresentado na introdução, no tocante à possibilidade de registro público de
associações de cambistas. O texto do art. 115 da Lei de Registros Públicos vem
de novo à baila:
Art. 115. Não poderão ser registrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas,
quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividades
ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes.
Ora, a atividade da associação, organizando a atuação dos cambistas,
pelas “circunstâncias relevantes” apontadas acima, é evidentemente perigosa
ao bem público, compreendido por meio de uma de suas facetas, a “economia
popular”, cuja preservação deve ser fortalecida.
Note-se que nem toda a atividade dos cambistas é ilícita, porém o esgotamento total ou parcial dos meios diversos de acesso do público ao espetáculo, ou o aproveitamento das dificuldades ao acesso usual às bilheterias,
v.g., torna-a penalmente típica e antijurídica. Assim, embora não se “indiquem
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA.......................................................................................................................
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atividades ilícitas” necessariamente, é induvidoso que seu objeto indica “atividades perigosas ao bem público”. Assim, associações do gênero não podem ser
licitamente constituídas.
II – A REDAÇÃO DO ESTATUTO DO TORCEDOR A PARTIR DE 2010 E SEUS IMPACTOS NO
TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL DO CAMBISMO PARA ESPETÁCULOS DESPORTIVOS
O Estatuto do Torcedor, Lei nº 10.671/2003, sofreu uma série de alterações no ano de 2010, por meio da Lei nº 12.299. Referidas alterações ferem diretamente aspectos jurídico-penais atinentes à questão da atividade do cambista
em eventos desportivos. Daqui arranca uma primeira e necessária conclusão:
as conclusões acima desenvolvidas continuam válidas em relação à atividade
de cambistas vinculada a espetáculos artísticos, culturais ou diversos ofertados
ao público. A redação do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 permanece vigente
para essas situações.
Todavia, em relação a eventos desportivos oferecidos ao público, dois
tipos penais criados com o advento de referidas alterações no Estatuto do Torcedor entram em cena: arts. 41-F e 41-G.
Diz o primeiro:
Art. 41-F. Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado
no bilhete:
Pena – reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
Esse tipo penal dirige-se diretamente à atividade do cambista. Já o segundo tipo penal não concerne diretamente ao intermediador, porém a atividades
“de apoio” à sua. Estipula como crime o que segue:
Art. 41-G. Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por
preço superior ao estampado no bilhete:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
Parágrafo único. A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida
organizada e se utilizar desta condição para os fins previstos neste artigo.
Ambas as disposições compõem um sistema de tratamento especializado
do cambismo no âmbito dos eventos desportivos, subtraindo a quaestio do horizonte da Lei de Economia Popular, cuja atuação somente poderá ser invocada
em caráter subsidiário. Impõe-se confrontar o tratamento especializado com o
anterior.
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Os pontos em comum concernem à parcial superposição de bens jurídicos, aos sujeitos do crime e ao tipo subjetivo (tanto quanto no art. 2º, IX, da
Lei nº 1.521/1951, o dolo é o único elemento presente no tipo subjetivo). E
parecem esgotar-se aí. Ao criminalizar a conduta de “vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete”, o art. 41-F tutela o
aspecto da ordem econômica atinente às relações de consumo. Note-se que o
Estatuto do Torcedor se afina com o CDC a todo tempo. O apelo ao conceito
de fornecedor do CDC, feito no art. 3º, em relação a entidades desportivas ou
organizadoras de eventos, é um exemplo. A Exposição de Motivos do Estatuto
alude à pretensão de garantir “os direitos do consumidor assegurados pela Lei
nº 8.078 [...] e demais legislação sobre o consumo” ao “cidadão que aprecie,
apoie, se associe a qualquer entidade de prática desportiva ou que acompanhe
a prática de determinada modalidade esportiva do país, ainda que não compareça ao evento esportivo”24. Daí bem concluir Ricardo de Moraes Cabezón
quanto ao Estatuto: “Verificamos, assim, o anseio de equiparar a situação do
torcedor ao consumidor, como maneira de moralizar o esporte, inclusive estendendo seu alcance a situações ‘extramuros’ do estádio [...]”25. Ora, a mesma
ideia já se apresentava na Lei de Economia Popular, que também se inclinava,
parcialmente, pela tutela do consumidor nas relações de consumo. Só não utilizava a linguagem consumerista, porquanto – à época – o direito do consumidor,
enquanto ramo jurídico, era meramente embrionário (a tutela do consumidor,
no Brasil, data de 1990).
Quanto aos sujeitos ativos: o art. 41-F mantém o perfil de crime comum,
repetindo o tipo penal do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Qualquer um pode
praticar a atividade. Fazendo-o, caracterizar-se-á como cambista. Porém, não
há exigência de prévias condições sociais, naturais, profissionais ou diversas a
caracterizar o autor do crime. Igualmente se mantém o sujeito passivo indeterminado. Na verdade, o tipo legal sequer reporta povo, como coletividade de
pessoas, ou um número indeterminado delas como vítimas, diversamente da
Lei de Economia Popular. Deduz-se o sujeito passivo indeterminado a partir da
conclusão de que a venda se dirige a uma multitude de pessoas. Os torcedores,
enquanto pessoas que apreciam, apoiam ou se associam a qualquer entidade de
prática desportiva do país e acompanham a prática de determinada modalidade
esportiva, conforme define o art. 2º, constituem o público-alvo de proteção do
Estatuto, segundo anuncia o respectivo art. 1º.
24 Apud CABEZÓN, Ricardo de Moraes. Manual de direitos do torcedor. São Paulo: Atlas, 2012. p. 37-38.
Também GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira
de. Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 114. Esses autores observam a pretensão
estatutária de proteger o torcedor “consumidor”, enquanto espectador de competições. Criticam, no geral, o
veio midiático e inflacionário de legislação penal que conduzia a reforma do Estatuto, pela Lei nº 12.299/2010.
25 CABEZÓN, Ricardo de Moraes. Manual de direitos do torcedor. São Paulo: Atlas, 2012. p. 38.
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Dados os traços comuns, insta apontar as diferenças mais significativas
em relação ao tratamento jurídico-penal constante da Lei de Economia Popular.
Inicie-se pelo núcleo do tipo. Como antedito, há tipo legal múltiplo alternativo
no art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Revela-se pelos verbos obter ou tentar obter,
configuradores de crime de atentado, que equipara a forma tentada com a consumada. Ambas se subsumem ao tipo por adequação imediata ou direta, com
penas semelhantes. Exaltação do desvalor de ação em detrimento do desvalor
de resultado. A seu turno, o art. 41-F é tipo simples, composto do vender como
único verbo. É crime de forma livre, caracterizando-se com qualquer modo de
venda. A tentativa é possível dentro do modelo de subsunção clássica para a
hipótese: adequação típica por subordinação mediata ou indireta, combinada
com o art. 14, II, do CP. Não se equipara, portanto, vender a tentar vender.
Note-se, quanto à tentativa, que a aplicação da teoria objetivo-material
ao art. 41-F permitirá punir como tentado o último ato anterior ao vender, com
ele imediatamente conectado, segundo o plano concreto do autor. Por exemplo, o porte ostensivo de ingressos, de modo público, evidenciando a disposição de vender, será tentativa, se for o último ato anterior à venda, pelo plano
do autor26. É o caso da notícia apresentada na introdução, em que se pretendia
vender ingresso pela internet, por trinta mil reais, para um jogo decisivo da
Libertadores da América27. Se, após portar, o último ato anterior à venda for
anunciar, aí o porte de ingressos é ato preparatório impunível. Neste caso, o
anunciar a oferta dos ingressos caracterizará tentativa.
Diversamente, o art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Nele, anunciar ou ofertar consumam o tipo. Como o tipo do art. 41-F não equipara vender a tentar
vender, o tentar vender não é núcleo do tipo. Desta forma, o ato imediatamente
anterior a tentar vender fica fora do âmbito dos atos executórios. A seu turno, o
ato imediatamente anterior a tentar obter vantagem no art. 2º, IX, é ato executório, pois conectado a um dos núcleos do tipo, consoante já explicado. Daí se
caracterizar o crime, por exemplo, na aquisição dos ingressos pelo cambista,
quando último ato anterior à oferta, no art. 2º, IX. Todavia, no art. 41-F, isto é
mero ato preparatório. O art. 41-F é lex mitior (lei melhor) em relação ao art. 2º,
IX, da Lei nº 1.521/1951, favorecendo o réu.
O objeto material – ou aquilo sobre o que recai a conduta contida no
tipo – também muda. Na Lei de Economia Popular, obtém-se ou tenta-se obter
26 Calil Simão (Estatuto de Defesa do Torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno, 2011. p. 123) afirma que,
“se uma pessoa for presa portando um grande número de ingressos, ausente qualquer elemento que indique
venda de ingressos, não teremos configurado o tipo em comento”. De fato, pois a ausência do dado probatório
de que o porte era o último ato do agente antes da venda impedirá de caracterizá-lo como ato executório.
Porém, se houver dado probatório da venda como ato ulterior imediato ao porte, impedida pela ação policial,
a tentativa do art. 41-F estará aperfeiçoada.
27 Novamente, disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/07/cambista-vende-ingresso-parajogo-do-corinthians-por-r-30-mil.html>. Acesso em: 07 dez. 2012.
78 R������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA
ganho ilícito. O que torna ilícito o ganho é o modus operandi vinculado, de
dupla feição: processo fraudulento ou especulação.
Já no Estatuto do Torcedor, o objeto material é ingresso de evento esportivo. Ele constitui objeto material do crime se vendido por preço superior
ao estampado no bilhete. Assim, “qualquer pessoa, mesmo aquela não credenciada oficialmente, pode vender ingresso, desde que o faça pelo preço nele
estampado”28, observa Calil Simão. É o caso daquele que, por razão pessoal,
tem que se desfazer do ingresso comprado com antecedência, por não poder
assistir ao evento.
Por outro lado, se o evento desportivo não for ofertado ao público mediante ingressos que estampem valor, será impossível a configuração do tipo
penal do art. 41-F – força do princípio da reserva legal. Note-se que a previsão
típica coliga-se ao art. 24 do Estatuto, exigente da impressão do preço pago no
ingresso, bem como de que “os valores estampados nos ingressos destinados a
um mesmo setor do estádio não poderão ser diferentes entre si, nem daqueles
divulgados antes da partida pela entidade detentora do mando de jogo” (art. 24,
§ 1º). Veja-se que há um refinamento da proteção do acesso do consumidor ao
espetáculo desportivo em relação à Lei de Economia Popular.
Subsidiariamente, caberá o art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951 se a entidade promotora não estampar o valor do ingresso nos bilhetes e violar a norma
administrativa do art. 24 do Estatuto? Sim, porque efetivamente constitui um
sistema de proteção: a) ao mesmo bem jurídico, tendo-se em conta a superposição parcial entre economia popular e a ordem econômica, no parcial aspecto
constituído pelo princípio de proteção ao consumidor (o torcedor também o
é); b) mais abrandado, quando do cotejo com o Estatuto do Torcedor (a pena
mínima do art. 2º, IX, é de 6 meses de detenção, contra 1 ano de reclusão; a
máxima é igual, 2 anos, porém detenção na Lei de 1951 e reclusão no Estatuto).
Justamente são as exigências para que se use um tipo penal subsidiário quando
incabível o mais grave. Ambos se conectam como graus de proteção diversos
de um mesmo bem jurídico ou de bens jurídicos em relação de desdobramento
(regularidade das relações de consumo desdobra-se da economia popular).
A grande diferença entre um sistema e outro radica na ausência do apelo
à violação do bem jurídico mediante processos fraudulentos ou especulações
dirigidas contra o povo. Tais modos de agir são exigidos para a lesão da economia popular, também imprescindível para adequação ao art. 2º, IX, porquanto
crime de perigo concreto.
28 SIMÃO, Calil. Estatuto de Defesa do Torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno, 2011. p. 122. Prossegue
o autor, no sentido mesmo sentido: “Uma loja pode até mesmo dar ingresso de presente na compra de um
produto, ou mesmo um torcedor que se arrependa ou não possa mais assistir ao evento esportivo pode vender
para outra pessoa o seu ingresso”.
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O art. 41-F, todavia, erige-se como crime de perigo abstrato. Não cita o
bem de proteção na redação do tipo. Presume juris et de jure como perigosa
para as relações de consumo, em defesa do torcedor-consumidor, a venda de
ingressos por valor acima do estampado no bilhete.
Quando o legislador opta pelo crime de perigo abstrato, a legitimidade
dessa opção passa pela certeza ex ante factum de que o comportamento presumido lesivo costuma derivar em dano em dadas circunstâncias. Daí ser preciso
que o tipo desenhe concretamente as circunstâncias em que a ação é perigosa.
O art. 41-F o faz razoavelmente: exige venda de ingressos – no plural,
como bem observa Calil Simão29 – com valor estampado, venda com sobrepreço, destinação a evento esportivo, regido pelo conjunto normativo extrapenal
e penal estatutário. Por certo, poderia ir além, sobretudo definindo o afã de
obtenção de lucro. De todo modo, a referência a ingressos, no plural, acentuou
o caráter tendencial de repetitividade de vendas num único contexto. Assim, a
redação do tipo norteia a solução de impunidade de uma pessoa que revende
seu único ingresso, por valor superior ao impresso, em circunstância na qual
teve que desistir de assistir ao espetáculo esportivo. A solução do tipo legal
formal de injusto é adequada, porquanto consentânea com o contexto material
invocado pela norma para caracterizar lesão ao bem de proteção. A meta optata
legislativa, afinal, seria incompatível com atingir penalmente alguém que agisse
da maneira exemplificada.
Mais: para a legitimidade dos crimes de perigo abstrato, é preciso que o
tipo parta de bases que garantam a certeza da presunção de perigo. São bases
que a garantem: a) regras de experiência, em que pessoas da área da vida em
que se dá o evento confirmem que a conduta costuma derivar em dano; b) dados estatísticos evidenciando a correlação entre o comportamento tido como
perigoso e o dano a ser evitado, mediante antecipação de tutela (característica
de crimes econômicos); c) provas científicas da periculosidade do comportamento, a partir de ciências do ser, como a medicina, a física, a química etc.
(esse critério, naturalmente, é restrito às áreas de intervenção jurídico-penal
que constituem, simultaneamente, domínio das ciências do ser; não é o caso do
cambismo de ingressos em eventos desportivos).
Na hipótese, as duas primeiras bases podem ser usadas. A primeira, sobretudo, valida a opção legislativa, desde que qualquer funcionário de clube
esportivo, policial, torcedor ou envolvido de outro modo com eventos esportivos, seja capaz de testemunhar a atividade do cambista como causadora de
redução de ingressos disponíveis por preços normais, eliminação de ingressos
total ou setorial.
29 SIMÃO, Calil. Estatuto de Defesa do Torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno, 2011. p. 123.
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As regras de experiência, conjugadas às pretensões do legislador ao redigir os demais artigos do Estatuto do Torcedor, evidenciam:
a)
que a venda por cambistas impede o amplo acesso às informações,
em favor do consumidor, garantida no art. 20, § 2º, do Estatuto, pois
o sujeito ativo do delito – cambista – não está subordinado ao promotor do evento, responsável pelo fornecimento das informações;
b)
que não é possível garantir, ao consumidor, a obtenção de comprovante de pagamento, garantida pelo art. 20, § 4º;
c)
total falta de segurança do consumidor em relação à procedência
do ingresso, pois somente a entidade detentora do mando de jogo é
destinatária do dever de organização, voltado a evitar falsificações
e fraudes nos bilhetes (art. 21).
Tudo isto, para além dos já tradicionais danos à coletividade de consumidores atinente à falta setorial ou integral de ingressos. Enfim, do ponto de
vista da lesividade, a opção legislativa não é desarrazoada, tomando em conta
o sistema de proteção e defesa do torcedor que constituiu no texto legal, como
um todo30.
Por força da opção legislativa, para a configuração do crime, não haverá qualquer dependência de que o sujeito ativo venda os ingressos em circunstâncias nas quais já tenham se esgotado na bilheteria, integral ou parcialmente (para setores do estádio) ou de que abuse de situação anômala, como
filas de horas, geradoras de profundo desconforto e possibilidade de perda de
partes do evento31. Isto, já se viu, é preciso no tipo penal do art. 2º, IX, da Lei
nº 1.521/1951, porque exige a especulação. Especulação que o tipo do
art. 41-F, a toda evidência, dispensou.
O sistema de proteção consumerista-penal erigido no Estatuto do Torcedor, a rigor, é bem mais detalhado do que aquele constante da norma subsidiária do art. 2º, IX, da Lei de Economia Popular quanto ao cambismo. E toma o
cambismo de bilhetes de ingresso como foco de repressão de maneira direta,
coisa que a Lei de Economia Popular não fazia. Nela, a prática é tipificada a
partir de disposição com traço genérico, abrangente de outras práticas. O Estatuto, a sua vez, no afã de reprimir diretamente essa prática, chega ao ponto
de criminalizar, também, comportamentos que dão suporte ao cambista. É o
30 O texto chega ao ponto de declarar o caráter injusto extrapenal da venda de produtos alimentícios dentro do
estádio por preços excessivos, art. 28, § 2º. Trata-se de outra medida protetora de torcedores.
31 Posição contrária é sustentada por GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista;
OLIVEIRA, Gustavo Vieira de. Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 131: “Deve ser
observado, ainda, que o agente deve aproveitar-se da falta de ingressos para serem adquiridos pela via (e
preço) normal”.
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art. 41-G: “Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda
por preço superior ao estampado no bilhete”.
A meta de proteção – bem jurídico – é a mesma do art. 41-F. O tipo
do art. 41-G, múltiplo alternativo, compõe-se de três núcleos no tipo objetivo.
Pune-se: a) o fornecimento de ingressos para venda por sobrepreço. O destinatário do fornecimento é o cambista. Daí não poder ser ele sujeito ativo do crime, ao menos quanto aos ingressos que posteriormente venderá. Afinal, como
bem assinala Calil Simão, o “distribuidor é a pessoa que detém a capacidade
de fomentar a venda direta ao consumidor, pois é quem consegue o produto
para que ocorra essa venda. Ele, desse modo, não é o vendedor direto; é o fornecedor deste vendedor”32; b) o desvio de ingressos para venda por sobrepreço.
Aqui, quando se fala em desvio, pressupõe-se a retirada dos ingressos da destinação natural, que seria a bilheteria do evento. Esse crime pode ser praticado
pelo cambista, mesmo quanto aos ingressos que venderá. Porém, considerando-se que a venda tem pena cominada mais branda, quando ambas as condutas
típicas forem praticadas pela mesma pessoa, em progressão criminosa, a venda
será pós-fato impunível, figurando o art. 41-G como lei consuntiva e o art. 41-F
como lei consunta; c) a facilitação da distribuição, como no exemplo do “policial que faz vistas grossas”33, em que a atribuição do evento ao facilitador dá-se
pela forma ativa por omissão, com base na norma de extensão típica do art. 13,
§ 2º, a, do CP. Na facilitação da distribuição, o cambista também não é sujeito
ativo, pela mais comezinha lógica de que não seria viável puni-lo por favorecer... a si mesmo. Porém, pode ser punido pela via do art. 41-G em relação às
práticas de outros cambistas.
Assim, o crime é comum, mas há limitações quanto ao sujeito ativo,
derivadas do tipo. Além disso, é preciso assinalar que características do sujeito
ativo relacionadas à condição funcional pública ou empregatícia podem majorar as penas. Busca-se coibir justamente o núcleo de pessoas que tem acesso
aos ingressos por sua posição profissional: servidores públicos, funcionários da
entidade promotora do evento ou organizadora da competição, empresas que
confeccionam os ingressos e membros de torcidas organizadas (assim definidas
no próprio Estatuto, art. 2º-A). O parágrafo único, que porta a majorante, exige
que o agente valha-se da condição profissional. É comum que as pessoas referidas no parágrafo entrem em conluio com o cambista, usualmente com divisão
de ganhos. O responsável pela bilheteria do evento que desvia ingressos para
venda, por intermediário, com sobrepreço, dividindo os ganhos, efetivamente
32 SIMÃO, Calil. Estatuto de Defesa do Torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno, 2011. p. 123.
33 Exemplo sugerido por SIMÃO, Calil. Estatuto de Defesa do Torcedor comentado. São Paulo: J. H. Mizuno,
2011. p. 124.
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frustra as pretensões de proteção consumerista-penal do Estatuto. Muitas vezes,
coordena inúmeros cambistas em seu favor.
O tipo subjetivo é composto tão só pelo dolo. O objeto material do
art. 41-G também é o ingresso, para venda com sobrepreço, tanto quanto no
art. 41-F. Então, não é qualquer ingresso que constitui o objeto material em questão; somente os destinados à venda (aquela prevista no artigo anterior, 41-F).
A tutela do consumidor antecipa-se bastante ao momento da venda efetiva,
prevista no art. 41-F, ou oferta dela, em tentativa de crime.
É típico do direito penal econômico avançar em relação aos comportamentos perigosos para o bem jurídico, a ponto de barrar o perigo de perigo. É
o caso. Para não haver perigo abstrato para a coletividade indefinida de torcedores-consumidores derivada da venda de ingressos com sobrepreço, coíbe-se
o que gera o perigo deste perigo: o fornecimento, o desvio e a facilitação da
distribuição de ingressos destinados àquela venda supervalorizada. Claro o exagero legislativo, pois se desgarra perigosamente da efetiva lesividade em relação
ao bem jurídico. Assim, a não criminalização autônoma de atos próprios de
participação seria solução mais consentânea com o princípio da lesividade, eis
que exigiria a conduta posterior, de venda ou oferta de venda (tentativa), para
aperfeiçoamento do crime. Da forma como está, o crime do art. 41-G está consumado “dispensando a obtenção do lucro indevido ou mesmo a efetiva venda
do bilhete por preço abusivo”34. Ou seja: muito distante de colocar o aspecto
da ordem econômica que tutela sob efetivo perigo.
Fecham-se as observações alusivas ao art. 41-G com outra crítica. Concerne à pena: reclusão, de 2 a 4 anos. Há dobra dos marcos, mínimo e máximo,
do art. 41-F, de modo incongruente. Afinal, as atividades de apoio à venda realizada pelo cambista não podem ser mais desvaliosas que esta ação. É como se
o acessório fosse mais desvalioso que o principal.
A rigor, se não existisse o art. 41-G, aquele que fornecesse, desviasse
ou facilitasse a venda do ingresso sobrevalorado seria partícipe no crime do
cambista35. Fere-se, deste modo, o princípio da proporcionalidade. O correto
seria punir como meros partícipes, na forma do art. 29 do CP, mediante extensão típica e adequação por subordinação mediata, os praticantes dos verbos
contidos no art. 41-G. Com a quebra do monismo de infrações, o autor da conduta principal de venda, além da pena mais branda, pode receber os benefícios
da Lei nº 9.099/1995, porquanto a infração do art. 41-F cataloga-se como de
34 GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira de.
Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 133.
35 GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; OLIVEIRA, Gustavo Vieira de.
Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011. p. 132. Esses autores bem observam que houve, na
hipótese, quebra da teoria monista do número de crimes envolvendo codelinquentes.
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menor potencial ofensivo. Já as condutas de apoio, contidas no art. 41-G, não
permitem qualquer favor rei contido na citada lei, bem como a pena mínima
cominada (2 anos) impede a oferta de suspensão condicional do processo. Ou
seja, pela opção legislativa, a hipótese não é nem de pequeno, nem de médio
potencial ofensivo.
O tratamento do case de abertura, naturalmente, atualiza-se a partir dessas observações. Nelas estão contidas as principais mudanças que se produziram quanto às atividades de cambistas em eventos desportivos, a partir do
Estatuto do Torcedor – Lei nº 10.671/2003, tomando-se em conta os acréscimos
que lhe foram dados pela Lei nº 12.299/2010.
CONCLUSÕES
1.
A atividade do cambista caracteriza conduta típica subsumida ao
tipo legal e violadora da norma proibitiva do art. 2º, IX, da Lei
nº 1.521/1951, desde que se dê: a) mediante processo fraudulento, como a falsificação de ingressos, ou a mera mentira acerca do
verdadeiro valor do preço ou de que os ingressos acabaram, capaz de iludir o adquirente; b) por especulação, a partir da qual o
cambista valha-se, para obter ou tentar obter ganhos, (1) do esgotamento integral das vias normais de aquisição de ingressos, (2) do
esgotamento parcial, alusivo a setores da plateia ou arquibancadas,
(3) de dificuldades alusivas aos meios normais de aquisição (tempo
de espera, filas) ou (4) de outras situações semelhantes que evidenciem o surgimento do perigo concreto para o bem jurídico “economia popular”. Nestas hipóteses, os ganhos são ilícitos.
2.
A existência da opção tranquila para o consumidor entre a compra
junto ao cambista ou junto à bilheteria, em normalidade de condições (exceto o preço), com ciência de que há sobrepreço no bilhete
do cambista e opção, por motivos pessoais, pela compra junto a
ele, afasta qualquer hipótese de violação ao bem jurídico tutelado.
A oferta de bilhetes sob tais condições, pelo cambista, não configura nem a tentativa de obter ganhos por processo fraudulento, nem
mediante especulação.
3.
O procedimento policial preventivo deve tomar em consideração
tais circunstâncias.
4.
Após o esgotamento dos bilhetes, o mero ato de ofertar à venda já
configura o crime, cujas formas consumada e tentada se equiparam
para efeitos de pena.
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5.
Pelo critério objetivo-individual, o último ato do cambista, relativo
à sua atividade de intermediação, como a aquisição dos ingressos
ou o colocar-se em posto adequado para as vendas, já configura ato
executório e permite a prisão em flagrante.
6.
Não se pode conceder personalidade jurídica às “associações de
cambistas”, por afrontar o art. 115 da Lei de Registros Públicos.
7.
O Estatuto do Torcedor não revogou a aplicabilidade do art. 2º,
IX, da Lei nº 1.521/1951 para atividades de cambistas vinculadas a
espetáculos públicos não desportivos. Assim, o tipo penal vige no
tocante ao cambismo alusivo a espetáculos artísticos, culturais ou
diversos, permanecendo válidas as conclusões acima desenhadas.
8.
O art. 41-F do Estatuto do Torcedor criminaliza a atividade típica do
cambista, mediante o crime de perigo abstrato de vender ingressos
de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete. A
opção legislativa de presumir o perigo do comportamento ex ante
factum et juris et de jure deflui de regras de experiência, conjugadas
às próprias pretensões de defesa e proteção do consumidor-torcedor contidas no texto legal.
9.
A conjugação de ambas evidencia: a) que a venda por cambista impede amplo acesso a informações, em favor do consumidor, exigida
pelo art. 20, § 2º, do Estatuto do Torcedor, já que o sujeito ativo do
delito não está subordinado ao promotor do evento; b) que não é
possível garantir, ao consumidor, a obtenção de comprovante de
pagamento, garantida pelo art. 20, § 4º; c) total falta de segurança
do consumidor em relação à procedência do ingresso, pois somente a entidade detentora do mando de jogo é destinatária do dever
de organização, voltado a evitar falsificações e fraudes nos bilhetes
(art. 21). Tudo isto, para além dos danos à coletividade de consumidores atinente à falta setorial ou integral de ingressos. A lesividade
ao bem jurídico está, nestes termos, bem constituída de lege lata.
10. O art. 41-G criminaliza atividades de apoio ao cambista, como o
fornecimento ou desvio de ingressos para venda sobrevalorada ou
a respectiva facilitação. Transformou-se em tipo autônomo a participação nas atividades de venda contidas no art. 41-F. A opção é
criticável por: a) exagerar a antecipação de tutela em relação à efetiva lesão da ordem econômica, no tocante às relações de consumo
envolvendo o torcedor-consumidor; b) guarnecer-se o tipo penal
com pena maior que a do art. 41-F, quando este prevê a venda, que
é atividade principal em relação àquelas atividades típicas meramente acessórias e dependentes da venda, previstas no art. 41-G.
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Parte Geral – Doutrina
O Regime Societário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades
de Seus Dirigentes
JOÃO PAULO ROMERO BALDIN
Advogado, Graduado em Direito pela Faculdade COC de Ribeirão Preto/SP, inscrito nos quadros da OAB/SP sob nº 274.640, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD),
Extensivo em Gestão e Direito Desportivo pela SAT Educacional de Belo Horizonte/MG, Executivo em Gestão Aplicada ao Esporte pela Trevisan Escola de Negócios de São Paulo/SP,
Pós-Graduando em Direito Desportivo pela Uniara – Araraquara/SP, Pós-Graduando em Direito
Empresarial e Relações com o Mercado pela UnisebCOC de Ribeirão Preto/SP, Coordenador
da Comissão de Direito Desportivo da 12ª Subseção da OAB/SP. Autor de diversos artigos nas
revistas e livros especializados em Direito Desportivo, Palestrante.
RESUMO: O mundo do futebol deixou, há muitos anos, de ser apenas um esporte de torcedores e
apaixonados por esta modalidade esportiva e passou a ser um negócio extremamente rentável no
Brasil e no mundo. Ao olhos empresariais, a administração e responsabilidades de seus dirigentes
passou a ter grande importância interna na gestão das entidades de prática desportiva, sendo necessário um estudo sobre as regras e normas vigentes no país sobre o sistema empresarial dos clubes
de futebol brasileiros.
PALAVRAS-CHAVE: Futebol; negócio; responsabilidades; Brasil; gestão; empresarial; normas; regras.
ABSTRACT: The world of soccer left several years of being just a sport for fans and lovers of this
sport, and became an extremely profitable business in Braziland world wide. Eyes to the business
administration and responsibilities of its leaders came to have great importance in the internal
management of sports entities, a study of the rules and regulations in the country about the business
system of the Brazilian football clubs being necessary.
KEYWORD: Soccer; business; Brazil; management; business; regulations; rules.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Regimes societários existentes no ordenamento jurídico pátrio; 1.1 Sociedade em nome coletivo; 1.2 Sociedade em comandita simples; 1.3 Sociedade em comandita
por ações; 1.4 Sociedade limitada; 1.5 Sociedade anônima; 1.6 Dissolução da sociedade; 1.7 Associação; 2 Breve análise do direito desportivo no Brasil; 2.1 Constituição Federal de 1988; 2.2 Lei
nº 8.672/1993 – Lei Zico; 2.3 Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé; 2.4 Lei nº 10.671/2003 – Estatuto do
Torcedor; 2.5 Resolução nº 29/2009 do CNE – Código Brasileiro de Justiça Desportiva; 3 Entidades
de prática desportiva; 3.1 Conceito; 3.2 Estatutos sociais; 3.3 Atual quadro empresarial dos clubes
de futebol no Brasil; 3.4 Transformação dos clubes em sociedades empresárias. Obrigatoriedade ou
faculdade?; 4 Responsabilidade civil e penal dos sócios e administradores das entidades de prática
desportiva; 4.1 Entidades de prática desportiva que constituem sociedade comercial para administração das atividades esportivas; 4.2 Responsabilidade dos dirigentes; 4.2.1 Responsabilidade em
razão da constituição jurídica do clube – Artigo 27 da Lei Pelé; 4.2.2 Responsabilidade em razão da
administração do clube – Artigo 50 do CC/2002; 4.2.3 Responsabilidade em razão dos direitos do torcedor – Artigo 37 da Lei nº 10.671/2003; 4.2.4 Responsabilidade penal dos dirigentes das entidades
de prática desportiva; Considerações finais; Referências.
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INTRODUÇÃO
O futebol é o esporte que movimenta bilhões em moeda em todo mundo
e que, há muito tempo, deixou de ser um esporte e lazer para fazer parte do
mundo dos negócios, não somente dentro de campo, mas especificamente fora
dele.
O cenário atual empresarial no futebol brasileiro é extremamente preocupante no ponto de vista administrativo, chegando ao ponto de se pensar
que os clubes podem literalmente, na linguagem popular, “fechar as portas”
pelo fato de serem mal administrados e não terem profissionais especializados e
devidamente remunerados para as funções que devam exercer. Temos praticamente em todos os clubes de futebol a chamada gestão amadora, que, segundo
Spessoto:
[…] é aquela baseada em valores de tradição, em que o comportamento do dirigente é influenciado por elementos emotivos que acabam introduzindo uma
dimensão irracional em suas decisões, e as decisões são tomadas por paixão; o
paradigma é a entidade sem fins lucrativos e sua administração é voltada para
dentro, o que significa a prevalência dos problemas administrativos sobre as
oportunidades de mercado.
Assim, temos que os clubes precisam de pessoas profissionais na área
empresarial, com capacidade técnica para gerar os diversos setores de um clube, buscando sempre resultado positivo, profissionais com conhecimento de
elementos teóricos e práticos necessários ao exercício de uma profissão, ou de
atividades próprias dela.
Neste ponto, ensina-nos Leandro Carlos Mazzei:
[...] fica evidente que a profissionalização dos clubes de futebol passa não somente pela inclusão de profissionais qualificados em seus quadros gerenciais
(centro operacional), mas fundamentalmente pela própria profissionalização de
sua diretoria executiva, ou vértice estratégica, hoje ainda composta por gestores
cuja dedicação se da de forma amadora.
Infelizmente não há, até o presente momento, pelos próprios clubes, uma
movimentação para implementação da profissionalização em uma forma empresarial propriamente dita, voltada a valores empresariais de seus setores para
ter profissionais qualificados e fazendo com que os clubes cresçam, mas sim
vivem ainda de que um amante do clube tome conta de algo tão grandioso e
importante para um país como o futebol e o esporte de um modo geral.
Diante dos dois maiores eventos esportivos que teremos no Brasil, Copa
do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016, faz-se necessário estudo aprofundado da
atuação societária dos nossos clubes de futebol, como da mesma forma focar-se
estritamente nesta área administrativa/empresarial destas entidades.
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Ressalta-se a realidade empresarial defasada das entidades de prática
desportiva, em meio às normas vigentes e atualidade a qual vivencia o mundo
do futebol, o qual deixou de ser esporte, lazer, para ser um negócio, movimentando bilhões em dinheiro.
Portanto, o tema é extremamente relevante, haja vista a necessidade de
implantação e adequação de regimes societários como da mesma forma projetos de gestão empresarial para estes clubes, preparando-os para o futuro de
muito sucesso neste mercado competitivo e cruel.
Assim, o estudo será dirigido à análise das seguintes indagações: a transformação dos clubes de futebol em empresa é o caminho certo para estes? Qual
a responsabilidade dos sócios-diretores na administração das entidades de prática desportiva? O modelo atual de administração empresarial dos clubes é adequado?
Desta forma, temos o presente trabalho pelo desenvolvimento da pesquisa bibliográfica, documental interdisciplinar entre as áreas do Direito, como, da
mesma forma, o uso dos métodos dedutivos e analíticos para compor a temática
de pesquisa.
Ato contínuo, efetuar-se-á estudo detalhado sobre a problemática da gestão esportiva e seus aspectos empresariais com base em legislação aplicada ao
esporte, gestão empresarial e proposta de mudanças no modo empresarial dos
clubes de futebol.
1 REGIMES SOCIETÁRIOS EXISTENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
Empresa é uma organização que tem por objetivo fornecer um bem ou
um serviço para a sociedade. Ela também transforma insumos em bens e/ou serviços, ou seja, matérias-primas, energia elétrica, submetendo-os a determinadas
metodologias para obter seu produto final.
Essas metodologias constituem a forma particular que uma empresa usa
para fazer aquilo a que se destina e se resumem, na prática, a funções e tarefas
(compra, produzir, vender, cobrar, pagar, desenvolver, coletar, calcular o custo
de seu produto ou serviço) evidentemente orquestradas e organizadas de forma
que a ordem com que as coisas devem ser feitas possa ser o melhor e mais econômico possível.
Assim, saber quando deve fazer cada coisa é o que mais diferencia uma
empresa de outra que esteja no mesmo mercado, produzindo coisas análogas.
Trata-se, portanto, de um conjunto de engrenagem de processo que devem ser convenientes agrupadas e ordenadas para entregar a seus clientes o
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melhor ou menor custo, maximizando, assim, os resultados e o retorno a seus
investidores.
O proprietário da empresa pode ser apenas uma pessoa, no caso de empresas individuais, como pode ser mais de uma formando sociedades. Existem
as seguintes modalidade na legislação:
– empresário individual: sociedade simples;
– sociedade por quotas;
– sociedade em comandita por ações;
– sociedade em comandita simples;
– sociedade em nome coletivo;
– sociedade limitada;
– sociedade anônima;
– associação.
De agora em diante, dependendo de existência ou não do aspecto econômico da atividade, se a uma pessoa desejar atuar individualmente em algum
seguimento profissional, enquadra-se como empresário ou autônomo, simplesmente conforme situação, ou, caso prefira, reunir-se a uma ou mais pessoas
para, juntas, explorar uma sociedade; deverão constituir uma sociedade que
poderá ser empresária ou simples.
Portanto, devemos nos acostumar a conviver com a nova divisão entre
empresário ou autônomo e sociedade empresária ou simples.
A firma individual foi substituída pela figura do empresário.
Empresário, portanto, é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços (art. 996
do CC).
1.1 Sociedade em nome coletivo
Constituição de sociedade em que a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas obrigações sociais: arts. 1.039 a 1.044 do CC.
1.2 Sociedade em comandita simples
Os comanditários têm responsabilidade limitada em relações às obrigações contraídas pela sociedade empresária, respondendo apenas pela integralização das cotas subscritas (quem coloca dinheiro). Os comanditados contribuem com capital e trabalho; além de serem responsáveis pela administração da
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA.......................................................................................................................
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empresa, sua responsabilidade perante terceiros é ilimitada, devendo saldar as
obrigações contraídas pela sociedade. A firma ou razão social em que constar o
nome do comanditário faz presumir-se que seja este comanditado e responderá
da mesma forma caso contar na razão social: arts. 1.045 a 1.051 do CC.
1.3 Sociedade em comandita por ações
Esta sociedade tem o capital dividido em ações regendo-se pelas normas
relativas à sociedade anônima; somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como diretor, responde, subsidiária e ilimitadamente,
pelas obrigações da sociedade: arts. 1.090 a 1.092.
1.4 Sociedade limitada
Quando duas ou mais pessoas se associam para criar uma empresa, formando uma sociedade, por meio de contrato social, em que contará seus atos
constitutivos, sua forma de operação, as normas da empresa e o capital social
– este, por sua vez, será dividido em cotas de capital, no qual a responsabilidade pelo pagamento das obrigações da empresa é limitada à participação dos
sócios: arts. 1.052 a 1.065 do CC.
1.5 Sociedade anônima
Constituição de empresas nas quais o capital social não se encontra atribuído a um nome em específico, mas está dividido em ações que podem ser
transacionadas livremente, sem necessidade de escritura ou outro ato notarial.
Por ser uma sociedade de capital, prevê a obtenção de lucros a serem distribuí­
dos aos acionistas, sendo a responsabilidade limitada as ações: arts. 1.088 a
1.089 do CC.
1.6 Dissolução da sociedade
Conforme nos ensina o jurista Fábio Ulhoa:
Dissolução é conceito que pode ser utilizado em dois sentidos diferentes: para
compreender todo o processo de término da personalidade jurídica da sociedade
comercial (sentido largo) ou para individualizar o ato específico que desencadeia
este processo ou que importa a desvinculação de um dos sócios do quadro sociativo (sentido estrito).
Temos ainda duas espécies de dissolução: a total e a parcial.
A dissolução total ocorre quando há o fim da sociedade de forma geral,
ou seja, é extinta de fato e de direito.
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A dissolução parcial ocorre quando existem conflitos entre os sócios,
ou entre estes e os sucessores de um deles, impossibilitando a preservação dos
meios contratuais; deve-se tentar a compatibilização entre o fim destes conflitos
e a continuidade da sociedade comercial.
Diferentemente da dissolução total, na dissolução parcial, não será da
pessoa jurídica, mas dos vínculos contratuais que a originaram.
A dissolução de uma sociedade pode ter vários motivos. Vejamos.
Dissolução total pode ocorrer por vontade dos sócios (art. 1.033, II e III,
do CC); fim do prazo determinado de duração (art. 1.033, I, do CC); processo de
falência (arts. 1.044, 1.051 e 1.087, todos do CC); exaurimento do objeto social
(art. 1.034, II, do CC); inexequibilidade do objeto social (art. 1.034, II, do CC);
por unipessoalidade por mais de 180 dias (art. 1.033, IV, do CC) e por causas
contratuais (art. 1.035 do CC).
A dissolução parcial pode ocorrer por vontade dos sócios, por morte de
sócio, por retirada de sócio, por exclusão de sócio, por falência de sócios e por
liquidação da quota a pedido de credor de sócio.
Por fim, existe a dissolução de fato da sociedade empresária, que ocorre
quando os sócios limitam-se a vender precipitadamente o acervo, a encerrar as
atividades e se dispersarem.
1.7 Associação
Importantíssimo, para o presente estudo, a questão das associações, pois
a grande maioria das entidades de prática desportiva são associações, sendo seu
regimento interno o estatutário.
Passamos, neste momento, a uma análise mais profunda sobre as associações.
As associações estão perpetuadas na Constituição Federal de 1988 em
seu art. 5º, XVII, XVIII, XIX, XX e XI, e no Código Civil de 2002, no Capítulo II,
arts. 53 a 61.
As associações são pessoas jurídicas de direito privado constituídas de
pessoas que reúnem os seus esforços para a realização de fins não econômicos.
Distinguem-se das sociedades pelo fato de não visarem ao lucro, o que
nas sociedades ocorre.
O ato constitutivo das associações é pelo seu estatuto, com base no
art. 54 do CC/2002.
Os associado-filiados podem ser excluídos das associações pela justa
causa, respeitado o direito do contraditório por meio de recurso.
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93
Caso haja necessidade de mudança no estatuto ou destituição de associados, cabe à assembleia geral tal providência.
2 BREVE ANÁLISE DO DIREITO DESPORTIVO NO BRASIL
Conforme lição de Marcílio Krieger:
O estudo da nossa legislação desportiva permite dividir o conjunto de normas
constitucionais, legais e infralegais aplicáveis a esse segmento das atividades individuais e coletivas em três períodos distintos: o primeiro, entre 1932 e 1945; o
segundo, de 1945 a 1988; e o terceiro a parti da Constituição de 1988.
O futebol no Brasil passou a ser profissional a partir dos anos 30, sendo
necessária a criação de regras, normas que regulamentassem as relações do
esporte no País.
A título de curiosidade, as normas mais importantes promulgadas neste
período foram:
O Decreto-Lei nº 1.056/1939, o Decreto-Lei nº 3.199/1941 e o Decreto-Lei nº 5.342/1943.
Após esse período, temos de 1945 a 1988:
Emenda Constitucional nº 1, de 1969; Lei nº 5.939/1973; Lei nº 6.251/1975;
Lei nº 6.354/1976 e a Portaria nº 702 do MEC, a qual foi alterada pelas Portarias
nºs 25/1984 e 328/1987.
A partir da promulgação da Constituição federal de 1988, tivemos:
Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico); Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé); Lei nº 10.671/2003
(Estatuto do Torcedor e, por fim, a Resolução nº 29/2009 do Conselho Nacional
dos Esportes – Código Brasileiro de Justiça Desportiva).
2.1 Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 prevê o desporto nacional em seu
art. 217. Vejamos:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais,
como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua
organização e funcionamento;
II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto
educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional;
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IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições
desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em
lei.
§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
2.2 Lei nº 8.672/1993 – Lei Zico
A Lei nº 8.672/1993 foi responsável pela democratização das relações
entre atletas e dirigentes, o qual ainda existia o instituto do passe.
Na parte empresarial, não impunha responsabilidades específicas aos dirigentes dos clubes, como faz no presente momento as demais leis sobre o tema,
como veremos a seguir.
2.3 Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé
A Lei nº 9.615/1998 foi promulgada em 24 de março de 1998, porém já
teve seu texto modificado no ano de 2013, pela Lei nº 12.867, o qual regulamentou pontos importantes da lei de 1998.
Tal diploma legal em estudo veio a gerir normas gerais sobre o desporto
profissional e não profissional e suas relações nas diversas áreas do Direito,
como, por exemplo, as relações advindas de vínculo empregatício.
2.4 Lei nº 10.671/2003 – Estatuto do Torcedor
A Lei nº 10.671/2003 foi promulgada na data de 15 de maio de 2003,
a qual institui normas gerais sobre a defesa dos direitos do consumidor do esporte, inclusive impondo normas sobe os dirigentes das entidades de prática e
administração do desporto.
Esta referida norma é aplicável conjuntamente com o CDC e estabelece
como consumidor quem aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de
prática desportiva e acompanhe a prática de modalidade esportiva, equiparando os clubes mandantes e entidades organizadoras a fornecedores.
2.5 Resolução nº 29/2009 do CNE – Código Brasileiro de Justiça Desportiva
A Resolução nº 29/2009 do Conselho Nacional de Esportes foi instituída
para regulamentar as questões disciplinares da órbita esportiva, como seu funcionamento geral e processual, no tribunais competentes, ou seja, TJD (Tribunal
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA.......................................................................................................................
95
de Justiça Desportiva), STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), os quais
são órgãos administrativos, preservadas suas decisões pelo art. 217 da CF/1988.
3 ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA
3.1 Conceito
Entidades de prática desportiva são aquelas que se organizam para fins
de prática de alguma modalidade esportiva, e, no caso do artigo em estudo, os
clubes de futebol.
3.2 Estatutos sociais
Estatuto social é o conjunto de normas jurídicas, previamente acordadas
pelos sócios ou fundadores, que regulamentam o funcionamento de uma pessoa jurídica. Em geral, é comum a todo o tipo de órgãos colegiados, incluindo
entidades sem personalidade jurídica.
No Brasil, a grande maioria dos clubes de futebol ainda são regidos pelos
seus estatutos sociais.
Na fundação destes clubes, suas atividades eram sócio esportivos, sendo
considerados como clubes associativos e até hoje continuam desta mesma maneira, haja vista que é facultativa sua transformação em clubes-empresa. Como
exemplo constam como clubes-empresa Osasco Audax São Paulo, Audax Rio
de Janeiro, Red Bull Brasil, Ituano Futebol Clube, entre alguns outros.
3.3 Atual quadro empresarial dos clubes de futebol no Brasil
O futebol é um elemento cultural de grande importância para a sociedade nacional, o qual transforma todos os sentimentos humanos, na maioria das
vezes, em emoções inconsequentes.
Assim, temos os clubes de futebol como associações de clubes sócio recreativos os quais a sua finalidade é o futebol dentro de campo.
Todavia, o resultado esperado dentro das quatro linhas nem sempre é
satisfatório, pelo fato de administrativamente não estarem organizados com planejamentos definidos.
Seus dirigentes/administradores deixam completamente de lado suas responsabilidades sociais com a entidade em busca de alavancarem suas carreiras
pessoais, vaidades e, de forma concreta, esquecem sua real responsabilidade
empresarial dentro dos quadros associativos das entidades de pratica desportiva.
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3.4 Transformação dos clubes em sociedades empresárias. Obrigatoriedade ou faculdade?
A Lei Pelé atual, em seu art. 27, § 9º, é bem clara em seu texto normativo:
Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares
de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou
bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.
[...]
§ 9º É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039
a 1.092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
Portanto, no nosso estudo, não resta dúvida de que é facultado aos clubes de futebol constituírem-se regularmente em qualquer forma de sociedade
existente na lei nacional.
4 RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES DAS ENTIDADES DE
PRÁTICA DESPORTIVA
A responsabilidade dos sócios é o ponto mais importante da administração das entidades de prática desportiva por parte de seus dirigentes ou quem
lhe faça as vezes.
4.1 Entidades de prática desportiva que constituem sociedade comercial para administração das
atividades esportivas
Constitui forma híbrida na qual a parte social da entidade permanece
constituídas como associação e a que pratica esporte profissional constitui-se
em uma das formas empresariais. Não há obrigatoriedade da entidade desportiva se constituir em empresa. Independentemente da forma jurídica que adotem,
uma gestão transparente e competente na administração é imprescindível, não
competindo ao Poder Público induzi-los.
4.2 Responsabilidade dos dirigentes
Existem quatro situações. Uma intrinsecamente ligada à constituição da
entidade desportiva, outra atinente a sua administração; a terceira no que tange
aos direitos do torcedor e, por fim, a responsabilidade penal.
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4.2.1 Responsabilidade em razão da constituição jurídica do clube – Artigo 27 da
Lei Pelé
Importante observar os §§ 9º, 11 e 13 do art. 27 da Lei Pelé. No 9º, afirma
que é facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária; no 11, os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos
praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou
estatuto nos termos do CC/2002; no 13, as atividades profissionais das entidades
de que se trata o caput do art. 27, independentemente de forma jurídica sob a
qual estejam constituídas, equiparam-se às das sociedades empresarias.
4.2.2 Responsabilidade em razão da administração do clube – Artigo 50 do CC/2002
Ainda que a entidade de prática desportiva seja constituída como sociedade limitada ou anônima, o dirigente pode ser responsabilizado pessoalmente,
nos termos do art. 50 do CC, ou seja, trata-se da desconsideração da personalidade jurídica a fim de atingir o patrimônio dos sócios em caso de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Portanto, caso o dirigente administre a entidade
utilizando-se indevidamente ou conferindo destino diferente ao previsto nos Estatutos ou de forma que torne difícil distinguir patrimônio pessoal e da entidade,
ele pode ser responsabilizado pessoalmente, mediante determinação judicial.
4.2.3 Responsabilidade em razão dos direitos do torcedor – Artigo 37 da Lei
nº 10.671/2003
O art. 37 prevê penalização aos dirigentes: destituição dos dirigentes no
caso de violação das regras referentes à transparência na organização e à segurança do torcedor e aos ingressos e suspensão por seis meses dos dirigentes
por violação de regras não contidas nos capítulos do item anterior. Além disso,
equipara o torcedor de qualquer modalidade a consumidor; sendo assim, o Código de Defesa do Consumidor prevê a desconsideração da personalidade jurídica para anular ato fraudulento ou abusivo. Considerando a inversão do ônus
da prova, em face de dois princípios: 1) da vulnerabilidade e hipossuficiên­cia
do consumidor; e 2) da responsabilidade objetiva do fornecedor de bens e serviços: é o fornecedor que deverá provar que a culpa pelo defeito ou fato do
produto ou serviço é exclusiva do consumidor ou terceiro, ou que o defeito não
existe, ou que não efetuou o serviço ou não colocou o produto no mercado:
arts. 12, § 3º, e 14, § 3º, do CDC. Assim, havendo ato fraudulento da entidade
de prática desportiva que viole direito de seu torcedor, também pode ocorrer a
responsabilidade dos dirigentes.
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4.2.4 Responsabilidade penal dos dirigentes das entidades de prática desportiva
O capítulo XI do Estatuto do Torcedor traz um rol de crimes que se aplicam aos envolvidos no meio esportivo; dessa forma, os dirigentes/administradores também se enquadram nas condutas descritas do capítulo XI, em seus
arts. 41-B a 41-G.
Vale ressaltar que concorrem os dirigentes e, da mesma forma, em sua
responsabilidade penal, nos delitos previstos no Código Penal pátrio, como sanções fiscais, lavagem de dinheiro etc., ou seja, em todas as previsões legais que
o ordenamento jurídico enquadra como conduta criminosa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, a gestão dos clubes deverá ser reestruturada por completo, para
que esse seguimento se mantenha ativo no País, tendo, desta forma, um futuro
de glórias e conquistas no cenário nacional e mundial, seguindo alguns pontos
principais na administração de forma empresarial dos clubes, respeitando as
limitações e bases legais vigentes no País e éticas impostas pela sociedade.
REFERÊNCIAS
BARREIROS NETO, Jaime. Direito desportivo. Curitiba: Juruá, 2010.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial – Direito de empresa. São Paulo:
Saraiva, 2007.
GOMES, Luis Flávio et al. Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: Revista do
Tribunais, 2011.
KRIEGER, Marcílio. Lei Pelé e legislação desportiva brasileira anotada. Rio de Janeiro:
Forense-Grypus, 1999.
MAZZEI, Leandro Carlos. Gestão do esporte no Brasil – Desafios e perspectivas.
São Paulo: Ícone, 2012.
MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé – Avanços e impactos. Rio de Janeiro:
Maquinária, 2011.
SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Estatuto do Torcedor – A evolução dos direitos do
consumidor do esporte (Lei nº 10.671/2003).
SPESSOTO, L. E. N. Futebol profissional e administração profissional: da prática amadorista à gestão competitiva. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
Educação Física, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
Parte Geral – Doutrina
O Delito de Doping Esportivo
1
ROSARIO DE VICENTE MARTÍNEZ
Catedrática de Direito Penal na Universidade de Castilla-La Mancha, Espanha.
SUMÁRIO: Introdução; I – A urgente e necessária humanização do esporte; II – A inoportuna intervenção do direito penal em matéria de doping esportivo; III – A repressão penal do doping esportivo
na Espanha: o delito de doping esportivo. III.1 A reprovação penal não abrange nem o consumo, nem
o próprio desportista; III.2 As substâncias ou grupos farmacológicos proibidos e os métodos não
regulamentados; III.3 O fornecimento de substâncias dopantes aos esportistas; III.4 As substâncias
ou métodos devem estar destinados a aumentar a capacidade física dos esportistas ou a modificar
os resultados das competições; III.5 A irrelevância do consentimento do desportista; III.6 Descartada
a comissão imprudente; III.7 O resultado positivo da análise determina a existência de dopagem, mas
não quem o realizou; III.8 Doping que se materializa em lesões; III.9 Os tipos agravados; a) Vítima
menor de idade; b) Emprego de fraude ou intimidação; c) Prevaler-se o culpado de uma relação de
superioridade laboral ou profissional.
INTRODUÇÃO
Nos últimos meses de 2010, os meios de comunicação deram eco aos
problemas que afligem o mundo do esporte e que o colocam numa verdadeira
encruzilhada. Em outubro, os gritos racistas que eclodiam no estádio de futebol levaram o árbitro do confronto Cagliari x Inter de Milão, correspondente
à sétima rodada da liga italiana, a suspender a partida durante três minutos,
até cessarem os insultos ao jogador camaronês Samuel Eto’o, proferidos pelos
tifosi, radicais italianos. A decisão do árbitro internacional Paolo Tagliavento
não tinha precedente na Série A. Também em outubro as ações violentas de
torcedores sérvios na partida contra a seleção italiana em Gênova terminaram
suspendendo a partida e com o castigo da UEFA à Sérvia com a derrota por 3
x 0, multa de 120 mil euros e posterior realização da partida com os portões
fechados, ou seja, sem o acesso de torcedores.
Junto ao racismo e à violência, o mês de outubro também foi marcado
pela investigação da FIFA devido à suposta compra de votos para eleger a sede
do Mundial do Torneio de Futebol de Seleções em 2018, a qual aspiravam
conjuntamente Espanha e Portugal, assim como a Rússia, Inglaterra e Bélgica-Holanda, sendo finalmente elegida a Rússia como sede do evento. Além disso,
1
Tradução ao português por Wilson Franck autorizada por Rosario de Vicente Martínez.
