REFLEXÕES PARA A MESA DA PALAVRA Ano B Fernando Dias Cyrino Introdução Início do ano de 2008 e fomos, cheios de ânimo, realizar os tão esperados Exercícios Espirituais completos. Estivemos, Carmen e eu, durante todo o mês de janeiro na Casa de Retiros Santos Mártires, em Limpio, arredores de Assunção, Paraguai, nessa nossa experiência. Durante a caminhada dos Exercícios fui sentindo que as palavras do nosso orientador, Padre José Caravias SJ, a nos dizer que os leigos também deveriam escrever sobre as coisas da Igreja, estavam calando em mim. Quem sabe não seria aquele um chamado do Senhor para a minha vida? Segundo o pe. Caravias há certo “monopólio” da hierarquia quando se trata de escrever Teologia ou algum aspecto ligado à vida cristã. Concordando plenamente com ele fui amadurecendo em mim a ideia de produzir algo. Dois anos tinham se passado quando aquela moção se fez límpida e transparente em mim. Foi aí que me dispus a escrever os comentários para os Evangelhos dominicais e solenidades, que vocês encontrarão adiante. Bem alinhado ao que o orientador dos Exercícios pedia, comecei a me preparar, refletir mais profundamente e logo em seguida, colocando no computador as minhas mensagens: de leigo para leigo. Na medida em que eram escritas, a cada semana, as ia publicando na minha página da Internet: www.fernandocyrino.com Foi com surpresa que constatei haver uma bela ressonância por parte das pessoas, praticamente todas desconhecidas. Houve semanas em que mais de mil leituras foram feitas à Mesa da Palavra. Os relatos agradecidos de fieis anônimos, equipes de liturgia e de vários sacerdotes iam me animando a perseverar nessa trilha, por mim nominada como “Reflexões para a Mesa da Palavra”. Por mais de duas vezes visitei os três anos da Liturgia (ABC). Agora senti haver chegado o momento de juntar, em três blocos, os comentários. Nada é novidade, todos já estão publicados. O objetivo é o de facilitar ainda mais o acesso de mais gente aos nossos textos. Depois de tanto tempo, olho para trás e dou graças a Deus pelo percurso percorrido. Deus, que é todo bom, me propiciou a oportunidade desse serviço. Fernando Dias Cyrino Niterói, março de 2017 Os Comentários estão publicados da seguinte maneira e ordem: - Título: com uma frase significativa referente à mensagem daquele dia. - Evangelho: O texto da Liturgia da Palavra utilizado no dia. Historinha – Uma pequena história para melhor explicar e contextualizar a mensagem. Comentários: Os comentários feitos a partir do que a Palavra de Deus me inspirava naquele momento. Pistas para reflexão: Normalmente três perguntas, provocativas, que têm o objetivo de trazer para a vida diária o que está sendo refletido e rezado. Seguimos o Ano Litúrgico. Dessa forma começamos com os comentários referentes ao Primeiro Domingo do Advento TEMPO DO AVENTO 1º Domingo do Advento Nosso Deus já vem! Estejamos atentos para recebê-lo Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando. Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!' Mc 13, 33-37 A abelha rainha precisava viajar. Numa bela manhã de sol, ela então reuniu as filhas para lhes comunicar sua saída. Acostumadas que estavam com a segurança que a presença da mãe lhes assegurava, sem dúvidas que ficaram entristecidas. Mas pouco a pouco foram descobrindo que a rainha, mesmo distante, se fazia presente em cada detalhe da casa, em cada abelhinha na qual era possível ver os traços inconfundíveis da mãe, bem como também em tudo que lhes tinha ensinado. Tomaram consciência enfim de que aquela viagem as tornaria mais maduras e responsáveis. A partir dela poderiam exercitar a liberdade e isto era algo que iria fazer muito bem a todas. Só que liberdade pressupõe riscos. Para vivê-la é preciso tomar cuidados, mantendo-se em constante estado de atenção, para não se perderem. Toda manhã, na primeira saída rumo às flores, não deixavam de mirar o horizonte, na expectativa de que fosse aquele o dia do retorno da querida mãe. Chegamos ao tempo do Advento. Hora de nos prepararmos para a vinda do Senhor. Nosso Deus, daqui a pouco virá pequeno e frágil. Deus menino nascido numa manjedoura a nos ensinar que é quando nos fazemos menores que somos realmente grandes. Nesse período a Igreja nos chama, geralmente com passagens bíblicas mais contundentes, a atenção para que não sejamos pegos desprevenidos quando o nosso Senhor chegar. O Evangelho de Marcos desse primeiro domingo quer nos falar dessa atenção. Ele nos conta que é preciso vigiar, porque o Senhor foi para longe e não nos disse em qual dia retornará. Assim Marcos nos apresenta essa metáfora bonita de Jesus: Deus viaja para o estrangeiro e nos deixa tomando conta da obra do Reino. Estivesse presente é bem provável que nos acomodássemos esperando pela sua ação transformadora da realidade. Mas não é este o Deus de Jesus. Ele nos faz e mais do que isto, nos quer livres. Então, mesmo estando presente, passa-nos a impressão de que se ausentou – afinal sabemos que Deus nunca viaja. Está sempre no nosso aqui e agora - para que possamos, com nossas mãos, tornar presente o Reino dos Céus na terra. O grande problema é que costumamos andar meio sonolentos pela vida afora. É bem possível que em algumas ocasiões podemos estar caminhando até dormindo. Ao fazermos a experiência, por exemplo, de passar prestando real atenção, pelo trajeto que diariamente percorremos, é provável que nos surpreendamos com o tanto de detalhes que por nós não tinham sido observados. Advento é tempo para se acordar e reparar mais nas pessoas e nas coisas existentes nos caminhos trilhados. Em todas elas buscar encontrar Deus. Tomar consciência de que Ele está sempre vindo ao nosso encontro. O verbo “vigiar” no texto evangélico tem clara conotação escatológica, mas precisamos ir além dela. Mergulhemos na imagem que Jesus nos traz, numa dimensão diferente dessa dos tempos messiânicos, nos quais nos veremos já na presença de Deus. É preciso entender o “vigiar” também como um estar atento à existência simples de todo dia. Nos pequenos detalhes da vida é preciso estar vigilantes, para que possamos ver o Senhor, também neles, quando enfim retornar. Peçamos ao Espírito do Senhor nesse Advento, que nos faça mais atentos e vigilantes. Que possamos perceber, principalmente nas pessoas, as mais necessitadas à volta, o convite para nos aproximarmos delas, na busca de uma vida de mais intimidade com os irmãos. Advento é tempo de atenção também para que cresçamos na comunhão fraterna. É convite para que também nasçamos junto com Jesus, fazendo-nos novas criaturas. Nesse sentido viveremos, com toda certeza, um Natal mais bonito e significativo. Pistas para reflexão: - O que tenho produzido enquanto o meu Senhor “viaja”? - Em que devo estar mais vigilante? - O que farei para me preparar melhor para o Natal? 2º Domingo do Advento João Batista nos ensina a esperar o Messias Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Está escrito no livro do profeta Isaías: 'Eis que envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. Esta é a voz daquele que grita no deserto: 'Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!'' Foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados. Toda a região da Judéia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam os seus pecados e João os batizava no rio Jordão. João se vestia com uma pele de camelo e comia gafanhotos e mel do campo. E pregava, dizendo: 'Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo.' Mc 1, 1-8 Dona Santinha, mulher das mais devotas, sentiu com clareza na oração, o Senhor a lhe dizer que no dia seguinte a visitaria. Largou o terço, o livro de rezas e saiu correndo da Igreja para arrumar tudo. Lavou a casa, encerou o chão, comprou flores e perfumou tudo. Afinal aquela não era qualquer visita, o próprio Deus se faria presente. Nem conseguiu dormir tamanha a ansiedade. Ainda era noite e já se posicionara à porta para acolher o ilustre visitante. Logo na primeira hora quem apareceu foi um mendigo, ainda por cima bêbado, ansiando por um gole de café. “Hoje não tem nada, espero Jesus. Vê lá se perderei tempo coando café para você...Já pensou se Ele chega e estou na cozinha?” Foi com palavras assim que Santinha afastou o homem. Pouco antes do almoço uma vizinha veio lhe pedir dois ovos, pois que em casa nada havia para comer. “Como posso ir ao galinheiro? Jesus vai chegar e já pensou o que Ele irá pensar de mim, vendo-me com as galinhas? Volte outro dia. Hoje não saio daqui por nada.” A mulher foi embora triste, sem saber o que seus filhos almoçariam. A tarde caía quando escutou um alarido na casa em frente. É que a adolescente que lá morava estava grávida e sentia fortes contrações. Sua mãe atravessou correndo a rua solicitando que levasse a filha até o hospital, pois por lá ela era a única que possuía automóvel. “Melhor chamarem um taxi. Jesus já deve estar chegando, não posso me ausentar”. A mãe voltou triste, sabendo não haver na bolsa nenhum dinheiro para a condução. A noite ia alta quando enfim se deu conta de que só podia ter ouvido errado. Esperara, toda aflita, o dia todo e nada. Dormiu cansada e frustrada. Dia seguinte amanheceu na Igreja. Em frente ao sacrário reclamava, chorando, por Ele não ter cumprido o trato. “Como você me diz que não a visitei, Santinha? Estive lá três vezes e em nenhuma delas fui recebido!” Na preparação para o Natal, iniciada semana passada, temos hoje uma reflexão fundamental. A Igreja nos apresenta o começo do Evangelho de Marcos e nele, vamos encontrar um dos dois fatos básicos da história de João Batista. O primeiro deles, sem dúvidas que é o batismo de Jesus. O segundo é este que está relatado nesse domingo: João é o homem da espera do Messias. Não essa espera que Dona Santinha achava ser cuidadosa, mas que de atenção não tinha nada, eis que só mirava o céu. A espera do Batista tem os olhos postos nas pessoas. É de dentre elas que virá o Messias. Para compreender melhor essa passagem será preciso viajar no tempo para, à beira do Jordão, contemplar aquele grupo de pessoas ao redor do “Batizador”. Com ele estava uma pequenina parte dos israelitas, um povo escravizado sob o jugo dos romanos. Gente que ansiava profundamente pela liberdade e essa seria trazida pelo esperado Messias. Isto fazia com que aquela pregação se tornasse, aos olhos das autoridades, subversiva e perigosa. Libertar Israel tinha dois significados muito claros para eles: o retorno à Roma dos invasores e a chegada de um tempo pleno de graça e salvação. Não foi sem sentido que logo depois o Batista perdesse, literalmente, a cabeça. Aqueles eram tempos de espera e também o fato de que há mais de dois séculos não se tinha notícias de grandes profetas, era um reforçador dessa expectativa crescente, principalmente entre os pequenos e excluídos daquela gente. É nesse contexto que surge João Batista, este homem tão especial. Aquele do qual Jesus irá dizer que nenhum entre os seres humanos é maior do que ele. Saído da provação do deserto, exatamente como o seu povo, que por ele havia peregrinado durante longos quarenta anos, lá vem ele anunciando que o Messias está próximo. João é o homem da espera, mas não de qualquer uma. Para o Evangelho não vale a espera passiva da historinha de hoje. Aquela na qual se fica em casa aguardando a visita que vem. A espera do Batista, reparemos, é totalmente ativa. É uma esperança profética. Recordemos que o profeta é aquele que sente os acontecimentos, a partir do olhar e do coração de Deus. A partir desse sentir profundo ele não consegue ficar calado, denunciando os desmandos do pecado e, principalmente, anunciando a boa nova da salvação. A espera de João o leva à fronteira simbólica entre a cidade, onde vivia o povo e o deserto. É para o limite entre esses dois espaços, tão significativos para aquela gente, que os moradores da Judéia e de Jerusalém virão para encontrá-lo. Nessa fronteira ele se torna o mensageiro, postando-se à frente para “endireitar e aplainar os caminhos”. Afinal será neles que irá transitar o Salvador. É uma espera que só se realizará caso seja geradora de conversão. Aguardando o Messias João vai se purificando naquelas águas, na medida em que também vão sendo limpos e convertidos os que dele se aproximam para o batismo. Até aqui contemplamos alguns aspectos da bela cena. Há que se ir mais adiante. É necessário nos conscientizarmos, de que também somos homens e mulheres da espera e que vivem em tempos de espera. O Messias continua vindo e para reconhecê-lo, é necessária a mesma conversão que anunciava o Batista. Ninguém pode dizer que está imune a ela. Um padre contava, não faz muito tempo, que uma pessoa chegou até ele em busca de um retiro. Ao indagar dela os porquês de estar ali, lhe respondeu que se sentia realizada como cristã. Alguém plenamente convertida, tendo já dominado todas as faltas e pecados. Queria o retiro para mais ainda se aperfeiçoar. O sacerdote lhe perguntou se havia desfeito as malas, pois que seria melhor que voltasse, eis que a experiência que daria, não era para pessoas que se consideravam tão boas, mas que estivessem ali em busca de conversão. Pode ser que nossos “caminhos” não estejam tão retos e que tenhamos construído sutis atalhos para driblar a consciência. Quem sabe também haja neles algumas “pedras”, que estejam fazendo com que não caminhemos como deveríamos, nessa espera ativa que nos leva ao encontro do Menino Deus que vem. É provável que possa nos estar faltando atenção e cuidados... O homem da espera, João Batista, sabe que não somos perfeitos e incita-nos para que também nos coloquemos em atitude de expectativa. Não é preciso que, como ele, se vá ao concreto do deserto, nem que se vista peles ou se coma gafanhotos. O que se faz necessário é que cada um leia e traga para a realidade da sua vida, a metáfora do deserto e da existência renovada. Vida nova para que se faça mais atenta, na percepção de Deus chegando nas pessoas (até mesmo naquelas que nos pareçam chatas e que ainda não conseguimos amar o suficiente). A sabedoria do povo ensina que “quem espera sempre alcança”. Nada mais do que por isto a esperança é uma das três virtudes teologais. Que João, o “Batizador” de Jesus, nos faça mais esperançosos para que vivamos, de forma mais ativa, a espera do nosso Deus que já vem chegando. Pistas para reflexão: - O que tenho esperado da vida? - A espera que vivo é estática (fico à porta de casa), ou só acontece internalizada dentro de mim? Ela me lança rumo ao outro, ao mundo? - Como estar mais preparado para receber o Menino neste Natal? Imaculada Conceição Salve Maria! O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da virgem era Maria O anjo entrou onde ela estava e disse: 'Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!' Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: 'Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim'. Maria perguntou ao anjo: 'Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?' O anjo respondeu: 'O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível'. Maria, então, disse: 'Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!' E o anjo retirouse. Lc. 1, 26-38 Um belo dia, lá no mais alto dos céus, Deus se deliciava admirando a criação. Sentia alegria por ver que o ser humano, apesar de todas as confusões, causadas pela liberdade essencial com a qual Ele o dotou, é muito bom. Nesse olhar o Pai vê um pequenino povoado, situado nos arredores do mundo, chamado Nazaré. Nele um casal, ao qual a tradição dá o nome de Ana e Joaquim, sonha ter um filho. O Pai, no uso da sua mais plena sabedoria, observa que ali, daqueles dois, iria nascer um ser tão aberto ao amor, imerso em tamanha pureza, que nenhuma mancha ligada à origem da humanidade e que é herdada por todos, seria capaz de contaminá-lo. As mulheres naquele tempo e cultura não eram nada valorizadas e o desejo daquele casal, era de que seu sonho se concretizasse num menino. Não foi isto o que ocorreu. Deus lhes envia uma menina. Externamente em nada ela se diferenciava das demais que nasciam naquelas aldeias. Por dentro não. Aquela criança por eles gerada era totalmente pura. Nela tudo se voltava para o sim ao Amor. Por conta dessa imensa beleza interior, seria nela que a Trindade iria fazer sua morada. Aquela menina se tornará na mãe do Salvador. Todos nós curvamo-nos diante de nós mesmos. O ego que possuímos é muito grande e isto faz com que, de uma ou outra forma acabemos nos fechando, por pouco que seja, a ele. Essa postura faz com queiramos nos postar à frente. Convida-nos a desenvolver um desejo fundamental de “primeiro eu, ou antes meu grupo”. Trata-se desse jeito desordenado de se ser humano que todos herdamos. Deus buscava mais para acolher seu Filho querido. Somente alguém totalmente aberto à graça, ou seja, um ser que não se curvasse sobre si mesmo, é que estaria apto para gerar Jesus. Este ser se configura em Maria. Celebrar a Imaculada Concepção de Maria é contemplar, na alegria, um pedacinho do mistério da encarnação. A Trindade que vai preparando, desde muito antes, a presença plena de Deus em meio às suas criaturas. Nessa festa de Nossa Senhora o nosso coração é colocado perante a pureza original. Essa inocência que se inicia naquele casal que acreditando na vida, se entrega um ao outro para gerar alguém muito maior do que eles. Uma menina, tão linda, que nela a mancha do pecado das origens não tem vez. Mais que privilégio o mistério convida-nos a refletir sobre a dimensão da entrega e do serviço em Maria. Ao contemplar o mistério imenso da encarnação sentimos com a Igreja, que dá um passo atrás na história e tem a bela e profunda intuição de apresentar-nos também essa preparação, que a Trindade faz para o envio do Filho. Não tem a menor importância se discutir se Maria tenha sido concebida de um jeito diferente. A mim, me parece ter sido gerada como qualquer outro ser humano. Os milagres de Deus são muito mais profundos e maiores do que isto. Deus, diferentemente da gente, não complica. O que intui a Igreja é que, não daria para qualquer mulher ser a mãe de Deus. Somente aquela que fosse totalmente aberta à pureza amorosa da Trindade Santa é que estaria pronta a exercer tal papel. Deus vai observando seus filhos e filhas até que um dia vislumbra que ali, naquela pequenina Nazaré, um casal iria gerar aquela que seria então, tempos após convidada pelo anjo para se tornar a mãe de Deus. Interessante notar que o Evangelho escolhido não trata do tema que celebramos (até porque não temos tal texto). Trata-se já de um segundo momento. Aquele principal, para o qual a concepção sem mácula daquela menina fará todo sentido. É o Evangelho de Lucas a nos apresentar o mistério da encarnação do Verbo. Nesse tema, fundamental para a nossa fé, o Evangelista quer nos mostrar a aceitação, por parte daquela que nasceu sem pecado, da geração do Filho de Deus. Contemplando a encarnação, será possível ver Deus trabalhando, para que o Filho tivesse a melhor entrada e estadia possível entre nós. Imenso mistério no qual contemplamos o amor de dois casais que tornam possível a vinda do Filho de Deus. Ana e Joaquim, José e Maria são modelos para os casais de hoje. São provas vivas de que a Trindade Santa é composta só de Amor e Misericórdia e que assim é que Ela suporta (no sentido de apoiar e cuidar) o Amor humano. Fazem-nos constatar também que o grande milagre de Deus está na geração da vida, sempre maior, sempre mais plena. Daí que também podemos intuir que todos os nossos filhos, por maiores problemas que tenham, serão fundamentalmente, de alguma maneira, maiores que nós os seus pais. Não acreditar nisto é descrer que o Reino vai sendo construído e se faz cada dia maior nas dimensões de tempo, espaço e da história. Mesmo que sejamos incapazes de percebê-lo. Nessa festa nos cabe dizer, como os congregados marianos: Salve Maria! Saudando-a e pedindo para que nos leve sempre para mais perto do seu Filho Jesus. Pistas para reflexão: - Que reflexos o mistério celebrado traz para a minha vida? - Como posso fazer a conexão de forma bem prática do mistério celebrado, com o Advento que vamos vivendo? - Creio que os filhos são “maiores” que seus pais, ou seja, que o Reino torna-se mais próximo em toda criança que vem ao mundo? 3º Domingo do Advento “Eu sou a voz que grita no deserto.” Surgiu um homem enviado por Deus; Seu nome era João. Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz: Este foi o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntar: 'Quem és tu?' João confessou e não negou. Confessou: 'Eu não sou o Messias'. Eles perguntaram: 'Quem és, então? És tu Elias?' João respondeu: 'Não sou'. Eles perguntaram: 'És o Profeta?' Ele respondeu: 'Não'. Perguntaram então: 'Quem és, afinal? Temos que levar uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que dizes de ti mesmo?' João declarou: 'Eu sou a voz que grita no deserto: 'Aplainai o caminho do Senhor`' - conforme disse o profeta Isaías. Ora, os que tinham sido enviados pertenciam aos fariseus e perguntaram: 'Por que então andas batizando, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?' João respondeu: 'Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias.' Isso aconteceu em Betânia além do Jordão, onde João estava batizando. Jo 1,6-8.1928 A gente simples daquele país ansiava pela libertação. Por isto procurava ver se nas situações cotidianas, não haveria sinais da sua chegada. Fato é que viviam em estado de contínua atenção. Subjugados sentiam falta de liberdade em sua vida política, religiosa e social. Uma potência estrangeira os oprimia, sendo tratados a ferro e fogo pelos soldados do invasor. A religião ao invés de libertá-los lhes impunha, a partir das lideranças, tantas leis e regras que lhes era praticamente impossível segui-la. O modelo de constituição da sociedade era excludente, sendo que somente a elite e os que viviam do templo, conseguiam manter-se com tranquilidade. Em meio a esse cenário aparece-lhes um homem santo pregando e batizando à beira de um rio. Precisavam saber quem era ele. Acaso seria o Messias libertador tão aguardado, ou deviam esperar por outro? Vão lhe perguntar e a resposta dada por aquele profeta lhes surpreende, pois que pelas suas palavras têm a certeza de que a libertação está próxima. Aquele era, nada mais nada menos, o sinal a dar testemunho da Luz salvadora que ansiavam. Por saberem disso sentiram profunda alegria nos corações. Aproximamo-nos do Natal e neste terceiro domingo do Advento a Igreja nos convida a que continuemos aprofundando-nos um pouco mais no mistério da encarnação, através da reflexão, ainda, da figura riquíssima de João Batista. Deus está vindo para ficar entre nós. Esta é a surpresa que precisamos reviver a cada Advento. Analisando-se friamente este mistério, logo se irá considerar tratar-se de algo totalmente imponderável. Como imaginar Deus saindo do centro da imensidão do seu poder para se fazer frágil e pequenino na periferia do mundo, em meio às suas criaturas, não as grandes e poderosas, mas as menores e mais excluídas? Apesar de sabermos ser algo que beira o absurdo, Deus vem. O Verbo se faz carne para, em plenitude, poder habitar conosco, como qualquer um de nós, na Terra. O Natal é esta constante contemplação de Deus que vem. Seu advento é gerador da alegria que somos convidados a valorizar hoje. Deus nos vem, a sua breve chegada configura-se para nós como imensa surpresa e já pode ser vista a partir de sinais a anunciarem sua aproximação. Ao se falar de “sinais” não nos enganemos com as vitrines e luzes que se acendem à nossa volta. Esses dizem respeito às maneiras que o comércio utiliza para alimentar a festa, vivida por muitos como mero tempo de troca: um dia para se dar e receber coisas. Sinais também que, não poucas vezes, tratam da marcação de um tempo específico, propício para se viver encontros e confraternizações. Também aquele período do ano no qual se pode deixar que se aflorem a emoção e o sentimento, para que se retorne ao “normal” logo após. Não é nada disto. A preparação para o Natal de Jesus se dá em outra esfera. Bem mais íntima porque acontece, mesmo quando vivida em grupo, família ou comunidade, no coração de cada um. O Natal de Jesus é espera geradora de transformação. Claro que a emoção e os presentes poderão acontecer, mas como representação e símbolo de que se está vivendo algo muito maior e profundo. Só há sentido em se celebrar o Natal se possuímos a vontade determinada de sermos melhores, não somente nesse tempo marcado e definido, mas no seguimento da vida. João Batista é o grande sinal de luz a remeter-nos para esse Natal original. Ele, o Evangelho de João frisa-o bem, não é a luz, mas vem para dar testemunho dela. Imagem bonita a nos mostrar que só há uma Luz verdadeira e essa é que deverá ser por todos enfim reconhecida. É essa luz de verdade que nos iluminará e nos mostrará o caminho a ser seguido. Ao apontar para a Luz plena de Deus, o profeta está a nos dizer que tudo mais é simples reflexo da Luz real. A sabedoria do povo diz bem que “nem tudo que reluz é ouro”. É interessante reparar, fruto da expectativa que viviam, que os sacerdotes e levitas não perguntam somente, mas sim realizam verdadeiro interrogatório do Batista. Eles perguntam várias vezes a João, a respeito de ser ele ou não o messias esperado. Todas as respostas são claras e enfáticas, mostrando não ser ele aquele que todos esperavam, mas que esse não iria tardar. Logo se faria presente. Essas mesmas perguntas que foram feitas ao profeta nas beiras do Jordão, somos convidados a também fazê-las, agora a nós mesmos, como preparação para a vinda do nosso Menino Deus: Quem sou eu afinal? O que digo de mim mesmo? Testemunha de quem eu tenho sido? E ao nos aproveitarmos das respostas de João, outros questionamentos poderemos bem nos fazer: Quem é a minha verdadeira luz? Sou testemunha da Luz verdadeira de Jesus? Como ele também me considero indigno de amarrar as suas sandálias, ou tenho a presunção de que é Deus quem deve amarrá-las nos meus pés? “Isso aconteceu em Betânia, além do Jordão, onde João estava batizando”. Isso ocorreu há muito tempo num lugar bem distante. E aqui e agora, vésperas do Natal de mais um ano, o que está acontecendo na minha vida? Questionemo-nos durante esta semana refletindo sobre estas questões... Pistas para reflexão: - Deus se encarna. Ele se faz humano. O que isto significa, de maneira prática, em minha vida? - O que tem clamado a minha voz? - A minha vida tem sinalizado para qual direção? 4º Domingo do Advento E Deus escolhe Maria, a mulher que não se dispersa. O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da virgem era Maria O anjo entrou onde ela estava e disse: 'Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!' Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: 'Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim'. Maria perguntou ao anjo: 'Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?' O anjo respondeu: 'O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível'. Maria, então, disse: 'Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!' E o anjo retirouse. Lc. 1, 26-38 Num lugar desconhecido pelos grandes e poderosos, na periferia do mundo, o olhar da bondade infinita de Deus, pousa sobre uma pessoa muito especial. Aquela que viria a ser mãe do seu filho. Claro que essa tinha que ser uma mulher totalmente especial. Sabedores daquele desejo os anjos tentavam ajudar seu Senhor palpitando. Um deles dizia: "Em Roma há uma princesa muito linda e bondosa. O senhor não gostaria de conhecê-la?" E Deus lhe respondia: "Gabriel, eu já a conheço, mas não será essa a mãe do meu Filho" . Rafael, do outro lado já lhe sugeria: "Meu Deus, lá em Atenas há uma moça que muito me impressionou pela sua sabedoria e humildade, quem sabe..". "Também não será esta, meu anjo querido". " Ah, Senhor, estive em Esparta e conto que lá vive linda donzela que, além da beleza, é possuidora de imensa coragem. É uma mulher forte e sabedora das artes da luta, o que será ótimo para defender seu Filho". "Miguel, conheço também esta. E ela não se encaixa no perfil que busco para ser a mãe de Deus. Aliás, já sei quem é ela e um de vocês deverá ir até lá para convidá-la" . Ao verem o endereço que Deus lhes passou, os anjos não deixaram de demonstrar certo desapontamento. Essa Nazaré era o que eles chamavam de fim de mundo. Foi para este lugar que Gabriel se dirigiu... Aquela terra nada tinha de especial. No linguajar de hoje poderíamos dizer, tratar-se de um país de “terceiro mundo” e, mais ainda, dentro dele lá na sua periferia. Num mundo totalmente machista e que desconsiderava o feminino, Deus põe os olhos em Maria. Mulher atenta aos desígnios de Deus e totalmente aberta ao seu chamado. Será ela a mãe daquele que é esperado. O tempo da espera já vai terminando, o Salvador logo virá. Esta é a nossa grande certeza. Importa que esta proximidade do Natal, não venha significar algum relaxamento na atenção. Ao contrário, é hora de aumentar, mais ainda, esse estado de prontidão, que nos é trazido pelo Advento e assim nos colocar com grande generosidade e ânimo, para acolher o Menino Deus que já vem. Para nosso auxílio e apoio neste intento a Igreja nos chama, nesse quarto domingo do Advento, a olhar para aquela que é totalmente atenta ao Senhor. Deus é seu foco, Maria não se dispersa. Seu sentimento é de plena união com o Senhor, os pensamentos que lhe povoam a mente, mesmo que sem compreender bem o que está se passando, são de confiança no Pai. Esta postura existencial, faz com que sua vida seja generosa resposta, ao Amor recebido do alto. Maria é exemplo concreto de carinho e cuidado, na acolhida do Menino Jesus. Deus já vem e para mais senti-lo, nada melhor do que o contemplarmos desde a sua concepção, Lucas nos mostra, de uma maneira bem singela e até poética, este dia tão especial no qual, a partir do sim da criatura, o criador pôde vir até nós. Para que melhor entendamos o significado profundo desta cena em Nazaré, Santo Inácio de Loyola nos sugere voltar o olhar, até uma etapa anterior a esta, que nesse domingo contemplamos. O convite dele é para que vejamos, com os olhos da imaginação, uma reunião da Trindade Santa lá no céu. Ela olha a Terra e se condói. A humanidade sofre. Está metida em inumeráveis confusões e pecados. É preciso fazer algo para salvá-la. Decidem então que o Filho seja enviado até ela. A Trindade não delibera mandar “Deus pronto”. Ele não virá, como muito bem poderia ocorrer, já adulto. Deus opta por se fazer criança, “igual a nós em tudo, exceto no pecado”, como nos lembra a Carta aos Hebreus. Nosso Salvador vem criança para aprender conosco, como qualquer bebê, a se tornar também humano. Para que este desejo de Deus se realize, será necessário que alguém, muito especial, acolha o seu próprio Filho no ventre aqui na terra. Esta pessoa é Maria. É bem fácil imaginar que ela, bem provavelmente, tivesse outros planos em mente. Mas o Senhor chega e ela, atenta à sua presença e chamado, irá deixá-los. Eles vão se colocando de lado na medida em que se coloca disponível para que o Senhor da sua vida, aja sobre a sua vontade. Esta ação de Deus a partir do sim de Maria, é que vai nos trazer o Salvador. Como Deus vem pequeno e frágil, não bastará que a Mãe lhe ceda o ventre, para que o Menino Jesus nos venha. Ele terá que ter muito mais do que isto na sua humanização, para que possa “crescer em graça e estatura”. Precisará de todo cuidado, educação e carinho, para que vá se tornando, entre nós esse homem perfeito na sua humanidade que Ele é. Um ser humano tão perfeito assim, lembranos o teólogo e também o poeta, só pode ser o verdadeiro Deus. Nas vésperas do Natal voltamo-nos para Maria, pois que é ela o primeiro e mais completo Natal jamais vivido pela humanidade. É preciso que se faça uma visita um pouco além da “varanda” deste mistério, para entender um pouco mais desse Maria como Natal. Ser a mãe de Deus, sem dúvidas que, muito mais do que privilégio, é resposta amorosa do Pai. Abertura plena e aceitação da sua filha, para assumir esta missão tão sublime e ao mesmo tempo complexa. “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a sua palavra”. Deus vem porque há Maria e ela lhe dá o seu sim. Nesse tempo de prontidão, para receber entre nós o Menino Jesus, indaguemo-nos o quanto estamos abertos para acolher, da mesma forma que a Mãe, nos nossos braços o Deus Menino que nos chega, como presente absoluto do Amor da Trindade Santa. Que não nos dispersemos nesse clima, tão inebriado pela festa comercial e mundana em que se foi transformando o Nascimento de Jesus. Há que se celebrar muito mais do que isto que vivemos à nossa volta. A festa é de encontro, mas é preciso que se esteja atento para aquele que o promove. Pistas para reflexão: - A quantas anda a minha disponibilidade para Deus? - Sinto-me em prontidão para acolher o Menino que já vai chegar? - Acolho em mim a vida que Deus me dá diariamente? Missa da Noite do Natal de Jesus Há paz na terra. Deus está conosco! Aconteceu que, naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra. Esse primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal. Por ser da família e descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria. Naquela região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. Um anjo do Senhor apareceu aos pastores, a glória do Senhor os envolveu em luz, e eles ficaram com muito medo. O anjo, porém, disse aos pastores: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura”. E, de repente, juntou-se ao anjo uma multidão da coorte celeste. Cantavam louvores a Deus, dizendo: ‘’Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados”. Lc. 2, 1-14 A cena nos mostra um casal pobre, a mulher grávida já sentindo as contrações que prenunciam o parto, o marido aflito querendo arrumar lugar, onde possa nascer seu filho, a cidade estranha e as portas que se vão fechando para que a criança pudesse nascer, com cuidado e mais do que isto, dignidade. Vão de casa em casa e não encontram guarida. O menino acaba vindo à luz na periferia da periferia, num estábulo de animais. Aquele que é grande experimenta na própria carne o que é ser excluído. Deus chegou. Ele veio pobre e frágil e por isto muitos não o reconheceram. Que saibamos vê-lo em toda criança pobre e desamparada do mundo. Daremos glória a Deus nas alturas pela chegada do seu Filho, na medida em que cuidarmos da vida ameaçada à nossa volta. A espera do povo de Deus termina em noite abençoada e de grande júbilo. Jesus enfim nasce em Belém da Judéia. Nosso Deus é gente como a gente. Criancinha frágil que, como tantas outras através de todos os tempos, sentiu as dificuldades de se nascer (e viver), quando não se é parte das classes mais privilegiadas da sociedade. Deus está conosco, Emanuel, o esperado Salvador já vive na Terra. Aquela gente aguardava um messias forte e cheio de poder, com estratégias de ataque e defesa para libertá-los, principalmente do jugo romano, mas há na chegada de Jesus um paradoxo. O Deus que nos chega é uma criancinha frágil, nascida na periferia e pior ainda, em ambiente inóspito, eis que não havia por lá espaço para acolhê-lo. Na verdade sabemos todos que é falsa a inexistência de tal espaço. Isto por, pelo menos, duas constatações que facilmente podem ser comprovadas. Uma diz que sempre é possível que se caiba mais um, quando o coração está aberto para acolher. A outra é que não havia espaço porque lhes faltava dinheiro. Por mais cheias que estivessem as casas e estalagens, com dinheiro na mão sempre se arrumaria um jeito de se ser hospedado. Não sejamos ingênuos quanto a isto. Deus vem e não é reconhecido pelos dignitários do seu povo. Nenhum sacerdote, levita, doutor da lei, ou algum tipo de autoridade soube de imediato do seu nascimento. Ele chegou em meio aos pobres, já passando a todos nós o recado de que possui, desde a encarnação em Nazaré e o nascimento, uma especial predileção pelos pequeninos e abandonados. O Menino Deus que chega envolto em trapos é de imediato reconhecido, por aqueles que a sociedade religiosa da época sente dificuldades de reconhecer. Pessoas com os quais os líderes tinham mil reservas como, por exemplo, os “pastores de Belém”. A tradição foi fazendo com que víssemos nos pastores, primeiro porque Jesus utiliza com ênfase e muita propriedade a imagem do bom pastor e segundo porque é bucólico se criar a imagem de pastores e ovelhas, inseridos num ambiente rural. A dura realidade não era bem assim. Essa não era uma profissão que contasse com olhares de beneplácito. Além de não cumprirem os preceitos da Lei. Era-lhes impossível cuidar do gado e ao mesmo tempo atender aos tantos preceitos e regras emanados desde o Templo. Por conta disto eram considerados impuros, estando assim à margem da religião oficial. Eles não eram também muito queridos porque seguiam com bastante liberdade, os caminhos que os levavam rumo aos bons pastos, para suas ovelhas. Com isto não era raro que invadissem propriedades para dar de comer, ou mesmo oferecer água ao rebanho. Isto fazia com que a fama deles não fosse das melhores nas cidades e nos campos. Até aqui o que vimos é relato piedoso e poético, que contemplamos inserido num tempo que, além de ir muito distante, está dentro de uma cultura e realidade totalmente diversa da nossa. Permanecendo apenas no que nos é contado por Lucas, em seu Evangelho da infância, sem dúvidas que teremos assunto e mesmo emoção suficiente para a celebração do Natal. Mas será que isto será suficiente? Certamente que esta simples contemplação do nascimento não é bastante para quem quer algo mais profundo e significativo. É preciso dar um salto no tempo e no espaço para trazer, aquilo que aconteceu há dois mil anos, para a realidade concreta do nosso bairro, cidade e país. Atualizar o Natal para o aqui e agora é contemplar Jesus nascendo, em meio às dificuldades dos pobres e excluídos das cidades e nelas, principalmente, daqueles que estão vivendo em suas periferias. Olhar o Menino Deus dormindo na manjedoura requer uma contemplação mais ampla e que envolva a vida, com suas alegrias, sofrimentos e dificuldades dos pequenos e excluídos. Esse olhar maior não poderá ser estéril. Ele deverá gerar compromisso com eles. Para o seguimento de Jesus não basta somente olhar o pobre e se condoer dele. É fundamental nesse olhar o exercício da compaixão. É ela que nos transformará o coração para que reconheçamos Jesus todos os dias desse ano que daqui a alguns dias irá começar. Pistas para reflexão: - O que trago de presente ao Menino nesse Natal? - O que há nele de diferente a partir da preparação que fiz para vivêlo de forma mais significativa? - Quais, ou mesmo que “Meninos Jesus” estou sendo convidado a contemplar na minha vida? Natal de Jesus Missa do dia Ele se faz um de nós para que sejamos mais humanos No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus. No princípio estava ela com Deus. Tudo foi feito por ela e sem ela nada se fez de tudo que foi feito. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la. Surgiu um homem enviado por Deus; Seu nome era João. Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz: daquele que era a luz de verdade, que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano. A Palavra estava no mundo - e o mundo foi feito por meio dela - mas o mundo não quis conhecê-la. Veio para o que era seu, e os seus não a acolheram. Mas, a todos que a receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus isto é, aos que acreditam em seu nome, pois estes não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do varão, mas de Deus mesmo. E a Palavra se fez carne e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória, glória que recebe do Pai como filho unigênito, cheio de graça e de verdade. Dele, João dá testemunho, clamando: 'Este é aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim passou à minha frente, porque ele existia antes de mim'. De sua plenitude todos nós recebemos graça por graça. Pois por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo. A Deus, ninguém jamais viu. Mas o Unigênito de Deus, que está na intimidade do Pai, ele no-lo deu a conhecer. Jo 1, 1-18 Havia um homem com uma vontade tremenda de conhecer a Deus. Uma noite, ele sonhou estar no comando de uma nave estelar e nela voava pela imensidão do cosmos. Lá do alto então então, conseguiu ver um pedacinho do mistério de Deus. Na imensidão do universo ele pôde sentir que no princípio era o Verbo e que a vinda dele enchia de sentido toda a humanidade. Hoje é dia de grande festa. Deus olhou para o mundo e nos enviou seu Filho amado, para estar conosco. Alegremo-nos pois que Ele está presente entre nós. Deus se faz homem para que possamos nos aproximar dele. Não fosse isto haveria um abismo intransponível entre as criaturas e o Criador. Não seria possível nenhuma forma de contato da nossa parte para com Ele. É que na miséria e pequenez humana, diante da sua imensidão infinita, não saberíamos nos comunicar com a maravilha do amor e misericórdia que emanam do coração da Trindade. Deus, acaso não tivesse vindo, a comunicação se daria somente de cima para baixo, ou seja, Ele falaria conosco, mas não conseguiríamos, definitivamente, respondê-lo. Com a sua humanização a divindade se coloca no nosso nível (“igual a nós em tudo, exceto no pecado”, afirma-nos a Carta aos Hebreus) tornando possível não somente a nossa aproximação dele, mas mais ainda, a possibilidade de, como seus filhos, irmos também nos santificando. É verdade, Deus se faz humano para que busquemos nos tornar santos, ou dito de outra forma, Ele se faz gente para que nós possamos nos divinizar. Afinal ser santo nada mais é do que cumprir a vocação cristã. Não nos esqueçamos de que em toda Eucaristia proclamamos que Santo é o Senhor. Ser santo é tornar-se mais humano. Quanto mais humanizados estivermos mais divinos seremos, com toda certeza. A Igreja hoje nos traz o início do Evangelho de São João. Vejamos que bonito ela nos propõe. Enquanto ontem à noite éramos convidados a um olhar “micro”, ou seja, contemplamos o Menino Jesus nascido na periferia de Belém numa manjedoura, hoje somos lançados por esta mesma liturgia a um olhar totalmente diferente. O ponto de vista Joanino é “macro”, é como se nos levasse até a imensidão do cosmos para, lá do alto, admirarmos a grandiosidade da encarnação. Das “alturas do universo” somos chamados a contemplar a criação toda. Antes dele, durante a sua vida entre nós há dois mil anos, hoje e também no amanhã. A encarnação de Jesus une num só momento passado, presente e futuro. Notem como o Natal que João nos propõe quer nos alargar ao máximo a visão. Propõe-nos contemplar Deus na imensidão da sua realeza e poder. Então, lá das alturas, com os olhos da imaginação, veremos que “no princípio era o verbo e que ele se faz carne e vem habitar entre nós”. Dois pontos de vista totalmente diferentes, mas nunca antagônicos. O nascimento nos Evangelhos sinóticos, quer nos fazer ver a realidade específica do Menino se humanizando. Já a tradição joanina quer que reflitamos na encarnação, deixando de fazer valer as variáveis de tempo e espaço. nas quais estamos acostumados a refletir. As visões de João e dos sinóticos são complementares. Muda somente o ponto de vista através do qual a cena está sendo observada. Deus agora se dá a conhecer. A luz anunciada pelo Batista ilumina a todos e todas. Deus é fiel e em Jesus a sua palavra se cumpre plenamente. O Primeiro Testamento ganha novo sentido e sabor. Jesus vem nos revelar quem é realmente o Pai. Ele é todo Amor e misericórdia e, não se contentando com isto, quer nos mostrar mais: O Pai é Abba, numa linguagem infantil e carinhosa, algo como Papaizinho. Deus se dá a conhecer para que nós o conheçamos, mas não se trata só disto. É também para que tomemos consciência da imensa dignidade que estamos investidos. Somos na realidade seus filhos e entre nós veio morar aquele a quem buscamos seguir: o Filho. Jesus é a Luz que vem não somente para iluminar as realidades externas, mas principalmente o interior humano. Deus se faz um de nós para que nos libertemos das nossas paixões voltadas para o escuro do eu e saiamos rumo ao foco que Deus põe, para nos levar na direção do outro. Deus vem para colocar luz em nossos corações. Pistas para reflexão: - Deus está conosco. Em que isto modifica o meu amanhã? - Sinto Deus como a Luz que me mostra o caminho da vida? - Como observo este Cristo a partir do olhar cósmico que me é sugerido por João? Solenidade da Santa Mãe de Deus Maria, Rainha da paz, guardava os acontecimentos meditandoos no coração Eles foram depressa, e encontraram Maria e José, e viram o menino deitado na manjedoura. Então contaram o que os anjos tinham dito a respeito dele. Todos os que ouviram o que os pastores disseram ficaram muito admirados. Maria guardava todas essas coisas no seu coração e pensava muito nelas. Então os pastores voltaram para os campos, cantando hinos de louvor a Deus pelo que tinham ouvido e visto. E tudo tinha acontecido como o anjo havia falado. Uma semana depois, quando chegou o dia de circuncidar o menino, puseram nele o nome de Jesus. Pois o anjo tinha dado esse nome ao menino antes de ele nascer. Lc. 2, 16-21 A mãe acabara de dar à luz o primeiro filho. Irradiava felicidade. Para tê-lo sofrera muito. Faltaram médicos no pré-natal e vagas não havia nas maternidades para o parto. Marido trabalhava nas ruas como camelô e ela era diarista em casas do bairro vizinho. Sobreviviam num barraco em meio a uma favela envolta em um círculo vicioso: falta de oportunidades, violência e drogas. Apesar disto ela tinha lindos sonhos para a sua criança. Via-o como grande ser humano. Líder capaz de transformar aquela comunidade, sendo gerador de paz e justiça para todos. Ao falar dessas expectativas com os médicos e enfermeiras, acabou banhada por um tanto de "baldes de água fria". Pôde sentir claramente que não acreditavam em suas esperanças para o bebê que agora amamentava. Optou então por guardar os sonhos no coração. Todo nascimento é gerador de muita esperança e essa, geralmente, inicia-se a partir da mãe. Ela, por piores que sejam as condições de vida a serem enfrentadas e as previsões “oficiais” para o seu filho, irá imaginá-lo superando barreiras. Alguém muito maior do que a dura realidade costuma indicar. Contemplemos Maria e seus sonhos para o Menino. Por maiores que fossem, sem dúvidas que haveriam de ser ainda bem pequeninos, diante da grandiosidade da vida futura do seu bebê. Aquela criança que trouxera ao mundo e que, agora amamentava, era nada mais nada menos, do que o Filho de Deus. Muitas outras crianças nasceram naqueles dias. Todas, com certeza, portadoras de sonhos e olhares bem bonitos das suas mães e pais. Quantas dentre elas tiveram essas belas expectativas realizadas? Podemos imaginar que algumas devem ter sido pessoas especiais. Outras, a maioria quem sabe, não fizeram grande diferença no mundo, mantendo o mesmo jeito de ser dos seus pais e avós. Pode ser até, e isto é triste, que alguns se tornaram especiais e fizeram diferença pelo lado avesso. Criaram-se tornando-se gente má e até causa de tristeza e vergonha para os pais. Aproximemos a cena da realidade de hoje. Relembremos aqueles que nesse ano, agora findo, foram considerados por nós como “os piores”: ladrões, assassinos, corruptos, radicais violentos, drogados, terroristas... Não nos interessa aqui o motivo que faz com que os vejamos assim, reparemos como a lista é melancólica e dolorida. São os componentes da nossa lista dos horríveis do ano. A cena fica ainda mais triste, caso contemplemos os dias dos seus nascimentos. Neles veremos gente, a começar das mães, vibrando de alegria e de esperança, com aquelas vidas que puseram no mundo e que hoje nos assustam, nos enojam e nos entristecem, causando-nos sentimentos de baixa esperança e mesmo de medo e angústia. É aí que podemos nos dar conta de um dos grandes pecados do mundo: o descuidado com as crianças e jovens. A desatenção com a educação, com os valores, a moral, a solidariedade e a justiça. Este descaso, acaba por fazer com que muitos acabem não “dando em nada”, ou pior ainda, “dando em coisa ruim”... A gente que nos tira o que celebramos hoje: a paz. E reparem que não estamos tratando aqui somente daqueles oriundos de classes menos privilegiadas do ponto de vista econômico e educacional... Tivessem tido boas oportunidades, quantos desses dirigentes famosos do tráfico nas grandes cidades, não estariam utilizando sua liderança e inteligência a serviço do bem, como suas mães sonharam quando dos seus nascimentos? Tivessem recebido e assumido Valores, quantos desses dirigentes famosos, corruptores e corrompidos, não estariam utilizando suas competências e inteligências na construção do bem comum, como suas mães sonharam quando dos seus nascimentos. Vale refletir então, a partir dos sonhos de Maria, daquilo tudo que que falavam do Menino, sobre a nossa responsabilidade na criação da paz. É preciso tomar consciência de que ela não chegará grande e muito menos como prodígio imenso, capaz de transformar o coração dos violentos, a começar dos maiores dirigentes do planeta. A paz chega pequenina, diria até que nesse sentido no qual a estamos olhando, ela vem de maneira individual. Verdade que não costumamos falar em “pazes”, mas em paz. Ela é construção de cada um, na medida em que esse ser vá se tornando mais humano. Humanizar-se é promover, a partir da vivência pessoal, a paz. Não se conseguirá gerar paz alguma em volta, se vivemos em guerra conosco mesmos. Se não nos aceitamos, nem buscamos crescer como pessoas, nada feito. A violência interna do coração transbordará. A paz é fruto da constante conversão. Por isto, para realizá-la é preciso atenção e abertura para a mudança. Aquele que se acomodou e se vê “pronto”, ou “bom” para a vida será incapaz de irradiá-la. Neste primeiro dia do ano, haverá bastante gente a pedir a Deus em suas orações, para trazer paz e fraternidade ao mundo. Será que é assim que devemos fazer? O propósito nosso, de cristãos, deve posicionar-se além. Será o de trabalhar para que, a partir de cada um, esta nova realidade se faça presente. O pedido então a ser feito é outro: Que Ele nos dê a força e a coragem de sermos pacíficos e assim trabalharmos pela paz, sendo geradores de maior fraternidade. Amém. Pistas para reflexão: - Como tenho construído a paz? - Sou solidário e apoio, concretamente, os sonhos das mães pobres em relação às suas crianças? - Estou em paz comigo mesmo? O que falta em mim para ser pacificado? Epifania do Senhor Deus se manifesta e nos põe a caminho Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. E perguntaram: «Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.» Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele. E, reunindo todos os sumos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: «Em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades da Judeia; porque de ti vai sair o Príncipe que há de apascentar o meu povo de Israel.» Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exatas sobre a data em que a estrela lhes tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse-lhes: «Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do menino; e, depois de o encontrardes, vinde comunicar-me para eu ir também prestar-lhe homenagem.» Depois de ter ouvido o rei, os magos puseram-se a caminho. E a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o menino, parou. Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria; e, entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonhos para não voltarem junto de Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho. Mt. 2, 1-12 Era uma vez, em terras pra lá de distantes, umas pessoas que gostavam muito de estudar o céu. Passavam as noites claras reparando nas estrelas e admirando seus movimentos. Um dia notaram a presença de novo astro. Aquele era diferente de todos os outros. Sem dúvidas que a sua chegada indicava algo muito importante. Ao vê-lo, a cada noite, notavam que se movimentava e foi aí que resolveram segui-lo. Quando disseram desse desejo para a gente da cidade muitos, a grande maioria talvez, lhes disseram que eram doidos. O fato é que não deram ouvidos a esses comentários e foram em frente. Armaram uma caravana, com aqueles conterrâneos que também, como eles, viam na aparição um sinal de Deus e se puseram a caminho. Dela participaram homens, mulheres e também várias crianças. Aliás, foram elas que sugeriram os presentes a serem levados: ouro, incenso e mirra. Do dinheiro para adquiri-los havia também as moedinhas que guardavam. Os adultos da romaria ficaram impressionados com a capacidade que os mais jovens mostravam de seguir a Estrela. Como só uns poucos dentre eles, os líderes, foram ter com Herodes, ficou-se com a impressão de que eram eles somente os que buscavam a tal Estrela de Belém, mas aquela caravana especial era bem grande. No caminho difícil sentiam que a Estrela muito os animava. Ela nao deixava que se cansassem e nem tivessem dúvidas sobre quem iriam encontrar lá adiante. Ao vê-los passar as pessoas se perguntavam quem eram aqueles que seguiam tão alegres. A resposta que ouviam é que ali iam os "peregrinos loucos para seguir a Estrela". Havia algo de diferente no ar e alguns homens de muita sabedoria o pressentiram. A verdade é que as maravilhas dos céus não permanecem ocultas, para aqueles que estão atentos à presença de Deus entre nós. Eles sentiram e não ficaram parados. Saíram da sua terra e foram em busca daquilo, que sabiam ser algo extraordinário, que iluminaria e iria gerar alegria, transformando totalmente, não somente as suas vidas, mas também a da humanidade. Deus estava chegando e era necessário se colocar em marcha. Deus se manifesta para nós. É preciso atenção aos seus sinais, eis que Ele não vem com pompas e circunstâncias, nem anunciado por faixas, anúncios na TV, jogos de luzes, trombetas e tambores dos exércitos. Ele se aproxima de maneira sutil e delicada, e Mateus nos mostra neste domingo o que acontece às pessoas que o sentem chegar. São sábios, gosto de pensar assim, não porque sejam mais inteligentes que os outros, mas porque reparam nos sinais de Deus e partem ao seu encontro. A cada um de nós, a sua chegada também irá provocar esta reflexão ou, melhor dizendo, discernimento que nada mais é do que o uso da sabedoria, para interpretar os sinais e colocar-se em movimento. Deus nos vem e quando acontece sua chegada não se consegue permanecer indiferentes e quietos. Ele é tremendamente provocante. Nesse Evangelho podemos observar esta inquietação, através de três movimentos básicos, em todo aquele que consegue observá-lo no coração. A desinstalação. A sua chegada é geradora de mudança. Tira-nos do lugar em que estamos, move-nos da zona de conforto, à qual estamos acostumados, e leva-nos para outros espaços, independendo do local (próximo ou longe) onde se esteja. Deus é eterno gerador de movimento. Nesse caso vemos homens sábios que partem de lugares distantes para atender o chamado de Deus. Sentir que Deus chegou e não se colocar em atitude de prontidão para acolhê-lo, é o mesmo que não aceitá-lo. Não se recebe Deus acomodado. Os magos notaram ser aquele um tempo privilegiado e se sentiram convidados para participar dele. Saem então da sua terra e põem-se à caminho, para o encontro maior das suas vidas em Belém. Cabe a cada um se perguntar: Onde é esta “Belém” na qual Deus quer se manifestar para mim? A segunda intuição que gostaria de refletir com vocês diz respeito à comunidade. Não se busca Deus sozinho. O encontro com Ele, se dará sempre de modo muito pessoal, mas Ele se busca comunitariamente. Não é um mago que vem buscar o Senhor, da mesma maneira que não foi somente um pastor que chegou até Ele. Ao se colocarem no