4 - Ainda por uma política de economia solidária

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AINDA POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
GT 5 – Estado, Políticas Públicas e Economia Solidária
ROCHA FILHO, Alnary Nunes1
RESUMO
A consolidação da Economia Solidária no Brasil, ainda depende da criação de uma Política Pública
universalizante, que congregue todos os aspectos legais e sociais, essenciais para a construção dessa
alternativa de desenvolvimento. Pois, sem dúvida, é isso que a Economia Solidária representa.
Dessa maneira, a crise social, econômica e política pela qual mais uma vez o Brasil é vitimado,
coloca novamente a economia solidária como alternativa de enfrentamento da crise. Assim, esse
artigo pretende refletir a respeito das atuais ações de fomento e iniciativas governamentais, e
também, colocar ao debate questões importantes, tais como: Qual o futuro da SENAES – Secretaria
Nacional de Economia Solidária? Qual a diferença entre, emprego e salário, e, trabalho e renda? A
Economia Solidária trata apenas de criação de postos de emprego, ou seus princípios tratam de
todos os aspectos do ser-humano? Que desenvolvimento queremos, apenas o econômico, ou o
social e civilizatório? Essas são algumas das questões que se colocam como desafio para o futuro da
Economia Solidária no Brasil.
Palavras-chave: Economia Solidária; Política Pública; Desenvolvimento.
1. INTRODUÇÃO
O presente texto é uma atualização de um artigo do mesmo autor, escrito em 2011 e
apresentado no III Congresso Nacional da Rede de ITCPs (Incubadoras Tecnológicas de
Cooperativas Populares) e por ocasião do I Simpósio Internacional de Extensão Universitária em
Economia Solidária, na UFRGS (Universidade Federal do rio Grande do Sul).
Nos últimos 5 anos temos observado um crescimento substancial da economia solidária no
Brasil, crescimento esse devido principalmente a organização das pessoas em torno da ideia e do
suporte das entidades de apoio. Porém, as políticas públicas de economia solidária, pulverizadas em
diversos ministérios e comitês de gestão, que deveriam fazer da transversalidade uma força na
consolidação da economia solidária, na verdade tem apequenado a economia solidária enquanto
dentro das instituições públicas.
1
Doutorando em Geografia pelo PPGG-UEPG, Técnico e Consultor de Economia Solidária da IESOL-UEPG.
Os debates nas CONAES – Conferências Nacionais de Economia Solidária, foram muito
intensos, boas ideias foram sistematizadas, o esforço coletivo foi e é substancial para que o objetivo
da realização de uma nova economia seja atingido. Porém, em sentidos práticos, ou seja, na
efetividade da aplicação desses referenciais construídos, é possível dizer que se caminhou muito
pouco, ou quase nada. Na verdade a percepção que se tem é que quanto mais esforço coletivo se
faz, menos espaço é conquistado.
No contexto da atual crise política, na qual a governabilidade está sendo posta em dúvida,
com a credibilidade, no senso comum, em baixa, o Governo da Presidente Dilma Roussef, tem feito
várias tentativas de consolidar alianças políticas e infelizmente tem cedido espaços fundamentais a
partidos que se dizem aliados, mas que não são comprometidos nem com o Projeto de Governo e
muito menos com a Política Nacional de Economia Solidária, e essa está sob forte risco de ser alvo
de um desmonte sistemático, facilitado por essa pulverização transversal em programas de diversos
ministérios, secretarias e outros órgãos institucionais.
Dessa maneira, o 1º Plano Nacional de Economia Solidária, construído através da CONAES,
está sob forte risco de não se concretizar. Esse plano é o resultado de um esforço coletivo
construído por mais de uma década de dedicação, de acumulo de experiências e que pela falta de
força política ou pelas alianças da governabilidade pode nem mesmo constar em planejamentos
estratégicos do Ministério do Trabalho e Emprego, que está em vias de reestruturação.
