RELAÇÃO DA FIBROSE, ANGIOGÊNESE, MASTÓCITOS TRIPTASE E QUIMASE COM A PROLIFERAÇÃO FÚNGICA NA PARACOCCIDIOIDOMICOSE BUCAL Flávia Aparecida de Oliveira¹, Janaina M. Lacerda da Silva², Douglas F. Teixeira³, Mayara R.Pereira², Eliza C.B.Duarte4, Eneida F. Vencio5 ¹Prof. Drª.– Setor de Patologia – Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da Universidade Federal de Goiás (UFG) ²Acadêmica de Enfermagem – Setor de Patologia – IPTSP/UFG ³Acadêmico de Medicina – Setor de Patologia – IPTSP/UFG 4 Prof. Drª. Setor de Patologia – IPTSP/UFG 5 Prof. Drª Setor de Patologia – Faculdade de Odontologia/UFG Endereço para correspondência: Flávia Aparecida de Oliveira Setor de Patologia Geral, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública Universidade Federal de Goiás Rua: 235, s/n, Setor Universitário Goiânia (GO) — Brasil — CEP 74605-050 Tel, (+55 62) 3209-6110 — Fax. (+55 62) 3209-6363 E-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO A paracoccidioidomicose é endêmica na América Latina, onde cerca de 10 milhões de pessoas estão infectadas. Destas, aproximadamente 2% vão desenvolver a doença (Almeida, 2003). No Brasil, a taxa de incidência é de 3 casos para cada 100.000 habitantes com taxa de mortalidade variando de 2 a 23% (Felipe et al., 2005). O P. brasiliensis pode ser encontrado na maioria dos países da América Latina, onde o clima e o solo úmido rico em matérias orgânicas é favorável ao desenvolvimento e reprodutividade do fungo, justificando a alta prevalência nestes países (Bisinelli et al., 2001; Marques, 2003; Rivitti e Aoki, 1999; Negroni, 1993). No Brasil, a doença representa um importante problema de saúde pública devido à quantidade de mortes prematuras que provoca (Shikanai-Yasuda et al., 2006), sendo a oitava causa de morte se consideradas as doenças infecciosas e parasitárias com predominância de cronicidade (Fornajeiro et al 2005). O desenvolvimento da doença pode ocorrer vários anos depois dependendo de fatores envolvidos na resposta imune do hospedeiro, tais como, idade, uso de fármacos imunossupressores e outras doenças concomitantes (Rivitti e Aoki, 1999). Fatores genéticos, hormonais e nutricionais também estão envolvidos no desenvolvimento da doença clínica (Almeida, 2003). Estudos evidenciaram prevalência maior em indivíduos do sexo masculino entre a quarta e sexta década de vida (Coutinho et al. 2002, Bisinelli et al. 2001) e de origem rural (Paniago et al. 2003). Frequentemente acomete indivíduos etilistas, tabagistas e que apresentam algum grau de desnutrição e/ou imunossupressão (Martins et al. 2003; Martinez e Moya, 1992; Santos et al. 2003). Apesar das manifestações cutâneas, o motivo que frequentemente leva os pacientes a procurarem auxílio médico é o surgimento de lesões bucais; característica comum da doença. Na maioria dos casos, podem-se observar lesões em mais de um sítio anatômico. As localizações mais frequentes são gengiva e rebordo alveolar, seguidas do palato duro e mole, mucosa jugal e língua (Verli et al., 2005). Geralmente, apresenta-se como uma hiperplasia granular finamente eritematosa, salpicada com pontos hemorrágicos e uma superfície semelhante à amora chamada estomatite “moriforme”. A paracoccidioidomicose bucal é prevalente na fase adulta e forma crônica monocutânea da doença (Almeida 2003; Ramos e Silva 2004). No desenvolvimento da micose várias células estão envolvidas, uma destas são os mastócitos que desempenham um importante papel no processo inflamatório. Os mastócitos foram descritos em lesões da paracoccidioidomicose na pele (Pagliari et al., 2006), entretanto, ainda são poucos estudos (Batista et al., 2005) que relatam essa participação nas lesões bucais e de pele. Eles estão presentes em grande quantidade nas situações dependentes da angiogênese, como cicatrização de feridas, formação de hemangiomas e outras doenças (Metcalfe, Baram e Mekori, 