Um estudo sobre as famílias moradoras do Complexo do Alemão 1 Maria Fernanda Duarte A. P. Salgueiro 2 RESUMO: O presente artigo traz algumas contribuições acerca da realidade de vida das camadas empobrecidas e em situação de vulnerabilidade social, especificamente as famílias moradoras do Complexo do Alemão; comunidade onde foi desenvolvido o projeto de Extensão intitulado: “Atendimento Social às famílias moradoras do Complexo do Alemão” durante os anos de 2003 e 2004, com o atendimento de 481 e 504 famílias respectivamente. Ao longo da realização de nosso trabalho pudemos observar e levantar dados estatísticos sobre o perfil sócio-econômico e ocupacional das famílias confirmando características de pobreza e risco social. O Complexo do Alemão como é conhecido, refere-se a um conjunto de 12 favelas totalizando uma população de 300 mil habitantes com baixo índice de qualidade de vida no tocante a saneamento básico, educação e estrutura ocupacional. Afirma-se assim, como local carente de infra-estrutura e de políticas sociais que garantam a efetividade dos direitos sociais básicos. Salientamos a importância da realização desse trabalho pela possibilidade de trazer visibilidade, conhecimento e indicativos sobre a realidade das famílias moradoras do Complexo do Alemão e dados de pesquisa para análise crítica e avaliação das políticas públicas hoje implementadas, bem como conhecer as estratégias de sobrevivência e de enfrentamento no cotidiano das populações em situação de risco e vulnerabilidade. Palavras-Chave: Pobreza; vulnerabilidade social; política social; família; comunidade. ABSTRACT: 1 Este trabalho é resultado do projeto extensionista realizado no Complexo do Alemão nos anos de 2003 e 2004, e apresentado no VIII Congresso Ibero-Americano de Extensão, realizado no Rio de Janeiro em novembro de 2005. 2 Professora de Serviço Social da UNISUAM, Mestre em Serviço Social pela PUC-RJ e Coordenadora do projeto de extensão Atendimento Social às famílias moradoras do Alemão. 1 The present article brings some contribution concerning the reality of the people in situation of social vulnerability, specifically the living families of Complexo do Alemão; community where the extension project entitled: "Social Attendance to the living families” was developed during the years of 2003 and 2004, with the attendance of 481 and 504 families respectively. During the development of our work, we could observe and raise some data on the social, economic and occupational profile of the families confirming characteristics of poverty and social risk. The Complexo do Alemão as it is know is composed by a set of 12 slum quarters, totalizing a population of 300 a thousand inhabitants with low index of quality of life regarding to basic sanitation, education and occupational structure. We point out the importance of the accomplishment of this work for the possibility of bringing visibility, knowledge and information on the reality of the living families of the Complexo do Alemão and data of research for critical analysis and evaluation of the public politics today implemented, as well as knowing the strategies of survival and confrontation the life of the population in situation of risk and vulnerability. Key Words: Poverty; social vulnerability; social politics; family; community. Introdução Hoje a complexidade das questões sociais impõe novas demandas ao Serviço Social trazendo grandes inquietações e a busca por rumos diferenciados para a atuação profissional. O Serviço Social vem buscando se reestruturar a partir da efetiva participação em projetos de pesquisa e estudos teóricos, e pela inserção em campos de prática surgidos em função de novas demandas da sociedade. A profissão no bojo de sua institucionalização assume como campo privilegiado de ação profissional as políticas sociais e suas diversas faces como: programas assistenciais, educativos, profissionalizantes. Cabe assinalar que este espaço é demarcado por forças sociais antagônicas, pois as demandas históricas das políticas sociais não são homogêneas, configurando interesses distintos entre Estado, setores empresariais e setores populares (SILVA, 1994). Atualmente, com o agravamento das condições de vida da população, indicado pela elevação dos índices de exclusão social e pelo surgimento da “nova pobreza” (SILVA, 1997), provocados por mudanças ocasionada no mundo do trabalho que levam ao aumento do desemprego e do trabalho precário, surgem demandas por