caminho de Jesus, os sábios do Oriente se fazem primeiro comunidade. É dessa forma que vão até Belém para o encontro com o Senhor das suas vidas. Ao encontrá-lo irão adorá-lo oferecendo a Ele, através dos presentes que trazem, as suas vidas. Aqui também se coloca para nós uma segunda pergunta: Coloco-me a caminho de Deus em comunidade? Ou sigo tateando sozinho tentando achar sua direção? A terceira percepção é a da luz e da alegria. Os magos seguem uma luz. Deus é constante luz a nos indicar o melhor caminho. A verdade é que a luz de Deus é que impede que a gente se perca e caia no “buraco negro” da solidão, ou escuridão (trata-se da mesma coisa) absoluta. Deus é luz que vem, mas é preciso atenção, pois que Ela se coloca entre os tantos outros brilhos existentes por aí. É preciso diferenciar a verdadeira Luz daqueles que são simples reflexos. Para ajudar nesta diferenciação é possível usarmos o critério da alegria espiritual. Ao verem a estrela os magos sentem uma grande alegria. Deus provoca-nos consolações. Quando Ele vem iremos nos sentir, mesmo que em meio a problemas: alegres, corajosos, abertos, animados, verdadeiros, perseverantes, pacíficos, justos, pacientes... Daí que poderemos fazer-nos uma última pergunta a respeito desse Evangelho: Vivemos na alegria da luz, sentimo-nos consolados? Ou estamos em meio às sombras? Pistas para reflexão: - Onde é esta “Belém” na qual Deus quer se manifestar para mim? - Coloco-me a caminho de Deus em comunidade? Ou sigo tateando sozinho tentando achar sua direção? - Vivemos na alegria da luz, sentimo-nos consolados? Ou estamos em meio às sombras? Festa do Batismo do Senhor “Tu és o meu filho amado, em ti ponho todo o meu bemquerer” João Batista pregava, dizendo: 'Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo.' Naqueles dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia, e foi batizado por João no rio Jordão. E logo, ao sair da água, viu o céu se abrindo, e o Espírito, como pomba, descer sobre ele. E do céu veio uma voz: 'Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bemquerer.' Mc. 1,7-11 Havia, num tempo bem remoto, um homem especial. Alguém de uma simplicidade e sabedoria a toda prova. Aprendera a viver com o mínimo necessário e era desse jeito que se sustentava. Ele, para mostrar que as pessoas eram tremendamente consumistas e pouco profundas, nunca se contentando com o que tinham, decidiu viver no deserto. Lá, em meio à secura e espinhos, foi que reparou no quanto pecadores somos. Um dia, este homem, na verdade um profeta, voltou à cidade. Veio com três objetivos: denunciar, com o seu modo de vida, que andávamos equivocados; anunciar pela sua boca, que algo de muito importante estava para acontecer e também batizar o povo, libertando-o dos seus pecados. Este homem, que só tinha olhos para o futuro, vivia na expectativa de que Deus estava vindo para a humanidade. Um dia, enquanto pregava e batizava na beira de um rio, viu chegar aquele que tanto esperava... O homem agora sentia ter realizado a sua missão. A salvação estava acontecendo ali diante dele. Nosso Deus é o Deus das surpresas. Será que só delas? Acho que mais ainda. Nosso Deus, além das surpresas, tem horas que nos escandaliza. Usemos da imaginação e criemos a hipótese, maluca, de estarmos numa sociedade que muito pouco conhecia de Deus e nada sabia sobre Jesus. Imaginemos então que nela, alguém bastante piedoso e estudioso das coisas do céu, desse o seguinte palpite: “olhem, venham cá me ouvir, trago-lhes uma novidade. Imagino que Deus, ao se encarnar no mundo, será batizado por um simples humano às margens de um rio”... Alguém teria dúvidas de que tal pessoa seria chamada de louca e mesmo de blasfema? Diriam então para ela: “como é que pode imaginar que o todo poderoso, o todo puro, o todo bom será batizado por alguém, que pouco tem de poder, bem pequena é a sua pureza e é possuidor de uma bondade humana, quer dizer, ainda impregnada de egoísmos, como a gente?” Nada mais, nada menos do que isto é o que veio a acontecer na beira do Jordão. O Todo Poderoso, o Filho de Deus, o Senhor do Universo, abaixa a cabeça para ser batizado por um homem simples e rude, vindo do deserto. Jesus entra na fila dos pecadores para ser batizado e isto é algo paradoxal e mesmo causador de escândalo. Onde já se viu um homem batizar Deus? João Batista, profeta, tem essa percepção e é por conta dela que diz ser incompetente e indigno até para abaixar e desamarrar as suas sandálias. Trata-se disto o que celebramos neste próximo domingo. Naquela hora tão incrível, quando Jesus atendendo à sua vocação, dá início à missão de nos salvar, os céus se rasgam e Deus se manifesta. Interessante, que, no final da sua vida, veremos algo semelhante. Ao morrer na cruz, não mais será o céu a se rasgar, mas o véu do Templo é que estará rompido. Mesmo parecendo tratarem-se de eventos distantes entre si, batismo e paixão se encontram, de variadas formas, bastante próximos. Ser batizado deve significar, também, que se está aberto para o acolhimento, com amor, da cruz que a vida se nos apresentar. Deixemos lá fora a cena do distante Jordão e caminhemos, até outra, bem mais próxima, acontecida um dia na vida de cada um de nós. Que tal aproveitarmos a festa do batismo do Senhor, para imaginarmos o nosso? Possivelmente, alguns de vocês que me acompanham, foram batizados já em idade das lembranças e da razão. Conto-lhes que sinto certa inveja de quem assim o foi, eis que podem se recordar, sem fazer maiores esforços, da cena do próprio batismo. Para esta contemplação algumas coisas poderão ser úteis: as lembranças que por acaso tenho guardadas desse dia (roupas, santinhos, a vela, o certificado...); as conversas que posso ter com os mais velhos que fizeram parte da cena (caso ainda estejam conosco); as fotos do evento, ou mesmo uma visita à Igreja na qual ocorreu a celebração... De vez em quando valerá a pena uma visita, com os olhos da imaginação, a esta cena. Trata-se de um dia muito importante na nossa vida, aquele no qual transpusemos a porta oficial do seguimento do Nosso Senhor. Lembro-me de que um amigo me mostrava a gravação, nas costas do seu crucifixo levado no peito. Lá constavam além do seu nome, a data do nascimento e o dia do batismo. E me dizia serem aquelas duas as datas mais importantes na sua existência. O dia em que veio ao mundo e aquele no qual nasceu para Deus. Pistas para reflexão: - O que sei do meu batismo? - Que diferença faz na minha vida o fato de ser batizado? - Quem foram os profetas que, como João Batista, me apresentaram o “Cordeiro de Deus”? - Em que dia fui batizado? 2º Domingo do Tempo Comum Jesus nos convida à sua casa João estava de novo com dois de seus discípulos e, vendo Jesus passar, disse: "Eis o Cordeiro de Deus!" Ouvindo essas palavras, os dois discípulos seguiram Jesus. Voltando-se para eles e vendo que o estavam seguindo, Jesus perguntou: "O que estais procurando?" Eles disseram: "Rabi (que quer dizer: Mestre), onde moras?" Jesus respondeu: "Vinde ver". Foram pois ver onde ele morava e, nesse dia, permaneceram com ele. Era por volta das quatro da tarde. André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram a palavra de João e seguiram Jesus. Ele foi encontrar primeiro seu irmão Simão e lhe disse: "Encontramos o Messias" (que quer dizer: Cristo). Então André conduziu Simão a Jesus. Jesus olhou bem para ele e disse: "Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado Cefas" (que quer dizer: Pedra). Jo 1, 35-42 Dois jovens seguiam perdidos pelo mundo. Em muitas coisas buscaram sentido para a vida e em nenhuma delas encontraram a felicidade. Foi então que ouviram falar de um homem especial, que ficava à beira de um rio. Diziam que ele apresentava, a todos que dele se aproximavam, um projeto de vida dando real sentido à existência. Foram ter com ele, mas logo concluíram: Aquele homem não seria capaz de preencher às expectativas dos seus corações. É que, depois de terem ouvido tudo que aquele mestre lhes tinha para dizer, sentiam-se ainda incompletos. Faltava o essencial e o desânimo ia retornando aos seus corações. Foi então que notaram como o profeta ficara alvoroçado, ao ver um homem a passar por perto. Rápido apontou-o aos dois, dizendo ser aquele a quem deviam seguir. Eles foram imediatamente e notaram que a busca tinha terminado. Ali estava o Senhor de suas vidas. Depois de termos, durante o Advento, seguido pela beira do Jordão com João Batista, vamos de novo reencontrá-lo neste início do Tempo Comum. João Evangelista traz-nos novamente o Batista. Vamos vê-lo neste domingo continuando sua pregação, enquanto esperava pelo Messias. Imediatista como somos, podemos imaginar neste episódio, haver certa tensão. Num dos polos estão os discípulos de João, ansiosos, querendo ver o Cristo que não chegava. No ponto oposto, iremos encontrar o Batista, sentindo-se pressionado por eles, a perscrutar o horizonte na expectativa de enxergar, enfim, o Cordeiro de Deus se aproximando. Daí que fica fácil contemplar, na continuidade da cena, a alegria dele ao apontar Jesus aos seguidores. É como se sentisse realizado. O consolo deve ter sido grande no coração, ao identificar aquele que viria cumprir as profecias. Ele não tinha se enganado. O Batista então era só sorriso. João não se limita a apontar para Jesus. Ao mesmo tempo, envia seus dois discípulos para que o seguissem. É bonito e sem dúvida bem significativo para o nosso seguimento, ver o profeta abrindo mão da sua liderança, em favor da de Jesus. Há que se tomar cuidado com uma certa tentação que há por aí. Às vezes, pode-se encantar tanto por alguém que nos aponte o Senhor, que acabamos seguindo-o e não a Jesus. Não é raro observarmos haver gente a seguir, não a Jesus, mas àqueles que apontam para Ele. Algumas espiritualidades e formas de devoção aos santos mostram-nos este tipo de engano. É algo que me chama a atenção, nessa parte do relato, o fato de que o Batista manda que sigam a Jesus, mas ele próprio, aquele que era de fato, quem vivia a expectativa mais alta quanto à sua chegada, permanece pregando à beira do rio, apontando também para outros o Cordeiro de Deus. Este fato vem enfatizar ainda mais as diferenças entre João e Jesus ou, dizendo de outra maneira, entre o Antigo e o Novo Testamento. O último profeta do Primeiro Testamento permanece nele. João Batista não realiza o salto para o Novo. Ele continua no Antigo, como a significar ser a velha testemunha, que se sente incapaz de incorporar a dinâmica do Amor e da Misericórdia, que está sendo trazida pelo Filho de Deus. Pode ser que sigamos Jesus com intenções diferentes, dessas relativas ao Amor e à Misericórdia. É possível que o sigamos por tradição, quem sabe para sermos mais bem aceitos e acolhidos na sociedade, ou até por medo. Por isto, ao nos ver a segui-lo, Ele nos fará a pergunta: “O que estais procurando?” No respeito absoluto que Deus tem com a liberdade humana, cabe verificar se os nossos motivos são condizentes, com aquilo que Ele tem a nos oferecer. E para que chequemos se o que buscamos está realmente em sua casa, Jesus nos convida a estar com Ele. É muito agradável e consolador nesta hora, nos imaginarmos na residência de Jesus. Encontrar Maria e quem sabe José, caso ainda estivesse vivo... Mas nessa visita ao lar de Jesus, é preciso ir-se além da sua casa física. Este “Vinde ver” que Ele nos diz, convidando-nos em resposta, quer nos levar muito mais ao íntimo do seu coração. Jesus está a nos chamar: “Vinde ver como é o coração daquele que vocês querem seguir” Neste apelo poderíamos, talvez, refletir a respeito dos nossos planos, para o ano que há pouco se iniciou, cotejando-os com o que Ele nos quer mostrar. “Vejam como sou manso e humilde de coração; reparem como sou pacífico; notem a minha constante paciência; observem as maneiras como exerço a justiça; sintam como sempre estou aberto para acolher as pessoas, mesmo aquelas que costumam ser deixadas de lado por todos; olhem enfim como é grande a minha misericórdia.” Acolhamos com alegria o convite de Jesus, para visitar sua casa. Segui-lo significa entrarmos, cada vez mais na sua intimidade. Deixemo-nos afetar pelas maravilhas que saem do seu Sagrado Coração, pois sabemos que só Ele será capaz de preencher o nosso. Pistas para reflexão: - Quando pergunto a Jesus: “onde moras?” Para aonde Ele me quer levar? - O que quero dizer a Ele? - Como pretendo segui-lo neste novo ano? 3º Domingo do Tempo Comum O Reino de Deus está próximo. É preciso conversão para acolhê-lo Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o evangelho de Deus e dizendo: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos, e crede no evangelho!” E, passando à beira do mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus lhes disse: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens”. E eles, deixando imediatamente as redes, seguiram a Jesus. Caminhando mais um pouco, viu também Tiago e João, filhos de Zebedeu. Estavam na barca, consertando as redes; e logo os chamou. Eles deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados, e partiram, seguindo Jesus. Mc. 1, 14-20 Um povo, depois de sofrer demais sob o jugo de lideres exploradores, ansiava tremendamente por um soberano bom, que os fizesse livres. Um dia apareceu por lá, à margem de um rio, um homem dizendo que aquele rei bom, tão sonhado, estava bem próximo. E aquele profeta estava certo, eis que logo o novo rei surgiu. E eles coçavam a cabeça, eis que ele não era exatamente o que esperavam. Importa que lhes trazia linda novidade. Só que havia um problema. A mudança para o novo programa de governo, plendo de paz e justiça, requeria a transformação do coração de cada súdito. E aquela gente não queria mudança. A verdade do novo rei, e que permanece válida, é que, caso se permaneça sem mudar o rumo da vida, torna-se impossível perceber a beleza e a profundidade do novo Reino e dessa forma não se entra na sua dinâmica. Podemos observar no Evangelho deste domingo, a existência de três tempos, muito bem definidos. Ao percebê-los veremos a sua didática e poderemos assim, adentrar mais facilmente naquilo que o evangelista Marcos nos traz. Vejamos estas três etapas: O relato tem início contando-nos que “Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia pregando o Evangelho de Deus”. Este é o primeiro tempo. João Batista, aquele que batizava à Beira do Rio Jordão, chegando até a batizar o próprio Jesus, logo iria ser morto. Ao relatar-nos sua prisão é como se o evangelista quisesse nos dizer que o tempo de João Batista está encerrado. Ou dito de outra maneira, que o Antigo Testamento enfim se fecha. Chegou a hora de Jesus. A hora de Jesus é o segundo tempo desse trecho do Evangelho. Não há mais o Batista, os profetas do Antigo Testamento estão presos, ou mortos. O tempo agora é de pregar o Reino de Deus. Aí Marcos nos traz uma imagem plástica bonita, ao dizer que o “tempo já se completou”. Escrevendo assim ele nos faz imaginar o mundo, como se fora uma árvore e esta já tem seus frutos maduros. É chegado então o momento da colheita. O Reino está próximo e por isto é necessária a conversão. Nesse segundo tempo encontramos nesta pequena frase, as três palavras fundamentais para bem entendê-lo. Diferentemente de nós, o "Reino" era algo que não necessitava maiores explicações, para a gente contemporânea de Jesus. Para começar é bom nos lembrarmos de que eles viviam sob reinados. Ao falar de Reino de Deus, vinha-lhes logo à mente o contrário daquilo que viviam no dia a dia. Como Deus é todo poderoso na bondade, o seu reino só poderá ser algo muito bom. Oposto àquilo tudo que experimentavam. Aí é provável que se recordassem da imagem bíblica de Isaías (e que Jesus irá retomar), a dizer que quando da chegada do Reino “se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos...” A imagem do Reino de Deus lhes trazia um rei bom que fosse ter, ao contrário dos soberanos aos quais estavam acostumados, um olhar para o pequeno e empobrecido, resgatando-o, bem como também cuidasse dos doentes, livrando-os dos seus males. Estava claro para o povo da Bíblia dos tempos de Jesus, que o Reino de Deus seria trazido pelo Messias, para dar nova ordem à Terra. Nela a justiça e a paz estariam, a todo tempo, presentes. Outra palavra a ser observada é o adjetivo "próximo". É comum que o decodifiquemos muito mais pelo lado temporal. Sem dúvida que Marcos nos induz a este olhar, mas é preciso vê-lo a partir, também, da proximidade na dimensão espacial. O Reino está próximo porque ele está junto de nós e não somente porque está chegando a sua hora. A última palavra importante na frase é conversão. Se o Reino está se aproximando, estando perto no tempo e no espaço, não dá para recebê-lo nos corações sem que haja em nós uma mudança de vida. Não basta haver um novo rei trazendo outra forma de governar, se as pessoas também não se fizerem diferentes. Acaso não mudemos para acolhê-lo, esse reino não será capaz de se sustentar e transformar as estruturas de pecado, existentes nesses nossos reinos humanos. O Reinado de Deus só se realizará, Jesus já sabia disto, com a conversão de cada um a um novo projeto de vida. A conversão pregada por Jesus, para que se esteja capacitado a entrar na dimensão do Reino de Deus, é diferente daquela que, até há pouco, era cobrada pelo Batista, no seu batismo nas águas do Rio Jordão. João exigia a conversão ainda na dinâmica superada do Primeiro Testamento. Jesus, diferentemente, nos traz a conversão do Amor. Será através da Caridade que conseguiremos perceber a presença, no meio de nós, da novidade do Reino. Por fim, chegamos ao terceiro tempo da narrativa de Marcos. Para que o Reino se faça e se multiplique, é fundamental que tenhamos gente pronta, já convertida, a trabalhar por ele. Daí vem a necessidade concreta dos discípulos. Enquanto prega, Jesus convoca gente para a obra de Deus. Ele estava à beira do Lago e aquele era lugar de pescadores. Daí que usa a expressão ,que para eles era claríssima, e que para nós também não traz dificuldades, permanecendo bastante significativa: A transformação de pescadores de peixes, em pescadores de pessoas. Esse é o chamado que também a nós é feito. Jesus não convocou apenas no seu tempo de vida entre nós. Ele continua passando e nos convidando, para que também o sigamos como seus “pescadores”. Há várias maneiras de chamados e o que nos interessa mais aqui, como leigos que somos em grande maioria, é vermos que a convocação que nos é feita, é para que sejamos discípulos missionários nas situações concretas da existência, por cada um já assumidas. O chamado é para que evangelizemos a realidade à volta. Não sendo necessárias viagens e muito menos que nos embrenhemos em mosteiros. Há muito a realizar nas proximidades da vida de cada um, mostrando àqueles que vivem mais perto, que o Reino já se faz presente no meio de nós e que é preciso que se mude de vida para acolhê-lo. Reparemos que essa conversão ocorrerá a partir do exemplo que dermos. Acaso preguemos o Reino e não formos pacíficos, ecumênicos e abertos para acolher o diferente; que sejamos justos, pacientes, alegres...; como iremos querer que entendam que o Reino é uma realidade, que vale a pena ser investida? Pistas para reflexão: - Sinto a proximidade do Reino? Ele já acontece na realidade da minha vida? De que maneiras? - Em que aspectos da vida sou chamado à conversão? - Sou discípulo missionário na minha realidade de família, amigos e comunidade? 4º Domingo do Tempo Comum Jesus me ensina com autoridade, para que me torne autor da minha vida Foram à cidade de Cafarnaum e, no sábado, Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar. As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei. Nesse momento, estava na sinagoga um homem possuído por um espírito mau, que começou a gritar: «Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!». Jesus ameaçou o espírito mau: «Cale-se, e saia dele!». Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu dele. Todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: «O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade... Ele manda até nos espíritos maus e eles obedecem!». E a fama de Jesus logo se espalhou por toda parte, em toda a redondeza da Galileia. Mc. 1, 21-28 Aquelas pessoas viviam confusas. Em casa ouviam umas coisas. Nas revistas liam outras. Os telejornais sutilmente lhes queriam fazer observar a realidade de diferentes jeitos. Elas não sabiam em que acreditar e a quem seguir. Foi então que conheceram alguém que lhes ensinava com autoridade. Viram que Jesus os queria plenamente livres. Sendo autoridades das suas próprias vidas. A partir daí passaram, antes de tomar decisões, a refletir primeiro sobre os fatos a serem discernidos nos seus corações. Eles se faziam as seguintes perguntas: O que é ser autor da minha vida nesta hora? O que faria Jesus acaso estivesse no meu lugar? Neste início do Tempo Comum Marcos, como um bom repórter, vai mostrando para os seus leitores, como era Jesus. Seu Evangelho ajuda-nos a compreender mais profundamente a humanidade dele. No trecho que a Igreja apresenta no domingo, acompanharemos uma cena, que tem muito dessa humanidade, que tanto maravilhou seus discípulos. Continua a nos encantar nos dias de hoje. Faz com que poeta e teólogo concordem que: “tão humano assim só mesmo sendo divino”. A cena merece ser contemplada. Vale caminhar com Ele através do olhar do evangelista. Jesus é um andarilho e é enquanto peregrino, que o estamos seguindo ingressando em Cafarnaum. Não em qualquer dia, mas num sábado. Ele entra e não fica rezando, ou em silêncio, como eu estava esperando. Logo começa a ensinar deixando a todos admirados. Aí poderemos ver o jovem Marcos e as demais pessoas presentes, inclusive eu, encantados com o que saía da sua boca. Vem-me logo uma curiosidade que a contemplação, facilmente, poderá solucionar. Pergunto-me: O que ensinava Jesus naquele sábado em Cafarnaum? O evangelista, talvez pelo seu grande encantamento, quem sabe para cumprir o objetivo de tratar, muito mais dos efeitos das palavras dele naquelas pessoas, sem dúvida as mais religiosas da cidade, não nos conta. Com os olhos da imaginação, pondero aqui que falava do Reinado de Deus, da sua bondade infinita e de que Ele é Pai cuidadoso com todos, mas principalmente com os empobrecidos e os que sofrem. Ali naquele ambiente era fácil identificá-los: Os que ficam antes da porta impedidos de entrar, ou os que se posicionam, envergonhadamente mais ao fundo. Na cena imagino os velhos, sentados nas primeiras cadeiras, coçando as barbas e se indagando intrigados : “Já é complicado compreendermos onde foi que Ele aprendeu tudo isto, mais complexo agora é ver a segurança, com que nos faz a pregação. Ele ensina como quem tem autoridade. E essa coisa de ficar falando que os doentes são amados por Deus? Como pode Javé amá-los se os deixa em sofrimento?” Neste exato momento entra gritando: o homem possuído pelo “espírito mau”. Aqui vale uma paradinha para duas reflexões breves: A primeira é que todo personagem bíblico de uma ou outra forma (ou de todas!) nos habita. A outra é que podemos aproveitar o fato de haver esses personagens na Bíblia, que não estão nomeados para “incorporá-los”, dentro das nossas contemplações e meditações. Considero então que sou eu o tal possuído e que represento ali o susto e as dúvidas de toda aquela gente, com o tal peregrino que visita a cidade, entra na sinagoga e põe-se a dar lições aos presentes. E então eu grito, em nome de todos: “O que Você quer de nós, Jesus de Nazaré? Veio para nos destruir? Eu sei quem Você é: o Santo de Deus”. Para saber tantas coisas e para ensinar com tanta clareza e autoridade, só posso estar diante do Senhor. Ainda mais num dia de sábado como hoje”. Jesus então me intima: “Pare de falar besteira. Você está cego e não consegue enxergar a realidade”. Aí entendo coisas que nunca me tinham sido ditas, de tal maneira na nossa Igreja. E como se tirasse das costas um peso, sacudo-me com força e grito, agora de maneira bem consciente, como Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!”. Todos me conhecem por lá e me olham espantados, por ter sido porta voz do que pensavam. O silêncio que havia enquanto “Ele nos ensinava com autoridade”, cessou totalmente. Há grande burburinho na sala e o que dizemos é algo assim: "Até os nossos pensamentos maus o obedecem. Este homem é verdadeiramente Deus e sem dúvidas, que este ensinamento novo que está nos trazendo não deve ficar aqui dentro. É necessário que o passemos adiante”. E Marcos termina o relato dizendo que “a fama de Jesus logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia”. Faço um colóquio com Jesus, agradecido por ter me livrado daquelas dúvidas e descrenças e termino a contemplação. Jesus ensina como quem tem autoridade. Etimologicamente a palavra autoridade, que vem do latim auctoritas, tem o sentido daquele que faz crescer, que gera aumento, postura do fundador, chefe e líder. Jesus nos ensina porque quer que cresçamos, não que permaneçamos pequenos e reféns do que outros pensam. Quer que reflitamos por nós mesmos e não sejamos manipulados, atuando como massa de manobra conduzida pelos “sistemas”. Não será porque a novela, ou os jornais e formadores de opinião ensinam de tal maneira, que devo concordar automaticamente. Também preciso ser autor da minha vida. Dessa mesma forma que o Senhor quer me fazer crescer, Ele também está a me dizer que não cresço sozinho. Crescer no sentido do Reino, deve me levar a que ajude, como sou ajudado, aos outros para que também se desenvolvam, sendo autores das suas existências. Pistas para reflexão: - Para você, o que Jesus ensinava naquele sábado na sinagoga de Cafarnaum? - Como você tem usado a sua autoridade? - De que “espíritos maus Ele precisa lhe libertar? 5º Domingo do Tempo Comum Jesus, total disponibilidade para todos Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los. É tarde, depois do pôr-do-sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio. A cidade inteira se reuniu em frente da casa. Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era. De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto. Simão e seus companheiros foram à procura de Jesus. Quando o encontraram, disseram: 'Todos estão te procurando'. Jesus respondeu: 'Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim'. E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios. Mc. 1,29-39 Aquele homem É realmente encantador. Ele não se cansa. Todo o seu dia é posto à disposição dos outros. A todos atende, em todos os lugares se dispõe a ir. A força para continuar agindo assim ele a busca na oração. Com Deus ele é forte. Em Deus ele se realiza e é feliz. Continuamos seguindo Jesus em Cafarnaum. Através do olhar atento de Marcos, acompanhamos a demonstração efetiva e carinhosa da sua humanidade. Juntando o que vimos no Evangelho da semana passada com este de hoje, iremos nos deparar com o que poderia ser chamado, “um dia típico da vida pública de Jesus”. Ele reza na sinagoga, vai com os amigos para a casa onde residem mais dois companheiros e lá encontra a sogra de um deles, Simão, com febre. Ao final do dia, terminado o repouso sabático, reúne a multidão à frente da casa para curar e fazer o bem. Na madrugada recolhe-se para rezar, buscando a intimidade com o Pai. No dia seguinte já está pronto para peregrinar por outros lugares. A narrativa deste trecho do Evangelho se inicia dizendo que Jesus sai da sinagoga (onde encantou a todos falando com autoridade e curando doente). Jesus não é um andarilho solitário. Está constantemente com seus amigos. Ele sempre forma comunidade. Sai com Tiago e João e com eles vai visitar a casa de Simão e André. Jesus sempre valoriza suas amizades e quer estar com os companheiros também nas suas casas. Na residência de Simão acontece algo interessante. Sua sogra está com febre. A febre não é causa em si mesma, mas efeito de algo ruim que esteja acontecendo com a pessoa. Hoje há baterias de exames para diagnosticar seu porquê, bem como antitérmicos a valer para baixá-la. Nos tempos evangélicos era bem diferente. A febre era algo muito mais grave. Ao curá-la podemos presumir que Jesus, não está somente cuidando do efeito evidente do corpo aquecido, mas que tenha atuado também sobre a sua causa fundamental. A sogra de Pedro fica plenamente curada. Há na cena dois gestos de grande cuidado e carinho. O primeiro é o de Pedro ao se preocupar com a saúde da sogra. Não seria por isto que ele convidou Jesus, a estar na sua casa? Sabedores que somos das tradicionais dificuldades entre sogras e genros, temos aí um exemplo de cuidado entre os dois a ser buscado também hoje por todos nós. O segundo gesto é de Jesus. Reparem que Ele toma a mão da mulher (a qual não sabemos o nome) para ajudar que se levantasse. Na verdade bastaria curá-la e isto Ele poderia fazer sem gestos assim. A atitude de Jesus se torna ainda mais bonita e significativa, considerando ter se dado num tempo e cultura nos quais as mulheres não eram tão bem consideradas. Vivemos uma era na qual se fala demais e age-se de menos na ética do cuidado. Há que se notar em Jesus um exemplo, que não é único, eis que poderá ser visto em várias outras passagens, de cuidado pelas pessoas e amigos. A sogra, curada, não vai para a sinagoga pagar promessa. A forma que tem de agradecer é servir. De imediato se põe a trabalhar. Esta é a dinâmica do cristão. Ao ser curado coloca-se a serviço. Todos nós, de uma ou outra forma, fomos curados por Jesus. Ou de uma cegueira que impedia que o víssemos como Deus, da falta de fé na vida e muitas vezes até da morte do pecado, que se dá cada vez que nos arrependemos e somos perdoados, através do Sacramento da Reconciliação... Vale refletir aqui o que temos feito depois de curados. Se aproveitamos a mão estendida de Jesus para nos levantar e nos colocar a serviço, ou se permanecemos deitados à espera que seja Ele a trabalhar por nós? À tarde Marcos vem nos dizer que, “toda a cidade se colocou defronte à casa”. Um exagero é o que me parece, mas para nos mostrar mais enfaticamente, a atração que Jesus exercia, através das suas curas e cuidado com o povo, nesta primeira parte das suas andanças pela Palestina. E o evangelista comenta que neste início de noite Ele curou muitos doentes e expulsou vários demônios. Podemos bem imaginar como eram muito mais chocantes as doenças naquele tempo. Além de tornarem as pessoas impuras e de se acharem mal amadas por Deus. Não devia ser nada agradável de ver aquela cena de tanta gente doente em tempos nos quais não existia curativos, assepsia e mesmo banhos regulares. Jesus vem nos mostrar sua coragem, ao lidar com a triste realidade e a compaixão com a dor da sua gente pobre. Nosso senhor dorme cansado, depois de dia tão intenso. Mas não tira a manhã seguinte, para repousar mais um pouco. Ainda escuro e já saiu na busca de um lugar solitário para rezar. É na oração que irá encontrar as forças para lidar com a dura realidade de sofrimento do seu amado povo. É na intimidade com o Pai que encontrará ânimo e coragem para, na manhã seguinte, assim que encontra seus amigos, convocá-los para seguirem adiante, rumo a novas gentes e lugares, que muito necessitavam dele. Vale refletir um pouco aqui sobre a nossa vida de oração. Até que ponto temos cultivado a intimidade com Jesus, o Pai e o Espírito Santo? Não existe cristão sem rezar. Sem a oração fatalmente cairemos no mero e vazio ativismo. A Igreja e nós é que a constituímos, sem rezar, termina sendo uma ONG, alertávamos, não faz muito tempo o Papa Francisco. E Jesus não reza para nos dar exemplo. Seria bobo pensar assim. Ele ora porque sente radical necessidade da intimidade com o Pai na sua caminhada. Pistas para reflexão: - Sinto compaixão das pessoas que precisam de mim? - Como tenho vivido a amizade? - Cultivo a vida de oração? 6º Domingo do Tempo Comum Jesus tem compaixão e cura. Livra-nos até do preconceito Um leproso chegou perto de Jesus, ajoelhou-se e disse: – Senhor, eu sei que o senhor pode me curar se quiser. Jesus ficou com muita pena dele, tocou nele e disse:- Sim! Eu quero. Você está curado. No mesmo instante a lepra desapareceu, e ele ficou curado. E Jesus ordenou duramente: - Olhe! Não conte isso para ninguém, mas vá pedir ao sacerdote que examine você. Depois, a fim de provar para todos que você está curado, vá oferecer o sacrifício que Moisés ordenou. Então Jesus o mandou embora. Mas o homem começou a falar muito e espalhou a notícia. Por isso Jesus não podia mais entrar abertamente em qualquer cidade, mas ficava fora, em lugares desertos. E gente de toda parte vinha procurá-lo… Mc 1, 40-45 Cena distante: A mulher franzina recolhia os moribundos nas ruas de Calcutá. Não para curá-los, mas para que pudessem ter morte digna. Ela, sem se importar com suas feridas e doenças, os carregava no colo, dava banho, deitava-os em lençóis limpos e cuidava deles até que partissem para o carinho do Pai. Cena vizinha: Largo da Carioca, centro do Rio, observo a jovem da Toca de Assis, sorrindo, ao fazer o curativo na feia ferida da perna do mendigo. Ao seu lado um rapaz corta as unhas do pobre sujo e mal cheiroso, enquanto conversa animadamente com ele. Continuamos caminhando com Jesus no começo da sua vida pública. Agora vamos nos encontrar com um leproso. Com certeza que já estamos fora de Cafarnaum, eis que alguém com tal doença, nunca conviveria com as pessoas no interior da cidade. Neste domingo aprenderemos um pouco mais de Jesus, a respeito de algumas coisas que permanecem, ainda hoje, bem complicadas. A sua atitude nessa narrativa de Marcos fará com que reflitamos sobre o preconceito, a compaixão e a autoridade de Jesus. A hanseníase é moléstia estigmatizada ainda nos dias de hoje. Era muito mais àquela época. O leproso vivia totalmente afastado da sociedade. Impedido de andar pelas cidades, tinha que ficar fora delas gritando “impuro”, sempre que alguém se aproximasse, para que pudesse fugir, não se contaminando pela doença. O povo da Bíblia considerava esse mal como um castigo de Deus, pelo pecado da própria vítima ou de algum parente. O mais terrível disto tudo é que os cientistas, depois de exumar centenas de ossadas, de judeus contemporâneos de Jesus, nunca encontraram o menor sinal de lepra neles. A falta de confirmação da doença naqueles tempos, reforça a constatação de que aquilo que consideravam como hanseníase, era qualquer moléstia da pele, por mais simples que fosse, tais como vitiligo, micose, sarna, herpes e tantas outras doenças causadas por fungos e bactérias. Considerando-se que os banhos não eram comuns dá para imaginar como havia gente considerada “leprosa”. É bem provável que ele tenha gritado “impuro” ao ver Jesus se aproximar, mas ao contrário do que seria de se esperar, O Senhor não foge, mas continua se aproximando. O doente então olha bem no fundo dos seus olhos. Vê que Ele não tem medo. Ao contrário, seu rosto carrega um sorriso de acolhimento e amizade, que ele não observava nas pessoas da cidade, desde que fora banido pela doença. A Lei, bastante severa, impedia os judeus de tocarem um impuro, ainda mais leproso. Jesus relativiza a Lei. Para Ele, sempre o ser humano é mais importante. Por isto, a vida digna do doente, lhe provoca compaixão, lhe diz muito mais. Mesmo podendo curar de longe, Chega bem perto para tocá-lo. Esse toque faz parte do milagre, quem sabe seja a parte mais importante dele. É preciso que vejamos o milagre também pela ótica do desmonte do preconceito. Os impuros de hoje em dia são outros. Quantos não podem se aproximar das pessoas, porque são consideradas impuras ou sujas. Pensemos nos mendigos, nas prostitutas, nos travestis, nos portadores de HIV, nos que professam outras religiões, nos ateus... Para fugir não do toque, mas da simples presença dos indesejados, criamos barreiras em todos os níveis. Umas bem sutis e até parecendo cheias de boas intenções. Essas barreiras navegam desde o 'nível pessoal passando pelo comunitário, e chegando até aos continentes. Notemos como a Europa, que povoou o mundo nos últimos séculos, hoje fecha as fronteiras aos de outra cor, raça e religião. Sabemos que a propalada questão econômica, somente emoldura o preconceito mais profundo. Ao se aproximar do leproso, Jesus demonstra sua imensa compaixão, pelos excluídos e doentes. A compaixão coloca-o ao lado do doente. Seu toque não é de cima para baixo, mas vem na horizontal. Irmão que toca a pele do outro, se reconhecendo nele, como filhos do mesmo Pai. Vivemos no que se chama de Pós-modernidade, um tempo de individualismo e frieza. A fuga do toque leva à assepsia e distanciamento do virtual. Desconhece-se o vizinho de porta e se é amigo de outro, que nunca poderá ser tocado, do outro lado do mundo. Há pouco tempo vi, num desses vídeos que circulam pela internet, uma pessoa que numa praça carregava no peito uma placa dizendo algo como “doa-se abraço”. Era bonito ver como as pessoas depois de um tempo de desconfiança, se aproximavam para serem abraçadas. Num mundo de toques tão pesados e maus, precisamos da pureza do abraço que acolhe, que compreende e que chama para junto. O toque de quem tem compaixão pelo outro. O leproso sente de longe a autoridade e a divindade de Jesus. Ele vê que ali não está alguém comum. Por isto se ajoelha e lhe reconhece, imediatamente, a autoridade para a cura. Na leitura pós-pascal que Marcos faz do ato, está querendo também nos dizer que o excluído, ao contrário da maior parte dos “incluídos” judeus, via que ali, diante dele estava o seu Senhor e que Ele tinha a autoridade para limpá-lo da sua doença: “Se queres, tem o poder de curar-me”. Este é o poder verdadeiro de Jesus. O poder da autoridade para resgatar vidas, colocadas no limbo pela sociedade preconceituosa. O poder da compaixão se aproximando do doente excluído e se colocando ao lado dele, como alguém que o aceita e o respeita. O poder de lutar contra o preconceito, fazendo valer a dignidade de ser humano, inerente a todas as pessoas. Ao olharmos Jesus vemos com clareza tudo isto, mas é preciso atenção, porque este poder não pode ficar restrito a Ele. Cada um de nós, pelo Batismo, também é possuidor dele. Ser cristão é fazer valer na vida o que Jesus nos vai ensinando. Peçamos ao Senhor que nos cure dos preconceitos, da pouca compaixão e da falta do uso da nossa autoridade, de filhos amados de Deus. Pistas para reflexão: - De que “impuros” costumo fugir? - Tenho exercido a compaixão na vida pessoal e comunitária? - Sinto verdadeiramente que Jesus tem o poder de me curar? De que preciso ser curado? 7º Domingo do Tempo Comum Anjos: pessoas boas que nos carregam para Deus Alguns dias depois, Jesus entrou novamente em Cafarnaum e souberam que ele estava em casa. Reuniu-se uma tal multidão, que não podiam encontrar lugar nem mesmo junto à porta. E ele os instruía. Trouxeram-lhe um paralítico, carregado por quatro homens. Como não pudessem apresentar-lhe por causa da multidão, descobriram o teto por cima do lugar onde Jesus se achava e, por uma abertura, desceram o leito em que jazia o paralítico. Jesus, vendo-lhes a fé, disse ao paralítico: "Filho, perdoados te são os pecados." Ora, estavam ali sentados alguns escribas, que diziam uns aos outros: "Como pode este homem falar assim? Ele blasfema. Quem pode perdoar pecados senão Deus?" Mas Jesus, penetrando logo com seu espírito tios seus íntimos pensamentos, disse-lhes: "Por que pensais isto nos vossos corações? Que é mais fácil dizer ao paralítico: Os pecados te são perdoados, ou dizer: Levanta-te, toma o teu leito e anda? Ora, para que conheçais o poder concedido ao Filho dó homem sobre a terra (disse ao paralítico), eu te ordeno: levanta-te, toma o teu leito e vai para casa." No mesmo instante, ele se levantou e, tomando o. leito, foi-se embora à vista de todos. A, multidão inteira encheu-se de profunda admiração e puseramse a louvar a Deus, dizendo: "Nunca vimos coisa semelhante." Uma menina franzina trazia no colo uma criança quase do seu tamanho. Bondosa mulher via a cena e condoída com aquele esforço lhe disse: “Puxa como você é forte! Noto que a criança é bem pesada”. A menininha, sorrindo, lhe respondeu: ”Ela não pesa não. É minha irmã.” Neste Sétimo Domingo do Tempo Comum retornamos com Jesus a uma casa em Cafarnaum. Sua fama por lá tinha crescido muito. A cura do endemoniado na sinagoga; também do leproso provavelmente nos arredores da cidade, incapaz de guardar silêncio sobre o milagre; bem como os tantos outros curados por lá, haviam feito com que a notícia da sua chegada à cidade se espalhasse rapidamente. Não só a casa, bem provável que fosse aquela mesma de Simão e André, estava lotada. Também à sua frente juntara-se a multidão. Tentavam todos, insistentemente, entrar eis que queriam estar, o mais perto possível, daquele que curava os doentes, libertava os reféns dos maus espíritos e ensinava coisas tão bonitas e importantes para suas vidas. É então que nós, contemplando a cena em meio ao povo, impedidos de entrar na tal residência, olhamos para trás e vemos se aproximar estranho cortejo. Quatro homens carregam uma cama sobre a qual repousa homem todo retorcido. É bem possível que tivessem vindo de longe. Aparentam cansaço, não pelo peso do doente, mas porque a madeira da cama é grossa e pesada. Estivessem mais próximos, por tudo que veremos a seguir, teriam sido dos primeiros a chegar. O mais alto estica o pescoço e consegue ver Jesus lá dentro. Sorri, abaixa-se e diz para o amigo: É Ele”, entremos logo. Jesus irá lhe sarar”. Vemos se tratar de um paralítico e pelo seu olhar podemos reparar o quanto está animado com a possibilidade de cura. A cama agora é levantada sobre as nossas cabeças e aqueles homens tentam de todo jeito forçar caminho. Logo veem que nada conseguirão. A vontade de todos de estar com Jesus é muito grande para deixá-los passar adiante. Mas não desanimam. No alto aquele homem que vimos ser paralítico, tenta de toda forma se segurar. Dedos em garra, aperta como pode as beiradas do catre que balança muito. Está apavorado com a possibilidade da queda. Rápido notam ser impossível atravessar aquela porta. Dão meia volta e se afastam um pouco. Curiosos acompanhamos seus movimentos com o olhar, achando terem desistido já indo embora. As lágrimas escorrem pelo rosto do doente. É então que um deles aponta para os fundos onde há, encostada à parede da casa, uma rústica escada. “É por lá!” O grandão diz. Em minutos estão no alto. Com cuidado começam a destelhar a casa. Lá dentro, primeiro pelo barulho e depois pelos raios de sol que passam a entrar, todos olham para cima. O dono da residência, conhecemos bem seu gênio, está possesso. “Estão destruindo minha casa!” Jesus havia compreendido tudo, sorri e lhe pede calma. Tudo iria se ajeitar. Acaso as pessoas não se afastassem a cama iria ser deitada sobre eles. Buraco no teto e agora, diante de Jesus, o buraco no chão com a cama. Ele está encantado com a fé daquela gente. Foram capazes de tanto esforço lhe trazendo o paralítico. O rosto do doente mistura choro e uma alegria imensa ao contemplar os olhos de Jesus. Ele então se abaixa e lhe diz: “Filho, os teus pecados estão perdoados.” Os homens da Lei, sempre por perto para vigiar, também estavam por lá. Ao ouvirem o que foi dito consideraram estar diante de blasfêmia. Só Deus pode perdoar pecados. Jesus nota o que se passa no coraçao daquela gente e, com toda a autoridade e poder, ordena ao paralítico que se levante e vá para casa. Ele obedece e alivia aqueles que o carregaram até então. Toma nas costas a cama e retorna caminhando ao lugar onde morava. Quem seriam aqueles quatro que carregavam o paralítico? Sabemos que eram donos de tamanha fé que até comoveu Jesus, mas não conhecemos mais nada sobre eles. Acaso eram parentes, ou amigos do paralítico? Na nossa vida é preciso de vez em quando dar uma olhada para trás para ver quem tem nos carregado, sem reclamar do nosso “peso” até o Senhor. Sempre há os anjos para nos levar. Cabe agradecer a Deus por esses nossos anjos da guarda. O milagre maior de Jesus é sempre interior: Ele move o nosso coração, impelindo-nos para seguir adiante. Os pecados do doente, ao contrário da sua paralisia, não estavam estampados no corpo. É internamente que Jesus age primeiro, libertando o homem do seu passado de pecados. Em seguida, para que vissem que seu poder também se manifesta nas exterioridades, cura a doença física do aleijado. As duas curas, a interior e a exterior, só têm sentido em relação à nos colcarmos no caminho rumo ao futuro. Somos curados da paralisia para que sigamos para casa, a família, amigos e próximos. Somos libertos dos pecados para que caminhemos mais além. Para que sigamos rumo aos irmãos. Para que nao tenhamos medo de enfrentar a dura realidade do mundo. Jesus não cura pedindo que fiquemos voltados ao passado ou só dentro de casa. Ele nos salva mandando-nos seguir para o amanhã e para o mundo. Há muita gente que não consegue perceber isto e permanece presa ao que já aconteceu. Deus está sempre adiante. É para o futuro que Ele manda o paralítico (e a nós eis que todos sofremos de variados tipos de “paralisia”) caminhar. Pistas para reflexão: - Tenho fé realmente que Jesus cura os meus pecados? - Quem levo para ser curado por Jesus? Desisto fácil nas dificuldades, ou “abro os telhados”? - Quais as minhas paralisias? Quem tem me levado até Jesus? Dou graças a Deus por eles? Quarta-feira de Cinzas Quaresma: Tempo do olhar para o coração. “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus. Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa. Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa”. (Mt 6, 1-6. 16-18) Todo dia aquela mulher acordava e se maravilhava com tudo o que via em casa e na natureza. Então, agradecia a Deus pelos filhos, marido e a beleza do mundo à volta. Sua casa era cuidada e tudo brilhava de tanta limpeza. Mas houve um dia em que ela teve um sonho maluco. Assustada, sentia que seus olhos tinham se virado para dentro. Agora não mais enxergava as coisas de fora, das quais gostava tanto. Mas podia ver com muita clareza todo o seu interior. Não somente o funcionamento dos órgãos, tais como as batidas do coração, o abrir e fechar do pulmão e o passar do sangue pelas artérias. Era capaz de ver os sentimentos. Aqueles positivos e também tudo aquilo de negativo, inveja, orgulho, pecados, o que havia lá dentro do seu coração. Foi então que sentiu a precisão de retirar, de dentro dele, coisas ruins que a sufocavam. Sentia que aqueles lugares internos estavam empoeirados e que o pó era alérgico e não lhe fazia bem. Acordou cansada, pois afinal realizará uma intensa faxina, mas feliz, eis que agora sentia que o seu lado interior estava limpo. Vivemos num mundo imagético. A todo instante somos convidados a, de alguma maneira, nos mostrar. A explosão das máquinas fotográficas digitais, inclusive nos celulares, é uma marca desse tempo de alta exposição. Os programas de confinamento do tipo Big Brother, é outro bem triste exemplo disto. A ordem é manter os sentidos ligados e atentos para não perder nada que aconteça fora. Vem então a Quaresma e nos convida a um retorno. Chama-nos a dar uma volta. No trânsito diríamos que é tempo de se fazer uma conversão. Aliás será de conversão a palavra que receberemos, quando se impuser na nossa testa as cinzas. É hora de realizar o movimento contrário a este, para o qual a sociedade tem nos impelido. O período quaresmal é tempo de interiorização dos sentidos. É necessário fechar as janelas do corpo, para que se possa cuidar mais efetivamente do que há dentro. É preciso observar o interior. O que tem fora já está mais do que visto. É a hora de olhar para dentro do coração e verificar se há nele sujeiras, lugares de sombras ou mesmo de escuridão. Iluminar tudo, para que cada pedacinho se torne visível. É a hora de se cerrar os olhos para poder ver melhor. Então será possível fazer a faxina, que todos os ambientes fechados por grande tempo estão a pedir. Varrer e limpar, tirando lá de dentro tudo que seja empecilho ao crescimento. Sacar fora o que foi se acumulando e em nada auxilia na vida. Ao contrário, só prende ao passado. Nesta faxina é a hora de rever conceitos. Desaprender de ensinamentos que vimos trazendo, muitos deles desde a infância e que não mais nos sejam significativos. Livrar-nos de sentimentos negativos como a raiva guardada, a inveja, o medo, o rancor, a preguiça e o orgulho. Nesses aprendizados que não mais nos auxiliam há que se estar atentos, até mesmo à imagem de Deus que vimos carregando. Há muita gente que possui um Deus que, definitivamente, não é o Deus que Jesus nos trouxe. Seu deus pode ser vingativo, raivoso, fiscal de comportamentos (principalmente àqueles ligados à esfera da sexualidade), vovô bonachão que dá tudo sem pedir nada em troca, um contador que anota créditos (coisas boas) e débitos (pecados), um deus frio e chato que mata as pessoas queridas... e muitos outros tipos de deuses dos quais precisamos nos libertar. O Deus de Jesus é só amor. Ele é misericórdia infinita. É inclusivo e tem um amor tremendo por todos os seus filhos. É Pai principalmente para aqueles que mais sofrem. Costumo dizer que se a imagem que tenho de Deus, é igual a do ano passado, é porque não cresci na fé. Deus se revela constantemente ampliando e embelezando o conceito que temos dele. A Quaresma é propícia para “limpar” a imagem de Deus no coração. É preciso torná-la sempre mais bonita e amorosa. Nesses quarenta dias de tempo forte, o olhar que passou mais para o interior, deverá levar à sobriedade. É tempo de jejum, penitência e esmola. Jejum quem sabe diferente, seja criativo. Pode até ser de falar menos e ouvir mais. Penitência de gastar mais tempo com o outro, de maior atenção e cuidado com aqueles que precisam de mim. Esmola que não seja imposta, aquela terrível que vem de cima para baixo e humilha, mas ofertada com o sorriso e carinho da compaixão e misericórdia. Quem sabe a esmola graciosa e tão bonita do tempo disponibilizado... Pistas para reflexão: - Que faxinas o meu coração necessita? - Qual é a minha imagem de Deus? Ela é semelhante a do Deus de Jesus? - Qual será o meu jejum criativo nesse ano? 1º Domingo da Quaresma O deserto: lugar de passagem de Jesus e nosso Em seguida o Espírito impeliu Jesus para o deserto. E Jesus ficou no deserto durante quarenta dias, e aí era tentado por Satanás. Jesus vivia entre os animais selvagens, e os anjos o serviam. Depois que João Batista foi preso, Jesus voltou para a Galiléia pregando a Boa Notícia de Deus: «O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e acreditem na Boa Notícia. Mc. 1,12-15 Aquele era um homem muito ocupado. Nunca tinha tempo para nada, muito menos para Deus. Mesmo sentindo que sua vida necessitava de uma parada, ele sempre arrumava um jeito de dar uma desculpa e continuar envolto nas suas preocupações diárias. A vida ia assim até o dia em que seu corpo, que já dava sinais de que iria adoecer, praticamente estourou. Nosso amigo jazia adormecido há quarenta dias numa cama de CTI. As luzes fortes, o agito de muita gente em volta e o burburinho das máquinas e respirações tensas e difíceis enfim o acordaram. Meio grogue, por conta dos remédios, custou a entender o que havia acontecido. Pouco a pouco, concluiu que fora obrigado a uma parada. Aquele ambiente todo branco de hospital seria o seu deserto. Naqueles dias, servido pelos “anjos” e tentado a voltar aos “animais selvagens”, que lhe eram tão íntimos teve, enfim, tempo para se aproximar de Deus e optar por qual vida iria ter, daí por diante. Entramos na Quaresma e isto significa que nesses próximos quarenta dias, não deixaremos que Jesus suba sozinho para Jerusalém. Iremos juntos e para que estejamos mais intimamente ligados a Ele, é necessário que aproveitemos este “Tempo Forte” para nos purificar. Quanto mais limpos estivermos, mais aptos iremos nos sentir, para compreender as coisas do Reino. Que esta não seja apenas mais uma Quaresma, a ser atravessada na vida. Que a façamos de alguma maneira diferente, o que significa mais perto daquele com quem estaremos durante a subida. Quaresma vem do Latim quadragesima e tem o significado de quarenta. São aqueles dias que Jesus permaneceu no deserto, purificando-se e até sendo tentado por Satanás, que significa adversário, inimigo e opositor. O número quarenta na Bíblia tem o sentido de tempo suficiente, aquele período necessário para que se cumpra a preparação de algo muito importante. Assim são quarenta dias de dilúvio; quarenta dias nos quais Moisés permanece no monte jejuando; quarenta anos que o povo de Deus caminha pelo deserto; quarenta dias após a ressurreição para acontecer a ascensão e, no Evangelho de hoje, também os quarenta dias, nos quais Jesus permanece no deserto. Mais que um número é preciso que nos apropriemos dele, como aquele tempo que seja satisfatório. O tempo necessário para nos santificar. Após ser batizado pelo Batista vai crescendo ainda mais em Jesus a consciência da missão de pregar o Reino. Sente então a urgente necessidade de reforçar-se, para assumir, com mais ênfase, o serviço de Deus. Jesus repara que o caminho não seria nada fácil. Percebe o tanto de conflitos que sua Palavra iria gerar, em meio ao seu povo. É preciso mais e melhor se preparar para tão importante missão. Ele sabe que carece do Pai e do Espírito Santo para cumpri-la a contento. Nesse tempo de preparação buscará aproximar-se, mais ainda, do carinho e misericórdia da Trindade Santa. Por isto se afasta e vai para o deserto. Aqui estamos diante, mais uma vez, de algo bem simbólico. Deserto não precisa necessariamente ter o sentido de lugar seco, vazio e quente. Ao se afastar para o "deserto", devemos reparar mais na postura interior, do que exterior de Jesus. Ele, para estar mais próximo do Pai, se distancia do meio do mundo. Nesse seu lugar recolhido, Jesus irá sentir toda tensão inerente à sua humanidade. Esta vai crescendo, na medida em que toma mais consciência de aonde poderia dar o caminho, a que se propõe seguir, para nos trazer a salvação. Marcos expõe-nos este conflito, de uma maneira bem interessante e muito didática. De um lado estão os anjos a servir e cuidar de Jesus. Do outro a presença dos “animais selvagens”. A tentação do mundo em oposição ao caminho do Reino de Deus. Ao contrário de nós que, diante da tensão gerada pelo pecado, podemos cair, Jesus jamais cede. Ele é um ser plenamente íntegro. Está todo voltado para Deus. Não se coloca dividido como costumamos muitas vezes estar. Assim, os “animais selvagens” e Satanás são vencidos no seu deserto. Para contextualizar o momento, o evangelista nos dá dois sinais importantes: João Batista já tinha sido preso e agora então, a hora passa a ser de Jesus. O momento de Deus anunciado pelo Batista à Beira do Jordão tinha enfim chegado. O outro é que o tempo já se completara e o Reino de Deus está próximo! Diante deste cenário do Filho de Deus, assumindo totalmente a cena para nos trazer a Palavra da Salvação, não se pode permanecer indiferente. É preciso se converter e crer no Evangelho. É isto a Quaresma. Mudar a direção dos nossos caminhos para poder seguir, livres das amarras trazidas pela tensão do mundo, com Jesus até a Páscoa. Sim, o término da caminhada não é a Sexta-feira Santa, mas o sepulcro vazio, tendo a presença dEle, de novo, no meio de nós. O chamado é para que aproveitemos a caminhada com Jesus para Jerusalém, não para chorar a sua morte. Esta já sabemos, desde a catequese, que irá acontecer. O convite quaresmal podemos entendê-lo, mais como maneira para tratar das “nossas mortes”. Cuidar de tudo aquilo que precisamos nos desvencilhar, para assumir plenamente a Ressurreição de Jesus e assim, livres, podermos nos colocar ao seu lado. Pistas para reflexão: - De quais tipos de “animais selvagens” devo me precaver na caminhada quaresmal? - Irei parar algum dia, ou mesmo num final de semana, para fazer o meu deserto? - O que pretendo realizar de diferente nesta Quaresma? 