1997; Souza et al., 2007). A produção de TNF-α pelos mastócitos faz com que eles sejam componentes importantes para a formação do granuloma (Walsh et al. 1991). Eles exercem uma função importante na resposta imune contra P. brasiliensis nas lesões da pele caracterizadas por granuloma frouxo que é uma expressão da resposta celular via Th2 (Pagliari et al., 2006). A formação de granuloma frouxo tem sido descrito como não-efetivo contra P. brasiliensis (Musatti et al., 1976). Atualmente, a paracocidioidomicose continua sendo uma doença que requer atenção, constante investigação e uma abordagem multidisciplinar (Almeida, 2003). É uma doença com caráter epidemiológico significativo no Brasil (Araújo, Correia e Sousa, 2003; Maluf et al. 2003; Paniago et al. 2003) e suas manifestações clínicas afetam diretamente a vida do indivíduo na sociedade (Pripas, 1988). Ainda hoje, é uma doença de grande importância sócio-econômica e que, em estado avançado, mesmo sendo tratada pode levar o indivíduo portador a óbito. Por este motivo, deve-se ter vigilância constante sobre esta doença (Santo, 2008). Dessa maneira, considerando-se a importância e a relevância da paracoccidioidomicose, os poucos estudos sobre o papel dos mastócitos e da angiogênese na paracoccidioidomicose bucal, a proposta do presente estudo foi descrever a relação destes fatores com a proliferação fúngica. Dessa maneira, o objetivo do estudo foi descrever e comparar a densidade de mastócitos quimase e triptase, a densidade de vasos sanguíneos e a porcentagem de colágeno entre pacientes portadores da paracoccidioidomicose com lesão bucal e cutânea, bem como analisar a relação desses fatores com a proliferação do fungo. 2. METODOLOGIA 2.1 Dados Demográficos As amostras de paciente com lesão bucal da paracoccidioidomicose utilizadas neste estudo foram selecionadas dos arquivos de laudos e blocos parafinizados do Laboratório de Patologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO. Amostras de pacientes com lesão cutânea foram selecionadas nos arquivos do serviço anatomopatológico do Hospital Araújo Jorge, Goiânia-GO. Os casos selecionados e incluídos foram de lesões bucais ou cutâneas da paracoccidioidomicose com manifestação crônica/adulta e com confirmação do diagnóstico pelas técnicas de Hematoxilina-Eosina (HE) e Grocott. A partir dos prontuários dos casos selecionados, foram coletados dados referentes à idade, gênero e localização das lesões bucais e de pele. Os espécimes coletados correspondem à biópsia realizada para obtenção do diagnóstico, antes da realização de qualquer modalidade de tratamento. 3.2 Análise Morfológica O material selecionado, depois de incluído em parafina, foi seccionado em micrótomo (leica rm2165), desta forma obteve-se de cada bloco cortes consecutivos de 5 m. Os cortes histológicos foram corados pelo método de HE para análise das alterações morfológicas. Os campos microscópicos utilizados para análise e quantificação nas lesões bucais, foram obtidos na região submucosa de cada corte histológico considerando-se no máximo três campos abaixo e adjacentes à mucosa onde havia lesões inflamatórias. De maneira similar, os campos utilizados para análise e quantificação nas lesões cutâneas foram obtidos na região subepitelial de cada corte histológico considerando-se também no máximo três campos abaixo e adjacentes ao epitélio, onde foram verificadas lesões inflamatórias. Nestes locais todos os campos foram digitalizados para a obtenção das densidades. As imagens foram digitalizadas por meio de uma câmera fotográfica digital acoplada ao microscópio. A quantificação do colágeno foi realizada na lâmina corada pelo picrosírius examinada sob luz comum, com objetiva de 10x. A morfometria foi realizada com o programa analisador de imagens ”Image J”. Após a digitalização da imagem, foi considerada área de colágeno toda a extensão das fibras de