políticas sociais e diretrizes que impliquem em formas mais modernas de proteção social. Entre as inovações ganham destaques as demandas por políticas que rompam com as práticas 2 clientelistas e com a reprodução da subalternidade da população pobre através da universalização da cidadania e dos direitos sociais. O trabalho junto à comunidades carentes e o foco no estudo e mapeamento das famílias, se torna de suma importância, pois a família brasileira sofre os impactos dos processos de desenvolvimento sócio-econômicos e ações implementadas pelo Estado, advindos do perfil de distribuição de renda e do desemprego. A situação de vulnerabilidade das famílias encontra-se diretamente associada à sua situação de pobreza conforme assinala Ferrari (2000). Tentando atender às novas demandas por informações mais detalhadas o projeto Atendimento Social às famílias moradoras do Alemão busca levantar indicadores de qualidade de vida, através do conhecimento do perfil desses grupos domésticos e de como esses sujeitos, moradoras do Complexo do Alemão e adjacências, vêm sendo alvo de atenção das políticas públicas, como beneficiários da rede de serviços públicos. Consideramos a família como o grupo social responsável por garantir os recursos afetivos e materiais necessários ao bem estar dos seus componentes. No entanto, no caso das famílias atendidas pelo Serviço Social e pelo Setor Jurídico da UNISUAM no Complexo do Alemão, encontramos uma situação de vulnerabilidade provocada pela falta de emprego e pela falta de acesso a serviços e informações. Os dados levantados demonstram que no seu cotidiano esses sujeitos vivem em condições de fragilidade. Carvalho (2000) sinaliza que as famílias devem ser entendidas como base de proteção social, território de pertencimento e âncora/ rede de relações sociais. Portanto, enfatiza que a família deve ser parceira estratégica na implementação e mesmo execução de política pública, rompendo com ações assistencialistas e tutelares. Para a autora a atenção básica à família deve constar de 3 linhas de ação: programas de geração de emprego e renda, rede de serviços comunitários de apoio psicossocial e cultural, e complementação de renda familiar. Seguindo essa proposta, a oferta de rede de serviços comunitários de apoio psicossocial e cultural a famílias através da parceria UNISUAM/SOS e do trabalho interdisciplinar entre os demais cursos como: direito, enfermagem, educação física, pedagogia, turismo representa uma valiosa contribuição, sendo importante ressaltar o 3 foco na pesquisa acadêmica e no atendimento de necessidades através dos projetos extensionistas. A inserção do Serviço Social na proposta extensionista da UNISUAM O Centro de Extensão e Assuntos Comunitários da UNISUAM se institucionalizou a partir de 2002, com a proposta de implantar projetos sociais e de iniciação científica que contemplassem a realidade e as demandas sociais das comunidades regionais. A extensão se fortaleceu como prática acadêmica e como campo de produção de conhecimento e de exercício de cidadania aproximando a universidade da comunidade. Desta forma, a UNISUAM voltou-se para a inserção social, para a melhoria de qualidade de vida e para o desenvolvimento local da área da Leopoldina. A coordenação de Serviço Social assumiu como meta do curso o atendimento das comunidades com serviços e ações sócio-educativas e de formação profissional, ampliando o atendimento das demandas sociais dessa área carente de serviços; resgatando com ações e projetos extensionistas e de pesquisa as potencialidades e os recursos da região. A proposta do curso se baseou em fomentar a participação do corpo docente e discente na prática extensionista oportunizando a reflexão e o amadurecimento crítico na produção de conhecimento e na prestação de serviços. Conforme assinalado no I Fórum Nacional dos Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, realizado em 1987 na UNB: “A Extensão Universitária é um processo educativo, cultural e científico que articula ensino e pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. A extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade da elaboração da práxis do conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento... Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social” (MEC/SESU, 2001:5). A LDB no tocante ao ensino superior também sinaliza em seu artigo 52 e 53 a importância da Extensão: 4 Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracteriza por: I - produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; Desta forma em 2003 a coordenação de Serviço Social implementa o projeto Atendimento Social às famílias do Complexo do Alemão. A participação da Universidade, através do atendimento das comunidades com serviços e ações sócio-educativas e de formação profissional, representa um salto qualitativo na criação de parcerias e de espaços de solidariedade, ampliando o atendimento das demandas sociais dessa área carente de serviços; resgatando com ações e projetos de pesquisa as potencialidades e os recursos da região. As ações articuladas pela UNISUAM, realizadas pelos diversos cursos, podem ser consideradas iniciativas de atender a realidade da população das comunidades carentes da região, em consonância com a atual realidade sócio-econômica, proveniente das mudanças do mercado de trabalho, do modelo de ajuste estrutural e de reestruturação produtiva. Há um agravamento das questões sociais, com crescente dificuldade das populações desqualificadas de incorporação no mercado de trabalho e, conseqüentemente, uma queda nas condições de vida e de acesso a serviços. O governo federal na atual conjuntura reforça a necessidade das parcerias dos vários atores sociais – governo, empresas, trabalhadores, educadores - para melhor integração das diferentes estratégias de qualificação da força de trabalho, e de atendimento da realidade social, sendo primordial a participação das empresas em investimentos e na construção de oportunidades educativas (BRASIL, 2005). A presença da iniciativa privada, de ONGs, de Instituições e de universidades no campo social traduz-se hoje no que Carvalho (2002) vem discutindo sobre as políticas sociais no país. Para esse autor o importante hoje é fortalecer a rede de serviços em diferentes áreas para atender demandas socais, tais como cultura, lazer, saúde, educação, através de parcerias que envolvam a iniciativa pública, a iniciativa privada e 5 a própria família beneficiada. Ou seja, hoje se busca apoio no terceiro setor, a fim de ampliar a rede de serviços e de atendimento à realidade social, no intuito de criar novas estratégias de inclusão social. O Conselho de Assistência Social juntamente com governo Federal vem priorizando a necessidade de democratizar os espaços de cultura, de educação, significando a valorização das comunidades enquanto lócus de participação, de cidadania e de diversificação cultural. Na conjuntura atual com a descentralização e a divisão na esfera de poder, as palavras-chave são: municipalização, desenvolvimento local, democracia e parcerias. Surge assim o interesse no desenvolvimento das comunidades, a partir de uma visão crítica e de potencialização de suas capacidades latentes, sendo importante para análise global da realidade social o conhecimento das comunidades quanto: ao sistema social, rede de serviços comunitários, poder local (associações, líderes), iniciativas e experiências desenvolvidas (projetos sociais desenvolvidos por ONGs, Instituições), contribuindo para o atendimento eficiente de suas necessidades. O projeto Atendimento social à Família desenvolvido no Complexo do Alemão teve por objetivo conhecer a realidade das famílias e suas demandas, tendo por foco o atendimento social visando criar rede de referência de recursos da comunidade e ampliar proposta sócio - educativa. Abaixo seguem os objetivos: • Identificar as necessidades da família; • Formular projetos de intervenção e estratégias para superá-las; • Articular ações com os cursos da UNISUAM para atendimento das demandas identificadas e voltadas para grupos específicos; • Disponibilizar o acesso às informações, à educação para prevenção e encaminhar para rede de serviços locais; • Prestar orientação social às famílias das comunidades e encaminhar para demais serviços oferecidos pelos vários cursos da instituição ou outras entidades assistenciais; • Capacitar e desenvolver as potencialidades da família buscando melhorar o relacionamento familiar. 