2º Domingo da Quaresma Montanha e planície: Contraste entre a glória e a dura vida de serviço de Jesus Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E transfigurouse diante deles. Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar. Apareceram-lhes Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus. Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo. Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles. Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos. Eles observaram esta ordem, mas comentavam entre si, o que queria dizer “ressuscitar dos mortos”. (Mc. 9,2-10) Era uma vez uma comunidade que vivia rodeada de problemas. À sua volta havia gente drogada, bêbados, casais que não se amavam, crianças mal cuidadas e vários outros tipos de violência. Definiram então que não dava para se ser cristão num ambiente assim. Foi então que decidiram se afastar daquilo tudo. Mudaram a Igreja para um lugar alto e fizeram dela uma fortaleza. Somente aqueles que tivessem o mesmo comportamento, tinham permissão para se aproximar. Com o tempo passaram a ser conhecidos como “os alienados da montanha”. A vida acontecia lá embaixo e eles lhe eram indiferentes. Não participavam dela. Estavam tão distantes da realidade que até ficavam imaginando que se manter puros lá no topo, nada mais era do que cumprir a vontade de Deus. É com três discípulos, os mais próximos, que Jesus subirá ao alto da montanha e se transfigurará diante deles. As multidões do evangelho de Marcos, que acompanhamos a seguir Jesus nas semanas passadas, ficaram lá embaixo na planície. Visão assim tão importante requer certa intimidade. É bonito e consolador ver Jesus neste começo da Quaresma, caminhando para aqueles momentos tão difíceis da sua vida em Jerusalém, transfigurado, ou seja, totalmente tomado pela glória de Deus. Transfigurar-se é diferente de se transformar. A transfiguração vem de dentro para fora. Por isto Madalena acha ser Jesus, à porta do túmulo, o jardineiro. Também por esta conta os de Emaús, mesmo andando horas com Ele, não o reconhecem. Já a transformação vai de fora para dentro. A cena maravilhosa funciona, como espécie de consolo antecipado para os discípulos, em vista do que ocorrerá com seu Mestre, daí a pouco. Já terem contemplado o Senhor na glória facilitará, com toda certeza, vê-lo padecente em Jerusalém. É importante também nos lembrarmos que, no início do cristianismo, muita gente tinha dúvidas a respeito do Jesus histórico, em relação ao Cristo da Fé. Naquele tempo havia quem pensasse haver dois seres separados. Vem então o evangelista apresentá-lo em plena glória, para que não houvesse dúvidas de que o crucificado é aquele mesmo glorificado, como a dizer: “Lembram-se daquele dia no qual, com alguns discípulos, Ele se transfigurou no alto do monte?”... Na Bíblia toda vez que se vai a uma montanha é porque irá acontecer algo importante. Avisar que se subirá ou se estará num morro funciona como sinal de atenção maior, para se observar o que irá ocorrer em seguida. Foi assim com Moisés no Tabor e com Jesus pregando no monte as Bem Aventuranças. O alto é lugar da manifestação de Deus aos filhos. As roupas brilhantes e muito brancas são as vestes da ressurreição. Naquela época não havia água, muito menos tecnologia, ou competência de lavadeira que fosse capaz de gerar uma roupa branquíssima. O momento é escatológico e por isto gera medo. Será no fim do mundo, veremos no Apocalipse, que a “multidão em vestes brancas” caminhará em direção ao Cordeiro de Deus, este mesmo Jesus Cristo glorificado. Da mesma maneira, trajavam branco os anjos que anunciam a Maria Madalena, no domingo pela manhã, o vazio do sepulcro. Este é um dos momentos mais bonitos do Evangelho e nele não é somente Jesus que é transfigurado. Para que possam estar conversando com Ele, aqueles seus precursores, Moisés e Elias, profetas tão importantes para o Povo da Bíblia, também estão vivendo a mesma experiência. Vejamos que Elias tinha sido profeta duro, que até ordena a degola de muitos sacerdotes de Baal. Moisés anunciara as pragas do Egito. E os dois agora se posicionam ao lado de Jesus glorioso. É como se o Antigo Testamento, concluído, não mais fosse necessário. Não será, daí em diante, preciso matar os inimigos e nem espalhar desgraças, para que a vontade de Deus se faça presente. A Lei agora, a partir da transfiguração, também muda a figura dos profetas. Daí para frente o que vale é o Amor. No nosso mundo também acontecem dessas coisas. Quem nunca experimentou, no meio da vida que vai acontecendo comum, a alegria imensa que chega de repente? O coração a querer saltar pela boca, o sorriso que se abre e é provável que nessas horas até nos tenham perguntado o porquê de estarmos tão diferentes. Momentos de grande intimidade com Deus, consolação e ardor missionário. São pequenas transfigurações que Deus nos concede vida afora. Experiências de Amor do Pai, que mesmo assim pequenas, se fazem tão grandes, que até os que estão por perto sentem que há algo de diferente conosco. Esses momentos funcionam como uma diminuta mostra, um pequenino trailer, daquilo que Deus tem preparado para seus filhos na eternidade. Será para que nas horas de grande dificuldade, e elas sempre acontecerão, não fique esquecido que somos bem maiores que os problemas e que Deus está presente conosco para superá-los. A montanha pode ser também local de tentação e é exatamente isto que vemos neste trecho do Evangelho. Lá no alto, longe das confusões do mundo, as coisas estão tão gostosas, que é mais interessante que se fique vivendo tranquilos por lá. Melhor, Senhor, que façamos três tendas e permaneçamos aqui, é o que sugere Pedro. Jesus não morde a isca. Ele sabe tratar-se da manifestação de uma tentação do seu discípulo. A vida não acontece nas transfigurações. Essas são só breves instantes. A existência real do dia a dia não comporta a constância dessas maravilhas consoladoras. Não se discute que acaso se mantivessem seria excelente. A questão é que logo nos acomodaríamos, pois que Deus cuidaria de tudo aquilo, que é da competência do ser humano. Voltaríamos a ser crianças tutoradas por Ele. Ficar na montanha é cair na tentação da alienação. De permanecer somente em ambientes protegidos da comunidade. Seria algo como criar espaços totalmente católicos para se viver. Como dizia um amigo, tentados a nos tornarmos sócios de uma Igreja, mais parecida com um clube, na qual só entram “dos nossos” e onde a piscina está cheia de “água benta”. Em definitivo, não é para uma realidade assim que fomos batizados. Pistas para reflexão: - Tenho consciência desses momentos de muita consolação na minha vida? Agradeço por eles? - Tendo a permanecer na “montanha”, ou retorno para o mundo? - O que significa transfigurar-me? 3º Domingo da Quaresma O corpo é Templo sagrado de Deus A Páscoa dos judeus estava próxima, e Jesus subiu para Jerusalém. No Templo, Jesus encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas sentados. Então fez um chicote de cordas e expulsou todos do Templo junto com as ovelhas e os bois; esparramou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. E disse aos que vendiam pombas: «Tirem isso daqui! Não transformem a casa de meu Pai num mercado». Seus discípulos se lembraram do que diz a Escritura: «O zelo pela tua casa me consome». Então os dirigentes dos judeus perguntaram a Jesus: «Que sinal nos mostras para agires assim?» Jesus respondeu: «Destruam esse Templo, e em três dias eu o levantarei». Os dirigentes dos judeus disseram: «A construção desse Templo demorou quarenta e seis anos, e tu o levantarás em três dias?» Mas o Templo de que Jesus falava era o seu corpo. Quando ele ressuscitou, os discípulos se lembraram do que Jesus tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra de Jesus. Jesus conhece o homem por dentro -* Jesus estava em Jerusalém durante a festa da Páscoa. Vendo os sinais que ele fazia, muitos acreditaram no seu nome. Mas Jesus não confiava neles, pois conhecia a todos. Ele não precisava de informações a respeito de ninguém, porque conhecia o homem por dentro. Jo 2, 13-25 Era uma vez um homem bastante rico. Possuía muitas indústrias, lojas e prédios. Seus empregados contavam-se aos milhares. Uma noite, ele que se considerava cristão, teve um sonho bem bonito. Deus lhe pedia para que construísse seu Templo aqui na Terra. Agiu rápido. Antes de chegar ao escritório, já ligara aos assessores convocando reunião imediata, com engenheiros e arquitetos. Foi breve nas exigências. Projetassem uma igreja que suplantasse em tamanho e beleza, todas as outras da cidade. Não importavam seus custos, só que teria que ser rápido. Pronto o desenho definiu prazos curtíssimos de construção. Em menos de um ano iria inaugurá-la. Na correria os aspectos relativos à segurança e saúde dos empregados foram descuidados. Vários acidentes aconteceram, além do que os salários que costumava pagar eram baixíssimos, não cobrindo nem mesmo a subsistência básica dos trabalhadores. A igreja enfim terminada ficara maravilhosa. Agendada a primeira missa com o bispo, distribuíram-se os convites. Nenhum deles era endereçado àqueles que construíram o templo. Findo o dia anterior à celebração o patrão adormeceu feliz, atendera ao pedido de Deus. Mas a noite não foi nada tranquila. Num terrível pesadelo visitava as casas dos empregados. As panelas praticamente vazias e os filhos sem material escolar. A cena muda de lugar e ele observa as pessoas se acidentando na construção. De repente as visões tétricas desaparecem. Agora tudo é belo e lhe volta a tranquilidade. Vê Jesus caminhando na sua direção. Seu semblante está sério, fazendo com que retorne o medo de há pouco. “Você não compreendeu nada. O que meu Pai lhe pede é para que construa o seu Templo não com concreto, mas nas pessoas à sua volta. Principalmente nessas suas dependentes”. Ao acordar tornara-se consciente do seu terrível erro. Os funcionários, agradavelmente surpresos, conviviam agora com outro ser humano. Tornara-se enfim um homem bom. Neste terceiro Domingo da Quaresma nos encontramos em Jerusalém, de onde acompanharemos Jesus no gesto que desencadeou, segundo os estudos mais modernos, os fatos culminados na Semana Santa. Ele, conta-nos o evangelista João, entra no pátio do Templo e, indignado com tudo que observa, ataca os vendedores de animais e os cambistas. Confecciona um chicote de cordas expulsando com ele os vendedores. Espalha pelo chão as moedas e vira as mesas de câmbio. Dá para imaginar a confusão armada e, com certeza, a retaliação das autoridades em seguida. Tratava-se aquele de lugar sagrado. Mais do que isto. Era o local mais importante da religião judaica. Um ataque ao Templo, por menor que fosse, configurava-se como profanação tremenda da religião, além de patente agressão aos poderes constituídos. Era, olhando pelo lado dos sacerdotes e fariseus, como que pegar a Torá, o rolo da Lei e simplesmente rasgar. Pelo lado de Jesus o que lá Ele via, era também algo que lhe revolvia as entranhas. Era impossível não agir duro frente ao fato presenciado. A Casa do Pai tinha sido transformada em comércio. Fosse algo honesto e justo já estaria errado. Ainda mais se tratando de vil exploração das pessoas, os pequeninos principalmente. O Templo de Jerusalém era covil de ladrões e o pior é que tudo por lá era feito em nome de Deus. Jesus não admite que seu Pai seja usado daquela maneira infame e se revolta. Acresce que eram os mais pobres, aqueles que mais sofriam com este estado de coisas. Não importa tanto o fato em si e muito menos a sua extensão. Tenha derrubado Jesus muitas mesas, ou libertado só algumas pombas. O que é importante para nós que, tanto tempo depois, contemplamos o fato é o rico simbolismo que o envolve. Mas o Evangelho de João quer nos mostrar bem mais. Ele nos fala do Templo enquanto corpo de Jesus. Nessa leitura pós-pascal do evento, vemos Jesus comparar o Templo de pedra, com o seu corpo. Não somente o dele, mas também o de todo ser humano, é morada do Espírito Santo. Por isto o cuidado em não profaná-lo. Profanar o sagrado do outro, é usá-lo expondo-o à violência e manipulação. Hoje a profanação do Templo de Deus no humano se dá quando: ele é aviltado; recebe salários indignos; sofre preconceitos; tem o corpo explorado; é vítima de violência, lhe é negado o acesso aos meios de saúde; falta-lhe o cuidado da segurança no trabalho... Mas não fiquemos só na dimensão corporal. Caminhemos um pouco mais à frente. Recordemo-nos de que com a morte de Jesus, o véu deste mesmo Templo se rasga de alto a baixo. Há um simbolismo rico e significativo aí. Ele nos faz ver que com o sacrifício do Santo de Deus, a dimensão do Sagrado se amplia. Não mais é preciso adorar a Deus só no Templo, eis que todo espaço se tornou santificado, sacralizado. A morada de Deus é muito mais ampla. Ele habita, e por isto torna sagrada, toda a Terra. Somos então convidados a ampliar mais ainda o conceito de Templo. Não o consideremos simplesmente como as construções feitas para a reunião da comunidade, o culto e o recolhimento das orações e nem somente o nosso corpo. Também a mãe Terra, a nossa Casa, é lugar Sagrado. Neste Templo monumental do Pai habita a Trindade Santa. Por isto descuidar do ambiente, poluir, depredar a natureza é também uma forma de pecado. Pistas para reflexão: - Como tenho cuidado do meu corpo templo de Deus? - Indigno-me quando percebo o Templo do Senhor sendo mal usado? - Respeito o Templo de Deus nos meus irmãos e no mundo? 4º Domingo da Quaresma O Amor preenche toda a Terra Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, do mesmo modo é preciso que o Filho do Homem seja levantado. Assim, todo aquele que nele acreditar, nele terá a vida eterna. Pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele. Quem acredita nele, não está condenado; quem não acredita, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho único de Deus. O julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. Quem pratica o mal tem ódio da luz, e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam desmascaradas. Mas quem age conforme à verdade, se aproxima da luz, para que suas ações sejam vistas, porque são feitas como Deus quer. Jo 3,14-21 Era uma vez o Amor. Como sempre acontece, Ele não cabe em si e acaba crescendo demais. Desenvolveu-se tanto o Amor que passou a sentir uma necessidade imensa de tomar outros espaços, ir se espalhando. Não que tivesse orgulho, ou fosse presunçoso, o Amor não é nada disso. Ele não cabia em si, porque ansiava transbordar no coração das pessoas. E foi desse jeito que o Amor veio para o mundo. Ele chegou como uma chuva fininha e constante, que vai caindo a molhar a tudo e a todos. Até que houve uma hora na qual a humanidade se viu encharcada de Amor. Só que a gente não compreendia o que estava se passando. Achava ser aquele Amor algo que nem era tão bom. No fundo tinha medo de que o Amor fosse atrapalhar, só dar trabalho e obrigações. Foi assim que teve início o processo de se desvencilhar dele. Enxugavam-se do Amor e iam se tornando secos. Um dia, friamente, tomaram a decisão, terrível, de matar o Amor. O que não sabiam é que Ele nunca morre. O Amor ressuscita sempre no coração da gente. E a chuva fininha e constante continua transbordando sobre a Terra. O trecho do Evangelho de João, neste quarto domingo da Quaresma, vem nos falar do sacrifício na cruz de Jesus. É um anúncio da sua morte, feito obviamente à luz da ressurreição. A maneira como João posta este anúncio, pode nos dar a impressão de que tudo estava já definido e que o Filho iria mesmo sofrer a morte na cruz. Pensar assim gerará em nós a imagem de um pai sádico e frio, que quer a morte do seu Filho. Nenhum pai, muito menos Deus desejaria que seu filho sofresse tanto e morresse. Precisamos compreender que não é Deus quem quer o sacrifício do seu filho. É o coração duro dos homens que fez com que “fosse levantado”. Não fosse assim a salvação sem dúvidas que poderia ter acontecido de várias outras maneiras. O fundamental aqui nesse Evangelho, é que caso acreditemos nele teremos a vida eterna. Crer em Jesus não significa acreditar na sua morte. Esta é fato histórico e incontestável, não necessitando de fé. É muito mais crer na sua vida, em sua Palavra, como um todo. A morte na cruz é mera consequência, daquilo que acreditamos que é a Ressurreição e que nos leva, também nós, para a vida eterna. A vinda do Filho ao mundo se dá por causa do Amor. Aqui nos encontramos diante de um ponto fundamental da nossa fé. Deus nos ama absurdamente e por causa deste Amor, não titubeia em enviar seu próprio Filho amado. Ele não o envia para provar nada. Afinal, nós o sabemos, o Amor não necessita ficar se provando. O Amor de Deus vem naturalmente, porque quer ficar próximo dos seus filhos. E quando Ele, o Amor, chega o efêmero se faz infinito. O raso se vê profundo. O pequenino se transforma em imenso eis que a vida passa a não ter mais fim. O Amor se faz vida e esta se realiza eternamente. Nosso coração é muito duro – haja vista o que fizemos com o Filho de Deus – e é possível que em alguns momentos da vida possamos ter tido a impressão de que o Filho veio para condenar o mundo. Algumas imagens bíblicas, fruto obviamente do coração endurecido desses nossos irmãos redatores, parecem nos mostrar esta condenação. Por isto este trecho joanino torna-se para nós tão significativo e consolador. Deus não vem como policial para prender ou punir. Ele chega como bombeiro, a nos libertar das enchentes e incêndios da vida. Ao conhecer o bem absoluto, que é Deus, o ser humano se encanta e adere a Ele. Não dá para se postar fora daquele que só é bondade. Mas o fato é que somos livres. Totalmente livres e Deus, absolutamente, não nos tutorará tratando-nos como se fôramos crianças. Então, é preciso ter consciência, eis que tal coisa acontece, que diante do bem absoluto haverá sempre a possibilidade da negação. É neste fechamento para Deus que se configura a condenação. Ela parte de nós para Ele e não o contrário, como muitas vezes se pensa. O inferno não ocorre porque Deus assim o quer, mas porque, no uso da liberdade toma-se a decisão de se afastar do bem. Pensando bem, logo se poderá ver, que será muito difícil que haja alguém, em pleno uso da razão, que seja capaz de negar a bondade absoluta de Deus e optar por se condenar. Caso vejamos alguém assim, diríamos tratarse de um louco. E sendo doido será sempre alguém a ser acolhido, ainda mais amorosamente, no colo do Pai. João termina nos dizendo que o mal procura a noite. O Padre João Batista Libânio sj comenta este trecho dizendo da inocência de João em relação ao escuro e à luz. Diz-nos que, ao contrário dos tempos de Jesus nos quais se buscava as trevas noturnas para se engendrar o mal, hoje em dia perdeu-se totalmente tal pudor. O mal é feito durante o dia e sobre ele quanto mais holofotes houver a ofuscar as vistas melhor. Caso o evangelista conhecesse hoje a internet, a televisão e as bancas de revistas mudaria rapidamente a sua opinião. Pistas para reflexão: - Creio no Amor absoluto de Deus por mim? - Busco o bem na minha vida? - De que maneiras tenho refletido este Amor de Deus? 5º Domingo da Quaresma Jesus, a semente que não cessa de germinar e dar frutos Entre os que tinham ido à festa para adorar a Deus, havia alguns gregos. Eles se aproximaram de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e disseram: «Senhor, queremos ver Jesus». Filipe falou com André; e os dois foram falar com Jesus. Jesus respondeu para eles, dizendo: «Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Eu garanto a vocês: se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto. Quem tem apego à sua vida, vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundo, vai conservá-la para a vida eterna. Se alguém quer servir a mim, que me siga. E onde eu estiver, aí também estará o meu servo. Se alguém serve a mim, o Pai o honrará. Agora estou muito perturbado. E o que vou dizer? Pai, livra-me desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, manifesta a glória do teu nome!» Então veio uma voz do céu: «Eu manifestei a glória do meu nome e vou manifestá-la de novo.» A multidão que aí estava ouviu a voz, e dizia que tinha sido um trovão. Outros diziam: «Foi um anjo que falou com ele.» Jesus disse: «Essa voz não falou por causa de mim, mas por causa de vocês. Agora é o julgamento deste mundo. Agora o príncipe deste mundo vai ser expulso e, quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim». Jesus assim falava para indicar com que morte ia morrer. (Jo12.20-33) Havia uma semente que a todos encantava. Vivia exposta numa caixinha forrada de algodão. Reinava sobre a mesa do agricultor. Era a mais bela, dentre todas colhidas na última safra e ele queria que seus amigos vissem a qualidade da sua produção agrícola. Ela, que a princípio se sentira toda orgulhosa da condição de semente tão especial, fora se tornando triste e solitária. Sentia-se infeliz porque vivendo assim, não realizaria sua missão. O grande sonho de produzir frutos, gerando alimentos para o mundo. A dor crescia e seus olhos começaram a gerar lágrimas. A forração de algodão da caixinha foi ficando úmida. Notou haver algo diferente no seu corpo. Engordava e algumas pontinhas brotavam de dentro dela. Germinava e tal constatação a fez ainda mais angustiada. Havia água para que nascesse, mas faltava o adubo da terra para crescer. Saber que morreria em vão só aumentava seu sofrimento. O milagre da vida teve dois anjos. Os filhos do agricultor, Filipe e André, repararam naquilo que seu pai não vira. Na caixinha da mesa nascia um broto e foram plantá-lo no jardim. Tempos depois aqueles que passaram por aquela casa, puderam se deliciar dos frutos que lhe pendiam dos galhos. Os Evangelhos não são meras contações de história. Eles têm um objetivo muito maior: mostrar que Jesus é Deus. Trazem-nos fatos que bem antes de se fazerem textos foram refletidos, rezados e discernidos pelas comunidades, a partir de suas dúvidas, necessidades, projetos e mesmo conflitos. Fruto deste trabalho, acontecido por anos a fio em seu grupo, foi que o Evangelista elaborou, podemos dizer teologicamente, seu Evangelho. Por isto é necessário irmos bem além da primeira leitura em seus textos. Vejamos como este texto Joanino é exemplo bonito disto. Jesus já se encontra na Cidade Santa, onde tudo acontecerá muito brevemente. Como qualquer grande cidade ela é detentora de um aspecto cosmopolita, acolhendo gente de vários lugares. Em Jerusalém há também gregos e dentre esses alguns manifestam a Filipe, um dos discípulos, o desejo de “ver Jesus”. Residem aí, nessa pequena frase, preciosidades a serem por nós buscadas e aprofundadas. Há o reforço da universalidade de Jesus. Ele não veio somente para o Povo da Bíblia, os judeus. A salvação não se limita a uma nação, nem a um espaço geográfico definido e muito menos a um tempo específico. Toda a humanidade, em qualquer ocasião, se encontra abrangida por este mistério estupendo de Amor. Os judeus são acolhidos, como o foram, são e serão, todos os outros povos. Observamos também aí a intermediação do discípulo. É o apóstolo quem apresenta Jesus aos estrangeiros. Filipe poderia muito bem ter ido sozinho, mas não age assim. É junto com André que levará aqueles dois futuros seguidores ao seu Senhor. Filipe e André são símbolos aqui da Igreja. Será através dela que poderemos ver Jesus. A Igreja é santa, mas como seus filhos, temos também consciência das misérias e pecados vividos pelos seus membros, todos nós. Mesmo assim, com a diversidade de seus problemas, dá para nos imaginarmos e à nossa fé sem que ela existisse? Sem a Igreja quem nos teria levado para ver Jesus? Ver Jesus vai muito além de olhá-lo dizendo: “ah, então é aquele!” Vê-lo no sentido do Evangelho é ir além. É fazer a experiência de Deus no Filho e esta se dá no caminho da vida. Não se “vê” Jesus somente no templo. Ele será visto a partir do seguimento. Os gregos, como também nós, o verão nas vicissitudes da existência inteira, também com os momentos de paixão e dor. Nesse caso é bastante significativo que eles cheguem exato naquela hora na qual Jesus passará pela experiência do “grão enterrado”. Bem poderá ser que vários de nós tenhamos “visto” Jesus e começado a segui-lo em horas de sofrimento. Servir a Jesus não se resume a prestar-lhe culto, reverência e louvor. O serviço do Senhor se concretiza na doação amorosa aos irmãos. Somente depois de estar com eles, atendendo-os nas necessidades, é que se deve ir até o altar louvar e reverenciar nosso Senhor. Ao contrário das Bodas de Caná, onde diz para sua mãe não ser chegada sua hora, em Jerusalém Jesus sente a proximidade do seu momento fundamental. Toma consciência de que o conflito que se armava e do qual não fugiu, estava quase explodindo. A hora aqui tem um sentido apocalíptico. Quer significar também o fim. O abraço silencioso do Pai, que exalta o Filho, na entrega fiel ao seu projeto do Reino. A hora é duríssima porque o Pai não interfere nos arranjos humanos, por mais cruéis que possam ser. A cruz, o mais vil de todos os suplícios daquele povo, vista somente com os olhos humanos, é obviamente um rotundo fracasso. Mas não é assim que os discípulos, mesmo desconcertados desde aquele tempo e até hoje em dia, devemos considerá-la. Será através dela que Jesus será glorificado pelo Pai. Aqui, ao contrário do silêncio terrível de Deus no calvário, há a sua manifestação e sua voz é ouvida, confirmando a união de Amor com o Filho. De objeto divisor e terrível, dia-bólico, de suplício, a cruz se tornará, logo em seguida, no grande sinal redentor da humanidade. Ela que parecia nos separar torna-se sim-bólica. Reúne-nos na medida em que gera a Igreja Povo de Deus e não somente hierárquica. Igreja viva, comunidade de irmãos, companheiros, ordenados ou não, que caminham com e para o Senhor. Na proximidade da sua hora fatal, Jesus faz linda reflexão sobre a morte. Ensina-nos seu verdadeiro sentido: novo nascimento e ajudanos a lidar melhor com ela. A morte não é possuidora da última palavra. É começo de nova vida abundante, plenificada e eterna. Aquele grão que era único e que “morreu”, sob a terra, será gerador de muitos outros em seguida. Não podemos ver a morte de Jesus de maneira isolada, somente levando em consideração os fatos da Semana Santa. Ela só será totalmente significativa, sendo contemplada como se num filme, no qual pudéssemos acompanhar toda sua vida e o que se seguiu, o cristianismo, até hoje. O sentido da vida de Jesus se completa como semente geradora de tantos e tantos frutos. Precisa ser sentida através da experiência pessoal, cristológica, de cada um e também vista através da história. Pistas para reflexão: - Também quero “ver” Jesus? - O que significa, na minha realidade, dar frutos? - Vejo-me como fruto da semente Jesus enterrada naquela sextafeira em Jerusalém? Domingo de Ramos O povo faz festa para receber Jesus Jesus e seus discípulos aproximavam-se de Jerusalém e chegaram aos arredores de Betfagé e de Betânia, perto do monte das Oliveiras. Desse lugar Jesus enviou dois dos seus discípulos, dizendo-lhes: "Ide à aldeia que está defronte de vós e, logo ao entrardes nela, achareis preso um jumentinho, em que não montou ainda homem algum; desprendei-o e trazei-mo. E se alguém vos perguntar: Que fazeis? dizei: O Senhor precisa dele, mas daqui a pouco o devolverá." Indo eles, acharam o jumentinho atado fora, diante duma porta, na curva do caminho. Iam-no desprendendo, quando alguns dos que ali estavam perguntaram: "Ei, que estais fazendo? Por que soltais o jumentinho?" Responderam como Jesus lhes havia ordenado; e deixaram-no levar. Conduziram a Jesus o jumentinho, cobriram-no com seus