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no mesmo período, os sócios do Barcelona, em assembleia ordinária de compromissários, por 468 votos a 439, pediam ao Presidente, Sandro Rosell, que
executasse a ação de responsabilidade civil contra o ex-Presidente Joan Laporta
pelas perdas financeiras acumuladas durante os sete anos de seu mandato, no
valor de 48 milhões de euros. E quanto aos presidentes ou ex-presidentes de
clubes de futebol, também nesse mesmo período o Presidente do Clube de
Futebol Real Murcia, o empresário Jesús Samper, foi acusado nas diligências
judiciais abertas de um suposto caso de corrupção urbanística em torno do
complexo “Nueva Condomina”.
E, para completar, nesse mesmo mês de outubro fechava-se o cerco contra o tricampeão do Tour da França, Alberto Contador, por suposto doping,
e se tecia, em efeito, o fio da meada que contamina até as raízes o ciclismo
espanhol. Ter-se-á, todavia, que esperar alguns dias, seguramente até fevereiro,
para a resolução do caso Contador, que se encontra em trâmite de instrução. A
União Ciclista Internacional (UCI) absteve-se em favor da Real Federação Espanhola de Ciclismo, a quem compete determinar se Alberto Contador violou ou
não as regras antidoping da UCI. Enquanto isso, até o final das atuações, apesar
de sua suspensão provisória, Alberto Contador é inocente2.
Também se tornou público, durante esse mesmo mês de outubro – um
outono realmente quente –, um estudo do Instituto Federal de Ciências Desportivas (BISp) da Alemanha que reavivou a hipótese, que circulava havia décadas,
segundo a qual alguns jogadores da seleção de futebol alemã que se sagrou
campeã do mundo em 1954 haviam consumido substâncias dopantes. Segundo
o estudo do referido Instituto, há indícios que apontam que alguns jogadores
daquela equipe receberam a metanfetamina pervitin3.
A este último fenômeno relacionado com o esporte, o doping, se dedicará este estudo, porquanto a corrida pelo doping é tão antiga e tão nova que vale
a pena nos determos nela. Corria o ano de 1896 quando se anunciava a morte
do ciclista galês Arthur Linton, de 29 anos, durante a prova Bordeaux-Paris,
causado por um coquetel de estupefacientes subministrado por seu treinador4.
A partir de então, o esporte se viu envolvido por numerosos casos de doping,
em especial no mundo do ciclismo: a morte de Tom Simpson em pleno Tour
de France por consumo de anfetaminas em 1967; o nefasto verão de 1998,
ano em que a equipe francesa Festina foi desclassificada por completo do Tour
devido ao uso de uma substância dopante chamada eritropoietina ou, como é
comumente denominada, EPO; o “caso Cofidis”, um dos maiores escândalos
2
3
4
N.T.: Contador foi condenado pelo Tribunal Arbitral do Esporte na sentença de 6 de fevereiro de 2012 com um
período de dois anos de inabilitação com caráter retroativo a partir de 25 de janeiro de 2011.
N.T.: Trata-se de uma droga sintética, com efeitos muito mais potentes que o das anfetaminas, banido em
vários países, inclusive no Brasil, devido ao uso inadequado e abusivo.
Sobre este caso, vide CABALLERO, F. Droit de la drogue. París, 1989. p. 382.
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101
de doping na história do ciclismo resultando em oito condenados pelo Tribunal
Correcional de Nanterre por violação da lei antidopagem francesa; ou o caso
“Marco Pantani”, primeiro atleta italiano processado por fraude desportiva.
Na Espanha, a Polícia e a Guarda Civil já efetuaram, em conjunto, mais
de quarenta operações contra o doping na última década, embora a maioria
delas estivesse dirigida contra a falsificação de produtos e o tráfico de substâncias em ginásios e salas de culturismo. Os relatórios da Procuradoria Geral destacam, entre as operações policiais mais relevantes relacionadas ao fenômeno
da criminalidade organizada, a denominada Operação “Fleca II”, investigação
sobre uma rede de tráfico de anabolizantes para doping desportivo em centros
de culturismo5. Apreenderam-se mais de 100 mil doses e abundante material
para a falsificação de embalagens e etiquetas de produtos legais, chegando-se a
localizar, em Gandía (Valência), um local que servia de laboratório.
Entre estas mais de quarenta operações, três delas estiveram centradas no
esporte profissional de elite. A primeira, a “Operação Porto” 6, em maio de
2006, implicou um grande golpe ao ciclismo.
Com essa operação se desmantelava a organização
dirigida por Eufemino Fuentes e na qual estavam envolvidos o hematologista
Merino Batres e os diretores desportivos Manolo Saiz e Vicente Belda. A Guarda
Civil encontrou quase 200 bolsas de sangue que pertenciam a alguns dos melhores ciclistas do momento, como o alemão Jan Ullrich, o italiano Ivan Basso
ou os espanhóis Óscar Sevilla e Alejandro Valverde. Em relação a este último,
em 2010, o Tribunal de Arbitragem Desportivo, a pedido do Comitê Olímpico
Italiano, puniu com dois anos de suspensão por sua relação com esta Operação,
em que estavam envolvidos 58 atletas. A Operação Porto está, ainda, à espera
de julgamento. O Ministério Público de Madrid publicará, em breve, uma petição requerendo penas privativas de liberdade contra pelo menos três dos oito
acusados na Operação.
A segunda, a “Operação Grial”, em novembro de 2009, implicava um
duro golpe, nesta ocasião, ao atletismo. Detinha-se o médico peruano Walter
Virú e era inspecionado o domicílio de Paquillo Fernández, atleta de marcha
espanhol vencedor da medalha de prata nos 20 quilômetros de marcha nos Jogos Olímpicos de Atenas (2004) e três vezes campão mundial desta distância, o
qual reconheceu publicamente a posse de substâncias dopantes, bem como se
dispôs a colaborar com a Polícia.
5
6
Vide a Memoria de la fiscalía general del Estado. Madrid, 2009, p. 1005.
A Guarda Civil, em fevereiro de 2006, descobriu uma rede de abastecimento de produtos dopantes. Três
meses depois, a investigação, conhecida como “Operação Porto”, culminava com a detenção de cinco pessoas
em Madrid e Zaragoza.
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A terceira, a “Operação Galgo”, realizada dezembro de 2010, voltava
novamente a assolar o atletismo. Foram inspecionados diversos domicílios de
atletas, treinadores e médicos de diferentes localidades espanholas. Entre os
principais envolvidos estavam Eufemiano Fuentes, o treinador Manuel Pascua e
a atleta de Palência, província ao norte da Espanha, Marta Domínguez, campeã
do mundo dos 3000 metros com obstáculos.
Todos esses casos e outros tantos7 são os que propiciaram a tomada de
medidas legais de todo tipo contra o doping, iniciando-se uma verdadeira política antidoping não apenas em nível nacional ou europeu, senão, também, em
nível mundial. Essa política, por vezes, descuida-se da realidade, da necessidade de uma humanização do esporte.
I – A URGENTE E NECESSÁRIA HUMANIZAÇÃO DO ESPORTE
O doping, desde o ponto de vista legal, pode ser definido como “tomar
quaisquer das substâncias contidas na lista oficial publicada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Conselho Superior de Desportos (CSD)”8. O doping
no esporte consiste, assim, na utilização de métodos ou substâncias que estejam
regularmente proibidos.
Ninguém põe em dúvida que, na atualidade, o doping está marcando
brutalmente o esporte e revelando que o êxito desportivo não é apenas obtido
com sacrifício e superação pessoal, mas também com outra arma eficaz e mortífera para o organismo, como é o caso do uso de substâncias dopantes; tudo
isso somado à necessidade de maior espetacularização e melhores resultados
para a obtenção de audiência social massiva que, consequentemente, gere um
“volume de negócio” tão espetacular quanto.
No ciclismo, por exemplo, a dureza das etapas, cada vez mais longas
e com finais em elevação, subidas inalcançáveis ou impossíveis de superar,
percursos quem “rompem as pernas”, convertem em pura e simples utopia correr os Grand Tours sem que os ciclistas tomem nada “extra”. Aitor González,
ciclista vencedor de uma Volta da Espanha, denunciava, numa entrevista, que
levamos nossos corpos a limites extremos, que escapam dos parâmetros normais.
Correr etapas de mais de 200 km em apenas vinte dias não é saudável. Após 10
dias os joelhos começam a doer e você acaba por precisar de uma infiltração,
pois do contrário não termina a distância. Sem estes medicamentos, o ciclismo
não existiria.
7
8
Sobre os casos de dopagem em ciclismo, futebol, boxe, tênis ou atletismo: VICENTE MARTÍNEZ, Rosario.
Derecho penal del deporte. Barcelona: Bosch, 2010. p. 373 e ss.
N.T.: A penalista segue uma classificação formal de doping, como o fez o próprio legislador espanhol na Lei
nº 7/2006, de 21 de novembro.
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O doping é também o resultado das exigências de um público insaciável.
Relata, de modo magnífico, Roldán Barbero que o público demanda grandes
apresentações e que resta decepcionado quando “um dos nossos” não está ganhando. Em consequência, sobrevém o desinteresse ou há falta generalizada de
interesse. Os índices de tele-espectadores, atualmente, ou antes, de ouvintes de
rádio ou de leitores de periódicos desportivos, baixam se ninguém personifica
as virtudes do herói nacional. Não é o esporte em si o que agrada, mas o imaginário que produz este esporte. As grandes competições de um dia do calendário
ciclista (a París-Roubaix ou o Tour de Flandes, por exemplo) não são seguidas
na Espanha por quase ninguém. Os desempenhos dos atletas holandeses ou belgas não me importam. Entretanto, quando Miguel Induráin completou seu ciclo
triunfal de cinco vitórias consecutivas no Tour de France, metade do país o considerava um herói nacional. Recordo, prossegue o autor citado, haver lido na
editora de algum periódico a recomendação de “indurainizar España”9. Nessas
condições, como é possível correr, “a pão e água”, um Tour de France ou uma
Volta da Espanha, com duração de três semanas, quando se demanda uma exigência física excepcional, máxime quando as pessoas estão na expectativa por
descobrir nova gloria nacional? Aqui está a publicidade. Os patrocinadores que
pagam enormes quantidades econômicas para sustentar as equipes profissionais
desejam quotas de televisão. As imagens estão fixas apenas naqueles que estão
nos primeiros lugares. A camisa dos ponteiros é a que vende. E seus portadores
são credores de grandes lucros10.
Em termos parecidos, Belestá Segura observa que a sociedade mostra-se
hipócrita a esse respeito, porque o público dos espetáculos desportivos reclama
provas mais exigentes para os desportistas e também que eles obtenham melhores marcas. De fato, quanto mais exigente é uma etapa de uma volta ciclística,
por exemplo, mais audiência tem e por isso os programadores televisivos procuram que essas etapas coincidam com o fim de semana. Quanto mais passagens
em montanhas existam, mais altos sejam seus cumes e mais elevadas as inclinações, mais audiência se obtém. A saúde do desportista passa a um segundo
plano. O primeiro está ocupado pelo espetáculo e pela audiência. O Estado deveria ser coerente e assegurar que as entidades desportivas organizem as competições levando em consideração, principalmente, a saúde do desportista11.
A forma mais eficaz, em definitivo, de lutar contra a dopagem é promover uma competição desportiva mais humana, com provas compatíveis com a
9
N.T.: A expressão decorre do nome do ciclista Miguel Induráin e significa que toda a Espanha seja o se
assemelhe a Indurián.
10 ROLDÁN BARBERO, Horacio. La creación política de una nueva delincuencia: el uso del dopaje en el deporte.
In: ZAPATERO, Luis Arroyo; TORRE, Ignacio Berdugo Gómez de la (Coord.). Homenaje al Dr. Marino Barbero
Santos: in memoriam. Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2001, p. 569.
11 BELESTÁ SEGURA, Luis. La persecución penal del dopaje en el deporte. In: Actualidad Jurídica Arazandi,
n. 758, p. 9, 2008.
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natureza humana, sem exigência de recordes impossíveis de ser alcançados. O
importante não é construir super-homens, senão modificar as regras desportivas. Porém isso, aparentemente, não interessa, porque entraria em conflito com
a natureza dos interesses comerciais, com as grandes quantidades de dinheiro
que estão em jogo, com o desmedido afã de lucro das empresas. Acaso o esporte se humanizasse, se o calendário das grandes competições se suavizasse, não
se falaria hoje, seguramente, de delito de doping esportivo.
II – A INOPORTUNA INTERVENÇÃO DO DIREITO PENAL EM MATÉRIA DE DOPING ESPORTIVO
A resposta de alguns países à aparição de determinados casos notórios
de doping ocorreu por meio da intervenção do direito penal. Primeiro foi a
Bélgica12, seguida pela França13. Ambos reagiram prontamente frente ao problema da dopagem esportiva, e o fizeram elevando à categoria de delito o
doping nas competições esportivas. Seguindo seus passos, países como Itália14
e Portugal15 optaram também por ativar o mecanismo penal contra a dopagem
esportiva. Por sua parte, a Alemanha não recorre a um tipo penal específico
de doping, mas sim à lei sobre medicamentos de 1998 e à normativa sobre
estupefacientes. A lei sobre medicamentos proíbe determinadas condutas com
fins dopantes (utilização, introdução ou prescrição), restando excluído o desportista da sanção penal. Não obstante, a crescente pressão internacional levou
o Parlamento alemão a aprovar importante modificação16, castigando a posse
em grande quantidade de substâncias e medicamentos cuja finalidade é utilizá-las no âmbito desportivo. Mesmo assim, acrescentou em relação às condutas
tipificadas dois tipos agravados: dopagem de menores de 18 anos e tráfico por
meio de federações, que acarretam em uma pena de prisão de um a dez anos.
Mas e a Espanha?
A Espanha não poderia ser exceção. Após a denominada “Operação
Porto”17, o legislador espanhol determinou a intervenção do direito penal neste
12 A lei belga de 2 de abril de 1965 foi a primeira no marco do direito comparado em reprimir penalmente a
estimulação no esporte. Vide os trabalhos de HEYNDRICKX. Le doping: aspects juridiques et toxicologiques.
Revue de Droit Pénal et de Criminologie, p. 213 e ss., 1974; e DE BECKER. Dopage et droit pénal. Revue
de Droit Pénal et de Criminologie, p. 181 e ss., 1974.
13 A primeira lei penal francesa antidopagem foi a Lei nº 65.412/1965, de 1º de junho, sobre a repressão do uso
de estimulantes em ocasiões de competições desportivas. Na atualidade, está em vigor a Lei nº 650/2008,
de 3 de julho, relativa à luta contra o tráfico de produtos dopantes, que castiga o desportista que possua
substâncias dopantes para seu uso ou as traga consigo, com penas de até cinco anos de prisão e multa de
75.000 euros. Também castiga as pessoas ao redor do desportista.
14 Com a Lei nº 376/2000, de 14 de dezembro.
15 Com a Lei nº 27/2009, de 19 de junho.
16 Gesetz zur Verbesserung der Bekämpfung des Doping im Sport, vom 24, Oktober 2007.
17 Uns meses depois de descoberta a rede de abastecimento de produtos dopantes, o Pleno do Congresso dos
Deputados aprovava, por ampla maioria, a Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, de proteção da saúde
e de luta contra o doping no esporte – mais conhecida como “lei antidoping”.
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campo, pois considerou o doping ofensivo de bem jurídico penalmente tutelado, especificadamente, a saúde pública. Contudo, há algum tempo um setor da doutrina espanhola manifestou-se contrariamente à intervenção penal
no âmbito do doping por considerar que os mecanismos jurídicos que devem
ser utilizados, com caráter sancionador, são aqueles do âmbito desportivo, e
isso porque, entre outras razões, nas infrações de dopagem, considera-se que o
bem jurídico protegido não é a saúde pública. Neste sentido, Roldán Barbero
afirmou que o poder externo, na forma do direito penal, nada tem a dizer ali.
Os dirigentes modernos têm a compulsividade de entregar ao Poder Judiciário
(externo) questões que este não entende, ou nem mesmo está em condições,
caso as compreenda, de responder de maneira razoável em um curto espaço de
tempo. Para o penalista citado, o doping não deve ser considerado delito, pois
“é uma irregularidade, uma infração, no máximo, às regras do jogo, e enquanto
tal deve estar em um plano interno [...]. Acaso se queira, verdadeiramente, proteger a saúde do corredor, melhor será admitir, então, que apenas desde uma
perspectiva interna, de autocontrole, poder-se-á cumprir, com relativo êxito,
esta tarefa. Assim, quem espera que os juízes e os Tribunais serão os tutores dos
desportistas está, como se diz na Espanha, “en la luna de Valencia” ou “en los
cerros de Úbeda”18.
Na mesma linha crítica posiciona-se Díaz y García Conlledo19. Millán
Garrido considera que a repressão penal é desnecessária, desproporcional,
inadequada e excede à intervenção mínima exigida nesse âmbito20. Álvarez
Vizcaya demonstra seu ceticismo ante a necessidade de que o doping desportivo necessite da proteção do direito penal21. Boix Reig expõe sérias dúvidas
sobre a necessidade de intervenção do direito penal, já que o interesse jurídico
protegido é a pureza da competição e o jogo limpo: se o que se protege é a saúde, já existem outras respostas no próprio Código Penal para a punição de tais
condutas sem a necessidade de criação de um novo delito22. Ademais, Doval
País23 ou Palomar Olmeda24.
Optar, como fez o legislador espanhol, pela criminalização do doping
no esporte é seguir uma política legislativa certamente questionável, por duas
18 ROLDÁN BARBERO, Horacio. La creación política de una nueva delincuencia: el uso del doping en el deporte.
Ob. cit., p. 590 e 591.
19 DÍAZ Y GARCÍA CONLLEDO, Miguel. Represión y prevención penal del dopaje en el deporte. Relaciones entre
derecho, deporte y dopaje, con especial atención a la perspectiva jurídico-penal. Huarte de San Juan. Revista
de la Facultad de Ciencias Humanas y Sociales, n. 1, p. 103 e ss., 1994.
20 MILLÁN GARRIDO, Antonio. Régimen jurídico del dopaje en el deporte. Barcelona, 2005, p. 149. No
mesmo sentido: VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal del deporte. Ob. cit., p. 398 e ss.
21 ÁLVAREZ VIZCAYA, Maite. Estudios sobre el dopaje en el deporte. Madrid, 2006, p. 90.
22 N.T.: Conforme o texto traduzido por Leonardo Schmitt de Bem presente nessa coletânea.
23 N.T.: Conforme o texto traduzido por Leonardo Schmitt de Bem presente nessa coletânea.
24 PALOMAR OLMEDA, Alberto. Las alternativas a la represión del dopaje deportivo. Revista Jurídica del
Deporte, n. 7, p. 64, 2002-1.
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razões principais: em primeiro lugar, por ser desnecessária a repressão penal
e, em segundo lugar, porque desconsidera o princípio da intervenção mínima.
Mas o mais fácil, uma vez mais, é seguir a linha de incremento do intervencionismo da justiça penal também no âmbito desportivo. Tal como, com toda
razão, expõe Claus Roxin, existem muitos argumentos para afirmar que o direito
penal não é um meio especialmente adequado para a solução do problema do
doping, aludindo para o fato de que a lei alemã praticamente não foi aplicada,
tal qual um “direito morto”. Roxin manifesta, ainda assim, curiosidade por saber
se a justiça espanhola terá outras experiências com o novo art. 361-bis do CP25.
Inclusive o Informe do Conselho Geral do Poder Judicial sobre o Anteprojeto de Lei Orgânica de Proteção da Saúde e de Luta contra o Doping no
Esporte já advertia que:
O regime público sancionador se completa no anteprojeto com a previsão de um
novo tipo penal que se soma aos existentes no marco dos delitos contra a saúde
pública, aproximando nosso ordenamento, nesta matéria, ao modelo francês de
repressão da dopagem desportiva.
Previamente à análise do preceito previsto no anteprojeto, convém questionar sobre a idoneidade e a necessidade da introdução de um novo tipo penal
aos já existentes no âmbito dos delitos contra a saúde pública: novo tipo delitivo específico em matéria de dopagem desportiva. A incorporação dessa nova
disposição penal supõe a utilização de todos os meios repressores jurídico-públicos a serviço da proteção da saúde e da persecução do doping no esporte.
Entretanto, a questão a se saber, desde a perspectiva político-criminal, é se as
condutas penalizadas possuem conteúdo de valor suficiente, isto é, se são realmente graves a ponto de acarretar uma maior reação do ordenamento jurídico,
da instrumentação do ius puniendi do Estado.
Certamente, a adoção de tipos penais pressupõe uma clara e evidente
vontade de proibição das condutas criminalizadas, bem como a busca pela
efetividade e eficácia das medidas repressoras. Mas não há de se esquecer,
todavia, de que o direito penal é a resposta mais traumática, a resposta última
do ordenamento jurídico-público-estatal e que, em favor de sua própria eficácia
e efetividade, deve estar relegado às ações de maior relevância e que causem
riscos, perigos e danos nos direitos e bens jurídicos de maior importância.
No Estado Democrático, o direito penal deve ser a última barreira do
ordenamento; deve-se utilizá-lo, portanto, nos casos em que os direitos e bens
jurídicos sofrem as maiores afetações. E isso porque o direito penal é também o
que possui maior capacidade de incidência no plano dos direitos individuais, e,
singularmente, no direito de liberdade. Por outras palavras, a opção pela crimi25 ROXIN, Claus. Derecho penal y doping. In: Cuadernos de Política Criminal, n. 97, p. 10, 2009.
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nalização de condutas deve ocorrer de forma cautelosa e somente atualizar-se
na medida em que seja evidentemente necessária à proibição de atividades
indesejadas. Desde esse ponto de vista, portanto, seria recomendável uma reanálise da questão.
Parafraseando García Arán, a reforma estende a intervenção penal –
aquilo que se denominou “expansão” do direito penal. E isso tem uma expressão concreta na incorporação de ilícitos administrativos ao Código Penal, convertendo-os em delitos. Deformam-se, assim, as fronteiras entre o direito penal
e o direito administrativo sancionador, lançando-se a ideia de que somente o
direito penal, isto é, a intervenção mais grave, está em condições de resolver os
problemas. São mitigados ou anulados, assim, os princípios básicos da política
criminal, tal qual a intervenção geral mínima, a subsidiariedade do direito penal
em relação a outros instrumentos de controle social e o seu caráter de ultima
ratio26. E esta administrativização do direito penal coincide na reforma em matéria de doping esportivo da mesma forma como antes já ocorrera na reforma
em matéria de segurança no trânsito27.
A maior parte da doutrina penal espanhola vê com receio, quando não
com aberto rechaço, a atual tendência à “mão de ferro” que predomina na
atualidade. Talvez a via de aproveitamento das possibilidades de redução da
impunidade das infrações e de asseguramento da aplicação efetiva das sanções
que hoje em dia é possível no âmbito desportivo seja a mais recomendável,
muito mais que a ampliação dos delitos e a agravação das penas, para fazer
compatível a necessária proteção das pessoas com a manutenção do princípio
segundo o qual o direito penal deve ser a ultima ratio, ou seja, o último recurso, e não o primeiro ou o único que utilizamos devido à falta de imaginação.
Nunca se deve esquecer o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal,
nem sua comprovada inaptidão para resolver problemas. Não é de se estranhar
que se aluda ao processo de erosão que enfrenta a teoria do delito e as garantias
jurídico-penais, à “pancriminalização” de condutas puramente administrativas,
à objetivação do direito penal como manifestação do que veio a se chamar
“direto penal de exceção” ou “do inimigo” ou manifestação do novo “direito
sancionador de oportunidade”.
Se realmente se quer lutar contra o doping no esporte, se queremos um
esporte limpo, junto à necessária humanização do esporte, dever-se-ia buscar
uma proibição social do mesmo mais eficaz que as proscrições penais.
26 GARCÍA ARÁN, Mercedes. Malas noticias. Medios de comunicación, política criminal y garantías penales en
España. In: ARÁN, García; CORRAL, Botella (Dirs.). Valencia, 2008, p. 193.
27 Vide a este respeito: VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal de la circulación. Delitos relacionados con
el tráfico vial. 2. ed. rev., ampl. e atual. conforme a Lei Orgânica nº 15/2007, de 30 de novembro, de reforma
do CP em matéria de segurança viária. Barcelona, 2008, p. 38 e ss.
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III – A REPRESSÃO PENAL DO DOPING NA ESPANHA: O DELITO DE DOPING ESPORTIVO
Na Espanha, num primeiro momento, o legislador não considerou necessária a intervenção do direto penal em matéria de doping por entender que
ele infringia unicamente as regras do jogo, de modo que, por conseguinte, o
doping se configurava como uma infração administrativa. Esse critério mudaria
quando da aprovação da Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, de tutela
da saúde e de luta contra o doping no esporte, na qual o sistema de prevenção
e sanção dos casos de doping dispõe não apenas de medidas sancionadoras
administrativas (arts. 15 e seguintes), mas também de medidas que acarretam
consequências penais, considerando que se trata de uma norma específica e
expressamente destinada a preservar tanto a saúde pública como a saúde individual dos atletas, bem como a pureza do esporte. Daí que a lei alcança,
também, o direito penal, cuja intervenção se justifica na Exposição de Motivos,
nos seguintes e precisos termos:
Para tentar assegurar o cumprimento das medidas indicadas se impõe no título
terceiro desta lei, um âmbito de proteção penal da saúde pública em atividades
relacionadas com o doping no esporte. Introduz-se um novo artículo 361-bis no
Código Penal, cuja finalidade é punir as pessoas ao redor do desportista e preservar a saúde pública, gravemente ameaçada pela comercialização e disponibilização sem controle de produtos sem garantia e danosos à saúde.
Com o estabelecimento desse novo ilícito penal completa-se o projeto integral de uma política criminal contra o doping iniciado em fevereiro de
2005, quando o Conselho de Ministros permitiu a realização do Plano de Ação
Integral contra o Doping no Esporte. Entre as 59 medidas aprovadas, incluía-se
a criação de um grupo operativo de intervenção, no seio do Comissariado Geral da Polícia Judicial, especializado na persecução de redes de dopagem, bem
como a criação, por parte da Procuradoria Geral do Estado, de uma unidade
especializada na persecução de delitos relacionados com o doping no esporte.
O Título III da Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, de proteção
da saúde e da luta contra o doping no esporte, sob a rubrica “Da tutela penal da
saúde pública em atividades relacionadas com a dopagem no esporte”, contém
apenas um preceito, o art. 44, pelo qual se introduz um novo art. 361-bis na Lei
Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro, do Código Penal e, com ele, o novo
delito de dopagem esportivo que entrou em vigor em 22 de fevereiro de 2007,
conforme estabelece a Disposição final oitava da lei sobre entrada em vigor:
a presente lei entrará em vigor aos três meses desde sua inteira publicação no
Boletim Oficial do Estado.
O art. 361-bis do Código Penal contém a seguinte redação:
1. Aqueles que, sem justificação terapêutica, prescrevam, proporcionem, dispensem, subministrem, administrem, ofereçam ou facilitem a desportistas fe-
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derados não competidores, desportistas não federados que pratiquem o esporte
por recrea­ção, ou desportistas que participem em competições organizadas na
Espanha por entidades desportivas, substâncias ou grupos farmacológicos proibidos, bem como métodos não regulamentados, destinados a aumentar suas capacidades físicas ou a modificar os resultados das competições, que por seu conteúdo, reiteração da ingestão ou outras circunstancias concorrentes, coloquem em
risco a vida ou a saúde dos mesmos, serão castigados com as penas de prisão de
seis meses a dois anos, multa de seis a dezoito meses e inabilitação especial para
emprego ou cargo público, profissão ou ofício, de dois a cinco anos.
2. Serão impostas as penas previstas no parágrafo anterior em sua metade superior
quando o delito se perpetre concorrendo alguma das circunstâncias seguintes:
1ª A vítima seja menor de idade.
2ª Haja emprego de fraude ou intimidação.
3ª O responsável tenha se favorecido de uma relação de superioridade laboral
ou profissional.
O art. 361-bis compõe-se de duas partes. A primeira parte contém o tipo
básico do delito de doping desportivo, e, a segunda, três tipos agravados.
III.1 A reprovação penal não abrange nem o consumo nem o próprio desportista
Em nenhum momento da tramitação parlamentaria da lei antidoping foi
sugerida a possibilidade de sanção penal contra o consumo ou contra o próprio
desportista, pois, desde o início de sua elaboração, a sanção destinou-se ao
“entorno do desportista”, isto é, às pessoas que o cercam. A própria Exposição
de Motivos da Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro, reconhece que a
finalidade da inclusão do art. 361-bis no Código Penal é castigar as pessoas ao
redor do atleta. Insiste-se nessa ideia desde os primeiros textos que apoiam a
criminalização destas condutas. Assim, por exemplo, o Projeto do Plano de Luta
contra o Doping no Esporte destaca
o estabelecimento de um marco normativo que permita sancionar a conduta das
pessoas pertencentes ao entorno do desportista que intervenham ou propiciem a
dopagem, e que preveja um tratamento punitivo apto à repressão do comportamento daqueles que de alguma forma assistem, incitam, contribuem, instigam ou
intentam dissimular a dopagem de um desportista.
Assim, o delito de doping desportivo na Espanha criminaliza o chamado
entorno mais próximo do desportista, não o considerando, portanto, sujeito ativo do delito, contrariando a opção de outros países que o situam no epicentro
da autoria, como a Itália28 ou a Bélgica.
28 Vide o art. 9º, § 2º, da Lei nº 376/2000, de 14 de dezembro.
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Da mesma forma que ocorre com o consumo de drogas, que não está
tipificado por razões de política criminal, tampouco se considerou apropriada a penalização do simples consumo no âmbito desportivo, de modo que a
conduta de autoconsumo ou autodopagem para o esporte é, em termos penais, atípico, o que não significa que não esteja regulada em outras instâncias
não penais e, fundamentalmente, nas normas federativas. O desportista que se
dopa possui uma responsabilidade disciplinar. Na Espanha, as condutas como o
doping realizado pelo próprio desportista, ou mesmo a resistência ou negativa
de submeter-se aos controles de dopagem, são consideradas, de acordo com
art. 14.1 da lei orgânica de proteção da saúde e da luta contra a dopagem no
esporte, infrações muito graves e sancionadas com suspensão ou privação de
licença federativa por um período de dois a quatro anos e, conforme o caso,
multa de 3001 a 12000 euros. Neste sentido, a sentença do Tribunal Superior de
Justiça de Madrid de 3 de setembro de 2008 – que decide o recurso contencioso-administrativo proposto por um piloto de automobilismo contra a resolução
do Comitê Espanhol de Disciplina Desportiva de 21 de outubro de 2005, pela
qual se confirmava a sanção imposta pelo Tribunal Nacional de Apelação e
Disciplina da Real Federação Espanhola de Automobilismo pela perpetração de
uma falta muito grave à disciplina desportiva por parte do piloto – rechaçou os
argumentos do recorrente e estimou irrelevante seu desconhecimento sobre a
norma, o risco que o consumo da substância proibida acarreta para sua saúde
ou se a substância melhorava seu rendimento. O piloto recorrente requeria a
revogação da sanção imposta pelo Comitê Espanhol de Disciplina Desportiva
e, subsidiariamente, a redução da multa imposta por não haver atuado com
dolo ou culpa na ingestão da substância proibida. Para a Câmara Criminal, o
piloto não podia alegar ausência de culpabilidade devido ao desconhecimento
de que a substância era proibida, ou pelos efeitos (não potencializadores de
rendimento) que cause a substância ou, ainda, pela existência de prescrição
facultativa. Nenhum dos argumentos citados justifica a presença da substância
proibida, apesar de que, no caso em que é devida a prescrição médica e se
tenha informado previamente sua utilização na competição, as consequências
possam ser outras29.
Quando as infrações forem cometidas pela segunda vez, a sanção consistirá na privação de licença federativa em caráter perpétuo e, segundo o caso,
na correspondente sanção pecuniária30, considerando-se desnecessária, pois,
sua tipificação específica. Ora, se o art. 361-bis do Código Penal protege a saúde do desportista destinatário das substâncias, deve restar impune a dopagem
29 Sobre esta sentença, vide: LÓPEZ VELÁSQUEZ, David. Culpabilidad y responsabilidad objetiva en materia de
dopaje. Comentario a la Sentencia del Tribunal Superior de Justicia de Madrid de 3 de septiembre de 2008.
Revista Aranzadi de Derecho de Deporte, n. 26, p. 339 e ss., 2009-2.
30 Vide o art. 15 da Lei Orgânica nº 7/2006, de 21 de novembro.
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perpetrada pelo próprio desportista, já que o usuário das substâncias não faz
outra coisa senão exercer o direito à liberdade que lhe reconhece o art. 17 da
Constituição espanhola, isto é, o direito a exercer sua própria autodeterminação. Assim, se a autolesão não é punível, também o deve ser a autocolocação
em perigo.
Além disso, foi prevista uma escusa absolutória parcial para os casos em
que o desportista colabora com as autoridades na persecução de grupos organizados dedicados ao fornecimento de substâncias dopantes ou à utilização
de métodos proibidos, segundo o disposto nos arts. 24 e 26 da Lei Orgânica
nº 7/2006.
A escolha do legislador tem sido, em definitivo, punir fundamentalmente
quem induz, coopera ou favorece a dopagem, e não, propriamente, o desportista.
III.2 As substâncias ou grupos farmacológicos proibidos e os métodos não regulamentados
A luta contra o doping obrigou a especificação das substâncias, produtos
ou métodos que devem ser considerados, para efeitos legais, nocivos à saúde,
partindo da experiência e os avanços científicos que proporciona o trabalho da
comunidade desportiva internacional. Desde esse ponto de vista, o objeto material do delito de doping é duplo, pois o constituem não apenas as substâncias
ou grupos farmacológicos proibidos, senão também os métodos não regulamentados, destinados a aumentar a capacidade física dos desportistas ou a modificar
os resultados das competições, que, por seu conteúdo, reiteração da ingestão ou
outras circunstâncias concorrentes, exponham a perigo a vida ou a saúde deles.
Pelo termo “substâncias proibidas” compreendem-se os produtos que,
de maneira direta, contenham um efeito dopante, embora o conceito devesse
estender-se àqueles outros que se destinam ao mascaramento ou ocultação dos
efeitos da dopagem31.
O critério estabelecido pelo Código Mundial Antidopagem considera
uma substância dopante se ela contiver pelo menos duas destas três condições:
que seja capaz de melhorar o rendimento, que possa prejudicar a saúde e que
viole o espírito desportivo. Todavia, o caráter de substância dopante dependerá,
fundamentalmente, de sua inclusão em uma lista determinada que, por sua vez,
dependerá de cada momento concreto ou da consideração acerca da permissão
ou não do método. É uma lista caprichosa, porquanto, ao mesmo tempo em
que exclui a creatina, o estimulante dos futebolistas, inclui produtos necessários
para curar um resfriado ou uma alergia.
31 Neste sentido: MORALES Prats, Fermín. Comentarios al Código Penal. OLIVARES, Quintero (Dir.), PRATS,
Morales (Coord.). 5. ed. Pamplona, 2008, p. 277.
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São três os critérios que, na opinião de Naranjo Orellana, podem levar
uma substância a ser incluída nesta lista: que tenha uma ação ergogênica (que
favoreça o rendimento físico), que sua utilização suponha um perigo para a
saúde do desportista e que, mediante seu consumo, dificulte-se a detecção de
substâncias dopantes32.
Hoje em dia, as três grandes substâncias dopantes que estão sendo utilizadas são a EPO, o hormônio do crescimento e os esteroides anabolizantes.
Por “grupo farmacológico” deve-se compreender qualquer medicamento. Em todo caso, deverá tratar-se de produtos capazes de pôr em perigo concreto a vida ou a saúde do desportista e, ainda, que estejam tipificados na lista
aprovada pelo Conselho Superior de Desportes.
Entretanto, como aduz Francisco Moreno, os métodos não regulamentados são o ponto nevrálgico que apto está a suscitar as maiores dúvidas e discussões futuras no momento de valorar a transcendência penal de certos comportamentos, pois não está expresso em nenhum lugar qual é o método e onde sua
regulamentação está definida. Para este autor, o mais razoável é vincular, de
uma forma ou outra, o método com a substância dopante ou o efeito dopante,
entendido como consequência que incrementa artificial e desonestamente o
rendimento esportivo33.
O art. 12 da lei antidopagem, ao confiar ao Conselho Superior de Desportes a elaboração de uma lista de substâncias e métodos, alude às “substâncias e métodos proibidos no esporte”. Por seu turno, na Exposição de Motivos
da Lei Orgânica antidopagem se alude, aí sim, a “métodos não regulamentados no esporte”. Entretanto, com esse tipo de terminologia dificilmente se pode
conceber o objeto da atuação com amplitude, pois a norma penal em branco,
imprescindivelmente integrada pela lista emanada do Conselho Superior de
Desportes e publicada no Boletim Oficial do Estado, por óbvio que limitará sua
referência aos termos que até o presente momento vêm sendo assumidos, exceto se a corrida entre o progresso vil da ciência-técnica a serviço do rendimento
obrigue a algo distinto.
As substâncias, grupos farmacológicos ou métodos que constituem o objeto material do delito de dopagem desportivo devem reunir três características:
devem estar proibidas ou não regulamentadas, devem ter um efeito positivo
nas capacidades psicofísicas do desportista e devem ser perigosas à saúde do
consumidor.
32 NARANJO Orellana, José. Régimen jurídico del dopaje en el deporte. MILLÁN GARRIDO, Antonio (Coord.).
Barcelona: Bosch, 2005. p. 184.
33 MORENO, Fernando. El nuevo delito de dopaje deportivo. Una sentencia anterior, una excusa para algunas
reflexiones sobre el nuevo marco normativo. Revista Aranzadi de Derecho de Deportes y Entretenimiento,
n. 20, p. 52, 2007-2.
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O duplo objeto material do delito de dopagem desportiva constitui um
elemento normativo do tipo penal e, para sua identificação, é necessário consultar o Anexo I da Convenção contra o Doping no esporte, sujeita a atualizações periódicas. De maneira semelhante ao que ocorre no tráfico de drogas, o
rol dessas substâncias e métodos é publicado anualmente pela Agência Mundial
Antidopagem e figura como Anexo I à Convenção da Unesco, que diz, literalmente: “O texto oficial da lista de substâncias e métodos proibidos será objeto
de atualização por parte da AMA e será publicada em inglês e em francês. Em
caso de conflito entre as versões de ambos os idiomas, prevalecerá a redatada
em inglês”.
A lista que integra o tipo penal é confeccionada a cada ano pelo Conselho Superior de Desportes, seguindo os princípios da Agência Mundial Antidopagem e publicada no Boletim Oficial do Estado. É a própria Lei Orgânica
nº 7/2006, de 21 de novembro, de proteção da saúde e de luta contra a dopagem no esporte, que atribui ao Conselho Superior de Desportes a elaboração
das listas de substâncias e produtos farmacológicos proibidos, o que é concretizado em resoluções que periodicamente são editadas para atualizar a norma
conforme o estado do conhecimento científico. A última é a Resolução de 23
de dezembro de 2010 da Presidência do Conselho Superior de Desportes, pela
qual se aprova a lista de substâncias e métodos proibidos no esporte34.
A Resolução diferencia substâncias e métodos proibidos em qualquer
momento (tanto em competição quanto fora de competição), substâncias e métodos proibidos em competição e substâncias proibidas em certos esportes.
O catálogo, diferentemente das listas de substâncias estupefacientes, que
são taxativas, não é um repertório exaustivo de substâncias e métodos proibidos, senão que contempla em alguns casos o que se pode denominar “cláusulas
abertas de substâncias”, como, por exemplo, quando na seção de estimulantes
e anabolizantes se consideram como tais quaisquer outras substâncias que tenham uma estrutura química ou uns efeitos biológicos similares aos de algumas
substâncias recolhidas. Essa previsão pode ser qualificada como “próxima à ilegalidade”, pela inexistência de “lex certa”, nem ao menos por via de concreção
regulamentar das condutas infratoras.
Para efeitos penais, atendendo à literalidade do art. 361-bis do Código
penal, somente terão relevância aquelas substâncias e métodos que são perigosos para a saúde do desportista. Portanto, não corresponderá pena alguma, ex
art. 361-bis, aos agentes que prescrevam, proporcionem, dispensem, subministrem, administrem, ofereçam ou facilitem substâncias e grupos farmacológicos
permitidos ou métodos regulamentados, por mais que essas substâncias, grupos
34 Vide o BOE n. 317, de 30 de dezembro de 2010.
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farmacológicos ou métodos possam aumentar as capacidades físicas dos desportistas ou modificar os resultados das competições (como ocorre, por exemplo, com a água glucosada ou a utilização de câmaras hiperbáricas), e isso pese
a que possam chegar a pôr em grave risco a vida ou a saúde dos desportistas.
III.3 O fornecimento de substâncias dopantes aos esportistas
O legislador configura o art. 361-bis do Código Penal como um delito de
perigo, pois não se castiga a produção de um dano à saúde do desportista senão
o risco que determinadas substâncias ou métodos dopantes podem acarretar
para sua saúde. Por sua vez, dentro dos delitos de perigo, o art. 361-bis se inclui
dentro dos de perigo concreto, pois, em sua aplicação, o juiz ou tribunal deverá
comprovar a produção de um perigo real à vida ou à saúde do desportista.
A conduta típica consiste em prescrever, proporcionar, dispensar, subministrar, administrar, oferecer ou facilitar aos desportistas federados não competitivos, desportistas não federados que pratiquem o desporte por recreio, ou desportistas que participem em competições organizadas na Espanha por entidades
desportivas, substâncias ou grupos farmacológicos proibidos ou métodos não
regulamentados destinados a aumentar suas capacidades físicas ou a modificar
os resultados das competições.
O art. 361-bis castiga até sete condutas diferentes, embora todas elas
estejam relacionadas com o fornecimento de substâncias dopantes aos desportistas. Seguramente com essa exaustiva descrição da conduta típica, o legislador
pretendia não deixar qualquer resquício a possíveis âmbitos de impunidade,
mas não pensou que a redundância acarretaria uma feroz crítica da doutrina.
Assim, Compañy Catalá e Basauli Herrero adjetivam tal redação de confusa e
repetitiva, pois, ao analisar os verbos típicos propostos, observa-se que proporcionar (pôr a disposição de), subministrar (prover algo a alguém), oferecer
(comprometer-se a dar algo a alguém) ou facilitar (proporcionar ou entregar)
significam exatamente o mesmo, e por isso a repetição de verbos típicos apenas origina confusão interpretativa, ambiguidade e, portanto, uma não desejada
impunidade. Por outro lado, os verbos prescrever ou administrar parecem estar
fazendo referência aos médicos e demais profissionais da saúde das equipes ou
desportistas profissionais, enquanto que dispensar vem intimamente relacionado com a referência do art. 361 do Código Penal e à localização sistemática do
tipo de doping. Ora, em relação ao verbo dispensar, pode-se dizer que apenas
se dispensam medicamentos e, portanto, apenas em farmácias ou estabelecimentos permitidos pela autoridade. Por isso, enquanto falamos de substâncias
proibidas, carece de sentido sua inclusão. Se o legislador está pensando na
dispensa deles em estabelecimentos não autorizados, vale o verbo proporcio-
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nar ou subministrar35. Assim mesmo, Boix Reig conclui que o tipo é confuso,
está mal redatado e é disfuncional em relação com o que se pretende proteger,
ademais de responder a uma política de tolerância zero frente a todo tipo de
delinquência36.
Também o Conselho Fiscal, em seu Informe ao Anteprojeto de Lei Orgânica antidoping, objetou que os verbos utilizados na descrição da conduta tipificada são muito similares, senão propriamente sinônimos, recomendando que
fossem empregados apenas dois deles: oferecer e subministrar. Ainda assim a
Diretora Geral de Farmácia e Produtos Sanitários do Ministério de Saúde e Consumo manifestou sua preocupação pelas expressões utilizadas na descrição das
ações penalmente tipificadas, destacando que é de difícil delimitação termos
como “proporcionem, subministrem, ofereçam ou facilitem”, cuja ambiguidade
pode criar insegurança jurídica.
No dia 2 de fevereiro de 2006, a Comissão Permanente do Conselho
de Estado emitia, por unanimidade, o Ditame do Conselho de Estado sobre o
Anteprojeto de Lei Orgânica de Proteção da Saúde e da Luta contra a Dopagem
no Desporte, em que se lia que, a respeito do novo tipo penal, os antecedentes
mostram que a dificuldade de descrever as condutas tem levado os distintos
órgãos intervenientes no procedimento de elaboração do anteprojeto a fazer
diversas sugestões a alguns órgãos (o Conselho Fiscal, o Conselho Geral do Poder Judicial, a Direção Geral de Farmácia e Produtos Sanitários do Ministério da
Saúde e Consumo ou o Presidente do Comitê Andaluz de Disciplina Desportiva
e da Associação Profissional de Direto Desportivo, entre outros) propondo uma
linguagem mais ampla ou mais concreta na descrição das condutas. O Conselho de Estado estima que, em princípio, a pluralidade dos verbos típicos traz
consigo o risco de que fiquem fora da figura penal certas condutas de igual desvalor, entretanto não compreendidas na relação de verbos. Talvez fosse conveniente, por isso, recorrer – entende o Conselho – a uma formulação mais ampla,
como ocorre, por exemplo, com a redação do art. 368 do Código Penal, em que
os verbos “prevenir”, “facilitar” e “favorecer” abarcam todas as atividades puníveis, sem prejuízo de que se recorra também a algumas condutas concretas.
O principal problema da confusão redacional da conduta típica é que
ela conduz à equiparação penal de prescrever, proporcionar ou subministrar as
substâncias e o mero oferecimento delas, condutas claramente diferenciáveis
em gravidade, o que supõe uma violação do princípio da proporcionalidade.
Assim indicava o Informe do Conselho Geral do Poder Judicial sobre o Ante35 COMPAÑY CATALÁ, Carlos; BASAULI HERRERO, Emilio. Comentarios a la ley orgánica de protección de la
salud y de lucha contra el dopaje en el deporte. In: GARRIDO, Millán (Coord.). Ob. cit., p. 432.
36 N.T.: Conforme o texto traduzido por Leonardo Schmitt de Bem presente nessa coletânea.
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projeto de Lei Orgânica de Proteção da Saúde e de Luta contra a Dopagem no
esporte:
Neste âmbito da tipicidade, deve realizar-se alguma observação relativa à enumeração pormenorizada das atividades, atuações, do indivíduo (sujeito ativo do
delito) que derivariam em conduta típica integrada na descrição da ação delitiva
desse ilícito penal, e especificamente no que tange à ação de oferecimento de
substância ou método proibido. A tipificação dessa conduta, dada a redação do
resto do preceito, expõe certos inconvenientes que não devem negligenciar-se e
exigem maior precisão do legislador. De um lado, a própria natureza da atividade, da conduta criminalizada. Pois, se já se questionava com caráter geral a necessidade e conveniência do recurso ao direto penal para esses efeitos, antecipar
(criminalizando) a resposta penal ao mero oferecimento (sem esperar sequer a
eventual atualização do risco para a saúde do desportista derivada da aceitação),
deve se considerar excessivo. Por outro, antecipar a consumação do delito ao
mero oferecimento da substância ou método proibido apenas teria sentido se o
risco à saúde se produzisse em todo caso com a ingestão desta ou com a prática
daquela; o que vale dizer, quando a substância ou o procedimento fossem por
sua própria natureza, essencialmente, nocivos, lesivos para a saúde. Mas isso
não é assim. Na definição do tipo penal, da substância ou método não se exige
essa capacidade natural (inevitável) de afetação, de perturbação, da saúde, senão
que o seja, pelo conteúdo, ou pela reiteração da ingestão ou outras circunstâncias concretas. De tal modo que, se a substância não é, por si mesma, nociva
para a saúde, resultando necessário o consumo continuado desta para converter
um risco potencial em real, então haveria que se exigir na conduta ativa que o
oferecimento fosse reiterado. Do contrário, equiparam-se condutas que não são
suscetíveis de provocar o mesmo risco e, consequentemente, de afetar de igual
modo o bem jurídico protegido. Pois, do oferecimento em si mesmo, não se retira
mais nada, depende da aceitação que dele se faça (nesse caso pelo desportista),
enquanto que outras condutas (prescrever, proporcionar, subministrar, dispensar,
administrar ou facilitar) supõem, por si mesmas, uma atualização da situação de
risco ao bem jurídico. Portanto, o mais aconselhável seria proceder à supressão
desta conduta entre as que conformam a ação típica delitiva, ou, em todo caso, a
uma clarificação da redação a teor do dito a respeito.
Por outro lado, a comissão dessas condutas por omissão é punível, sempre e quando se deem os requisitos estabelecidos no art. 11 do Código Penal37.
Dar-se-iam todos os requisitos, por exemplo, no caso dos pais de um desportista
menor de idade que consentem que seu filho se dope ou lhe dopem. Igualmente também seria punível em comissão por omissão o médico de uma equipe,
encarregado da saúde de seus membros, que sabe que o treinador entrega subs37 Assim afirmam, entre outros, ROCA AGAPITO, Luis. Los nuevos delitos relacionados con el dopaje (Comentario
a la reforma del Código Penal llevada a cabo por LO 7/2006, de 21 de noviembre, de protección de la salud y
de lucha contra el dopaje en el deporte. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, n. 09-08, 2007.
Disponible en: <http://criminet.ugr.es/recpc>.
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tâncias dopantes a seus pupilos, pondo em perigo a saúde deles, e nada faz para
evitá-lo.
Por tratar-se de um tipo misto alternativo, quem realiza várias dessas
condutas, de modo sucessivo, não comete vários delitos, senão apenas um. O
médico que, por exemplo, prescreve substâncias proibidas e logo as administra
não comete dois delitos, mas apenas um.
III.4 As substâncias ou métodos devem estar destinados a aumentar a capacidade física dos
esportistas ou a modificar os resultados das competições
O legislador introduziu no tipo penal de doping esportivo um elemento
finalístico: as substâncias ou métodos devem estar destinados a aumentar a capacidade física dos desportistas ou a modificar os resultados das competições;
portanto, se as substâncias são subministradas, dispensadas, oferecidas etc. para
atender outros fins, não haverá delito. Desta maneira, se os produtos subministrados colocam em perigo a vida ou a saúde do desportista, contudo se não se
pretenda com isso aumentar sua capacidade física ou afetar a transparência da
competição, os fatos não podem ser sancionados, conforme o art. 361-bis do
Código Penal.
No que concerne ao primeiro requisito, por “capacidades físicas”, em
sentido estrito, cabe entender aquelas que conformam a condição física, o estado de forma, de cada indivíduo, como a força, a velocidade, a resistência, a
flexibilidade, a mobilidade ou a coordenação, e que podem ser melhoradas
mediante treinamento. Nessas capacidades também se incluem aspectos psicológicos, de sorte que parece que ficariam incluídas no tipo ainda aquelas
substâncias que melhoram as capacidades psicológicas do desportista, como o
arrojo, a agressividade, a tenacidade, a decisão, a concentração ou a competitividade. Há substâncias que não necessariamente melhoram a condição física,
em sentido estrito, do atleta, mas sim melhoram suas capacidades psicológicas,
como alguns estimulantes e tranquilizantes.
O requisito “aumentar a capacidade física” é enfocado por Álvarez
Vizcaya desde uma dupla perspectiva. Quando a conduta é levada a cabo por
um profissional do esporte, a ideia central é a obtenção de melhores condições físicas em vista de sua participação em uma determinada competição,
mas obtidas de forma fraudulenta, pois o mero fato de obter uma boa condição
física não somente não é ilícito, senão que é uma das finalidades de qualquer
treinamento esportivo. Pois bem. Para que se possa sancionar no âmbito penal
a quem subministre ou facilite ou propicie esse consumo no desportista, será
necessário provar que ele é suscetível de pôr em perigo a saúde deste, pois, do
contrário, só pode surgir o ilícito administrativo. Em consequência, facilitar uma
substância ou procurar um método não regulamentado que esteja proibido, mas
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que não seja suscetível de pôr em perigo a vida ou a saúde do desportista, não
será uma ação relevante desde a perspectiva do art. 361-bis do Código Penal.
Fora do mundo da competição, ou seja, quando os sujeitos afetados pela
conduta são os desportistas amadores, aqueles não competitivos – federados ou
não –, deveria realizar-se uma reflexão distinta. Uma vez que se tenha detectado de maneira certa o consumo de determinadas substâncias no “mundo dos
ginásios”, a solução para este problema se deve buscar ou na criminalização
destas condutas, ou bem em intentar tomar drásticas medidas de caráter preventivo como, por exemplo, um severo controle das substâncias e seus componentes antes de sua saída ao mercado, sobretudo considerando as facilidades de sua
aquisição pela Internet. Ao que deveria acrescentar-se outro controle exaustivo
sobre os lugares em que elas podem ser expedidas38.
Quanto à segunda finalidade, “modificar o resultado das competições”,
esta sim é uma conduta que se liga mais estreitamente ao conceito tradicional
de doping, ainda que tampouco aqui seja necessário que efetivamente se alcance um resultado mais vantajoso para o desportista, pois simplesmente nos
indica que com a ingestão almeja um bom resultado desportivo, independentemente se este se alcance ou não. Uma vez mais se vislumbra na tipicidade essa
dupla corrente subterrânea que já foi mencionada: de um lado o interesse na
tutela da saúde e, de outro, a ideia constante das competições desportivas como
marco no qual essas condutas se desenvolvem.
A conduta típica se delimita, mesmo assim, por um elemento negativo,
já que o prescrever, o proporcionar, o dispensar, o subministrar, o administrar,
o oferecer ou o facilitar a desportistas federados não competitivos, desportistas não federados que pratiquem o esporte por recreação ou desportistas que
participem em competições organizadas na Espanha por entidades desportivas,
substâncias ou grupos farmacológicos proibidos, assim como métodos não regulamentados, devem realizar-se sem justificação terapêutica, de modo que,
se existe essa justificação, isso provoca diretamente a atipicidade da conduta.
Esse elemento negativo tem sido tachado de supérfluo por uma parte da
doutrina39, dado que a existência de um motivo terapêutico relacionado com a
vida ou com a saúde daria lugar à aplicação da causa de justificação de estado
de necessidade ou de exercício da profissão médica e porque, ademais, o conteúdo do dolo implica o conhecimento e a vontade de obter um fim completamente alheio à intenção terapêutica, qual seja, o de aumentar as capacidades
físicas ou modificar os resultados das competições.
38 ÁLVAREZ VIZCAYA, Maite. Salud o deporte: ¿qué pretende tutelar el derecho penal? In: La Ley Penal, n. 47,
p. 15, 2008.