Nessa conjuntura, a qual novamente apresenta um grande aceleramento da desigualdade
social e econômica, mesmo com muitas iniciativas para um possível enfrentamento dessa realidade
pelo Estado e sociedade civil organizada, de crise política e institucional e, por outro lado de uma
luta de décadas dos trabalhadores e trabalhadoras pela sua própria sobrevivência, através da sua
reprodução social, o presente trabalho procura discutir, de forma geral, as atuais políticas públicas
de economia solidária, e de forma particular, a falta delas em áreas fundamentais e também a falta
de uma política pública centralizada, para a consolidação, tanto da economia solidária como
alternativa de desenvolvimento e transformação social, como dos empreendimentos solidários.
2. POLÍTICAS PÚBLICAS E TERCEIRO SETOR
No espaço intermediário entre Estado, mercado e setor formal, a economia solidária, é posta
em prática por intermédio das famílias, comunidades e redes que exercem um papel político e
social, não apenas econômico. Ela possibilita o desenvolvimento, bem como a participação cidadã,
mediante a democracia participativa. (OLIVEIRA, 2005, p. 80)
Muitas entidades que tem em perspectiva a transformação da sociedade pelo óculo do
desenvolvimento local e regional se inserem na construção da alternativa que representa a economia
solidária. É o chamado Terceiro Setor.
O termo Terceiro Setor, é herdeiro de uma tradição anglo-saxônica, particularmente
impregnada pela ideia de filantropia. Essa abordagem identifica o Terceiro Setor ao universo das
organizações sem fins lucrativos. (FRANÇA FILHO, 2002)
Desde a década de 1990, dentro deste contexto, em que o Estado tem dificuldade de
programar políticas públicas, que se consolida a noção do chamado Terceiro Setor, e que se
desenvolve independentemente dos demais setores, o primeiro setor, Estado, e o segundo setor, o
mercado, embora deles possa, ou deva, receber colaboração.
...o Terceiro Setor é um
tipo de “Frankestein”: grande,
heterogêneo,
construído
de
pedaços,
desajeitado,
com
múltiplas facetas. É contraditório, pois inclui tanto entidades
progressistas como conservadoras. Abrange programas e projetos
sociais que objetivam tanto a emancipação dos setores populares
e a construção de uma sociedade mais justa, igualitária, com
justiça
social, como programas meramente assistenciais,
compensatórios, estrutura dos segundo ações estratégico-racionais,
pautadas pela lógica do mercado. Um ponto em comum: todos
falam em nome da cidadania. (GOHN, 2000, p. 60)
Assim, o Terceiro Setor é composto por entidades filantrópicas, Organizações nãogovernamentais - ONGs e pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs,
porém, outras formas de organização também participam: Os movimentos populares e sociais de
cunho político-ideológico, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, as
instituições partidárias, como também os grupos minoritários que atuam na defesa de seus
interesses, como por exemplo, o Movimento Negro. As organizações populares e tradicionais
também continuam fortes, são aquelas baseadas em parentesco e em laços comunitários, como
grêmios recreativos, clube de mães e clubes da terceira idade, e claro, a fortíssima presença das
religiões como polos de união social (para o bem ou para o mal), profundamente entranhadas na
sociedade brasileira.
Essas entidades atuam onde o Estado, primeiro setor, deveria atuar, assim é plausível supor
que, suas ações, ao mesmo tempo em que são, em muitos casos emergenciais, podem também levar
à uma certa desobrigação estatal, diante de necessidades que são organicamente de sua alçada.
Agindo assim, em muitas situações, substitui o Estado, e de certa forma, impede as pressões sociais
que poderiam levar a criação de políticas públicas, de obrigação intrínseca do Estado, como também
colabora com a atual opinião do Estado sobre a economia solidária, que é a de que, essa é apenas
mais uma ação que pode atuar na colaboração aos programas de combate a fome e a miséria e de
transferência de renda, e não como matriz de desenvolvimento, de ocupação, de trabalho e geração
efetiva de renda.
Dessa maneira, os grupos sociais atendidos pelas entidades do Terceiro Setor, sempre estão
sujeitos a instabilidade causada pela interrupção ou não-continuidade dos projetos em que estão
inseridos. Portanto, a falta de políticas públicas de caráter permanente de economia solidária,
revela-se também como causa de inseguranças e de impossibilidades de consolidação de
empreendimentos solidários, e em alguns casos levam a dissolução dos grupos pela falta de
estímulo e dificuldades encontradas.