6 Metodologia O projeto Atendimento Social à família foi desenvolvido na comunidade através de um núcleo de atendimento e orientação social, individual e familiar abordando as condições sociais, o relacionamento familiar e as necessidades no campo da saúde, alimentação, acesso à justiça, habitação, educação, lazer, empregabilidade e violência doméstica. O atendimento social teve como eixo metodológico a elaboração de estudo social, a partir da identificação da problemática apresentada nos relacionamentos familiares e na avaliação da família a respeito de suas expectativas, potencialidades e recursos. Assinalamos a proposta interdisciplinar do projeto, porque o Atendimento Social à família foi realizado junto ao Projeto de Atendimento Jurídico sob a coordenação da Professora Eurydice Silva, o que trouxe um diferencial, uma vez que houve maior troca de informações, discussão entre estagiários de disciplinas do Direito e do Serviço Social, e maior profundidade no tocante a análise sobre demandas implícitas e explícitas. As famílias atendidas pelo Jurídico passavam por triagem para diagnóstico social, com levantamento de dados sócio-econômicos e culturais. Desta forma, foi realizado trabalho interdisciplinar intervindo nas demandas específicas como: divórcio e investigação de paternidade, pensão alimentícia e orientações de cunho diverso como BPC, LOAS, Direitos da Criança, Conselho Tutelar. Análise de dados: alguns aspectos sócio-econômicos O trabalho desenvolvido nos permitiu levantar diversas questões que estão na pauta atual das discussões a respeito das mudanças ocorridas na conjuntura em função das transformações no mundo do trabalho, os impactos da reestruturação produtiva e da política neoliberal. Com relação à análise sócio-econômica da população em questão é importante assinalar, como foi mencionada anteriormente, contribuição de Ferrari (op. cit.), que enfatiza que a situação de vulnerabilidade das famílias encontra-se diretamente associada à sua situação de pobreza e ao perfil de distribuição de renda 7 no país, sofrendo os impactos das mudanças sociais, políticas e econômicas. Com relação à renda das famílias moradoras do Complexo do Alemão observamos um perfil econômico com renda baixa e nível de ocupação em atividades de pouca qualificação e com exigências de baixa escolaridade como: doméstica, diarista, auxiliar de serviços gerais, servente, operador de caixa, passadeira, auxiliar de enfermagem, costureira, vendedor; muitos também se encontram no mercado informal fazendo biscates ou como camelô. Segue abaixo a amostra das famílias moradoras do Complexo do Alemão atendidas pelo projeto: QUADRO Nº 1 Perfil sócio-econômico / Renda Familiar Renda Familiar Nº famílias Sem renda 04 Menos de 1 SM 08 1 Salário – 240,00 24 Mais de 1 SM 30 2 Salários- 480,00 10 Mais de 2 salários 20 3 salários – 720,00 14 Total 110 Fonte: Projeto Atendimento Social 2003 * Salário-mínimo vigente na época da coleta de dados / R$ 240,00 8 GRÁFICO Nº 1 Nº Percentual das Famílias quanto à renda mensal 13% 4% 7% 22% 18% Sem renda menos 1 SM 1 SM Mais 1 SM 2 SM Mais 2 SM 3 SM 9% 27% Fonte: Projeto Atendimento Social às Famílias do Complexo do Alemão/ 2003. Em recente estudo da prefeitura do Rio de Janeiro sobre as condições de vida na cidade, constatou-se que a comunidade do Complexo do Alemão possui o pior índice de Desenvolvimento Humano, ocupando a última posição de 126 bairros, com seguintes dados: - renda per capita de R$177,31 mensal; - taxa de longevidade de 64,79 anos; - taxa de matrícula escolar de 72,04% 3 . Esses dados revelam o índice de condições de vida com acentuado grau de pobreza, defasagem educacional e baixa expectativa de vida. Através do gráfico observamos que o maior número de famílias (30) obtém mais de 1 SM - 27% e 22 % tem como renda mensal 1 SM . Vale assinalar que 4% e 7% da amostragem aparecem sem renda ou recebendo menos de 1 SM, respectivamente. Pudemos constatar nas fichas, que as famílias que não possuem renda recebem a ajuda de vizinhos ou parentes no fornecimento de alguma alimentação e os que tem renda menor de 1 SM recebem benefício público, como cheque-cidadão e bolsa-escola. A realidade das famílias é de baixas condições de vida, com renda precária, principalmente quando consideramos o número de filhos e outros parentes residentes 3 O Globo, Caderno de Economia. 