Tropical Resorts A falsa representação do Rio num paraíso sem identidade Isabella Perrotta Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara… Sim, mas de costas para o Pão de Açúcar? Décadas antes da magia do photoshop invadir o universo gráfico, habilidosos da fotografia e do fotolito já vendiam um Rio fake onde o Cristo é “colado” em posição invertida, de forma a ficar de frente para o observador, quando tivesse a baía de Guanabara (leia-se Pão de Açúcar) ao fundo. Crível! O resultado não parece ilustração. E, por princípio, a linguagem fotográfica é verdadeira. Tromp l’oil. Debates entre a valorização da imagem e a iconoclastia sempre existiram ao longo da história. O iconoclasmo pode ser historicamente entendido como um processo eficaz na busca da verdade, já que para Sócrates, Platão e Aristóteles só a experiência dos fatos e o raciocínio lógico – que daria origem à dialética – eram considerados a via de acesso à verdade. Na outra vertente, a imagem foi capaz de dar forma ao sagrado e ao sobrenatural. Segundo Durand, ela pode se desenrolar dentro de uma descrição infinita ou uma contemplação inesgotável, por isso propõe uma realidade velada. Finalmente, o século 20 e o mundo ocidental construíram uma civilização centrada em informações sintéticas, justamente por serem baseadas em imagens, e não na dialética. Uma contraposicão à chamada “Galaxia de Gutemberg” (1) – período pós-imprensa que valorizou a comunicação retórica escrita. É o século que nos traz, em meio ao desenvolvimento de novas áreas do saber, do produzir e do vender, a explosão do turismo e da publicidade. E estes dois juntos possuem o enorme dom de iludir… Quem já não se enganou com as fotos de divulgação das instalações de um hotel? Mas também estamos considerando propaganda turística tudo aquilo que propaga as belezas e delícias dos paraísos turísticos (verdadeiros ou inventados), como os postais e suvenirs. Então, no caso de um postal do Rio de Janeiro, seria antipático levar para casa o Cristo de costas? A solução poderia ser mudar um pouco o ângulo da foto captando o Cristo meio de lado e o famoso morro doce em forma menos convencional… Há tempos que o Rio foi transformado, pela indústria do turismo, em objeto do desejo. E seu ícone de representação desde os anos 1920 e 30 já era a montanha açucarada. O Pão de Açúcar tem mesmo uma forma interessante – espetacular, até, quando visto da entrada da baía – assim como outras montanhas cariocas como o Corcovado e a pedra da Gávea, mas como se isso não bastasse foi surgindo um estereótipo do Rio. Foi sendo contruída a imagem de uma cidade-paraíso, emoldurada por flores e árvores tropicais. Nos cartazes turísticos das décadas de 30 e 40 a iconografia tenta mostrar a exuberância de um país (então) pouco conhecido, e o uso do Pão de Açúcar é pertinente pois a entrada na cidade (ou no país) se dava, tanto pelo mar quanto pelo ar, através da baía de Guanabara. Já nas capas das partituras de Ary Barroso (anos 40) o Pão de Açucar como símbolo de Brasil brasileiro e zoneiro estaria bem usado? Tanto a americana da partitura de Aquarela no Brasil, quanto a brasileira da música Tico-Tico no Fubá, apresentam um mix de Pão de Açúcar com Pato Donald e Zé Carioca… Nada de fontes murmurantes, samba ou pandeiro… Mesmo o Brasil exportando, junto com Ary Barroso, uma Carmem Miranda vestida com ares de baiana, o Rio era seu o único cartão postal. Carmem tinha como parceiro, o papaguaio Zé Carioca que corporificava o esperto malandro carioca, servindo com símbolo brasileiro à política da boa vizinhança norte-amaricana, e também como gancho de venda das revistas de Walt Disney no Brasil, claro! A enorme capacidade de comunicação da imagem – em especial o potencial de convencimento da fotografia – se multiplica com os feitos (e efeitos) da tecnologia. Novas tecnologias geram novas estéticas que conduzem para o exagero. convencimento como a publicidade – em especial a publicidade turística – aproxima-se do kitsch, cujo sentido ético (e estético) é pejorativo,uma vez que nega o autêntico. De acordo com Moles, a palavra kitsch vem do alemão, onde kitschen quer dizer atravancar e verkitschen quer dizer trapecear, receptar, vender alguma coisa em lugar do que havia sido combinado. O kitsch enquanto fenômeno está associado à civilização consumidora que produz para consumir e cria para produzir, num círculo vicioso que vai desenvolvendo