39 Vide VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal del deporte. Ob. cit., p. 455 e ss.
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III.5 A irrelevância do consentimento do desportista
O consentimento do desportista é irrelevante para o terceiro que comete
o delito. A irrelevância do consentimento se deriva diretamente da obrigação
que contém o art. 13 da lei antidopagem de 2006, segundo o qual todo desportista deve assegurar-se que nenhuma substância proibida se introduza em seu
organismo40. A dopagem realizada pelo próprio atleta é constitutiva de uma
infração administrativa muito grave prevista no art. 14 da Lei Orgânica de Proteção da Saúde e da Luta contra a Dopagem no Desporte.
A sanção das condutas de quem põe em perigo com o consentimento do
atleta a saúde deste último, e inclusive a justificação da sanção administrativa
para o desportista que se dopa – autodopagem –, deve-se ao objetivo deste
conjunto normativo, que é manter a prática do esporte limpa de substâncias
ou métodos proibidos. Se essas razões bem servem para justificar a irrelevância do consentimento no caso dos desportistas que participam em competições
oficiais, já não servem para o caso de atletas amadores, em que a sanção do
doping só deveria ter sentido quando não é consentido, por mediar engano ou
ausência de informação acerca dos efeitos prejudiciais de uma substância ou
método.
Se o esportista empresta seu consentimento à subministração das substâncias dopantes, poderia produzir-se a compensação total de culpas no que
diz respeito à responsabilidade civil, ou parcialmente, dependendo do maior ou
menor grau de vício no consentimento prestado pelo desportista.
III.6 Descartada a comissão imprudente
O delito de doping é um delito doloso que exige dois elementos subjetivos específicos, se bem que de forma alternativa. Por um lado, exige-se a
intenção de aumentar as capacidades físicas do desportista, e, por outro, a in40 Reza o art. 13: “Responsabilidade do desportista e seu entorno. 1. Os desportistas se assegurarão de
que nenhuma substância proibida se introduza em seu organismo, sendo responsáveis em qualquer caso
quando se produza a detecção de sua presença no mesmo. O alcance da responsabilidade será determinado
no regime disciplinar que se estabelece no artigo seguinte e, especificamente, o regime de graduação da
responsabilidade prevista no art. 19 desta lei. 2. O descumprimento desta obrigação dará lugar à exigência
de responsabilidades e à adoção das correspondentes medidas disciplinares, em conformidade e com o
alcance previsto nos Convênios Internacionais ratificados pela Espanha e nos arts. 15 e concordantes desta
lei. 3. Os desportistas, seus treinadores federativos ou pessoais, gerentes, bem como clubes e equipes
desportivas a que esteja vinculado o desportista, responderão pelo descumprimento das obrigações impostas
em matéria de localização habitual dos desportistas. 4. Os desportistas, seus treinadores, médicos ou pessoal
sanitário, gerentes, dirigentes, bem como os clubes e equipes desportivas, e demais pessoas do entorno
do desportista responderão pelo descumprimento das disposições que regulam a obrigação de facilitar aos
órgãos competentes informação sobre as enfermidades do desportista, tratamentos médicos ao qual esteja
submetido, alcance e responsável pelo tratamento, quando aquele haja autorizado a utilização de tais dados.
De igual forma, responderão pelo descumprimento ou infração dos requisitos estabelecidos para a obtenção
das autorizações de uso terapêutico”.
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tenção de modificar os resultados das competições. O dolo deve estar referido,
por isso, a um desses dois objetivos, e não, portanto, à provocação de um resultado lesivo determinado. De qualquer sorte, admite-se como possível o dolo
eventual.
Apesar de que o art. 367 preveja a comissão imprudente de determinados delitos contra a saúde pública fixar que, se os fatos previstos em todos os
artigos anteriores foram realizados por imprudência grave, impor-se-ão, respectivamente, as penas inferiores em grau, o citado artigo não é aplicável ao delito
de dopagem desportiva. Não obstante, há um setor da doutrina41 que, precisamente conforme ao estabelecido no art. 367, admite tanto a forma dolosa como
a imprudente no delito. Pelo contrário, Queralt Jiménez mostra-se expressamente contrário a tal possibilidade42, acrescentando Morales Prats que a exclusão do castigo da imprudência no delito de dopagem deriva da existência no
art. 361-bis de um elemento subjetivo do injusto, que, formulado em duas hipóteses alternativas, obriga a inferir que o tipo contempla uma conduta dolosa43.
Certamente o delito de doping esportivo situa-se no art. 361-bis, o que
parece afetar o art. 367, que permite a realização por imprudência grave de todos os artigos anteriores, entre os que agora se integra o novo preceito, se bem
que isso é impossível. O legislador deveria, para evitar equívocos, modificar o
art. 367, cuja redação é anterior à incorporação do art. 361-bis e, portanto, não
contemple exceção alguma.
Como afirmara na época o Conselho Geral do Poder Judicial em seu
Informe ao Anteprojeto da Lei Orgânica antidopagem: “Em todo caso, parece
indiscutível que a comissão do tipo delitivo é dolosa”.
Trata-se, por outro lado, de um delito de resultado cortado, pois a consecução do segundo ato perseguido, aumentar a capacidade física do atleta ou
alterar os resultados das competições, não se situa na esfera estrita de domínio
do autor do delito, por depender de fatores externos a sua vontade.
III.7 O resultado positivo da análise determina a existência de dopagem, mas não quem o realizou
Por ser o delito de doping desportivo um delito de perigo concreto, exige-se a comprobação dele para sua consumação. É possível, assim, a modalidade
tentada. Ora, em verbos como, por exemplo, prescrever, isto é, receitar, nem
41 Entre eles: RODRÍGUEZ NÚÑEZ, Miguel. Derecho penal. Parte especial. Lamarca Pérez (Coord.). 5. ed.
Madrid, 2010, p. 504; BELESTÁ SEGURA, Luis. La persecución penal del dopaje en el deporte: el artículo
361 bis del Código Penal. Ob. cit., p. 6; ROCA AGAPITO, Luis. Los nuevos delitos relacionados con el dopaje
(Comentario a la reforma del Código Penal llevada a cabo por LO 7/2006, de 21 de noviembre, de protección
de la salud y de lucha contra el dopaje en el deporte. Ob. cit. Disponible en: <http://criminet.ugr.es/recpc>.
42 QUERALT JIMÉNEZ, Joan Josep. Derecho penal español. Parte especial. 6. ed. Barcelona, 2010, p. 975.
43 MORALES PRATS, Fermín. Comentarios al Código Penal. Ob. cit., p. 278.
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sequer é necessário que o sujeito ativo possua o objeto ou chegue a entregá-lo ao destinatário; os problemas de prova serão maiores quanto mais distante
esteja a ação descrita no verbo de contato material entre a substância e o corpo.
Um problema fundamental de aplicação prática do art. 361-bis do Código Penal coloca-se na prova do delito, posto que habitualmente a notitia
criminis neste tipo de ações chega quando se produz um resultado positivo no
controle antidoping, havendo-se consumado o delito com anterioridade. Sobre
isso deve acrescentar-se a dificuldade que produz a vinculação existente entre
o desportista e as pessoas ao seu redor, a maioria com dependência laboral em
relação ao sujeito ativo do delito.
Certamente, o delito de doping, por castigar ao entorno do desportista
e não o desportista em si, está propenso a problemas de valoração da prova,
porquanto há de considerar que serão muitos os casos nos quais a prova incriminadora será baseada no resultado das análises antidoping e nas próprias
declarações do desportista.
O resultado positivo da análise determina a existência da dopagem, mas
não quem a realizou, de tal sorte que é possível se deparar unicamente com a
declaração do próprio atleta como prova incriminadora da autoria, o que, em
princípio, não constitui problema algum, dado que a declaração de uma só testemunha pode ser bastante para destruir o princípio de presunção de inocência.
Para tanto, o próprio Tribunal Supremo, em uma consolidada jurisprudência,
exige três requisitos: a persistência na incriminação, a verossimilhança e a ausência de elementos de incerteza subjetiva, que são critérios de valoração da
veracidade do testemunho44. Em relação a esse último requisito, há de se considerar a lei antidoping, que, em seu art. 24, estabelece, como uma das causas
de extinção total ou parcial da responsabilidade disciplinar, a colaboração na
detecção, localização e disponibilização dos organismos competentes, das pessoas ou os grupos organizados que subministrem, facilitem ou proporcionem o
uso de substâncias ou a utilização de métodos proibidos no desporte por causarem dopagem. O art. 26 desta lei, ainda assim, determina que o desportista
possa ficar exonerado parcialmente da responsabilidade administrativa, sem ser
submetido a procedimento sancionador, se denuncia às autoridades competentes os autores ou cooperadores, pessoas físicas ou jurídicas, ou coopera e
colabora com a administração competente, proporcionando dados essenciais
ou testemunhando, neste caso, no procedimento ou processo correspondente
contra àqueles.
44 Vide mais extensamente sobre os problemas de valoração da prova o trabalho de CASERO LINARES, Luis;
TORRES FERNÁNDEZ, María. Comentarios al art. 361 bis del Código Penal. Revista Aranzadi de Derecho de
Deporte y Entretenimiento, n. 21, p. 45 e ss., 2007.
122 D���������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA
Como observam Casero Linares e Torres Fernández, a motivação espúria
ou interessada na denúncia pode privar de força probatória a declaração do
desportista, quando ela se constitui na única prova incriminadora sobre o autor
da dopagem, de modo que a finalidade perseguida de colaboração na erradicação do fenômeno da dopagem pode voltar-se contra si mesma, e, assim, tornar
impunes, por falta de prova, tais condutas no âmbito penal45.
Cortés Bechiarelli utiliza, nestes casos, o termo “desportista delator”,
pois o desportista acaba por converter-se em um delator do subministrador da
substância dopante, a menos que justifique a ingestão de maneira convincente,
autoproclame-se dopado sem intervenção de terceiros ou se negue a declarar.
Trata-se, por isso, de incômoda situação processual e, provavelmente, profissional, sobretudo se o desportista tiver que denunciar o dono do clube ou da
sociedade desportiva46.
III.8 Doping que se materializa em lesões
O delito de dopagem esportiva está estreitamente relacionado com
outros delitos, o que conduz à possibilidade, em matéria de concursos, de que
se apresentem diversas hipóteses. O caso mais frequente se dará quando o perigo concreto se materialize, causando lesões ou inclusive a morte do sujeito
passivo. Nestes casos, não é tarefa fácil determinar o tipo de concurso.
Diferentemente da legislação italiana, que incluiu no art. 9.1 da Lei
nº 376/2000 uma cláusula de subsidiariedade expressa, segundo a qual, “salvo
que o fato constitua um delito mais grave...”, o art. 361-bis do Código Penal
espanhol não contempla uma cláusula concursal específica. Na falta de uma
previsão expressa nos casos em que a utilização das substâncias ou os métodos proibidos ocasionem um dano à saúde ou à vida, deverá operar, segundo
um setor da doutrina47, o princípio de consunção ou absorção ex art. 8.3. Pelo
contrário, para Nieto Martín, as lesões apenas são puníveis se a conduta típica
é realizada por um terceiro. Desse modo, a participação mediante a subministração, a oferta, a facilitação ou a prescrição de uma substância proibida que
o desportista, de um modo responsável, se administra e que lhe causa lesões,
não seria constitutiva de delito. Inclusive naqueles casos em que é um terceiro
quem, por exemplo, injeta a substância, resulta discutível dado que o desportista tem o domínio do fato de que sua conduta possa ser considerada típica
aos efeitos do delito de lesões. Com maior razão ainda será difícil apreciar em
bastantes casos, embora o resultado lesivo se produza, lesões imprudentes, pois
45 CASERO LINARES, Luis; TORRES FERNÁNDEZ, María. Comentarios al art. 361 bis del Código Penal. Revista
Aranzadi de Derecho de Deporte y Entretenimiento, n. 21, p. 46, 2007.
46 CORTÉS BECHIARELLI, Emilio. El delito de dopaje. Valencia, 2007, p. 149.
47 Assim defende, entre outros, MORALES PRATS, Fermín. Comentarios al Código penal. Ob. cit., p. 279.
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123
aos anteriores argumentos soma-se também o argumento de que, em determinadas ocasiões, se estaria diante de autocolocações em perigo, que eliminariam,
portanto, a imputação objetiva. Deste modo, os casos de concurso se produziriam quando o desportista se encontra numa situação em que desconhece a
nocividade do produto e os efeitos prejudiciais que pode ocasionar sobre sua
saúde, caso em que o terceiro realiza o delito de lesões doloso por autoria mediata ou bem poderia imputar-se a lesão imprudente. Com base nos argumentos
anteriormente expostos, o autor citado entende que para resolver este concurso
haverá que se recorrer ao princípio da alternatividade (art. 8.4)48.
Não obstante, majoritariamente na doutrina se defende que, nos casos de
lesão individual da vida ou da saúde, deverá recorrer-se à técnica do concurso
ideal de delitos, com os tipos de homicídio e lesões, dolosos ou imprudentes,
consentidos ou não49. Rey Huidobro considera, pelo contrário, que, nesses casos, deve apreciar-se um concurso real de delitos50.
Perfeitamente poderia trasladar-se a este âmbito a polêmica suscitada no
tratamento concursal entre resultados lesivos e resultados de perigo no âmbito
laboral, por não ser infrequente que, em decorrência dos acidentes de trabalho
ocasionados por faltas de medidas de segurança, percam a vida ou resultem
feridos os trabalhadores. Trata-se, em definitivo, de resolver os casos nos quais
concorrem duas sequências. Primeira, a omissão das normas de prevenção,
criando, com isso, um grave perigo para a vida, saúde ou integridade física dos
trabalhadores (art. 316) e, segunda, a materialização do perigo, falecendo ou
resultando ferido o trabalhador ou trabalhadores (arts. 142 e 152 do CP).
Existem três soluções que vêm sendo propostas pela doutrina. A primeira
consiste em considerar que o delito contra a saúde ou contra a vida absorve o
delito de perigo em todo caso e que se trata, por conseguinte, de um concurso
de leis. Defensor dessa primeira solução é Lascuraín Sánchez, que entende que
quando ademais da infração normativa e do a ela aderido resultado de perigo
extremo, se produza um resultado de morte ou lesões, os tipos de homicídio
ou lesões imprudentes substituirão os delitos contra a segurança do trabalho –
concurso de normas –, devido a que acrescentem ao desvalor destes últimos o
específico de resultado que lhes caracteriza. Exceção à regra anterior – que é
de consunção (art. 8.3) – seriam os casos nos quais o resultado lesivo é leve e a
pena do delito de perigo é superior à do delito de lesão. Neles deve entender-se
48 NIETO MARTÍN, Adán. Comentarios al Código Penal. Madrid, 2007, p. 797 e 798.
49 Vide, por todos: CADENA SERRANO, Fidel. El derecho penal y el deporte. Especial referencia a la violencia y
al dopaje. In: Estudios Penales y Criminológicos, n. 27, p. 132, 2007.
50 REY HUIDOBRO, Luis. Repercusiones penales del dopaje deportivo. Revista Jurídica de Deporte y
Entretenimiento, n. 16, p. 102, 2006-1.
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que só o recurso ao concurso de delitos é capaz de absorver todo o desvalor do
comportamento51.
A segunda solução consiste em considerar que o delito contra a saúde
ou contra a vida unicamente absorve o delito de perigo previamente cometido
quando o trabalhador lesionado era o único que se encontrava na situação
de risco, de maneira que não cabe sancionar, em concurso com o delito de
homicídio ou lesões, um “excedente de risco”. Esta é a posição majoritária na
doutrina52, que considera que, quando não todo o perigo criado se materializa
em lesão, a solução passa pela aplicação de um concurso ideal de delitos a
ser resolvido pelo art. 77 do Código Penal, uma vez que o dano infringido não
absorve todo o perigo previamente gerado.
A terceira solução53 considera que, por tratar-se o delito do art. 316 de
um delito contra um bem jurídico coletivo, isto é, contra um objeto de proteção
autônomo e distinto do interesse individual, deveria aplicar-se, sempre e em
todos os casos, um concurso ideal, pois em nenhum caso uma lesão da vida
ou saúde humana individual consume a lesão do bem jurídico coletivo vida
ou saúde humana. Essa opinião, por outra parte, era a mantida na redação dos
distintos Projetos do Código Penal, incluído o Projeto de Código Penal de 1994,
que acrescentavam um parágrafo final que estabelecia que as penas aplicáveis
ao delito de perigo o serão “sem prejuízo das penas que corresponderem se o
resultado sobrevier”. Esse inciso constituía uma novidade na medida em que
despejava as dúvidas sobre a possibilidade de estimar o mencionado concurso
de delitos.
III.9 Os tipos agravados
O art. 361-bis, § 2º, contempla três tipos agravados: quando a vítima
é menor de idade, quando há emprego de fraude ou intimidação e quando o
responsável tenha se prevalecido de uma relação de superioridade laboral ou
profissional. Nesses tipos agravados, o legislador previu que a pena se imponha
em sua metade superior em relação à assinalada para o tipo básico.
Não previu o legislador solução para o caso em que concorra mais de
um tipo agravado. Não obstante, no caso de que concorressem dois casos agravados, um deles produziria o efeito de agravar na metade superior e o outro se
levaria em conta para a fase de individualização judicial da pena.
51 LASCURAÍN SÁNCHEZ, Juan Antonio. Estudios Penales en Homenaje al Profesor Cobo del Rosal. Madrid,
2005, p. 573 e ss.
52 TERRADILLOS BASOCO, Juan María. La siniestralidad laboral como delito. Albacete, 2006, p. 134.
53 Vide VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Los delitos contra los derechos de los trabajadores. Valencia, 2008,
p. 663 e ss.
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA....................................................................................................................
125
a) Vítima menor de idade
O primeiro caso agravado se dará nos casos em que a vítima da dopagem
é menor de idade. O legislador considerou, nesse caso, a maior perigosidade
da ação devido ao caráter insidioso que ela expressa, por considerar a maior
vulnerabilidade da vítima menor de idade. O limite da menoridade, 18 anos, é
diverso do prescrito para a qualificação das lesões, 12 anos (art. 148).
Como explica Tornos, bem que se poderia ter acrescentado neste tipo
agravado uma referência análoga aos deficientes ou incapazes, os quais, por
certo, também desenvolvem atividades desportivas de altíssimo nível competitivo, como acontece nos Jogos Paraolímpicos54. O Informe do Conselho Fiscal
ao anteprojeto de lei já havia proposto que se agravasse a pena quando a vítima
fosse incapaz, e não apenas quando fosse menor de idade. Essa observação,
finalmente, não foi levada em consideração na redação definitiva do preceito
penal.
b) Emprego de fraude ou intimidação
O segundo tipo agravado, pelo emprego de engano ou intimidação, obedece à maior antijuricidade da ação porque deste modo se vicia o consentimento do desportista ao qual se subministra a substância dopante. Trata-se de
induzir ao erro a vítima – engano – ou ameaçar-lhe com um mal – intimidação.
Tanto o engano como a intimidação devem produzir-se com caráter prévio ou concorrente à ação típica do art. 361-bis do Código Penal, e nunca
posterior, posto que o desvalor do engano ou a intimidação reside em levar tortuosamente o competidor ao consumo não desejado de substâncias proibidas
ou ao emprego de métodos ilegais.
A intimidação à qual se refere o tipo agravado deve entender-se como o
anúncio de um mal imediato, grave, pessoal, concreto e possível que desperte
ou inspire no desportista um sentimento de medo, angústia ou desassossego
ante a contingência de um mal real ou imaginário. A não renovação de um
contrato devido ao fato de o desportista não consumir substâncias dopantes não
seria, por exemplo, constitutivo de intimidação por carecer o mal de imediatez
e gravidade, sem prejuízo de que lhe seja aplicável o tipo correspondente de
ameaças ou coações55.
54 TORNOS, Agustín. Una aproximación crítica al nuevo delito de dopaje del art. 361 bis del Código penal.
In: La Ley Penal, n. 47, p. 31, 2008. No mesmo sentido: ROCA AGAPITO, Luis. Los nuevos delitos
relacionados con el dopaje (Comentario a la reforma del Código Penal llevada a cabo por LO 7/2006, de 21
de noviembre, de protección de la salud y de lucha contra el dopaje en el deporte. Ob. cit. Disponible en:
<http://criminet.ugr.es/recpc>.
55 Neste sentido, BELESTÁ SEGURA, Luis. La persecución penal del dopaje en el deporte: el artículo 361 bis del
Código Penal. Ob. cit., p. 5 e 6.
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Não foi contemplado pelo legislador o emprego de violência física ou vis
atrox por parte do sujeito ativo para obrigar o desportista a se dopar. Em caso
em que ocorra essa violência física, o problema concursal poderia ser resolvido
com a aplicação do delito de coação ou bem do art. 173.1 em concurso ideal
com o tipo básico do art. 361-bis do Código Penal.
c) Prevaler-se o culpado de uma relação de superioridade laboral ou profissional
O tipo agravado, por prevalecer-se o culpado de uma relação de superioridade laboral ou profissional, limita-se ao autor, ao contemplar uma determinada relação entre este e o sujeito passivo. O tipo alude àquelas pessoas que, pelo
vínculo laboral que une o desportista a elas em uma relação de hierarquia ou
supremacia, ao menos de facto, ou por sua profissão, é-lhes exigido um maior
cuidado na evitação daquelas condutas, não bastando que exista esta relação,
senão que haja o “prevalecimento”, questão que sempre é de difícil comprovação, pois requer que essa relação de superioridade seja a que precisamente
se use como método ou meio para obter o consentimento do desportista em
relação ao uso da substância dopante.
Esse tipo agravado relaciona-se, em parte, com a agravante genérica
de abuso de superioridade do art. 22.2ª do Código Penal, pelo qual restaria
absorvido.
Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra
1134
Superior Tribunal de Justiça
Conflito de Competência nº 132.438 – RJ (2014/0031220-4)
Relator: Ministro Sidnei Beneti
Suscitante: Confederação Brasileira de Futebol
Advogado: Alfredo Zucca Neto e outro(s)
Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ
Suscitado: Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP
Suscitado: Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro/RJ
Interes.: Luiz Paulo Pieruccetti Marques
Advogado: Luiz Paulo Pieruccetti Marques (em causa própria) e outro
Interes.: Artur Monteiro Vieira
Advogado: Daniel Amorim Assumpção Neves e outro(s)
Interes.: ABC – Associação Brasileira do Consumidor
Advogado: Rodrigo Rodrigues de Castro e outro(s)
Interes.: Bruno Henrique Capelo
Advogado: Bruno Henriques Capelo (em causa própria) e outro
Interes.: Daniel Jose de Souza
Advogado: Jonathan Celso Rodrigues Ferreira
Interes.: Ricardo Santos Moraes de Burgos
Advogado: Breitner de Oliveira Martins e outro(s)
Interes.: Renato Mota de Avo
Interes.: Mario Artemio Urchei
Advogado: Rivadavio Anadão de Oliveira Guassu
Interes.: Delmiro Aparecido Goveia
Advogado: Delmiro Aparecido Goveia (em causa própria)
Interes.: Cristiano Abdanur São Bento
Advogado: Cristiano Abdanur São Bento (em causa própria)
Interes.: Renato de Britto Azevedo
Advogado: Maria de Fatima de Lauri Gonçalves Ribeiro
Interes.: Victor Campos
EMENTA
CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA – PROCESSOS VÁRIOS AJUIZADOS EM JUÍZOS E
JUIZADOS ESPECIAIS DIVERSOS, EM DIFERENTES FOROS DO TERRITÓRIO NACIONAL, POR
TORCEDORES, CLUBE OU ENTIDADES E INSTITUIÇÕES DIVERSAS, CENTRADAS NO MESMO
LITÍGIO, A RESPEITO DA VALIDADE DE ACÓRDÃO PROFERIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DESPORTIVA – STJD – COM CONSEQUÊNCIAS DIRETAS SOBRE CAMPEONATO
ESPORTIVO DE CARÁTER NACIONAL, ORGANIZADO PELA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE
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FUTEBOL – DECISÕES COLIDENTES QUANTO A LIMINARES – MATÉRIA DE ABRANGÊNCIA
NACIONAL – CONEXÃO EVIDENTE ENTRE AS AÇÕES CONTIDAS NOS DIVERSOS PROCESSOS
– COMPETÊNCIA DO FORO DO LOCAL EM QUE SITUADA A SEDE DA ENTIDADE RESPONSÁVEL
PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA ANTE A PREVALÊNCIA, DE ORDEM PÚBLICA DEVIDO
AO CARÁTER NACIONAL, DO FORO DO DOMICÍLIO DO RÉU – PREVENÇÃO DA VARA EM
QUE AJUIZADO O PRIMEIRO PROCESSO – EFEITOS DA CITAÇÃO QUE RETROAGEM À DATA
DA DISTRIBUIÇÃO DO PROCESSO – COMPETÊNCIA DE JUIZADO ESPECIAL DO TORCEDOR
AFASTADA – CONFLITO DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO
JUÍZO DA 2ª VARA CÍVEL DO RIO DE JANEIRO/RJ
1. É competente o Juízo do local em que situada a sede da entidade organizadora de campeonato esportivo de caráter nacional para todos os
processos de ações ajuizadas em vários Juízos e Juizados Especiais, situados em lugares diversos do país, questionando a mesma matéria central,
relativa à validade e à execução de decisões da Justiça Desportiva, visto
que a entidade esportiva de caráter nacional, responsável, individual ou
conjuntamente com quaisquer outras entidades, pela organização (no
caso, a CBF), deve, necessariamente, inclusive por decisão de ofício, integrar o polo passivo das demandas, sob pena de não vir ela ser atingida
pelos efeitos subjetivos da coisa julgada, e de tornar-se o julgado desprovido de efetividade.
2. No caso, considerando-se que a CBF é parte necessária nos processos
em que se questionam decisões da Justiça Desportiva, por ela organizada, devem eles ser propostos no foro “onde está a sede” daquela pessoa
jurídica (CPC, art. 100, IV, a), e sua sede situa-se no âmbito geográfico da
Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e, na divisão judiciária
desta, no Foro Regional da Barra da Tijuca.
3. Constitui matéria de interesse público, ante a necessidade de evitar a
dispersão jurisdicional, que atrasaria a prestação jurisdicional e criaria
insegurança jurídica, devido à possibilidade de decisões contraditórias,
a determinação da competência de Juízo único para ajuizamentos plúrimos de processos por torcedores, clubes, entidades e instituições, inclusive o Ministério Público e a Defensoria Pública, de forma pulverizada,
em todo o território nacional.
4. A fixação do Juízo territorialmente competente dá-se pelo critério do
foro do local da sede da entidade nacional ré, organizadora, individual
ou conjunto com outras entidades, a qual deve necessariamente ser acionada, foro esse decorrente da previsão do art. 94 do Código de Processo
Civil, para todas as ações relativas a julgamentos por órgãos da Justiça
Desportiva, referentes a certames de caráter nacional por ela promovidos, determinando-se, por isso, a competência do Juízo do local da sede
dessa entidade, ou seja, da Distrital da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro,
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129
entre cujas Varas determina-se a competência, por prevenção, pela data
da distribuição, a que retroage a data da citação.
5. Afasta-se a competência de outros Juízos e Juizados, Especiais Cíveis,
inclusive do Juizado do Torcedor, Adjunto à 2ª Vara da Regional da Ilha
do Governador/RJ (Resolução TJRJ-OE 20;21).
6. Os arts. 3º da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) e 101, I, da Lei
nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) não prevalecem como
fundamento para o ajuizamento pelo torcedor, em seu próprio domicílio, de ação judicial questionando a validade de decisões proferidas pela
Justiça Desportiva, órgão da Confederação Brasileira de Desportos – CBF
cuja sede se situa na Cidade do Rio de Janeiro, na área geográfica do Foro
da Barra da Tijuca.
7. No caso, entre as Varas do Foro da Barra da Tijuca, tem-se por certo
que a primeira distribuição ocorreu perante a 2ª Vara Cível, que, por isso,
resulta preventa para os demais acionamentos (CPC, art. 106).
8. Conflito acolhido para declarar a competência do juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca, ao qual devem incontinenti ser
enviados os processos, excetuada a hipótese de extinção, estendendo-se
o julgamento do presente Conflito a todas as ações sobre a matéria, ajuizadas ou que o venham a ser, nos diversos Juízos e Juizados Especiais, da
Justiça Estadual ou Federal no país.
ACÓRDÃO
A Seção, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e declarou competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra
da Tijuca para processar e julgar as ações conexas e todos os todos os processos
referentes à controvérsia, ajuizados ou que venham a ajuizar-se, por clubes,
entidades, instituições, torcedores – enfim, para todo e qualquer processo em
que se trate da matéria relativa ao julgamento da Justiça Desportiva, órgão da
Confederação Brasileira de Desportos, referentemente à matéria, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso
Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas
Cueva, Marco Buzzi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília/DF, 11 de junho de 2014 (data do Julgamento)
Ministro Sidnei Beneti
Relator
130 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
RELATÓRIO
O Exmo Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator):
1. Confederação Brasileira de Futebol suscita Conflito Positivo de Competência entre o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da
Tijuca/RJ; o Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP;
e o Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do
Rio de Janeiro/RJ.
2. A CBF narra que tem sido demandada em várias ações judiciais que
visam à anulação da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD que condenou a Associação Portuguesa de Desportos (Portuguesa)
e o Clube de Regatas do Flamengo (Flamengo) à perda de pontos que haviam
obtido durante o Campeonato Brasileiro de Futebol de 2013 por conta da escalação irregular de atletas, condenação essa que, por via reflexa, alterou a classificação geral do campeonato, com o rebaixamento da Portuguesa à Segunda
Divisão.
3. Assevera que essas ações conexas têm sido ajuizadas por diversos torcedores perante os mais diversos Juízos, o que têm gerado decisões conflitantes
antevendo-se o surgimento de muitas outras.
4. Menciona, a propósito, o conflito entre as decisões concessivas de liminar (suspensas pelo TJSP) proferidas pelo Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro
Central de São Paulo/SP (nos Autos nºs 1001075-63.2014.8.26.0100; 100202050.2014.8.26.0100; 1003112-63.2014.8.26.0100; 1004225-52.2014.8.26.0100;
1006372-51.2014.8.26.0100) e as decisões também liminares concedidas pelo
Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ e também pelo Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro/RJ que determinaram o cumprimento da decisão do STJD.
5. Menciona, ainda, as decisões proferidas pelo Juízo da 2ª Vara dos
Juizados Especiais Cíveis de Vergueiro – São Paulo, que indeferiu a liminar pretendida e determinou a citação (Proc. 0000875-26.2014.8.26.0016); pelo Juízo
dos Juizados Especiais Cíveis de Mogi das Cruzes/SP, que determinou o aditamento da inicial (Proc. 0000066-76.2014.8.26.0361); pelo Juízo do Juizado Especial Cível de São José do Rio Preto/SP que concedeu liminar para suspender a
decisão o STJD (Proc. 1001374-67.2014.8.26.0576); e também pelo Juízo da 3ª
Vara Cível do Foro Regional da Penha em São Paulo/SP, que concedeu liminar
(suspensa pelo TJSP) (Proc. 1000553-27.2014.8.26.0006).
6. Sustenta que, no caso, deve prevalecer a competência do Juízo de
Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca, porque foi ele
“quem primeiro examinou a matéria no Rio do Rio de Janeiro [no Processo
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
131
nº 0000813-89.2014.19.0209], in casu, perante o foro de domicílio da Suscitante” (fl. 10).
7. Foi deferida liminar, fixando, provisoriamente, a competência do Juízo
de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca (fls. 586/591)
com determinação do envio de cópias a todos os Tribunais de Justiça estaduais
(fls. 735/736).
8. Contra essa decisão foram interpostos Agravos Regimentais
(fls. 756/788 e 793/798) a que se negou provimento por acórdão da 2ª Seção
(fls. 811/824 e 1.205 e 1.215).
9. A 42ª Vara Cível do Estado de São Paulo e o Juizado do Torcedor e dos
Grandes Eventos prestaram informações (fls. 737/744 e 1.228/1.237).
10. O Ministério Público Federal, em parecer do E. Subprocurador-Geral
da República Humberto Jaques de Medeiros, opinou pela fixação da competência perante o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de
Janeiro/RJ, ao argumento de que teria sido no processo em curso perante aquele
Juízo que se deu a primeira citação válida (fls. 1.221/1.226).
É o relatório.
VOTO
O Exmo Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 11. A questão sob julgamento nos Conflitos de Competência nºs 132.402, 132.438, 133.244 e na Reclamação nº 17.806 é essencialmente a mesma, dizendo respeito à determinação
da competência jurisdicional entre Juízos da Justiça Comum – não envolvendo,
ressalte-se, deslinde de competência ou atribuição entre a Justiça Comum e a
Justiça Desportiva (CF, art. 217, §§ 1º e 2º), assunto objeto de volumosa literatura jurídica e de prestigiosos precedentes jurisdicionais no Brasil e no exterior.
12. Examina-se, exclusivamente, no âmbito da Jurisdição Estatal nacional, a competência de Juízos estatais integrantes do Poder Judiciário brasileiro.
No âmbito do Conflito de Competência em exame, pois, estabelecido entre
órgãos jurisdicionais da Justiça Comum, a matéria cinge-se ao aspecto estritamente de Direito Processual Civil, matéria regida pelo Código de Processo Civil.
O enfoque processual, relativo a certame de cuja característica nacional
pode ensejar eventual acionamento múltiplo, como no caso, que beira a uma
centena de processos, deve pautar-se pela necessidade de superar aquilo que
Enrico Lubrano denominou “a histórica incerteza do direito acerca da tutela
jurisdicional no esporte” (“I Rapporti tra Ordinamento Sportivo ed Ordinamento
Statale nella Loro Attuale Configurazione”, em Lineamenti di Diritto Sportivo,
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Org. Leandro Cantamessa, Giovanni Riccio e Giovani Sciancalepore, Giuffè
Editore, 2008, p. 19 e ss.).
13. No final do ano de 2013, como foi amplamente divulgado pela Imprensa especializada, o clube Associação Portuguesa de Desportos, devido à
escalação tida por irregular do atleta Heverton na 38ª rodada do Campeonato
Brasileiro de Futebol do mesmo ano, sofreu sanção disciplinar, aplicada pelo
Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD consistente na perda de quatro
pontos, além de multa de R$ 1.000,00.
Com isso, o clube Fluminense, que estava em posição de rebaixamento
na série principal do campeonato para o ano seguinte, dela saiu, pois sua classificação subiu do 17ª lugar para a 15ª colocação, ao passo que a Portuguesa
desceu da 12ª para a 17ª posição, desclassificando-se para a Primeira Divisão
do Campeonato Brasileiro do ano seguinte e rebaixando-se à Série inferior. Para
tanto ainda contribuiu o fato que de que o Clube de Regatas Flamengo, também
foi apenado com a perda de quatro pontos.
14. Vários torcedores da Portuguesa, ajuizaram, então, ações judiciais
contra a CBF, perante a Justiça Comum do Estado de São Paulo, pleiteando a
anulação da decisão do STJD. Na maioria dos casos, as ações têm sido rejeitadas de plano, ao fundamento de que somente poderiam ser ajuizadas e julgadas
no âmbito da Justiça Estatal, pelos próprios clubes de futebol prejudicados, não
pelos seus torcedores – sem que se possa referir-se, aqui, a eventuais ajuizamentos por outras entidades.
15. Consultando-se o andamento do Processo nº 1002020.50.2014.8.
26.0100/SP, movido por torcedor da Portuguesa, no sítio eletrônico do TJSP,
verifica-se que nele também foi interposto agravo de instrumento contra a decisão concessiva de liminar (AI TJSP 2007934-87.2014.8.26.0000), agravo de
instrumento este julgado procedente para extinguir o feito com fundamento na
ilegitimidade ativa.
Confira-se a propósito, a ementa do julgado, colhida no sítio eletrônico
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
AGRAVO – ESTATUTO DO TORCEDOR – TUTELA ANTECIPADA – Ação anulatória movida por torcedor contra a CBF. Antecipação de tutela concedida para o
fim de suspender decisão do STJD que puniu a Associação Portuguesa de Desportos por escalação irregular de jogador suspenso, com aplicação de multa e perda
de pontos. Inconformismo da CBF. Acolhimento. Ação ajuizada pelo torcedor.
Reconhecimento da ilegitimidade ativa. Precedentes. Extinção do processo, nos
termos do art. 267, VI, do CPC. Recurso provido.
Essa falta de legitimidade também foi reconhecida em vários julgados do mesmo
Tribunal de Justiça de São Paulo, como se vê nos seguintes acórdãos:
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
133
1º) Estatuto do Torcedor. Ação anulatória de deliberação do STJD da Confederação Brasileira de Futebol acerca da validade de partidas com suspeita de
manipulação de arbitragem. Demanda proposta por torcedor individualmente.
Descabimento.
Indeferimento da petição inicial por ilegitimidade ad causam ativa. Apelação do
autor desprovida. (TJSP, 2ª CDPriv., Apelação nº, 9137928-30.2006.8.26.0000,
Rel. Des. Fábio Tabosa, DJ 07.12.2011);
2º) Apelação. Ação de indenização por danos materiais e morais. Anulação de
partida de futebol por vício de arbitragem. Indeferimento da petição inicial por
falta de pressupostos processuais indispensáveis ao prosseguimento da ação. Ilegitimidade ativa dos Autores. Recurso não provido, embora por outro fundamento. (TJSP, 3ª CDPriv., Apelação nº 9159138-69.2008.8.26.0000, Rel. Des. João
Pazine Neto);
3º) APELAÇÃO ORDINÁRIA – Pretensão dos autores-apelantes relacionada à imposição aos réus das sanções previstas no art. 37 do Estatuto do Torcedor (Lei
Federal nº 10.671/2003). Causa de pedir que não se fundou em danos concretos
sofridos pelos próprios requerentes, mas sim, em violações genéricas ao estatuto
do torcedor noticiadas pela imprensa Autores que não podem pleitear, em nome
próprio, direitos coletivos lato sensu Ilegitimidade ativa reconhecida Inteligência dos arts. 40 do Estatuto do Torcedor e 81 do CDC Cerceamento de defesa
não verificado Decisão Mantida Recurso Improvido. (TJSP, 3ª CDPriv., Apelação
nº 9126742-44.2005.8.26.0000, Rel. Des. Egídio Giacoia, DJ 19.01.2011).
16. A extinção da ação que tramitava perante a 42ª Vara Cível de
São Paulo implica a extinção parcial do presente conflito de competência, por
ausência de interesse de agir. Com efeito, se o processo que tramitava perante
aquele Juízo já foi extinto, o conflito positivo de competência apenas persiste
em relação aos Juízos do Estado do Rio de Janeiro.
17. Essa circunstância, conquanto represente, ao menos em parte, uma
solução prática para o problema suscitado neste conflito de competência, não
oferece um critério definitivo para o deslinde de casos análogos já em processamento ou em vias de judicialização.
18. Repare-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu o feito
com fundamento na ilegitimidade da parte e não na incompetência do Juízo perante o qual proposta a ação, questão esta que, sob o ponto de vista decisório, é
anterior. Apenas o Juízo competente é que, afinal, poderá validamente, declarar
extinto o processo com fundamento na ilegitimidade ativa.
19. Isso significa que a extinção do processo que tramitava perante a
42ª Vara Cível de São Paulo, em última análise, não resolve de forma efetiva
a lide, mas apenas torna prejudicado o exame do conflito na parte em que lhe
diz respeito.
134 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
20. Assim, considerando que a apenas o enfrentamento do mérito da
questão processual posta servirá de baliza segura para solução dos muitos casos
análogos em curso neste País, é que se procede à análise da questão por inteiro,
de forma mais ampliada.
21. As ações judiciais em exame, umas com o objetivo de anular o acórdão proferido pelo STJD outras com o objetivo de vê-lo cumprido, tem sido
propostas por torcedores dos clubes envolvidos, notadamente da Portuguesa,
do Fluminense e do Flamengo, nos foros de seus respectivos domicílios, com
amparo em uma interpretação conjunta dos arts. 3º da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) e 101, I, do Código de Defesa do Consumidor.
21.1. O primeiro desses dispositivos legais (art. 3º da Lei nº 10.671/2003)
equipara as entidades que organizam as competições desportivas a fornecedores. Tal equiparação sugere, implicitamente, que os torcedores seriam, a seu
turno, equiparados a consumidores para efeito de aplicação do Estatuto do
Torcedor. O segundo dos dispositivos legais mencionados (art. 101, I, da Lei
nº 8.078/1990) permite aos consumidores ajuizar ação de responsabilidade
contra fornecedores de produtos ou serviços nos foros dos seus próprios domicílios.
A conjugação desses dois dispositivos constitui o fundamento da pretendida permissão a que as ações judiciais em questão fossem ajuizadas pelos
torcedores interessados diretamente no foro dos seus domicílios.
21.2 Os dispositivos em comento não encerram, porém, a autorização
que neles se pretende enxergar, isto é, não autorizam torcedores a propor as
ações em questão diretamente em seus domicílios.
21.3 O art. 3º, da Lei nº 10.671/2003 dispõe o seguinte, verbis: “Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei nº 8.078, de
11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo”.
Nas ações propostas, contudo, os torcedores não visam a direitos próprios de consumidor, mas, sim, visam a questionar a decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o qual não organiza a competição, nem detém o
mando de jogo, de modo que não pode ser considerado fornecedor de serviços
para efeito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido já se pronunciou a C. 2ª Seção desta Corte no julgamento
do CC 40.721/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 01.07.2004, de cujo acórdão
se extrai a seguinte passagem: Contudo, por ser o Superior Tribunal de Justiça
Desportiva, nos termos do art. 52 da Lei nº 9.615/1998, órgão integrante da Justiça Desportiva com competência para processar e julgar as questões previstas
nos Códigos da Justiça Desportiva, constata-se que ele não se enquadra nem no
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135
conceito de fornecedor previsto no art. 3º do CDC nem no conceito de fornecedor por equiparação previsto no art. 3º do Estatuto do Torcedor.
21.4 Por outro lado, o art. 101, I, da Lei nº 8.078/1990, confere aos consumidores a possibilidade de acionar, em seus próprios domicílios, os fornecedores de serviços ou de produtos quando se tratar de ação de responsabilidade,
mas, no caso presente, as ações não veiculam pretensão de responsabilidade
civil ou criminal, mas pretensão desconstitutiva de ato jurídico praticado pela
Justiça Desportiva, totalmente diversa da responsabilidade civil.
22. Afasta-se, até como evidência que prescinde de demonstração, a admissibilidade de multitudinários ajuizamentos de processos espalhados por numerosos Juízos, inclusive de Estados diversos, para o deslinde de matéria que,
afinal de contas, contém o mesmo núcleo, donde deriva a conexão para todas
as ações.
Campeonatos de caráter nacional – a exemplo, aliás, de certames esportivos internacionais que se realizem no país sob organização, exclusiva ou conjunta com outras entidades, até mesmo estrangeiras, como as Copas do Mundo
ou regionais específicas e os próprios Jogos Olímpicos – submetem-se à necessidade de regramento geral e dirimência jurisdicional consistentes e claros, o
que só se pode obter mediante a definição de foro competente único para cada
certame.
Esse é interesse público, para a atividade esportiva, de relevante importância para todo e qualquer Estado nacional, até porque, como, por todos, na
Alemanha, assinala, “a necessidade de serem fornecidas normas esportivas resulta do significado social, político e econômico que o esporte como um dos
maiores subsistemas sociais obteve na Alemanha” (“Sportrecht”, Org. Frank
Fechner e Johannes Arnhold, ed. Mohr Siebeck, Introdução, p. XI).
Afastada a admissibilidade de ajuizamentos plúrimos por torcedores e
outros autores, em vários Juízos do território nacional, inclusive em Estados
diversos, pulverizando o enfrentamento do núcleo da lide, a fixação do Juízo
territorialmente competente se dá pelo critério tradicional previsto no art. 94 do
Código de Processo Civil, que estabelece como competente o foro do domicílio
do réu.
Esse critério vale também para o clube, participante do certame organizado pela entidade desportiva, bem como para outras entidades ou instituições
que a respeito do certame venham a ajuizar ações de qualquer natureza, inclusive a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança, abrangendo, portanto,
ajuizamentos até mesmo realizados pelo Ministério Público ou pela Defensoria
Pública.
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23. A competência deve determinar-se em prol da 2ª Vara Cível do Foro
Regional da Barra da Tijuca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, porque no
seu território sediada a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, a quem, em
última análise, remonta a organização do campeonato nacional de futebol e a
execução das decisões da Justiça Desportiva em causa.
Com efeito, a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, necessariamente
deve ser acionada, dada a qualidade mencionada. Se não o for, competirá ao
Juízo, de ofício, determinar sua integração à lide na qualidade de litisconsorte
necessária, para que o julgamento que se profira possa vinculá-la juridicamente
(CPC, art. 47, parágrafo único).
Eventual julgamento que se profira em prol de torcedor ou do clube Portuguesa de Desportos, para ter efetividade relativamente ao Campeonato Brasileiro de Futebol, terá de haver incluído a CBF no polo passivo da relação jurídica processual, sem o que ela não poderá ser atingida pelos efeitos subjetivos da
coisa julgada (CPC, art. 472).
Considerando que a CBF é parte necessária em processos referentes a
direitos pessoais em que se litigue visando à anulação de julgamento do STJD
e à reclassificação do clube Portuguesa de Desportos no Campeonato Brasileiro, deve, como pessoa jurídica, ser acionada no foro “onde está a sede” (CPC,
art. 100, IV, a), e sua sede situa-se no âmbito geográfico da Comarca da Capital
do Estado do Rio de Janeiro e, na divisão judiciária desta, no Foro Regional da
Barra da Tijuca.
No Foro Regional da Barra da Tijuca tem-se por certo que o primeiro
acionamento ocorreu perante a 2ª Vara Cível, que, por isso, resulta prevento
para os demais acionamentos (CPC, art. 106).
24. Não se desconhecem precedentes da Segunda Seção, referindo-se,
como critério determinativo da competência à data da primeira citação válida
para solucionar conflitos positivos de competência em casos análogos – mas
esses precedentes não se aplicam ao caso, como se verá. Confiram-se, a propósito, os precedentes:
CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA – TRÊS DEMANDAS AJUIZADAS EM
FOROS DISTINTOS POR CLUBES BUSCANDO INCLUSÃO NA MESMA VAGA
PARA DISPUTA DA SÉRIE “C” DO CAMPEONATO BRASILEIRO – PROLAÇÃO
DE MEDIDAS LIMINARES COLIDENTES – CONEXÃO INCONTESTE ENTRE AS
AÇÕES – PREVENÇÃO DO FORO ONDE OCORREU A PRIMEIRA CITAÇÃO
VÁLIDA – INTELIGÊNCIA DO ART. 219 DO CPC – INCIDENTE PARCIALMENTE ACOLHIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE CAMPINA
GRANDE (PB)
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1. Fica plenamente configurado o conflito positivo de competência quando três
juízos distintos deliberam sobre pretensão idêntica, gerando a prolação de medidas liminares colidentes.
2. Diante da evidente conexão entre as ações veiculadas por clubes desportivos
vindicando mesma vaga ao certame do Campeonato Brasileiro de Futebol da
Série “C”, e tratando-se de hipótese de mera competência territorial, impõe-se a
reunião dos processos no foro do juízo onde ocorreu a primeira citação válida
(art. 219 do CPC).
3. Eventual questionamento quanto à própria competência territorial do juízo
prevento deve ser dirimida em momento posterior, mediante oposição e julgamento da competente exceção declinatória de foro, a ser oportunamente apreciada em primeira instância.
Discussão a esse respeito desborda ao âmbito de cognição instaurado no presente conflito, descabendo a esta Corte Superior manifestar- se sobre o tema, sob
pena de manifesta supressão de instância.
4. Conflito conhecido e parcialmente acolhido, para declarar a competência do
juízo de Campina Grande (PB).
(CC 122.922/AC, 2ª S., Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 06.12.2013)
Processo civil. Competência. Conflito positivo. Ações que discutem decisões do
Superior Tribunal de Justiça Desportiva a respeito do denominado Campeonato
Brasileiro de Futebol de 2003. Art. 219 do CPC.
Compete ao Juízo de Direito da 1ª Vara Cível Regional da Barra da Tijuca/RJ
apreciar as ações, conexas, propostas em comarcas diversas, tratadas no presente
conflito de competências, pois, afastada a incidência do art. 93, II, do CDC, prevalece a competência do Juízo perante o qual ocorreu a primeira citação válida.
Conflito de competência conhecido e declarada a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível Regional da Barra da Tijuca/RJ.
(CC 40.721/RJ, 2ª S., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 01.07.2004)
24.1 O primeiro precedente (CC 122.922/AC, Rel. Min. Marco Buzzi)
não pode ser transposto ao caso presente, porque, naquele caso, nenhuma das
ações havia sido proposta no domicílio da CBF, e, ademais, quando dirimido o
conflito de competência, os processos já haviam cumprido longo percurso entre os Juízos envolvidos, de modo que a fixação da competência territorial teve
de ser estabelecida com observância exclusivamente das regras da prevenção
entre Juízos concorrentes, sem possibilidade de cogitar, no caso específico, do
Juízo da sede da entidade nacional, de modo que prevaleceu, no caso, o local
da primeira citação válida. Nesse sentido a expressiva passagem do voto do E.
Ministro Marco Buzzi:
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Ressalta-se que o objeto do presente conflito restringe-se à fixação de competência do juízo prevento por força de conexão.
Dessa forma, cumpre aqui averiguar e definir qual dos três juízos em que ajuizadas as três ações distintas será o prevento para examiná-las. Até poderia este
Tribunal Superior determinar a remessa dos autos para comarca distinta das três,
mas desde que fosse o caso de incompetência absoluta delas, hipótese não verificada nos autos.
No conflito de competência ora em análise, afigura-se possível reconhecer como competente o Juízo do domicílio da CBF, porque uma das ações foi
proposta, de forma acertada, perante um dos Juízos do Foro Regional da Barra
da Tijuca.
24.2 No segundo precedente (CC 40.721/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi),
por outro lado, não foi necessário, na fundamentação do julgado, recorrer ao
critério da competência territorial do domicílio do réu, porque a primeira citação válida, por coincidência, já havia ocorrido exatamente no Juízo da 1ª Vara
Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ onde se situa a sede da CBF, o qual
foi declarado como competente para julgar os processos conexos.
25. A competência estabelecida, pelo Código de Processo Civil em razão
do foro do domicílio do réu (art. 94), que, no caso, se situa no âmbito geográfico da Barra da Tijuca, local em que situada a sede da CBF, essa competência,
repita-se, não cede nem mesmo em prol do Juizado Especial do Torcedor – que,
em verdade, pela organização judiciária do Estado do Rio de janeiro, consiste
em Adjunto de uma das Varas, ou seja, a 2ª Vara, da Regional da Ilha do Governador (cf. Resolução TJ-RJ/OE 20/201), ante os seguintes fundamentos:
a)
A competência de Vara Cível, unidade jurisdicional ordinária na
Organização Judiciária em geral, não pode ceder diante da competência de Juizado Especial, integrante, por mais especializado que
seja, de micro-sistema na organização judiciária, ainda mais quando não dotado de previsão judiciária estabelecida pela Lei de Organização Judiciária, mas apenas adjunto a uma das Varas Regionais,
cuja competência tenha sido separada por Resolução do Tribunal (e
não por Lei Estadual).
b)
A dificuldade sistemática não se supera pelo fato de o Juizado Especial do Torcedor em causa haver sido criado em obediência ao
art. 41-A, da Lei nº 10.671/2003, com a redação da Lei
nº 12.299/2010, pois, de qualquer forma, sempre se tratará de órgão
jurisdicional adjunto, instituído por Resolução do Tribunal de Justiça, e não por Lei de Organização Judiciária Estadual.
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
139
c)
Quando concorrem, no deslinde de competência, Vara Cível, que é
o mais, de competência mais ampla, com procedimento regido pelo
Código de Processo Civil, e Juizado Especial, de competência menor, com procedimento regido pela Lei nº 9.099/1995, prevalece a
competência da primeira, porque a competência deste, do Juizado
Especial, menos ampla, cabe na da Vara Cível, pena de o contrário
significar submissão de órgão jurisdicional de maior amplitude ao
de menor envergadura jurisdicional, com previsíveis questões subsequentes de ajustamento de atos processuais, abrindo-se ensejo,
inclusive, ao inevitável incidente de questionamento de competência recursal, no Juizado perante Colégio Recursal, e não perante o
próprio Tribunal de Justiça.
d)
O Juizado Especial em causa não se situa nos limites territoriais do
foro de domicílio do réu, assim entendido o local da sede da entidade, de modo que, a rigor, haveria maior dificuldade para todos
os participantes do processo e para o próprio Juízo, se deslocada a
competência para a Ilha do Governador – em que situado, como
Adjunto de Vara Cível, o Juizado Especial.
e)
O núcleo da controvérsia em causa não diz respeito, primariamente, a torcedor, mas, sim, e ao contrário, a acionamento do próprio
clube participante de certame (a Associação Portuguesa de Desportos) e a entidade organizadora e patrocinadora do evento (a Confederação Brasileira de Desportos), vindo, após, as ações movidas por
torcedores, em diversas Varas e Juizados Especiais, ao mesmo Juízo
devido à vis atractiva” do núcleo central da controvérsia – nutrida,
repita-se, entre o clube e a entidade organizadora do campeonato
acionada – não fazendo sentido julgar pelo contrário, isto é, que o
acionamento do Clube – que se ajuizou, aliás, em Vara Cível e não
em Juizado Especial, – fosse arrastado a Juizado Especial em virtude
de acionamento por torcedores.
f)
Atente-se a que a submissão da controvérsia, de grandes dimensões ao abranger conflito com cerca de uma centena de jurisdições
nacionais, muitas das quais Varas Cíveis regulares da organização
judiciária de diferentes Estados e não Juizados Especiais Cíveis, viria
a criar dificuldades insuperáveis de harmonização de lei processual
de regência (sistema geral do Código de Processo Civil, com seus
recursos, inclusive para os Tribunais Superiores, ou Lei de Juizados
Especiais Cíveis, micro-sistema com limitações recursais que lhes
são de rigor), de maneira que, ao final, a controvérsia, em lugar de
resolver-se, tenderia à perenização em infindável messe de incidentes processuais, especialmente recursais.
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26. Não entram na determinação da competência em exame a anterioridade ou não de datas de ajuizamento (a que retroagem as datas de citações
válidas) entre a 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca, determinada como Juízo provisório, e a do Juizado Especial do Torcedor – Adjunto à 2ª Vara da Ilha do
Governador – visto que a dirimência do conflito dá-se em função da própria
competência material de ambas as unidades jurisdicionais, com prevalência da
primeira, como acima exposto.
27. Pelo exposto, nos termos do art. 120, parágrafo único, do Código de
Processo Civil, conhece-se do Conflito e declara-se o Juízo da 2ª Vara Cível do
Foro Regional da Barra da Tijuca competente para processar e julgar as ações
conexas e todos os todos os processos referentes à controvérsia, ajuizados ou
que venham a ajuizar-se em qualquer dos Juízos ou Juizados Especiais, estaduais
ou federais, por clubes, entidades, instituições, torcedores – enfim, competente
para todo e qualquer processo em que se trate da matéria relativa ao julgamento
da Justiça Desportiva, órgão da Confederação Brasileira de Desportos, referentemente ao litígio em causa.