coloração rósea intensa, que foi marcada pelo observador para obtenção do percentual de colágeno por área do campo analisado. Os vasos foram identificados pelo anticorpo CD34. A densidade dos subtipos de mastócitos triptase e quimase foram analisadas utilizando os anticorpos “anti-Mast Cell Quimase” e o “anti-Mast Cell triptase”, respectivamente. Para a realização da imunohistoquímica foram obtidos cortes de 3µm em lâminas silanizadas. Após o preparo das lâminas, a recuperação antigênica foi por calor (Steamer) em tampão Tris-EDTA pH 9.0 por 20 minutos. A incubação com anticorpo primário foi overnight (diluído em solução de albumina na proporção 1:600 para marcação de vasos, e de 1:700 para ambos subtipos de mastócitos). Como anticorpo secundário utilizou-se o Kit “Starr Trek - Biocare Medical” seguindo instruções do fabricante. Por fim, a revelação de vasos e mastócitos foi realizada pela aplicação da solução composta pelo tampão substrato associado ao Cromógeno Diamino Benzidina (DAB) do mesmo Kit (Starr Trek – Biocare Medical). As densidades de fungos, vasos e de mastócitos foram obtidas por meio dos campos microscópicos previamente digitalizados. Todas as células e vasos imunomarcados e os fungos presentes nos campos digitalizados, foram quantificados por um analisador com o auxílio do programa “AxionVision 3.1 Carl Zeiss”. 3.3 Análise Estatística As variáveis com distribuição normal, avaliadas pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, e variância homogênea foram analisadas pelos testes "t" de Student para comparação de dois grupos. Caso contrário, foram analisadas pelos testes de Mann Whitney (T) para comparação de dois grupos. A correlação entre variáveis com distribuição normal e não-normal foram analisadas pelos testes de Pearson (r) e Spearman (rS), respectivamente. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando p<0,05. O Projeto de Pesquisa do presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética local da UFG, Protocolos UFG: 036/2009; 036/Acréscimo: 2011. 4. RESULTADOS De modo geral, as características microscópicas predominantes tanto no grupo de paracoccidioidomicose bucal quanto no grupo de cutânea foram infiltrado inflamatório difuso e extenso, granulomas bem formados e bem definidos de tamanhos variados, alguns outros mal formados, imprecisos e frouxos, ulcerações no epitélio, hiperplasia e hemorragia. Nos casos de paracoccidioidomicose bucal foram observados granulomas bem formados e bem definidos de tamanhos variados em todos os 10 casos analisados. Observou-se ainda, hiperplasia, ulcerações no epitélio, sendo algumas pequenas e em outros casos de grande extensão. Hemorragia foi pouco observada nesses casos. Alguns casos de paracoccidioidomicose cutânea apresentaram extensas áreas com hiperplasia do epitélio ocasionando reentrâncias do tecido epitelial para dentro da derme. Observou-se também alguns pequenos abscessos entremeando o infiltrado inflamatório. Granulomas bem delimitados e outros frouxos foram vistos em todos os 5 casos. Hemorragia foi observada em todos os casos, entretanto com distribuição e intensidade variadas (Figura 1 A a H). Os fungos observados nos dois grupos analisados apresentaram características bastante peculiares do P. brasiliensis. Os formatos de “roda de leme”, “Mickey” e “Cacho-de-uva” foram verificados tanto nos casos de paracoccidioidomicose bucal quanto cutânea (Figura 2 A a D). Os mastócitos triptase e quimase, os vasos e colágeno observados em todos os casos estão apresentados nas Figuras 3 A a D, 4 A a D e 5 A a D, respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as medianas da densidade de fungos nos casos de paracoccidioidomicose bucal (24,5 (0294,5)/mm2) e cutânea (24,5 (0-760,9)/mm2), p>0,05 (Figura 6). As medianas da densidade de mastócito triptase e quimase na paracoccidioidomicose bucal foram 0 (0-368,1)/mm2 versus 