Na conjuntura atual, em que o Estado não cria e tampouco consolida uma legislação
específica, que regule e proteja as associações e cooperativas populares de produção, os grupos que
praticam a economia solidária tendem a ficar a mercê de algumas entidades do Terceiro Setor, que
não tem compromisso com os princípios solidários, e que também se apropriam do discurso
democrático e emancipatório contido nos seus cânones, porém, com outra prática, podendo assim,
perverter uma possível postura de enfrentamento ao paradigma capitalista neoliberal.
Assim, a existente instabilidade desses grupos, tende a se potencializar, tendo em vista, não
apenas o grande crescimento do Terceiro Setor, que se verifica inclusive pela retórica do MinistroChefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que enfatiza:
“O
Terceiro Setor passou a ter papel fundamental e foi levado para a condição de principal parceiro do
Estado nas políticas públicas da área social”. E a tendência é de ampliação desse crescimento,
devido a essa aparente auto-desobrigação governamental, sendo possível que o Terceiro Setor, e
contido nele algumas entidades que não se comprometem com os princípios solidários, tomem para
si um papel-chave nas relações entre Estado e sociedade nas próximas décadas, o que em certa
medida, pode ser um risco elevado.
Ao contrário das práticas um tanto contraditórias, de algumas entidades do Terceiro Setor, as
Políticas Públicas, entendidas e contextualizadas na perspectiva da economia solidária, são
mecanismos institucionais que o Estado pode e deve criar, para intervir nas relações sociais,
disponibilizando as estruturas administrativas para os serviços sociais, criando técnicas de
descoberta e avaliação das necessidades da sociedade, gerando assim muitas formas de ação para a
geração de trabalho e distribuição da renda.
Obviamente que a centralização de uma política pública de economia solidária, através de
um órgão específico do Governo se faz necessária. Tanto por que, fortalece a economia solidária
como matriz de desenvolvimento para o País, como por que concentra as potencialidades para a
concepção, planejamento e aplicação de ações públicas efetivas de economia solidária, não mais
apensada em outros programas que atendem interesses diversos, e que concedem a economia
solidária um papel difuso e secundário.
3. AINDA POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Enquanto essa Política Pública de Economia Solidária, central e unificada não é criada, as
ações de economia solidária acontecem, num contexto de muitas dificuldades, as quais não se
refletem apenas no embate ideológico, onde ela se opõe radicalmente ao pensamento e as práticas
da economia formal capitalista, mas também, na ausência de mecanismos e regras próprias,
fidelidade e coerência com os ideais originais e também com as realidades presentes, planejamento
abrangente e consistente, e que propicie uma ação completa, efetiva e emancipadora. E isso, sem
dúvida, é da competência de um Estado que deveria se propor a fazer da economia solidária uma
parte importante de suas linhas de ação em políticas públicas de desenvolvimento, e de geração de
trabalho e renda, porém não o faz.
A falta de uma legislação específica para as associações de produção se mostra como um
fator que desestimula os associados, devido ao fato de que a legislação que abarca os direitos e
deveres de associações, segundo o Código Civil, Artigo 53, é a mesma, tanto para um clube social,
quanto para uma associação de trabalhadores. A Lei que se impõe, ordena que a associação se
constitua sem fins lucrativos, o que para uma associação de produção, criada com o objetivo de
gerar renda, é um obstáculo legal importante.
Por outro lado a Lei 12.690/2012, do Cooperativismo de Trabalho, foi um avanço para o
fortalecimento e formalização de muitos grupos informais, e até mesmo associações formais, porém
é uma Lei que não resolve o a questão da economia solidária, pois muitas das suas regulamentações,
estão adaptadas a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, tanto em termos de referência, como
em princípios que remetem ao assalariamento e a subordinação, mesmo quando especificamente se
fala em autogestão e autonomia.
Assim, no aspecto legal, ganha importância a atuação do Governo Federal, através da
SENAES, mesmo sem um arcabouço de Leis específicas, através de suas diretrizes, demonstra o
interesse e a preocupação com o desenvolvimento do País, particularmente no que diz respeito à
ocupação e ao desemprego, e a SENAES é uma secretaria que está ligada a estrutura do Ministério
do Trabalho e Emprego – MTE, o que, em nosso entendimento, deve gerar, em alguma medida,
conflitos na gestão das Políticas Públicas de apoio a economia solidária. E atualmente pondo em
risco até mesmo a continuidade da existência da Secretaria.