Ministro
Sidnei Beneti
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2014/0031220-4
Processo Eletrônico CC 132.438/RJ
Números Origem: 00000667620148260361
00004406420148190207 00004417820148260296
00007852620148260016 00008138920148190209
00047694420144013800 10005532720148260006
10010756320148260100 10013746720148260576
10020205020148260100 10029571820148260114
10031126320148260100 10042255220148260100
10063725120148260100 20057497620148260000
20079348720148260000 20158074120148260000
20158610720148260000 20158853520148260000
4406420148190207 4417820148260296 47694420144013800
667620148260361 7852620148260016 8138920148190209
Pauta: 11.06.2014
Julgado: 11.06.2014
Relator: Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão
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141
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Washington Bolívar de
Britto Júnior
Secretária: Belª Ana Elisa de Almeida Kirjner
AUTUAÇÃO
Suscitante: Confederação Brasileira de Futebol
Advogado: Alfredo Zucca Neto e outro(s)
Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da
Tijuca/RJ
Suscitado: Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP
Suscitado: Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes
Eventos do Rio de Janeiro/RJ
Interes.: Luiz Paulo Pieruccetti Marques
Advogado: Luiz Paulo Pieruccetti Marques (em causa própria) e outro
Interes.: Artur Monteiro Vieira
Advogado: Daniel Amorim Assumpção Neves e outro(s)
Interes.: ABC – Associação Brasileira do Consumidor
Advogado: Rodrigo Rodrigues de Castro e outro(s)
Interes.: Bruno Henrique Capelo
Advogado: Bruno Henriques Capelo (em causa própria) e outro
Interes.: Daniel Jose de Souza
Advogado: Jonathan Celso Rodrigues Ferreira
Interes.: Ricardo Santos Moraes de Burgos
Advogado: Breitner de Oliveira Martins e outro(s)
Interes.: Renato Mota de Avo
Interes.: Mario Artemio Urchei
Advogado: Rivadavio Anadão de Oliveira Guassu
Interes.: Delmiro Aparecido Goveia
Advogado: Delmiro Aparecido Goveia (em causa própria)
Interes.: Cristiano Abdanur São Bento
Advogado: Cristiano Abdanur São Bento (em causa própria)
Interes.: Renato de Britto Azevedo
142 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Advogado: Maria de Fatima de Lauri Gonçalves Ribeiro
Interes.: Victor Campos
Assunto: Direito do Consumidor
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia Segunda Seção, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito de competência e declarou
competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da
Tijuca competente para processar e julgar as ações conexas e todos os todos os
processos referentes à controvérsia, ajuizados ou que venham a ajuizar-se, por
clubes, entidades, instituições, torcedores – enfim, para todo e qualquer processo
em que se trate da matéria relativa ao julgamento da Justiça Desportiva, órgão da
Confederação Brasileira de Desportos, referentemente à matéria, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel
Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e
João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra
1135
Tribunal Superior do Trabalho
Processo nº TST-AIRR-431-83.2010.5.15.0020
Acórdão
6ª Turma
ACV/PC
AGRAVO DE INSTRUMENTO – LEI PELÉ – ÔNUS DA PROVA – INICIATIVA DA RESCISÃO DE
CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO – MULTA – DESPROVIMENTO – Diante do óbice
das Súmulas nºs 126, 296 e 337, I, a, desta c. Corte e da ausência de violação dos
dispositivos invocados, não há como admitir o recurso de revista – Agravo de
instrumento desprovido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em
Recurso de Revista nº TST-AIRR-431-83.2010.5.15.0020, em que é Agravante Fernando Wellington Oliveira de Mendonça e Agravada Americana Futebol
Ltda.
Agravo de instrumento interposto com o fim de reformar o r. despacho
que denegou seguimento ao recurso de revista.
Houve apresentação de contraminuta e de contrarrazões.
O d. Ministério Público do Trabalho não emitiu parecer.
É o relatório.
VOTO
I – CONHECIMENTO
Conheço do agravo de instrumento, uma vez que se encontra regular e
tempestivo.
II – MÉRITO
Atleta. Ônus da prova. Iniciativa da rescisão de contrato por prazo determinado. Multa
Eis o entendimento do eg. TRT sobre a questão:
144 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
“A MM. magistrada sentenciante houve por bem em rejeitar os referidos pedidos
postulados na presente ação, sob os precisos fundamentos explicitados na r. sentença, os quais merecem destaque e transcrição:
‘Verbas rescisórias
O TRCT juntado a fls. 90, subscrito pelo reclamante, atesta o pagamento dos
títulos rescisórios lá descritos. Referida quitação foi corroborada pela declaração de fls. 95 escrita de próprio punho pelo requerente.
Conquanto o autor tenha impugnado os referidos documentos, ao argumento
de que teria sido coagido pela ré a subscrevê-los e que recebeu apenas parte
da rescisão, não logrou comprovar a sua versão dos fatos a contento.
De notar que a testemunha inquirida não confirmou o depoimento pessoal
do autor, porquanto afirmou ter subscrito o termo de extinção do contrato de
trabalho quando de sua admissão, situação que não mantém similitude com
o relato inicial.
Por não infirmada por prova eficaz em contrário, prevalece a quitação consubstanciada a fls. 90, ratificada pelo postulante a fls. 95.’
(Omissis)
‘Multa do art. 479 da CLT/Multa contratual/Cláusula penal
Aduz o autor que a ré procedeu à rescisão antecipada do contrato de trabalho, razão pela qual pretende a aplicação das penalidades previstas no
art. 479 da CLT e nas cláusulas 8.1 e 8.2 do contrato de trabalho, bem como
cláusula penal lá estipulada.
Não há como acolher a pretensão, tendo em vista que o termo de extinção de
contrato de trabalho juntado às fls. 91/92, devidamente subscrito pelo reclamante, consigna expressamente que este manifestou interesse em desligar-se
da reclamada, que consentiu com a ruptura antecipada do contrato em 10
dias.
De ponderar que o requerente não fez menção ao termo de extinção do contrato de trabalho em sua petição de ingresso, não tendo denunciado eventual
vício de consentimento na subscrição do documento.
A testemunha inquirida, de outra parte, não se mostrou apta a convalidar a
versão dos fatos descrita em depoimento pessoal pelo autor, já que afirmou
ter assinado o termo de extinção de contrato de trabalho no momento de sua
admissão, versão divorciada da descrita pelo autor em depoimento.
Pelo exposto, não procedem as pretensões.
Indenização por danos morais
Restou comprovado nos autos que o contrato de trabalho foi rompido antecipadamente para atender ao interesse do autor, com o qual a ré não se opôs.
É o que se depreende do documento juntado às fls. 91/92, não informado por
prova em contrário.
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Diante disso, tem-se por injustificada a reparação pretendida.’
Não obstante o brilhantismo com que foram solvidas as matérias em debate,
ouso divergir da r. decisão monocrática no que tange ao pagamento das verbas
rescisórias postuladas na prefacial.
Pois bem, entendeu o Juízo de origem que a declaração de fl. 95, escrita de próprio punho pelo recorrente, corrobora a quitação dos haveres rescisórios discriminados no TRCT de fl. 90, devidamente assinado pelo recorrente.
Ocorre que a declaração de fl. 95 foi produzida e subscrita pelo recorrente em
data coincidente com a rescisão antecipada do contrato de emprego por prazo
determinado firmado entre as partes, ou seja, 28.04.2009, e a data de recebimento das verbas rescisórias que consta no TRCT de fl. 90 é 29.07.2009, isto é, três
meses após a ruptura contratual levada a efeito.
E, como bem invocado pelo recorrente, não há nos autos qualquer documento
comprobatório do pagamento dos títulos rescisórios elencados no referido TRCT,
o que seria de rigor, não se desincumbindo a recorrida do ônus probatório que
lhe competia a respeito (art. 818 da CLT c/c art. 333, II, do CPC).
De se ressaltar, entretanto, que o recorrente, em seu depoimento pessoal, confirmou o recebimento tão somente do saldo salarial relativo ao mês de abril de
2009, no importe líquido de R$ 4.000,00 (fl. 42).
De outra parte, em relação às multas decorrentes da ruptura contratual, nenhum
reparo merece o capítulo da sentença retro transcrito que tratou sobre o tema.
Com efeito, não há como fornecer a credibilidade necessária ao depoimento
prestado pela única testemunha inquirida nos autos, a trazida pelo próprio recorrente, a fim de embasar a procedência dos pedidos em questão, já que se revela
nítido o seu intuito único de apenas beneficiá-lo, pois as declarações proferidas
por ela em relação aos moldes em que se deu a extinção antecipada do contrato
de emprego sequer foram noticiadas pelo autor em prefacial, muito menos em
seu depoimento pessoal, não possuindo, portanto, isenção de ânimo para depor.
Ora, era do recorrente o ônus de comprovar o fato constitutivo dos direitos ora
perseguidos, nos termos do art. 818 da CLT c/c art. 333, I, do CPC.
No entanto, diante da fragilidade da prova oral produzida e da eficácia probatória da prova documental encartada com a peça defensiva (mais precisamente
o termo de ruptura contratual de fls. 91/92), que em nenhum momento restou
enfraquecida ou maculada, de se concluir que o recorrente não se desvencilhou
do encargo processual que lhe cabia.
De modo que não há como acolher a pretensão recursal referente à multa contratual, à multa disposta no art. 479 da CLT e à cláusula penal, motivo pelo qual
mantenho o julgado de origem, no particular, por seus próprios fundamentos.
Por via de consequência, diante do quanto decidido, não há falar em indenização por dano moral, eis que a força probante do documento de fls. 91/92 não
restou infirmada por prova em contrário. Demais, em suas razões recursais, vem
o recorrente invocar causa de pedir diversa da explicitada na peça proemial a
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amparar a indenização pretendida, inovando a lide, o que não pode ser permitido, diante do princípio da estabilização da demanda.
Portanto, dou parcial provimento ao apelo do autor para condenar a recorrida ao
pagamento do salário trezeno proporcional e das férias proporcionais acrescidas
do terço constitucional especificados no TRCT de fl. 90.”
Nas razões do recurso de revista, o reclamante sustenta ser devida a multa da cláusula penal tratada no art. 28 da Lei nº 9.615/1998, e a do art. 479 da
CLT, ao fundamento de que a iniciativa da ruptura do contrato partiu da reclamada, sendo o vício de consentimento ventilado na primeira oportunidade em
que teve acesso ao documento. Aponta violação dos arts. 9º e 479 da CLT e 28,
caput e parágrafos, da Lei nº 9.615/1998.
O eg. Tribunal Regional entendeu, com relação ao vício na ruptura contratual, que não há como fornecer a credibilidade necessária ao depoimento
prestado pela única testemunha inquirida nos autos, trazida pelo próprio reclamante, a fim de embasar a procedência dos pedidos em questão, já que se
revela nítido o seu intuito único de apenas beneficiá-lo, pois as declarações
proferidas por ela em relação aos moldes em que se deu a extinção antecipada do contrato de emprego sequer foram noticiadas pelo autor na inicial, não
possuindo, portanto, isenção de ânimo para depor. Nessa esteira, consignou
que o reclamante não se desincumbiu do ônus de comprovar o fato constitutivo
do direito perseguido, já que não foi desconstituída a força probante do termo
de ruptura contratual apresentado pela reclamada, de iniciativa do reclamante.
O contexto delineado pelo eg. Tribunal Regional não permite verificar
fraude a direitos trabalhistas, de forma que é indevido o pagamento de multa
pela rescisão. Permanecem intactos os arts. 9º e 479 da CLT.
Foi afirmado ainda que a rescisão do contrato se deu por iniciativa do
reclamante, circunstância que não lhe confere direito à cláusula penal do
art. 28 da Lei nº 9.615/1998. Somente quando a rescisão antecipada se dá por
iniciativa do empregador que é devida ao atleta a multa prevista no art. 31 da
referida lei, nos termos do art. 479 da CLT. Intacto o art. 28, caput e parágrafos,
da Lei nº 9.615/1998.
Nesse sentido:
“RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA – ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007 – CLÁUSULA PENAL
– LEI PELÉ – RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO POR INICIATIVA DA
ENTIDADE DESPORTIVA – INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA DA NORMA – Esta
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST já se debruçou sobre a
matéria, cuja relevância e complexidade exigiram percuciente estudo, decidindo
no sentido de que a cláusula penal, prevista no art. 28 da Lei nº 9.615/1998, se
destina a indenizar a entidade desportiva, em caso de extinção contratual por ini-
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ciativa do empregado, em razão do investimento feito no atleta. Na hipótese de
rescisão antecipada do contrato, por parte do empregador, cabe ao atleta a multa
rescisória referida no art. 31 do mesmo diploma legal, na forma estabelecida no
art. 479 da CLT. Precedentes da SDI-I/TST. Recurso de embargos conhecido e
não provido.” (E-RR – 190500-95.2007.5.12.0041, Relª Min. Rosa Maria Weber,
Data de Julgamento: 15.09.2011, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 23.09.2011)
Os arestos oriundos do eg. TRT da 3ª Região trazidos a confronto são
inespecíficos, a teor da Súmula nº 296/TST, pois tratam de casos em que a iniciativa da ruptura contratual foi do empregador.
Os demais arestos esbarram no óbice da Súmula nº 337, I, a, desta c.
Corte, por estarem desacompanhados da fonte oficial de publicação.
Nego provimento.
ISTO POSTO
Acordam os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho,
por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.
Brasília, 30 de abril de 2014.
Firmado por assinatura eletrônica (Lei nº 11.419/2006)
Aloysio Corrêa da Veiga
Ministro Relator
Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra
1136
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
Órgão: 6ª Turma Cível
Classe: Apelação
Nº processo: 20130110832755APC
(0021414-31.2013.8.07.0001)
Apelante(s): Federation Internationale de Football Association – FIFA
Apelado(s): Felipe Guths
Relatora: Desembargadora Ana Cantarino
Revisor: Desembargador Jair Soares
Acórdão nº 802298
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL – COPA DAS CONFEDERAÇÕES – FIFA – REGRA PARA TRANSFERÊNCIA DE
INGRESSOS – ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA
1. O Código de Defesa do prevê a nulidade de pleno direito de cláusulas
iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
2. A vedação da transferência de ingressos, mesmo mediante complementação do valor, mostra-se abusiva.
3. Em razão princípio da causalidade, a parte que deu causa ao processo deve arcar com o pagamento das custas processuais e honorários da
parte adversa.
4. Nas causas de pequeno valor, os honorários serão fixados consoante
apreciação equitativa do juiz, atendido o grau de zelo do profissional;
o lugar de prestação do serviço; a natureza e importância da causa, o
trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
5. Recurso conhecido e provido parcialmente.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Ana Cantarino – Relatora, Jair Soares
– Revisor, José Divino – 1º Vogal, sob a presidência do Senhor Desembargador
Jair Soares, em proferir a seguinte decisão: conhecido.
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Provido parcialmente. maioria, vencido o primeiro vogal, de acordo com
a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília/DF, 9 de Julho de 2014.
Documento assinado eletronicamente
Ana Cantarino
Relatora
RELATÓRIO
Trata-se de recurso contra sentença que, nos autos da ação de obrigação de fazer, julgou procedente o pedido para, confirmando a antecipação de
tutela, condenar a ré, ora apelante, a transferir definitivamente o ingresso Categoria 2, para a partida de abertura da Copa das Confederações da FIFA Brasil
2013, adquirido por R$ 95,00, o qual seria utilizado por Edi Domencio Nardini,
para o Sr. Guilherme Meirelles da Mota de Figueiredo Gaudêncio. Condenou a
ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em
R$ 500,00 (quinhentos reais).
Preliminarmente, defende a inexistência de interesse de agir, diante da
perda do objeto, tendo em vista que as partes firmaram acordo, onde o apelado
deu quitação plena à apelante.
No mérito, sustenta que todas as atividades operacionais do processo
de venda de ingressos estão em conformidade com os acordos firmados entre
a FIFA e o governo federal. Defende que a transferência de ingressos somente
pode ser feita para alguém que goze do mesmo privilégio. Assim, no caso em
comento, tendo em vista que o ingresso foi adquirido para pessoa idosa, somente poderia ser transferido para quem comprovasse a mesma condição.
Por fim, sustenta ser descabido o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, tendo em vista que quem deu causa ao ajuizamento da
demanda foi o próprio apelado, uma vez que a apelante agiu em estrita conformidade com a Política de Transferência e Revenda de ingressos.
Alternativamente, pugna pela minoração do valor da verba honorária.
Dispensada do recolhimento do preparo, por força do disposto na Lei
nº 12.663/2012.
Em sede de contrarrazões (fls. 231/237), o apelado pugna pela manutenção da sentença.
É o relatório.
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VOTOS
A Senhora Desembargadora Ana Cantarino – Relatora:
Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, dele conheço.
Preliminarmente, não prospera a argüição de falta de interesse de agir,
vergastada pela ora apelante, no sentido de que o acordo firmado entre as partes
teria acarretado a perda do objeto da demanda.
Segundo preleciona Humberto Theodoro Júnior (in Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. Editora Forense, v. I, p. 78/79), “o interesse de agir, que é
instrumental e secundário, surge da necessidade de se obter através do processo
a proteção ao interesse substancial. Entende-se dessa maneira, que há interesse
processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta
que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos
jurisdicionais. Localiza-se o interesse processual não na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto a aplicação do direito
objetivo no caso concreto”. (g.n.)
No presente caso, diante da negativa da apelante em realizar a troca de
ingressos, o apelado necessitou recorrer ao Judiciário para ver assegurada a sua
pretensão.
Observa-se, ainda, que o feito perde seu objeto no momento em que
a tutela jurisdicional pretendida já não é mais necessária para o exercício da
pretensão narrada na inicial, o que não se confunde com concessão de antecipação de tutela.
In casu, o apelado somente pode realizar a troca dos ingressos mediante
o deferimento da antecipação de tutela (fls. 23/23-verso e 30).
Sendo assim, tenho que o pedido não restou prejudicado, que deverá ser
confirmado ou não no julgamento do mérito da demanda.
Rejeito a preliminar.
No mérito, melhor sorte não socorre à apelante.
Transferência da titularidade
O apelado efetuou a compra de um ingresso de idoso, beneficiado com
o valor da “meia entrada”. Diante da impossibilidade de comparecimento do
titular do ingresso, solicitou a transferência para um indivíduo que não faria jus
a meia entrada, mediante a complementação do valor.
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Com efeito, segundo a Política de Transferências e Revenda de Ingressos,
somente é possível a mudança da titularidade de ingresso de “meia entrada”
para outro individuo titular do mesmo benefício (item 13 – fl. 150).
Por certo que a tal norma visa evitar que aqueles que fazem jus ao benefício, repassem a outros que não possuem o desconto.
Ocorre que no caso dos autos, o apelado requereu a transferência da titularidade do ingresso para alguém que não faria jus ao desconto, mas mediante
a complementação do valor, ou seja, não estaria burlando a regra, querendo se
beneficiar com o desconto. Ao contrário, a instituição apelante em nada teria
prejuízo, pois o ingresso que antes deveria ser vendido com o desconto, agora
seria vendido por seu valor integral.
O Código de Defesa do Consumidor que contém normas de ordem pública, dentre as quais o inc. IV do art. 51, que prevê a nulidade de pleno direito
de cláusulas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Assim, a regra estabelecida pela apelante, ao não permitir a transferência
da titularidade do ingresso, ainda que mediante a complementação do valor,
mostra-se abusiva e contrária aos preceitos das regras consumeristas, devendo
a r. sentença ser confirmada.
Ônus de sucumbência
Em razão do princípio da causalidade, a parte que deu causa ao processo deve arcar com o pagamento das custas processuais e honorários da parte
adversa.
Por outro lado, o processo não pode reverter em dano ao injustamente
demandado.
Ocorre que no caso dos autos, foi a apelante/requerida quem deu causa
ao ajuizamento da demanda, diante da negativa de transferência de ingressos,
apesar das tentativas do apelado em resolver amigavelmente o conflito.
Impende destacar que as regras referentes à transferência de ingressos
foram impostas pela própria requerida. Não decorrem, portanto, de nenhuma
norma legal, ou seja, a apelante estava cumprindo o disposto em normas por ela
mesma estabelecidas, que, conforme dito alhures, na situação posta, mostram-se abusivas.
Em suma, seja pelo princípio da sucumbência, decorrente da procedência do pedido; seja pelo princípio da causalidade, decorrente da necessidade
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do ajuizamento da demanda, é de ser mantida a sucumbência definida na sentença.
Passo ao exame quantum fixado a título de honorários.
O § 4º do art. 20, do CPC, estabelece que nas causas de pequeno valor,
os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendido
o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e
importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido
para o seu serviço.
Assim, apesar do valor da causa ser de R$ 95,00 (noventa e cinco reais),
não poderia o julgador fixar os honorários em face desse valor, sob pena de
aviltar o trabalho desenvolvido pelo advogado, que no caso dos autos, funciona
em causa própria.
Desse modo, entendo que o valor de R$ 300,00 (trezentos reais), melhor
se amolda aos preceitos do art. 20, § 3º, do CPC.
Forte nessas razões, dou parcial provimento para fixar o valor dos honorários de sucumbência em R$ 300,00 (trezentos reais).
É como voto.
O Senhor Desembargador Jair Soares – Revisor:
O cumprimento da tutela antecipada não acarreta a perda superveniente
do interesse de agir, máxime porque, na hipótese, a transferência do ingresso só
ocorreu por força de determinação judicial, necessitando de confirmação por
sentença.
Nesse sentido, precedentes desse Tribunal:
“AÇÃO DECLARATÓRIA – COBRANÇA INDEVIDA DE ENCARGOS REFERENTE A AUTOMÓVEL NÃO PERTENCENTE AO AUTOR – RECONHECIMENTO
ADMINISTRATIVO APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO – INOCORRÊNCIA DE
PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PARTE AUTORA REPRESENTADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA EM
FACE DO DETRAN/DF
O interesse de agir está presente não somente na utilidade da ação, mas também
na necessidade do processo como remédio apto a fornecer ao autor a declaração
de inexistência de débitos para como Detran/DF. Ademais, é sabido que o deferimento de tutela antecipada não acarreta a perda do objeto ou a do interesse de
agir, justamente porque necessita ser confirmada no mérito da ação.
Os honorários advocatícios, nas ações patrocinadas pela Defensoria Pública,
destinam-se ao próprio Estado, não podendo, por isso, ser atribuído ao Detran/DF
o ônus decorrente de condenação em causa patrocinada por Defensor Público,
sob pena de confusão entre credor e devedor (Enunciado nº 421 da Súmula da
Corte Superior).
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Recurso provido parcialmente. Unânime.”
(Acórdão nº 701511, 20090111765507APC, Rel. Otávio Augusto, Revisor:
Mario-Zam Belmiro, 3ª T.Cív., Data de Julgamento: 10.07.2013, Publicado no
DJe: 19.08.2013, p. 113 – grifou-se)
“PROCESSUAL CIVIL – CONSTITUCIONAL – AÇÃO DE CONHECIMENTO –
PRELIMINAR – INTERESSE DE AGIR – AFASTAMENTO – INTERNAÇÃO – UTI
NEONATAL – DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE – DEVER DO ESTADO
I – A pretensão somente foi satisfeita por força de decisão judicial, dependente
de confirmação na sentença de mérito. Preliminar de falta de interesse de agir
afastada.
II – A saúde é direito de todos e dever do Estado. Inteligência dos art. 196 da
CF/88 e arts. 204, 205 e 207 da Lei Orgânica do Distrito Federal.
III – A eventual carência de recursos não constitui óbice à garantia constitucionalmente conferida a cada cidadão.
IV – Negou-se provimento ao recurso voluntário e à remessa oficial.”
(Acórdão nº 287477, 20060110373483APC, Rel. José Divino de Oliveira, Revisor: Ana Maria Duarte Amarante Brito, 6ª T.Cív., Data de Julgamento: 17.10.2007,
Publicado no DJU Seção 3: 22.11.2007, p. – grifou-se)
Tratando-se de contrato de compra e venda de ingressos para espetáculo,
a relação entre as partes é de consumo, porquanto o adquirente é o destinatário
final do produto oferecido ou do serviço prestado pela vendedora, qual seja,
exibição de jogo de futebol (CDC, arts. 2º e 3º).
Por certo, o contrato de compra e venda de ingresso para jogo de futebol,
de adesão, impossibilita ao consumidor verificar e discutir suas cláusulas, que
podem ser abusivas.
Anota Cláudia Lima Marques que “A abusividade nas cláusulas é violação de um dever de conduta (anexo, acessório ou principal) imposto pela boa-fé
ou é a autorização contratual para uma prática que viole a boa-fé objetiva, que
deve guiar todas as condutas dos fornecedores perante os consumidores” (in
Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações
contratuais. 4. ed. Revista dos Tribunais, p. 788).
Cláusula abusiva é a que, violando a boa-fé objetiva, provoca desequilíbrio contratual e desvantagem exagerada para uma das partes. É aquela que,
estipulando obrigações iníquas, coloca o consumidor em desvantagem exagerada, acarretando desequilíbrio contratual.
O apelado comprou ingresso para sua avó que, idosa, gozava do benefício de meia-entrada. Como a idosa, por problema de saúde, não poderia com-
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parecer ao jogo, o apelado solicitou a transferência do ingresso à pessoa que
não gozava do mesmo benefício, mediante complementação do valor.
Sustenta a apelante que a transferência só pode ser feita para pessoa que
também goze do benefício de meia-entrada. Tal política visa evitar a ação de
cambistas e o repasse desses ingressos a pessoas que não gozem do mesmo
benefício.
Os ingressos são disponibilizados em mesma quantidade para pessoas
que gozem ou não do benefício de meia-entrada. E aqueles que pagam o valor
integral podem transferi-los para convidados.
A transferência de ingressos comprados pelo valor integral é permitida.
Assim, deve-se permitir a transferência de ingresso de meia-entrada para pessoas que não gozem do mesmo benefício, desde que paga a complementação
do valor.
O pagamento da diferença não traz prejuízo para a apelante, que, se
antes recebeu metade do valor do ingresso, agora recebe seu valor integral. E
o apelado não será beneficiado pelo desconto conferido à idosa, pois pagará a
complementação do valor.
Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que
não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão
fixados consoante a apreciação equitativa do juiz, atendidos o grau de zelo
do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da
causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço
(art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC).
O valor da causa, R$ 95,00, é pequeno. Aplicável os §§ 3º e 4º do
art. 20 do CPC.
Honorários fixados em R$ 500,00 reclamam redução. O valor de
R$ 300,00 remunera de forma condizente o trabalho realizado pelo causídico.
Dou provimento, em parte, e fixo os honorários em R$ 300,00 (trezentos
reais).
O Senhor Desembargador José Divino – Vogal:
Rogando vênia aos eminentes pares, tenho que os honorários arbitrados em
R$ 500,00 (quinhentos reais), ainda que o valor atribuído à causa seja ínfimo,
atende às diretrizes do § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil.
A nobre atividade do advogado não pode ser aviltada a ponto de os honorários
serem irrisórios. Com essas breves considerações, nego provimento ao recurso.
O Senhor Desembargador Jair Soares – Revisor:
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O valor de R$ 300,00 (trezentos reais) – e nem mesmo o de R$ 500,00
(quinhentos reais) – remunera de forma condigna o trabalho do advogado.
Ocorre que o autor da ação, para questionar ingresso no valor de
R$ 95,00 (noventa e cinco reais), preferiu ajuizar a ação numa vara cível, quando poderia ter ingressado nos Juizados Especiais.
Ao certo, ajuizou a ação em vara cível para que, procedente o pedido,
pudesse ter honorários em valor superior aquele que estava questionando.
Logo, devem os honorários ser fixados em proporção ao montante que
conseguiria o autor com a tutela pretendida.
DECISÃO
Conhecido. Provido parcialmente. Maioria, vencido o primeiro vogal.
Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra
1137
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Poder Judiciário
9ª Câmara de Direito Privado
Registro: 2014.0000410812
Voto nº 10326
Apelação nº 0001356-67.2011.8.26.0156
Comarca: Cruzeiro (2ª Vara Cível)
Juiz(a): Alexandre Yuri Kiataqui
Apelante/Apelado: José Gualberto dos Santos Filho
Apelado/Apelante: Bruno Pereira Mendes
AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL – ATLETA – PROCURAÇÃO E CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS – AGENTE – PROMESSA DE CONTRATAÇÃO POR CLUBE CARIOCA – FRUSTRAÇÃO –
POSSIBILIDADE DE RESCISÃO DA AVENÇA – TERMO INICIAL – CITAÇÃO NA CAUTELAR E NÃO
NA AÇÃO PRINCIPAL – DATA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA PELO AGENTE – APELAÇÃO DO RÉU
NÃO PROVIDA E APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA
1. Sentença que julgou procedente a ação de rescisão processual movida
por jogador de futebol em face de agente, declarando rescindido o vínculo obrigacional a partir da citação na demanda principal.
2. Outorga de procuração e assinatura de contrato de prestação de serviços. Promessa de contratação por famoso clube carioca. Frustração.
Possibilidade de rescisão da avença.
3. Termo inicial que deve ser a data da citação na cautelar em apenso, e
não apenas na ação principal. Ciência inequívoca do requerido naqueles
autos, em 18.04.2011.
4. Apelação do réu não provida, e apelação do autor parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000135667.2011.8.26.0156, da Comarca de Cruzeiro, em que é apelante/apelado José
Gualberto dos Santos Filho (justiça gratuita), é apelado/apelante Bruno Pereira
Mendes.
Acordam, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São
Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação do réu, e
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deram parcial provimento à apelação do autor. V.U.”, de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Mauro
Conti Machado (Presidente sem voto), Theodureto Camargo e Lucila Toledo.
São Paulo, 15 de julho de 2014.
Alexandre Lazzarini
Relator
Assinatura eletrônica
A r. sentença (fls. 171/174), cujo relatório adota-se, julgou procedente a
ação de rescisão contratual movida por Bruno Pereira Mendes, para desconstituir o vínculo jurídico havido com o réu, relativo ao contrato de prestação de
serviços de agenciamento e divulgação de atleta com clubes de futebol, a partir
da data da citação (12.04.2012), confirmando a liminar concedida na cautelar
inominada em apenso.
Referida tutela de urgência foi deferida para que o réu se abstivesse de
qualquer prática “que iniba possíveis contratações do autor com quaisquer clubes desportivos que lhe interessem, sendo certo que o autor poderá fazê-lo sem
a intermediação do réu”, sob pena de multa diária fixada em 10 salários mínimos por contrato perdido (fl. 30 do apenso).
Ambas as partes apelam.
Sustenta o réu que o contrato feito entre as partes é lícito, e não infringiu
qualquer legislação em vigor.
Destaca que o autor, à época, era menor de idade, e foi devidamente
“representado” por seus genitores.
Assim, postula a manutenção do contrato e a condenação do autor ao
pagamento de honorários advocatícios.
O autor, por sua vez, alega ter conhecido o réu em setembro/2010, o
qual lhe ofereceu proposta para ser seu agente de futebol, com a promessa de
contratação pelo Clube Vasco da Gama.
Afirma que, a pedido do réu, firmou procuração em cartório, e contrato
particular de prestação de serviços.
Com autorização de seus pais, aduz ter viajado para o Rio de Janeiro com
o réu, sendo que no período de 2 semanas, ficou hospedado na casa do agente,
conheceu a cidade, e o Clube.
158 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Todavia, como não houve processo seletivo, nem contratação, voltou
para sua cidade.
Sustenta que o réu apenas quis se beneficiar com o talento do recorrente,
que, na época da propositura da ação, contava com apenas 16 anos e passou
a atuar no Guarani Futebol Clube após o deferimento da tutela de urgência na
cautelar.
Ressalta ter revogado o mandato em 22.11.2010, do que o réu tomou
ciência através de “A.R.” (fl. 27).
Pretende que a rescisão do contrato seja determinada a partir de
25.11.2010, ou do deferimento da tutela antecipada na cautelar (17.01.2011),
ou da citação relativa à cautelar (18.04.2011).
Recursos regularmente processados.
Contrarrazões às fls. 226/231 e 233/236.
Tendo em vista que o autor completou a maioridade no curso do processo, o Ministério Público cessou sua intervenção (fl. 167).
É o relatório.
I) Em que pese o inconformismo deduzido pelo réu, seu recurso não
comporta provimento.
Isso porque, observa-se pelas alegações constantes dos autos, e pela prova testemunhal produzida (fls. 120/125), que o contrato particular de prestação
de serviços (fl. 21) e a procuração (fl. 19), foram subscritos pelo autor (à época
assistido por seus genitores, eis que era menor púbere), diante da promessa de
contratação pelo Clube Vasco da Gama.
E, muito embora o contrato não tenha sido específico quanto à tal obrigação, é possível constatar que a redação da cláusula 5ª alimentava a expectativa
do autor e seus pais quanto à efetiva contratação pelo referido Clube:
“Cláusula 5ª. Da venda do atleta do Clube de Regatas Vasco da Gama para qualquer outro clube no Brasil ou exterior, fica acordado que o Contratante tem direito a 30%, sendo distribuído da seguinte forma: 20% para o Contratante, 10%
para o Contratado.” (fl. 21)
Como se vê, até mesmo já havia sido pactuada a distribuição de lucros
para uma posterior venda do atleta, pelo Vasco da Gama, a outro clube nacional ou internacional.
Nesse diapasão, e como restou frustrada a expectativa depositada no
contrato e na outorga de poderes pelo autor, não há como se afastar a possibilidade de rescisão unilateral da avença.
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
159
Por tal motivo, não vinga a resistência ofertada pelo réu.
II) Resta analisar, então, a partir de quando se dá o encerramento da relação jurídica havida entre as partes.
Nesse aspecto, correta a interpretação dada pelo MM. Juiz de origem, no
sentido de que o autor não comprovou o recebimento da notificação extrajudicial pelo réu.
Com efeito, o documento de fl. 22 dos autos principais (fl. 26 da cautelar)
não contém qualquer assinatura, e o documento de fl. 23 (fl. 27 da cautelar) se
trata de mero comprovante de postagem, mas que não demonstra o recebimento pela parte notificada.
Também não foi juntado aos autos o comprovante de recebimento.
Assim, não há como se fixar o termo inicial em novembro/2010.
Todavia, tendo em vista que foi a partir da citação na cautelar que o requerido tomou efetiva ciência da intenção do autor, deve-se considerar como
rescindida a relação obrigacional a partir de 18.04.2011 (fl. 45 do apenso) e não
a partir da citação na demanda principal.
Vale anotar que os mesmos documentos que instruem a ação principal
foram juntados na cautelar, de modo que a rescisão deve ser considerada a
partir do primeiro ato citatório.
III – Conclusão
Diante dos fundamentos acima expostos:
–
o apelo do réu não comporta provimento, e
–
dá-se parcial provimento à apelação do autor, para se considerar
rescindido o vínculo obrigacional existente entre as partes a partir
de 18.04.2011.
No mais, inclusive no que tange à distribuição dos ônus da sucumbência,
fica mantida a r. sentença, tendo em vista que eventual execução observará os
benefícios da justiça gratuita concedidos ao réu.
Isso posto, nega-se provimento à apelação do réu, e dá-se parcial provimento à apelação do autor.
Alexandre Lazzarini
Relator
(assinatura eletrônica)
Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra
1138
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo
Poder Judiciário
Gab. Desemb. – William Couto Gonçalves
7 de julho de 2014
Mandado de Segurança nº 0004228-34.2014.8.08.0000
Requerente: Andre Arruda Lobato Rodrigues Carmo
Autoridade coatora: Secretário de Estado de Esportes e Lazer
Relator: Des. William Couto Gonçalves
RELATÓRIO
VOTOS
O Sr. Desembargador William Couto Gonçalves (Relator):
RELATÓRIO
Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado
por André Arruda Lobato Rodrigues Carmo contra ato do Secretário de Estado
de Esportes e Lazer, que, através da Portaria nº 102-S, publicada no dia 21 de
outubro de 2013, deixou de incluí-lo no rol dos agraciados à percepção de incentivo ao qual entendia ter direito.
O Impetrante afirma que, não obstante tenha preenchido todos os requisitos do Edital nº 0020/2013, não foi contemplado a receber incentivo econômico – Bolsa-Atleta – destinado aos atletas de alto rendimento esportivo concedido pelo Governo do Estado do Espírito Santo, por meio da Secretaria de Estado
de Esportes e Lazer, o que teria lesado seu direito líquido e certo.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 25-77.
A liminar pleiteada foi indeferida como se vê às fls. 81-85.
O Sr. Secretário de Esportes e Lazer do Estado do Espírito Santo (fls. 94-102)
prestou as seguintes informações: 1º) o Impetrante não cumpriu o requisito exigido no item 4.2.1 do Edital nº 0020/2013, posto que não representou o Estado
do Espírito Santo nas competições em que conseguiu os resultados apresentados; 2º) o que o art. 5º da Lei Estadual nº 9.366/2009 está afastando é o vínculo
contratual, empregatício ou estatutário entre o atleta e o estado, o que não
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
161
prejudica a representação do estado em competições; 3º) seria uma contradição
um atleta receber incentivo econômico do Estado do Espírito Santo e representar o Estado do Rio de Janeiro; 4º) a Administração pode escolher os melhores
atletas classificados em cada modalidade.
Parecer da Procuradoria de Justiça (fls. 105-108) opinando pela denegação da segurança.
Relatoriei.
Sem revisão por força de lei.
Peço dia para julgamento.
Vitória, ES, em 06 de maio de 2014
Desembargador William Couto Gonçalves
Relator
VOTO
Como relatoriado, trata-se de Mandado de Segurança por meio do qual
o Impetrante se insurge contra ato do Secretário de Estado de Esportes e Lazer,
que, através da Portaria nº 102-S, publicada no dia 21 de outubro de 2013,
deixou de incluí-lo no rol dos agraciados à percepção de incentivo econômico
denominado bolsa-atleta, ao qual entendia ter direito.
Sabe-se que o Mandado de Segurança é ação constitucional que objetiva resguardar direito líquido e certo, violado por ato abusivo de autoridade
pública.
Acerca do tema destaca-se as seguintes lições doutrinárias:
“Direito líquido e certo” significa apenas a possibilidade de demonstração, em
tese, da ilegalidade ou abusividade do ato coator, sem necessidade de dilação
probatória, uma vez que esta se revela incompatível com a celeridade do procedimento especial do mandado de segurança.
Nessa linha preciosa a lição de José Carlos Barbosa Moreira:
Para fins de mandado de segurança, para a feição do cabimento desse remédio,
trata-se de saber se os fatos, ou o fato de que se originou o alegado direito, comportam, ou não, a demonstração mediante apresentação apenas da prova documental pré-constituída. É esse o sentido último, é esse o resultado final a que se
chega quando se analisa a exigência de que exista um direito líquido e certo. A
exigência é, na verdade, a de que o fato de que se afirma ter nascido esse direito
seja suscetível de comprovação mediante documento pré-constituído.
162 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
O direito que se busca proteger com a impetração do Mandado de Segurança deve vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e
condições para seu reconhecimento ao Impetrante. Caso sua existência seja
duvidosa, sua extensão ainda não esteja delimitada e seu exercício depender
de situações e fatos ainda indeterminados, não se pode conceder a segurança.
No caso em julgamento, alega o Impetrante possuir direito líquido e certo à percepção do benefício econômico denominado “Bolsa-Atleta”, instituído
pelo Estado do Espírito Santo como um incentivo aos atletas de alto rendimento
que representam o Estado em competições oficiais e que estejam em plena atividade esportiva.
O Edital nº 0020/2013, de abertura do processo seletivo para a concessão do Bolsa-Atleta, estabelece que o postulante do benefício deve apresentar,
dentre outros, os seguintes documentos:
Documentos específicos:
4.2.1 – Declaração da entidade Estadual (Federação) atestando que o
atleta participou, representando o Estado nos Campeonatos Brasileiros (modelo:
anexo IV):
a) Está regularmente inscrito junto a ela;
b) Está em plena atividade esportiva;
Neste aspecto, verifica-se que o Impetrante, a par de ter alcançado diversas conquistas esportivas merecedoras de todo o crédito e admiração, não
trouxe aos autos prova pré-constituída que demonstre a sua participação em
competições nas quais tenha representado o Estado do Espírito Santo, já que as
declarações constantes de fls. 47 e 49 não se prestam a tal fim.
Sabe-se que as declarações devem ser redigidas, datadas e assinadas pelo
declarante, sob pena de se comprometer sua existência jurídica, sua validade e,
consequentemente, sua eficácia.
Considerando que as declarações constantes de fls. 47 e 49 não foram
assinadas pelos supostos declarantes, não são aptas a comprovar que o Impetrante tenha representado o Estado do Espírito Santo em competições oficiais,
sendo que a primeira declaração sequer afirma tal fato, se limitando a descrever
os resultados obtidos pelo atleta no ato de 2012.
É certo que em concursos e em processos seletivos públicos não se pode
estabelecer restrições e requisitos desarrazoados ou discriminatórios. Contudo,
não é vedado o estabelecimento de restrições e limitações que guardem correspondência entre o limite imposto e o interesse público tutelado.
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
163
A exigência de que o postulante ao benefício tenha representado o Estado do Espírito Santo em campeonatos oficiais não se mostra desarrazoada ou
desproporcional, por se tratar de recursos econômicos que comprometem a
esfera orçamentária estadual.
Não seria razoável que um atleta que represente outro Estado da Federação receba um benefício financeiro que é destinado a fomento e incentivo ao
esporte no âmbito do Estado do Espírito Santo.
A Lei Estadual nº 9.366/2009, ao dispor em seu art. 5º que “A concessão
da Bolsa-Atleta Capixaba não gera qualquer vínculo entre os atletas beneficiados e a administração pública estadual”, não veda a exigência de que o atleta
tenha representado o Estado.
O dispositivo legal apenas ressalta que a concessão do benefício não
importa em estabelecimento de vínculo contratual ou trabalhista com o Estado
do Espírito Santo Ressalta-se que, tratando-se de processo seletivo público, as
cláusulas constantes no Edital obrigam candidatos e Administração Pública e,
não sendo a exigência desarrazoada deve prevalecer.
Desse modo, não se constata a existência de qualquer ato ilegal, abusivo
ou arbitrário, concluindo-se pela inexistência de direito líquido e certo a ser
amparado.
Do Exposto, denego a segurança.
Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios (art. 25 da
Lei nº 12.016/09, Súmula nº 105, do STJ e Súmula nº 512, do STF).
É como voto.
*
O Sr. Desembargador Annibal de Rezende Lima:
Voto no mesmo sentido.
*
O Sr. Desembargador Fabio Clem de Oliveira:
Voto no mesmo sentido.
*
O Sr. Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama:
Voto no mesmo sentido.
164 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
*
O Sr. Desembargador Carlos Simões Fonseca:
Voto no mesmo sentido.
*
O Sr. Desembargador Namyr Carlos de Souza Filho:
Voto no mesmo sentido.
*
DECISÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, Mandado de Segurança
nº 0004228-34.2014.8.08.0000, em que são as partes as acima indicadas,
Acorda o Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo (Primeiro Grupo Câmaras
Cíveis Reunidas), na conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que
integram este julgado, em, à unanimidade de votos, denegar a segurança, nos
termos do voto do eminente relator.
***
Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra
1139
Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região
Poder Judiciário
Justiça do Trabalho
Processo: 02555-2012-103-10-00-0-RO
Acórdão do(a) Exmo(a) Desembargador(a) Federal do Trabalho: Elke Doris Just
EMENTA
1 JOGADOR DE FUTEBOL – DIREITO DE IMAGEM – FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA –
NATUREZA SALARIAL
Verificado que o pagamento a título de cessão do direito de imagem
é uma tentativa de mascarar o verdadeiro salário percebido pelo reclamante, em fraude às leis trabalhistas, o valor pago àquele título deve ser
integrado ao salário para todos os efeitos legais.
2 JOGADOR DE FUTEBOL – CLÁUSULA COMPENSATÓRIA
A Lei nº 9.615/1998 tornou obrigatória tanto a cláusula indenizatória a
favor da entidade esportiva quanto a cláusula compensatória a favor do
atleta empregado – deixou ao arbítrio das partes apenas a fixação do valor das cláusulas – constando do contrato a pactuação da cláusula compensatória, a ausência de pactuação sobre o valor não pode ser oposta à
pretensão obreira quanto ao direito.
3 JOGADOR DE FUTEBOL – LUVAS – NATUREZA
As luvas desportivas são pagas a atletas pela assinatura do contrato em
razão do reconhecimento de seu desempenho antes da contratação pelo
clube que pretende incluí-lo em seus quadros. O instituto é oriundo do
direito comercial, pelo estabelecimento de um paralelo com o “fundo
de comércio”, valor do ponto comercial. Conforme jurisprudência do
TST, as luvas têm natureza salarial, não se confundindo com prêmios ou
indenizações. Recurso do reclamado e do reclamante conhecidos e não
providos. I.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores da Egrégia Segunda Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da Décima Região, conforme certidão de julgamento em
aprovar o relatório, conhecer dos recursos do reclamado e do reclamante e, no
mérito, negar-lhes provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.
166 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Brasília (DF), sala de sessões, 11 de junho de 2014.
Assinado digitalmente
Elke Doris Just
Desembargadora Relatora
RELATÓRIO
A Juíza Patricia Germano Pacifico, da 3ª Vara do Trabalho de Taguatinga/DF, proferiu sentença às fls. 168/174, julgando parcialmente procedentes os pedidos da inicial, reconhecendo a rescisão indireta do contrato e para
condenar o reclamado ao pagamento de verbas rescisórias e valor referente à
cláusula compensatória. Recurso do reclamado, às fls. 177/184, buscando a
reforma da sentença quanto à modalidade rescisória, integração no salário do
valor referente ao direito de imagem e cláusula compensatória. Recurso adesivo
do reclamante, às fls. 189/193, em que pretende a majoração do valor referente
à cláusula compensatória e pagamento de luvas. Contrarrazões pelo autor às
fls. 194/199; pelo reclamado, às fls. 206/208. Dispensada a remessa dos autos
ao Ministério Público do Trabalho nos termos do art. 102 do Regimento Interno
deste Regional. É o relatório. II.
VOTO
1 ADMISSIBILIDADE
1.1 O recurso do reclamado é tempestivo (fls. 175 e 177), com regular representação processual (fl. 117) e adequado preparo (fls. 185 e verso). Conheço
do recurso. 1.2 O recurso adesivo do reclamante também é tempestivo (fls. 188
e 189) e com regular representação (fl. 23). O reclamado alega em contrarrazões que o apelo obreiro não deve ser conhecido por ausência de efetiva contrariedade aos fundamentos da sentença. Não é o caso, uma vez que as razões
recursais logram contrapor-se adequadamente aos termos da decisão. Rejeito a
preliminar e conheço do recurso. 1.3 Por serem regulares e tempestivas, conheço das contrarrazões do autor e do reclamado.
2 ATLETA PROFISSIONAL – DIREITO DE IMAGEM (RECURSO DO RECLAMADO)
Alegou o reclamante na inicial que recebia, como jogador de futebol,
a remuneração mensal de R$ 15.000,00, sendo R$ 3.000,00 de salário fixo e
$ 12.000,00 a título de direito de imagem. Pediu a integração à remuneração
do valor recebido pelo direito de imagem, com o pagamento das diferenças das
verbas trabalhistas. O reclamado contestou o pedido sustentando que a verba
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
167
não possui natureza salarial porque decorre de contrato civil paralelo ao contrato de trabalho e inconfundível com este. Não se trataria de contraprestação
pelo serviço do atleta, mas de cessão da imagem do jogador ao clube. O Juízo
de origem deferiu a pretensão do obreiro fundamentado em que se trata de uma
remuneração para o empregado pelo uso de sua imagem e que o TST tem reconhecido que é uma verba decorrente do contrato de trabalho do atleta profissional. O recorrente reitera as alegações defensivas, sustentando que o contrato
do direito de imagem do jogador é específico e seu objeto não se confunde
com o contrato desportivo. Alega que a Lei nº 9.615/1998 (“Lei Pelé”) sofreu
modificações com a Lei nº 12.395/2011, ficando expressamente instituído que
o direito de imagem é de natureza cível, conforme consta do art. 87-A da Lei
nº 9.615/1998. Dispõe o art. 87-A da Lei nº 9.615/1998: O direito ao uso da
imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei
nº 12.395, de 2011). Sob o ponto de vista estritamente legal, referente à distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de cessão do direito de imagem,
procedem as alegações do recorrente. Formalmente, o contrato de cessão de
imagem do jogador, de fls. 41/42, atende aos ditames legais. Porém, é necessário verificar se o aspecto formal corresponde à realidade. Tal indagação se
faz necessária porque em inúmeros casos analisados por esta Corte envolvendo o reclamado constatou-se que o clube tem utilizado o contrato de imagem
para fraudar a legislação trabalhista. Os indicativos dessa fraude são: a grande
diferença entre o valor do salário e o da cessão da imagem; o pagamento ao
atleta de um valor fixo mensal pela cessão da imagem, sem qualquer vinculação
ao uso efetivo da imagem do jogador pelo clube; a ausência de utilização da
imagem do jogador ao longo do contrato. É também o que se verifica no caso
deste processo. O contrato anexado à fl. 38 comprova que as partes pactuaram
o salário em R$ 3.000,00. O contrato de cessão de imagem do jogador fixa,
na cláusula nº 2, o valor de R$ 12.000,00 mensais pela cessão da imagem ao
clube (fls. 41/42), ou seja, quatro vezes maior que o importe do salário. Não foi
apresentada pelo reclamado nenhuma prova de que o clube tenha utilizado a
imagem do reclamante em eventos publicitários ou contratos com terceiros. É
certo que o direito de imagem pode render ao atleta ganho bem mais alto que o
salário pago pelo clube. Mas, tal situação só se justifica se o clube também puder auferir com a imagem cedida valor compatível com o que paga ao atleta cedente. Essa é a lógica nesse tipo de negócio. Não há nenhum sentido em pagar
alto valor ao jogador sem utilizar a imagem, a não ser que o contrato de imagem
sirva apenas para encobrir o desvirtuamento salarial. Assim, o que se verifica
é a tentativa de mascarar o verdadeiro salário percebido pelo reclamante, em
fraude às leis trabalhistas. Nesse quadro, com fulcro no art. 9º da CLT, confirmo
a sentença que concluiu pela salarial da parcela “direito de imagem”. Preceden-
168 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
tes deste Regional em casos semelhantes: “ATLETA PROFISSIONAL – DIREITO
DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – Constatado o desvirtuamento do contrato de cessão do uso da imagem do atleta profissional, em flagrante fraude à
legislação trabalhista (art. 9º da CLT), na medida em que objetivou camuflar
o verdadeiro salário percebido pelo jogador de futebol, impõe-se reconhecer
a natureza salarial do valor pago a tal título” (RO 0868-2012-004-10-00-2,
Rel. Des. Ricardo Alencar Machado, Publicado em: 30.11.2012 no DEJT). [...]
3 DIREITO DE IMAGEM – PARCELA REMUNERATÓRIA – INSTITUTO DE NATUREZA CIVIL – LEGALIDADE DO CONTRATO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – DESVIRTUAMENTO – NATUREZA SALARIAL – O direito de imagem, enquanto direito da personalidade, está vinculado, não só à
imagem física, mas a todos os valores a ela agregados, como comportamentos
individuais e sociais, atitudes, capacidade de influenciar indivíduos e grupos,
etc. Mais se avultam estas características quando falamos em figuras públicas,
em especial, os atletas vinculados aos esportes de grande apelo social. Por tais
razões, o “valor” da imagem é personalíssimo, variando de atleta para atleta,
justificando-se, assim, a disparidade dos valores pagos pelo uso da imagem
para os mais diversos fins, em especial, publicitários. É ínsita a esta parcela
a característica da variabilidade remuneratória, pois, em regra, está vinculada a contratos diversos, com patrocinadores ou publicidades diversas. Em se
tratando de contrato de trabalho desportivo, por expressa disposição legal, o
direito de imagem possui natureza cível e não se integra ao contrato de trabalho
(art. 87-A, Lei nº 9.615/1998), exceto se houver deturpação de sua finalidade, razão pela qual impõe-se a averiguação de sua legalidade, sem que isto implique
em invasão de competência por esta Justiça Especializada. A par de suas características e finalidades, é incompatível com o direito de imagem a pactuação de
seu pagamento ao atleta, mês a mês, em valores fixos, por todo o pacto laboral,
porquanto este procedimento caracteriza fraude à legislação do trabalho, sendo
nula de pleno direito, por imperativa aplicação do art. 9º da CLT, razão pela
qual a parcela integra a remuneração do empregado atleta para todos os efeitos
legais. Recurso do reclamado desprovido. Recurso do reclamante parcialmente provido. (02164-2011-103-10-00-5 RO, 1ª T., Rel. Des. Dorival Borges de
Souza Neto, J. 08.05.2013. Publicado em 17.05.2013 no DEJT). Nego provimento ao recurso, no item.
3 MODALIDADE RESCISÓRIA (RECURSO DO RECLAMADO)
Sob a alegação de que o reclamado não pagou os três últimos salários,
nem efetivou o pagamento das luvas e da ajuda de custo de moradia, o autor postulou o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho. O
reclamado negou o atraso nos salários, firmando-se em que o contrato de trabalho estaria suspenso em decorrência do afastamento pela lesão sofrida pelo
autor. Aduziu que, em, 17.10.2012, o próprio reclamante procurou a direção
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
169
do clube para pedir a rescisão amigável do contrato diante da impossibilidade
física de cumprir as obrigações contratuais. Não obstante, o autor não mais teria
comparecido ao local de trabalho após esse dia. Assim, requereu o reconhecimento de que a rescisão ocorreu por iniciativa do obreiro, ante o desinteresse
do empregado em permanecer no clube. O Juízo de origem deferiu o pleito
inicial por constatar a ausência de provas das alegações patronais. O recorrente
insiste nas argumentações defensivas. Reitera que o reclamante não informou
ao clube que já se encontrava lesionado, não tendo o reclamado conhecimento
do histórico de lesões do autor. Assim, tendo na semana posterior à contratação
alegado problemas nos joelhos, foi encaminhado ao serviço médico e, com o
afastamento para o tratamento físico, o contrato foi suspenso, razão pela qual
não foram pagos os salários e as contribuições previdenciária e para o FGTS.
Por fim, teria sido feito o pedido pela rescisão por acordo, o que não se consumou porque o autor não mais compareceu ao clube. Como posto na sentença,
não há nos autos nenhum atestado médico do autor que comprove a suspensão
do contrato de trabalho. Também não há documento oriundo do INSS para justificar a alegação, nem foi demonstrado o pagamento dos primeiros quinze dias
conforme legislação previdenciária. Tampouco há prova de que o reclamante
tenha proposto um acordo para sair do clube. Em seu depoimento, o reclamante
negou que tenha tomado tal iniciativa (fl. 165). Quanto à alegação de que, ao
contratá-lo, o clube desconhecia o estado físico do jogador e seu histórico de
lesões, não se sustenta sequer ante o senso comum. Ademais, não foi produzida
prova pela reclamada de que tenha ocorrido tal vício na contratação. Logo,
também essa alegação não tem procedência. Assim, persistem as alegações iniciais de descumprimento contratual pelo reclamado, o que justifica o reconhecimento da rescisão indireta do contrato. Nego provimento.