0 (0-171,8)/mm2, não havendo diferença estatisticamente significativa entre elas, p>0,05. Do mesmo modo, não houve diferença estatística significativa entre os mastócitos na paracoccidioidomicose cutânea (33,8 (0-338,5)/mm2 mastócito triptase vs. 33,8 (0-372,3)/mm2 quimase p>0,05). A mediana da densidade de mastócitos triptase na paracoccidioidomicose bucal (0 (0-368,1)/mm2 ) foi significativamente menor que na cutânea (33,8 (0-338,5)/mm2 ), p<0,05 (Figura 7). Da mesma forma, a densidade de mastócitos quimase na paracoccidioidomicose bucal (0 (0171)/mm2) foi menor que na cutânea (33,8 (0-372,3)/mm2) sendo a diferença estatisticamente significativa, p<0,05 (Figura 8). A mediada da densidade de vasos sanguíneos na paracoccidioidomicose bucal (49,0 (0 -368,1)/mm²) foi significativamente menor que na cutânea (67,7 (0 – 270,8)/mm²), p<0,05 (Figura 9). Por outro lado, a porcentagem de colágeno na paracoccidioidomicose bucal (21,1 (1,3-59,0)%) foi maior que na cutânea (20,0 (0,6 - 49,4)%, no entanto não houve diferença estatisticamente significativa, p>0,05 (Figura 10). A correlação entre a densidade de P. brasiliensis e de mastócitos triptase não foi significativa em ambos os grupos, entretanto foi negativa na paracoccidioicomicose bucal (rS=-0,013) e positiva na cutânea (rS=+0,091) (p> 0,05) (Figura 11). Houve correlação positiva entre a densidade do fungo e a densidade de mastócitos quimase tanto na forma bucal (rS=+0,087; p>0,05) como na forma cutânea da doença (rS=+0,248; p<0,05) sendo estatisticamente significativa somente na cutânea (Figura 12). A correlação entre o P. brasiliensis e os vasos sanguíneos, foi negativa em ambos os grupos (paracoccidioidomicose bucal rS=-0,172 e cutâneas rS=-0,074), sendo significativa apenas nos casos de paracoccidioidomicose bucal (p<0,05) (Figura 13). A correlação entre o fungo e o colágeno, foi negativa tanto para o grupo da forma bucal (rS=-0,026) quanto na forma cutânea (rS=-0,271), sendo estatisticamente significativa somente na cutânea, p<0,05 (Figura 14). 5. DISCUSSÃO Observou-se que o menor envolvimento dos mastócitos na paracoccidioidomicose bucal, relacionado ao processo de angiogênese e fibrose, parece ter contribuído para uma resposta mais eficaz se comparado aos resultados obtidos no envolvimento destas células nas lesões cutâneas. No presente estudo o P. brasiliensis foi claramente visualizado nas cores negra e marrom, muitas vezes com birrefringência nítida, com brotamentos múltiplos, nos formatos de “roda de leme”, “cacho de uva” e “cabeça de Mickey” em todos os casos, tanto de paracoccidioidomicose bucal quanto cutânea semelhante ao descrito em outro estudo (Araújo, Sousa e Correia, 2003). Observou-se em todos os casos, granulomas bem formados e bem definidos de tamanhos variados, alguns de aspecto denso e bem delimitado, outros de aspecto impreciso e frouxo com presença de células gigantes multinucleadas intercaladas com polimorfonucleares associada à hiperplasia pseudoepiteliomatosa, conforme descrito em outros estudos (Almeida et al., 2003; Godoy & Reichart, 2003; França et al., 2008). O granuloma, característica comum nas lesões causadas pelo fungo, possivelmente atua como resposta imunológica para neutralizar e destruir o agente, principalmente no interior das células multinucleadas (Almeida et al., 2003; Tolentino et al., 2010). Entretanto, mastócitos são comuns na paracoccidioidomicose em lesões caracterizadas por granulomas frouxos (Pagliari et al. 2006), que por muitas vezes são considerados ineficazes no combate ao patógeno (Musatti et al., 1976). O tipo de granuloma a ser formado pode ocasionar efeitos distintos. Quando os granulomas são compactos eles são efetivamente capazes de conter a proliferação fúngica, entretanto, quando eles são frouxos a sua função protetora deixa de existir, e as leveduras do fungo conseguem se multiplicar (Cock et al. 2000), desta