A atuação do Governo Federal na gestão da SENAES, baseia-se principalmente na
regulamentação das atividades, no inventário das práticas existentes e no fomento a limitadas ações
produtivas. Além dessa prática, há também a exaltação da retórica sobre liberdade e autonomia dos
trabalhadores em atividades produtivas deslocadas das relações com empresas ou de trocas no
mercado. Contraditoriamente, o apoio à economia solidária, entra em conflito com a participação
ativa do Estado nas ações para o aumento do emprego regulamentado e assalariado, ocupação e
função principal do MTE. Dessa maneira, a função principal desse Ministério, em nosso
entendimento e em certa medida, esclarece as dificuldades e as limitações que a SENAES tem para
impor a sua missão. Mais do que isso, estabelece uma contradição fundamental, a diferença entre
trabalho e renda, e emprego e salário, cujos conceitos são, por princípios, antagonistas.
O Trabalho se refere a organização das relações de trabalho, que na economia solidária são
coletivas, assim como as decisões, que são tomadas em assembleias através da democracia direta.
Renda se refere aquilo que provém do serviço prestado ou da produção comercializada, que após o
pagamento de todos os custos é repartida entre e da forma como os trabalhadores e trabalhadoras
decidirem. Nessa modalidade, os trabalhadores e trabalhadoras são proprietários dos meios sociais
de produção.
Já o Emprego se refere a um posto de trabalho ocupado pelo trabalhador cuja relação é de
compra e venda, na qual o trabalhador ou trabalhadora vende sua força de trabalho a alguém
(empresa), que o compra sempre por menos do que essa força de trabalho vale, através do Salário
(gerando a mais valia), consequentemente, essa relação é composta pela subordinação de quem
vende sob a hierarquia imposta por quem compra. E principalmente, exclui o trabalhador e a
trabalhadora de qualquer decisão a respeito de qualquer atividade produtiva. Os meios de produção
não são propriedade dos trabalhadores.
Essa diferença é fundamental para esclarecer o antagonismo seminal que existe entre a
política central do MTE e os princípios da Economia Solidária defendidos pela SENAES.
Nesse contexto, os técnicos, os militantes e todas as pessoas que estão dedicadas ao apoio,
suporte técnico e práticas da economia solidária, estão sujeitos a muitas críticas, que de alguma
maneira vão cristalizando as barreiras para o pleno desenvolvimento da economia solidária no
Brasil, enquanto matriz de desenvolvimento, não apenas econômico, mas essencialmente social,
sendo grande parte dessas criticas originadas dentro do próprio Governo e do MTE.
As ações governamentais de economia solidária enfrentam os mais diversos obstáculos, tais
como: dificuldades e custos altos para legalização das associações e cooperativas; ausência de
regulamentação da comercialização de produtos; baixa remuneração dos trabalhadores; falta de
proteção da seguridade social, entre outras.
Somam-se a esse quadro, as dificuldades e limitações nos processos de formação
educacional, vivenciadas em maior ou menor grau por cada ITCP e outras entidades de apoio, para
novas práticas econômicas e sociais. Isso ocorre ao mesmo tempo em que existe o incentivo às
políticas públicas voltadas para a economia tradicional, revelando as contradições das propostas que
se apresentam para tentar resolver os problemas do mundo do trabalho, onde no âmbito do MTE
coexistem
o
fomento
aos
empregos
formais
(carteira
assinada)
e
o
incentivo
ao
associativismo/cooperativismo defendido pela SENAES, revelando a ambiguidade, já descrita
acima, e prejudicial ao pleno desenvolvimento da economia solidária.