4 CLÁUSULA COMPENSATÓRIA (RECURSO DO RECLAMADO)
O reclamante pugnou pelo pagamento das parcelas rescisórias decorrentes da rescisão indireta, além da multa compensatória prevista no art. 28 da Lei
nº 9.615/1998. A reclamada contestou as alegações da inicial argumentando que
a ruptura do contrato ocorreu por iniciativa do reclamante e que no contrato nada
foi pactuado acerca da cláusula compensatória. O Juízo de origem deferiu a pretensão obreira com fundamento em que, diante da previsão legal sobre a matéria,
o simples fato do contrato não conter o valor, não afasta a incidência da referida
cláusula. O reclamado insiste nas alegações defensivas e aduz que, caso seja reconhecida a obrigatoriedade da pactuação, o valor deve ser fixado com base no
valor do salário de R$ 3.000,00. Dispõe o art. 28, II, § 5º, da Lei nº 9.615/1998 que:
“Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração
pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade
de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente I – cláusula
indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática despor-
170 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
tiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei
nº 12.395, de 2011). [...] II – cláusula compensatória desportiva, devida pela
entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º
(Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). [...] 1º O valor da cláusula indenizatória
desportiva a que se refere o inciso I do caput deste artigo será livremente pactua­
do pelas partes e expressamente quantificado no instrumento contratual [...]
§ 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II
do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no
contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo,
400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão
e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o
atleta até o término do referido contrato. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de
2011). [...] § 5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho
desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória
ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:
(Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). I – com o término da vigência do
contrato ou o seu distrato; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). II – com o
pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou da cláusula compensatória
desportiva; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática
desportiva empregadora, nos termos desta Lei; (Incluído pela Lei nº 12.395, de
2011). IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). V – com a dispensa
imotivada do atleta.” Como se verifica, a lei tornou obrigatórias tanto a cláusula
indenizatória a favor da entidade esportiva quanto a cláusula compensatória a
favor do atleta empregado. Deixou ao arbítrio das partes apenas a fixação do
valor das cláusulas. Logo, a ausência de pactuação não poderia ser oposta à
pretensão obreira. No caso, porém, no contrato de trabalho consta a pactuação
da primeira pela marcação no local próprio ao item, sendo fixado o valor respectivo. Quanto à segunda, foi preenchido com marcação no local próprio, mas
não foi estabelecido o valor (fl. 147). Logo, não houve ausência de pactuação,
mas apenas do estabelecimento do valor correspondente à cláusula compensatória. Conforme exposição anterior, a rescisão contratual ocorreu por rescisão
indireta, incidindo, portanto, a hipótese do inciso IV acima transcrito. Portanto,
corretamente decidiu o Juízo ao deferir o pleito. Quanto ao valor, será analisado
no item seguinte, em conjunto com o recurso do autor. Nego provimento.
5 VALOR DA CLÁUSULA COMPENSATÓRIA (RECURSOS DO RECLAMADO E DO RECLAMANTE)
O Juízo de origem fixou o valor da cláusula compensatória em
R$ 90.000,00. Para tanto, considerou o valor do salário reconhecido em
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
171
R$ 15.000,00, o restante de seis meses para término do contrato e o limite
mínimo para a cláusula fixado no § 3º do art. 28 da Lei nº 9.615/1998, ou
seja, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do contrato. Como narrado, o reclamado requer que, caso seja mantido o
reconhecimento do direito à cláusula compensatória, o valor seja fixado com
base no valor do salário de R$ 3.000,00. O reclamante alega que o Juízo não
se ateve aos termos do dispositivo legal ao levar em conta apenas o restante
dos meses do contrato de trabalho. Argumenta que a lei determina que sejam
considerados todos os meses do contrato que, no caso, seriam nove meses, uma
vez o pacto foi firmado para o período de 15.08.2012 a 15.05.2013 (fl. 38). Em
argumento sequencial, reitera a alegação de que o valor da cláusula compensatória deve ser idêntico ao fixado no contrato para a cláusula indenizatória no
caso de transferência nacional, ou seja, R$ 1.000.000,00. Sustenta sua alegação em que a lei não estabeleceu um valor, mas apenas parâmetros mínimos e
máximos para a cláusula compensatória; que o valor de R$ 1.000.000,00 está
dentro desses parâmetros; que o contrato é silente quanto ao valor da cláusula
compensatória; que há nítida bilateralidade contratual e entre as duas cláusulas referidas; e que a equiparação é justa porque resguarda de modo igual os
interesses de ambas as partes. Sobre a questão, dispõe o § 3º do art. 28 da Lei
nº 9.615/1998: § 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e
formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como
limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que
teria direito o atleta até o término do referido contrato. (Redação dada pela Lei
nº 12.395, de 2011). Como visto anteriormente, o salário efetivo do autor é de
R$ 15.000,00, considerando-se que o importe pago a título de direito de imagem foi considerado como salarial. Logo, a pretensão recursal do reclamado
não prospera. O texto legal também não subsidia o segundo argumento do reclamante, porquanto não atrela o valor da cláusula compensatória ao da cláusula indenizatória. A correspondência entre os valores dessas cláusulas só poderia
ser reconhecida se houvesse livre pactuação nesse sentido. Assim, inexistente
valor da cláusula no contrato, nem alegado que fora pactuado algum valor, corretamente decidiu o Juízo de origem ao tomar como parâmetro o limite mínimo
previsto no texto legal. Por fim, quanto ao número de meses a ser considerado
para esse mínimo, também sem razão o reclamante. O texto legal em comento
não diz que devem ser considerados todos os meses do contrato. Diz o texto
que deve ser observado “[...] como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o
valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor
total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido
contrato”. Ambos os limites foram amarrados à rescisão contratual: o máximo,
ao valor salário pago no momento da rescisão e, o mínimo, ao número de meses
172 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
faltantes para o final do contrato a partir desse momento. Assim, nego provimento aos recursos, no item.
6 LUVAS (RECURSO DO RECLAMANTE)
O Juízo de origem indeferiu a integração dos valores referentes a luvas
por não terem cunho de habitualidade, correspondendo a incentivos pecuniários pelas vitórias alcançadas. O reclamante alega que não pediu a integração
das parcelas, mas sim o pagamento, uma vez que o reclamado não as quitou.
Argumenta que o importe de R$ 10.000,00 previsto no item 2.1 do contrato,
embora ali denominado como “adiantamento de premiações/salários”, refere-se
às luvas desportivas em discussão. Com razão o recorrente em que o pedido foi
pelo pagamento da parcela e não pela sua integração ao salário, conforme se
verifica no item “g, 2” do rol de pedidos (fl. 20). O pleito é coerente com a causa
de pedir no sentido da ausência de pagamento da verba (fls. 9/10). O reclamado
não negou a ausência de pagamento do valor previsto no contrato a título de
“adiantamento de premiações/salários”. Porém, contestou que esse valor contratual refira-se a luvas, alegando que se referem ao chamado “bicho” que é
pago aos jogadores pelas vitórias do clube. Disse que o valor é adiantado, sendo
feito a compensação ao longo do contrato, com acerto posterior caso haja crédito ou débito do jogador em razão das vitórias alcançadas. Alegou que ao reclamante foi pago a título de “bicho” apenas R$ 1.200,00, pela participação em
um único jogo em que o clube foi vitorioso. A cláusula consta do contrato de
cessão de imagem. Diz a cláusula: “O Clube adiantará ao atleta a importância
de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de adiantamento por conta de premiações/salários” (fl. 123, destaques originais). As luvas desportivas eram previstas
no art. 12 da Lei nº 6.354/1976, que foi revogada pela Lei nº 9.615/1998. São
pagas a atletas pela assinatura do contrato em razão do reconhecimento de seu
desempenho antes da contratação pelo clube que pretende incluí-lo em seus
quadros. O instituto é oriundo do direito comercial, pelo estabelecimento de
um paralelo com o “fundo de comércio”, valor do ponto comercial. Conforme
jurisprudência do TST, as luvas têm natureza salarial, não se confundindo com
prêmios ou indenizações. No caso, cabia ao autor demonstrar que o item constante do contrato refere-se a luvas, uma vez que a cláusula trata de adiantamento a título de premiações/salários. Não há nos autos elementos que demonstrem
a alegação do obreiro que a natureza da verba seja de luvas, título em que se
lastreia a pretensão. Assim, deve ser inferido o pleito pelo pagamento a esse título. Por outro lado, tratando-se de adiantamento de premiação a ser compensado
e restando que o autor só teve direito à premiação por um jogo, premiação que
já foi paga (fl. 146), a ausência do adiantamento não traz nenhuma dívida para
o reclamado. Nego provimento. III – CONCLUSÃO – Pelo exposto, conheço
dos recursos do reclamado e do reclamante e, no mérito, nego-lhes provimento,
nos termos da fundamentação.
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173
CERTIDÃO(ÕES)
Órgão Julgador: 2ª Turma
15ª Sessão Ordinária do dia 11.06.2014
Presidente: Desembargador João Amílcar
Relator: Desembargadora Elke Doris Just
Composição:
Desembargador Mário Macedo Fernandes Caron
Presente Normal
Desembargador Brasilino Santos Ramos
Presente Normal
Desembargadora Elke Doris Just
Presente Normal
Desembargador Alexandre Nery de Oliveira
Ausente Férias
Aprovar o relatório, conhecer dos recursos do reclamado e do reclamante e, no mérito, negar-lhes provimento, nos termos do voto da Desembargadora
Relatora.
Órgão Julgador: 2ª Turma
3ª Sessão Extraordinária do dia 28.04.2014
Presidente: Desembargador Alexandre Nery de Oliveira
Relator: Desembargadora Elke Doris Just
Composição:
Desembargador João Amílcar
Presente Normal
Desembargador Mário Macedo Fernandes Caron
Presente Normal
Desembargador Brasilino Santos Ramos
Presente Normal
Desembargadora Elke Doris Just
Presente Normal
Aprovar o relatório. Proferiu voto a Desembargadora Relatora, no sentido
de conhecer dos recursos do reclamado e do reclamante e, no mérito, negar-lhes provimento. Adiar o julgamento do presente processo, a requerimento do
Desembargador Revisor.
Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra
1140
Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região
Poder Judiciário
Acórdão nº 135.539
Recurso Ordinário nº 78900-21.2013.5.21.0005
Juiz Relator: Bento Herculano Duarte Neto
Recorrente: Leandro Costa Miranda Moraes
Advogado: Marcus Vinicius Berthier Goes
Recorrido: ABC Futebol Clube
Advogados: José Wilson Gomes Netto e outros
Origem: 5ª Vara do Trabalho de Natal/RN
ATLETA DE NÍVEL – PRÉ-CONTRATAÇÃO – CUSTEIO DAS DESPESAS DE DESLOCAMENTO –
AUSÊNCIA DE CLÁUSULA ESPECÍFICA – RUPTURA CONTRATUAL – CLÁUSULA PENAL E PERDA
DE UMA CHANCE
Não tendo o recorrente se desincumbido satisfatoriamente do ônus de
provar suas alegações, nos termos do art. 818 da CLT, não logrando demonstrar que cabia ao ABC Futebol Clube o custeio das despesas de
deslocamento para a apresentação do atleta, não há que se falar, portanto, em condenação ao pagamento da cláusula penal pactuada pelo
descumprimento do ajuste nem dos prejuízos suportados pela perda de
uma chance, uma vez que o não comparecimento do recorrente na data
aprazada não pode ser atribuído unicamente ao recorrido.
1 RELATÓRIO
Vistos, etc.
Trata-se de Recurso Ordinário interposto por Leandro Costa Miranda
Moraes em face da sentença proferida pelo MM Juízo da 5ª Vara do Trabalho
de Natal (fls. 147/152), que julgou improcedentes os pedidos formulados na
presente reclamação trabalhista, ajuizada pelo recorrente/reclamante em face
do ABC Futebol Clube, bem como julgou improcedentes os pedidos formulados
na reconvenção proposta pelo ABC Futebol Clube em face do autor.
Embargos Declaratórios, às fls. 157/160, rejeitados, no termos da sentença de fls. 161/162.
Em sede de razões recursais, a recorrente pugna pela reforma da sentença de piso, sob o argumento de que a cláusula penal e a indenização pelas
chances perdidas são cabíveis em face do descumprimento do pré-contrato pela
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
175
parte recorrida, que não realizou o envio das passagens para a apresentação do
recorrente no Clube reclamado, dando azo ao rompimento do ajuste firmado.
Neste sentido, aduz que o ônus do empreendimento é do recorrido, nos
termos do art. 2º da Norma Celetista, tendo este que arcar com as despesas de
deslocamento para a apresentação do atleta. Ademais, defende que, apesar de
inexistir determinação clara no que tange à referida responsabilidade, constam
nos autos inúmeros indícios de que o recorrente tentou receber as ditas passagens, apresentando visível interesse em honrar o pré-contrato, sendo infrutíferas
todas as tentativas realizadas, diante da ausência de respostas do clube.
Outrossim, no que tange à indenização pela perda de uma chance, reitera sua pertinência, na medida em que, desde 07.03.2013, passou a estar totalmente impedido de realizar qualquer tipo de negociação com outro clube, em
virtude do aludido pré-contrato. Deste modo, após o descumprimento unilateral
do pactuado por parte do recorrido/reclamado, é visível a ocorrência da perda
de diversas chances de assinatura de contratos de trabalho com outras entidades
desportivas, inclusive em valores superiores ao acertado com o reclamado.
Contrarrazões apresentadas pelo recorrido, de forma tempestiva, às
fls. 190/194.
É o relatório.
2 VOTO
2.1 Admissibilidade
Recurso com representação regular, pois subscrito por causídico com
procuração nos autos (fl. 133). Custas processuais dispensadas, nos termos da
gratuidade judiciária deferida. Recurso tempestivo, uma vez que o recorrente,
tendo tomado ciência da sentença de Embargos Declaratórios aos 05.02.2014,
interpôs o presente apelo em 12.02.2014. Conheço.
2.2 Mérito
Em sede de razões recursais, a recorrente pugna pela reforma da sentença de piso, sob o argumento de que a cláusula penal e a indenização pelas
chances perdidas são cabíveis em face do descumprimento do pré-contrato pela
parte recorrida, que não realizou o envio das passagens para a apresentação do
recorrente ao Clube reclamado, dando azo ao rompimento do ajuste firmado.
176 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Neste sentido, aduz que o ônus do empreendimento é do recorrido, nos
termos do art. 2º da Norma Celetista, tendo este que arcar com as despesas de
deslocamento para a apresentação do atleta. Ademais, defende que, apesar de
inexistir determinação clara no que tange à referida responsabilidade, constam
nos autos inúmeros indícios de que o recorrente tentou receber as ditas passagens, apresentando visível interesse em honrar o pré-contrato firmado, sendo
infrutíferas todas as tentativas realizadas, diante da ausência de respostas do
clube.
Outrossim, no que tange à indenização pela perda de uma chance, reitera sua pertinência, na medida em que, desde 07.03.2013, passou a estar totalmente impedido de realizar qualquer tipo de negociação com outro clube,
em virtude do pré-contrato firmado. Deste modo, após o descumprimento unilateral do contrato de trabalho por parte do recorrido/reclamado, é visível a
ocorrência da perda de diversas chances de assinatura de contratos de trabalho
com outras entidades desportivas, inclusive em valores superiores ao acertado
com o reclamado.
Vejamos.
No caso sob exame, a discussão cinge-se em averiguar qual das partes
deu azo ao descumprimento do pré-contrato firmado, a fim de que seja condenada ao pagamento da cláusula penal prevista no referido ajuste e de indenização pelos demais danos causados.
Às fls. 43/45, consta o instrumento do aludido ajuste, em que recorrente
e recorrido obrigaram-se a firmar contrato de trabalho, por prazo determinado,
de 01.04.2013 a 31.03.2015, sendo pactuada também a remuneração mensal
de R$ 45.000,00, acrescida de R$ 3.000,00 a título de auxílio-moradia e luvas
de R$ 100.000,00, a serem pagas em parcelas mensais de R$ 5.000,00. Como
contraprestação, o recorrente comprometeu-se a, a partir do dia 1º de abril de
2013, apresentar-se em plenas condições físicas e de saúde para prestar a atividade de Atleta Profissional de Futebol.
Diversamente do acerto realizado, o recorrente não se apresentou ao
clube recorrido na data aprazada, alegando que, apesar de inúmeras ligações e
mensagens enviadas aos dirigentes do clube, não obteve resposta no que tange ao custeio das despesas para sua apresentação, havendo juntado, inclusive,
faturas de telefone celular em que aponta as mencionadas ligações, bem como
degravações de conversas pelo aplicativo whatsapp, por intermédio das quais
tentou contatar os dirigentes do recorrido. Neste sentido, defende que é praxe
nos contratos de atleta de nível o envio das passagens pelo contratante, quando
da apresentação do atleta, e que a sua conduta demonstra que empreendeu
esforços para honrar o acerto firmado.
Neste sentido, o recorrente asseverou em juízo, in verbis (fls. 35/36):
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
177
Que combinou com o diretor de futebol, Kleber Romualdo, de se apresentar ao
Clube no dia 02.04.2013, já que iria jogar a última partida pelo Rio Branco no
dia 29.03.2013; que mandou mensagens para o aludido diretor e ficou sem respostas, daí porque não teve que se deslocar, juntamente com a sua família, para
apresentar-se ao clube na data acordada 02.04.2013; que, como as mensagens
não foram respondidas e não houve o envio das passagens, não se deslocou para
esta cidade; que no pré-contrato não ficou ajustado que o reclamante custearia as
despesas de deslocamento, até porque já havia jogado uma vez pelo ABC e este
clube, na oportunidade, enviou, 5 dias antes, as passagens para que o depoente
se deslocasse para Natal; que no pré-contrato não há previsão de que o Clube
arcaria com as supracitadas despesas, até porque tal conduta é praxe no futebol;
No entanto, tais alegações não foram devidamente comprovadas pelas
testemunhas trazidas aos autos, tendo os depoimentos prestados indicado que
o custeio das despesas de deslocamento do atleta para o novo clube será suportado por este ou pelo contratante, não havendo regra rígida sobre o tema,
senão vejamos:
Depoimento da primeira testemunha do reclamante, Senhor Felipe Augusto Leite:
que é presidente do sindicato dos atletas profissionais no RN desde 2008; que
não sabe quem custeia o deslocamento do atleta para se apresentar ao clube
contratante, até porque no sindicato nunca chega tal assunto; [...] que não lembra
se o contrato possui uma cláusula de multa contratual pela não apresentação do
atleta; [...] que é normal a assinatura de pré-contratos até seis meses antes do desligamento do clube; que o reclamante é considerado um atleta de nível, mas não
sabe se ele foi contratado pelo reclamado por intermédio de empresário particular; que não tem como dizer se os atletas de nível geralmente ajustam contratação
ou pré-contratação através de empresário, que assume o compromisso de trazer
o atleta para apresentação ao clube;
Consoante se depreende do excerto acima, o recorrente não se desincumbiu satisfatoriamente do ônus de provar suas alegações, nos termos do
art. 818 da CLT, uma vez que não logrou provar que cabia ao ABC Futebol
Clube o custeio das despesas de deslocamento para a apresentação do atleta.
Desta forma, o não comparecimento do recorrente na data aprazada não pode
ser atribuído unicamente ao recorrido, não havendo que se falar, portanto, em
condenação ao pagamento da cláusula penal pactuada pelo descumprimento
do ajuste.
Ademais, consoante acertadamente observado pelo Juízo de 1º grau, o
atleta, notoriamente conhecido no âmbito do futebol brasileiro e havendo deixado recentemente o Rio Branco de Americana/SP, consoante informado na
exordial, detinha condições financeiras para arcar com as despesas decorrentes
da sua apresentação no recorrido, principalmente se considerarmos o vultoso
valor da remuneração mensal pactuada. Desta forma, a fim de evitar a ruptura
178 D������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
contratual, poderia ter custeado as despesas concernentes ao seu deslocamento,
já que ausente disposição específica no instrumento.
Outrossim, é importante ressaltar que o custeio das despesas do deslocamento obreiro não consiste em ônus do empregador, como quer fazer crer
o recorrente, não havendo qualquer norma legal que imponha tal obrigatoriedade. Na verdade, o ônus do empreendimento diz respeito aos riscos da
atividade, que pertencem única e exclusivamente ao empregador. Desta forma,
tendo laborado em favor do empregador, independentemente de que este tenha
auferido lucro ou prejuízo, as parcelas salariais serão devidas ao obreiro, não
se relacionando tal máxima juslaboral ao fornecimento das passagens no caso
sob exame.
Como se não bastassem os motivos expostos, é importante assinalar que,
na fase pré-contratual, as negociações para o preenchimento de um posto de
trabalho geram obrigações recíprocas, que devem observância aos princípios
da lealdade e da boa-fé objetiva.
Apesar de existência de tais deveres, que acompanham o pré-contrato
firmado para ultimar uma futura contratação, não restou configurado com clareza a qual das partes cabia o custeio das passagens do atleta em questão, não
cabendo responsabilização do recorrido ao pagamento de cláusula penal, consoante já explicitado, bem como de indenização com base da teoria da perda
de uma chance.
A perda de uma chance verifica-se quando, praticado um ato ilícito, este
provoca que alguém perca a oportunidade de obter uma situação futura mais
vantajosa, devendo ser indenizada pelos danos suportados.
No caso em tela, não há que se falar em perda de uma chance, uma vez
que o autor poderia ter evitado a ruptura do pacto em questão, apresentando-se
ao recorrido na data prevista.
Desta forma, não sendo hipótese de culpa exclusiva do recorrido, não se
admite a condenação pelas chances perdidas, pois o próprio recorrente decidiu
firmar o contrato e colaborou para a sua ruptura, não podendo atribuir-se apenas à conduta do recorrido as possibilidades perdidas pelo recorrente.
Por fim, deve ser enfatizado que o processo do trabalho rege-se pelo princípio do livre convencimento motivado, no qual o juiz tem ampla liberdade na
apreciação das provas, fazendo prevalecer os meios probantes que forem mais
idôneos e consentâneos com o objeto do litígio.
Prestigia-se, nesta linha de raciocínio, a valoração do conjunto probatório produzido em audiência, quando o juiz mantém contato pessoal com as
testemunhas, com condições de estabelecer grau de credibilidade a partir de
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA.................................................................
179
comportamentos e de atitudes na sessão, que os autos, por si só, não têm como
registrar.
Logo, correto o decisum guerreado, que julgou improcedente a demanda
ajuizada pelo obreiro, bem como a reconvenção ajuizada pela recorrida, por
entender que não há como se atribuir a qualquer dos litigantes culpa exclusiva
pela quebra do pré-contrato.
Com efeito, tendo o recorrente não logrado êxito em demonstrar que a
conduta do recorrido, por si só, produziu a ruptura contratual e os danos que
alega haver suportado, nego provimento ao apelo, mantendo a sentença em
todos os seus termos.
3 CONCLUSÃO
Ante o exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, nego-lhe
provimento.
Acordam os Excelentíssimos Desembargadores Federais e os Juízes da
Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário. Mérito: por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário.
Natal/RN, 01 de julho de 2014.
Bento Herculano Duarte Neto
Juiz Convocado
Divulgado no DEJT nº 1513, em 10.07.2014 (quinta-feira) e Publicado
em 11.07.2014 (sexta-feira). Traslado nº 00509/2014.
Parte Geral – Ementário de Jurisprudência
Administrativo e Constitucional
1141 – Ação civil pública – obra de mobilidade – Copa 2014 – efeitos
“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Obra de mobilidade. Copa do Mundo de Futebol
2014. 1. Agravo de instrumento manejado pelo Ministério Público Federal em face de decisão, prolatada em sede de ação civil pública ajuizada contra a União, a Caixa Econômica
Federal e o Estado do Ceará, que indeferiu o pedido de liminar, além de excluir da lide a
Caixa e o Estado do Ceará. 2. De acordo com o Ministério Público Federal, entre as obras
incluídas na ‘Matriz de Responsabilidade para a Copa do Mundo de 2014’, ou seja, no rol de
prioridades em obras para viabilizar a Copa do Mundo de Futebol de 2014, a ser realizada no
Brasil, inclui-se a obra de mobilidade denominada VLT – Veículo Leve sobre Trilhos entre os
bairros de Parangaba e Mucuripe, de responsabilidade do Estado do Ceará. Aduz que a obra
é dividida em três fases, Projeto Básico, desapropriações e obras do VLT propriamente ditas,
sendo que as duas primeiras serão executadas pelo Estado do Ceará com recursos próprios,
sendo a última financiada pela União, por meio da Caixa Econômica Federal. 3. Consoante
destacado pelo juízo de origem, ‘a argumentação que embasa a presente ação, o descumprimento do direito à moradia adequada nas desapropriações realizadas para viabilizar a obra
do VLT Parangaba-Mucuripe, é mera remodelação da que embasa a ação em tramitação na
9ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza’. Chama a atenção, a propósito, o fato
de que naquela ação está em negociação o modo de desocupação dos imóveis, com ampla
discussão sobre todos os aspectos a ela referentes, tais como o local de reassentamento e o pagamento de valores de aluguéis sociais. 4. Assim, dado que o pedido de efetivação do direito
à moradia adequada, componente humano do licenciamento ambiental da obra do referido
VLT, está sendo discutido no juízo próprio, o da 9ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de
Fortaleza, por meio da Ação Civil Pública de número 017393-19.2011.8.06.0001, correta a
decisão recorrida ao excluir da lide o Estado do Ceará. 5. De outra banda, no que tange à
Caixa Econômica Federal, o MPF pretende que o agente financiador seja responsável pelo
efetivo cumprimento do direito à moradia adequada por parte do Estado do Ceará, passando
a exigir a demonstração de sua efetivação antes da liberação dos recursos para a realização da
terceira fase da obra do VLT. 6. Entretanto, é obrigação contratual da CEF somente liberar os
recursos caso as condições contratuais tenham sido atendidas, não fazendo sentido pretender-se obrigá-la judicialmente a fazer o que já decorre do próprio contrato. Atente-se, ainda, que
a obrigação da adequação dos procedimentos de desapropriação desenvolvidos pelo Estado
do Ceará na obra do VLT aos termos da Portaria nº 317/2013, do Ministério das Cidades,
não pode ser imposta à Caixa Econômica Federal, mas ao próprio Estado do Ceará. Também não merece censura, pois, a exclusão do banco do polo passivo da relação proces­sual.
7. Por derradeiro, quando ao pedido de extensão do regramento estabelecido pela Portaria
nº 317/2013, do Ministério das Cidades, a toda e qualquer obra e serviços de infraestrutura
em execução ou a serem executadas em todo o Estado do Ceará nas áreas de habitação,
saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana, etc., dirigido contra a União, penso
que não restou comprovado o perigo da demora da prestação jurisdicional, tal como compreendido pelo juízo de origem. 8. É que por centrar a sua argumentação apenas nas obras
do VLT, ao tempo em que postula pedido geral de extensão da aplicação da referida Portaria
a todas as obras e prestações de serviços realizados nos âmbitos dos programas e ações sob
gestão de quaisquer dos Ministérios da União e/ou sejam financiados, direta ou indiretamente,
por recursos federais ou por recursos geridos por instituições federais de sua administração
direta ou indireta, o autor, ora agravante, deixou de elencar obras ou serviços que já estejam
em andamento ou pelo menos em planejamento. 9. Na verdade, apenas narra as situações
constatadas na obra antes aludida e, na mesma senda, a documentação que acompanhou a
exordial também a ela se refere. Mercê dessa omissão do autor, resta impedida a verificação
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA.................................................................................
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do perigo de dano alegado. 10. Registre-se, ainda, que seria impertinente a concessão de
tutela de urgência para determinar-se à Administração a adoção das providências de que
cogita o Ministério Público Federal, dada a magnitude do pedido de extensão do regramento
estabelecido pela Portaria nº 317/2013, do Ministério das Cidades, a toda e qualquer obra e
serviços de infraestrutura em execução ou a serem executadas em todo o Estado do Ceará nas
áreas de habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana. 11. Agravo de
instrumento desprovido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0042155-85.2013.4.05.0000 – (135354/CE) –
2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 26.06.2014 – p. 122)
1142 – Bolsa-atleta – exigência de que o atleta tenha representado o Estado – razoabilidade
“Mandado de segurança. Processo seletivo. Bolsa-atleta. Benefício destinado ao fomento e
incentivo do esporte no âmbito do Estado. Exigência de que o atleta tenha representado o
Estado. Razoabilidade. Ausência de direito líquido e certo. Segurança denegada. 1. O edital é
a lei do processo seletivo e as regras nele contidas vinculam os candidatos e a administração.
2. A exigência de que o postulante ao benefício tenha representado o Estado do Espírito Santo
em campeonatos oficiais não se mostra desarrazoada ou desproporcional, por se tratar de
recursos econômicos que comprometem a esfera orçamentária estadual. 3. O pleito do impetrante esbarra em óbice intransponível, consubstanciado na ausência de comprovação de
direito líquido e certo, mormente porque a não concessão do benefício decorreu da aplicação
dos critérios estabelecidos no edital que rege o certame, fato que, evidentemente, revela a
ausência de ilegalidade ou abuso de poder. 4. Segurança denegada.” (TJES – MS 000422834.2014.8.08.0000 – Rel. William Couto Gonçalves – DJe 14.07.2014)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 9, out./nov. 2012, ementa nº 486 do TJDFT.
1143 – Copa 2014 – relatório consolidado de informações – acompanhamento
“Acompanhamento. Relatório consolidado de informações relativas às ações previstas na matriz de responsabilidade para realização da Copa do Mundo FIFA 2014 e outros projetos relacionados. Balanço dos estágios físico e financeiro das obras e projetos referentes à construção
e reforma de estádios, mobilidade urbana, portos e aeroportos, telecomunicações, segurança
pública e defesa. Pendências verificadas. Determinação. Ciência aos órgãos responsáveis.”
(TCU – Proc. 009.205/2013-6 – (1608/2014) – Plen. – Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues –
DOU 18.06.2014)
1144 – Copa 2014 – relatório de auditoria – comissão de fiscalização – efeitos
“Relatório de auditoria. Comissão de fiscalização da Copa 2014. Relatório 09. Falta de aplicação de cláusula contratual. Cobrança de penalidade. Inadimplemento do Contrato nº 02/2012
pela CAP S/A. Falta de análise do novo e mais dispendioso cronograma executivo do contrato.
Inobservância de determinações já realizadas por este TCE-PR. Aprovação do relatório. Abertura de tomada de contas extraordinária.” (TCEPR – Proc. 805785/13 – (3766/14) – Rel. Cons.
Nestor Baptista – DJe 25.06.2014 – p. 2)
1145 – Desapropriação – decreto de utilidade pública – obra viária da Copa do Mundo –
imissão provisória na posse – possibilidade
“Agravo de instrumento. Desapropriação. Decreto de utilidade pública. Obra viária da Copa
do Mundo. Imissão provisória na posse. Possibilidade. Para o deferimento da imissão provisória na posse, basta ao expropriante a alegação de urgência e o depósito da quantia ofertada
na inicial, a teor do que prevê o art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. O laudo de avaliação
acostado aos autos está baseado em Método Comparativo de Dados de Mercado, e descreve pormenorizadamente os quesitos e metodologia utilizados na composição do valor da
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indenização, bem como o rol de imóveis utilizados na amostragem, com seus respectivos
valores de mercado. A área a ser desapropriada corresponde a 36,04m² de um todo maior de
1.155,00m², apontando o laudo o valor de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais) como
indenização, em junho/2012. Preenchidos os requisitos do art. 15 do Decreto nº 3.365/1941
para fins de imissão provisória na posse. Precedentes da Câmara. Agravo de instrumento provido.” (TJRS – AI 70059431254 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Leonel Pires Ohlweiler – J. 26.06.2014)
1146 – Professor – participação em programa de treinamento para atletas – carga horária –
redução – descabimento
“Administrativo. Professor. Participação em programa de treinamento para atletas. Carga horária. Redução. 1. O art. 2º do Decreto nº 23.122/2002 assegura ao servidor que participa de
programa de treinamento sistemático para atletas a redução de jornada diária de trabalho.
Vedada, contudo, redução aos que têm duração de jornada de trabalho estabelecida em leis
especiais (art. 5º). 2. Sendo a carga horária de trabalho do magistério público estipulada em
lei especial (Lei nº 5.105/2013), não é assegurado ao professor o benefício da redução dessa.
3. Agravo não provido.” (TJDFT – Proc. 20140020108380 – (799166) – Rel. Des. Jair Soares
– DJe 01.07.2014 – p. 315)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 16, dez./jan. 2014, artigo de Janaina Cassol Machado e Gabryelle Zanini Gongora
intitulado “A (I)legalidade da Exigência de Registro dos Professores de Artes Marciais junto ao
Conselho Regional de Educação Física”.
1147 – Treinador de futebol – inscrição perante o Conselho de Educação Física – desnecessidade
“Processual civil. Agravo legal (art. 557, § 1º, do CPC). Treinador de futebol. Leis
nºs 9.696/1998, 8.650/1993 e 6.354/1976. Inscrição perante o Conselho de Educação Física.
Desnecessidade. Portaria nº 397, de 09.10.2002. Ilegalidade. Não demonstrada a incompatibilidade da decisão recorrida com a jurisprudência dos Tribunais Superiores. 1. O agravo legal deve ter por fundamento a inexistência da invocada jurisprudência dominante e não a discussão do mérito. 2. In casu, a decisão foi bastante clara quanto à ausência de obrigatoriedade
da inscrição dos treinadores de futebol perante conselho profissional para o desempenho da
atividade profissional, reconhecendo a ilegalidade da Portaria nº 397, de 09.10.2002, incompatível com as Leis nºs 9.696/1998, 8.650/1993 e 6.354/1976. 3. A adoção, pelo Relator,
da jurisprudência dominante desta Corte é medida de celeridade processual autorizada pelo
art. 557 do CPC. 4. Agravo legal a que se nega provimento. (TRF 3ª R. – Ag-Ap-RN 000593188.2012.4.03.6128/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 23.07.2014 – p. 781)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 18, abr./maio 2014, ementa nº 1025 do TRF 3ª R; RDD nº 2, ago./set. 2011,
ementa nº 84 do TRF 2ª R.; e RDD nº 1, jun./jul. 2011, ementa nº 25 do TRF 3ª R.
Civil
1148 – Ação civil coletiva – associação de consumidores – legitimidade ativa – efeitos
“Agravo. Ação civil coletiva proposta por associação de consumidores. Tutela antecipada deferida, em primeira instância, para o fim de suspender decisão do STJD que puniu a Associação Portuguesa de Desportos por escalação irregular de jogador suspenso, com aplicação de
multa e perda de pontos. Inconformismo da CBF. Atribuição de efeito suspensivo ao agravo.
Superior Tribunal de Justiça que, nos autos do Conflito de Competência nº 132.438-RJ, de-
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terminou a competência da 2ª Vara do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ, para julgamento
da matéria. Remessa dos autos para a Comarca competente já determinada, pelo juízo de
primeira instância, ou seja, Juízo da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.
Decisão de antecipação de tutela, objeto do agravo de instrumento, prejudicada, diante da
notícia de prolação de sentença de extinção do feito, sem julgamento do mérito, pelo Juízo da 2ª Vara do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ. Recurso prejudicado” (v. 16057).
(TJSP – AI 2015807-41.2014.8.26.0000 – São Paulo – 3ª CDPriv. – Relª Viviani Nicolau –
DJe 17.06.2014 – p. 1518)
1149 – Ação declaratória – fornecimento de refeições para atletas – equipe de basquete –
contratação verbal – efeitos
“Apelação. Prestação de serviços. Ação declaratória de existência de relação jurídica cumulada com cobrança. Fornecimento de refeições para atletas do clube-réu. Negócio admitido
pelo réu, mas que trouxe divergência em relação à forma de pagamento e o período do
contrato. Contratação verbal. Questão de fato que não autorizava o julgamento antecipado
da lide. Cerceamento de defesa configurado. Necessidade de produzir prova em audiência.
Recurso provido para esse fim. Não existe controvérsia de que a autora foi contratada pelo
clube-réu para fornecer refeições para seus atletas que integram a equipe de basquete. Estes,
por sua vez, ao comparecerem ao restaurante, segundo a petição inicial, anotavam seus nomes em um caderno de controle interno registrando valor e quantidade de refeições servidas.
Se há eventual fragilidade na prova documental apresentada pela autora, a improcedência
de plano, sem abertura de dilação probatória para demonstrar que existe veracidade dos
fatos deduzidos, configura, sim, cerceamento de defesa, merecendo anulação da sentença
proferida. Como o clube-réu não negou o fornecimento das refeições, mas asseverou ter sido
temporário e que não havia anotações no ‘caderno’ porque pagava diariamente, o esclarecimento de estas e outras questões dependem de dilação probatória, com a realização de prova
em audiência.” (TJSP – Ap 0012078-93.2013.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 9ª C.Ext.
DPriv. – Rel. Adilson de Araujo – DJe 23.06.2014 – p. 1575)
1150 – Ação de prestação de contas – associação desportiva sem fins lucrativos – descabimento
“Apelação. Ação de prestação de contas. Associação desportiva sem fins lucrativos. Ação
intentada por ex-diretores, cujos clubes de futebol não são mais filiados à associação. Extinção do feito sem julgamento do mérito. Inconformismo dos autores. Não acolhimento.
Inexistência de qualquer relação jurídica obrigacional entre as partes. Inteligência do art. 914
do CPC. Ausência de litigância de má-fé. Sentença mantida. Negado provimento ao recurso.”
(v.14682). (TJSP – Ap 0063048-02.2010.8.26.0577 – São José dos Campos – 3ª CDPriv. – Relª
Viviani Nicolau – DJe 23.06.2014 – p. 1272)
1151 – Atleta – rescisão contratual – procuração e contrato de prestação de serviços –
agente – promessa de contratação por clube carioca – frustração – possibilidade de
rescisão da avença – termo inicial
“Ação de rescisão contratual. Atleta. Procuração e contrato de prestação de serviços. Agente.
Promessa de contratação por clube carioca. Frustração. Possibilidade de rescisão da avença.
Termo inicial. Citação na cautelar e não na ação principal. Data da ciência inequívoca pelo
agente. Apelação do réu não provida e apelação do autor parcialmente provida. 1. Sentença que julgou procedente a ação de rescisão processual movida por jogador de futebol em
face de agente, declarando rescindido o vínculo obrigacional a partir da citação na demanda principal. 2. Outorga de procuração e assinatura de contrato de prestação de serviços.
Promessa de contratação por famoso clube carioca. Frustração. Possibilidade de rescisão da
avença. 3. Termo inicial que deve ser a data da citação na cautelar em apenso, e não apenas
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na ação principal. Ciência inequívoca do requerido naqueles autos, em 18.04.2011. 4. Apelação do réu não provida, e apelação do autor parcialmente provida.” (TJSP – Ap 000135667.2011.8.26.0156 – Cruzeiro – 9ª CDPriv. – Rel. Alexandre Lazzarini – DJe 24.07.2014 –
p. 1267)
1152 – Conflito de competência – entidade organizadora de campeonato esportivo – caráter nacional – efeitos
“Conflito positivo de competência. Processos vários ajuizados em juízos e juizados especiais
diversos, em diferentes foros do território nacional, por torcedores, clube ou entidades e instituições diversas, centradas no mesmo litígio, a respeito da validade de acórdão proferido pelo
Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD. Com consequências diretas sobre campeonato
esportivo de caráter nacional, organizado pela Confederação Brasileira de Futebol. Decisões
colidentes quanto a liminares. Matéria de abrangência nacional. Conexão evidente entre as
ações contidas nos diversos processos. Competência do foro do local em que situada a sede
da entidade responsável pelo Tribunal de Justiça Desportiva ante a prevalência, de ordem
pública devido ao caráter nacional, do foro do domicílio do réu. Prevenção da Vara em que
ajuizado o primeiro processo. Efeitos da citação que retroagem à data da distribuição do
processo. Competência de juizado especial do torcedor afastada. Conflito de competência
acolhido, para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara Cível do Rio de Janeiro/RJ. 1. É
competente o juízo do local em que situada a sede da entidade organizadora de campeonato
esportivo de caráter nacional para todos os processos de ações ajuizadas em vários juízos
e juizados especiais, situados em lugares diversos do país, questionando a mesma matéria
central, relativa à validade e à execução de decisões da Justiça Desportiva, visto que a entidade esportiva de caráter nacional, responsável, individual ou conjuntamente com quaisquer
outras entidades, pela organização (no caso, a CBF), deve, necessariamente, inclusive por
decisão de ofício, integrar o pólo passivo das demandas, sob pena de não vir ela ser atingida
pelos efeitos subjetivos da coisa julgada, e de tornar-se o julgado desprovido de efetividade.
2. No caso, considerando-se que a CBF é parte necessária nos processos em que se questionam decisões da Justiça Desportiva, por ela organizada, devem eles ser propostos no foro
‘onde está a sede’ daquela pessoa jurídica (CPC, art. 100, IV, a), e sua sede situa-se no âmbito
geográfico da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e, na divisão judiciária desta, no
Foro Regional da Barra da Tijuca. 3. Constitui matéria de interesse público, ante a necessidade
de evitar a dispersão jurisdicional, que atrasaria a prestação jurisdicional e criaria insegurança
jurídica, devido à possibilidade de decisões contraditórias, a determinação da competência
de juízo único para ajuizamentos plúrimos de processos por torcedores, clubes, entidades e
instituições, inclusive o Ministério Público e a Defensoria Pública, de forma pulverizada, em
todo o território nacional. 4. A fixação do juízo territorialmente competente dá-se pelo critério
do foro do local da sede da entidade nacional ré, organizadora, individual ou conjunto com
outras entidades, a qual deve necessariamente ser acionada, foro esse decorrente da previsão
do art. 94 do Código de Processo Civil, para todas as ações relativas a julgamentos por órgãos
da Justiça Desportiva, referentes a certames de caráter nacional por ela promovidos, determinando-se, por isso, a competência do juízo do local da sede dessa entidade, ou seja, da
Distrital da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, entre cujas Varas determina-se a competência,
por prevenção, pela data da distribuição, a que retroage a data da citação. 5. Afasta-se a competência de outros juízos e juizados especiais cíveis, inclusive do Juizado do Torcedor, adjunto à 2ª Vara da Regional da Ilha do Governador/RJ (Resolução TJRJ-OE 20;21). 6. Os arts. 3º
da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) e 101, I, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa
do Consumidor) não prevalecem como fundamento para o ajuizamento pelo torcedor, em
seu próprio domicílio, de ação judicial questionando a validade de decisões proferidas pela
Justiça Desportiva, órgão da Confederação Brasileira de Desportos – CBF – cuja sede se situa
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na Cidade do Rio de Janeiro, na área geográfica do Foro da Barra da Tijuca. 7. No caso, entre
as Varas do Foro da Barra da Tijuca, tem-se por certo que a primeira distribuição ocorreu
perante a 2ª Vara Cível, que, por isso, resulta preventa para os demais acionamentos (CPC,
art. 106). 8. Conflito acolhido para declarar a competência do juízo da 2ª Vara Cível do Foro
Regional da Barra da Tijuca, ao qual devem incontinenti ser enviados os processos, excetuada
a hipótese de extinção, estendendo-se o julgamento do presente Conflito a todas as ações
sobre a matéria, ajuizadas ou que o venham a ser, nos diversos juízos e juizados especiais, da
Justiça Estadual ou Federal no País.” (STJ – CC 132.438 – (2014/0031220-4) – Rel. Min. Sidnei
Beneti – DJe 01.07.2014 – p. 617)
1153 – Contrato – serviço de recepção com buffet e aquisição de ingressos para a Copa do
Mundo de Futebol – cláusula abusiva – rescisão – descabimento
“Tutela antecipada. Ação de rescisão de contrato e restituição de valores. Prestação de serviços. Serviço de recepção com buffet e aquisição de ingressos para a Copa do Mundo de
Futebol. Pretensão da autora de rescisão, de imediato e sem a oitiva da parte contrária, dos
contratos firmados com a ré, sob o pretexto de ilegalidades e abusividades contratuais. Indeferimento. Ausência dos requisitos autorizadores. Decisão que se mostra acertada. Recurso não
provido.” (TJSP – AI 2083362-75.2014.8.26.0000 – São Paulo – 33ª CDPriv. – Rel. Sá Duarte
– DJe 23.06.2014 – p. 1545)
1154 – Direito do consumidor – Copa das Confederações FIFA – regra para transferência de
ingressos – ônus de sucumbência
“Apelação cível. Copa das Confederações FIFA. Regra para transferência de ingressos. Ônus
de sucumbência. 1. O código de defesa prevê a nulidade de pleno direito de cláusulas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. 2. A vedação da transferência de ingressos, mesmo
mediante complementação do valor, mostra-se abusiva. 3. Em razão princípio da causalidade,
a parte que deu causa ao processo deve arcar com o pagamento das custas processuais e
honorários da parte adversa. 4. Nas causas de pequeno valor, os honorários serão fixados
consoante apreciação equitativa do juiz, atendido o grau de zelo do profissional; o lugar de
prestação do serviço; a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado
e o tempo exigido para o seu serviço. 5. Recurso conhecido e provido parcialmente.” (TJDFT
– AC 20130110832755 – (802298) – Relª Desª Ana Cantarino – DJe 15.07.2014 – p. 193)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 17, fev./mar. 2014, ementa nº 975 do TJDFT.
1155 – Execução fiscal – multa administrativa – transferência de jogador – interrupção
“Processo civil. Embargos de declaração. Embargos à execução fiscal. Multa administrativa.
Transferência de jogador. Banco Central. Poder de polícia. Decadência e prescrição. Interrupção. Decreto nº 20.910/1932 e Lei nº 9.873/1999. Inexistência de omissão, contradição ou
obscuridade. 1. Os embargos declaratórios só se justificam quando relacionados a aspectos
que objetivamente comprometam a inteligibilidade e o alcance do pronunciamento judicial,
estando o órgão julgador desvinculado da classificação normativa das partes. É desnecessária
a análise explícita de cada um dos argumentos, teses e teorias das partes, bastando a resolução fundamentada da lide. 2. O mero inconformismo, sob qualquer título ou pretexto, deve
ser manifestado em recurso próprio e na instância adequada para considerar novamente a
pretensão. Embargos declaratórios manifestados com explícito intuito de prequestionamento
não dispensam os requisitos do art. 535 do CPC. Precedentes jurisprudenciais. 3. O acórdão
embargado consignou expressamente que o prazo prescricional para cobrança da multa administrativa é quinquenal, com fluência a partir da prática do ato ou do vencimento, para as
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competências anteriores à vigência da Medida Provisória nº 1.708/1998 (01.07.1998), sucessivamente reeditada e convertida na Lei nº 9.873/1999, e também quinquenal, mas fluindo
a partir do lançamento, por ela instituído, daí para a frente. Inexistindo na legislação anterior
qualquer previsão de decadência, os créditos anteriores à MP 1.708/1998 sujeitam-se ao prazo por ela instituído, a contar de sua vigência. 4. Os embargos declaratórios, concebidos ao
aprimoramento da prestação jurisdicional, não podem contribuir, ao revés, para alongar o
tempo do processo, onerando o já sobrecarregado ofício judicante. 5. Embargos de declaração desprovidos.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2004.51.01.505324-9 – 6ª T.Esp. – Relª Desª Nizete
Antônia Lobato Rodrigues Carmo – DJe 09.07.2014 – p. 638)
1156 – Execução fiscal – penhora sobre valores relativos ao direito de transmissão televisiva
de clube de futebol – possibilidade
“Processual civil. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Penhora sobre valores relativos ao
direito de transmissão televisiva de clube de futebol. Possibilidade. Substituição da penhora.
Descabimento. 1. Não se conhece do agravo interno interposto pelo Ministério Público Federal, por ser incabível contra a decisão proferida nos casos dos incisos II e III do caput do
art. 527 do CPC, ante a vedação constante de seu parágrafo único, ressalvada a reconsideração pelo próprio Relator, como expressamente previsto na lei. 2. O dinheiro ocupa o topo
da lista de preferência entre os bens penhoráveis, mostrando-se correta a decisão do Juízo a
quo que determinou a penhora dos valores relativos ao direito de transmissão televisiva do
executado referente ao Campeonato Brasileiro de Futebol, limitada ao valor atualizado do
crédito tributário exequendo. 3. Esta Corte já firmou entendimento quanto à possibilidade de
penhora de renda de contratos relativos a direito de transmissão televisiva de jogos de campeonato de futebol e de patrocínio, já que, diferentemente da penhora sobre o faturamento,
não é medida excepcional, mas penhora de crédito a ser recebido de terceiro, com fulcro
no art. 671 do CPC. 4. Não há comprovação de que a penhora da terça parte dos valores a
serem recebidos pelo agravante da Globosat, em virtude do contrato de transmissão dos jogos
do Campeonato Brasileiro de Futebol, por ter se sagrado campeão da competição no ano de
2012, irá inviabilizar a sua existência, quando a quantia penhorada não constitui a única fonte
de renda do Clube. Sabidamente as receitas dos clubes de futebol advém de diversas fontes,
tais como, contratos de patrocínio, vendas de produtos licenciados, venda de jogadores, venda dos direitos de transmissão de jogos, mensalidades dos sócios, renda de bilheteria, dentre
outras, limitando-se o agravante a anexar uma planilha sem assinatura e que apresenta dados
sem qualquer prova documental que os respaldem, capazes de demonstrar que os créditos
penhorados são indispensáveis à manutenção de suas atividades e que não poderá suportar
a constrição para o exercício de sua atividade fim. 5. O agravante não quantifica de forma
objetiva e com respaldo em prova documental as receitas que aufere, podendo frustrar, caso
admitida a substituição da penhora, a satisfação do crédito da exequente. 6. Agravo interno
não conhecido. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Embargos de declaração da
União prejudicados.” (TRF 2ª R. – AI 2012.02.01.020129-2 – 3ª T.Esp. – Relª Desª Cláudia
Maria Pereira Bastos Neiva – DJe 30.06.2014 – p. 228)
1157 – Indenização – árbitro de futebol – ofensas físicas e verbais após expulsão de jogador
– insuficiência de prova
“Indenização. Árbitro de futebol. Ofensas físicas e verbais após expulsão de jogador. Tumulto
instaurado, sem prova de que as ofensas decorreram de ato intencional dos réus. Boletim de
ocorrência insuficiente para comprovar as alegações do autor. Sentença reformada. Recurso
dos réus providos, com inversão da sucumbência. Recurso do autor prejudicado.” (TJSP –
Ap 0002884-74.2010.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 2ª CDPriv. – Relª Marcia Tessitore
– DJe 07.07.2014 – p. 836)
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Comentário Editorial SÍNTESE
A ementa em destaque cuida da figura do árbitro de futebol.
A previsão está contida no seguinte dispositivo da Lei nº 10.671/2003:
“Art. 30. É direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente,
imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.
Parágrafo único. A remuneração do árbitro e de seus auxiliares será de responsabilidade da entidade de administração do desporto ou da liga organizadora do evento esportivo.”
Para o Mestre em Direito Desportivo, Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza, analisa-se a questão de
acordo com o Estatuto do Torcedor.
“Destarte, o Estatuto do Torcedor protege o consumidor de eventos esportivos em sua relação
consumeirista com os fornecedores do evento, definidos, no art. 3º como a entidade responsável
pela organização da competição e/ou a detentora do mando de jogo.
[...]
Analisando o mérito da questão, de fato, nos termos do art. 30, do Estatuto do Torcedor, é
direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial
e isenta de pressões.
Entretanto, a responsabilidade do árbitro não é objetiva e para sua caracterização deve o autor
da ação indicar se o juiz da partida agiu com dolo (intenção) ou com negligência, imprudência
ou imperícia, o que não fora demonstrado no caso em comento.
[...]
Por outro lado, a figura do árbitro na partida de futebol corresponde a uma forma de solução de
conflitos previamente pactuada pelas partes (pelas Federações e competidores) em uma espécie
de cláusula especial prevista no regulamento.
Assim, impera a autonomia da vontade das partes envolvidas, manifestada na medida em que
são elas (Federações e Clubes) que definem os procedimentos que disciplinarão a partida. Ou
seja, são criadas regras particulares e de comum acordo entre os interessados.
Importante acrescer que, realmente, durante os noventa minutos da partida a atividade do
árbitro deve consistir no fiel cumprimento das leis que o regem, o que, em nenhuma hipótese,
determina a ausência de falhas no seu atuar. Deve-se exigir do árbitro honestidade e não perfeição. Assim, é dever do autor comprovar a má-fé do Juiz da partida.
Concluir-se em sentido diverso afigura-se inevitável afronta ao próprio direito que o torcedor quer
ver respeitado com a ação: uma arbitragem isenta de pressões, já que não há maior pressão
que a da exigência da perfeição, como bem ressaltou a Juíza Cíntia Souto Machado de Andrade
Guedes, nos autos do processo nº 2007.209.009534-1, comarca do Rio de Janeiro/RJ
Ademais, ao se tratar de conseqüências da não marcação de um pênalti, a ação de indenização
será fulcrada no terreno das probabilidades e a responsabilização civil tem como pressuposto
a ocorrência efetiva de um dano. Além disso, é da essência do torcedor sentimentos de toda
ordem, inerentes, contudo, a uma partida de futebol, inserida num contexto de campeonato e de
partida decisiva. Trata-se de mero dissabor oriundo das competições esportivas.
Imagine-se a insegurança jurídica de uma competição se a cada divergência de arbitragem houvesse demandas judiciais. Isso sem contar a pressão que os árbitros sofreriam a cada partida temendo serem réus em ações judiciais o que, aí sim, afrontaria o art. 30 do Estatuto do Torcedor.