forma, quando se tem o granuloma frouxo, pode-se não ter uma resposta eficaz contra o patógeno. Portanto, o tipo de resposta imune contra a ação do fungo é que definirá a forma como a doença irá se desenvolver, uma vez que, adquirida a infecção, é o sistema imune do hospedeiro que irá determinar a extensão e a gravidade da doença (Ramos e Silva, 2004). No presente estudo, a mediana da densidade de mastócitos tanto quimase quanto triptase foi menor na paracoccidioidomicose bucal se comparado às medianas encontradas na forma cutânea, concordando com dados encontrados em estudo de Oliveira Neto et al. (2007). Por outro lado, poucos estudos foram encontrados na literatura relatando o papel dos mastócitos triptase e quimase no processo inflamatório e de angiogênese na paracoccidioidomicose bucal (Batista et al., 2005). A maior densidade de mastócitos evidenciada na forma cutânea pode estar relacionada ao fato destas células fazerem parte do sistema imune inato ou não específico, participando da primeira linha de defesa contra danos tissulares (Pagliari et al., 2006). Neste caso, pode-se considerar a imunossupressão relacionada diretamente à radiação ultravioleta na pele que contribui para ativação dos mastócitos. Após uma cadeia de transformações químicas dos raios, alguns neuropepitídeos que são liberados por fibras neurais promovem liberação de histamina pelos mastócitos, levando a supressão do sistema imune celular (Grimbaldeston et al. 2006). A maior densidade de vasos foi verificada na paracoccidioidomicose cutânea comparada à bucal. A maior densidade de vasos relacionada à maior densidade de mastócitos verificados na forma cutânea está de acordo com a literatura (Crivellato e Ribatti, 2005; Elpek et al. 2001; Ch’ng et al. 2006a; Ch’ng et al. 2006b), confirmando que os mastócitos parecem de fato ter participação importante na formação de novos vasos sanguíneos. Isso pode estar relacionado à liberação de citocinas e fatores pró-angiogênicos liberados pelos mastócitos (Cruvinel et al. 2010). Estudos anteriores identificaram a triptase dos mastócitos como um potente fator pro-angiogênico (Elpek et al. 2001, Benitez-Bribiesca et al. 2001). No presente estudo, a correlação entre o fungo e os vasos sanguíneos foi negativa e estatisticamente significativa na paracoccidioidomicose bucal. A maior densidade de vasos sanguíneos favorece o acesso de células de defesa do organismo ao local da infecção, tornando o processo de eliminação do patógeno mais eficaz (Cruvinel et al. 2010), o que não foi observado na forma cutânea. Os mastócitos utilizam-se de mecanismos que podem influenciar na gravidade com que a paracoccidioidomicose se desenvolverá que são a imunossupressão e a angiogênese (Grimbaldeston et al. 2006; Ch’ng et al 2006b). O processo inflamatório causado pelo P. Brasiliensis parece sofrer influências diretas relacionadas às citocinas e mediadores liberados pelos mastócitos. Possivelmente, estas células desempenham um papel central na condução da resposta inflamatória da paracoccidioidomicose. Alguns estudos descreveram estas células como sentinelas para sinalização e liberação de mediadores da imunidade inata e adaptativa (Walsh et al. 1991; Crivellato e Ribatti, 2005; Elpek et al. 2001; Ch’ng et al. 2006b). A correlação negativa, encontrada no presente estudo, entre a porcentagem de colágeno e a proliferação fúngica tanto na paracoccidioidomicose bucal quanto na cutânea, pode estar diretamente associada à atuação dos mastócitos. Estas células desempenham um papel importante na mediação das alterações do tecido conjuntivo, que na paracoccidioidomicose poderia explicar, o surgimento das alterações morfológicas encontradas no tecido lesado (Rojas et al. 2004). Os granulomas, por exemplo, perpetuam a resposta inflamatória do tecido, gerando como conseqüência final o desenvolvimento de fibrose (Cock et al. 2000), sendo