A atual gestão da Política Pública de Economia Solidária da SENAES, confunde os
trabalhadores, e também não contribui para a quebra do paradigma do sistema de trabalho
capitalista. Essas contradições podem explicar as grandes dificuldades que a economia solidária
enfrenta, tanto na formação dos trabalhadores e trabalhadoras como na execução dos projetos, isto
é, na tentativa do desenvolvimento de atividades produtivas solidárias. As ações de economia
solidária são muito mais ações de desenvolvimento social do que meramente ações de geração de
postos de empregos, e nos parece claro que, a permanência da SENAES no âmbito do MTE, é um
equívoco do Governo Federal.
A geração de postos de trabalho formais é realmente uma função do Ministério do Trabalho
e Emprego, porém, a economia solidária por atender a um conjunto muito mais amplo de práticas
sociais, que não visa apenas “assalariar” o trabalhador, e sim incentivar a construir novas relações
de trabalho, agora cooperativas e colaborativas, sem hierarquia, de ajuda mútua, que favoreça a
tolerância e o convívio com as diferenças, pode e deve levar a novas relações com as práticas e
carências sociais da vida das pessoas, e isso, na nossa percepção é uma questão de desenvolvimento
social.
Nesse contexto, onde o Governo Federal aparentemente, apequena e quer demonstrar que a
economia solidária contempla diversas facetas e permeia as várias carências sociais dos
trabalhadores e trabalhadoras, através das cogestões de Programas para empreendimentos
solidários, divididas por vários ministérios, parecendo não haver um lugar específico para a
economia solidária, nos parece muito mais apropriado que a SENAES estivesse dentro da estrutura
do MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, ficando evidente que, a
criação de trabalho e renda terá as condições necessárias para existir. Já que isso é muito diferente
da geração de emprego e salário, função realizada pelo MTE.
Ressaltamos que a geração de emprego e salário é importante dentro do paradigma
capitalista neoliberal, e portanto, também necessária no contexto, mas são evidentes as
contradições, quando tratamos da economia solidária, que exige uma nova e distinta concepção de
regulação e de legislação.
Desse modo, é nossa percepção que, estão presentes no âmbito governamental, muitas
contradições, que tem também fundamentos, na maneira como o Estado brasileiro se formou, e a
inerente incapacidade do capitalismo resolver os dramas sociais advindos da acumulação e
apropriação de riquezas produzidas socialmente, ao mesmo tempo em que essas políticas resultam,
historicamente, das lutas sociais do trabalho e das investidas do capital no sentido de reinventar as
demandas sociais por proteção social requeridas pelos trabalhadores, a favor de suas próprias
necessidades.
Contudo, mesmo sendo hegemônico, o capitalismo não impede o desenvolvimento de outras
práticas econômicas alternativas tanto porque, é incapaz de inserir dentro de si toda população
economicamente ativa, quanto porque há grande diversidade de organização das populações
conforme seus contextos históricos, culturais, políticos e sociais.
Essa lacuna existente nas tentativas de construção de um novo projeto de desenvolvimento
para o Brasil pode e deve ser preenchida pela alternativa representada pela economia solidária, que
em muitas ações estão tendo sucesso. Reconhecemos todas essas ações como um caminho já
arduamente percorrido, e com sucessos. E tampouco afirmamos ser inócuas ou sem sentido as
iniciativas da SENAES, que tem no comando o Professor Paul Israel Singer, que é sem dúvida, o
grande líder do chamado Movimento da Economia Solidária no Brasil, porém, é necessário trazer
ao debate público, as questões aqui levantadas e também, independente onde esteja estruturada a
SENAES, seja construído o tão almejado marco legal, o conjunto de Leis específicas que
contemplem todos os aspectos especiais que compõe uma nova prática econômica e seus
protagonistas, desde a organização de grupos de pessoas em associações e cooperativas, passando
pela necessária formação teórica e técnica, até aos mecanismos de regulação, comercialização,
crédito, seguridade e proteção social.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse texto teve a pretensão de discutir não apenas as atuais políticas públicas de economia
solidária, mas também, e talvez até como objetivo principal, questionar qual é o lugar da economia
solidária no âmbito do Governo Federal, e por consequência, o lugar da SENAES.