Portanto, apesar da necessidade de maior conhecimento e utilização do Estatuto do Torcedor,
o mesmo não deve ser utilizado para questionar as regras da competição ou erros humanos
de arbitragem, mas, para garantir a eficiência e adequação na prestação do serviço desportivo
abrangendo a transparência na organização da competição, segurança do torcedor partícipe
do evento desportivo, venda de ingressos até setenta e duas horas antes do início da partida
correspondente, acesso a transporte seguro e organizado, higiene e qualidade das instalações
físicas dos estádios e dos produtos alimentícios vendidos no local e observância, pelos Órgãos de
Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, aos Princípios da Impessoalidade, Moralidade,
Celeridade, Publicidade e Independência, tudo em conformidade com a Lei nº 10.671/03.” (Estatuto do torcedor e a indenização por erro de arbitragem. Revista SÍNTESE Direito Desportivo,
São Paulo: IOB, a. 1, n. 4, p. 9, dez./jan. 2012)
187
188 D��������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
1158 – Indenização – cadeira perpétua no Estádio – eventos esportivos FIFA – restrição do
uso – cabimento
“Cadeira perpétua do Estádio Mario Filho. Eventos esportivos FIFA. Restrição de uso. Cabimento. Direito à indenização. Agravo de instrumento. Obrigação de fazer. Antecipação da
tutela para garantir o direito de acesso e uso de três cadeiras contíguas para todo e qualquer
evento, mesmo que recebidos ingressos para setor correspondente, inclusive os organizados
pela FIFA, em local com visão do campo compatível com a antiga localização antes da reforma do estádio. Indeferimento da tutela antecipada. Acordo internacional. Legislação que
prevê indenização aos possuidores do direito ao uso das cadeiras cativas. Decisão que se
mantém tendo em vista a suspensão da execução das liminares que garantiam aos titulares de
cadeiras perpétuas do Maracanã o uso dos assentos durante a Copa das Confederações e da
Copa do Mundo (Suspensão de Execução nº 0024401-10.2013.8.19.0000). Desprovimento
do recurso.” (TJRJ – AI 0000653-12.2014.8.19.0000 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Sidney Hartung
Buarque – DJe 04.06.2014 – p. 22)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 17, fev./mar. 2014, ementa nº 975 do TJDFT.
1159 – Penhora – valores relativos ao direito de transmissão televisiva de clube de futebol
– possibilidade – substituição por imóvel – descabimento
“Processual civil. Agravo interno em agravo de instrumento. Execução fiscal. Violação do
art. 557 do CPC. Não ocorrência. Decisão fulcrada em jurisprudência dominante desta Corte.
Decisão monocrática referendada pelo Órgão Colegiado. Penhora sobre valores relativos ao
direito de transmissão televisiva de clube de futebol. Possibilidade. Substituição por penhora
sobre imóvel. Descabimento. Reunião dos executivos fiscais. Inviabilidade. 1. Diversamente
do que alegado pelo agravante, o agravo interno é incabível contra decisão proferida nos casos dos incisos II e III do caput do art. 527 do CPC, ante a vedação constante de seu parágrafo
único, ressalvada a reconsideração pelo próprio Relator, como expressamente previsto na lei.
O julgamento do agravo de instrumento em decisão monocrática, pelo Relator, negando-lhe
seguimento, está autorizado pelo caput do art. 557 do CPC, já que a questão controvertida
foi objeto de análise nesta Corte, em casos semelhantes, estando fulcrada em jurisprudência
dominante. Ademais, a análise da questão ventilada está sendo submetida, no presente recurso, à apreciação do Órgão Colegiado, o que vem a afastar qualquer alegação de violação ao
art. 557 do CPC e ao devido processo legal. 2. Descabe o pedido de substituição da penhora,
uma vez que os imóveis oferecidos em garantia pelo executado já haviam sido recusados pela
União Federal, em razão do débito condominial dos mesmos superar o valor de mercado
e das inúmeras penhoras que recaem sobre eles, o que levou o Juízo a quo a determinar o
prosseguimento da execução, com o deferimento da penhora sobre ativos financeiros, através do BacenJud, que restou frustrada, em decisão da qual não foi interposto recurso. 3. O
dinheiro ocupa o topo da lista de preferência entre os bens penhoráveis, mostrando-se correta
a decisão do Juízo a quo que determinou a penhora dos valores relativos ao direito de transmissão televisiva do executado referente ao Campeonato Brasileiro de Futebol com a Rede
Globo de Televisão, limitada ao valor atualizado do crédito tributário exequendo, diante da
inexistência de outros bens disponíveis para garantir a execução. 4. Esta Corte já firmou entendimento quanto à possibilidade de penhora de renda de contratos relativos a direito de
transmissão televisiva de jogos de campeonato de futebol e de patrocínio, já que, diferentemente da penhora sobre o faturamento, não é medida excepcional, mas penhora de crédito
a ser recebido de terceiro, com fulcro no art. 671 do CPC. 5. Não há comprovação de que a
penhora dos valores a serem recebidos da Rede Globo, em virtude do contrato de transmissão
dos jogos do Campeonato Brasileiro, irá inviabilizar a existência do agravante. Sabidamente
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA.................................................................................
189
as receitas dos clubes de futebol advém de diversas fontes, tais como contratos de patrocínio,
vendas de produtos licenciados, venda de jogadores, venda dos direitos de transmissão de
jogos, mensalidades dos sócios, renda de bilheteria, dentre outras, limitando-se o agravante a
anexar uma planilha sem assinatura e que apresenta dados sem qualquer prova documental
que os respaldem. 6. O agravante não quantifica de forma objetiva e com respaldo em prova
documental as receitas que aufere, podendo frustrar, caso admitida a substituição da penhora, a satisfação do crédito da exequente. 7. A reunião das execuções fiscais, determinada na
decisão que concedeu a antecipação de tutela recursal, não foi objeto do pedido formulado
no agravo, extrapolando a extensão do efeito devolutivo do recurso. A medida concedida
neste Tribunal, em antecipação de tutela, além de extrapolar o objeto do recurso, importou a
revisão de decisões proferidas em sede recursal. 8. A reunião dos processos é uma faculdade
do juiz, em razão da conveniência da unidade da garantia da execução, não possuindo caráter cogente, e pressupõe que as execuções se encontrem na mesma fase processual. No caso
em tela, não há qualquer demonstração, por parte do agravante, de que todas as execuções
fiscais se encontram na mesma fase processual e de que a garantia é suficiente para todas as
execuções contra o mesmo devedor, o que inviabilizaria a reunião das mesmas. Precedentes jurisprudenciais e doutrinários. 9. Agravo interno conhecido e desprovido.” (TRF 2ª R. –
AIT-AI 2012.02.01.013912-4 – 3ª T.Esp. – Relª Desª Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva –
DJe 12.06.2014 – p. 404)
1160 – Responsabilidade civil – FIFA – danos causados por representantes legais e empregados da União – efeitos
“Processo civil. Decisão monocrática do Relator. Agravo interno no agravo de instrumento.
Copa do Mundo de Futebol/2014. Lei nº 12.663/2012. Lei Geral da Copa. Ilegitimidade ad
causam da União Federal. Decisão mantida. Recurso desprovido. I – Previsão legal – Lei Geral da Copa: arts. 22 e 23 da Lei nº 12.663/2012 – no que se refere aos danos causados por
representantes legais e empregados da União, bem como quanto à sua responsabilidade civil
perante a FIFA, quando resultante de incidente ou acidente de segurança, relacionado aos
eventos. O art. 51 do mesmo dispositivo legal prevê a intimação da União nas ações ajuizadas
contra a FIFA e suas subsidiárias, com expressa remissão aos arts. 22 e 23, para que informe
se possui interesse de integrar a lide. II – In casu, os arts. 22 e 23 da mencionada norma não
englobam o objeto desta ação, que trata de situação jurídica diversa, uma vez que o seu tema
não resta vinculado a questões de ordem e segurança em estádio. III – Ilegitimidade passiva
ad causam da União Federal. IV – Mantida a decisão que extinguiu o processo, com fulcro no
art. 267, inciso VI, do CPC, com a remessa dos autos para a Justiça Comum do Estado do Rio
de Janeiro. V – Agravo interno conhecido e desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 2013.02.01.009409-1
– 8ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcello Granado – DJe 10.07.2014 – p. 361)
Comentário Editorial SÍNTESE
Reza a decisão proferida pelo TRF da 2ª Região sobre a responsabilidade civil da União.
A previsão está contida nos seguintes dispositivos da Lei nº 12.663/2012:
“Art. 22. A União responderá pelos danos que causar, por ação ou omissão, à FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores, na forma do § 6º do art. 37 da Constituição
Federal.
Art. 23. A União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido
em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos eventos, exceto se e
na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.
Parágrafo único. A União ficará sub-rogada em todos os direitos decorrentes dos pagamentos efetuados contra aqueles que, por ato ou omissão, tenham causado os danos ou tenham para eles
concorrido, devendo o beneficiário fornecer os meios necessários ao exercício desses direitos.
190 D��������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
Art. 24. A União poderá constituir garantias ou contratar seguro privado, ainda que internacional, em uma ou mais apólices, para a cobertura de riscos relacionados aos eventos.”
Novamente, o Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza explica:
“- Litisconsórcio obrigatório da União
Obrigar o torcedor a acionar a União em caso de danos sofridos durante o Mundial trará a necessidade de se acionar a Justiça Federal e, por conseguinte, os benefícios processuais dos entes
públicos em flagrante prejuízo ao consumidor do evento.” (A polêmica lei geral da copa. Revista
SÍNTESE Direito Desportivo, São Paulo: IOB, a. 1, n. 6, p. 206, abr./maio 2012)
1161 – Responsabilidade civil – relação de consumo – falha na organização de evento esportivo de repercussão – dano moral – indenização
“Apelações cíveis. Ação de indenização por danos morais. Responsabilidade civil. Relação
de consumo. Falha na organização de evento esportivo de repercussão. Legitimidade passiva
ad causam tantos das organizadoras da corrida como da patrocinadora preferencial. Descabe
estabelecer distinção entre as organizadoras do evento esportivo e a patrocinadora preferencial, pois é inegável que se essa aufere proveito econômico indireto com a atividade, nela
realizando ampla divulgação da marca Puma, com notórios efeitos de marketing publicitário.
Atleta paraolímpico. Evento Puma 10 Milhas. Etapa Porto Alegre. Falha no serviço. Ausência
de cronometragem do tempo de corrida. Competidor que concluiu a prova em primeiro lugar
e foi desclassificado. Princípio da confiança. Cláusula geral da boa-fé objetiva. Art. 422 do
Código Civil. Aplicação ao caso. Adoção da teoria do risco do empreendimento. Responsabilidade pelo fato do serviço. Art. 14, § 1º, I a III, do CDC. Adotada a teoria do risco do
empreendimento pelo Código de Defesa do Consumidor, todo aquele que exerce atividade
lucrativa no mercado de consumo tem o dever de responder pelos defeitos dos produtos ou
serviços fornecidos, independentemente de culpa. Responsabilidade objetiva do fornecedor
pelo defeito do serviço prestado. O conjunto probatório carreado aos autos demonstra, à saciedade, que o autor concluiu a competição esportiva (corrida) Puma Dez Milhas na primeira
colocação entre os competidores, porém foi injustificadamente desclassificado e excluído da
premiação conferida no evento, sob o frágil pretexto de que não teria sido cronometrado o
seu tempo de corrida. Em nada o autor contribuiu para o seu alijamento do certame ou da
premiação final, situação absolutamente injusta e injustificável, na medida em que terminou
a prova na primeira posição, como revelam as fotografias inclusas nos autos, além de ter sido
admitido a participar do evento e pagou pela inscrição. Frustração de legítima expectativa de
auferir a premiação pelo resultado obtido na prova, para o qual empreendeu esforço e preparação prévia. Dano moral in re ipsa. Redução. Demonstrado que a falha na prestação do serviço ou da atividade promovida pelas rés ensejou a frustração da expectativa do consumidor
de receber a premiação pelo resultado obtido na competição desportiva, daí resulta o dever
de indenizar. Dano moral in re ipsa, dispensando a prova do efetivo prejuízo sofrido em face
do evento danoso. Arbitramento do quantum indenizatório. Montante reduzido em face das
peculiaridades do caso concreto, sopesada a real extensão do dano imaterial. Montante da
indenização reduzido e arbitrado em atenção aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, bem assim às peculiaridades do caso concreto. Ponderada, em especial, a circunstância
de o episódio não ter ensejado perda de patrocínio e não se ter evidenciado outros prejuízos
concretos em face do evento. Apelos providos em parte.” (TJRS – AC 70057756595 – 9ª C.Cív.
– Rel. Des. Miguel Ângelo da Silva – J. 16.07.2014)
1162 – Responsabilidade civil – transporte aéreo – atleta paraolímpica – danos na cadeira
de rodas – indenização por dano material e moral – alcance
“Transporte aéreo. Avarias em cadeira de rodas. Atleta paraolímpica. Falha na prestação do
serviço. Dano moral in re ipsa. Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação indenizatória
de dano material e moral. Transporte aéreo. Autora que é atleta paraolímpica (amputada
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA.................................................................................
191
bilateral) e que viajou pela empresa ré para participar de Campeonato Regional em Curitiba.
Constatação de danos na cadeira de rodas no desembarque. Lavratura de R. I. B. Autora que se
viu obrigada a adquirir nova cadeira, diante da inércia da empresa ré em resolver o problema.
Falha na prestação do serviço. Dano moral in re ipsa. Sentença de procedência que se mantém. Nego seguimento ao recurso, na forma do art. 557, caput, do CPC.” (TJRJ – Ap 007628509.2012.8.19.0002 – 23ª C.Cív. – Rel. Des. Sebastião Rugier Bolelli – DJe 16.07.2014 – p. 29)
Penal
1163 – Crime – exploração de jogos ilegais – máquinas de caça-níqueis e jogo do bicho –
configuração
“Habeas corpus. Substitutivo de recurso ordinário. Exploração de jogo ilegal (máquinas caça-níqueis). Crimes de quadrilha e corrupção ativa e contravenção do ‘jogo do bicho’. Investigação da polícia civil do Estado do Rio de Janeiro. Operação Dedo de Deus. Prisão preventiva. Individualização da conduta do paciente. Remissão à denúncia. Fundamentação per
relationem. Garantia da ordem pública. Tutela da instrução criminal. Inexistência de flagrante
ilegalidade. Habeas corpus não conhecido. 1. A ação penal na qual foi decretada a custódia
cautelar tem como origem investigação da Corregedoria de Polícia Civil do Estado do Rio de
Janeiro, que resultou na denominada Operação ‘Dedo de Deus’, responsável pela apuração
de quadrilha estável e permanente, organizada para cometer uma ampla variedade de crimes,
cuja missão visava assegurar a livre manutenção de estruturas de exploração do jogo do bicho, segundo consta da imputação deduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado (GAECO) do Parquet estadual. 2. Ao fundamentar o decreto preventivo, a
decisão do MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Teresópolis/RJ faz remissão
aos elementos fáticos já lançados no bojo desse decisum, de modo a respaldar a presença do
fumus comissi delicti e do periculum libertatis, quais sejam: I – a ligação de agentes policiais
com a máfia dos jogos de azar, em flagrante detrimento dos preceitos de ordem pública e
legalidade; II – a coação de comerciantes, mediante a atuação destes agentes do Estado, para
permitirem a instalação de máquinas caça-níqueis nos estabelecimentos; III – a suposta prática de outros crimes graves, como homicídio qualificado, ameaças, além dos delitos contra
a Administração Pública, v.g., corrupção ativa; IV – expressivo poderio financeiro da organização criminosa, refletido em documentos que comprovam a propriedade de hotel de luxo,
estação de rádio, haras e outros bens; V – abertura de empresas de fachada, com o objetivo de
lavagem de dinheiro obtido através das condutas ilícitas; VI – capilaridade da quadrilha que
alcança diversas cidades do interior fluminense, além da capital carioca; e VI – forte infiltração dos seus membros em setores como a política e o samba. 2. Além de indicar a garantia
da ordem pública, da aplicação da lei e acolher, per relationem, a descrição das condutas
na inicial acusatória – consoante assente a jurisprudência da Suprema Corte, nos crimes de
autoria coletiva, v.g., HC 98.157/RJ –, indica o MM. Juiz quanto à tutela da instrução criminal a periculosidade concreta dos membros da quadrilha e a necessidade de se preservar as
testemunhas e demais agentes policiais não graduados, que ainda serão ouvidos em juízo.
3. Assim, a indicação da gravidade concreta dos fatos, a ‘capacidade financeira do grupo’,
cuja vinculação do paciente ressai dos autos, aliada à relevância do seu papel na complexa
engrenagem criminosa, pois apontado como banqueiro da máfia do jogo do bicho na capital
fluminense – sendo um dos responsáveis pela arrecadação das apostas ilícitas, segundo consta
das interceptações telefônicas – e o modus operandi do bando, que usa deste dinheiro para
suposta corrupção de agentes policiais, abonam a contextualização esmiuçada pelas instâncias ordinárias, no sentido de respaldar a tutela da ordem pública e o receio quanto à higidez
da oitiva das testemunhas, em tudo ligado ao sucesso da instrução criminal. 5. Habeas corpus
192 D��������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
não conhecido. Por conseguinte, cassada a liminar, comuniquem-se às instâncias ordinárias
o teor do acórdão, para as providências que entender cabíveis. O não conhecimento do writ,
como consectário lógico, estende-se aos corréus Cremildo de Almeida Motta, Valter Luís de
Souza, Leila Aparecida de Barros Moreira, Reinaldo Aquino de Souza, Reginaldo Aquino
de Souza e Wellington Bonifácio da Silva e Luiz José Pereira Neto.” (STJ – HC 235.171 –
(2012/0044367-0) – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 16.06.2014 – p. 569)
Previdenciário
1164 – Aposentadoria especial – reconhecimento de tempo de serviço – jogador de futebol
– hipótese de reconhecimento
“Previdenciário. Aposentadoria especial. Reconhecimento de tempo de serviço. Jogador de
futebol. Atividade especial. Motorista autônomo. Requisitos não implementados antes da
EC 20/1998. Pedágio e requisito etário não cumpridos. A lei previdenciária, ao exigir início
razoável de prova material, não viola a legislação processual, pois o art. 400 do Código de
Processo Civil preceitua ser sempre válida a prova testemunhal, desde que a lei não disponha de forma diversa. A atividade de atleta profissional somente foi regulamentada pela Lei
nº 6.354, de 02.09.1976. Período anterior regido pela Lei nº 3.807/1960 – Lei Orgânica da
Previdência Social (LOPS). Períodos de 10.08.1973 a 20.06.1975, 20.06.1975 a 16.01.1976,
15.06.1976 a 07.01.1977 e de 03.05.1977 a 31.12.1977, nos quais foi jogador profissional,
reconhecidos como tempo de serviço. A obrigatoriedade dos recolhimentos das contribuições previdenciárias está a cargo do empregador, não havendo como se exigir, do segurado,
a comprovação de que foram vertidas, cabendo ao INSS cobrá-las do responsável tributário
na forma da lei. Para o trabalho exercido até o advento da Lei nº 9.032/1995 bastava o enquadramento da atividade especial de acordo com a categoria profissional a que pertencia o
trabalhador, segundo os agentes nocivos constantes nos róis dos Decretos nºs 53.831/1964 e
83.080/1979, cuja relação é considerada como meramente exemplificativa. Com a promulgação da Lei nº 9.032/1995 passou-se a exigir a efetiva exposição aos agentes nocivos, para fins
de reconhecimento da agressividade da função, através de formulário específico, nos termos
da lei que a regulamentasse. Somente após a edição da MP 1.523, de 11.10.1996, tornou-se
legitimamente exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários SB 40 ou DSS 8030. Legislação aplicável à época em que foram prestadas
as atividades, e não a do momento em que requerida a aposentadoria ou implementadas as
condições legais necessárias. Possibilidade da conversão do tempo especial em comum, sem
a limitação temporal prevista no art. 28 da Lei nº 9.711/1998. O Decreto nº 53.831/1964,
no código 2.4.4 do quadro anexo, e o Decreto nº 83.080/1979, no código 2.4.2 do anexo II,
caracterizam a categoria profissional de motorista de ônibus e de caminhões de carga como
atividade especial, com campo de aplicação correspondente ao transporte urbano e rodoviário. Atividade especial não comprovada. Inexistência de conjunto probatório consistente
acerca da habitualidade e permanência do desempenho da atividade de motorista autônomo.
Períodos trabalhados em atividades comuns e especiais totalizando 24 anos, 05 anos e 16
dias até o advento da Emenda Constitucional nº 20/1998. Possuindo menos de 30 anos de
tempo de serviço até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 20/1998, necessária
à submissão à regra de transição, a qual impõe limite de idade e cumprimento de pedágio
exigido em seu art. 9º, inciso I, e § 1º, letra b. Pedágio e requisito etário não implementados. Dada a sucumbência recíproca, cada parte pagará os honorários advocatícios de seus
respectivos patronos e dividirá as custas processuais, respeitada a gratuidade conferida ao
autor e a isenção de que é beneficiário o réu. Remessa oficial e apelação parcialmente providas para reconhecer a atividade de jogador de futebol desenvolvida pelo autor apenas nos
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA.................................................................................
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períodos de 10.08.1973 a 20.06.1975, 20.06.1975 a 16.01.1976, 15.06.1976 a 07.01.1977
e de 03.05.1977 a 31.12.1977, deixar de reconhecer as condições especiais do trabalho
de motorista autônomo e de conceder a aposentadoria especial. Sucumbência recíproca.”
(TRF 3ª R. – Ap-RN 0002651-15.2007.4.03.9999/SP – 8ª T. – Relª Desª Fed. Therezinha
Cazerta – DJe 06.06.2014 – p. 2455)
Comentário Editorial SÍNTESE
A discussão girou em torno da concessão da aposentadoria especial ao jogador de futebol.
O Mestre Wladimir Novaes Martinez explica:
“Uma aposentadoria específica dos jogadores de futebol, equivocadamente designada como aposentadoria especial, existiu até 14.12.1996, revogada pela Medida Provisória nº 1.523/1996,
convertida na Lei nº 9.528/1997, e não tratava dos valores auferidos anteriormente do limite do
salário-de-contribuição. Criada inicialmente pela Lei nº 5.939/1973, cuidava especialmente do
cálculo da aposentadoria por tempo de serviço, regulamentada pelo Decreto nº 77.210/1976
na Lei nº 6.269/1975 e Decreto nº 77.774/1976.” (Previdência Social dos Profissionais de
Futebol. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, a. I, n. 7,- jun.-jul./2012, p. 181)
A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/1991, será devida, uma vez
cumprida a carência exigida, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais
que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte
e cinco) anos.
Sergio Pinto Martins leciona:
“Agentes nocivos são os que possam trazer ou ocasionar danos à saúde ou à integridade física
do trabalhador nos ambientes de trabalho, em razão de sua natureza, concentração, intensidade
e exposição aos agentes físicos (ruídos, vibrações, calor, pressões anormais, radiações ionizantes
etc.), químicos (poeiras, gases, fumos, névoas, óleo contendo hidrocarbonetos etc.), biológicos
(microorganismos, como bactérias, fungos, parasitas, bacilos, vírus etc.).” (Direito da Seguridade Social, 20. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 374)
Trabalhista
1165 – Atleta – pré-contratação – despesas com deslocamento – ausência de cláusula específica – efeitos
“Atleta de nível. PRE. Contratação. Custeio das despesas de deslocamento. Ausência de cláusula específica. Ruptura contratual. Cláusula penal e perda de uma chance. Não tendo o
recorrente se desincumbido satisfatoriamente do ônus de provar suas alegações, nos termos
do art. 818 da CLT, não logrando demonstrar que cabia ao ABC Futebol Clube o custeio das
despesas de deslocamento para a apresentação do atleta, não há que se falar, portanto, em
condenação ao pagamento da cláusula penal pactuada pelo descumprimento do ajuste nem
dos prejuízos suportados pela perda de uma chance, uma vez que o não comparecimento do
recorrente na data aprazada não pode ser atribuído unicamente ao recorrido.” (TRT 21ª R.
– RO 78900-21.2013.5.21.0005 – (135.539) – Rel. Juiz Bento Herculano Duarte Neto –
DJe 11.07.2014 – p. 189)
1166 – Atleta profissional – contratos sucessivos – prescrição – termo inicial
“Recurso ordinário. Atleta profissional. Prescrição. Contratos sucessivos. Lei nº 9.615/1998
(Lei Pelé). Princípios da razoabilidade e da proteção. Súmula nº 156 do col. TST. O contrato
firmado nos moldes da Lei Pelé exige, no art. 30, a duração mínima de três meses e máxima
de cinco anos, com a possibilidade de sucessivas recontratações, sem, contudo, transmudar-se em contrato por prazo indeterminado, haja vista o afastamento expresso da aplicação do
art. 451 da CLT. Ante a impossibilidade de pactuação por tempo indeterminado, portanto,
também impossível a conclusão de que contratos sucessivos, sem solução de continuidade,
194 D��������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
teriam prazos prescricionais distintos, sob pena de violação dos Princípios da Razoabilidade e da Proteção. Aplicação, à hipótese, por analogia, da Súmula nº 156 do col. TST, que
prevê a fruição do prazo prescricional a partir da extinção do último contrato de trabalho.”
(TRT 6ª R. – RO 0000694-20.2012.5.06.0013 – 1ª T. – Relª Desª Valéria Gondim Sampaio –
DJe 02.07.2014 – p. 98)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 17, fev./mar. 2014, ementa nº 984 do TRT 9ª R.
1167 – Atleta profissional – direito de arena – natureza jurídica
“Recurso ordinário. Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Atleta profissional. Direito de arena. Natureza jurídica. Incidência, por analogia, do art. 457 da CLT, e da Súmula nº 354 do col.
TST. A verba denominada ‘direito de arena’ corresponde à garantia de proteção à participação individual em obras coletivas, encontrando amparo na alínea a do inciso XXVIII do art.
5º da Constituição Federal, bem como, no caso dos atletas profissionais de futebol, na Lei
nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que no seu art. 42, § 1º, estipula ganho a título de direito de imagem
do atleta que participa de espetáculo de futebol televisionado. Desse modo, inquestionável a
sua natureza salarial, porquanto decorrente do exercício da função e semelhante, por analogia, ao sistema das gorjetas, o que atrai a incidência do art. 457 da CLT, e da Súmula nº 354
do col. TST, devendo, por isso, integrar a remuneração do atleta. Apelo empresarial a que se
nega provimento, no particular.” (TRT 6ª R. – RO 0000414-80.2011.5.06.0014 – 1ª T. – Relª
Desª Valéria Gondim Sampaio – DJe 18.06.2014 – p. 162)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
1168 – Atleta profissional – direito de imagem – natureza jurídica – integração
“Recurso do reclamado. Atleta profissional. Direito de imagem. Natureza jurídica. Integração.
Hipótese dos autos em que o pagamento da parcela ‘direito de imagem’ não foi atrelada à
veiculação dos jogos pela televisão, tampouco aventada condição para o recebimento da
parcela, mas foi estabelecida em valor fixo e em termos que não deixam dúvidas quanto ao
compromisso de pagamento regular. Ostenta, portanto, natureza salarial e deve compor a
remuneração. Recurso do reclamante. Rescisão contratual sem justa causa. Assédio moral.
Indenização por danos morais. Ao autor compete a prova do fato constitutivo do seu direito
(art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho). Assim, diante da ausência de prova de vício
de consentimento, impossível a declaração de invalidade da modalidade rescisória acordada
pelas Partes. Multa do art. 477, § 8º, da CLT. ‘Multa. Art. 477, § 8º, da CLT. Parcelas rescisórias. Controvérsia. A multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT refere-se a qualquer atraso
no pagamento de parcelas rescisórias e incide em todas as hipóteses em que desrespeitados
os prazos previsto no seu § 6º, ainda que haja controvérsia sobre a existência de vínculo
empregatício ou sobre a modalidade de rescisão. O reconhecimento judicial do direito às
parcelas rescisórias ou a declaração da existência do vínculo em juízo não elide o pagamento
da multa, pois o chamamento da controvérsia ao Judiciário não pode ser causa impeditiva
do cumprimento da lei’ (Verbete nº 29 da 1ª Turma desta Corte regional). Nos termos do verbete mencionado, o reconhecimento em juízo de verbas rescisórias não quitadas não elide
a incidência da multa do art. 477, § 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Honorários
advocatícios. ‘Honorários advocatícios. Hipótese de cabimento. I – Na Justiça do Trabalho, a
condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por
cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por
sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA.................................................................................
195
salário-mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem
prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família’ (Súmula nº 219, I, do Tribunal Superior do Trabalho).” (TRT 10ª R. – RO 0000205-68.2013.5.10.0002 – Relª Desª Flávia Simões
Falcão – DJe 27.06.2014 – p. 3)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
1169 – Atleta profissional – gratificações por resultados – habitualidade – incorporação
“Atleta profissional. Gratificações por resultados conquistados nos jogos, mais conhecidas
como bichos. Habitualidade. O pagamento de gratificações pelos resultados do atleta profissional nas competições das quais participa, mais comumente conhecido como bicho, tem natureza salarial, porquanto concedido com certa periodicidade. Inteligência do § 1º do art. 31
da Lei nº 9.615/1998. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.” (TRT 21ª R.
– RO 82100-36.2013.5.21.0005 – (135.506) – Rel. Des. Eridson João Fernandes Medeiros –
DJe 02.07.2014 – p. 39)
1170 – Atleta profissional – requerimento de direito de imagem individual – legitimidade
ativa – ausência
“Atleta profissional. Direito de imagem individual. Vencido o Relator, prevaleceu na Turma
o entendimento de que, no caso, o atleta não possui legitimidade ativa para postular o reconhecimento da natureza salarial de verba paga a título de direito de imagem, uma vez que
cedeu e transferiu à segunda reclamada o pleno direito de uso de seu nome e imagem. Assim,
eventuais pagamentos pela exploração da imagem do reclamante, devem ser efetuados em
favor da dita pessoa jurídica, e não diretamente à pessoa física do atleta, porque a titularidade
desse direito é da empresa especialmente constituída para essa finalidade, e não do demandante.” (TRT 4ª R. – RO 0000006-75.2013.5.04.0402 – 7ª T. – Rel. Juiz Conv. Manuel Cid
Jardon – DJe 04.07.2014)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
1171 – Atleta profissional – rescisão contratual antecipada – prescricional bienal – termo
inicial
“Contrato de trabalho. Atleta profissional. Rescisão antecipada. Início do prazo prescricional bienal. Admitida a existência do contrato, era ônus do reclamado comprovar que o seu
encerramento se deu em data anterior a aquela constante no instrumento (documento de
fls. 05/08 do primeiro volume dos autos apartados), a teor dos arts. 818 da CLT e 333, II (fato
modificativo), do CPC. Desse ônus entendo que ele se livrou a contento, com a juntada de notícias colhidas na rede mundial de computadores, de sítios especializados em esportes, dando
conta da ‘rescisão amigável’ do contrato de trabalho em data anterior ao término previsto
no instrumento. O momento em que, de fato, ocorreu a rescisão é que faz disparar o prazo
prescricional bienal, a despeito da alegação de que a rescisão de seu de modo irregular, sem
a estrita observância do que diz o art. 28 da Lei nº 9.615/1998, com a sonegação dos valores
devidos. A violação do direito, ao contrário, é justamente o que faz nascer a pretensão (actio
nata art. 189 do CC).” (TRT 6ª R. – RO 0001702-68.2012.5.06.0001 – 3ª T. – Rel. Des. Ruy
Salathiel de A. M. Ventura – DJe 12.06.2014 – p. 385)
196 D��������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
1172 – Autônomo – Procurador-Geral do TJDPR – remuneração – inexistência
“Prestação de serviços autônomos. Responsabilidade pelo pagamento de valores sobre a questão da responsabilidade pelo pagamento do montante supostamente devido ao reclamante, o
ônus de demonstrar que a reclamada é a entidade devedora de tal valor era do autor, sendo
certo que não se desvencilhou de tal encargo. Ficou demonstrado, com fulcro nas provas
acostadas aos autos, que não existe remuneração para o cargo exercido pela parte reclamante, qual seja, Procurador-Geral do TJDPR, tendo em vista o constante na Lei nº 9.615/1998
(art. 52) e Código de Justiça Desportiva. Comprovada também a autonomia e independência
da reclamada em relação ao Tribunal de Justiça Desportiva do Estado do Paraná, fato este
que só corrobora com a tese defensiva. Sentença que se mantém.” (TRT 9ª R. – RO 358710006.2008.5.09.0008 – Rel. Sérgio Murilo Rodrigues Lemos – DJe 23.05.2014 – p. 156)
Comentário Editorial SÍNTESE
A vertente cuida da inexistência de remuneração ao Procurador-Geral do Tribunal de Justiça
Desportiva.
A CF/1988 determinou que a Justiça Desportiva é um conjunto de instâncias autônomas e independentes, com atribuições de dirimir os conflitos de natureza desportiva que envolvam questões
relativas à disciplina e à competição.
Entende-se, assim, que a Justiça Desportiva também é um meio alternativo de solução de
controvérsias.
Assim, a pessoa que atua na solução das controvérsias também é autônoma.
Essa é a redação do art. 52 da Lei nº 9.615/1998:
“Art. 52. Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de
Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos
Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do
desporto, e das comissões disciplinares, com competência para processar e julgar as questões
previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório. (NR) (Redação dada ao caput pela Lei nº 9.981, de 14.07.2000, DOU 17.07.2000).”
Os Mestres Rafael Teixeira Ramos e Larissa Navarro Benevides de Magalhães lecionam:
“A independência e a autonomia da Justiça Desportiva em nosso ordenamento jurídico aflui do
art. 217, §§ 1º e 2º, da Lei Magna, que, através desses dispositivos supremos, institui uma
Justiça para o desporto exclusa do Poder Judiciário, este previsto nos arts. 92 e ss., da Carta
Extraordinária.
Assente-se, desde logo, que a implementação da Justiça do Desporto às margens do Poder
Judiciário foi uma opção constituinte para responder aos anseios da dinamicidade, celeridade e
tipicidade da matéria esportiva, constituindo-se uma exceção ao princípio da tutela jurisdicional
(art. 5º, inciso XXXV), um autêntico pressuposto processual totalmente constitucional, inserido
na nossa Lei Magna, portanto, inconfundível com os métodos alternativos de resolução de conflitos; também não se revela inconstitucional, como alguns ainda insistem em afirmar, certamente,
por desconhecerem o seu próprio ordenamento jurídico.
A afirmação revolucionária da Justiça Desportiva, através de sua constitucionalização em
mandamento próprio, como acima descrevemos, estabeleceu justamente a garantia de sua jurisdição e competência quanto à matéria de litígios estritamente desportivos, ou seja, a lex
fundamentalis veio desvincular, emancipar os antigos órgãos jurisdicionais atrelados às Federações Desportivas, embora o legislador brasileiro, desde 1975, na Lei nº 6.251/1975, em seu
art. 42, já denominasse tais organismos jurisdicionais desportivos como Justiça Desportiva. O
Ministro Gilmar Mendes subscreve uma reflexão sobre a Justiça do Desporto brasileiro, bem
como uma possível ampliação da sua jurisdição e competência:
Não poderia também a Justiça desportiva cumprir um papel relevante, em razão da idéia de
autonomia que lhe é atribuída? Para isso seria imprescindível um grau mínimo de organização e
a possível necessidade de alguma regulação. Talvez até se poderia chegar a uma conformação
sem norma legal, e resolver, de modo célere e geral, as questões ligadas aos desportos, tais como
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA.................................................................................
197
a suspensão de jogadores, o direito à imagem, a remuneração de atletas, as formas de contrato,
as questões relativas aos campeonatos, a suspensão ou não de atletas, enfim, assuntos que,
obviamente, são estranhos à atividade judicante habitual.
O STJD é um órgão de distribuição de justiça altamente especializado e eficiente. De modo que
precisamos alargar nossa visão sobre sua competência e, quiçá, colocar um xeque a ‘ideologia
judiciária’, no sentido de que tudo há de ser submetido ao Poder Judiciário.
[...]
Nesses moldes, o Poder Disciplinar da Justiça do Desporto é autônomo, independente, e se
enquadra num sistema jurídico desportivo onde atua em paralelo aos demais Poderes Federativos, embora todos esses poderes sejam custeados pelas entidades desportivas (interpretação
sistemática do art. 23, I em consonância com os arts. 49 a 55 da Lei nº 9.615/1998 e art. 3º,
caput do CBJD).
Adicionamos o entendimento de que a Justiça Desportiva deve seguir os rumos da independência e autonomia in totum das associações federativas, a exemplo do que ocorreu com a Court
of Arbitration for Sport, instância suprema da Justiça Desportiva Internacional, fundada como
organismo do COI em 1983, posteriormente se tornando totalmente independente, através do
CIAS, fundação própria do referido CAS em 1994, instituição privada, edificada fora das estruturas orgânicas das entidades desportivas internacionais.” (Autonomia e independência da justiça
desportiva brasileira. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 18 jun. 2014)
1173 – Competência internacional – Justiça do Trabalho – pré-contrato de trabalho – tratativas para prestação de serviços no exterior a clube de futebol estrangeiro sem
agência ou sucursal no Brasil – não reconhecimento
“Competência internacional da Justiça do Trabalho. Pré-contrato de trabalho. Tratativas para
prestação de serviços no exterior a clube de futebol estrangeiro sem agência ou sucursal no
Brasil. À luz dos arts. 651, § 2º, da CLT, e 88 do CPC, em se tratando de relação jurídica entre
trabalhador brasileiro e empresa com sede no exterior, é a Justiça do Trabalho incompetente
processar e julgar o feito. Recurso conhecido e improvido.” (TRT 10ª R. – RO 000138185.2013.5.10.0001 – Rel. Juiz Antonio Umberto de Souza Júnior – DJe 13.06.2014 – p. 34)
1174 – Contrato por prazo determinado – rescisão – Lei Pelé – multa – observação
“Agravo de instrumento. Lei Pelé. Ônus da prova. Iniciativa da rescisão de contrato por prazo
determinado. Multa. Desprovimento. Diante do óbice das Súmulas nºs 126, 296 e 337, I, a,
desta col. Corte e da ausência de violação dos dispositivos invocados, não há como admitir o
recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AIRR 431-83.2010.5.15.0020
– 6ª T. – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJe 09.05.2014)
Comentário Editorial SÍNTESE
O v. acórdão tem por escopo cuidar da aplicação da multa prevista no art. 479 da CLT ao contrato de trabalho do atleta profissional jogador de futebol.
Aduziu o autor que a ré procedeu à rescisão antecipada do contrato de trabalho, razão pela qual
pretende a aplicação das penalidades previstas no art. 479 da CLT.
Todavia, o Regional não acolheu a pretensão, tendo em vista que o termo de extinção de contrato
de trabalho juntado, devidamente subscrito pelo reclamante, consigna expressamente que este
manifestou interesse em desligar-se da reclamada, que consentiu com a ruptura antecipada do
contrato em 10 dias.
Sublimado o feito ao eg. TST, o Ministro Relator também manteve a decisão de origem.
A Lei nº 9.615/1998 sofreu inúmeras alterações pela Lei nº 12.395/2011, tendo o § 3º do
art. 31 sido revogado.
A redação anterior era a seguinte:
“Art. 479. [...]
[...]
198 D��������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
§ 3º Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput deste artigo, a multa
rescisória a favor do atleta será conhecida pela aplicação do disposto no art. 479 da CLT. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 10.672, de 15.05.2003, DOU 16.05.2003).”
Os Mestres Saulo Nunes de Carvalho Almeida e Antonia Morgana Coelho Ferreira comentam
que:
“Nesse passo, também não há mais que se falar na possibilidade ou não de aplicação do
art. 479 da Consolidação das Leis de Trabalho aos contratos de trabalho desportivo. Tal dispositivo torna-se inaplicável aos contratos dos atletas profissionais, não havendo mais que se falar
em pagamento indenizatório, pelos clubes, de 50% da remuneração do atleta até o término do
contrato, na hipótese de rescisão contratual.” (A ofensa ao princípio do não retrocesso social
pela Lei nº 12.395/2011 e a possibilidade de readequação judicial da cláusula indenizatória
desportiva. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, São Paulo: IOB, a. I, n. 2, ago./set. 2011)
1175 – Direito de arena – alteração do percentual legal por acordo judicial entre clube e
sindicato – impossibilidade
“Direito de arena. Alteração do percentual legal por acordo judicial entre clube e sindicato. Impossibilidade. Renúncia. Transação. Impossibilidade. O § 1º do art. 42 da Lei
nº 9.615/1998, ao resguardar ao atleta profissional percentual do valor negociado a título de
direito de arena pela entidade desportiva, o estabelece em patamar mínimo, não podendo
este ser renunciado ou transacionado a menor, sob pena de ofensa ao princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas.” (TRT 1ª R. – RO 0001170-31.2010.5.01.0025 – 6ª T. – Rel.
Marcos Cavalcante – DOERJ 14.07.2014)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
1176 – Direito de imagem – natureza jurídica
“Direito de imagem. Natureza jurídica. Até a edição da Lei nº 12.395/2011, que introduziu
mudanças significativas na Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), tanto o direito de arena quanto o
direito de imagem tinham natureza salarial. Sobressaindo destes autos que a relação entre o
clube e o atleta profissional deu-se no ano de 2011 (11.07.2011 a 20.12.2011), ou seja, após
a edição da referida Lei nº 12.395/2011, forçoso ratificar a improcedência do pedido correlato.” (TRT 1ª R. – RO 0001219-96.2012.5.01.0059 – 3ª T. – Rel. Jorge Fernando Gonçalves da
Fonte – DOERJ 17.07.2014)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
1177 – Direito de imagem – pagamento fraudulento – integração ao salário – cabimento
“1. Jogador de futebol. Direito de imagem. Fraude à legislação trabalhista. Natureza salarial.
Verificado que o pagamento a título de cessão do direito de imagem é uma tentativa de
mascarar o verdadeiro salário percebido pelo reclamante, em fraude às leis trabalhistas, o
valor pago àquele título deve ser integrado ao salário para todos os efeitos legais. 2. Jogador
de futebol. Cláusula compensatória. A Lei nº 9.615/1998 tornou obrigatórias tanto a cláusula
indenizatória a favor da entidade esportiva quanto a cláusula compensatória a favor do atleta
empregado. Deixou ao arbítrio das partes apenas a fixação do valor das cláusulas. Constando
do contrato a pactuação da cláusula compensatória, a ausência de pactuação sobre o valor
não pode ser oposta à pretensão obreira quanto ao direito. 3. Jogador de futebol. Luvas.
Natureza. As luvas desportivas são pagas a atletas pela assinatura do contrato em razão do
reconhecimento de seu desempenho antes da contratação pelo clube que pretende incluí-lo
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA.................................................................................
199
em seus quadros. O instituto é oriundo do direito comercial, pelo estabelecimento de um
paralelo com o ‘fundo de comércio’, valor do ponto comercial. Conforme jurisprudência do
TST, as luvas têm natureza salarial, não se confundindo com prêmios ou indenizações. Recurso do reclamado e do reclamante conhecidos e não providos.” I – DECISÃO:. (TRT 10ª R. –
RO 0002555-51.2012.5.10.0103 – Relª Desª Elke Doris Just – DJe 27.06.2014 – p. 98)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
1178 – Direito de arena – proporcionalidade no pagamento e natureza jurídica – pagamento devido
“Embargos de declaração. Jogador de futebol. Diferenças de direito de arena. Proporcionalidade no pagamento e natureza jurídica. Omissão. Acolhimento. Acolhem-se os embargos de
declaração do reclamado, para suprir omissão relativa à proporcionalidade no pagamento do
direito de arena, nos termos do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998.” (TST – ED-RR 014800042.2009.5.01.0011 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJe 30.06.2014 – p. 2880)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
1179 – Direito de arena – redução do percentual – impossibilidade
“Recurso ordinário. Direito de arena. Redução do percentual. Impossibilidade. A redação
do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, vigente à época da contratação do autor estabelecia
o percentual mínimo de 20% para o cálculo do direito de arena, a ser distribuído aos atletas
profissionais, sendo este o patamar mínimo a ser observado.” (TRT 1ª R. – RO 000049341.2010.5.01.0044 – 8ª T. – Rel. Leonardo Pacheco – DOERJ 25.07.2014)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
1180 – Exceção de incompetência em razão do lugar – ajuizamento da ação na comarca de
domicílio do atleta profissional de futebol – direito de acesso à Justiça – observação
“Recurso ordinário do reclamante. Exceção de incompetência em razão do lugar. Ajuizamento da ação na comarca de domicílio do atleta profissional de futebol. Direito de acesso
à Justiça. As regras de competência relativa, em que se enquadra a territorial, devem ser interpretadas atentando à sua finalidade e à garantia constitucional de acesso à Justiça (art. 5º,
XXXV), mormente no caso em tela, haja vista a condição de hipossuficiência do autor, e o fato
de integrar o polo passivo clube profissional de futebol. Competência da Vara do Trabalho de
Cachoeira do Sul/RS, cidade em que o demandante mantém residência, em detrimento da tramitação junto à comarca (Recife/PE) em que situada a sede do clube desportivo demandado.
Recurso provido para determinar o processamento e julgamento do feito perante a unidade
judiciária em que proposta a presente ação.” (TRT 4ª R. – RO 0000456-31.2013.5.04.0721 –
2ª T. – Rel. Des. Alexandre Corrêa da Cruz – DJe 04.07.2014)
1181 – Indenização – danos moral e material – jogador de futebol – doença ocupacional –
reconhecimento
“Doença ocupacional. Jogador de futebol. Comprovada a relação de causa e efeito entre o
desenvolvimento da patologia sofrida pelo autor (osteíte do púbis) e as atividades por ele desempenhadas no clube reclamado, correta a decisão de origem ao condenar o empregador ao
200 D��������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
pagamento de indenização por danos morais e materiais. Recurso do reclamado desprovido.”
(TRT 4ª R. – RO 0001410-50.2012.5.04.0030 – 4ª T. – Rel. Des. André Reverbel Fernandes
– DJe 14.07.2014)
1182 – Reclamação trabalhista – atleta profissional – prescrição bienal – observação
“Jogador de futebol. Prescrição extintiva. Ajuizamento sem observância do prazo bienal. De
acordo com o art. 7º, XXIX, da CRFB a prescrição da pretensão de créditos resultantes das
relações de trabalho é de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato
de trabalho. Outrossim, mesmo que se aplicasse a prescrição civil, a pretensão também não
seria mais exigível.” (TRT 1ª R. – RO 0097400-30.2008.5.01.0018 – 2ª T. – Relª Volia Bomfim
Cassar – DOERJ 10.07.2014)
1183 – Relação de emprego – caddie em clube de golfe – não reconhecimento
“Vínculo de emprego. Caddie em clube de golfe. Situação em que o reclamante não logrou comprovar a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego nos
moldes previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Provimento negado.” (TRT 4ª R. – RO 000002071.2013.5.04.0010 – 1ª T. – Rel. Des. Marçal Henri dos Santos Figueiredo – DJe 21.07.2014)
1184 – Rescisão de contrato a prazo determinado por iniciativa do empregado – acordo
judicial – liberação do FGTS – efeitos
“Atleta profissional de futebol. Rescisão de contrato a prazo determinado por iniciativa do
empregado. Acordo homologado em juízo, salvo com relação à liberação dos depósitos
fundiários. Ausência de pretensão de reversão do pedido de demissão. Ato jurídico perfeito.
Interpretação restritiva do acordo. Levantamento do FGTS em hipótese não prevista em lei.
Pretensão contrária à lei a impedir sua homologação neste particular. As partes firmaram
acordo do qual constou que buscavam ‘dar fim à presente demanda’, devidamente homologado, exceto no que se refere à parte em que se consignou a liberação do FGTS por guia
de retirada/alvará judicial,o que se apresenta incólume, haja vista a incontroversa extinção
do contrato por pedido de demissão, em respeito a norma imperativa (Lei nº 8.036/1990,
art. 20, c/c Decreto nº 99.684/1990, art. 35). Não se nega que o acordo possa veicular tema
não posto em juízo, todavia, neste caso, para que se viabilizasse a alteração da modalidade
de dispensa que constou no TRCT deveria, necessariamente, ter sido deduzido pedido neste
sentido, pois todos os atos alusivos à extinção contratual haviam se tornado perfeitos. A
simples pretensão à expedição de guias para o levantamento do FGTS não pode ser interpretada ampliativamente como se as partes houvessem deixado subentendido que também
buscavam alterar a causa de rompimento contratual, notadamente porque os documentos
compilados aos autos contradizem este argumento, demonstrando, de forma inequívoca, a
iniciativa do atleta no desfazimento do vínculo. Recurso do reclamante a que se nega provimento.” (TRT 9ª R. – RO 0000699-21.2011.5.09.0651 – Rel. Ubirajara Carlos Mendes –
DJe 13.06.2014 – p. 99)
1185 – Responsabilidade civil – empregador – atleta menor – acidente ocorrido em período
de folga – indenização – descabimento
“Indenização por danos materiais e morais. Acidente. Ausência de nexo causal, dolo ou culpa do empregador. Culpa exclusiva do empregado em atividades não correlatas ao emprego. Não configura responsabilidade civil do empregador a ocorrência do acidente causado
exclusivamente pelo empregado, menor atleta, em momento que não estava à disposição,
nem mesmo sob a guarda ou responsabilidade do réu, mas sim, no período de folga de suas
atividades desportivas, participava de evento social com amigos.” (TRT 12ª R. – RO 000037557.2013.5.12.0043 – 5ª C. – Relª Maria de Lourdes Leiria – DJe 10.06.2014)
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201
1186 – Salário – direito de imagem – contribuição previdenciária – incidência
“A parcela remuneratória paga pela associação desportiva empregadora ao atleta empregado, a título de direito de imagem e decorrente do contrato de trabalho, tem natureza salarial e, logo, sofre incidência de contribuição previdenciária.” (TRT 1ª R. – AP 000022676.2012.5.01.0019 – 4ª T. – Rel. Luiz Alfredo Mafra Lino – DOERJ 16.06.2014)
Remissão Editorial SÍNTESE
Vide RDD nº 6, abr./maio 2012, assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de
Arena – Aspectos Controvertidos”.
Tributário
1187 – Copa do Mundo FIFA 2014 – tributos – isenção – concessão por lei municipal às
empresas que participassem da organização – cabimento
“Tributário. Isenção concedida por lei municipal às empresas que participassem da organização da Copa do Mundo FIFA 2014 em Natal. Demolição e remoção do Estádio Machadão e
do Ginásio Machadinho, construção, manutenção e gestão da operação do Estádio Arena das
Dunas. Isenção condicional. Lei Municipal nº 5.901/2009, art. 2º, II. Inércia da FIFA em fornecer documento oficial na Secretaria Municipal de Tributação. Isenção condicionada a fato
de terceiro. Omissão que não pode prejudicar o concessionário que efetuou suas atividades.
Conhecimento e provimento do recurso. De acordo com a Lei Municipal nº 5.091/2009 ficam
isentas dos tributos de competência municipal as operações necessárias para a organização
ou realização da Copa Mundial FIFA de 2014, quando em algum dos polos da operação
figure: a Federation Internationale de Footbal Association (FIFA); pessoa física ou jurídica ou
delegação diretamente vinculada à organização ou à realização do evento, desde que expressamente relacionada pela FIFA em documento oficial a ser entregue na Secretaria Municipal
de Tributação. A Lei Municipal nº 5.901/2009 trouxe uma condicionante para a concretização da isenção, qual seja: a pessoa física ou jurídica ou delegação diretamente vinculada à organização ou à realização do evento, deveria estar expressamente relacionada pela Federação
Internacional de Futebol (FIFA) em documento oficial a ser entregue na Secretaria Municipal
de Tributação. A demora ou inércia da FIFA em fornecer o documento a que alude o art. 2º,
II, da Lei Municipal nº 5.901/2009, não pode prejudicar o particular que, segundo o contrato
de concessão, efetuou os serviços de ‘demolição e remoção do Machadão e Machadinho,
construção, manutenção e gestão da operação do Estádio das Dunas’ (Cláusula 5ª objeto da
concessão administrativa).” (TJRN – AC 2014.002845-8 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Conv. Paulo
Maia – DJe 29.07.2014 – p. 47)
1188 – Execução fiscal – penhora sobre faturamento da pessoa jurídica – valores relativos
à renda de jogos, venda de produtos de clube, contratos de patrocínio, direito de
imagem e outras cotas e verbas – possibilidade
“Processual civil e tributário. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Penhora sobre faturamento da pessoa jurídica. Valores relativos à renda de jogos, venda de produtos de clube,
contratos de patrocínio, direito de imagem e outras cotas e verbas. Possibilidade. Percentual
limitado a 5%. Viabilização da atividade regular da entidade desportiva de futebol. Arts. 612
e 620 do CPC. Precedentes. Pelo parcial provimento do agravo de instrumento. 1. A penhora
de percentual do faturamento da pessoa jurídica vem sendo admitida pela doutrina e pela
jurisprudência de nossos Tribunais, em situações excepcionais, quais sejam, em face da oferta
de bens de reduzido ou nenhum valor econômico pelo devedor, ou ainda, tendo em vista a
ausência de bens penhoráveis, circunstância evidenciada no caso em tela. 2. Consoante tem
202 D��������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA
entendido o col. Superior Tribunal de Justiça, o montante estipulado há de ser moderado,
de sorte a não comprometer o próprio funcionamento da pessoa jurídica. Nessa linha de
raciocínio, conclui-se que, na decretação da penhora sobre o faturamento da pessoa jurídica,
além da verificação da inexistência de bens satisfatórios para garantia do débito executado,
faz-se necessária a fixação de percentual que não inviabilize as atividades regulares do clube
agravado, tendo em vista que a execução deve ser feita da forma menos onerosa ao devedor,
desde que resguardado o interesse do credor em ver satisfeito o seu crédito. 3. Mostra-se
razoável, em observância ao disposto nos arts. 612 e 620, ambos do CPC, deferir a penhora
requerida no percentual de 5% (cinco por cento). 4. Precedentes. 5. Agravo de instrumento parcialmente provido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0002592-50.2014.4.05.0000 – (137257/PB) –
1ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti – DJe 03.07.2014 – p. 90)
1189 – IR – museu do Futebol Clube do Porto – custeio da obra e locação de espaços publicitários – retenção na fonte – remessas ao exterior – tributação – exegese
“Tributário. Processual civil. Mandado de segurança. Museu do Futebol Clube do Porto (custeio da obra e locação de espaços publicitários). IRRF. Remessas/envios ao exterior, por empresa brasileira, aqui sediada, a sociedades portuguesas, sem estabelecimento no Brasil, de
valores enquadráveis como o ‘lucro’ de que trata a convenção/tratado Brasil-Portugal (Decreto nº 4.012/2001), celebrados para evitar bitributação precedente do STJ. 1. A querela é do
tipo exclusivamente jurídica, remetendo à só interpretação de conceitos jurídico-tributários
usuais, sem qualquer resquício fático-probando, o que torna adequada a via processual adotada, ensejando o afastamento do art. 267, VI, do CPC, e viabilizando, com permissivo no § 3º do
art. 515 do CPC, dada a maturidade do feito, o exame do mérito pelo TRF 1. 2. A Convenção/
Tratado Brasil-Portugal, celebrada em maio/2000, promulgada pelo Decreto nº 4.012/2001,
‘destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre
o rendimento’, consigna que ‘os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem
ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado
contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua
atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na
medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável’. 3. Da leitura do tratado/convenção se extrai que a palavra ‘lucros’ alude não conceito jurídico contábil nacional estrito,
abarcando, sim, remessas/envios de empresa brasileira, aqui constituída e sob leis nacionais,
para o exterior (Portugal), em prol de sociedades constituídas sob as normas lusitanas e em tais
terras situadas, a título de custeio de edificação de museu esportivo e locação de espaços publicitários, notadamente se os beneficiários dos enviados não possuem estabelecimento estável
no Brasil, devendo eles, a tempo e modo, se sujeitarem as leis tributárias do Estado Português
em face do rendimento auferido, o que, contudo, não legitima a incidência, aqui no Brasil, do
IRRF. 4. Precedente – mutatis mutandis – da T2/STJ, amplo e mais do que bem fundamentado
(REsp 1161467/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 17.05.2012): ‘[...]. Convenções internacionais
contra a bitributação. Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá. Arts. VII e XXI. Rendimentos auferidos
por empresas estrangeiras pela prestação de serviços à empresa brasileira. Pretensão da fazenda
nacional de tributar, na fonte, a remessa de rendimentos. Conceito de ‘lucro da empresa estrangeira’ no art. VII das duas convenções [...]. Prevalência das convenções sobre o art. 7º da Lei
nº 9.779/1999. Princípio da especialidade. Art. 98 do CTN. Correta interpretação. 3. Segundo
os arts. VII e XXI das convenções contra a bitributação celebrados entre Brasil-Alemanha e
Brasil-Canadá, os rendimentos não expressamente mencionados na convenção serão tributáveis
no Estado de onde se originam. Já os expressamente mencionados, dentre eles o ‘lucro da empresa estrangeira’, serão tributáveis no Estado de destino, onde domiciliado aquele que recebe a
renda. 4. O termo ‘lucro da empresa estrangeira’, contido no art. VII das duas convenções, não
se limita ao ‘lucro real’, do contrário, não haveria materialidade possível sobre a qual incidir o
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA.................................................................................