a angiogênese um fator essencial para a cicatrização (Balbino et al., 2005). Concordando com Oliveira Neto et al. (2007), pode-se também supor que ocorre mudança significativa no microambiente onde se desenvolve o processo inflamatório da paracoccidioidomicose, de maneira a favorecer a disseminação do fungo e/ou prejudicar a migração das células inflamatórias para o local da infecção favorecendo o desenvolvimento do fungo. Acredita-se que a função dos mastócitos, seja altamente influenciada pela microbiota ao seu redor (Elishmereni & Levi-Schaffer, 2008, Ch’ng et al. 2006b). Desta forma, pode-se supor que à presença do fungo pode levar alterações no tecido que podem influenciar diretamente a efetividade de atuação dos mastócitos. Na paracoccidioidomicose bucal evidenciou-se uma menor proliferação fúngica se comparado a forma cutânea, sugerindo um papel diferenciado dos mastócitos no microambiente da mucosa bucal. Portanto, foi observado um menor envolvimento dos mastócitos na paracoccidioidomicose bucal. A menor densidade destas células na forma bucal pode estar relacionada a uma melhor resposta inflamatória com influência na angiogênese e na diminuição da proliferação fúngica se comparado ao observado nas lesões cutâneas. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Araújo, MS; Sousa, SCOM; Correia, D. Avaliação do exame citopatológico como método para diagnosticar a paracoccidioidomicose crônica oral. Rev Soc Bras Med Trop. Vol 36, n. 3, pp. 427-430, mai./jun., 2003. 2. Almeida, OP; Jorge, JJr; Scully, C. 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Verli, FD; Marinho, SA; Souza, SC et al. Perfil clínico-epidemiológico dos pacientes portadores de paracoccidioidomicose no Serviço de Estomatologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Rev Soc Bras Med Trop. Vol. 38, n. 3, pp. 234-237, 2005. 35. Walsh, LJ; Trinchieri, G; Waldorf, HA et al. Human dermal mast cells contain and release tumor necrosis factor a, which induces endothelial leukocyte adhesion molecule 1. Proc Natl Acad Sci, Medical Sciences. Vol. 88, pp. 4220-4224, mai. 1991. ANEXO – PRANCHA DE IMAGENS A. B. C. D. E. F. G. H. Figura 1: Lesões observadas na paracoccidioidomicose bucal (à esquerda) e cutânea (à direita), respectivamente, analisadas pela Hematoxilina-Eosina (HE). Em A, observa-se extenso infiltrado inflamatório difuso na região de submucosa e ulceração no epitélio (seta). Na imagem B, é perceptível a ulceração no epitélio (setas). As figuras C e D, evidenciam microabcessos formados, respectivamente, na lesão bucal e na lesão cutânea (setas). Na figura E observa-se um granuloma frouxo encontrado na região submucosa apresentando em seu interior uma célula gigante que, da mesma forma, também foi observada na região de subepitelial dentro de um granuloma mais denso (ponta de seta) (imagem F). Nas imagens G e H observam-se granulomas densos observados nas lesões bucais e cutâneas, respectivamente (setas). 10µm A. B. 10µm 10µm C. D. Figura 2: Paracoccidioides brasiliensis analisado pela coloração de Grocott. Na imagem A (40x) observa-se um agrupamento de células mães e seus brotamentos observado na região sub-epitelial caracterizando o aspecto de “cacho-de-uva” (seta). Na imagem B o fungo em uma de suas formas características conhecida como formato de “roda de leme” ou “granada” caracterizada pela presença de vários brotamentos ainda ligados a célula mãe (setas) em caso de paracoccidioidomicose bucal. Na figura C e D (40x), região sub-epitelial e submucosa, respectivamente, outra forma característica do fungo, formato denominado “Mickey”, por apresentar dois pequenos brotamentos que conferem à célula mãe a aparência do personagem (setas). A. C. B. D. Figura 3. Mastócitos quimase em região sub-epitelial e submucosa (seta) (imagens A e B, respectivamente) e mastócitos triptase em região sub-epitelial e submucosa corados