SOMOS TODOS MACACOS VS CRAQUE DA CLARO É OUTRA COISA Patrícia Bernardo da Silva1 Resumo O presente artigo faz uma comparação entre as campanhas “Somos todos macacos” e “Craque da Claro é outra coisa”, divulgadas pelo jogador de futebol Neymar Jr., na rede social Twitter. A ideia é destacar seus pontos positivos e negativos e discorrer sobre as causas e efeitos dessas ações, buscando uma reflexão com relação às nuances que envolveram as campanhas e a receptividade do público. Palavras-chave: Campanha social. Campanha publicitária. Marketing. Redes Sociais. 1. INTRODUÇÃO Vivemos atualmente o fenômeno das mídias sociais. Elas fazem cada vez mais parte das nossas vidas, transformando e aprimorando a nossa maneira de pensar, agir, ditando o nosso comportamento de diferentes formas. Para Kaplan e Haenlein (2010), as Mídias Sociais constituem um conjunto de aplicações (as redes sociais) para a internet baseada nos fundamentos tecnológicos e ideológicos embutidos na Web 2.0, permitindo assim a criação e trocas de Conteúdo Gerado pelo Utilizador (CGU). Aliado a isso, pesquisa da Ibope Nielsen2 (2010) refere que “a mídia social é uma forma moderna de praticar uma das principais necessidades do ser humano: a socialização.” E para pôr em pratica essa socialização surgiram as redes sociais. Ao se conectar a uma rede social o indivíduo busca basicamente relacionamentos, sejam eles afetivos ou profissionais. 1 Bacharel em Jornalismo e pós-graduanda em Mídias Sociais pelo Centro Universitário Carioca. Ibope Nielsen Online é um software do grupo Ibope desenvolvido e implementado em parceria com a Nielsen, que tem como objetivo medir e analisar as estatísticas da internet no Brasil, gerando relatórios periódicos de pesquisa. 2 Dentre essas muitas redes de relacionamentos, uma em especial tem prestígio não só entre os anônimos, mas também entre muitos famosos: o Twitter3. Apesar de ter sido ultrapassada pelo Linkedin e ser a quarta rede social no país atualmente, em recente pesquisa da Socialbakers 4, o microblog ainda tem seu charme com o público, principalmente com os desportistas. E um deles é o jovem jogador de futebol Neymar Jr., atacante da seleção brasileira e da equipe do Barcelona, da Espanha. O atleta, que é um dos mais influentes na famosa rede, sendo o segundo desportista com o maior número de seguidores, foi recentemente protagonista de duas campanhas no Twitter. E é exatamente sobre elas que o presente artigo tratará. Divulgadas quase que simultaneamente, as campanhas “Somos todos macacos” e “Craque de Claro é outra coisa” não só tiveram o jogador como personagem principal como também foram divulgadas na mesma rede social, entendendo-se assim que se tratava de peças voltadas ao mesmo público, devido a divulgação ter sido feita no próprio Twitter do jogador. No entanto, as campanhas obtiveram respostas diferentes dos internautas. Enquanto na ação “Somos todos macacos” o público foi mais receptivo, na campanha “Craque da Claro...” não houve a mesma adesão. Com base nesta questão, o presente artigo irá analisar a diferença na relação causa (ação) e efeito (consequência) destas campanhas, observando seus prós e contras e buscando uma reflexão do porquê de campanhas utilizando a mesma figura pública, na mesma rede social, terem obtido desfechos distintos. Porém, para tentar compreender melhor essa questão, outros pontos precisarão ser analisados e entendidos, como a diferença entre publicidade e propaganda, marketing e o conceito de marketing social. A metodologia utilizada para fundamentar esse estudo foi basicamente através de pesquisas bibliográficas e pesquisas na internet de artigos já existentes sobre as questões discutidas no trabalho, que ajudaram na exposição das ideias. 2. AS CAMPANHAS E SEUS EFEITOS DIANTE DO PÚBLICO O craque Neymar Jr. atualmente é o garoto-propaganda de pelo menos 11 marcas. O jogador “vende” e divulga de tudo: de materiais esportivos, passando por banco até telefonia celular. 3 Apesar de o logotipo da rede social ser grafado todo em minúsculas (twitter), para efeito deste trabalho será adotada a grafia com inicial maiúscula, referindo-se ao nome da empresa que administra a rede social (Twitter, Inc.). 