9 nos domicílios. Isso reflete e confirma os dados apontados na pesquisa da Prefeitura do Rio, supracitada sobre as condições de desenvolvimento humano nessa região da cidade. As análises, hoje, sobre os impactos que a política neoliberal tem trazido à economia e sociedade contemporâneas, revelam um elevado crescimento econômico, mas com grande desigualdade na distribuição de riqueza e conseqüente aumento da pobreza. No Brasil, os pobres seriam de 42 milhões e os indigentes cerca de 16,6 milhões de pessoas, correspondendo a cerca de 30% da população brasileira. Os dados da PNAD de 1996 colocam que, enquanto os 10% mais ricos detêm 46,8% da renda em 1996, os 10% mais pobres ficam com apenas 1%. Carvalho (2000) em estudo sobre a realidade da família pobre no Brasil enfatiza que não houve alteração no quadro da pobreza e exclusão de parcela significativa da população brasileira, pelo contrário, houve ampliação das taxas de desigualdade social e de concentração de renda, o que podemos notar a partir da amostra analisada. O processo em curso na sociedade brasileira com relação à implementação das políticas sociais descreve os impactos das mudanças sociais, políticas e econômicas a partir da crise mundial e esgotamento dos modelos de proteção social. A reestruturação produtiva e as transformações do trabalho com mudanças nos direitos trabalhistas, enfraquecimento dos sindicatos e novas formas de inserção no mercado fragilizam as políticas através de um Estado omisso. Contrapondo-se aos avanços estabelecidos pela Constituição de 1988, na esfera de participação e representatividade, há um recuo e afastamento da ação direta do Estado com a diminuição de gastos na área social, seguindo o ideário neoliberal. O que vem sendo feito pelas Famílias? Ressaltamos a importância da família, enquanto alvo de atenção /atendimento das políticas públicas e de intervenção do Serviço Social. A família como foco das ações sociais representa um avanço, superando o atendimento isolado de deficiências individuais (criança, adolescente, jovem, terceira idade) para uma compreensão da dinâmica familiar e da problemática social. A criança que precisa de reforço escolar, o jovem em busca de primeiro emprego, o analfabetismo, a pobreza, a violência contra criança e adolescente são realidades da família brasileira. É necessário um atendimento que identifique o perfil das famílias e propicie dados de sua realidade, como renda, tipo de ocupação, número de filhos, arranjos familiares, recursos disponíveis. Conhecer a 10 realidade implica em criar novas propostas de intervenção e de proteção social voltadas para toda a família. Os dados de observação empírica também contribuíram para trazer indicativos sobre a fragilidade das famílias, sobre a rede de parentesco e os casamentos sucessivos, histórias de violência doméstica e de busca de reconhecimento de paternidade. Em relação ao acesso a direitos há grande desinformação e são inexistentes políticas de atenção às famílias moradoras do Complexo do Alemão, com parcela ínfima tendo acesso às políticas sociais (7% da amostra estudada). Atualmente, as políticas do governo do Estado e os modelos de assistência implementados vêm reforçando a importância da família como alvo das políticas. Como exemplo temos os projetos de renda mínima e o Bolsa-família que colocam a família como beneficiária. No entanto, o modelo de família adotado não compreende a complexidade de arranjos e relações das famílias; e por outro lado o cadastramento, a distribuição dos benefícios e o processo de acompanhamento e avaliação não permitem uma intervenção emancipadora, e, muitas vezes, não atingem as populações mais carentes. Consideramos de grande importância o estudo dos impactos dessas políticas nos grupos mais vulneráveis e como vêm sendo implementadas. Alguns autores (CARVALHO, op. cit.; SARTI, 2003) colocam a necessidade de propostas de atendimento e de ação pautadas em metodologias especificas para o grupo familiar, embasadas na busca de respostas específicas (para a dinâmica subjetiva, de relações e de comportamento das famílias), mas em conjugação com a formulação de novas propostas políticas para família. Como compreender a realidade da família com relação ao seu mundo intrafamiliar? Sarti (op. cit.) nos traz grandes contribuições para compreensão do imaginário das famílias pobres e suas formas de interação social e no âmbito familiar. A família como espaço simbólico apresenta configurações distintas com papéis definidos entre os sexos e obrigações morais apoiadas na rede de parentesco. As estratégias para o enfrentamento de sobrevivência e do cuidado dos filhos, em caso de separações e desuniões, perpassam pela circulação de filhos entre seus membros. A noção de família se configura pela rede de obrigações e de cooperação. Por isso, é necessário conhecer a família – alvo de nossa ação - com suas peculiaridades, rompendo com o modelo internalizado e com referências tradicionais, para acolher as diferenças e promover ações construtivas. 