objetos que não tem que ter compromisso com a realidade, mas sim com a felicidade. A representação das coisas, então, não tem de ser como elas são, mas como poderiam ser… O kitsch tem também um aspecto de alienação, que se adequa bem aos objetivos da indústria de turismo. É a arte da felicidade! E ainda faz parte de seu repertório, diluir a originalidade das coisas, de forma torná-las aceitáveis por todos. Falta de originalidade ou de identidade é comum nas imagens turísticas. Quantos Vales são Nevados? Quantos Caribes? Quantas cenas paradisíacas estão na realidade incrustadas no meio urbano e/ou poluído? Petit, na sua análise sobre grandes marcas, critica a falta de originalidade do setor turístico. Enquanto, para ele, a marca de pneus é a Pirelli, a marca de relógios é a Rolex, a marca de panelas é a Alessi, a marca de precisão é a Kern, (seguindo enumerando entre faca e máquina de costura, uma série de marcas, para nós menos conhecidas, mas bastante representativas no universo europeu) é impossível lembrar de uma grande marca do setor de turismo, apesar desta área ser uma das maiores indústrias do planeta, pois as marcas de turismo, hoje são todas azuis, iguais. Todas oferecem o mesmo clima, o mesmo prazer. O designer-publicitário chama à atenção, porém, para a empresa inglesa Wagon-Lits – cuja marca é representada pelas letras W e L em monograma art-noveau, no centro de 2 leões. Se esta imagem nada tem a ver com o seu ramo de negócio, foi um dos grandes símbolos de luxo e conforto nos anos 1920 e 30, e a primeira companhia a transformar a viagem de trem num mundo de sofisticação e fantasia, resultando na transformação do ramo turístico. Na representação das empresas de turismo ligadas ao Rio de Janeiro, além da tendência de usar os famosos Pão de Açúcar, Cristo Redentor e calçadão de Copacabana como ícones da cidade, existe outra – mais genérica – que se utiliza, em geral, das ondas do mar e do sol acompanhados, algumas vezes, de palmeiras, coqueiros, flores, frutas e pássaros. Esta opção gráfica coloca os hotéis e empresas de entretenimentos turísticos em pé de igualdade com todo um universo internacinal e homogêneo de paraíso tropical, sem identidade. Estereótipos de paraíso tropical, no Rio, também são muitíssimos utilizados nos empreendimentos imobiliários à beira-mar, especialmente na Barra da Tijuca (zona oeste da cidade). E os antigos selos de bagagem? Os grandes e luxuosos hotéis tinham por hábito se utilizar de suas majestosas fachadas, mas os mais singelos exploravam os atrativos locais. Então, quantas vezes não teríamos a impressão de que aquela fascinante vista da baía de Capri, por exemplo, não poderia ser vista dos quartos de tal hotel? A indústria de turismo vende mesmo ilusão. Além de todo um discurso próprio, cheio de chavões e lugare comuns, as imagens utilizadas fazem o espectador crer em algo mais. Desde o singelo quarto de pousada ou a pequeníssima piscina, que pelo ângulo certo (distorcido) da fotografia passa outra sensação. Até o que já é lindo e maravilhoso, mas… Não pode não pode ter um se não, como as costas do Cristo. Ou tem que ser acrescido de algo mais, que se aproxima do exótico e do inesperado. Enfim, a ilustração artesanal, as técnicas fotográficas e finalmente a imagem tratada eletrônicamente, muito favorecem a venda de ilusões.. E esta última, especificamente, muito colabora para a perda de identidade num pastiche de estilo. Se o ocidente sustentou-se a partir do raciocínio socrático e da ideologia cristã, baseandose na verdade única e quase sempre desafiando imagens, paradoxalmente, desenvolveu técnicas de reprodução das imagens. A própria explosão da “civilização da imagem” se deu em função do iconoclasmo técnico-científico, pois a descoberta da imagem fotográfica deve-se ao progresso químico, a sua animação à aplicação mecânica de um fenômeno fisiológico, e a sua transmissão à distância, fruto das telecomunicações. Hoje tal disputa entre o uso da imagem e a pura verdade não cabe mais. Impossível conceberbos nosso dia-a-dia desprovido de imagens. A virtualidade, cada vez mais crível, invade os lares pelos olhos de nossas criancinhas. O cinema é capaz de reproduzir centenas de antigos galeões no mar, num toque de mágica. E a publicidade? Cabe, agora e cada vez mais, dar espaço aos movimentos de defesa do consumidor que já obrigam os comerciantes a usarem a legenda: “imagem meramente ilustrativa”.