203
dispositivo, porque todo e qualquer pagamento ou remuneração remetido ao estrangeiro está e
estará sempre – sujeito a adições e subtrações ao longo do exercício financeiro. 5. A tributação
do rendimento somente no Estado de destino permite que lá sejam realizados os ajustes necessários à apuração do lucro efetivamente tributável. Caso se admita a retenção antecipada – e,
portanto, definitiva – do tributo na fonte pagadora, como pretende a Fazenda Nacional, serão
inviáveis os referidos ajustes, afastando-se a possibilidade de compensação se apurado lucro
real negativo no final do exercício financeiro. 6. Portanto, ‘lucro da empresa estrangeira’ deve
ser interpretado não como ‘lucro real’, mas como ‘lucro operacional’, previsto nos arts. 6º, 11
e 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 como ‘o resultado das atividades, principais ou acessórias,
que constituam objeto da pessoa jurídica’, ai incluído, obviamente, o rendimento pago como
contrapartida de serviços prestados. 7. A antinomia supostamente existente entre a norma da
convenção e o direito tributário interno resolve-se pela regra da especialidade, ainda que a
normatização interna seja posterior à internacional. 8. O art. 98 do CTN deve ser interpretado
à luz do princípio Lex specialis derrogat generalis, não havendo, propriamente, revogação ou
derrogação da norma interna pelo regramento internacional, mas apenas suspensão de eficácia
que atinge, tão só, as situações envolvendo os sujeitos e os elementos de estraneidade descritos
na norma da convenção. 9. A norma interna perde a sua aplicabilidade naquele caso específico, mas não perde a sua existência ou validade em relação ao sistema normativo interno. Ocorre uma ‘revogação funcional’, na expressão cunhada por Heleno Torres, o que torna as normas
internas relativamente inaplicáveis àquelas situações previstas no tratado internacional, envolvendo determinadas pessoas, situações e relações jurídicas específicas, mas não acarreta a
revogação, stricto sensu, da norma para as demais situações jurídicas a envolver elementos não
relacionadas aos Estados contratantes. 10. No caso, o art. VII das Convenções Brasil-Alemanha
e Brasil-Canadá deve prevalecer sobre a regra inserta no art. 7º da Lei nº 9.779/1999, já que
a norma internacional é especial e se aplica, exclusivamente, para evitar a bitributação entre
o Brasil e os dois outros países signatários. Às demais relações jurídicas não abarcadas pelas
convenções, aplica-se, integralmente e sem ressalvas, a norma interna, que determina a tributação pela fonte pagadora a ser realizada no Brasil’. 5. Apelação provida: preliminar de impropriedade da via afastada, segurança concedida. 6. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília,
8 de abril de 2014, para publicação do acórdão.” (TRF 1ª R. – AC 0058303-05.2011.4.01.3800/MG
– Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral – DJe 25.04.2014 – p. 806)
Comentário Editorial SÍNTESE
No acórdão ora comentado, a 7ª Turma do TRF da 1ª Região consignou o entendimento que
não incide Imposto de Renda retido na fonte sobre repasses feitos por empresas brasileiras a
estrangeiras sem estabelecimento no Brasil.
Em primeira instância, o processo foi extinto por impropriedade da via eleita, o que gerou o
recurso que deu cauda ao acórdão em comento.
Alegou a empresa a legitimidade da via eleita e, no mérito, que o art. 7º do Tratado/Convenção
Brasil-Portugal, promulgado pelo Decreto nº 4.012/2001, afastaria a cobrança do IRRF que
deverá ocorrer, se for o caso, com base nas normas vigentes em Portugal.
Ao analisar os autos, manifestou-se o Desembargador Relator concordando com os argumentos
apresentados pela recorrente, e destacando que a Convenção/Tratado Brasil-Portugal estabelece que “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse
Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio
de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os
seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem
imputáveis a esse estabelecimento estável”, e que se as empresas portuguesas beneficiárias dos
repasses feitos pela empresa brasileira não possuem estabelecimento estável no Brasil, “devem
elas, a tempo e modo, se sujeitarem às leis tributárias do Estado Português em face do rendimento auferido, o que, contudo, não legitima a incidência, aqui no Brasil, do IRRF”.
Seção Especial – Estudo Dirigido
Torcedores Violentos ou Seres Humanos Problemáticos? Breve
Reflexão Antropológico-Psicológica
CAREN VIAN CEREZER
Graduada em Psicologia pela USF-Itatiba, participou, como cursista, do XVIII Simpósio Instituto
Bairral-Crack: O Tratamento com Qualidade É Possível, do XIX Simpósio Instituto Bairral-Histeria, Curso ministrado pela facilitadora Dra. Silvia Helena Franchetti/UNICAMP: Psicoterapia
Breve de Base Psicanalítica, Extensão em Psicopatologia – FAJ, atuou em clínicas psiquiátricas e outras entidades de saúde, atualmente presta atendimentos individuais e grupais de
neuróticos, psicóticos e dependentes químicos.
VANDERLEI DE LIMA
Graduado em Filosofia pela PUC-Campinas, Pós-Graduado em Psicopedagogia no Processo Ensino Aprendizagem pelo Centro Universitário Amparense, UNIFIA, Extensão em Parapsicologia
pela FEG/CLAP-SP e Direito e Punição pela PUC-Campinas, Colunista de Jornais desde 1998.
Autor dos Livros Torcidas Organizadas em Amparo: O Caminho da Paz É Possível?, Torcida
Fúria Independente e O Protagonismo das Torcidas Organizadas na Promoção da Paz (este em
coautoria). Dirige o Projeto Toppaz (Torcida Organizada Pela Paz).
RESUMO: Este artigo tem em vista defender, à luz da psicologia evolutiva e clínica, a tese segundo
a qual, antes de existirem torcedores violentos, há, na realidade, seres humanos problemáticos que
têm três características especiais: são homens, gostam de brigar e, quase sempre, possuem extensa ficha policial. Daí ser necessário oferecer três saídas, as duas primeiras corretivas e a terceira
preventiva: a curto prazo, repressão legal no local da ocorrência violenta; a médio prazo, educação
ética com reavaliação da escala de valores do brigão acompanhada de psicoterapia, se for o caso; e,
a longo prazo, a revalorização da família como base da formação de um indivíduo capaz de viver em
uma sociedade regida pela lei natural moral. Só assim (e não com a extinção das torcidas organizadas de futebol) é possível – em nível de contribuição prática – corrigir e/ou prevenir manifestações
de agressividades patológicas na sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Homens violentos; prevenção; seres humanos problemáticos; psicologia.
ABSTRACT: This article aims to advocate, in the light of the Evolution and Clinical Psychology, that
previously of violent fans existence, in fact, there are problematic human beings who have three
different special characteristics: They are men who like fighting with an extended criminal record. For
those reasons it is necessary to present three alternatives as solutions, the second ones correctives
and the third one preventive: In a short time, legal repression at the violent place; in a medium term,
ethics education lessons in order to revaluate the life values of the violent fan accompanied with
psychotherapy treatment; in the long term, the revaluation of family values as a human being bases in
order to be capable to live in a society ruled by the natural and moral law. Only with those actions (and
never with the extinction of the ‘torcidas organizadas de futebol’) would be possible – in a standard
of practical contribution – to correct and/or prevent aggressive manifestations in the current society.
KEYWORDS: Violent men; prevention; problematic humans; psychology.
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SUMÁRIO: Introdução; 1 Em grupos diferentes e países distantes, ocorrências semelhantes; 2 As
marcas registradas nas ocorrências: “gosto por brigas” e “homens problemáticos”; 3 Os “remédios”
para os seres humanos problemáticos; 4 Nas raízes remotas do problema, a real solução; Conclusão;
Referências.
INTRODUÇÃO
Este trabalho deseja, sem a intenção de ser conclusivo a respeito do assunto “violência e futebol”, despertar uma linha que parece um tanto esquecida
quando se trata das cenas de selvageria entre torcedores organizados.
Esse fio condutor pouco valorizado nos debates, mas aqui resgatado, é o
seguinte: antes de existir um “torcedor violento”, há um “ser humano problemático” que busca – em um grupo com alto potencial de ocorrências de brigas1,
entre os quais estão algumas torcidas organizadas –, colocar em prática o seu
lado altamente agressivo2.
Para comprovar isso, percorreremos, com base em referências bibliográficas, o seguinte roteiro: a) há brigas semelhantes tanto em torcidas organizadas
como em outros grupos também rotulados de violentos; b) na grande maioria
dos conflitos, dentro ou fora das torcidas, os brigões (todos homens) são poucos, mas quase sempre carregam consigo um histórico de problemas anteriores
(“figurinhas carimbadas”, no jargão policial); c) entre os torcedores violentos,
salvo raríssimas exceções, não há nenhum inocente ou ingênuo, cada um sabe,
via de regra, o que está fazendo naquele dia, hora e local, ou seja, dirige-se para
determinado lugar disposto, ao menos potencialmente, a brigar.
Apresentada a nossa tese, propomos algumas medidas práticas. A curto
prazo, a vigilância para com os brigões e sua repressão por meio da ação policial, se for o caso; a médio prazo, a psicoterapia e a reconstrução da escala
de valores do indivíduo problemático; a longo prazo, em termos de resultados
concretos, mas com início imediato, a revalorização da família, célula-base da
sociedade, e da própria estrutura social a fim de que esta seja cada vez mais
civilizada. Sim, pois, geralmente, o comportamento agressivo, manifestado na
1
2
Esta definição tem peso, pois não queremos inserir os adolescentes e jovens que sentem prazer em confrontos
com rivais como membros de gangues, uma vez que esse termo soa quase sempre pejorativo em nosso país.
Galera, por sua vez, seria mais interessante, embora pareça não dar o sentido muitas vezes bélico dessa
união dos jovens (Abramovay, 2004). Ficamos, pois, com o termo “grupo social com alto risco (portanto, não
qualquer risco) de conflitos” por julgarmos ser mais coerente no caso desta pesquisa, dado que não rotula no
substantivo, mas traz um adjetivo apto a caracterizar o modo de agir dos integrantes desses grupos.
Não tratamos aqui, evidentemente, de rapazes que possam brigar de modo fortuito em uma situação pontual
(um derramou cerveja no outro, por exemplo, houve discussão, agressão e, por fim, um conflito generalizado),
mas, sim, daqueles que saem predispostos a brigar ou, em outras palavras, a praticar o que Reis (2006)
chama de “violência racional”, aquela premeditada intelectualmente.
206 D����������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDO DIRIGIDO
adolescência ou na juventude, tem suas raízes em uma família e sociedade desestruturadas e começaram na infância, ou seja, na fase de 0 a 6 anos de idade.
1 EM GRUPOS DIFERENTES E PAÍSES DISTANTES, OCORRÊNCIAS SEMELHANTES
Registramos, de início, nossa tese: muito antes de existirem torcedores
violentos, há seres humanos problemáticos. Duas provas são por nós arroladas
para sustentar esta afirmação:
a)
a constatação de que há brigas semelhantes não só em torcidas organizadas, mas também fora delas e que tais confrontos são registrados com membros de classes sociais diversas e em países e ocasiões
diferentes;
b)
os envolvidos em confusões nos vários grupos com alto potencial
de ocorrências de brigas têm, quase sempre, um histórico portador
de diversos antecedentes confirmadores de suas condutas errôneas.
Essas condutas estão, portanto – ainda que observadas de modos
diferentes em cada indivíduo –, às margens das normas e regras
norteadoras de uma sociedade civilizada.
Isso posto, expomos seis casos extraídos de notícias publicadas na imprensa diária nos últimos catorze anos, como se pode ver pelas fontes. Contudo,
nós as reescrevemos a fim de que, sem descaracterizar o conteúdo da reportagem, não seja tão fácil notar, de imediato, se tais brigas foram protagonizadas
por membros de torcidas organizadas brasileiras, estrangeiras (ainda que se lhes
dê outros nomes) ou por outro grupo social com alto histórico de conflitos.
A intenção principal, com isso, é demonstrar que, se ocorrem fatos idênticos dentro e fora das agremiações de torcedores organizados, a raiz do problema não está, primariamente3, nas torcidas organizadas em si – ainda que
estas possam, de acordo com suas posturas, ajudar a melhorar ou a piorar o
comportamento do associado (cf. Lima 2013) –, mas, sim, em alguns poucos
seres humanos problemáticos que as integram.
Com efeito, os cerca de 5 a 7% de desordeiros presentes entre os torcedores organizados (Murad, 2007) poderiam integrar qualquer outro grupo social
no qual seja alto o risco de ocorrer algum conflito e aí também – esta é nossa
tese – esses brigadores colocariam em prática, sem hesitar, o seu lado humano
patologicamente agressivo. Eis os casos:
3
O que não quer dizer que secundariamente não influencie. Contudo, aqui nos interessam as possíveis fontes
primeiras dos atos violentos desses adolescentes e jovens, maioria dos protagonistas.
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDO DIRIGIDO...................................................................................................
a)
207
Brigas generalizadas foram registradas. Quinze pessoas ficaram
feridas, sendo cinco em estado grave, desses ao menos três sofreram facadas e alguns dos envolvidos na confusão acabaram sendo
presos:
Houve danos materiais a comércios ou a indivíduos particulares, uma
vez que os rixosos se valeram de pedras, garrafas e até bicicletas como arma de
guerra. Dias antes dessa briga, dois jovens foram mortos em confronto semelhante (Folha de S. Paulo, 18.05.2000, p. D3).
b)
Apesar de o Governo exigir que os bares só vendessem cervejas em
copos plásticos e não em garrafas, houve confronto de jovens entre
si e contra a polícia após um grande evento público. O resultado foi
a prisão de 12 pessoas. Um jovem brigão e um policial acabaram
feridos (Folha de S. Paulo, 17.06.2000, p. D4).
c)
Duas facções se enfrentaram na cidade de Campinas/SP sem se intimidar com a presença de 50 policiais no local do evento. Os PMs,
munidos com bombas de gás lacrimogêneo, dispersaram os desordeiros que, via de regra, andam em bandos e sempre dispostos a
brigar, segundo testemunhas (Correio Popular, 30.03.2004, p. 9).
d)
Dois grupos adversários se agrediram mutuamente nas ruas. A polícia interveio com escudo de autodefesa, cacetetes, balas de borracha e spray de efeito moral. O saldo da confusão foi de três pessoas
feridas encaminhadas ao hospital e outras 50 detidas para averiguação (O Estado de S. Paulo, 13.06.2012, p. E6).
e)
Adversários marcaram uma briga pelo twitter e realmente se encontraram no momento combinado para o tão esperado acerto de
contas que deixou um morto e um ferido.
A confusão pode ser medida pela publicação de um rapaz de 23 anos,
que, em seu microblog, postou o seguinte: “Eu vou no estilo [fardado, vestido
com roupas facilmente identificáveis pelos rivais – nota nossa] e vou com uma
pá de nego, e vai dar treta [briga – nota nossa]”.
Conforme testemunhas, o enfrentamento começou quando um dos grupos brigões subiu a rua combinada e encontrou, como estava combinado, com
os rivais. Houve corre-corre e pessoas foram vistas portando pedaços de pau,
facas, pedaços de garrafas de vidro e rojões como armas.
Era tanta gente envolvida na briga que até “parecia que estavam se posicionando para uma guerra”, disse uma pessoa que não quis ser identificada.
O rapaz assassinado tomou uma paulada na cabeça, caiu e aí foi esfaqueado.
Socorrido, faleceu no hospital horas depois (O Estado de S. Paulo, 05.09.2011,
p. C1).
208 D����������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDO DIRIGIDO
f)
Uma briga entre grupos rivais aconteceu no bairro de Pinheiros,
Zona Oeste de São Paulo, deixando um saldo de seis feridos no
último domingo (Diário de S. Paulo, 28.11.2011, p. 11).
É bastante provável que quem leu as notícias acima e não se deu ao
complexo trabalho de buscar os detalhes nas próprias fontes citadas, embora
possa ter sido, de imediato, levado a propor a si mesmo ou a quem lhe estivesse
próximo vários questionamentos: a ocorrência se deu no Brasil ou no exterior?
Foi protagonizada por torcedores organizados ou por outros grupos sociais com
alto histórico de conflitos? Se a resposta à última questão for afirmativa, que
grupos são esses? O que têm de comum com as associações de torcedores de
futebol?
Pois bem, frente a esses questionamentos, respondemos que envolvem
torcidas organizadas brasileiras os tópicos d e f e são relatos vindos do exterior
as matérias a e b, ao passo que as notícias c e e referem-se a grupos brasileiros: a primeira dos chamados pitboys4 entre si e a segunda de punks5 contra
skinheads6.
As divergências entre as seis notícias citadas são duas: o país da ocorrência e o “motivo” alegado para a briga acontecer. Já que “as diferenças entre
grupos de rua são muito pequenas” (Gulo, 2011), as semelhanças se sobressaem. Entre elas destacamos três: todas as brigas se deram, quase sempre, na rua;
todos os envolvidos, ao que tudo indica, eram homens, dispostos ou mesmo
preparados, para um possível confronto, e todos eles pareciam gostar dessas
“aventuras” (alguns já têm, inclusive, várias passagens pela Polícia), razão pela
qual assumem tais situações de risco.
2 AS MARCAS REGISTRADAS NAS OCORRÊNCIAS: “GOSTO POR BRIGAS” E “HOMENS
PROBLEMÁTICOS”
O grande líder da La Doce, barra-brava argentina tida por violenta, fazendo referência ao ano de 1987, confessa o seguinte: “Aquela época era ge4O pitboy é um estereótipo ligado a indivíduos do sexo masculino, de grande porte físico e que, habitualmente,
se envolvem em brigas. Entre os elementos comuns ao estereótipo, estão o de frequentar academias de
musculação e praticar artes marciais, bem como, ao que o próprio nome indica, ser possuidor de cachorros
da raça pitbull.
5 Punk é um movimento musical e cultural. Termo também usado para designar as pessoas que seguem esse
movimento. Os punks surgiram, inicialmente, nos Estados Unidos, nos anos 70, foram para a Grã-Bretanha
e, alguns anos depois, se espalharam por outros países.
6
Skinhead cultura juvenil que possui tanto o aspecto musical como também o estético e comportamental.
Tem origem, na década de 1960, no Reino Unido, e é constituída, em sua maioria, por brancos e negros
(imigrantes jamaicanos), reunidos pela música (ska, reggae, rude boys etc.).
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDO DIRIGIDO...................................................................................................
209
nial. Se não houvesse combate, era como se nós não tivéssemos ido ao estádio.
E sempre de punho limpo7” (Grabia, 2012).
Também no Brasil escolher um adversário, seja ele quem for8, é importante para os brigões, segundo a constatação de Monteiro (2013) ao escrever
que:
Parece mesmo haver entre esses torcedores a expectativa e o desejo de que os
preparativos que antecedem uma partida descambem em violência e confrontos,
ficando um sentimento de frustração coletiva quando isso não acontece. [...] Em
tais ocasiões, é comum os torcedores organizados tomarem como alvo de suas
provocações mesmo aqueles que não têm nenhuma identificação com o “inimigo”, como transeuntes, ambulantes e gandulas, apenas para não deixar de haver
“zoação” ou para não perder a viagem. Certa vez, ao final de um jogo de basquete entre Flamengo e Vasco da Gama, como a torcida vascaína já tivesse deixado
o estádio escoltada pela Polícia Militar, os torcedores do Flamengo passaram a
provocar os funcionários da Suderj com os mesmos gritos de guerra entoados
contra torcidas inimigas.
Pelo ângulo das investigações policiais, a delegada Margarette Barreto,
do Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), confirma a
fala de um dos líderes máximos da La Doce, Rafael Di Zeo, e do cientista social
Rodrigo Pedroso ao dizer que, quando nos referimos aos torcedores organizados apaixonados por brigas, “não estamos falando de nenhuma chapeuzinho
vermelho na floresta, mas de gente que anda armada, que vai ao jogo brigando
com pessoas, dá tiro. São pessoas que fazem a própria escolta armada e que não
pede escolta da polícia” (Agora, 28.03.2014, p. B3).
Mais: Barreto assegura que há premeditação dos torcedores violentos
com relação às brigas: “Existe um ritual antes da pancadaria. Eles fazem churrasco aos sábados, bebem, se drogam e saem no domingo cedo não para o
futebol, mas para brigar” (Diário de S. Paulo, 28.03.2012, p. 2).
Isso, contudo, não é só mau privilégio de algumas tão criticadas – em não
poucos casos com razão – torcidas organizadas, mas de qualquer grupo que dê
guarida a seres humanos problemáticos em seus quadros sociais.
No entanto, esses dados ilustrativos, acima expostos, corroboram nossa
tese neste artigo: o problema do rotulado “torcedor violento” é, antes de tudo,
uma questão de raiz pessoal e familiar que teve origem na primeira infância,
ou seja, muito antes de sua pertença à torcida organizada, ele já era um ser humano problemático. Portanto, o brigador não ficou violento porque se tornou
integrante de uma torcida organizada. Ao contrário, ele buscou uma torcida
7
8
“Mão limpa” é mais comum em português – nota dos autores deste trabalho.
Realmente, a agressão pode ser dirigida ao agente frustrador (o pai, a mãe, o rival, o policial etc.) ou transferirse para um substituto dele, mesmo que este seja inocente na história (o lixeiro, o repórter, a dona de casa etc.)
(Cf. Barros, 1990).
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organizada com alto índice de ocorrências de brigas porque tem dentro de si
um perfil agressivo patológico a ser colocado em prática.
Pergunta-se, contudo, como é que esse ser rapaz impetuoso descobriu
uma torcida com altos índices de brigas e a ela se associou e não buscou outro
grupo de torcedores organizados mais tranquilos? A resposta é simples: pelas
notícias sensacionalistas difundidas por órgãos da própria mídia que foi, mais
de uma vez, acusada de ser coprodutora da violência, segundo Murad (2003).
Para ele,
a equação pode funcionar mais ou menos assim: se a impressão dominante que
fica é a de que os estádios são lugares de “porradaria”, os vândalos, mesmo que
não se interessem por futebol, passam a procurar os estádios para encontrar ali o
que buscam em qualquer espaço (boates, praias, shows), ou seja, a “porradaria”.
Em suma, existindo brigas ou ao menos a possibilidade de que elas ocorram, é o que mais importa como motivação a esses adolescentes ou jovens
“valentões” na escolha de um grupo no qual se sintam capazes de colocar em
prática, com poucos impedimentos, sua patológica agressividade.
E mais: esses seres humanos problemáticos são sempre (ou quase sempre)
violentos onde quer que estejam. Sim, Pinto (2011), depois de estudar fontes
da Psicologia e da Psiquiatria, pôde dizer o seguinte: na violência presente nas
torcidas organizadas de futebol, não há, basicamente, nenhuma diferença em
relação à
violência que se vê no trânsito, na escola, no emprego, nas relações familiares
etc. Aquele que agride a esposa em casa aproveita os jogos de futebol para agredir também o seu oponente. Quem transgride a lei de trânsito, transpondo o sinal
vermelho que lhe é desfavorável, sente-se estimulado a atingir o mais elementar
direito de seu semelhante. Tudo é fruto da enorme escalada da violência que se
verifica em nosso país, cujas causas são as mais diversas e que, por consequência, atinge também o futebol (embora não raramente sejam vistas tais práticas
também no basquete e no futsal). Uma sociedade violenta irradia seus reflexos
para todos os campos da atividade humana, sendo inviável se imaginar que o
esporte possa se ver livre desse triste fenômeno.
Por que se usou acima a expressão “quase sempre”? Porque, respondemos, há exceções entre os brigões que participam de tumultos nos estádios e
seus entornos, especialmente nos dias de jogos, e também em outros ambientes,
como festas, trânsito, lar. São aqueles adolescentes, jovens ou adultos que têm
comportamentos diferentes conforme o momento ou local em que se encontrarem: nos dias de jogos ou junto com o grupo, agem de modo violento, mas, em
casa, na escola ou no trabalho, são cidadãos exemplares no que toca à educação, à pontualidade, à benevolência etc.
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Isso se explica, com certa facilidade, se tivermos presente que são adolescentes ou jovens, na sua maioria, inteligentes o suficiente para perceberem algo
essencial à sua sobrevivência: para cada papel que exercem, em momentos
e ambientes diferentes, precisam seguir algumas características de um personagem próprio criado para atingir os seus objetivos, ou seja, eles se valem da
manipulação das pessoas para alcançarem aquilo que almejam.
Esta é, como já se pode notar pela descrição, uma característica que traz
indícios de psicopatia. Aliás, muitos deles, diferentemente do que se imagina no
senso comum, não são assassinos em série. Ao contrário, convivem conosco, na
sociedade, sem serem notados, mas, no grupo ou nas situações específicas que
escolheram como ideais para a liberação de seus impulsos e desejos malévolos,
demonstram, realmente, o quanto são violentos e, por conseguinte, perigosos.
Não se deve, pois, diante desses dados, a nosso ver, incriminar apenas
as torcidas organizadas de futebol por um problema que é, antes de tudo, um
desvio presente na própria pessoa humana – torcedora ou não – apenas traduzido no contexto social maior. Este é, no caso, a agremiação de torcedores, mas
poderia ser qualquer outra associação de pessoas na qual seja alto o risco de
confrontos com rivais escolhidos mais ou menos aleatoriamente apenas para
satisfazer os desejos belicosos doentios de quem deseja promover confusões em
que haja tiro, bomba, socos, pontapés etc.
Algumas matérias despretensiosas de jornais demonstram sinais de que
os problemas manifestados nas torcidas organizadas ou em outros grupos cuja
violência pode se fazer mais presente são anteriores a tais grupos e, portanto, só
podem vir, a princípio9, dos seres humanos que as integram.
Com efeito, o pai de um punk morto em 2011, em São Paulo, declarou
que, em dez anos no movimento, seu filho sempre chegava à sua casa com
machucados resultantes de confrontos nas ruas da cidade. “Ele nunca fugiu de
briga, sempre ficou para o pau”. Realmente, segundo o próprio jornal, o rapaz
tinha um histórico de confusões: em 2006, foi detido por tentar jogar ovos no
governador e também no prefeito de São Paulo; em 2007, foi acusado de espancar um skinhead que sofreu fraturas na face; em 2009, foi preso por agressão racista na Rua Vergueiro, capital, e em 2011, ano de seu assassinato, teria
jogado uma bomba em desfilantes da Parada Gay de São Paulo (O Estado de
S. Paulo, 05.09.2011, p. C4).
9
Não investigamos, por questão de delimitação do tema, neste artigo, a influência grupal no ser humano
como causa próxima da violência manifestada no grupo social. Contudo, dizemos que tal influência é deveras
interessante de ser estudada, especialmente no que diz respeito à heterossugestão (sugestão de fora). Afinal,
o futebol “é um fenômeno de multidões apaixonadas – e a paixão tudo exacerba, é fácil se ultrapassar limites.
E como na multidão os indivíduos presumem estar em anonimato, tendem a agir de maneira ainda mais
transgressora. Então, é preciso entender a multidão para saber contê-la” (Murad, 2003).
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Também o acusado pelo assassinato desse mesmo punk é considerado
“linha de frente nos crimes de ódio” e já foi fichado pela equipe da delegada
Margarette Barreto, do Decradi, por estar “envolvido em vários crimes de agressão”, sendo um deles pela briga com punks ocorrida em Osasco, no dia 19 de
fevereiro de 2011, de modo que seu inquérito policial já chega a 400 páginas
(Diário de São Paulo, 10.09.2011, p. 7).
O jornalista Felipe Tonon, por sua vez, demonstra ainda que um guarda
civil municipal de Campinas/SP, envolvido no confronto entre torcedores corintianos e vascaínos, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, no domingo, dia
22 de agosto de 2013, “tem uma longa ficha de indisciplina na corporação”, de
modo que sofreu afastamento da função e perda do porte de arma. Na GCM, ele
“acumula faltas e desobediências recorrentes ao comando”.
Como se isso não bastasse para comprovar um histórico de má conduta, o funcionário público corintiano não deveria estar sequer no jogo em que
brigou, pois se encontrava de licença médica até o dia da partida de futebol
quando deveria retornar ao trabalho, mas não retornou. Aliás, sua presença na
corporação é nula, segundo seu superior, uma vez que o guarda torcedor e brigão “não aparece para trabalhar” (Correio Popular, 03.09.2013, p. A6).
Notícia colhida no Portal G1, de 19.08.2013, também assegura que
todos os três torcedores do São Paulo e o do Flamengo envolvidos em uma briga em frente ao Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, na tarde deste
domingo (18), têm passagens pela polícia por crimes como tráfico de drogas,
roubo e homicídio. Segundo o delegado Marco Antônio Almeida, o torcedor do
Flamengo cumpre prisão domiciliar por roubo e responde a processo por homicídio.10
Na cidade de Tocantinópolis, a Polícia Militar e a Polícia Civil prenderam
um estudante de 18 anos, após uma acusação segundo a qual ele matou com
vários golpes de faca um mecânico de 21 anos depois de uma briga durante o
carnaval. O jovem acusado pelo assassinato já é conhecido da polícia por sua
extensa ficha criminal. Ele já passou pela delegacia por tentativa de homicídio
e por esfaqueamento de outro estudante11.
Em todos os casos, seja na torcida ou fora dela, estão presentes os componentes básicos dos violentos: homens, apaixonados por brigas e com histórico policial extenso.
10 Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/08/torcedores-presos-em-briga-no-df-tempassagens-pela-policia-diz-policia.html>. Acesso em: 21 ago. 2013.
11 Disponível em: <http://t1noticias.com.br/plantao-de-policia/briga-na-festa-de-carnaval-em-tocantinopolis-aca­ba-com-jovem-assassinado>. Acesso em: 14 maio 2014.
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3 OS “REMÉDIOS” PARA OS SERES HUMANOS PROBLEMÁTICOS
Diante do quadro sumariamente apresentado, importa formular alguns
pontos que possam ajudar a amenizar tamanha problemática. Elencamos três,
sendo os dois primeiros corretivos de deficiências ante um problema dado e o
terceiro formativo e, por conseguinte, preventivo de distúrbios comportamentais sérios.
De imediato, ante as cenas de brutalidades ou a possibilidade de que elas
ocorram, é preciso lançar mão da ação policial capaz de reprimir in loco, sem
exageros ou truculências, o vandalismo imperante entre esses adolescentes e jovens brigões. Embora, evidentemente, não seja a única nem a principal solução
para os conflitos, “na prática, a repressão tem que ser mantida. Ela funciona,
pois representa um limite com certa eficiência. Seria extremamente perigoso
não contar com ela”, segundo Motta (2005).
Pereira (2014) confirma, em trabalho de campo realizado nos estádios ingleses, que, mesmo com toda campanha de conscientização e repressão, alguns
brigões continuam presentes nos jogos, sim, mas não gozam de liberdade para
armar confusão. Ao contrário, permanecem
contidos pelo forte esquema de segurança e leis severas que são lembradas a
todo instante por meio de avisos [radiofônicos] voltados para os torcedores. Tais
mensagens que poderiam ser traduzidas como “aprontou, amigo? Vai em cana”.
Ninguém quer ir preso, claro, ainda menos sob o risco de o tribunal lhes aplicar
uma pesada multa.
Voltando ao nosso artigo, afirmamos que, uma vez identificados os brigões pelo sistema de segurança (câmeras ou testemunhas oculares), eles devem
ser conduzidos à autoridade policial e, com evidente direito à defesa, punidos
de acordo com leis rígidas e eficazes. Sim, rígidas, dado que de lei branda
ninguém tem receio, e eficazes, pois leis que não surtem efeitos práticos são
totalmente inócuas.
Em um segundo momento, é preciso lembrar que só a punição imediata
em si, no entanto, pouco resolve. Pode mesmo ser mero paliativo se não conseguirmos chegar às causas do problema que leva o adolescente ou o jovem a, em
vez de apoiar o seu time, promover vandalismos no estádio ou em seus entornos. Há dois recursos oportunos e mais imediatos contra a violência que, acreditamos, na maioria dos casos12, caminhar juntos: a educação e a psicoterapia.
12 Em alguns casos, bem avaliados, é de se crer que antes de se engajar em um processo educativo sério de
revisão da sua escala de valores, o adolescente ou jovem brigão deva passar por sessões de psicoterapia a fim
de ser ajudado profissionalmente em sua tomada de novos rumos.
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Falamos aqui não em educação acadêmica, que também é deveras importante, sem dúvidas, mas da vivencial de fundo ético, ou seja, aquela que leva
ao autodomínio ou autocontrole das emoções. Afinal, para Brandão (2003), a
escola de Norbert Elias, sociólogo alemão, ensina que é impossível a
existência de qualquer sociedade que consiga sobreviver sem a existência de
tipos de controle das emoções, o individual, na forma de autocontrole, e o controle social das emoções, na forma de um código de conduta e de um padrão
para o comportamento.
Isso é o que, certamente, falta a esses adolescentes e jovens brigões: o estabelecimento de limites de dentro (autocontrole, iniciado com a ajuda de bons
psicólogos, se for o caso, devido à ausência da família) e de fora (heterocontrole
por meio de bons exemplos e de leis verdadeiramente eficazes).
Terceiro, valorizar a família e a sociedade bem estruturadas. Tudo o que
repercute na sociedade maior (escola, empresa, torcida de futebol etc.) tem início na sociedade menor que é a família. Daí
para prevenir a “fabricação” de violentos temos de atuar no período pré-patogênico, ou seja, da concepção aos 6 anos, principalmente antes dos 3. O segredo
está em se promover a saúde mental, em se preocupar com a formação da personalidade, do caráter, o que é difícil, demorado, mas factível. (Lisbôa, 2007)
Tudo isso levará à construção de uma sociedade alicerçada nos valores
da Lei Natural Moral, ou seja, aquela que está presente a todo ser humano sadio
e, em síntese, lhe prescreve a norma: “Pratica o bem e evita o mal!”, de suma
importância a ser desenvolvida na contenção da violência em nossa sociedade.
4 NAS RAÍZES REMOTAS DO PROBLEMA, A REAL SOLUÇÃO
Neste estudo, afastamos, como empiricamente superada, a tese muito
difundida, especialmente por estudiosos de cunho marxista, segundo a qual
apenas a “pobreza” e a “desigualdade social” levam ao crime ou à violência.
A causa social tem, sim, certa relevância, mas, por si só, não explica
as raízes da violência, que são muito mais profundas. Isso o confirma Alba
Zaluar (Gois, 2004), renomada antropóloga, ao refutar a ideia de que a pobreza
e a desigualdade sejam as principais responsáveis pela violência nas grandes
cidades. “Se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus [conjunto
habitacional favelizado, na zona oeste do Rio] e concluímos que apenas 2% da
população de lá está envolvida com o crime. Como explicar que a maioria das
pessoas não se envolveu com o tráfico? Certamente tem algo a mais aí”, diz ela.
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Esse “algo a mais”, segundo Zaluar, está no “etos da hipermasculinidade”, que leva alguns jovens do sexo masculino a se arriscarem no tráfico de
drogas em busca do reconhecimento social por meio da imposição do medo. E
continua: “É preciso fazer políticas públicas mais eficientes e focadas nos jovens
que estão nessa fase difícil da adolescência, para que eles possam construir uma
imagem civilizada de homem, que tenha orgulho de conter a sua violência e
respeitar o adversário, competindo segundo as regras estabelecidas”, afirma a
antropóloga.
Resta-nos chegar, porém, mesmo que de modo passageiro, à raiz da
maioria dos reais problemas desses adolescentes e jovens caracterizados como
violentos, uma vez que seus “distúrbios de conduta, cuja origem, na maioria
das vezes, se inicia na infância, são os responsáveis pelo crescente aumento das
diferentes formas de violência” (Lisbôa, 2007).
Também Ferreira (2010) avaliza essa constatação e a aprofunda ao assegurar que o comportamento violento, em sua origem,
só é inato em raras patologias psiquiátricas. Em geral, a violência surge na criança
em função de problemas em seu cuidado desde os primeiros anos. Alguns autores
identificaram um fator causal que denominaram trauma relacional precoce, que
envolve uma ligação inadequada com os primeiros cuidados. Esse vínculo desorganizado gera alterações cerebrais e psicológicas responsáveis pelo comportamento agressivo, pela impossibilidade de avaliar as consequências das próprias
ações e pelo desenvolvimento de humor irritado e afetos negativos.
Diante de tais dados, é inegável o papel da família, a célula-mãe da sociedade, e, portanto, a primeira formadora do ser humano na determinação dos
seus traços de personalidade desde os primeiros dias de vida do bebê.
A partir de experiências com dois grupos distintos de crianças – um de
delinquentes e outro de bem comportadas –, Barros (1990) apresenta fundamentais diferenças entre as que cresceram em ambiente harmônico ou desarmônico ou ainda aquelas que viveram em lares desfeitos pela ausência de um
dos pais, via de regra, por morte ou pelo divórcio.
Diz, pois, a mesma autora:
Num estudo que se tornou famoso, Bandura observou o efeito de expor crianças
a modelos adultos em cenas de agressão. Analisou crianças semelhantes de 3 a
6 anos de idade, dispondo-as em dois grupos: o de controle e o experimental.
As crianças do grupo experimental foram expostas ao espetáculo de modelos
adultos agredindo um grande boneco de plástico inflável tipo joão-teimoso. O
modelo adulto apresentava agressão física e verbal: dava socos e pontapés no
boneco, batia em sua cabeça com um martelo, sentava-se nele, batia-lhe no na-
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riz, atirava-lhe bolas e, além dessas agressões físicas, gritava com ele e ofendia-o
com palavras.
As crianças do grupo de controle assistia a tais cenas. Mais tarde, permitiu-se
a todas as crianças, tanto as do grupo experimental (que tinham sido expostas
ao modelo agressivo), como as do grupo de controle, brincarem com o boneco. Observou-se que as crianças do grupo experimental apresentaram respostas
agressivas em quantidade duas vezes maior que as respostas do grupo de controle. As crianças do grupo experimental imitavam o modelo em tudo até nas frases
que gritavam: “Toma um soco no nariz!” “Lá vai um pontapé!” etc.
Desse modo, a autora pôde concluir que, tanto para a escola etiológica
quanto para a freudiana, “a agressão é, em grande parte, herdada”, ou seja, é
produtos do ambiente no qual a criança vive, uma vez que a criança aprende
muito por meio da imitação dos adultos. Daí haver grupos sociais nos quais
os antropólogos não registraram casos graves de agressões na comunidade,
como é o caso de Taiti, estudado por Levy, em 1969. Em contrapartida, na tribo
Dugum Dani, na Nova Guiné, estudada por Gardner e Heiner, no mesmo ano,
constatou-se que a hostilidade entre os membros da comunidade é recorrente.
Note-se, contudo, um dado relevante da psicologia: a raiva é “um componente emocional que constitui um dos elementos essenciais dos atos agressivos ou violentos” e é normal em certas fases do desenvolvimento físico e
psicológico da criança, especialmente em seus primeiros seis anos de vida nos
quais a comunicação verbal ainda é insuficiente.
Com o passar desse tempo, porém, ou seja, depois dos 6 anos, podemos
ter um problema de ordem psicológica e emocional na criança agressiva que
requer tratamento adequado, uma vez que, nessa fase, há um grande processo
de transformação na vida da criança e por influência do próprio meio em que
vive: ela então verbaliza melhor o que deseja, começa a brincar de “lutinhas”,
aprendendo, assim, ainda que às vezes inconscientemente, a dramatizar seus
impulsos agressivos ou mesmo a controlá-los, especialmente na adolescência, a
fim de bem viver em sociedade.
Daí escrever Machado (1981) uma constatação que fecha com chave de
ouro esta nossa explanação ao afirmar que,
como resultado do seu processo de amadurecimento emocional e de integração
social, a criança aprende a reprimir algumas de suas reações mais agressivas e a
esperar para conseguir a satisfação de seus desejos. Seu processo de socialização
evolui à medida que a criança vai descobrindo novas formas de relacionamento
mais complexas, até que atinge o ponto em que vai aprender a dar algo de si para
conseguir receber de volta qualquer tipo de gratificação do próprio meio social
em que vive.
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Eis por que a questão da violência entre grupos sociais de alto risco não
se resolve apenas com polícia (ainda que esta se faça importante, em certos
casos, no momento da ocorrência e da investigação). Afinal, é um problema
muito mais sério que remonta à infância mal vivida da pessoa caracterizada
como violenta e que, por isso, requer um trabalho psicológico capaz de chegar
à verdadeira raiz da questão, situada na fase que vai de 0 aos 6 anos, pois, embora, cronologicamente, sejam adolescentes ou adultos, é lá na infância que o
homem violento de hoje se deteve em sua evolução psíquica.
CONCLUSÃO
Cremos ter deixado assente neste trabalho que, antes de existir um torcedor violento, há um ser humano problemático cujas causas estão na infância,
especialmente de 0 a 6 anos.
Deste modo, outra conclusão se impõe: a extinção das torcidas organizadas de futebol, tão defendida algumas vezes, nada resolve. Mesmo extintas,
não se porá fim às chamadas “brigas entre torcedores”, pois essas ocorrências,
embora se deem também nas torcidas, especialmente organizadas, não são específicas delas.
Sim, está comprovado, neste artigo, com dados empíricos colhidos na
imprensa e em obras específicas, que, em outros grupos com alto potencial de
risco de confusões, ocorrem brigas muito semelhantes e é em tais grupos que o
ser humano problemático, certamente, busca satisfazer sua patológica agressividade, independentemente de ser ele torcedor de futebol ou não.
Diante desse quadro, a única saída realmente eficaz, especialmente em
relação aos brigadores de estádios, parece ser as que apresentamos nos itens 3 e
4 deste artigo, ou seja, a correção e a prevenção. No primeiro caso, a curto prazo, o monitoramente por meios humanos ou eletrônicos e a repressão policial
in loco para salvaguardar a integridade física desses beligerantes e a segurança
dos demais presentes, mantendo, assim, a ordem pública. Em seguida, o encaminhamento desses brigões para um sistema corretivo que inclua a revisão da
sua escala de valores com auxílio da psicoterapia, se for o caso.
Do ponto de vista preventivo, a longo prazo, a revalorização da família
como primeira formadora da personalidade da criança, especialmente de 0 a 6
anos, verdadeira fase moldadora da personalidade. Com um homem e uma mulher bem formados para uma vida civilizada dentro dos padrões da Lei Natural
Moral, cuja base está no “pratica o bem e evita o mal”, teremos, sem dúvidas,
um mundo melhor para se viver nas diversas acepções que o termo bem viver
possa comportar.
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Nossas conclusões podem, reconhecemos, parecer um tanto fortes, mas
cremos não se poder tratar de um assunto complexo dessa natureza sem ir às
reais causas do problema e oferecer-lhes soluções concretas. Soluções que ajudem a minorar o sofrimento do próprio ser humano problemático – que é muito
mais do que o de um mero torcedor violento – e de seus próximos (ainda que
ele possa não reconhecê-los como tais).
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REIS, Heloisa Helena Baldy dos. Futebol e violência. Campinas: Autores Associados;
São Paulo: Fapesp, 2006.
Seção Especial – Prática Processual
Reclamação Trabalhista
EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA __ ª VARA DO TRABALHO DE NOVA LIMA/MG
(Por Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni – Advogado)
[...], brasileiro, casado, treinador de futebol, portador da cédula de identidade nº [...], expedida pela SSP/MG, inscrito no CPF/MF sob o nº [...], residente e domiciliado em [...], vem, por seus advogados, propor
RECLAMAÇÃO TRABALHISTA
em desfavor do Villa Nova Atlético Clube, entidade de prática desportiva
filiada à Federação Mineira de Futebol e à Confederação Brasileira de Futebol
– CBF, inscrita no CNPJ/MF sob o nº [...], com sede em Nova Lima/MG, na [...],
pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos.
DA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA
Preliminarmente cumpre ao autor ressaltar que, conforme recente entendimento acerca do caráter facultativo quanto à submissão da presente pretensão
à Comissão de Conciliação Prévia de que tratam os arts. 625-A e seguintes da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, ex vi dos precedentes do Excelso STF
(ADIns 2139-DF e 2160-DF), bem como face aos precedentes da SBDI-1 (TST,
E-RR-76500-04.2005.5.02.0018, Min. Maria de Assis Calsing, DJ 04.06.2010;
E-ED-RR 130600-91.2003.5.02.0465, Min. Augusto Cesar Leite de Carvalho,
DEJT 19.03.2010), pretende-se trazer a questão diretamente às barras dessa Especializada, até mesmo a fim de se evitar maiores delongas administrativas ou
diligências infrutíferas, dada a natureza e valor dos pedidos envolvidos.
DOS FATOS E DOS FUNDAMENTOS
O autor é treinador de futebol, tendo sido contratado para comandar a
equipe profissional do réu por prazo determinado, pelo período de 02.01.2013
a 31.05.2014. Por iniciativa exclusiva do empregador, foi dispensado em
02.10.2013, como noticiado pela imprensa esportiva e pelo próprio site oficial
do Villa Nova AC, sendo seu último salário mensal de R$ 25.201,01 (vinte
e cinco mil, duzentos e um reais e um centavo) brutos, que corresponde a
R$ 18.821,00 (dezoito mil, oitocentos e vinte e um reais) líquidos.
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Contudo, a contratação do autor pelo réu, apesar de formalizada por documento intitulado “Contrato de Trabalho” (anexo), deu-se por meio da empresa [...] – o que caracteriza patente fraude à legislação trabalhista e aos direitos
do autor, na condição de empregado do réu.
Vejamos o que descreve a cláusula primeira do referido contrato, que
trata de seu objeto:
O presente Contrato tem como objetivo a assessoria pela [...], através da prestação de serviços de treinamento de futebol por parte do Sr. [...] junto à equipe
profissional do Villa Nova Atlético Clube [...]
Da fraude trabalhista
O artigo segundo da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT diz que:
“Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo
os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal
de serviço”.
Já o artigo terceiro do mesmo diploma legal determina que: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual
a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
No caso em tela, mediante remuneração, o autor, sempre reportando-se à Diretoria do clube-réu, diariamente comandava a equipe do clube-réu e
a comissão técnica de seu Departamento de Futebol Profissional, cumprindo
horários, ministrando treinamentos, escalando os jogadores, designando concentrações, indicando contratações e dispensas, dirigindo a equipe durante os
jogos amistosos e oficiais, etc..
Ora, até mediante aplicação do “Princípio da Primazia da Realidade sobre a Forma”, não há dúvidas que o autor era efetivamente empregado do réu:
prestava seus serviços pessoalmente, com habitualidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade.
Conclui-se, pois, que nos deparamos com mais um caso de “pejotização”, no qual um empregado foi contratado e era remunerado por pessoa jurídica interposta – de maneira a violar a legislação trabalhista e descaracterizar
a relação de emprego, causando patente prejuízo ao autor, especialmente no
que se refere aos seus direitos irrenunciáveis na qualidade de empregado e
trabalhador.
Neste sentido, imperioso se faz o reconhecimento de que as parcelas pagas ao autor pelo clube-réu eram, na verdade, maneira fraudulenta de mascarar
o pagamento da contraprestação pelos serviços que ele prestava unicamente
enquanto treinador de futebol. E a despeito de as partes serem livres para pactuar as condições do contrato laboral, referida liberdade encontra limite nas
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disposições constantes na Consolidação das Leis do Trabalho, conforme se depreende do art. 444 da CLT:
Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições
de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às
decisões das autoridades competentes. (grifo nosso)
Vejamos relevante decisão em situação análoga, que abrange com maestria os aspectos decorrentes de tal prática, infelizmente cada vez mais comum
no meio desportivo (grifamos):
Infelizmente, o Direito do Trabalho é alvo de constantes subterfúgios para mascarar a relação de emprego sob o rótulo de figuras civilistas, como prestações
de serviços autônomos, por exemplo. Atualmente, o fenômeno supracitado tem
recebido alcunha pitoresca e se espraia como incêndio em mato seco: a pejotização.
A pejotização consiste em transformar pessoas físicas em pessoas jurídicas e ao
invés de serem trabalhadores de uma empresa, passariam a ser uma empresa
prestando serviços para outra empresa, em palavras não tão belas, trabalhadores
que passam a usar esta roupagem contratual para não perder o posto de trabalho,
mascarando o suposto vínculo de empregatício. Trata-se da busca pelo fim da
relação entre capital e trabalho, objetivando a relação, apenas, entre empresas.
[...]
Ademais, vale lembrar que o contrato de trabalho é um contrato-realidade e se
configura independentemente da vontade das partes. Por força do princípio da
primazia da realidade, a idéia que as partes fazem das circunstâncias e até a intenção que as animou não se revestem de força vinculativa para a determinação
da natureza jurídica da relação estabelecida. Ainda que recusem as posições
de empregado e empregador, estarão ligadas por contrato de trabalho, uma vez
verificados os requisitos de sua conceituação legal.
A lição de Américo Plá Rodriguez, ao apontar como princípio fundamental do
ordenamento jurídico do trabalho o da primazia da realidade, que, no caso de
discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge dos documentos e
acordos, se deve dar preferência ao que ocorre no mundo dos fatos. É o primado
da realidade sobre a forma, determinando o reconhecimento do vínculo empregatício, uma vez configurados todos os seus elementos, constantes do art. 3º da
CLT. (TRT 17ª Região, RO 01391.2007.006.17.00.0, Rel. Juiz Claudio Armando
Couce de Menezes, Julgado em 23.04.2009, Publicado em 04.06.2009)
Estamos diante, portanto, de patente fraude trabalhista, pelo que, independentemente da vontade das partes e em razão da nulidade da contratação
do autor por meio de empresa interposta, na forma do art. 9º da CLT, impõe-se
seja reconhecida e declarada existência de relação de emprego entre autor e
réu no período de 02.01.2013 a 02.10.2013, bem como o salário mensal bruto
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de R$ 25.201,01 (vinte e cinco mil, duzentos e um reais e um centavo), até
para que não restem desconstituídos os princípios e conceitos fundamentais do
Direito do Trabalho.
Dias trabalhados e não pagos
Apesar de ter prestado seus serviços a tempo e modo, o autor não recebeu a remuneração referente a 19 (dezenove) dias do mês de julho, tampouco
aos meses de agosto, setembro e aos 2 (dois) dias trabalhados de outubro.
Das verbas rescisórias: Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; férias e 13º proporcionais;
multa do artigo 479 da CLT e dos §§ 6º e 8º do artigo 477 da CLT
Conforme já narrado, o Contrato de Trabalho firmado entre o autor e o
clube-réu tinha prazo determinado, mas foi rescindido por iniciativa exclusiva
do empregador em 02.10.2013.
Ocorre que, quando da rescisão contratual, não foram quitados os valores
referentes aos dias trabalhados pelo empregado (quase três meses de salários!)
e não pagos pelo clube-réu, tampouco as parcelas devidas ao autor a título de
férias (acrescidas do terço constitucional) e 13º proporcionais, ou entregues as
respectivas guias CD-SD. O réu também jamais recolheu os valores devidos ao
INSS e aqueles relativos ao Fundo de Garantia, pelo período do vínculo laboral.
Relativamente à hipótese de rescisão antecipada, no caso em debate,
também não se obedeceu o parágrafo primeiro da cláusula sétima do referido
contrato, cujo montante respectivo (qual seja, a integralidade das parcelas vincendas até o término da vigência do contrato originalmente ajustada), devido
em caso de dispensa pelo empregador antes de 10.11.2013 (repita-se: a dispensa deu-se em 02.10.2013 – vide documentos anexos) igualmente não foi pago
ao autor quando de sua dispensa pelo clube-réu:
Em caso de rescisão por parte do contratante, a partir da data de 10 de novembro
de 2013, este estará desobrigado de ressarcir o treinador de qualquer valor referente à multa ou penalidade. Em caso contrário, se tal decisão ocorrer em data
anterior àquela previamente mencionada, o contratante pagará um valor igual
àquele que o treinador ainda terá que receber, relativo ao período trabalhado,
calculado a partir da data de tal rescisão.
Por fim, aduz o autor que lhe é devida a multa prevista no § 8º do
art. 477 da CLT1, em razão de não terem sido pagas as parcelas rescisórias devi1
§ 8º A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador,
bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente
corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
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das a ele no prazo fixado no § 6º2 do mesmo dispositivo. Assim, deverá o clube-réu ser condenado ao pagamento de multa ao autor, em valor correspondente
ao seu salário, qual seja, R$ 25.201,01 (vinte e cinco mil, duzentos e um reais
e um centavo).
Da multa do artigo 467 da CLT
De acordo com a redação vigente do art. 467 da CLT, sobre todas as
parcelas rescisórias incontroversas decorrentes da relação de emprego não quitadas em audiência, incide multa de 50% (cinquenta por cento).
Logo, caso não ocorra o pagamento de tais parcelas rescisórias quando
do comparecimento do clube-réu à Justiça do Trabalho, requer-se a aplicação
da aludida multa.
Anote-se, ainda, que o artigo em questão diz respeito às verbas devidas
ao autor indiscutivelmente quando do término de seu contrato. Assim, todas
as verbas remuneratórias aqui mencionadas não pagas ao trabalhador na data
correta, por ocasião da rescisão de seu contrato, tornam-se verbas rescisórias,
sob pena de estar-se-á dando entendimento inadequado à determinação do legislador.
Dos honorários advocatícios de sucumbência
Impõe-se, ainda, a condenação do réu ao pagamento de honorários sucumbenciais. Isso porque o art. 133 da CRFB/1988 não excluiu o direito do
advogado trabalhista a esta verba. Sendo assim, requer, desde já, seja a reclamada condenada ao pagamento dos honorários sucumbenciais não inferiores
a 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, por tratar-se de direito
constitucionalmente assegurado, também previsto nos arts. 20 e 36 do CPC, em
conjunto com a Lei nº 8.906/1994.