4 Empresa criada por um grupo de jovens, em 2008, na República Tcheca, com foco em análise de mídias sociais. Deparamo-nos com aparições do atleta em peças publicitárias a todo o momento. Mais recentemente, Neymar foi personagem principal de duas campanhas: “Somos todos macacos” e “Craque da Claro é outra coisa”. A campanha “Somos todos macacos” surgiu após o também jogador de futebol Daniel Alves, companheiro de Neymar no clube espanhol e na seleção, ter comido uma banana em uma partida de seu time contra o Villarreal, em reação à atitude racista dos torcedores adversários que atiraram a fruta no gramado. A resposta de Neymar à atitude do colega foi imediata. Através de seu Twitter, o atacante postou uma foto ao lado do filho comendo banana com a hashtag #somostodosmacacos. Em questão de segundos, as redes sociais foram tomadas de famosos e anônimos repetindo o gesto do jogador em prol da luta contra o racismo. Já a campanha “Craque da Claro...” refere-se à divulgação de uma promoção criada pela operadora de telefonia celular Claro, uma das marcas as quais Neymar é garoto-propaganda, que consistia em um sorteio de automóveis aos participantes. Neste caso, o jogador foi um dos responsáveis por divulgar a promoção nas redes sociais e “convocar” os internautas a participar dela. Através do filme da campanha o atacante falou das habilidades que um craque deve ter e lançou em seu Twitter a frase “Agora só falta virar #CraqueDaClaro e ganhar o carro. Cadastrese e concorra”. As ações, como já foi dito, tiveram repercussões diferentes. Enquanto “Somos todos macacos” teve reação positiva imediata e adesão em massa, “Craque da Claro...” não cultivou tantos adeptos assim. Para compreender melhor essa questão precisamos entender alguns conceitos importantes que cercam essas ações. Um deles diz respeito aos termos publicidade e propaganda, que ainda são bastante confundidos. Muitas pessoas ainda entendem publicidade e propaganda como sinônimos – no entanto, não são. Propaganda é o ato de divulgar ideia, conceito ou valor sem fins lucrativos, enquanto publicidade é basicamente a mesma coisa, porém com uma diferença: o objetivo dela é o lucro. Dessa forma, podemos entender a campanha “Somos todos macacos” como propaganda e a campanha “Craque da Claro é outra coisa”, como publicidade. Enquanto a primeira pretende apenas difundir a ideia de que racismo não é legal, o objetivo da segunda é buscar adesão de novos clientes/fãs e, consequentemente, ter mais visibilidade para a empresa e seus produtos, melhorando sua posição no mercado. Além dos termos citados acima, é importante também discorrer um pouco sobre Marketing. Segundo Kotler5 (2000), “marketing é um processo social e gerencial pelo qual indivíduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam por meio da criação e troca de produtos e valores”. O marketing é um conjunto de tarefas que ajudam a analisar e entender o mercado, contribuindo para que a publicidade alcance o seu objetivo. Ele identifica a necessidade e cria a oportunidade, o que denominamos de marketing de oportunidade, que é “pegar carona” em um assunto da moda. Portanto, a necessidade no caso da campanha “Somos todos macacos” seria a de mostrar a indignação do mundo com relação ao racismo, e a oportunidade, a atitude de Daniel Alves. Já com relação à campanha “Craque da Claro...”, a necessidade seria adquirir novos clientes e a oportunidade, o fato de Neymar ser uma figura influenciadora nas redes sociais. Ainda com relação ao marketing, podemos dividi-lo em duas vertentes: marketing comercial e marketing social. O primeiro baseia-se na troca de tempo e dinheiro por produtos e serviços, enquanto o segundo é a troca de esforços para a melhoria de suas vidas. Porém, o entendimento de marketing social deve ir além para que não seja confundido com campanha social, a estratégia utilizada pela ação “Somos todos macacos”. Diferente da campanha social, que promove o conhecimento sobre os problemas sociais, o marketing social busca de fato uma transformação da sociedade utilizando ferramentas do marketing. “Kotler e Roberto (1989) conceituaram marketing social como a utilização de todas as ferramentas do marketing visando promover uma mudança de comportamento.” (Revista Espacios, 2011) Voltando à questão das duas campanhas do estudo, apesar de a ação “Somos todos macacos” ter