11 Carvalho (op. cit., 2002) aponta a importância de se perceber o espaço familiar com suas fragilidades e riquezas. Esse autor sinaliza que as famílias devem ser entendidas como base de proteção social, território de pertencimento e âncora/ rede de relações sociais, e enfatiza que é preciso compreender que a diversidade verificada nas estratégias postas em prática pelos diferentes grupos familiares na solução de seus problemas, conforme sua cultura, necessidades e expectativas, significa riqueza. A família deve ser assim, entendida como grupo social cujos movimentos de organização-desorganização-reorganização mantém estreita relação com o contexto sócio-cultural. Ou seja, trabalhar com famílias pobres como aponta Sarti (op. cit.) requer abertura para uma escuta, a fim de localizar os pontos de vulnerabilidade, mas também os recursos disponíveis. Desta forma, as políticas devem conhecer as novas demandas e situações da família brasileira, em sua realidade cultural e social, para a implementação de ações que atendam suas necessidades e privilegiem a sua cultura. A busca do 1º emprego pelos jovens da comunidade teve grande expressão caracterizando uma clientela (jovens de 16 a 21 anos) que mereceu destaque. Cabe assinalar que o intuito do projeto também era formar cadastro a partir de demandas de interesse apresentadas pela comunidade. Surge assim, a questão do trabalho como tema central; uma preocupação constante na vida de jovens com baixa escolaridade, sem acesso a educação de boa qualidade e sem expectativa de mudanças. Conforme aponta Silva (1997) a ampliação do trabalho precarizado na conjuntura atual, de baixa remuneração cria subcategorias de empregados, também constituída de jovens em busca do primeiro emprego e amplia a pobreza. Desta forma, o desemprego aparece enquanto grave problema social que repercute diretamente nas condições de inserção do jovem. Segundo Coutrot (1999) o jovem leva hoje de 3 a 4 anos para encontrar um emprego estável, aumentando conseqüentemente o trabalho informal. Em relação ao fenômeno do desemprego e sua incidência nas diferentes classes e grupos sociais torna-se oportuno mencionar Ianni (1994), que se refere ao desemprego enquanto grave problema social, onde aparecem problemas relativos aos preconceitos de raça, idade e sexo, o que esclarece que: “A perda do emprego é um processo seletivo. A propósito disto, colocam-se dois aspectos. Primeiro, diferentes grupos sociais experienciam diferentes níveis de desemprego. Segundo, o desemprego tende a ser geograficamente desigual no interior dos 12 países. No que se refere aos grupos sociais, as pessoas menos sujeitas ao desemprego são homens entre 25 e 54 anos, com boa educação ou boa formação profissional. Isto deixa vulnerável ao desemprego grande número de pessoas: mulheres, jovens, velhos, minorias. Muitos destes são trabalhadores não – qualificados ou semi – qualificados” (p. 8). Podemos ressaltar que tendo em vista atingir a população jovem, foram realizadas oficinas de 1º emprego, no Complexo do Alemão, capacitando - os para seleção de emprego; buscando valorizar a educação com o estímulo à continuidade nos estudos e na busca de cursos de capacitação profissional. Resultados alcançados Listamos abaixo alguns avanços a partir do desenvolvimento de Projeto de Extensão Atendimento Social às Famílias Moradoras do Complexo Alemão e trazemos os dados quantitativos de atendimentos durante a realização do projeto nos anos de 2003 e 2004: • • • • • • • estruturação do setor de Serviço Social com a criação de cadastro social e criação de campo de estágio para alunos do Serviço Social; realização de trabalho interdisciplinar do Serviço Social e Direito com atendimento sócio-jurídico; análise quantitativa de atendimentos e cadastro de famílias; aproximação com realidade da comunidade e identificação de necessidades; construção do perfil sócio-econômico das famílias moradoras do Complexo do Alemão; elaboração de monografias sobre o tema 4 e a criação do projeto de extensão “O Serviço Social no NPJ/ campo sóciojurídico”. Abaixo relacionamos alguns gráficos referentes ao número quantitativo de atendimentos durante a realização do projeto. Nº Total de Atendimentos Plantão / ano de 2003 Mês Quantitativo 4 Como, por exemplo, os trabalhos “O perfil sócio-econômico das mulheres chefes-de-família do Complexo do Alemão” e “Reforma urbana e exclusão”, de Cláudia Maria Gonzaga e Ana Luiza Silva, respectivamente. 