DOS PEDIDOS E DOS REQUERIMENTOS
Diante de todo exposto, pede e requer o autor:
a)
A notificação do réu, no endereço de sua sede, conforme consta do
preâmbulo desta peça, para comparecer em audiência designada
2
§ 6º O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser
efetuado nos seguintes prazos:
a) Até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou
b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso-prévio,
indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento.
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por este d. Juízo e, querendo, apresentar defesa. Não o fazendo,
seja declarado revel e aplicada a pena de confissão quanto à matéria de fato;
b)
Sejam reconhecidas e declaradas tanto a nulidade da contratação
da empresa da empresa [...] quanto a existência de relação de emprego entre autor e réu no período de 02.01.2013 a 02.10.2013,
com salário mensal de R$ 25.201,01 (vinte e cinco mil, duzentos e
um reais e um centavo);
c)
Seja o réu condenado ao pagamento do salário dos dias laborados e não pagos, desde 13.07.2013 a 02.10.2013, que totalizam
R$ 68.042,73;
d)
Seja o réu condenado ao recolhimento das verbas previdenciárias
e atinentes ao FGTS, bem como ao pagamento do 13º salário e das
férias proporcionais mais 1/3 (um terço):
13º salário: R$ 18.900,76;
Férias mais 1/3: R$ 25.194,71;
FGTS: R$ 20.608,11;
Verbas previdenciárias: a apurar;
e)
Seja o réu condenado à multa contratual, correspondente à integralidade dos valores devidos entre 03.10.2013 e 31.05.2014, no
importe de R$ 200.767,88;
f)
Seja o réu condenado ao pagamento da multa prevista no § 8º do
art. 477 da CLT (em razão de não terem sido pagas as parcelas
rescisórias devidas a ele no prazo fixado no § 6º do mesmo dispositivo), no valor correspondente ao salário do autor, qual seja,
R$ 25.201,01;
g)
Seja o réu condenado, caso não pague à data do comparecimento
à Justiça do Trabalho todas as verbas rescisórias constantes nesta
exordial, ao pagamento de acréscimo de 50% (cinquenta pontos
percentuais) sobre o valor devido, tudo em conformidade com o
art. 467 da Consolidação das Leis do Trabalho;
h)
Seja o réu condenado ao pagamento de honorários advocatícios
de sucumbência, conforme disposto no art. 133 da Constituição da
República de 1988, na forma dos arts. 20 e 36 do CPC, em conjunto
com a Lei nº 8.906/1994, na base de 20% (vinte por cento) sobre o
valor da condenação (valor a apurar);
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i)
Seja o réu compelido à anotação em sua CTPS, nos termos deferidos
nesta lide, sob pena de sanção de meio salário-mínimo por dia de
descumprimento;
j)
Seja o réu condenado à entrega das guias CD-SD, bem como da
respectiva chave de conectividade para levantamento do FGTS;
k)
Seja aplicado o disposto nos arts. 355 e seguintes do CPC, quando
cabível, para que se junte aos autos toda e qualquer documentação
relativa ao seu contrato de trabalho, e;
l)
A aplicação de juros (Súmula nº 200 do TST) e atualização monetária, nos moldes da Súmula nº 381 do TST, desde a data da constituição do direito até o efetivo pagamento.
Pretende provar o alegado por todos os meios de prova em Direito admitidos, sobretudo, documental (ficam desde já, sob as penas da lei, declaradas
autênticas pelo patrono do autor, subscritor desta exordial, as peças e cópias
que a acompanham), depoimento pessoal do representante legal do réu, oitivas
de testemunhas, perícia técnica, além de todas aquelas que se fizerem necessárias à elucidação dos fatos.
Dá à causa o valor de R$ 385.000,00 (trezentos e oitenta e cinco mil
reais), para fins meramente fiscais.
Termos em que
Pede e espera deferimento.
Belo Horizonte,
Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni
OAB/MG
Seção Especial – Sentença na Íntegra
1190
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
1ª Vara do Trabalho de Nova Lima
Processo nº 0012073-62.2013.5.03.0091
Reclamante: [...]
Reclamada: Villa Nova Atlético Clube
TERMO DE AUDIÊNCIA
Aos 17 de julho de 2014, na Sala de Sessões, sob a direção do Juiz Fábio
Gonzaga de Carvalho, determinou-se às 12h08min horas a abertura da audiência relativa ao processo e partes identificadas em epígrafe.
Ausentes as partes e seus procuradores.
RELATÓRIO
[...] propôs a presente reclamação trabalhista por escrito e acompanhada
de documentos, em face de Villa Nova Atlético Clube, pedindo, em síntese, o
destacado ID 1584251. Deu à causa o valor de R$ 385.000,00.
Audiência inicial ID 1743107, assentada na qual foi apresentada defesa
escrita com documentos.
Impugnação à defesa ID 1871191.
Instrução ID 07E8B39. Razões finais orais remissivas. Última tentativa de
conciliação infrutífera.
É o relatório.
FUNDAMENTOS
Contribuições previdenciárias. Incompetência absoluta
A Justiça do Trabalho não possui competência para executar contribuições previdenciárias decorrentes de salários pagos no curso da relação de emprego (Súmula nº 368 do TST). Desse modo, suscito de ofício a preliminar de
incompetência absoluta e extingo sem resolução de mérito o pedido de pagamentos de contribuição previdenciária sobre salários pagos.
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Vínculo de emprego. Pedidos decorrentes
A verificação da relação de emprego, manifestação fática que recebe
qualificação e consequências pelo ordenamento jurídico, está ligada ao preenchimento de 05 elementos ou pressupostos de existência estabelecidos pelos
arts. 2º e 3º da CLT, quais sejam, subordinação, não eventualidade, onerosidade, trabalho prestado por pessoa física e pessoalidade.
Pois bem, o preposto da reclamada confessou em audiência:
“que o reclamante foi técnico da equipe principal da reclamada e contratado
por meio da empresa G4, o reclamante é um dos sócios da empresa G4; que o
reclamante trabalhou somente para a reclamada; que a reclamada arcava com
os custos do trabalho do reclamante; que os horários de treino e as atividades
eram determinados pela comissão técnica, já os dias de atividades e as janelas
entre as competições eram determinadas pela diretoria de comum acordo com a
comissão técnica; que o reclamante sempre cumpriu os horários corretamente;
que o reclamante somente indicava contratações e dispensas, cabendo à diretoria
a avaliação e decisão; que o reclamante era cobrado por resultados”.
Depreende-se do acima exposto a perfeita conformação dos fatos à
hipótese normativa destacada nos arts. 2º e 3º da CLT e nos ditames da Lei
nº 8.650/1993, o que permite afirmar a existência da relação de emprego.
Especificamente quanto à pessoalidade e o trabalho prestado por pessoa
física, observo a nulidade do contrato de prestação de serviços entre a reclamada e a empresa G4, pessoa jurídica por meio da qual o reclamante prestou serviços, porquanto o vínculo jurídico de prestação de serviços foi estabelecido com
o fim exclusivo de elidir a legislação protetiva do trabalho (art. 9º da CLT). Com
efeito, as atividades de técnico de futebol exigem a identificação específica do
trabalhador e, consequentemente, acarretam a impossibilidade de substituição
do prestador do trabalho por sua exclusiva vontade, hipótese que contrariaria
diretamente as atividades de treinador de futebol previstas nos arts. 4º e 5º da
Lei nº 8.650/1993.
A propósito da nulidade, esta incide, em verdade, somente sobre as
cláusulas aflitivas da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, que, na hipótese, dizem respeito exclusivamente àquelas que afastam a relação de emprego
(cláusulas primeira e segunda do contrato ID 1584474), em nada prejudicando
a remuneração (honorários) e multa rescisória fixadas. Impõe destacar aos litigantes que ordem jurídica reconhece a possibilidade de se afastarem somente
as cláusulas nulas sem que reste prejudicado o conteúdo lícito do negócio jurídico, nesse sentido encontramos o art. 170 do Código Civil.
No que toca aos termos contratuais, não há controvérsia entre os litigantes acerca do início do contrato, 02.01.2013. Por sua vez, os documentos
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(reportagens) ID 1584404, 1584411 e 1584430 indicam que ao menos desde
outubro de 2013 o reclamante não era mais o técnico da reclamada, período
compatível com o indicado pelo reclamante em petição inicial, 02.10.2013.
Quanto à espécie de contrato, o preposto afiançou, em depoimento pessoal, que:
“que o reclamante foi contratado por prazo determinado; que o reclamante foi
dispensado pela reclamada”.
Não bastasse a confissão do preposto, o contrato ID 1584474 é claro ao
firmar a determinação do vínculo de emprego entre os litigantes de 02.01.2013
a 31.05. 2014 (cláusula primeira).
A remuneração do reclamante para o cálculo de parcelas eventualmente
deferidas observará o valor indicado nas notas de prestação de serviço anexadas aos autos e, no caso de ausência, sobre o maior valor recebido. Todavia,
por facilidade, a anotação em CTPS seguirá o conteúdo da cláusula terceira do
contrato ID 1584474. Por fim, a confissão ficta decorrente da falta de ciência
do preposto da reclamada sobre a quitação da contraprestação devida ao reclamante no período de 13.07.2013 a 02.10.2013, impõe a procedência do
pedido de pagamento de salários.
Com isso:
–
declaro a nulidade das cláusulas do contrato ID 1584474 que afastam a existência de relação de emprego entre os litigantes;
–
declaro a existência de relação de emprego entre reclamante e reclamada de 02.01.2013 a 02.10.2013, como treinador, com o salário previsto na cláusula terceira do contrato ID 1584474;
–
julgo procedente o pedido de anotação da CTPS para que conste:
início do contrato: 02.01.2013; término: 02.10.2013; salário: com
o salário previsto na cláusula terceira do contrato ID 1584474.
Procedem, ainda, os seguintes pedidos, nos termos em que formulados:
–
pagamento de salário de 13.07.2013 a 02.10.2013;
–
pagamento de 09/12 de 13º salário de 2013;
–
pagamento de 9/12 de férias acrescidas de 1/3 do período aquisitivo
2013/2014;
–
depósito de FGTS e indenização de 40% por todo o período de
vínculo, sem prejuízo da contribuição adicional devida ao fundo;
–
pagamento de multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT;
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–
pagamento de multa contratual – cláusula sétima do contrato ID
1584474 – referente ao período de 03.10.2013 a 31.05.2014;
–
entrega de guias TRCT (código equivalente à dispensa imotivada
por iniciativa do empregador) e CD/SD;
A anotação em CTPS deve ser feita em cinco dias, após a intimação
de sua juntada aos autos, sob pena de multa de R$ 1.000,00 até o limite de
R$ 10.000,00 e, após o alcance deste valor, imediata anotação pela secretaria
da vara. Em idêntico prazo, apenas com a exceção de ser contado do trânsito
em julgado, e, sob as mesmas cominações, devem ser entregues as guias CD/SD
e TRCT e depositados os valores de FGTS e indenização de 40%.
Julgo improcedente o pedido de aplicação das multas dos arts. 467 da
CLT, diante da ausência de verbas rescisórias incontroversas por ocasião da
audiência inicial.
Honorários advocatícios
A Constituição de 1988 considera indispensável à distribuição da justiça o profissional do direito, conforme art. 133, dispositivo que se repete nos
arts. 20 do CPC e arts. 389 e 404 do CC. Sem nenhum conflito com a previsão
magna, o art. 791 da CLT faculta a trabalhadores e empregadores a atuação processual independentemente da assistência técnica de advogado, escolha essa
que é cada vez menos utilizada em razão do aumento da complexidade das
relações de emprego e de sua tutela em juízo, o que ocorreu de modo paulatino, principiando com a transferência da Justiça do Trabalho do Poder Executivo
para o Poder Judiciário (1946), passando pelo surgimento de outros direitos,
como, por exemplo, o 13º salário e o FGTS na década de 60 e se agravando
com a ampliação de competência dessa Especializada em 2004.
Nessa linha, a realidade dos processos que tramitam perante esta justiça
demonstra a corrente e preponderante utilização de advogado e, em tais hipóteses, ocorre a transferência de parte dos créditos obreiros ao profissional do
direito, o que resulta em afronta ao princípio da restituição integral ao estado
anterior.
Cumpre observar, também, a existência de diversas previsões legais,
além do art. 791 da CLT, que conferem ao titular do direito a possibilidade de
postular em juízo sem a assistência de advogados, tais como, o art. 9º da Lei
nº 9.099/1995, art. 10 da Lei nº 10.259/2001, art. 2º da Lei nº 5.478/1968,
art. 36 do CPC e art. 19 da Lei nº 11.340/2006. Em todas essas hipóteses, a
exceção dos Juizados Especiais Estaduais e Federais que possuem normas específicas que excluem o pagamento de honorários, a faculdade de postulação
não afasta o direito a honorários nos casos em que o titular do direito opta pela
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assistência técnica de um advogado, o que indica a incorreção do entendimento majoritário adotado nessa Especializada.
Nestes termos, defiro o pedido de honorários que, todavia, têm natureza
de parcela indenizatória e que será encaminhada em nome da parte reclamante, diretamente, mediante alvará, como parcela ressarcitória de suas despesas,
para pagamento dos honorários, correspondentes a 15% sobre o valor líquido
da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos
descontos fiscais e previdenciários, nos termos da Orientação Jurisprudencial
nº 348 do TST.
Compensação e dedução
Na hipótese, não restou comprovada a existência de nenhuma parcela
sujeita à compensação. Lado outro, autorizo a dedução das parcelas comprovadamente quitadas a idêntico título e fundamento, observado o entendimento
contido na Súmula nº 187 do TST.
Critérios para liquidação
Deverão ser observados os parâmetros destacados em cada um dos pedidos deferidos. Destaco que o FGTS incide sobre todas as parcelas de natureza
remuneratória deferidas.
Constituem salário de contribuição (art. 28 da Lei nº 8.212/1991 e
art. 832, § 3º, da CLT) as seguintes verbas: salário, horas extras, DSR, 13º salário
e aviso-prévio. A parte reclamada deverá efetuar os recolhimentos previden­
ciários incidentes sobre as verbas declaradas como salário-de-contribuição, na
forma da Lei nº 8.212/1991, com redação dada pela Lei nº 8.620/1993, observando-se, ainda, os termos da Súmula nº 368 do TST e OJ 363, da SDI-1 do TST,
sob pena de execução destes por esta Justiça Especializada, nos termos do § 3º,
do art. 114, do Texto Constitucional.
Determino a incidência de juros nos termos do art. 883 da CLT, observada a Súmula nº 200 do TST, e de correção monetária com observância da
Súmula nº 381 e da OJ 302 da SDI-1 do TST. Observe-se, ainda, a OJ 198 da
SDI-1 do TST e a Súmula nº 439 do TST.
Ainda, oportuno esclarecer que esta Especializada não detém competência para executar as contribuições sociais devidas a terceiros, nos termos da
Súmula nº 24 deste Egrégio Regional.
No que toca ao imposto de renda, sua incidência observará a Instrução Normativa nº 1.127/2011 da RFB, bem como o art. 404 do Código Civil
(OJ-SDI1-400 do TST).
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DISPOSITIVO
Ante o exposto, nos autos da Reclamação proposta por [...] em face de
Villa Nova Atlético Clube decido:
I – Extinguir sem Resolução de Mérito o pedido de pagamentos de contribuição previdenciária sobre salários pagos.
II – julgar parcialmente procedentes os pedidos, nos termos da fundamentação, para:
–
declarar a nulidade das cláusulas do contrato ID 1584474 que afastam a existência de relação de emprego entre os litigantes;
–
declarar a existência de relação de emprego entre reclamante e reclamada de 02.01.2013 a 02.10.2013, como treinador, com o salário previsto na cláusula terceira do contrato ID 1584474;
–
determinar a anotação da CTPS do reclamante para que conste: início do contrato: 02.01.2013; término: 02.10.2013; salário: com o
salário previsto na cláusula terceira do contrato ID 1584474.
–
condenar a reclamada:
a)
ao pagamento de salário de 13.07.2013 a 02.10.2013; 09/12
de 13º salário de 2013; 9/12 de férias acrescidas de 1/3 do
período aquisitivo 2013/2014;
b)
ao depósito de FGTS e indenização de 40% por todo o pe­
ríodo de vínculo, sem prejuízo da contribuição adicional devida ao fundo;
c)
ao pagamento de multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT;
d)
ao pagamento de multa contratual – cláusula sétima do contrato ID 1584474 – referente ao período de 03.10.2013 a
31.05.2014;
e)
à entrega de guias TRCT (código equivalente à dispensa imotivada por iniciativa do empregador) e CD/SD;
f)
ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos da
fundamentação;
III – A anotação em CTPS deve ser feita em cinco dias, após a intimação
de sua juntada aos autos, sob pena de multa de R$ 1.000,00 até o limite de
R$ 10.000,00 e, após o alcance deste valor, imediata anotação pela secretaria
da vara. Em idêntico prazo, apenas com a exceção de ser contado do trânsito
em julgado, e, sob as mesmas cominações, devem ser entregues as guias CD/SD
e TRCT e depositados os valores de FGTS e indenização de 40%.
232 D��������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – SENTENÇA NA ÍNTEGRA
IV – deferir a dedução de valores, observado o entendimento contido na
Súmula nº 187 do TST.
V – destacar que os juros, a correção monetária, a incidência de contribuições previdenciárias e a incidência do imposto de renda observarão o
determinado na fundamentação.
Custas, pela parte reclamada, no importe de R$ 7.600,00, equivalente a
2% do valor da condenação, ora arbitrado em R$ 380.000,00 (art. 789 da CLT).
Intimem-se as partes.
Nada mais.
Fábio Gonzaga de Carvalho
Juiz do Trabalho Substituto
Clipping Jurídico
STJ suspende decisão que obrigou a Fifa a reimprimir ingressos extraviados em
dia de jogo
O presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Gilson Dipp,
suspendeu liminar do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) que havia mandado a Fifa
reimprimir a segunda via de ingressos para jogos da Copa do Mundo, independentemente de ser ou não o dia do evento. A liminar era válida para jogos na Arena
Castelão, em Fortaleza, onde Brasil e Colômbia se enfrentam às 17h desta sexta-feira
(4). A Defensoria Pública do Ceará entrou com ação civil pública contra a Fifa para
que a entidade fosse obrigada a reimprimir a segunda via de ingressos em casos de
furto, roubo ou extravio, ainda que fosse no dia do jogo. A liminar foi indeferida pelo
juízo da 3ª Vara Cível de Fortaleza, mas o TJCE reformou a decisão e determinou que
à Fifa “proceda a reimpressão de ingressos de torcedores, em caso de furto, roubo ou
extravio, independentemente de ser ou não dia de jogo, para as próximas partidas que
serão realizadas na Arena Castelão”, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. Contra
a decisão, a União apresentou pedido de suspensão de liminar no STJ, com o argumento de que a reimpressão de ingressos no mesmo dia do jogo representaria risco
à segurança do evento, pois, além de provocar tumultos e situações de insegurança,
poderia incentivar o cambismo. • Conflito de interesses: A União também levou em
consideração o argumento da Fifa de que não seria possível a reprogramação das catracas no mesmo dia do evento, o que tornava inviável o cancelamento de ingressos
poucas horas antes da partida. Gilson Dipp acolheu a argumentação apresentada.
Segundo ele, ainda que a condenação tenha sido proferida contra a Fifa, uma entidade privada, a decisão pode comprometer a segurança e a ordem do evento de forma
generalizada. O presidente em exercício reconheceu o conflito entre o direito dos
consumidores e o dever do estado em preservar a ordem pública, mas entendeu que
“a melhor solução para o impasse resulta da aplicação do princípio da proporcionalidade, com a ponderação dos princípios em conflito, para, no caso concreto, verificar
o que sofrerá mais danos, caso venha a ter sua aplicação afastada”. Dipp também
levou em conta a ponderação feita pelo juízo de primeiro grau que indeferiu o pedido
da Defensoria, de que o número de torcedores possivelmente prejudicados é menor
que o daqueles que estariam em risco caso a decisão do TJCE prevalecesse, e suspendeu a decisão para permitir que a Fifa reimprima os ingressos extraviados, furtados e
roubados apenas até a véspera dos dias de jogo. Esta notícia se refere ao processo: SLS
1903. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)
Justiça proíbe clube de futebol de terceirizar categorias de base
Atendendo a pedidos do MPT, juíza decide que Sertãozinho Futebol Clube descumpre ECA e Lei Pelé ao não formalizar contratos com jovens atletas, deixando-os sem
a proteção prevista na lei. A 4ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto concedeu liminar
favorável ao Ministério Público do Trabalho, determinando que o Sertãozinho Futebol Clube, clube da série A3 do Campeonato Brasileiro (localizado na Cidade de
Sertãozinho-SP), deixe de terceirizar as categorias de base, sendo obrigado a celebrar
contratos formais com jovens atletas, para que estes recebam assistência médica, seguro de vida, dentre outros benefícios, nos termos da Lei Pelé e do Estatuto da Criança
234 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – CLIPPING JURÍDICO
e do Adolescente. Uma diligência realizada pelos Procuradores Rafael Dias Marques
e Regina Duarte da Silva nas dependências do clube, em junho de 2013, constatou
que foi delegado ao empresário José Pedro Barbosa Santos (também réu no processo)
o processo de formação e administração de equipes sub-15 e sub-17 do Sertãozinho;
os executivos do clube terceirizaram integralmente as operações nas categorias de
base, e desconhecem qualquer detalhe relacionado à formação de jovens atletas, já
que os adolescentes são treinados em Ribeirão Preto, cidade vizinha à Sertãozinho,
onde fica o centro de treinamento do clube. Os depoimentos mostram que os gestores do Sertãozinho não sabem sequer os horários dos treinos, se há ajuda de custo
ou se os atletas são alojados. Os adolescentes ouvidos pelo MPT disseram que nunca viram médicos ou fisioterapeutas nos treinamentos, e que não recebem qualquer
benefício do clube. O Sertãozinho Futebol Clube apenas inscreve os meninos na
Federação Paulista de Futebol, que exige das agremiações paulistas a formação de
uma equipe sub-20. “As partes envolvidas usufruem do talento desportivo de crianças e adolescentes sem observar o substrato mínimo legal de proteção assegurado às
crianças e adolescentes, como o direito à celebração de contrato formal de formação
desportiva”, lamenta a Procuradora Regina Duarte da Silva. Além da fraude na terceirização das categorias de base, os procuradores também flagraram o uso de crianças
menores de 14 anos na categoria sub-11, prática proibida pela lei, que encontra,
inclusive, jurisprudência favorável na Justiça do Trabalho. “É por isso que a Lei Pelé
estabelece que o contrato formal entre o atleta em formação e a entidade de prática
desportiva formadora pode ser celebrado a partir dos 14 anos, e não antes, por se
caracterizar como esporte de rendimento, dada a finalidade de obter resultados. É
importante esclarecer que o objetivo do MPT não é proibir a prática de futebol por
crianças e adolescentes menores de 14 anos, mas assegurar que essa prática ocorra
apenas em escolinhas criadas especificamente com finalidade recreativa e educacional, e sem qualquer caráter profissionalizante”, observa Regina Duarte. • Liminar: A
Juíza Amanda Barbosa determinou liminarmente que o Sertãozinho Futebol Clube
não mantenha nas categorias de base, com objetivo de formação profissional, atletas
menores de 14 anos, deixe de terceirizar atividades de formação de atletas, proceda à contratação formal desportiva dos adolescentes (sempre com a participação de
responsáveis maiores de idade no momento da celebração contratual) e promova
um programa completo de formação (contendo acompanhamento escolar, médico,
transportes, seguro de vida, dentre outras obrigações). “De fato, toda a prova que
acompanha a inicial, consubstanciada em ‘Relatório de Diligência’, depoimentos,
atas de audiências administrativas, atestados de saúde, dentre outros, demonstram
a prática rotineira de ilícitos contra crianças e adolescentes, [...] a justificar a concessão da liminar pretendida”, afirma a magistrada. Caso descumpra as obrigações
impostas, os réus pagarão multa diária de R$ 500, reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). No mérito da ação, o MPT pede a condenação do Sertãozinho
Futebol Clube ao pagamento de R$ 100 mil por danos morais coletivos, e do réu José
Pedro Barbosa Santos ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais coletivos. A decisão pode ser questionada no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas. (Processo
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – CLIPPING JURÍDICO...............................................................................................................................
235
nº 0010307-76.2014.5.15.0067). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do
Trabalho da 15ª Região)
Reparação para cliente impedido de assistir campeonato de futebol por defeito
no televisor
A 2ª Turma Recursal Cível condenou a Carrefour Comércio e Indústria Ltda. ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 1 mil a cliente que adquiriu
televisor que apresentou defeito após três dias de uso. • Caso: O consumidor adquiriu
um televisor para assistir a Copa das Confederações, mas três dias após a compra o
aparelho apresentou defeito. A loja se negou a efetuar a troca e instruiu que o cliente procurasse a assistência técnica. Após 10 dias na assistência, o aparelho ainda
aguardava chegada de peça, o que levou o autor a ingressar na Justiça com pedido
de indenização por danos morais. Em primeira instância, o pedido de indenização
foi negado. • Recurso: A Relatora do processo na 2ª Turma Recursal Cível, Juíza de
Direito Vivian Cristina Angonese Spengler, reformou a decisão. A magistrada afirmou
que houve descaso e demora na resolução do problema na via administrativa, sendo
necessária a intervenção judicial. O que resultou na impossibilidade de utilização
do bem por, no mínimo, 40 dias, justamente na época da Copa das Confederações,
evento que levou o autor a comprar a televisão. As circunstâncias inegavelmente
ultrapassam a seara dos meros dissabores, contratempos e aborrecimentos da vida
cotidiana, já que o autor ficou sem utilizar a televisão por mais de 40 dias, exatamente no período da Copa das Confederações, afirmou a magistrada. Ressaltou o caráter
de desestímulo da indenização, no sentido de incentivar que as empresas adotem
mecanismos para evitar a repetição de condutas lesivas aos consumidores em geral.
Condenou, portanto, a empresa ao pagamento de R$ 1 mil a título de danos morais.
Participaram do julgamento também os Juízes de Direito Alexandre de Souza Costa
Pacheco e Ana Claudia Cachapuz Silva Raabe, que acompanharam o voto. Proc.
71004766176. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Rio
Grande do Sul)
Jogador Araújo entrou com ação contra o Goiás para receber verba rescisória
no valor de R$ 500 mil
Durante a audiência de conciliação, as partes discutem acordo conduzido pela
Juíza Ana Lúcia Ciccone Faria. O jogador de futebol Clemerson de Araújo Soares – o
Araújo, que foi atacante do Goiás Esporte Clube, entrou com reclamatória trabalhista
contra o clube requerendo o pagamento de verbas rescisórias no valor de R$ 500 mil,
referentes ao segundo contrato firmado com o Goiás, que vigorou de maio de 2013 a
maio 2014. A primeira audiência do processo foi realizada hoje, 24/07, na 17ª Vara
do Trabalho de Goiânia, conduzida pela Juíza Ana Lúcia Ciccone Faria. O jogador
pede o reconhecimento de natureza salarial e seus reflexos do auxílio-moradia no
valor de R$ 1.500,00 mensais e do valor de R$ 300 mil pagos a empresa CL Sports
Assessoria e Marketing Esportivo, recebidos na assinatura do contrato. Segundo o
autor, a transação serviu para fraudar o pagamento de luvas, que tem natureza sala-
236 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – CLIPPING JURÍDICO
rial. Araújo requer ainda indenização por dano moral pelo exploração indevida de
sua imagem pelo Clube, além de outras verbas trabalhistas. Durante a audiência de
conciliação, o Goiás Esporte Clube propôs o pagamento de R$ 300 mil reais parcelados em dez vezes, mas o jogador não aceitou, apresentando como contraproposta o
pagamento de R$ 480 mil a serem quitados em menor número de parcelas. Como as
partes não entraram em acordo, foi designada para o dia 18 de novembro a audiência
de instrução. Araújo é o maior artilheiro da história do Goiás Esporte Clube, durante
as duas passagens pelo time esmeraldino, de 1997 a 2003 e de 2013 a 2014, o atacante marcou 145 gols e participou da conquista de nove títulos do clube. (Conteúdo
extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região)
Goleiro do Americana (SP) não recebe multa por rescisão antecipada de contrato
O goleiro do clube paulista Americana Futebol Ltda., Fernando Wellington Oliveira
de Mendonça, não conseguiu demonstrar à 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho que tinha direito à multa rescisória prevista na Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé),
alegando que teve o contrato de trabalho rescindido antecipadamente pelo clube. A
Turma negou provimento ao agravo de instrumento do atleta. A verba foi indeferida
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), com o entendimento que a única testemunha apresentada pelo atleta, que poderia fundamentar a
procedência dos seus pedidos, pretendia apenas beneficiá-lo. Segundo o Regional,
as provas demonstram que o contrato de trabalho foi rompido para atender interesse
do jogador, ao qual o clube não se opôs. A conclusão então foi a de que o goleiro
não afastou a declaração do clube de que a ruptura contratual partiu dele. Como seu
recurso de revista teve seguimento negado pelo TRT, Wellington interpôs agravo de
instrumento na tentativa de trazer o caso à discussão no TST. Ele insistia no direito ao
recebimento da multa com a alegação de que a iniciativa de romper o contrato teria
partido do clube. O Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, Relator, afirmou que, diante
do exposto na decisão regional, não se verificou fraude a direitos trabalhistas na rescisão. A situação, portanto, não assegura ao atleta o pagamento de multa pela rescisão
antecipada prevista na cláusula penal do art. 28 da Lei Pelé. O relator esclareceu que
a multa somente é devida quando a rescisão antecipada ocorre por iniciativa do empregador, tal como estabelece o art. 31 da mesma lei, nos termos do art. 479 da CLT,
o que não ocorreu no caso. Por unanimidade, a Turma negou provimento ao recurso.
Processo: AIRR-431-83.2010.5.15.0020. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)
Juiz defere pedido de antecipação de tutela em favor de ex-jogador do Vila
Nova
O Juiz Luiz Eduardo Paraguassu, titular da 8ª Vara do Trabalho de Goiânia, deferiu
pedido de antecipação de tutela em favor do jogador do Vila Nova Futebol Clube,
Levino Floriano Horn Neto, conhecido como Neto Gaúcho. Na decisão, o magistrado reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho do atleta com o clube
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – CLIPPING JURÍDICO...............................................................................................................................
237
liberando-o para firmar contrato com qualquer outra entidade desportiva da mesma
modalidade, nacional ou internacional, conforme o art. 31 da Lei nº 9.615/1998. Na
ação, o jogador alegou que não recebia salários há mais de três meses e que soube
da intenção do clube de dispensá-lo somente por meio da mídia. Disse, ainda, que
o clube o deixava treinando em separado e em horário incondizente com a prática
do futebol, das 11h às 14h. Para o magistrado, o direito ao exercício da profissão
não pode ser retirado do atleta. A ociosidade é uma causa para a ruptura do pacto,
ressaltou o juiz que também citou alguns julgados sobre a falta grave patronal que
ocorre quando o empregador mantém o trabalhador em ócio forçado. Nesse sentido, o juiz concedeu a tutela antecipada para liberar o atleta para o pleno exercício
de sua atividade, reconhecendo a rescisão do contrato de forma indireta. Processo
nº 0010832-57.2014.5.18.0008. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do
Trabalho da 18ª Região)
Atletas que começam jovens não podem ser expostos a condições de trabalho
O dia 12 de junho, abertura da Copa do Mundo de 2014, coincide com a data eleita
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para marcar o combate ao trabalho
infantil. Até os 14 anos, nenhuma criança pode trabalhar. E a partir dessa idade, só em
situações excepcionais, previstas em lei, com jornada máxima de seis horas diárias e
horário compatível com a grade escolar. No futebol, por exemplo, em que vários
atletas começam a jogar muito cedo, é preciso ficar atento para preservar os jovens,
para que eles não sejam expostos a condições de trabalho para o qual não estão preparados. É o que diz o Juiz Urgel Ribeiro Pereira Lopes, responsável pelo Juízo auxiliar da Infância e Juventude da 10ª Região. Para o magistrado, inserida precocemente
no mercado, a criança acaba alijada do convívio familiar e com menos capacidade
de crescimento profissional. Quais as consequências do trabalho infantil para o desenvolvimento das crianças? Juiz Urgel: – Pelo fato de estar inserida muito precocemente no mercado de trabalho, ela fica alijada do convívio familiar e de colegas. A
pessoa fica psicologicamente privada, socialmente afastada e diminuída nas suas possibilidades de formação. Estatísticas estão aí para provarem que quanto menor tempo
dedicado às atividades formativas menos sucesso tende a ter no futuro. Existem situações em que a lei permite o trabalho infantil? Quais e a partir de que idade? Juiz
Urgel: – O trabalho de menores é permitido apenas a partir dos 14 anos, antes disso,
em hipótese alguma. A legislação admite o trabalho infantil em contratos especialíssimos, que são os de menor aprendiz, excepcionalmente mediante autorização. E em
outros como, eventualmente, os trabalhos artísticos, desde que não ultrapassada a limitação horária de no máximo seis horas diárias, bem como se respeitadas as condições básicas que permeiam essas autorizações. Que são a compatibilidade de horário
escolar, manutenção do convívio familiar, afastamento daquelas atividades que são
consideradas potencialmente degradantes ou perigosas (atividades de rua, com algum
tipo de produto que possa trazer risco presente ou futuro para as crianças). Fora isso,
não há necessariamente uma atividade que esteja autorizada. Na verdade, as leis e os
estatutos preveem aquelas que são vedadas. Não havendo colisão com nenhuma
dessas, por princípio, às condições de seguridade das crianças e adolescentes, aí sim
238 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – CLIPPING JURÍDICO
estão autorizados os trabalhos. Dentro do universo esportivo, o que a lei considera
trabalho infantil? Juiz Urgel: – Não existe isso tão claramente definido. O trabalho
infantil no meio esportivo, muitas vezes, fica maquiado ou camuflado por meio dos
contratos ou da própria iniciação esportiva. O atleta geralmente começa a treinar
muito jovem, e muitas vezes se profissionaliza também muito jovem, dependendo da
modalidade esportiva. Então, como existe uma habitualidade muito grande dos treinos, é difícil precisar a existência de outros elementos caracterizados da relação de
trabalho. Devemos, então, analisar: a criança vai voluntariamente e está se divertindo? Ela está recebendo alguma coisa por isso? Isso está gerando algum tipo de receita
para quem está vivendo, profissionalizando ou treinando esse menor? São perguntas
a serem respondidas. Não vejo como legítimo esse tipo de trabalho, porque ele não
necessariamente vai concorrer para a melhoria e aprimoramento da criança. E não se
encaixa em nenhuma das tipicidades do contrato de menor aprendiz. Entendo como
uma realidade existente, mas ainda pouco detectável na nossa sociedade. Ainda mais
considerando que a maioria dos clubes de futebol tem sua contabilidade de uma maneira muito marginal, mesmo dos profissionais adultos. Grande parte dos ganhos que
esses atletas têm não constam dos registros do Ministério do Trabalho. Não raro, o
atleta empregado ganha 200 ou 400 mil reais – como a própria imprensa divulga – e
tem registro de carteira de 30 ou 40 mil. Ou seja, é tudo à margem da lei. Com o
menor, mais ainda. A diferença é que há, muitas vezes, uma complacência das famílias com isso porque têm interesse. Muitas vezes por causa das condições financeiras
das famílias... Veja o caso dos profissionais de basquete norte americanos, muitos
deles estudantes. Caso a Liga de Basquete americana detecte algum pagamento a esses atletas nas universidades, eles são afastados do esporte. O controle é muito rigoroso. A Liga procura estimular o surgimento de novos nomes, e para isso patrocina a
formação, a partir de bolsas de estudos nas universidades americanas para ter um
atleta com melhor formação acadêmica. E ao mesmo tempo é muito vigilante com
relação à profissionalização precoce. Há vários casos de atletas ou famílias que foram
punidas e definitivamente afastadas do esporte, porque provado que tinham uma contraprestação financeira. Eles costumam receber moradia ou bolsas de alto valor financeiro, muitas vezes maior do que US$ 10 mil ou US$ 20 mil, que é o custo de uma
faculdade nos Estados Unidos. Mas tem a vigilância. Por quê? Porque depois, efetivamente esses atletas irão se profissionalizar e aí, sim, as contratações são milionárias.
Mas antes, é formativo. Aqui no futebol brasileiro, apesar de haver muitas mazelas, há
também virtudes. Há um trabalho muito grande nessas divisões de formação de jovens. No sentido de prepará-los como atletas, mas não necessariamente torná-los,empregados conforme tipificado pela lei. A quem caberia fiscalizar, no Brasil,
esses casos? Juiz Urgel: – O trabalho infantil é, antes de mais nada, trabalho. Então, as
autoridades que fiscalizam o trabalho são as mesmas: os fiscais do Trabalho, responsáveis pela vistoria do ambiente geral de trabalho. Concomitantemente, pela condição de serem menores de idade, também são responsáveis por essa fiscalização os
membros do Ministério Público – até mesmo da Promotoria da Infância – e do Ministério Público do Trabalho. São agentes legítimos para atuar nessa fiscalização, ou receberem denúncias. Clubes podem contratar futuros atletas pagando os pais? Juiz
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – CLIPPING JURÍDICO...............................................................................................................................
239
Urgel: – Não, não podem! Mas eles o fazem? Muitas vezes. Cabe investigar se efetivamente isso está acontecendo ou não. Verificada a fraude, há uma nulidade a ser
declarada, reconhecida. No caso, tem que prevalecer o interesse maior, que é a preservação desse adolescente, que está sendo precocemente exposto a uma condição
de trabalho para a qual ele não está preparado. Na Copa do Mundo. Menores trabalhando em recepção, shows de danças e gandulas. Isso pode ser considerado trabalho
infantil ou deve ser visto como uma eventualidade? Juiz Urgel: – Acho que é uma
eventualidade. Não veria que há trabalho de menores nem na condição dos gandulas,
nem nesses shows. Por exemplo, uma performance, um show de abertura com músicos e dançarinos. Não se começa músico, não se vira dançarino, ou qualquer atleta,
mesmo nas sociedades mais protegidas do mundo, com mais de oito anos. É difícil, é
raro, muito excepcional. Então, o que a gente tem que pensar como sociedade é se
vamos dar meios para que as pessoas se aprimorem. E aí o ambiente escolar é fundamental, aquele ambiente plural dentro de uma escola, no qual, além da formação
clássica, teórica, tenha-se acesso, também, a essas outras atividades – esportiva e artística –, mas ainda somos muito deficientes nesta área. Só então poderá se formar
uma sociedade mais complexa, mais completa. A competência para analisar pedidos
de trabalho infantil foi, recentemente, deslocada para a Justiça do Trabalho. Como o
senhor vê o papel da Vara da Infância e da Juventude nessa questão? Juiz Urgel: –
Acho mais razoável e lógico, dentro do ordenamento jurídico, que se desloque para
a Justiça do Trabalho, que poderá prestar atenção tanto na condição prévia da contratação, como da sua execução e como de seus eventuais desdobramentos, se for o
caso, se houver algum tipo de conflito decorrente desse contrato. A Vara da Infância
e da Juventude cuidaria de todos os aspectos não relacionados ao trabalho – que eles
até há pouco tempo estavam também abrigando. Como verificada a existência de
trabalho, sendo ele legal ou ilegal, há possíveis desdobramentos e consequências
tanto de ordem penal quanto de ordem civil desses contratos. Se essa Vara da Infância
e da Juventude não detém competência para dar prosseguimento à análise desses
casos, porque mantê-la lá? (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região)
Situação incomum leva 5ª Câmara a aceitar preposto que não é empregado de
clube de futebol
A 5ª Câmara do TRT-SC confirmou decisão da Juíza Ilma Vinha, da 1ª VT de Rio
do Sul, que entendeu como devidamente representado em audiência um clube da
primeira divisão do futebol catarinense, mesmo sem a presença de um funcionário
registrado. Para a juíza, o rapaz designado como preposto não é estranho à relação
empregatícia, e esse entendimento impediu a chamada confissão ficta do réu, que
ocorre quando ele não envia representantes para a audiência inicial ou de instrução. O pivô da situação trabalha para uma empresa patrocinadora do Clube Atlético
Hermann Aichinger (Atlético de Ibirama) e foi nomeado preposto por ocupar a função
de coordenador do departamento pessoal. Entre suas funções está a confecção dos recibos de pagamentos, tendo inclusive firmado termos rescisórios em nome do clube.
O § 1º do art. 843 da CLT dispõe que a empresa pode se fazer representar pelo geren-
240 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – CLIPPING JURÍDICO
te, ou qualquer outro preposto. A legislação trabalhista não exige expressamente que
o preposto seja empregado do réu, mas o TST, por meio da Súmula nº 377, pacificou
entendimento em sentido contrário. Os desembargadores da 5ª Câmara consideraram
que essa é uma situação peculiar e por isso deve ser tratada de forma diferenciada,
relativizando-se a aplicação da Súmula nº 377. O autor recorreu ao TST. (Conteúdo
extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região)
Fechamento da Edição: 05.08.2014
Bibliografia Complementar
Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados
nesta edição os seguintes conteúdos:
ARTIGO DOUTRINÁRIO
•
Lei Geral da Copa e o Consumidor: Livre Concorrência e a Venda
Casada
Camila Prado dos Santos
Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET,
disponíveis em: online.sintese.com
Índice Alfabético e Remissivo
Índice por Assunto Especial
Responsabilidade civil
Doutrina
• O Regime Societário dos Clubes de Futebol e
as Responsabilidades de Seus Dirigentes (João
Paulo Romero Baldin)...........................................87
Assunto
Autor
Copa – Aspectos Jurídicos
• A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Antidesportiva por Meio Audiovisual. O Caso Luis
Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014 (Cassio
M. C. Penteado Jr.)................................................25
• A Lei da Copa e a Liberdade de Expressão
(Rômulo de Andrade Moreira)..............................21
• Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014
(Rafael Teixeira Ramos)..........................................9
Autor
Cassio M. C. Penteado Jr.
• A Admissão da Prova de Ato ou Conduta Antidesportiva por Meio Audiovisual. O Caso Luis
Suárez na Copa do Mundo FIFA 2014..................25
Rafael Teixeira Ramos
• Desporto, Constituição e Copa do Mundo 2014.....9
Rômulo de Andrade Moreira
• A Lei da Copa e a Liberdade de Expressão............21
Índice Geral
Doutrina
Assunto
Doping
• O Delito de Doping Esportivo (Rosario de Vicente
Martínez)..............................................................99
Estatuto do Torcedor
• Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos
Desportivos: a Lei de Economia Popular e o
Estatuto do Torcedor (Fábio André Guaragni).......61
Fifa
• A FIFA e o Direito Penal (Leonardo Schmitt de
Bem).....................................................................51
Fábio André Guaragni
• Aspectos Penais do Cambismo nos Espetáculos
Desportivos: a Lei de Economia Popular e o
Estatuto do Torcedor.............................................61
Fábio Menezes de Sá Filho
• Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Futebol Clube e a Possibilidade do Exercício do
Direito de Greve...................................................41
Gustavo Lopes Pires de Souza
• Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Rumos
.............................................................................30
João Paulo Romero Baldin
• O Regime Societário dos Clubes de Futebol e
as Responsabilidades de Seus Dirigentes..............87
Leonardo Schmitt de Bem
• A FIFA e o Direito Penal.......................................51
Rosario de Vicente Martínez
• O Delito de Doping Esportivo...............................99
Seção Especial
Estudo Dirigido
Assunto
Estatuto do Torcedor
• Torcedores Violentos ou Seres Humanos Problemáticos? Breve Reflexão Antropológico-Psicológica (Caren Vian Cerezere e Vanderlei de Lima)
...........................................................................204
Autor
Caren Vian Cerezere e Vanderlei de Lima
• Torcedores Violentos ou Seres Humanos Problemáticos? Breve Reflexão Antropológico-Psicológica..............................................................204
Greve
• Análise da Natureza Jurídica do Bom Senso Futebol Clube e a Possibilidade do Exercício do
Direito de Greve (Fábio Menezes de Sá Filho)......41
Mecenato
• Mecenato e Incentivo ao Desporto: Novos Rumos (Gustavo Lopes Pires de Souza).....................30
Prática processual
Assunto
Reclamação trabalhista
• Reclamação Trabalhista (Lucas Thadeu de Aguiar
Ottoni)................................................................219
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO.........................................................................................................
Autor
Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni
• Reclamação Trabalhista......................................219
Sentença na íntegra
• Sentença na íntegra (TRT da 3ª Região).....1190, 226
ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA
Atleta
• Ação de rescisão contratual – Atleta – Procuração e contrato de prestação de serviços – Agente
– Promessa de contratação por clube carioca –
Frustração – Possibilidade de rescisão da avença – Termo inicial – Citação na cautelar e não
na ação principal – Data da ciência inequívoca
pelo agente – Apelação do réu não provida e
apelação do autor parcialmente provida (TJSP)
.................................................................1137, 156
• Atleta de nível – Pré-contratação – Custeio das
despesas de deslocamento – Ausência de cláusula específica – Ruptura contratual – Cláusula penal e perda de uma chance (TRT 21ª R.)
.................................................................1140, 174
Bolsa-atleta
• Incentivo econômico – Bolsa-atleta (TJES).. 1138, 160
Conflito de competência
• conflito Positivo de Competência – Processos
vários ajuizados em juízos e juizados especiais
diversos, em diferentes foros do território nacional, por torcedores, clube ou entidades e instituições diversas, centradas no mesmo litígio, a
respeito da validade de acórdão proferido pelo
Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD
– Com consequências diretas sobre campeonato esportivo de caráter nacional, organizado
pela confederação brasileira de futebol – Decisões colidentes quanto a liminares – Matéria de
abrangência nacional – Conexão evidente entre
as ações contidas nos diversos processos – Competência do foro do local em que situada a sede
da entidade responsável pelo tribunal de justiça
desportiva ante a prevalência, de ordem pública
devido ao caráter nacional, do foro do domicílio
do réu – Prevenção da vara em que ajuizado
o primeiro processo – Efeitos da citação que
retroagem à data da distribuição do processo
– Competência de juizado especial do torcedor afastada – Conflito de competência acolhido, para declarar a competência do juízo da
2ª Vara Cível do Rio de Janeiro/RJ (STJ).....1134, 127
Contrato de trabalho por prazo determinado
• Agravo de instrumento – Lei Pelé – Ônus da
prova – Iniciativa da rescisão de contrato por
prazo determinado – Multa – Desprovimento
– Diante do óbice das Súmulas nºs 126, 296 e
243
337, I, a, desta c. Corte e da ausência de violação dos dispositivos invocados, não há como
admitir o recurso de revista – Agravo de instrumento desprovido (TST)............................1135, 143
Fraude
• 1 Jogador de futebol – Direito de imagem –
Fraude à legislação trabalhista – Natureza salarial. 2 Jogador de futebol – Cláusula compensatória. 3 Jogador de futebol – Luvas – Natureza
(TRT 10ª R.)..............................................1139, 165
Ingressos
• Apelação cível – Copa das Confederações –
FIFA – Regra para transferência de ingressos –
Ônus de sucumbência (TJDFT).................1136, 148
Ementário
Administrativo e Constitucional
Ação civil pública
• Ação civil pública – obra de mobilidade – Copa 2014 – efeitos......................................1141, 180
Bolsa-atleta
• Bolsa-atleta – exigência de que o atleta tenha
representado o Estado – razoabilidade......1142, 181
Copa
• Copa 2014 – relatório consolidado de informações – acompanhamento..........................1143, 181
• Copa 2014 – relatório de auditoria – comissão
de fiscalização – efeitos............................1144, 181
Desapropriação
• Desapropriação – decreto de utilidade pública – obra viária da Copa do Mundo – imissão
provisória na posse – possibilidade...........1145, 181
Professor
• Professor – participação em programa de treinamento para atletas – carga horária – redução – descabimento..................................1146, 182
Treinador
• Treinador de futebol – inscrição perante o Conselho de Educação Física – desnecessidade
.................................................................1147, 182
Civil
Ação civil coletiva
• Ação civil coletiva – associação de consumidores – legitimidade ativa – efeitos...........1148, 182
Ação declaratória
• Ação declaratória – fornecimento de refeições
para atletas – equipe de basquete – contratação
verbal – efeitos.........................................1149, 183
244D���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO
Ação de prestação de contas
• Ação de prestação de contas – associação
desportiva sem fins lucrativos – descabimento
.................................................................1150, 183
Atleta
• Atleta – rescisão contratual – procuração e contrato de prestação de serviços – agente – promessa de contratação por clube carioca – frustração – possibilidade de rescisão da avença –
– termo inicial..........................................1151, 183
Conflito de competência
• Conflito de competência – entidade organizadora de campeonato esportivo – caráter nacional – efeitos..............................................1152, 184
Contrato
• Contrato – serviço de recepção com buffet e
aquisição de ingressos para a Copa do Mundo
de Futebol – cláusula abusiva – rescisão – descabimento................................................1153, 185
Direito do consumidor
• Direito do consumidor – Copa das Confederações FIFA – regra para transferência de ingressos
– ônus de sucumbência............................1154, 185
Execução
• Execução fiscal – multa administrativa – transferência de jogador – interrupção................1155, 185
• Execução fiscal – penhora sobre valores relativos ao direito de transmissão televisiva de
clube de futebol – possibilidade...............1156, 186
Indenização
• Indenização – árbitro de futebol – ofensas físicas e verbais após expulsão de jogador – insuficiência de prova.....................................1157, 186
• Indenização – cadeira perpétua no Estádio –
eventos esportivos FIFA – restrição do uso – cabimento....................................................1158, 188
Penhora
• Penhora – valores relativos ao direito de transmissão televisiva de clube de futebol – possibilidade – substituição por imóvel – descabimento.......................................................1159, 188
Responsabilidade civil
• Responsabilidade civil – FIFA – danos causados por representantes legais e empregados da
União – efeitos.........................................1160, 189
• Responsabilidade civil – relação de consumo
– falha na organização de evento esportivo de
repercussão – dano moral – indenização... 1161, 190
• Responsabilidade civil – transporte aéreo –
atleta paraolímpica – danos na cadeira de rodas – indenização por dano material e moral –
alcance.....................................................1162, 190
Penal
Crime
• Crime – exploração de jogos ilegais – máquinas de caça-níqueis e jogo do bicho – configuração....................................................1163, 191
Previdenciário
Aposentadoria especial
• Aposentadoria especial – reconhecimento de
tempo de serviço – jogador de futebol – hipótese de reconhecimento............................1164, 192
Trabalhista
Atleta
• Atleta – pré-contratação – despesas com deslocamento – ausência de cláusula específica –
efeitos.......................................................1165, 193
• Atleta profissional – contratos sucessivos – prescrição – termo inicial................................1166, 193
• Atleta profissional – direito de arena – natureza
jurídica.....................................................1167, 194
• Atleta profissional – direito de imagem – natureza jurídica – integração............................1168, 194
• Atleta profissional – gratificações por resultados
– habitualidade – incorporação................1169, 195
• Atleta profissional – requerimento de direito de
imagem individual – legitimidade ativa – ausência.......................................................1170, 195
• Atleta profissional – rescisão contratual antecipada – prescricional bienal – termo inicial
.................................................................1171, 195
• Autônomo – Procurador-Geral do TJDPR – remuneração – inexistência.........................1172, 196
Competência
• Competência internacional – Justiça do Trabalho – pré-contrato de trabalho – tratativas
para prestação de serviços no exterior a clube
de futebol estrangeiro sem agência ou sucursal
no Brasil – não reconhecimento...............1173, 197
Contrato de trabalho por prazo determinado
• Rescisão de contrato a prazo determinado por
iniciativa do empregado – acordo judicial – liberação do FGTS – efeitos........................1184, 200
Contrato por prazo determinado
• Contrato por prazo determinado – rescisão –
Lei Pelé – multa – observação...................1174, 197
Direito de arena
• Direito de arena – alteração do percentual legal por acordo judicial entre clube e sindicato
– impossibilidade......................................1175, 198
RDD Nº 20 – Ago-Set/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO.........................................................................................................
• Direito de arena – proporcionalidade no pagamento e natureza jurídica – pagamento devido..........................................................1178, 199
• Direito de arena – redução do percentual – impossibilidade............................................1179, 199
Direito de imagem
• Direito de imagem – natureza jurídica......1176, 198
• Direito de imagem – pagamento fraudulento –
integração ao salário – cabimento............1177, 198
Exceção de incompetência
• Exceção de incompetência em razão do lugar
– ajuizamento da ação na comarca de domicílio do atleta profissional de futebol – direito de
acesso à Justiça – observação...................1180, 199
Indenização
• Indenização – danos moral e material – jogador
de futebol – doença ocupacional – reconhecimento.......................................................1181, 199
Reclamação trabalhista
• Reclamação trabalhista – atleta profissional –
prescrição bienal – observação.................1182, 200
Relação de emprego
• Relação de emprego – caddie em clube de golfe
– não reconhecimento..............................1183, 200
Responsabilidade civil
• Responsabilidade civil – empregador – atleta
menor – acidente ocorrido em período de folga
– indenização – descabimento..................1185, 200
Salário
• Salário – direito de imagem – contribuição previdenciária – incidência............................1186, 201
Tributário
Copa
• Copa do Mundo FIFA 2014 – tributos – isenção – concessão por lei municipal às empre-
245
sas que participassem da organização – cabimento.......................................................1187, 201
Execução
• Execução fiscal – penhora sobre faturamento
da pessoa jurídica – valores relativos à renda
de jogos, venda de produtos de clube, contratos
de patrocínio, direito de imagem e outras cotas
e verbas – possibilidade............................1188, 201
IR
• IR – museu do Futebol Clube do Porto – custeio da obra e locação de espaços publicitários
– retenção na fonte – remessas ao exterior –
tributação – exegese.................................1189, 202
Clipping Jurídico
• STJ suspende decisão que obrigou a Fifa a reimprimir ingressos extraviados em dia de jogo.......233
• Justiça proíbe clube de futebol de terceirizar categorias de base..................................................233
• Reparação para cliente impedido de assistir
campeonato de futebol por defeito no televisor....235
• Jogador Araújo entrou com ação contra o
Goiás para receber verba rescisória no valor de
R$ 500 mil..........................................................235
• Goleiro do Americana (SP) não recebe multa
por rescisão antecipada de contrato...................236
• Juiz defere pedido de antecipação de tutela em
favor de ex-jogador do Vila Nova.......................236
• Atletas que começam jovens não podem ser expostos a condições de trabalho...........................237
• Situação incomum leva 5ª Câmara a aceitar
preposto que não é empregado de clube de futebol...................................................................239
Bibliografia complementar.........................241
Índice Alfabético e Remissivo.......................242
Normas Editoriais para Envio de Artigos...7
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