mobilizado a rede, podemos destacar pontos positivos, mas também negativos. No que remete aos pontos positivos, o objetivo principal, que era colocar em pauta o tema racismo, foi de certa forma alcançado. Ainda que a ação não tenha proporcionado mudanças concretas imediatas, o fato de haver o pronunciamento contra o racismo já se entende, através da Teoria Performativa de Austin, que algo foi feito. “(...) as estratégias publicitárias com a intenção de mudar algo ou levar determinado público a agir estão centradas na teoria performativa de Austin (1990), onde os enunciados performativos indicam que, ao emitir um proferimento, está se realizando uma ação. Nesse sentido, dizer algo é fazer algo. E realizar algo por meio das palavras é o que as campanhas a favor de causas 5 Philip Kotler, professor universitário estadunidense e consultor de Marketing. sociais procuram fazer através da realização de suas campanhas publicitárias.” (Revista eletrônica Razon Y Palabra, 2011) Por outro lado, a espontaneidade da atitude de Neymar acabou sendo prejudicada pelo conhecimento de que a campanha havia sido pensada junto à agência de publicidade Loducca. Agregado a isso, o fato de a loja do apresentador Luciano Huck ter lançado logo em seguida uma camiseta com os mesmos dizeres foi considerado oportunista, além de a frase ter repercutido mal entre alguns colunistas que militam na causa, por considerarem que ela só evidencia o racismo. A partir deste contexto, críticas contra a ação foram ganhando força, e muitos questionamentos sobre o conteúdo e que tipo de contribuição acerca do tema essa campanha traria foram colocados em pauta. Já na outra campanha, os pontos positivos foram mais no âmbito estratégico. A operadora soube explorar bem a proximidade da Copa do Mundo, a figura de Neymar e a influência que o atleta possui na rede social, além de conseguir aproximar a marca do “mundo” do jogador, daí o motivo do filme da campanha explorar a emoção do futebol. Porém, mesmo usando esses elementos importantes (celebridade influenciadora e emoção do futebol), o fato de não ser uma campanha de cunho social não impulsionou a ação na mesma proporção do movimento “Somos todos macacos”. Apesar de alguns internautas terem divulgado a promoção, um grupo reclamou na rede social das postagens do jogador relacionadas à ação e fez piadas com a operadora associando, de forma irônica, a palavra “craque” do slogan à droga ilícita (crack), e colocando em pauta a qualidade do atendimento/produtos da empresa. Dessa forma, percebemos que ambas as campanhas têm seus erros e acertos, mas mesmo com questionamentos relevantes (como a atitude de Luciano Huck), a ação que buscou focar em um tema social, ou seja, mostrou a sociedade que se importa com determinada questão, conseguiu dialogar melhor com o público do que aquela meramente comercial. 3. RESULTADOS A comparação e análise dos prós e contras das duas campanhas nos mostraram que ao pensar uma campanha publicitária deve-se estar atento a vários fatores importantes: o que o público necessita, que linguagem deve ser usada, a mídia em que será divulgada, quem será o transmissor da mensagem e a estratégia. Sem o entendimento desses elementos dificilmente uma ação alcançará ou chegará perto do seu objetivo, e correrá o risco de ter os pontos negativos mais destacados do que os positivos. A discussão com relação a essas duas campanhas apresentou uma observação interessante, que com uma pesquisa mais esmiuçada, explicaria melhor os pontos destacados no presente artigo. Trata-se da questão da linguagem. Ambas as campanhas procuraram utilizar uma linguagem próxima, e de fácil entendimento, ao público da rede social na qual foram divulgadas, usando inclusive a mesma celebridade influenciadora para “conversar” com os receptores. No entanto, mesmo assim o diálogo teve alguns ruídos, seja pela própria mensagem proporcionar interpretações diferentes, seja pelas recorrentes brincadeiras proporcionadas por aqueles que fazem as redes. Mesmo a ação “Somos todos macacos” tendo agradado no geral, a linguagem sofreu críticas. Depois de passada a novidade do movimento, algumas pessoas criticaram o slogan – que pretendia transmitir que somos todos iguais. Para os críticos, ele banalizou a questão e reafirmou o racismo. Já em relação à campanha “Craque da Claro é outra coisa”, a operadora foi vítima da brincadeira dos internautas e teve seu nome relacionado a uma droga ilícita. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A forma de se relacionar da sociedade sofreu uma grande transformação com o surgimento das redes sociais. E essa mudança não ocorreu apenas no âmbito das relações pessoais, mas também na forma como as pessoas recebem uma campanha publicitária, seja ela dentro ou fora do ambiente virtual. Atualmente o que as pessoas esperam de uma ação é observar que as empresas/instituições estão preocupadas não só com o lucro, mas também com questões importantes que afetam o bem-estar da sociedade. Por esse motivo, pode-se entender porque campanhas que buscam focar em temas sociais têm mais adesão da população. Aliado a isso, ainda há o fato de a sociedade continuar enxergando a maioria das campanhas publicitárias como enganosas e ilusórias. Por isso, quando uma ação demonstra ser meramente comercial, a tendência é que o indivíduo não se sensibilize com ela, mesmo essa ação utilizando estratégias que explorem sentimentos e emoções significativas, como no caso da campanha “Craque da Claro é outra coisa”. A campanha citada tinha como objetivo agregar mais clientes, visto que a operadora perdeu mercado para as concorrentes, e buscou apostar na paixão do brasileiro pelo futebol para conquistá-los. Porém, nem mesmo o fato de utilizar a figura de Neymar e a euforia do Mundial no país fez a campanha impulsionar. Apenas explorar as emoções que cercam o público não é o suficiente para alavancar uma ação. A sociedade busca mais do que ter suas emoções apresentadas em determinada campanha. Ela necessita fazer parte desta campanha e não ser apenas um mero receptor. E foi exatamente isso o que a ação “Somos todos macacos” proporcionou as pessoas: fazer parte dela. Sentir que está contribuindo para a “mudança” é cada vez mais importante para o indivíduo. Dessa forma, mesmo a campanha não se aprofundando tanto no xis da questão e não tendo um conteúdo realmente reflexivo, ela trouxe à tona a discussão sobre o racismo no mundo. De certa forma, a mensagem inicial foi transmitida ao público. REFERÊNCIAS BELCHIOR, Douglas. Contra o racismo nada de bananas, nada de macacos, por favor. Carta Capital, São Paulo. Disponível em: <http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2014/04/ 28/contra-o-racismo-nada-de-bananas-por-favor/>. Acesso em: 22 jun 2014. FONTES, Miguel. Marketing social: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. IBOPE, Nielsen. Redes sociais POP: estudo exclusivo sobre o fenômeno das redes sociais no Brasil, 2010. Disponível em: <http://pt.slideshare.net/ricardodepaula/o-fenmeno-dasredes-sociais-no-brasil>. Acesso em: 22 jun 2014. KAPLAN, Andreas e HAENLEIN, Michael. Apud SOUZA, Giuliano Rodrigues de. Redes sociais e mídias sociais: como o capital social mudou como sua marca é vista pelos consumidores. Palestra proferida na Semana de Administração da Faculdade Pitágoras de Londrina – PR, em 12 de maio de 2010 KOTLER, Philip. Administração de marketing. Trad. Bázan Tecnologia e Linguística. 2 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. MÍDIAS Sociais. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia. org/wiki/M%C3%ADdias_sociais#cite_note-1> Acesso em: 22 jun 2014. PESQUISA: as 4 redes sociais mais populares entre anunciantes. Proxxima, 25 de março de 2014. Disponível em: <http://www.proxxima.com.br/home/social/2014/03/25/Pesquisaas-4-redes-sociais-mais-populares.html>. Acesso em: 22 jun. 2014. RODRIGUES, Anderson Ricardo; PEIXOTO, Maria Gabriela Mendonça; SETTE, Ricardo de Souza. Marketing social: conceituação, características e aplicação no contexto brasileiro. Lavras/MG e São Carlos/SP: Revista Espacios, Vol. 33 (3) 2012. SILVA, Márcio David Macedo da. Publicidade a favor de causas sociais e seu uso na campanha “As drogas matam de várias maneiras” – CTDia e Opus Multipla. Razón Y Palabra, n. 74, 2011. Disponível em: <http://www.razonypalabra.org.mx/N/N74/VARIA74/07 MacedoV74.pdf.>. Acesso em: 22 jun 2014. TÓTH, Mariann. Campanhas sociais vs comunicação social estratégica. Socialtec, Brasília, 9 de abril de 2005. 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