Nos parece óbvio que o pragmatismo político imposto desde a metade do primeiro mandato
da Presidente da República, se distância cada vez mais dos anseios dos movimentos sociais, muitos
dos quais estiveram ao lado da Presidente na campanha que a levou a um segundo mandato, entre
eles o Movimento da Economia Solidária. A governabilidade está em jogo, e nos parece que o
Governo Federal é refém de um Congresso Nacional extremamente conservador e que tem
dificultado os avanços sociais, no que se refere a conquista de direitos e a políticas públicas de
cunho popular.
A economia solidária, nunca foi realmente, prioridade para a Presidente Dilma Roussef,
como de certa maneira era nos mandatos do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não cabe aqui
especular profundamente os motivos, se ideológicos ou não, mas certamente são econômicos, e não
nos parece que a economia solidária esteja nos planos do atual Governo Federal para ser uma
efetiva ferramenta de mudança e de transformação social.
O Governo Federal parece olhar a economia solidária apenas como uma experiência
temporária e compensatória, aplicada de maneira pontual, enquanto esse mesmo governo se debate
nas crises política, institucional e socioeconômica pela qual o Brasil está passando.
Por outro lado, o Movimento da Economia Solidária está sólido, coeso, e está em
permanente alerta, porém, está ao mesmo tempo muito próximo do governo e talvez seja o
momento de olhar com um pouco mais de distância e refazer planos e estratégias.
A referência ao Terceiro Setor, feita nesse texto, nos parece importante, pois faz parte da
estratégia governamental de gestão social. É nossa percepção, que existe uma relação tão próxima
ao Governo Federal, que em alguma medida, pode prejudicar a ação efetiva dos Movimentos
Sociais, de onde muitas das entidades de apoio à Economia Solidária se originaram e formaram
ONGs, OSCIPs, etc., existindo a possibilidade de terem seus mecanismos de manifestações e de
pressão, amortecidos, numa visão mais positiva, ou até mesmo pervertidos, numa visão mais
negativa. Além do fato de existirem algumas entidades que não tem compromisso algum com a
Economia Solidária, com seus princípios e com o enfrentamento ao paradigma capitalista. E agindo
assim, favorecem as críticas do neoliberalismo à possibilidade da Economia Solidária, e nesse
sentido, ajudam no seu discurso reacionário de desqualificação da mesma. Como também
colaboram na propagação pela mídia, de uma incômoda má-reputação generalizada das entidades de
apoio à Economia Solidária, com relação ao acesso e a utilização de financiamentos públicos.
É evidente que a importância de muitas entidades do chamado Terceiro Setor, foi e é
fundamental para a construção da Economia Solidária no Brasil, porém é mais do que necessário
filtrar a participação com maior cuidado, tanto na contemplação de financiamentos públicos, como
na participação direta nas gestões dos Programas Nacionais para a Economia Solidária.
Com relação as atuais políticas públicas transversais de economia solidária, nos parece justo
fazer a crítica que foi exposta. Afinal, num primeiro momento foi interessante ver a economia
solidária “colar” em diversos programas sociais de diversos órgãos governamentais. Porém, isso se
tornou o maior obstáculo para a consolidação da economia solidária como alternativa de matriz de
desenvolvimento, que é o objetivo da sua existência, é o que pode fazer dela a revolução social do
século XXI. E exatamente por isso, as alas mais conservadoras do Governo Federal estão impondo
ainda mais dificuldades, assim como as alianças políticas pela governabilidade também. Nesse jogo
de “dá lá e dá cá”, o destino da economia solidária se encontra, assim como o destino de políticas
que podem beneficiar de imediato mais de um milhão de pessoas e a médio prazo vários outros
milhões, também.
Portanto, já é tempo de termos a concentração de ações, feita em um único orgão, que pode
ser perfeitamente a SENAES, transferida para o MDS, que certamente traria pela força política,
avanços reais na centralização da política nacional de economia solidária, como a tão sonhada
legislação específica para a regulação, comercialização, tributação, crédito, proteção e seguridade
social aos Empreendimentos Econômicos Solidários.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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OLIVEIRA, Luciana Vargas Netto. “Concepções de economia social e Os diferentes significados
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(J.A.P.Gediel, org.) Curitiba: Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR, 2005, p. 65 – 95.
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ROCHA FILHO, Alnary Nunes. Por uma Política Pública de Economia Solidária. Anais III
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SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2002.
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