por imunohistoquímica (seta) (40x) (imagens C e D, respectivamente) associados ao processo inflamatório. A. C. B. D. Figura 4. Vasos sanguíneos das lesões bucais (setas nas imagens A e C) associado ao infiltrado inflamatório, caracterizando angiogênese (Imunohistoquímica, anticorpo CD34, 40x). A imagem C evidencia hemácias dentro do vaso sanguíneo (ponta de seta). As figuras B e D mostram novos vasos sanguíneos se formando em meio ao processo inflamatório no epitélio. A ponta de seta na imagem C evidencia um novo vaso ainda em formação, na seta um vaso com a luz bem delimitada. A. B. C. D. Figura 5. Fibras colágenas associadas ao processo inflamatório coradas por picrosirius na região submucosa e sub-epitelial (imagens A e C; B e D respectivamente). Na imagem A de lesão bucal, observa-se grande quantidade de fibras colágenas (seta). Na imagem C, também de lesão bucal, observa-se as fibras colágenas entremeando o infiltrado inflamatório difuso com presença de polimorfonucleares (seta) e granuloma bem delimitado (ponta de seta). Nas imagens B e D de lesão cutânea, observa-se a presença de fibras mais delgadas entremeando o processo inflamatório na imagem B (seta), e granuloma denso bem formado e delimitado imagem D (seta). Densidade de fungos/mm² 800 600 400 200 24,544 0 24,544 Mucosa Bucal Pele p=0,741 Figura 6: Comparação das medianas das densidades de Paracoccidioides brasiliensis entre os casos de paracoccidioidomicose bucal e cutânea Densidade de mastócitos triptase/mm² 400 300 200 100 0,000 33,848 0 *Mucosa Bucal Pele *p<0,001 Figura 7: Comparação das medianas das densidades de mastócitos triptase entre os casos de paracoccidioidomicose bucal e cutânea, respectivamente. Densidade de mastócitos quimase/mm² 400 300 200 100 33,848 0,000 0 *Mucosa Bucal Pele *p<0,001 Figura 8: Comparação das medianas das densidades de mastócitos quimase entre os casos de paracoccidioidomicose bucal e cutânea, respectivamente. Densidade de vasos/mm² 400 300 200 100 49,088 67,696 0 *Mucosa Bucal Pele *p=0,001 Figura 9: Comparação das medianas das densidades de vasos sanguíneos entre os casos de paracoccidioidomicose bucal e cutânea, respectivamente. Porcentagem (%) de colágeno/mm² 70 60 50 40 30 20,057 21,163 20 10 p=0,499 0 Mucosa Bucal Pele Figura 10: Comparação das medianas da porcentagem de colágeno entre os casos de paracoccidioidomicose bucal e cutânea, respectivamente. BOCA Densidade de mastócitos triptase /mm² triptase /mm² 400 400 350 350 300 300 250 250 200 200 150 150 100 100 50 50 0 0 0 100 200 rS= -0,0134 p=0,807 PELE Densidade de mastócitos 300 400 Fungo/mm2 0 200 400 600 rS= +0,0910 p=0,158 Figura 11: Correlação entre a densidade de mastócito triptase e Paracoccidioides brasiliensis na mucosa bucal e na pele 800 Fungo/mm2 Densidade de Densidade de mastócitos mastócitos BOCA quimase /mm² PELE quimase /mm² 400 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 350 300 250 200 150 100 50 0 0 100 200 300 0 400 Fungo/mm rS= +0,0872 p=0,113 200 400 600 800 Fungo/mm2 2 rS= +0,248 p≤0,001 Figura 12. Correlação entre a densidade de mastócito quimase e Paracoccidioides brasiliensis na mucosa bucal e na pele, respectivamente. Densidade de Densidade de BOCA mastócitos vasos PELE mastócitos vasos /mm² /mm² 400 300 350 250 300 200 250 150 200 150 100 100 50 50 0 0 0 100 200 rS= -0,172 p=0,00202 300 400 0 Fungo/mm2 200 400 600 rS= -0,0745 p=0,385 Figura 13. Correlação entre a densidade de vasos sanguíneos e Paracoccidioides brasiliensis na mucosa bucal e na pele, respectivamente. 800 Fungo/mm2 Porcentagem (%) de Porcentagem (%) de colágeno /mm² colágeno /mm² BOCA PELE 60 70 60 50 50 40 40 30 30 20 20 10 10 0 0 0 100 200 300 400 0 200 400 600 Fungo/mm2 rS= -0,0266 p=0,732 rS= -0,271 p=0,0187 Figura 14. Correlação entre a densidade de colágeno e Paracoccidioides brasiliensis na mucosa bucal e na pele, respectivamente. 800 Fungo/mm2