13 Junho 29 Julho 23 Agosto 36 Setembro 85 Outubro 78 Novembro 35 Dezembro 12 Total 298 Nº Total de atendimentos Serviço Social/ Jurídico 12% 4% 10% Junho 8% Julho 12% Agosto Setembro Outubro 26% Novembro 28% Dezembro Fonte: Dados Projeto Núcleo de atendimento à Família Unisuam/ SOS ( Junho a Dezembro de 2003) O total de atendimentos do Serviço Social com o Setor Jurídico, desde o início do projeto foi de 985, com o cadastro de 183 famílias em 2003 e 124 em 2004, totalizando o cadastro de 307 famílias, nos possibilitando conhecer a realidade e as situações das famílias com relação a renda, ocupação, condições de vida, escolaridade e expectativas quanto ao trabalho desenvolvido na Instituição. Cabe assinalar que o Serviço Social realizava cadastro das famílias no 1º atendimento com agendamento de horário, e atendimento de plantão, onde surgiam demandas imediatas e que necessitavam de respostas. As atividades de plantão compreendiam: 1) orientação social (BPC, relacionamento familiar, violência doméstica, direitos sociais), 2) encaminhamentos rede de serviços público/privada (Conselho Tutelar, INSS, Fundação Leão XIII), 3) acesso a serviços oferecidos pela UNISUAM (pré-vestibular comunitário, educação física, atendimento jurídico, CLESAM, curso de capacitação) ; e 4) o cadastro social das famílias – nessa caso as 14 famílias passavam por triagem para estudo social e diagnóstico, com levantamento de dados sócio-econômicos , culturais e de relacionamento familiar. Foi realizado trabalho interdisciplinar intervindo nas demandas específicas como: divórcio e investigação de paternidade, pensão alimentícia. O Serviço Social através de relatório e parecer social subsidiavam decisão jurídica. Também atendia as partes para mediação e conciliação de conflitos. Abaixo mostramos o quantitativo dos atendimentos nos anos de 2003 e 2004, referente a 678 atendimentos de plantão e 307 de cadastramento. No total somaram-se 985 atendimentos, sendo representativo o trabalho realizado pelo Serviço Social e pelo Direito. ANO Nº Quantitativo 2003 481 2004 504 TOTAL 985 Considerações finais A família é considerada a base da sociedade e ao longo do tempo vem sofrendo os impactos da cultura moderna havendo conseqüentemente transformações em seus arranjos. As questões contemporâneas refletem nas famílias e trazem desafios aos profissionais da área humano-social. Hoje, as demandas postas ao Serviço Social como: exclusão, desemprego, trabalho infantil, criança em situação de risco, violência doméstica entre outros, retratam a realidade das famílias desassistidas pelas políticas públicas. Os serviços, 15 atualmente, oferecidos pelo poder público através da rede de profissionais não são adequados para o trabalho com famílias e para as complexas situações que envolvem a dinâmica familiar. Famílias que estão excluídas do processo de desenvolvimento, que não possuem acesso a rede de serviços e apoio e que recebem um atendimento precário face aos problemas que enfrentam, muitas vezes consideradas famílias multiproblemáticas. Nos dias atuais, sabemos que há limites na atuação profissional a partir da rede de atendimento existente, exigindo a criação de novas propostas de políticas públicas. Desse modo, é mister elaborar projetos voltados para a ampliação de rede de serviços numa visão comunitária e de valorização cultural. Os projetos de atendimento à família devem estar embasados em pesquisas sobre a situação sócio-econômica das famílias, no recorte das áreas de maior exclusão; buscando formular estratégias públicas de enfrentamento da pobreza junto às famílias. Destarte, é imprescindível a capacitação contínua dos profissionais para o trabalho com famílias; a formação de parcerias com a iniciativa privada e outros, na tentativa de articular ações nas esferas pública e privada, disponibilizando recursos e formando redes de apoio, onde ressaltamos a importância da Escola enquanto espaço de socialização e de ampliação de cidadania. A criação de propostas de atendimento regular à família com a diversificação de ações nos trazem uma proposta para reflexão. Trabalhar com famílias exige um grande esforço, sendo fundamental o trabalho interdisciplinar com a articulação de profissionais de diferentes disciplinas conjugando novas alternativas no pensar e fazer profissionais. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. BRASIL. Ministério do Trabalho /SEFOR. Qualificação profissional. Brasília, 2005. BRASIL. Ministério da Educação /SESU. 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