mantos, e Jesus montou nele. Muitos estendiam seus mantos no caminho; outros cortavam ramos das árvores e espalhavam-nos, pelo chão. Tanto os que precediam como os que iam atrás clamavam: "Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! O Bendito o Rei! Que vai começar, o reino de Davi, nosso pai! Hosana no mais alto dos céus!". Mc 11,1-10 Duas historinhas Noite de domingo e a torcida comemora ruidosamente a vitória do time. Nem uma semana havia se passado e aquele mesmo clube é goleado, num jogo que muitos consideravam facílimo. Verdadeiras favas contadas. Aqueles mesmos torcedores que aplaudiam, agora marcham agressivos rumo à sua sede cobrando, violentamente, a exclusão de jogadores que poucos dias antes carregaram nos ombros. Ao chegar do trabalho a mãe encontra o filhinho, com uma garrafa de álcool e caixa de fósforos, querendo botar fogo numa tampinha de garrafa. Assustada toma-lhe aquilo das mãos e o repreende fortemente. Diz-lhe dos riscos de queimaduras e de que poderia ter se machucado sério. A criança, julgando-se cuidadosa, continua sem entender os motivos, de lhe ter do tomado tão interessante brinquedo e chora indignada, sentindo-se injustiçada. Somente alguns anos depois, verá quão necessário tinha sido aquele ato, que julgara sem sentido, da mãe. Jesus envia dois dos seus discípulos para trazer-lhe um burrinho e é interessante notar, que não explica os motivos. Podemos imaginar a cabeça deles, tentando decifrar os porquês daquela missão. O que quererá o Senhor fazer com este animal? É o que deviam ir se perguntando. Assim também acontece conosco. Não entendemos o sentido do que Jesus nos solicita e intrigados, ou pensando haver algum erro (como se Deus pudesse se enganar), permanecemos quietos e acomodados. Agimos diferente dos seus apóstolos, que cumprem o serviço e só depois é que irão conhecer o que Jesus queria com aquilo. De vez em quando é necessário algo como uma subida à montanha – um retiro, por exemplo - para que se possa ter uma vista, mais ampla, das passadas do Senhor pela nossa vida. Nessas revisões poderemos nos surpreender ao descobrir que muito daquilo que não parecia ter sentido e mesmo era causador de angústia e tristeza, agora não mais aborrece, eis que já possui pleno significado. Em Deus tudo faz sentido. De todas as coisas Ele retira o bem. Mesmo que a limitação humana impeça de perceber este mistério, cabe-nos crer que Ele é sempre mais e faz novas todas as coisas. A pregação do Reino, ao invés de entusiasmar a todos, animando-os para o trabalho de construção do projeto de Deus na Terra, gera inimigos importantes. Jesus arrasta o povo, mas as autoridades se sentem incomodadas e pretendem eliminá-lo. O anúncio da Boa Nova prevê mudanças na forma de ver o mundo e principalmente de vivê-lo. Acomodados ao poder ponderam que é melhor calar esta voz tão incômoda e que encanta as pessoas simples. O rei naqueles tempos, quando ia assumir o poder sobre um lugar, organizava uma parada adentrando nele montado no mais belo cavalo das suas cocheiras. Atrás deles marchavam seus exércitos armados para intimidar o povo, mostrando quem é que mandava ali. Jesus segue o mesmo esquema simbólico, mas como é um rei diferente, eis que “seu poder não é deste mundo”, entra na capital montado num burrinho. Seu exército não possui armas que matam, mas que acolhem. A arma de Jesus que tanto assustava os poderosos era a sua Palavra. O Evangelho ainda causa conflitos e surpreende hoje em dia. Por isto se procura, de várias maneiras, moldá-lo, ou dizendo de outra forma, amansá-lo domesticando-o aos nossos desejos e comodidades. Apesar disto ele continua livre, eis que é fruto do Espírito de Deus e este sopra com imensa liberdade aonde quer. Além dessas acomodações é fácil ver o mau uso da Palavra, justificando situações que Jesus, por tudo que podemos sentir da sua vida, não referendaria jamais. A vida não se separa entre as coisas boas e bonitas de uma parte e as dores e sofrimentos de outra. Mesmo que só consigamos reparar em um desses lados, ela acontece misturada. E é assim que Jesus entra em Jerusalém. No seu burrinho Ele é recebido com vivas pelo povão. A mesma gente que daí a pouco tempo estará gritando para crucificálo e soltar Barrabás. Simbolismos de vida e morte se misturam na entrada de Jesus em Jerusalém, como também nas vidas de cada um dos seus seguidores. Importa que conhecemos o final da história. Mesmo que em alguns momentos (e eles, não nos enganemos, irão acontecer) a morte pareça ter vencido, esta vitória é de mentira. Ela não se sustenta. A vida tem a Palavra final e esta, veremos no próximo domingo, é a exaltação do Filho Fiel e Justo pelo Pai. Jesus, já o sabemos, irá ressuscitar. No Domingo de Ramos nos colocamos em procissão. Nas palmas que balançamos cantando e louvando o nosso Senhor, coloquemos tudo aquilo que fizemos neste tempo quaresmal, para nos colocarmos mais próximos dele, buscando segui-lo mais de perto, sendo mais coerentes, verdadeiros discípulos. Peçamos a coragem de estar com Ele não somente nos momentos de alegria e louvor, mas também naqueles carregados de dúvidas, dor, sofrimento e morte, que Ele viverá nos próximos dias e que já, antecipadamente, contemplamos nesta Liturgia. Pistas para reflexão: - O que na Palavra de Jesus me assusta? - Vejo as passadas de Jesus dando sentido à minha história? - Quais frutos dessa caminhada quaresmal já sinto na vida? Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo – Mc 15, 1-39 Vigília Pascal Alegremo-nos, o Senhor nos aguarda no futuro Depois que terminou o sábado, Maria Madalena, Salomé e Maria, a mãe de Tiago, compraram perfumes para perfumar o corpo de Jesus. No domingo, bem cedo, ao nascer do sol, elas foram ao túmulo. No caminho perguntavam umas às outras: Quem vai tirar para nós a pedra que fecha a entrada do túmulo? Elas diziam isso porque a pedra era muito grande. Mas, quando olharam, viram que ela já havia sido tirada. Então elas entraram no túmulo e viram um moço vestido de branco sentado no lado direito. Elas ficaram muito assustadas, mas ele disse: Não se assustem! Sei que vocês estão procurando Jesus de Nazaré, que foi crucificado; mas ele não está aqui, pois já foi ressuscitado. Vejam o lugar onde ele foi posto. Agora vão e deem este recado a Pedro e aos outros discípulos: "Ele vai adiante de vocês para a Galileia. Lá vocês vão vê-lo, como ele mesmo disse." Mc 16, 1-7 Existia, numa cidade por aí, um homem que não gostava do futuro. Para ele tudo que havia de importante e significativo morava no passado. E era assim que via Deus, lá bem distante no antigamente. Por conta dessa visão de retrovisor, acabou por engessar Jesus e foi assim, bem morto, que o colocou no "museutemplo" da sua vida. Uma estátua bonita de se admirar, mas impossível de ser seguida. Aquele Deus morto não o ajudava em nada e assim ele vivia triste e amargurado. Como Deus só era passado, claro que ele passou a ter muito medo do futuro. Só era capaz de perceber em volta sinais da desgraça a se aproximar. Nosso amigo não conseguia enxergar sinais do Reino de Deus em nada. As coisas desse jeito eram vistas, Deus lá no passado, somente como símbolos de morte. Nada do que acontecia, era capaz de lhe propiciar algum sentido bom de vida. E, pior ainda, as pedras do caminho pareciam ter vida e crescer a cada dia, tornando-se impossíveis de ser retiradas. Uma manhã na qual, como todas as demais, ele se lamentava de tudo, apareceu-lhe um anjo. Uma mulher a lhe contar pacientemente que Deus não se encontrava encerrado no passado, mas sim esperando-o sorridente no futuro. Era adiante dele e não lhe remoendo os acontecidos de ontem, que o Senhor se achava. Pouco a pouco foi sentindo a verdade disto. Seu medo e pessimismo terminaram por se dissipar. Deus estava à frente e foi lá, bem adiante, que Ele pôde, corajosamente, experimentá-lo, deixando que ressuscitasse no futuro da sua existência. Esta é a noite da grande festa, pois Deus exalta o humilhado. O morto vive plenamente. O crucificado da sexta-feira ressuscita glorioso. Esta noite, cantamos na Proclamação da Páscoa que a ressurreição “lava todo crime, liberta o pecador de seus grilhões, dissipa o ódio e dobra os poderosos, enche de luz e paz os corações. Esta noite gloriosa é de “alegria verdadeira... unindo céu e terra inteira”. É a grande noite da esperança cristã. Nessa hora, como os irmãos mais velhos lá naquela noite do Egito, colocamo-nos de prontidão. Estamos atentos porque o Senhor deixará o túmulo e se fará presente entre nós. Ele é a nova luz que encanta e dá sentido a toda nossa caminhada pela existência. O absurdo que havia acontecido. O grande pecado da humanidade, querendo eliminar Deus do nosso meio fracassa. O bem tem a última palavra. No princípio é o Verbo e no fim também está o Verbo. Deus está vivo, aleluia! Alegremo-nos todos e festejemos. A Liturgia da Palavra propõe-nos visitar toda a história da salvação. É necessário ver Deus se revelando na história, progressivamente, para sentir mais profundamente a liberdade da ressurreição. Reparar assim, que a chegada de Jesus já estava sendo preparada desde o início dos tempos. A madrugada de Páscoa preenche de significados aquilo que não possuía sentido. Parecia total absurdo. Deus é totalmente fiel. Ele não havia abandonado seu filho na cruz e na sepultura, como nunca abandonará nenhum dos seus filhos em meio à vida, em suas “cruzes e sepulturas”. Mesmo que em meio à tristeza, decepções e doenças, é preciso que sintamos a presença dele. E quando o identificarmos ressuscitado, saberemos que há um sentido maior na vida que, mesmo estando ainda incompreensível, convida-nos ao salto de fé: o salto para o colo do Pai. É provável que na sua paróquia, devido à arrumação da celebração e ligadas à questão horário, não tenham sido proclamadas todas as leituras da vigília. Sugiro, caso tenha sido este o seu caso, que as faça em casa. A liturgia foi feita para outra eras, mais calmas. Infelizmente, vivemos em tempos de correria e neles, muitas vezes, podemos alegar não ter tempo para contemplar as maravilhas de Deus no mundo. O problema é que quanto mais corremos, mais percebemos que estamos atrasados e assim perdemos muito desse Jesus Cristo que está adiante... Como precisamos deste tempo de Deus, desse Kairós contemplativo de toda a história de Deus em nós, para mais profundamente sentir seu Amor! Do Evangelho de Marcos nesta vigília proponho alguns sinais para reflexão Pascal. Três mulheres vão cuidar do corpo de Jesus. Compram perfumes para ungi-lo e ao nascer do sol partem para encontrá-lo no túmulo. Algo bem natural. Uma pessoa que morre tem obviamente seu corpo na sepultura. Mas com Jesus é diferente. O evangelista quer que atentemos para o fato, de que elas buscam por Jesus de uma maneira equivocada. Ele não fica no túmulo. Afinal nosso Deus é o Deus da vida e não da morte e cemitério é lugar de decomposição de corpos e de mau cheiro. É bem possível que, também nós, estejamos buscando o Senhor em lugares de morte. É claro que não o encontraremos neles. Quais são estes locais? Caberá a cada um de nós refletir na vida, para saber se buscamos Jesus na luz da existência, ou na escuridão do túmulo. Locais de morte entristecem e desolam. Levam para o rumo do pessimismo, da falta de sentido das coisas, do conseguir enxergar somente o erro; promovem a injustiça, o egoísmo, a divisão e o preconceito... Locais de vida são alegres e nos consolam. Trazem-nos a compreensão maior das coisas, mesmo naquelas horas nas quais se está envolto em meio às dores, crises e dificuldades. São geradores de paz, fazem acontecer a justiça, propiciam a partilha; movem para o acolhimento impulsionando em direção ao outro, principalmente o diferente, o pobre e excluído. Três mulheres que sabem haver à frente uma pedra muito grande e que se sentem sem forças para removê-la. São muitas as pedras com as quais nos deparamos vida afora. Algumas delas imensas, como as do túmulo de Jesus. Sozinho não se conseguirá arrastá-las. Há que se confiar em Deus. É Ele quem consegue afastar as pedras, ou seja, tudo aquilo que nos impede de caminhar para Ele e de vê-lo. Mas, atenção. Não é para se ficar de braços cruzados, somente na confiança de que o Senhor fará tudo. É preciso trabalhar com as ferramentas que o Amor de Deus nos propicia, através da inteligência, por exemplo, para que o milagre da retirada das pedras possa ocorrer. Na encarnação Maria diz seu sim a Deus. Na ressurreição o primeiro “sim, estou vivo” é dado também a mulheres. É a elas, mulheres que se animam e se dispõem a ir ter com Jesus, mesmo que em lugar errado, que Ele anunciará primeiramente a sua exaltação. Está aqui um sinal ao qual a Igreja – todos nós, ordenados ou não – precisamos prestar mais atenção. Nossa fé no Senhor Jesus tem seu começo com Maria dizendo sim ao anjo e culmina sua revelação com o anjo dizendo “sim, Ele ressuscitou” a mulheres. Sem as mulheres, o que seria de nós todos na Igreja? Não fosse o ânimo e generosa doação, para encontrar e cuidar do Senhor para assim levá-lo a todos como catequistas, animadoras de comunidades, ministras da Eucaristia, do culto e da palavra... sem dúvidas que haveria ainda maior falta de Deus na nossa Terra. Não fossem as mulheres, quantos e quantos, nesses lugares longínquos do Brasil, não ficariam privados da Eucaristia nos domingos... O último sinal que lhes trago diz respeito ao lugar para aonde Jesus está indo. Ele vai, segundo conta o anjo, àGaliléia, mas estar lá na Galiléia, como nos relata Marcos, ou em Jerusalém como nos dirá Lucas, é o que menos importa aqui para nós. O que é fundamental nesta hora de Páscoa é saber que “Ele irá à vossa frente”. Como somos tolos (somos tantas vezes o homem da historinha de hoje) em ficar procurando Jesus em sepulturas do passado. Ele está sempre à frente. O ontem está feito. Não dá para ser modificado. O que pode ser criado está adiante e caminhando diante de nós, para fazer nova a realidade, vai o Senhor ressuscitado. Aleluia! Pistas para reflexão: - Onde costumo procurar Jesus? - De que maneira tenho lidado com as “pedras”? - Em que aspectos Deus está me ressuscitando? - Sinto-o vivo no meu futuro? Páscoa do Senhor O Senhor ressuscitou, aleluia! No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo logo de manhã, ainda escuro, e viu retirada a pedra que o tapava. Correndo, foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, o que Jesus amava, e disse-lhes: «O Senhor foi levado do túmulo e não sabemos onde o puseram.» Pedro saiu com o outro discípulo e foram ao túmulo. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Inclinou-se para observar e reparou que os panos de linho estavam espalmados no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no túmulo e ficou admirado ao ver os panos de linho espalmados no chão, ao passo que o lenço que tivera em volta da cabeça não estava espalmado no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição. Então, entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao túmulo. Viu e começou a crer, pois ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos. Jo 20, 1-9 Havia uma cidade de gente completamente racional. Só acreditavam naquilo que viam. E eles viam tão pouco. Todos por lá eram míopes. Enxergavam quase nada, adiante do que ocorria além dos seus narizes. Um dia chegou por lá alguém a lhes contar interessantes novidades. Coisas que iam bem mais além da compreensão dos cinco sentidos. Daquilo que a visita lhes falava, só conseguiriam ver com os olhos do coração. Suas pobres visões embaçadas não tinham ali nenhuma serventia. E foi assim que encontraram o Amor infinito de Deus em suas vidas. Viram que havia uma imensidão de coisas, além do que eram capazes de perceber. Mas o que de melhor mesmo eles descobriram, foi que o Amor nunca morre. Ele ressuscita sempre. Desse jeito, porque começaram a amar, terminaram por descobrir que tinham se tornado seres eternos. Estamos no domingo e, como vimos na noite de ontem, durante a vigília, novamente são as mulheres que primeiro estão atentas aos sinais da ressurreição. Elas, além de acolher a vida no útero, são sempre mais cuidadosas e intuitivas. Nós, os homens, temos muito a aprender com elas. Maria Madalena, a mulher que tanto amava Jesus vai ao túmulo. A vontade de encontrar seu amado era tão grande nela, que nem se deu conta de que o buscava em lugar errado. Deus não vive entre os mortos. Afinal Ele é o Deus da vida e não poderia permanecer entre cadáveres, mas Maria de Magdala ainda não havia se dado conta disto. A primeira reação que vive é totalmente humana. Muito provavelmente a nossa teria se dado nessa mesma linha: “tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”. Como, sem contar com o Espírito Santo, seríamos capazes de proclamar, ainda mais assim de supetão, que o nosso Senhor tinha ressuscitado? É aos poucos, quando se põe a caminho, que se vai abrindo a visão e se consegue enxergar, com os olhos da fé, a luz do Senhor vivo entre nós. Quando se ama Jesus, não se consegue ficar quieto nem parado. Para estar perto dele é preciso buscá-lo e o tempo é curto. Urge ser rápido. Há que se colocar os meios e nesse caso foram as pernas. É necessário se colocar a caminho e mesmo correr. Maria Madalena volta célere para chamar Pedro e João. Esses dois, sem dúvida assustados com o que lhes relatava a discípula, também correm em direção à sepultura de Jesus. Também eles não haviam compreendido nada ainda e por isto, como elas, erram a direção do encontro com o Senhor das suas vidas. Gosto de contemplar esta cena. Ver o líder mais velho, o jovem discípulo e, com certeza, Maria Madalena que os tinha ido avisar, em desabalada carreira pelas ruas de Jerusalém. Nesta corrida é interessante ver, no relato joanino, que é o discípulo que Jesus amava aquele que chega antes. Sinto aí ao rezar este cenário três abordagens. A primeira é que aquele que é mais jovem, obviamente tem as pernas mais ágeis e por isto chega antes. A outra é que quem ama mais, dá passos maiores e por isto alcança primeiro o objetivo. A última é que nessa hora não fica dito que Maria Madalena, que na minha contemplação, correu de volta com eles para o túmulo bem antes, ainda quando se fazia escuro, havia estado por lá. A morte de Jesus é fato totalmente histórico, sendo testemunhado, inclusive, por fontes não cristãs. Já a ressurreição requer ser contemplada através de nova visão. Tão profunda e abrangente que esses nossos olhos míopes (somos o povo da historinha) são incapazes de enxergar. É que a ressurreição de Jesus vai muito além da história. Podemos vê-la como uma dessas cenas de filme na qual, num cenário vazio, rompe-se o papel que compõe o ambiente e um personagem surge. Sim, Jesus rompe a história. Vai até o outro lado dela e retorna até nós, rasgando o véu que nos separa da plena eternidade. A partir da ressurreição Jesus de Nazaré ganha mais um nome. Agora, glorificado pelo seu Pai, assume plenamente a sua condição de Cristo, o Messias que nos salva a partir da entrega total e fiel à missão de Amor, que lhe tinha sido confiada pelo Pai. O Jesus histórico se completa no Cristo da fé. Estejamos atentos à tentação de nos atermos, somente a uma dessas partes. Ficar no Jesus histórico apenas, é se esquecer da divindade daquele que o Pai exalta. Permanecer ligado ao Cristo da fé, esquecido do homem Jesus, é desconsiderar sua encarnação e humanidade. Na Igreja, ao longo da história, facilmente veremos os problemas que um e outro enfoque são capazes de provocar. A ressurreição de Jesus é fato fundamental da nossa fé. Prova inconteste de que a vida, por mais que pareça haver terminado, nunca tem fim. Ele é exaltado e ressuscita, para nos mostrar que também nós, filhos do mesmo Pai que só sabe Amar e estar perto dos filhinhos, também irá nos ressuscitar. A Páscoa é tempo mais que propício para nos recordarmos disto. Tudo começa e caminha no Amor. É também uma tentação acharmos que o Amor acaba. A ressurreição é a prova dos nove de que Ele nunca termina. Há uns anos, um jornalista da América Central estava ameaçado de morte, por militares do seu país. Escreveu então para eles uma carta, na qual dizia não se sentir ameaçado de morte, mas sim de vida, eis que nunca conseguiriam assassiná-lo. É que a sua vida, a partir da ressurreição de Jesus, tornara-se eterna. Não somente ele, mas todos nós somos “condenados” à eternidade. Um tempo que não acaba nunca, só de gozo e alegria, junto ao Amor da Trindade Santa porque, aleluia, Ele ressuscitou! Pistas para reflexão: - Corro para buscar Jesus? - O crucificado é o ressuscitado. Que consequências isto tem para mim? - De que maneira sinto na vida a ressurreição? - Creio na ressurreição dos mortos e na vida eterna? 2º Domingo da Páscoa O essencial é invisível aos olhos Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: A paz esteja convosco! . Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor. Disse-lhes outra vez: A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós. Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos. Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Os outros discípulos disseram-lhe: Vimos o Senhor. Mas ele replicoulhes: Se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no seu lado, não acreditarei! Oito dias depois, estavam os seus discípulos outra vez no mesmo lugar e Tomé com eles. Estando trancadas as portas, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse: A paz esteja convosco! Depois disse a Tomé: Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de fé. Respondeu-lhe Tomé: Meu Senhor e meu Deus! Disse-lhe Jesus: Creste, porque me viste. Felizes aqueles que creem sem ter visto! Fez Jesus, na presença dos seus discípulos, ainda muitos outros milagres que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos, para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome. Jo 20,19-31 Esta é a história de dois grandes e belos terrenos bem amigos. Eram bonitos e neles a natureza plantara árvores e arbustos floridos. No chão a relva alimentava os animais. Regatos serpenteavam límpidos através deles, para encontrar-se mais adiante formando caudaloso rio. Um dia os homens descobriram a fertilidade daquela terra. Os companheiros chegaram a pensar que seriam bem cuidados, mas se enganaram. Motosserras cortaram as árvores, máquinas rasparam o chão e em pouco tempo o lugar era outro. Plantavam ininterruptamente aproveitando a generosidade do solo, mas a fartura não era eterna. A terra bondosa, sem tempo de se recuperar, adoecia a olhos vistos. Fraca era esburacada pela enxurrada, que levava embora sua fertilidade. A areia tomava conta fazendo nascer triste deserto. Cessados os lucros as pessoas partiram. Sozinhos os companheiros amargavam sua dor e nela comportaram-se diferentemente. Um deles não conseguia perdoar o que lhe haviam feito. Endurecera tornando-se pedra. Seus buracos quando tocados provocavam dores horríveis. O outro, ao contrário, perdoou a maldade. Libertou-se do passado. Aos poucos amolecia adubando-se com as folhas trazidas pela chuva. O verde voltou a brotar e logo estava bonito como antigamente. Aquelas crateras feitas pelos humanos permaneciam, mas não mais provocavam dor. Seguimos o itinerário pascal. É necessário aproveitar o caminho da ressurreição ao máximo. Há nesse mistério incontáveis belezas, a serem encontradas e saboreadas. É importante ter abertura de coração, para o mergulho profundo nas águas infinitas da paz, propiciada pelo encontro com o Senhor. Deixar-se surpreender pelo Cristo, mergulhando em seus encantos, a saborear os múltiplos sentidos do Amor. Esses, é importante que se saiba, vão muito além do que dão conta os sentidos do corpo. O essencial, ensina-nos o Pequeno Príncipe, é invisível aos olhos. Nosso Deus ressuscitou. E nessa fé embute-se automaticamente a certeza da ressurreição de cada um de nós. Em Jesus Cristo exaltado pelo Pai, acontece a grande descoberta da vida, que jamais se acaba. A semente de eternidade plantada na Sexta-Feira da Paixão, gera incessantes frutos. Viver em Jesus é estar na dinâmica do infinito. Aliás, é interessante notar que o Evangelho de João, coloca esta aparição na mesma tarde da Páscoa. Enquanto isto Lucas a relata nos Atos dos Apóstolos como acontecida daí a cinquenta dias, em Pentecostes. Parece que João está a nos fazer um convite: Que aproveitemos o Domingo da Páscoa, saboreando ainda mais esse dia extraordinário no qual a vida vence definitivamente a morte. A chegada de Jesus produz a paz. Esta é sua própria identidade. Precisamos criá-la, eis que tê-la em nós é estar na presença de Deus. Três vezes João coloca na boca do Senhor a saudação da paz. Obviamente que aí não há nenhuma coincidência. O evangelista quer frisar, e a repetição gera este efeito, que Jesus e paz andam de mãos dadas. Ou dizendo de maneira inversa, que sem Ele não encontraremos e viveremos a verdadeira paz. Ela é fruto do Espírito Santo. Ao recebê-lo estaremos, automaticamente, nos transformando em artífices dessa paz maior de Deus no mundo. Essa não se configura na ausência de guerra e muito menos na falta de problemas. A paz do Senhor pode trazer complicações. A própria vida dele nesses últimos dias é prova inconteste disto. Temos a impressão de que “Jesus chega”. Este é um jeito simbólico e didático de o evangelista nos contar o fato. Na verdade é preciso imaginar que Ele já está. O Cristo é sempre presença. Portas e paredes, tempo e espaço não se configuram mais como limitação ao Ressuscitado. A nossa percepção é que é mutável. Andamos meio sonolentos, ou até dormindo. É indispensável acordar verdadeiramente, para tomar consciência da sua presença e aí nos damos conta de que “a Paz está conosco”. Deus vive. Ele está junto a nós e por isto nos regozijamos. A alegria verdadeira nasce do Espírito do Senhor e esta não vem de fora para dentro. Nasce no mais íntimo do coração e transborda para os outros através do corpo. A alegria é a paz concretizada no encontro com os irmãos. A paz liberta plenamente. Por isto, ser portador dela e ser pessoa de perdão é a mesma coisa. Quem está em paz carrega a disposição para perdoar e reconciliar-se. Aquele que perdoa vive em paz. O perdão aqui não pode ser visto apenas como aquele produzido pelo sacramento da Reconciliação através do sacerdote ministerial. Pensar assim é cômodo, pois reduz seu sentido somente ao pecado a ser “confessado”. A dinâmica do perdão é maior e deve se dar em todo momento na relação conosco mesmo, com o outro, diante da comunidade, do mundo e com a Trindade Santa. O perdão é plenamente libertador. Ele nos livra das amarras que nos prendem ao passado. Não perdoar é querer que as feridas continuem sangrando e dolorosas, mesmo que haja passado muito tempo que tenham sido feitas. Perdoar é entrar no processo da ressurreição. Esse perdão do qual somos portadores não quer dizer esquecimento. As marcas do mal são como as cicatrizes. Não precisamos apagá-las, como se houvesse havido uma plástica. Fazem parte da história, só que perdoadas já não doem. Nas cicatrizes curadas podemos colocar os dedos sem correr o risco de sentir dor. Jesus glorioso carrega as marcas da paixão. Só que, já perdoadas, elas não lhe causam mais sofrimento. Há um recado muito consolador no Evangelho. Somos bemaventurados porque não precisamos ver, mas acreditamos com os olhos da fé. Esta nasce da experiência pessoal que cada um tem com o Salvador. Fé que necessita estar em constante crescimento. Para tal, não há dúvidas que necessita ser questionada. Sim, não tenhamos medo das dúvidas. São elas que nos gerarão raízes profundas e asas mais fortes, para que nos acheguemos cada dia mais perto de Deus. Pistas para reflexão: - Creio com os olhos ou com o coração? - O que o Ressuscitado convida-me a perdoar em três dimensões: em mim, no outro e na comunidade? - Sou portador da paz? 3º Domingo da Páscoa Para haver ressurreição é preciso que tudo se cumpra Os discípulos contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!” Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma. Mas Jesus disse: “Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”. E dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés. Mas eles ainda não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos. Então Jesus disse: “Tendes aqui alguma coisa para comer?” Deram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu diante deles.Depois disse-lhes: “São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, e lhes disse: “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Lc. 24, 35-48 Era uma mulher triste. A vida deixara de ter sentido, após as perdas sofridas. Fora despedida do emprego, seu amor partira, uma amiga a havia traído. Em nada conseguia enxergar coerência e lógica. O absurdo havia tomado conta de tudo. O tempo passou e ela, mesmo triste, um dia tomou a resolução de revisitar o passado. Olhou para trás e assustou-se. Parecia ver um fantasma. Firmou os olhos e o Senhor lhe sorria. Mostrava-lhe as chagas convidando-a para que pusesse nelas os dedos. Num átimo tudo adquiria clareza e sentido. Em cada passo daquele calvário que até então vivera, reparava as pegadas de Jesus dando significado a tudo. Nesse momento a alegria invadiu seu coração e, surpreendida, viu que tudo o que lhe parecera confuso tornara-se preciso. Passou a agradecer a Deus pelo dom da vida, pelo que tinha vivido e qpelas crises que a fizeram crescer. Tomara consciência de que Ele estivera com ela em todos aqueles duros momentos. Sentia não poder ficar calada, muito menos quieta. Era preciso testemunhar toda aquela maravilha com as outras pessoas. Para compreender melhor o Evangelho de Lucas neste domingo, é necessário compor a cena, verificando o que havia ocorrido um pouco antes. Estamos agora diante da continuidade do relato daquele encontro, dos dois discípulos de Emaús com o Ressuscitado. Desanimados eles voltavam de Jerusalém para suas casas porque tudo havia perdido seu sentido. Seu Senhor tinha fracassado, fora pregado na cruz. Aqui os veremos relatando para o grupo de companheiros, ainda receosos e amedrontados, a maneira como reconheceram Jesus quando lhes partia o pão. O reconhecimento do Cristo pelos discípulos de hoje, continua a se dar na partilha do alimento. Esta, para ser completa, deve acontecer em três níveis fundamentais e complementares. O primeiro é a reunião da comunidade, para fazer memória de todo o acontecido na história da salvação, até a chegada de Jesus, o salvador. É assim que acontece conosco na primeira parte da missa. Nela “contamos”, da mesma forma que os discípulos de Emaús relatavam o ocorrido, o que aconteceu na caminhada do Povo de Deus. É a nossa Mesa partilhada a nos trazer o alimento da Palavra. Em seguida temos a Mesa Eucarística. Nela reconhecemos Jesus na fração do pão e, muito mais ainda, nos alimentamos dele. É o momento daquele reforço tão confortador e necessário, de nos sentirmos filhos amados, comunidade de irmãos, os seguidores de Jesus. Hora de sentir o coração arder, porque Ele está conosco, nos dando força e coragem para prosseguir no caminho. O peito fica aquecido, sentimo-nos bem, acolhidos pelos que conosco partilham a mesma fé. Falamos a mesma língua, nos reconhecemos pelos sentidos, ninguém nos ignora, todos nos reconhecem... Acontece aqui a tentação de permanecer só na alegria e na surpresa do encontro com o Senhor. Temos que superá-la e vencê-la significa partir para o mundo. Eis aqui o terceiro nível: colocar-se na estrada sendo testemunhas dele. Alimentados pela Palavra e Eucaristia, há que se partir para o irmão que está fora. Aquele que pensa diferente e que não fala a nossa mesma língua, não nos reconhece, nos questiona e muitas vezes nos critica. Apesar desta casca aparentemente dura, ele está ávido do Senhor. Cabe-nos encontrar a linguagem mais adequada, o carinho e o cuidado na ajuda e apoio, para que também possa se alimentar, igual a nós, das maravilhas de Deus. Será no reconhecimento do irmão, acontecido mais além da comunidade (no caminho), que o encontro com Jesus Cristo na Palavra e no Pão Eucarístico estará pleno de sentido e significado. “A Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja” é o que nos ensinam os padres da Igreja, mas este mistério não se dá só no Templo. A Igreja e a Eucaristia se fazem no meio dos homens. Ser Igreja e ser Eucarístico é sair, discípulo missionário, como nos convoca Aparecida, a levar o Senhor – Palavra e pão partilhado - a todos. Para que não haja mais necessitados da Palavra e de alimento, em nosso meio. Estar com Jesus é partilhar comida. Estar com Ele é fazer o que fez, tornando-se sua testemunha. É interessante reparar que mesmo já tendo visto o Senhor ressuscitado, sempre haverá surpresas, e mais ainda, as dúvidas poderão novamente nos acometer. Por isto é tão fundamental a comunidade. Nela reviveremos diariamente a experiência da memória da Palavra e da Partilha do Pão, a nos confirmar ininterruptamente que Ele está vivo e nos convida a seguir adiante. Ouvir a Palavra e comungar é “ver” de novo, é “tocar” as chagas que ainda existem, mas já não doem. O encontro com Jesus Cristo vivo é causador de paz e alegria, como já tínhamos visto domingo passado. Mas, mais ainda ele será sempre surpreendente. Apesar de que os gestos são conhecidos: o partir o pão, a palavra, o caminhar, eles sempre nos deixarão admirados, eis que Deus em nós é sempre novo. Toda vez que o reconhecermos, Ele estará nos ensinando algo diferente e necessário para o caminho. Exato como fazia com seus discípulos neste texto de Lucas. Em Jesus se cumpre todo o Antigo Testamento: a Lei de Moisés, os profetas e os Salmos. Nele a revelação progressiva do Amor e carinho de Deus se completa. “Eu e o Pai somos um”. É preciso então que o tempo se faça pleno. E este acontecerá também em cada um de nós. Que chegue, como gosta de dizer João, “a hora”. Esta, aqui é preciso cuidado, não acontece da forma que vimos na paixão, porque Deus assim o tenha desejado, mas simplesmente porque o coração duro da humanidade assim o quis. Pensar diferente é crer num deus que, definitivamente, está muito distante daquele que Jesus veio nos trazer. Nascemos e a cada passo do crescimento, é preciso haver em nós mais humanidade. Cumprir a humanização, que poderíamos traduzir por santificação, é a tarefa primordial do cristão. Quanto mais nos dermos conta do quão humanos somos, mais estaremos sendo precisos neste sentido. Nessa precisão de que tudo se cumpra, é que são experimentadas as vicissitudes da existência. Alegrias e realizações de um lado, dores e fracassos de outro. Esta é a vida e cumpri-la, eis que é necessário que tudo se cumpra, é crescer com tudo que nos aconteça. Foi assim com Jesus. Que seja assim com cada um de nós, para que nos tornemos suas testemunhas. Pistas para reflexão: - As mesas da Palavra e Eucarística tem me levado à mesa da partilha? - Tenho reconhecido Jesus nas pessoas que encontro? - O que é preciso que se cumpra em mim para que reconheça o Senhor? 4º Domingo da Páscoa O bom pastor dá a vida por suas ovelhas “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa. Pois ele é apenas um mercenário e não se importa com as ovelhas. Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir; escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor. É por isso que meu Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente. Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; esta é a ordem que recebi de meu Pai”. Jo 10, 11-18 Era uma vez uma professora. A idade avançada fazia com que se tornasse, cada dia, mais difícil a escalada dos muitos degraus, até a escolinha no alto do morro. Enquanto subia pensava nas tantas colegas que tinham desistido daquelas crianças. Além da dificuldade em se chegar ao local, iam embora dizendo ter perdido tempo com alunos sem futuro. Dali não sairia nada de bom. Ela, ao contrário, os via capazes de maravilhas. Era incapaz de ter para eles aquele olhar determinista e frio das antigas companheiras. Nas suas carinhas, às vezes sujas, enxergava o brilho e a beleza do rosto do Menino Jesus. Persistira e olhando para trás, dava-se conta da vida inteira doada, como pastora, para aqueles tantos meninos e meninas pobres. Para compor a cena da narrativa do Evangelho de hoje é preciso sair do ambiente urbano e viajar ao campo. O cenário é pastoril, distante da realidade brasileira. Na verdade não é comum esse tipo de pastoreio no nosso país. Por isto o esforço para compor, com os olhos do coração, este cenário será um pouco maior. Por outro lado isto tem suas vantagens, eis que nos oferecerá maior liberdade para dar asas à imaginação. Para Jesus, ao contrário, pastores e ovelhas andavam, desde o nascimento, sempre por perto. Nas tantas caminhadas terá se assentado para descansar ao lado de pastores. Dentre eles terá observado aqueles mais cuidadosos, os que gostavam realmente dos animais e os outros, meros cumpridores da obrigação, só tendo aquela profissão porque necessitavam do dinheiro. Esses eram descuidados não dispensando ao rebanho a atenção requerida. Jesus se nomeia pastor e ao fazer isto terá pensado naqueles bondosos e cuidadosos, a curar ovelhinhas feridas, enquanto lhe contavam histórias, como se fossem crianças, de enfrentamentos noturnos, a salvá-las de animais selvagens e até de ladrões. Por isto nos diz que não é simplesmente um pastor. Isto não é o bastante. Ele é o bom pastor. Interessante notar que o uso do artigo definido exclui outros possíveis bons pastores. No pastoreio dele não há como se fazer comparações. Não existiram, nem temos hoje, ou haverá no amanhã pastores como Ele. Nosso Senhor é único na bondade infinita da condução do seu rebanho, rumo às verdes pastagens e águas cristalinas, como cantava o salmista. Não se é bom pela metade. Ser bom é doar-se todo. Não ter hora e nem limites para o cuidado com as ovelhas. Jesus é bom e isto significa que nada ponderará, ou medirá na bondade com aqueles que o Pai lhe confiou. Ser bom pastor é se colocar na posição de servidor das suas ovelhas. A existência do pastor se justifica no rebanho a ser cuidado. O bom pastor conhece as suas ovelhas e por elas é reconhecido. Ele sabe das agruras e necessidades que sentem. Elas o reconhecem, porque Ele as ama, é afetuoso e as escuta. Reconhecer o outro é o primeiro passo para o Amor. Somente quem é reconhecido torna-se capaz da descoberta do se sentir amado, imbuído da plena dignidade de filho de Deus. É preciso que reforcemos a certeza de que somos reconhecidos por Jesus como suas ovelhas queridas. Para cada um de nós Ele tem uma mirada especial, única. Ele nos resgata naquele olhar infinitamente amoroso, que talvez tenhamos perdido em algum momento da infância. Cada ovelha do rebanho é um sonho estupendo da Trindade Santa. Deus, através do bom pastor, vibra conosco, nos imaginando bem maiores do que somos hoje. Por isto, impele-nos sempre ao crescimento. Por mais que tenhamos falhado e nos afastado, seu olhar cuidadoso e confiante nas nossas capacidades se mantém firme. Vivemos tempo fértil de pastores. Há vários por aí, mas nenhum deles é o bom. Alguns até os identificaremos como mercenários em busca da lã dos rebanhos. O bom pastor mira o coração das suas ovelhas. Ao mesmo tempo notamos que o olhar do Bom Pastor vai além. Está posto nos tantos cordeirinhos que ainda não fazem parte do seu rebanho. Somos nós, as ovelhas do seu redil, que deveremos sair, mundo afora, em busca dessa multidão ansiosa pelo Bom Pastor. A imagem bucólica de um bando de ovelhinhas parecendo clonadas, não faz jus ao bom pastor. Somos ovelhas humanas a construir a história rumo ao Pai. Definitivamente que não somos cordeirinhos, totalmente previsíveis no modo de pensar, sentir e agir. Somos criados na liberdade de Deus, à sua imagem e semelhança. Diferentes demais daqueles animaizinhos do campo, que só realizam aquilo que o instinto lhes determina. Nascemos “ovelhas” humanas para nos tornarmos santos e diferentemente dos belos cordeirinhos, cada um de nós possui missão específica e concreta no mundo. É preciso tomar cuidado, para não se ficar na imagem da “ovelha de presépio”. Aquela que não indaga, não tem dúvidas e por isto não cresce. Somos convocados a ser mais. No passado caiu-se várias vezes na tentação de crer que as “ovelhas” não ordenadas eram meras possuidoras do que se chamava “fé do carvoeiro”. Ou seja, críamos porque a Igreja assim o cria. Não é bem assim. Nós cremos porque tivemos um encontro pessoal com o bom pastor, Jesus Cristo. Tenhamos atenção para não deixar que as saudades de um tempo pré-conciliar, por parte de alguns setores, leve-nos a novos escorregões nesta linha. Pistas para reflexão: - Reconheço em mim a voz do Bom Pastor? - O que tenho feito pelas ovelhas fora do aprisco do Senhor? - Qual a razão da minha fé? 5º Domingo da Páscoa Sem mim nada podeis fazer Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. Ele corta todo o ramo que não dá fruto em mim e poda o que dá fruto, para que dê mais fruto ainda. Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado. Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer. Se alguém não permanece em mim, é lançado fora, como um ramo, e seca. Esses são apanhados e lançados ao fogo, e ardem. Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e assim vos acontecerá. Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos. Jo 15, 1-8 Dom Helder Câmara ao encontrar algum dos seus amigos, mendigos das ruas de Roma, naqueles tempos do Concílio Vaticano II, costumava pedir-lhe: “Diga-me algo da parte de Deus meu irmão”. O profeta sentia o quanto aquele ser tão abandonado recebia, mesmo que disso não tivesse a menor consciência, a seiva do Amor que brota do Tronco do Pai. Da mesma maneira que víamos Jesus descansando, por perto de pastores com suas ovelhas, na semana passada, neste domingo iremos contemplá-lo a admirar as videiras Ao observá-las virá nos falar de variadas situações, básicas para a realização do ser humano. Dentre tantas destaco essas cinco para nossa reflexão: Nenhum de nós é ilha e consegue viver independente dos outros; os frutos serão mais abundantes quando ocorrer sinergia; a evidência de que para o crescimento é necessário que haja podas; a força da oração de petição e por último a necessidade primordial que temos de estar unidos a Deus. 1 - Este Evangelho me traz a impressão de que João escrevia diretamente para nós, homens e mulheres do Século XXI. Vivemos tempos nos quais impera o individualismo. Sem sombra de dúvida, uma das mais fortes características da chamada Pós-modernidade. O mundo, quanto menor se torna, deixando-nos mais próximos uns dos outros, mais se faz gerador de solidão. Um africano numa missa que não aconteceu no Brasil, mas poderia muito bem ter ocorrido em nosso país, mostrava-se surpreso ao ver que as pessoas, para celebrar como comunidade, ao contrário do que se acostumara a observar em sua terra, buscavam se assentar distantes uma das outras. Mais triste ainda é constatar que esse colocar-se longe do outro nos levará, automaticamente, a uma maior lonjura de Deus. 2 – O trabalho integrado na comunidade é provocador de sinergia, porque nele está presente o Senhor. Por isto, na comunidade, quando nos colocamos na confiança de que sem Ele nada podemos, dois mais dois serão sempre mais que quatro. Há um ditado terrível a nos demonstrar nosso individualismo e que por isto, mesmo o citando, nunca poderia ter vindo de Deus. Neste equívoco se costuma dizer que a vida se dá assim: “cada um por si e Deus por todos”. Não se pode viver na videira sem se estar ligado aos irmãos. Esta ligação provoca compromisso com todos e propicia a maravilha da multiplicação dos bens produzidos, como no milagre dos pães e dos peixes. Juntos podemos muito mais. Em Deus somos seres focados no infinito. Por isto é preciso combater os convites, uns subliminares e outros nem tanto, que nos impelem à ação solitária. O exemplo vem do próprio Deus. Ele é comunidade plena de amor e integração entre Pai, Filho e Espírito Santo. 3 – A poda é o limite necessário, para que haja ordem interna e não acabemos desintegrados. Tal fato se dá quando se atua indiferente ao tronco, que a todos reúne. A sociedade, cada vez mais permissiva, não vê com bons olhos a poda do crescimento. Exemplo disso são os pais e mães que, em nome de uma pretensa liberdade, tudo permitem aos filhos. São geradores de adultos incapazes de conviver com a falta e a frustração. Cortes assim são fundamentais também para a vida espiritual. Nessa hora aquele que nos aplica a tesoura, em ramos que deixaram de ser significativos, é o Senhor. A crise, vista várias vezes como estorvo, precisa ser olhada como o tempo de poda. Esta nos fará melhores. Mais capacitados a gerar abundantes frutos. 4 – Estando unidos ao tronco podemos pedir qualquer coisa que esta nos será concedida. A tal frase do Evangelho é possível que alguém torça o nariz. “Afinal quantas vezes pedi com fervor e nada do que solicitei me foi dado”. Podemos pensar e murmurar algo assim. É preciso ver que a oração de petição, de maneira alguma é mágica, com entregas rápidas e automáticas, como a daquela pizza solicitada pelo telefone. Sabemos muito pouco da realidade e muito menos ainda de Deus. Uma criança a brincar com uma faca, chorará com raiva quando a mãe lhe toma a arma, inocentemente, usada como brinquedo. Deus vê muito além daquilo que nossos olhos são capazes de enxergar. Ao olhar a estrada da vida já percorrida pode-se deparar com surpresas. Fatos vistos à época como absurdos, iluminados por novas percepções, trazidas pelo tempo, a experiência e a fé, apresentam-se carregados de sentido e significado. É preciso observar também que a oração acompanha o crescimento humano. Um adulto não pode rezar como se fora criança. 5 – É impossível que haja vida onde não esteja presente a misericórdia criadora de Deus. Num exercício absurdo poderíamos imaginar que por um milionésimo de segundo, Ele cochilasse e descuidasse da gente. Tal fato, impossível ao Amor, não significaria a morte, mas o vazio absoluto. Seria como se nada (nós, é claro, incluídos) houvesse algum tempo existido. Portanto, estar ligado ao tronco significa a manutenção da vida. Ramo separado seca e em pouco tempo nem sua cinza existirá mais. Mas esta metáfora tão rica de Jesus não diz tudo. É preciso dar um passo adiante nela. A união com a Trindade se dá na presença solidária e misericordiosa junto aos irmãos. Principalmente aos mais necessitados. Não se pode jamais ser cristão sozinho e muito menos a fé se constrói separada do ramo da justiça. Por isto Dom Helder pedia aos pobres de Roma que lhe fossem porta-vozes do Pai Amoroso. Pistas para reflexão: - Sinto-me unido ao tronco, tendo consciência de que sem Ele nada posso? - Em que a seiva precisa me transformar? - Deixo-me podar? 6º Domingo da Páscoa Deus é Amor e se doa todo para nós Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. E eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando. Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que então pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo concederá. Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros. Jo 15, 9-17 Num campo de concentração um preso foge. Soldados alemães colocam os prisioneiros em forma e lhes ameaçam dizendo que, acaso não encontrassem o fugitivo, dez deles seriam deixados sem comida até a morte. Infrutífera caçada, depois de um dia inteiro de pé o comandante dita dez nomes. Um deles estava ao lado de um padre e murmura: “que será da minha mulher e meus filhinhos pequenos”. O sacerdote franciscano, então com 47 anos, ouvindo tais palavras, se faz ouvir pedindo ao comandante que poupasse aquele jovem. Oferecia-se para a morte em seu lugar. “Afinal era mais velho e nem possuía família para cuidar”. Três semanas depois somente o padre estava vivo. Por compaixão deram-lhe uma injeção para que morresse. Este homem canonizado em 1982, na presença do pai de família salvo, chama-se Maximiliano Kolbe. Um santo que provou com a vida o que é o Amor. Na linguagem bíblica, quando se quer frisar algo, se faz uso do artifício da repetição. É assim que enfatizam aquilo que consideram seja o mais importante no texto. Vejamos então quantas vezes o evangelista João faz uso da palavra Amor e das várias formas do verbo amar nesses nove versículos. Encontra-se aí a chave, para que se possa apropriar mais profundamente dessa passagem. Aquilo que João, em sua Primeira Carta irá nos dizer claramente, aqui já se encontra implícito, mas transbordante: Deus é Amor (1Jo 4, 16). Nosso Evangelho deste domingo vem nos falar, enfática e repetidamente, do Amor. Afinal trata-se do que há de mais importante no mundo. Ao contrário da linguagem bíblica que é reforçadora, no mundo de hoje as palavras quando usadas em demasiado, tendem a se gastar e assim ter diluída a força original. Amor é muito mais e muito maior do que tudo que costuma ser alardeado por aí. Essa palavrinha significa o próprio Deus. Os gregos a dividem em três conotações: eros, filei e ágape. Eros diz respeito ao amor humano considerado aqui como o que faz acontecer essa atração gostosa por alguém especial. Eros é que nos leva a buscar e manter bem junto a pessoa que nos completa a existência. Filei vem tratar do Amor familiar e também entre amigos. É o Amor que nos mantém ligados à família, aos companheiros e companheiras e à comunidade de irmãos, a Igreja e além dela o mundo. Já o Amor Ágape leva-nos ao transcendente. Diz respeito à Trindade Santa. O problema é que, não poucas vezes, optou-se por descaracterizar as faces eros e filei do Amor, valorizando-se unicamente a dimensão Ágape. A questão é que ao se compreender somente assim o Amor, perde-se muito da sua dimensão horizontal. Isto faz com que as relações vão se tornando frias, ao mesmo tempo em que se vai dividindo o ser humano em duas partes, corpo e espírito. Pior ainda é que nessa ótica acostumou-se a ver o “corpo” como pecador e indutor para o mal, enquanto o “espírito” se manteria limpo. O bem e o mal acontecem no ser humano como um todo e não em partes específicas apenas. Filhos de Deus somos criados por Ele, indivisivelmente, corpo e espírito. Nesta unidade reside o Amor. Eros e filei levam-nos ao Ágape, ao mesmo tempo em que o Ágape está a nos conduzir, ininterruptamente, ao filei e eros. É com o corpo, no qual amamos a Deus e às pessoas, que iremos caminhar rumo ao infinito. Ninguém pode se salvar de uma maneira desencarnada. Não nos esqueçamos que é através do seu corpo, tão humano como o nosso e que até manteve as marcas da paixão, que Jesus vem nos falar de Amor. Santo Inácio de Loyola, ao final dos seus Exercícios Espirituais nos convida, a que façamos uma contemplação sobre o Amor. A ela nomeia, bem significativamente como a “Contemplação para alcançar Amor”. Mas, para que não nos percamos em divagações, sobre aquilo que está a nos dizer, o santo antes nos faz notar duas coisas: “A primeira é que o amor deve consistir mais em obras do que em palavras. A segunda, que o Amor consiste na comunhão mútua, a saber, a pessoa que ama dá e comunica à pessoa amada aquilo que tem ou parte do que tem...” Falamos demais e fazemos de menos. A realidade do mundo é um tremendo contra testemunho da ação do Amor nele. A historinha, real, de hoje nos mostra isto. Alguém que se entrega por Amor ao seu semelhante. Na verdade, acreditássemos realmente no Amor a Terra teria outra cara. Haveria mais justiça e paz, com certeza. É preciso recordar todo dia que o Amor se faz mais em atos e obras. Não adianta dizer “eu te amo”, se junto a essas palavras não acontecer nenhuma ação, a provar o que se está falando. Amar é doar-se. Entregar-se aos outros. A partir daí somos capazes de melhor perceber e sentir o Amor de Deus. Ele se entrega todo. Deus não guarda nada para si. O Pai não é possuidor de coisa alguma. Ele não tem, Ele é. Deus só ama e o Amor é deixar-se ser todo no outro. Amar é se entregar plenamente ao amado e na medida em que se faz isto, automaticamente se está colocando a mercê daquele que se ama. É comum que um amante diga ao outro algo assim: “você é tudo para mim”. Ao proferir tal frase ele estará se colocando totalmente no outro. Vejamos isto de forma bem simples, estatisticamente: se um é tudo (100%), o outro será nada (0%). Por isto o Amor pode nos fazer sofrer. Levando esta imagem ao Amor Ágape poderemos concluir que Deus ao nos amar totalmente, também, de alguma forma misteriosa, está se colocando em nossas mãos e assim corre o risco de não ser correspondido, o que é, sabemos todos por experiência própria, gerador de sofrimento. Para amar é preciso estar no Amor. Por conta de que amamos pouco, é que iremos constatar a continuidade da paixão. O pouco Amor no mundo faz com que a paixão do Senhor se mantenha. Sim, ela não foi terminada naquela sexta-feira à tarde no Calvário. Ela continua a ocorrer diariamente mundo afora... Pistas para reflexão: - O que é o Amor para mim? - Provo-o em minha vida com as obras que realizo? - Qual é a razão do meu Amor? Ascensão do Senhor Jesus vai para o Pai e nos deixa seu testamento Jesus se manifestou aos onze discípulos, e disse-lhes: ’Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. Os sinais que acompanharão aqueles que crerem serão estes: expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal não lhes fará mal algum; quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados’. Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentouse à direita de Deus. Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam. Mc 16, 15-20 Jesus ressuscitado, por um tempo, se punha em meio aos seus discípulos. Foi assim até que sentisse que eles estavam prontos para assumir a missão. É então que sobe para o Pai. Nessa hora é importante que lhes deixasse seu testamento. Não havia bens físicos a serem repartidos. O que lhes legava era muito mais. Então, numa última aparição, o Ressuscitado lhes passa o que havia de mais importante, a ser observado dali por diante. O que lhes deixou é o que também herdamos. É necessário nos tornarmos discípulos missionários. A herança que nos deixa é seu seguimento. A Liturgia da Palavra deste domingo reserva-nos o texto final do Evangelho de Marcos. Está terminada a narrativa da vida, morte e ressurreição de Jesus. O evangelista, a todo o momento, quis provar aos conterrâneos que Jesus nada mais era do que o Filho de Deus. É necessário, agora que tudo já foi dito, fazer como que um pequeno resumo do essencial, daquilo que nunca poderá ser esquecido. É como se terminado o longo curso de três anos, no qual os alunos deixaram tudo e, “internados”, experimentaram o que seu Mestre fazia, fosse preciso deixar registrada a síntese vivida até ali. Seria como se fosse feita a pergunta: “vocês creem mesmo no Senhor? Então é assim que deverão se comportar e serão esses os sinais que observarão”. Os estudiosos consideram estes versículos como acréscimos, feitos pela comunidade ao texto de Marcos. Tal resumo poderia funcionar como alento e incentivo, naquelas horas de dificuldades, nas quais não teriam mais a “presença” do Senhor. Esse término do Evangelho nos sugere um segundo momento de crise. A primeira tinha se dado quarenta dias antes, quando da Paixão e morte de Jesus. Esta logo foi superada no domingo de Páscoa. Agora o Ressuscitado manifesta-se pela última vez, antes de subir aos céus. A nova crise se dá porque eles sentem que não terão mais, as constantes manifestações da presença do Senhor. Aquele era o momento no qual a porta da presença “física do Ressuscitado” se fechava. Na verdade, ainda não sabiam como seria lidar com a janela da “ausência presença”, que se anunciava para adiante e que nós, seus seguidores de hoje em dia, tão bem conhecemos. A partir dali, considerando essa realidade diferente, o testemunho se torna outro. Não mais porque o vemos, mas porque acreditamos. Ele será visto através dos sinais gerados pela força da sua Palavra. Que bom que aconteçam as crises. Afinal são elas que levam a comunidade ao crescimento. A crise da “ausência” do Cristo, torna os discípulos mais autônomos. Há que tomar nas mãos as rédeas da vida e não ficar esperando que apareça o Senhor, para solucionar-nos as dificuldades. A partir dessa hora, mais que ver Jesus pelos sentidos, será necessário tomar o seu sentido. Essa palavra deve ser vista mais do que como significado, principalmente como rumo e direção. Que é a presença? O Senhor após a ressurreição, de uma maneira transfigurada, se punha “presente” entre seus discípulos. Era preciso ajudá-los a superar a crise da sua paixão e morte. Esta presença não era sentida, pelos que estavam fora da comunhão na comunidade. Somente aqueles que acreditavam, é que se tornavam capazes de vê-lo. Mais que com os olhos do rosto, é com a visão de Amor que nos brota do coração que o veremos. É necessário reparar que há “presenças” que se configuram em ausência, enquanto “ausências” podem ser sentidas naturalmente, pelo olhar da fé, como real presença. A “ausência” de Jesus é hoje vivida pelos cristãos, que não puderam sentir aquela sua “presença” daqueles tempos, como presença real, sacramentalmente, através da Eucaristia. O Ressuscitado vai muito além. Ele se faz presente nos irmãos. É preciso constatar sua presença nas pessoas à nossa volta, principalmente nos que sofrem e são excluídos. Quantos casais, apesar da partilha da mesma casa e cama, encontram-se totalmente ausentes um do outro. Outro exemplo de “presença ausência” aconteceu num trabalho acadêmico. Numa universidade um psicólogo tinha como tema da pós-graduação a experiência num trabalho simples. É “contratado” pela empresa de conservação como “faxineiro”. O que mais o impressionou na experiência, ele nos relata, foi que literalmente não era visto por aqueles, que até há pouco eram seus colegas. Apesar de presente era completamente “ausente” para os alunos e professores. Ter Jesus presente é cumprir seu mandato, tornando-se discípulo missionário. Nessa ordem de Jesus é necessário se tomar cuidado com as palavras. Elas jamais podem ser consideradas de maneira fundamentalista, ou seja, ao pé da letra. Que ninguém vá pegar serpentes, ou imaginar que venenos não lhe causarão nenhum mal. É preciso que cada um veja, individualmente, o que significa dentro da sua realidade essa linguagem metafórica. Falar de ausência é também tratar da morte e do morrer. Daqueles momentos difíceis e tantas vezes incompreensíveis à razão. A subida para a glória do nosso Senhor precisa ser para seus seguidores, aquela certeza confortadora de que nossos ausentes também subiram aos céus. Estão sentados mais que à direita de Deus, em seu colo amoroso. O escritor Guimarães Rosa dizia que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Há mais de um sentido nessa frase e aquele que mais gosto de imaginar, é que nossos entes queridos se tornam encantados, exatamente porque são acolhidos plenamente pelo Amor do Pai. Sim, a presença de Deus a tudo e a todos encanta. Pistas para reflexão: - Sinto os sinais do Ressuscitado pela vida afora? - O Senhor é “presença” naqueles que passam pela minha vida, principalmente os mais simples? - Creio na ressurreição dos mortos e que somos predestinados à salvação? Pentecostes O Espírito Santo nos dá coragem Naquele mesmo domingo, à tarde, os discípulos de Jesus estavam reunidos de portas trancadas, com medo dos líderes judeus. Então Jesus chegou, ficou no meio deles e disse: - Que a paz esteja com vocês! Em seguida lhes mostrou as suas mãos e o seu lado. E eles ficaram muito alegres ao verem o Senhor. Então Jesus disse de novo: - Que a paz esteja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês. Depois, soprou sobre eles e disse: - Recebam o Espírito Santo. Se vocês perdoarem os pecados de alguém, esses pecados são perdoados; mas, se não perdoarem, eles não são perdoados. Três histórias bem atuais: 1 - O Papa Francisco, animado pelo sopro do Espírito, propõe-nos uma Igreja em saída. Uma Igreja que se insira, cada dia mais, no mundo. Uma Igreja aberta para acolher as pessoas onde elas se encontram, levando para elas a Boa Nova do Senhor. 2 - Na falta de um sentido maior de vida, jovens resolvem, covardemente, espancar morador de rua no Rio de Janeiro. Do outro lado da avenida o rapaz, que até aquele momento se mostrava de tudo alienado e só pensava em si, observa a cena. Num átimo, corre em defesa do mendigo. Consegue salvá-lo, mas está desfigurado. Permanece internado por longo tempo para que fossem curadas as várias fraturas do rosto e corpo. 3 - Na Guatemala jovem catequista num bairro pobre é obrigado a participar da violenta gangue do lugar. Recusa-se a aderir e é de imediato assassinado. A força de Pentecostes se mantém viva suscitando atos de coragem, justiça e paz. Jesus não está mais presente e, como vimos semana passada, na sua ausência a crise logo se instala em meio aos seguidores. Quando o Senhor se vai eles, se achando sozinhos, passam a sofrer tremendo medo. Por isto se encontram fechados no cenáculo. Em Pentecostes, esta imensa festa de nossa fé cristã, acontece uma efusão dos inúmeros dons do Espírito Santo (sabemos quão simbólico é o número Sete). A soma de todos eles gera um poder imenso. É combustível capaz de lançá-los, intrépidos, rumo ao mundo. Nesse sentido a celebração de Pentecostes pode ser vista como a grande celebração do dom da coragem na Igreja. A palavra coragem deriva etimologicamente de coração. Agir com coragem é atuar com o coração e este nunca poderá ser a casa onde fique instalado o medo. Coração, definitivamente, não rima com medo. Até Pentecostes os discípulos agiam com a razão. Tinham consciência da humana fraqueza e da incapacidade da luta. Imersos nos pensamentos dão-se conta do medo e quedam-se paralisados. Ao sentir o temor, a tática automaticamente escolhida é a de se manterem escondidos. O que buscam é aquilo que lhes parece ser mais racional. Daí a se fecharem numa casa, por medo dos judeus, foi só mais um simples passo. A coragem de Pentecostes é tanta que irá provocar uma total reviravolta na Igreja. A explosão arranca as portas e janelas expondo quem lá dentro estava. É preciso partir para a realidade do mundo e enfrentá-lo com o vigor da Palavra que o Senhor lhes tinha deixado. Pentecostes deve representar a grande virada de uma Igreja defensiva e voltada para si mesma, para um modelo de Igreja aberto ao mundo. Do “ad intra” confortável e comedido, para o “ad extra” desafiador e corajoso da missão. Uma pena que muitas vezes, nesses dois mil anos da Igreja, nos esquecemos da presença do Espírito do Senhor conosco e caímos paralisados pelo medo. Nessas horas nos vimos assustados e como não sabíamos lidar com a realidade, por não conseguir perceber a coragem que o Espírito nos presenteava, terminávamos por nos fechar como naquele dia, tornando-nos “Igreja castelo” com fossos e muralhas a serem defendidos do mundo. Para não cairmos de novo nessa tentação, bem além de um momento histórico, devemos perceber Pentecostes como a abertura do coração para captá-lo e acolhê-lo. Pentecostes são muitos. O Espírito é dom, presente de Deus para seus filhos, estando sempre à disposição. Mais que pedir que Ele venha, quem sabe não seja melhor rezar para que o percebamos no coração. Por isto Ele sopra onde quer e há de querer agir sempre que gente de boa vontade, se coloque disponível para recebê-lo. Já no relato da criação do mundo iremos ver, na linda linguagem poética do Gênesis, que Ele paira sobre as águas. Ele sempre “está”. O que pode ser diferente é a percepção que temos da sua presença em nós. O que ocorreu no cenáculo foi que os discípulos se colocaram atentos à sua passagem. Assim que o sentem ali com eles, correm a assumi-lo com o coração. O Espírito Santo é plena e totalmente livre. Ele não se prende a nenhum tipo de limites para sua atuação. Ninguém e nenhuma instituição podem se arvorar em serem donos dele. Esta é uma tentação que pode ser sutil e delicada, mas que ao fim se configura terrível. Principalmente nós que somos, de uma ou outra forma, lideres na Igreja, precisamos tomar grande cuidado com ela. É do seio desse Espírito de liberdade que nos vem os carismas. Na Igreja, não raras vezes, eles foram confundidos com uma efusão que se daria, muito mais no seio da hierarquia, que no povo de Deus e também no mundo. Reduzidos apenas aos círculos eclesiásticos chegou-se até a confundir o carisma como sendo instrumento de poder. Tal engano gerou situações tristes no seio da Igreja. Carismas são instrumentos de serviço e doação para os demais e em nenhum momento devem ser usados em proveito próprio, ou da instituição em si mesma. Apesar do Pentecostes que celebramos e dos tantos e tantos outros que acontecem desde sempre, o mundo continua injusto, violento, discriminador, indiferente, individualista, com fome e cheio de guerras... Nessa semana da grande festa do Paráclito a sugestão é que nos façamos uma pergunta: Será que cremos mesmo no Espírito Santo? Acaso acreditássemos de coração o mundo estaria desse jeito que o experimentamos? Pistas para reflexão: - Para aonde está me levando o Espírito? - Tento “dirigir” o Espírito Santo? - Reconheço ter havido algum ou vários “Pentecostes” em minha vida e da minha família? Santíssima Trindade Trindade Santa: Deus se faz comunidade de Amor Os onze discípulos foram para a Galileia, para a montanha que Jesus lhes tinha designado. Quando o viram, adoraram-no; entretanto, alguns hesitavam ainda. Mas Jesus, aproximandose, lhes disse: Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo. Mt 28,16-20 Uma conhecida lenda hindu nos conta que um grupo de cegos, ao seguir por uma estrada, se deparou com um elefante. Intrigados com aquele animal que não conheciam, começam a apalpá-lo. O primeiro entra por debaixo dele e, abraçado à pança, diz aos amigos: “já sei. Esse bicho é um barril”. O segundo pega o rabo e de imediato retruca: “que nada, ele é um espanador”. Aquele que segura a tromba já pensa se tratar de uma mangueira e outro, que toca suas orelhas, acha ser ele um grande leque de abano. Abraçado à perna do bicho, outro mais, diz: “todos estão enganados. Estamos diante de um ser semelhante a um coqueiro”. Ao querer definir Deus corremos o risco de agir como essa turma de cegos. Incapazes de abraçar a imensidão infinita do Amor, terminamos por nos prender a alguns detalhes dele. Tudo nele é fundamental e maravilhoso, o problema é que o vemos por partes. O importante é que nunca seja perdida a clareza de que, por maior que seja a visão que temos de Deus, Ela será sempre mais bela e maior ainda. Vivemos a festa da Santíssima Trindade, a celebração do grande mistério de Deus. Diante dele tomamos consciência da nossa pequenez e total incapacidade de compreendê-lo. Ao contemplar a grandiosidade de Deus o que temos são pálidas e discretas percepções de alguns “pedacinhos” dele. Só quando estivermos diante da Trindade é que teremos condições de aquilatar a imensidade da maravilha na qual vivemos imersos. O Amor nunca cabe em si. Ele sempre se expande, tomando todo espaço que encontra à volta. Trata-se aí de um atributo básico e poderá servir de critério para verificar se há Amor. Sempre que alguém estiver amando estará, automaticamente, saindo de si e se desenvolvendo, tornando-se maior do que era. Este crescimento amoroso do ser o levará, inexoravelmente, na direção do outro, fazendo-o crescer também. Só se ama quando se é capaz de encontrar o olhar e o abraço de acolhimento do amado. No mistério da Trindade podemos observar este transbordamento absoluto de Deus Amor. Diferentemente de nós, que ainda não conseguimos amar totalmente, em Deus o Amor é total. Por causa disto Ele é capaz de se tornar mais Deus ainda, se tornando comunidade. Deus é a comunidade amorosa por excelência, a nos indicar que fora do Amor não há salvação. Na Trindade as três divinas pessoas se integram e participam plenamente uma na outra. Na linda intuição de Santo Agostinho, o Pai Amante está todo voltado para o Filho Amado e vice versa. O Espírito Santo de Amor envolve os Dois e é por Eles também acolhido. Ao nos aproximar do mistério de Deus que nos cria, estamos diante da realidade da comunidade de Amor. Esta quer nos mostrar que outro mundo, solidário, voltado para o próximo, pacífico e justo é possível. No mesmo e único Deus encontramos três faces distintas e fecundas. São três olhares de Amor, cada qual com sua especificidade e característica únicas e ao mesmo tempo complementares. O Pai a criar, o Filho a nos salvar, e o Espírito Santo no afã de nos tornar santos. Esses três verbos: criar, salvar e santificar, diante do mistério de Deus, não devem ser conjugados no tempo passado. O Pai nos cria a cada dia. Dizer que estamos prontos enquanto criaturas e conhecendo-nos o quanto somos frágeis e incompletos, é duvidar da competência do Criador. Somos seres inacabados. Estamos, ou deveríamos estar, em constante construção. O Filho salva-nos a todo instante e o Espírito Santo está a nos santificar constantemente. É em nome desse Deus criativo e transbordante em Três Pessoas que o Filho, ressuscitado, encoraja os discípulos e os envia. É interessante reparar no Evangelho de Mateus deste domingo, que eles ainda se encontram hesitantes. Sentem-se inseguros, como nós muitas vezes também o experimentamos. A esses apóstolos e a nós, os discípulos missionários do Século XXI, o Senhor envia para que batizemos em nome da Trindade. Nessa dinâmica de Amor será incompreensível que sintamos medo, eis que Ele e com Ele o Filho e o Espírito, farão em nós sua morada e estarão conosco até o final dos dias. Pistas para reflexão: - Como sinto a Trindade na minha vida? - A Trindade tem me feito viver a experiência de comunidade familiar, de amigos, eclesial...? - O que tem significado ser enviado em nome da Trindade para o mundo? 8º Domingo do Tempo Comum Jesus, um novo tipo de presença, mas que mantém a alegria. Os discípulos de João Batista e os fariseus estavam jejuando. Então, vieram dizer a Jesus: “Por que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus discípulos não jejuam?” Jesus respondeu: “Os convidados de um casamento poderiam, por acaso, fazer jejum, enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo está com eles, os convidados não podem jejuar. Mas vai chegar o tempo em que o noivo será tirado do meio deles; aí, então, eles vão jejuar. Ninguém põe um remendo de pano novo numa roupa velha; porque o remendo novo repuxa o pano velho e o rasgão fica maior ainda. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; porque o vinho novo arrebenta os odres velhos e o vinho e os odres se perdem. Por isso, vinho novo em odres novos”. Mc. 2, 18-22 Um dia o viajante, numa de suas andanças com a família pelo mundo, se deparou com um povo que vivia a jejuar. Era uma gente pra lá de séria e compenetrada. Caso eles fossem somente pessoas sisudas ainda vá lá, mas eles iam além. Aquele povo não sabia sorrir. Depois de centenas anos, de incontáveis gerações experimentando somente a seriedade e a sisudez, eles haviam perdido a capacidade de expressar a alegria. Nem sabiam mais o que ela significava. O que eles buscavam viver e isto faziam com o maior afinco, era se privar das coisas que Deus tinha colocado à sua disposição. Então, para eles a vida era um fardo terrível, pesado. Algo muito triste e que tinham necessidade de purgar. Não havia dia no ano em que podiam dizer que não era dia de jejum. Todo dia, toda hora era tempo de se mortificar. Fosse jejum só de comida e bebida, vá lá, mas era muito além. Um jejum de curtir, de ver as coisas boas, de celebrar, jejum de vida enfim. Mas houve algo que impressionou mais ainda a esses viajantes que por lá passavam. Estavam participando da missa e, quando da hora da comunhão ele reparava na fila. No tamanho da seriedade das pessoas que iam comungar. Eles seguiam para a mesa eucarística numa sisudez tamanha que a filha do viajante até perguntou ao pai: “papai, esses que caminham nessa fila irão tomar injeção, ou terão que beber de algum remédio bem amargo? Jesus vem nos falar de algo que somente nós, os cristãos, temos. A presença continuada de Deus conosco. Claro que Ele não está mais como presença física tal qual esteve naqueles tempos evangélicos pela Galileia afora. A sua presença agora se dá de uma maneira diferente. E podemos dizer que ainda mais rica, profunda e participativa. Mais rica porque Ele jamais economiza a sua presença. Ele se dá todo e para todos. Rica porque é aquilo que de mais precioso podemos receber: o próprio corpo e sangue do Filho, de Jesus. Tão rica presença e ao mesmo tempo totalmente gratuita. Aí está mais um sentido da riqueza da entrega do Senhor: Ele se dá sem que nos exija nada em troca. Somos livres para aceita-lo e segui-lo. E esta riqueza há que se celebrá-la, há que se alegrar com ela, há que se fazer festa. Incoerência em meio a tanta riqueza (não de ter, mas de ser) e se permanecer no jejum Mais profunda porque não se trata jamais de algo simbólico. Um rito que me traz um sinal, um símbolo apenas. A profundidade se dá imensa porque é Ele que vem até mim. Ele próprio e não algo que o simbolize. Mais profunda porque se trata aqui de imenso mistério. De algo que a minha inteligência, a sabedoria dos maiores da terra e a capacidade intelectual de toda a humanidade junta é incapaz de abarcar. E por isto, pela profundidade do Amor de Deus, é preciso que se alegre, que se celebre, que se faça festa. E festa é lugar de alegria, de celebração, de comida e de bebida. Mais participativa porque é plenamente inclusiva. Jesus de Nazaré não exclui ninguém em seu banquete, em sua festa. Ao contrário dos noivos que só têm uma noiva, Jesus tem a humanidade inteira esposada. Só não entra na festa quem não quer. Ele não afasta e muito menos exclui ninguém. Tão importante isto porque vivemos tempos de constante exclusão. Vendo de fora para dentro iremos observar que o mundo tende a ser exclusivo. As fronteiras cada dia mais vão se tornando difíceis de serem ultrapassadas e mesmo vão sendo fechadas. No Brasil vemos a exclusão de tantos que não conseguem emprego, educação digna, transporte suficiente, acesso à saúde. Em nossa cidade os excluídos que moram pelas ruas, ou escondidos nos guetos. Os excluídos pela droga, pela exploração sexual, pela cor, pela sua raça... E agora olhando para cada um de nós devemos nos perguntar se também não estamos sendo excluidores. No banquete de Jesus não pode haver gente de fora. Que todos venham para se alegrar e se alimentar. Por último uma breve reflexão sobre a questão do vinho e dos odres. Pensemos na juventude. Os jovens são esse vinho novo por exemplo. Nesse sentido da metáfora não podemos deixar com que o tradicionalismo, as coisas antigas e velhas os prendam. Há que se deixar que eles vivam a sua juventude, nos trazendo novas formas de ver e viver no mundo. Mas há coisas antigas que são fundamentais, essenciais. Não é porque é velho que seja ruim. Também é preciso que se mostre isto para os mais novos. Pistas para reflexão - Como vivo e celebro a presença do Senhor em mim? - Permaneço em jejum durante a festa? Ponho vinho novo em odres velhos? 9º Domingo do Tempo Comum A liberdade diante da Lei. Jesus estava passando por uns campos de trigo, em dia de sábado. Seus discípulos começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam. Então os fariseus disseram a Jesus: “Olha! Por que eles fazem em dia de sábado o que não é permitido?” Jesus lhes disse: “Por acaso, nunca lestes o que Davi e seus companheiros fizeram quando passaram necessidade e tiveram fome? Como ele entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar era sumo sacerdote, comeu os pães oferecidos a Deus, e os deu também aos seus companheiros? No entanto, só aos sacerdotes é permitido comer esses pães”. E acrescentou: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. Portanto, o Filho do Homem é senhor também do sábado”. Mc 2, 23-3,6 Havia uma comunidade no qual tudo estava prescrito tim tim por tim tim. Tudo definido em detalhes. Com todas as letras. A cada geração os seus participantes iam se tornando ainda mais ciosos de que era a lei que os protegia de tudo. A caminhada deles foi se dando de tal forma, que chegou uma hora na qual a lei prevalecia sobre qualquer outra coisa, inclusive o Amor. Este povo tinha se tornado tão frio, tão duro e implacável, que as pessoas ao passarem por aqueles caminhos andavam mais depressa, com receio de que pudessem ferir alguma daquelas regras que eles consideravam tão importantes e que colocavam bem acima da existência das pessoas que a compunham. Quando deram por si tudo lhes era proibido. O Evangelho desse domingo vem nos trazer algo interessante e, é bom que notemos, bastante atual. Trata-se da questão das regras e do seu uso vida afora. Elas são fundamentais para o funcionamento da comunidade específica e da sociedade em geral, mas caso sejam levadas de maneira absoluta perderão sentido e tornarão as pessoas escravas. Três pontos para refletirmos sobre o assunto: 1 – Existe sempre uma tensão entre a Lei e o Amor. Tanto maior se dá o conflito, tanto mais intensa será esta tensão. Nessa tensão, que precisa ser vista como saudável, há que se discernir onde está o coração de Jesus? Reparando no Evangelho desse domingo poderemos notar que Ele se coloca sempre do lado do Amor. A Lei é criada, é preciso que se lembre sempre disso, para que o Amor vigore. Claro que toda sociedade necessita de ritos, das regras. Nós os criamos para marcar o tempo, para dar sentido a ele e fazer com que as coisas se tornem marcadas, possam ser celebradas. O risco do rito e da regra é que eles se tornem um peso em si e não algo para ser vivido de maneira leve e construtiva. 2 – A lei é necessária, mas o fim do ser humano é a vida plena, a vida no Amor. Então, toda vez que a lei se colocar maior do que a vida, será a existência que deverá prevalecer. Não é por acaso que não concordamos com a pena de morte. Ela é um exemplo muito candente da lei levada a extremos. Da mesma maneira a questão do aborto. Mesmo que haja legislação a afirmar que ele poderá ser realizado nós, os seguidores de Jesus, iremos sempre nos posicionar contra ele. Isto porque não pode haver nenhuma lei que possa ir contra a vida. 3 – A lei tem que se colocar como subsidiária, como apoiadora da liberdade. Dizendo isto com outras palavras teremos que a lei é suporte para que todos se façam livres. No Evangelho de Marcos desse domingo isto pode ser visto claramente: os discípulos esfomeados tinha necessidade de comida. Caso não se alimentassem estariam, obviamente, colocando em risco as suas existências. Só que aquele era um povo de muitas leis e elas eram levadas por muitos – os fariseus principalmente – de maneira absoluta. Pela casuística deles a preocupação com a saúde e o bem estar dos apóstolos não contava. Importava que aquele era um sábado. Jesus vem e traz uma nova leitura para a regra: a lei maior é o amor e as outras precisam estar subordinadas a ela. A questão é que vivemos um tempo em que muita gente parece valorizar muito mais a lei do que o amor, a vida plena das pessoas. E Jesus termina de forma peremptória. A lei foi feita para o homem e não o contrário. Há que se retornar ao Evangelho. Pistas para reflexão - De que maneira lido com a tensão entre a Lei e a Vida, a Lei e o Amor? De que lado fico quando me vejo num conflito assim? - A quantas anda a minha liberdade em relação às coisas? - Há ritos que me escravizam? - Vivo para a Lei, ou para o Amor? 10º Domingo do Tempo Comum A família de Jesus é constituída por quem faz a vontade de Deus Jesus voltou para casa com os seus discípulos. E de novo se reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer. Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si. Os mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios. Então Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas: 'Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído. Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa. Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno'. Jesus falou isso, porque diziam: 'Ele está possuído por um espírito mau'. Nisso chegaram sua mãe e seus irmãos. Eles ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo. Havia uma multidão sentada ao redor dele. Então lhe disseram: 'Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura'. Ele respondeu: 'Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?' E olhando para os que estavam sentados ao seu redor, disse: 'Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe'. Mc 3, 20-35 O garoto, mãos dadas com a mãe na volta da Igreja, está calado. “Meu filho, você não diz nada. O que achou da nossa comunidade?” “Ah, mamãe, não entendi nada. Deus não é todo poderoso?” “Sim, Ele é sempre mais”. “Nós não fazemos parte da sua família e buscamos segui-lo?” “Sim, você está correto.” “Então, se Ele é assim, sempre maior e mais poderoso, se somos parte da sua família e o seguimos, por que escuto falar mais do demônio do que dele?” A mãe agora é que segue em silêncio para casa. Nesses tempos pós-modernos assistimos a um recrudescimento em algumas igrejas, do exagero em se falar do diabo. Nelas parece haver mais atenção com os exorcismos do que com a graça de Deus. Nos tempos de Jesus isto era até compreensível, eis que muita coisa que não se conseguia explicar era posta na conta de satanás Veremos esta preocupação com o demônio no Evangelho do próximo domingo. Nele nos depararemos com algumas das dificuldades que Jesus vivia com o seu povo e uma delas era essa de achar que Ele era uma pessoa do mal. Seus mestres, voltando de Jerusalém são explícitos em dizer que "seu poder vem de Belzebu e que é em nome dele que realiza os milagres". Fosse só isto, mas seus problemas iam mais além. Jesus de Nazaré sentia haver falta de apoio daqueles mais próximos. Das pessoas que amava e de quem devia esperar que o ajudassem a cumprir sua missão. Essa era incompreendida pela própria família. Seus parentes desejavam afastá-lo da fidelidade ao caminho do Pai. Sentiam-se incomodados porque Ele fugia totalmente ao padrão familiar. Não assumira a profissão do pai, nem tinha namorada para se casar e gerar filhos. Seguir enfim a vida normal da sua gente, morando ali por perto, em volta dos parentes. Impacientam-se com a situação e resolvem buscá-lo. Deviam sentir vergonha e até o consideram louco. Era preciso agarrá-lo e mesmo interditá-lo, diríamos hoje em dia. A cena começa bem bonita. Jesus, acompanhado dos companheiros, volta a Nazaré e seus conterrâneos acorrem para vê-lo. Há tanta gente que ficam impossibilitados de comer. Todos a requererem uma benção, um olhar, um toque de carinho, uma palavra e possivelmente até alguns milagres. Ao contrário do seu povo que o compreende, a família não consegue entendê-lo. Como qualquer um de nós, eles também têm necessidade de conversão. É possível vermos aí as eternas dificuldades geracionais. Os filhos precisando construir suas vidas e tendo que lidar com as “amarras” familiares. Esse jeito de proceder pode conter, bem escondida, certa inveja pelo que estão conquistando os mais novos e que as gerações mais antigas não conseguiram realizar. A tensão familiar é a mesma que ocorre nas comunidades. Ela não pode querer jamais que as pessoas, principalmente as mais jovens, se acomodem e se amoldem automaticamente ao ambiente. A tensão existente entre as gerações precisa ser criativa, propiciadora de espaços de crescimento, que são de Deus. E não das divisões que diminuem, inibem, afastam e enfraquecem e que por isso são diabólicas. Essa tensão criativa seja familiar, ou comunitária é amorosa. Aumenta a atenção e o cuidado. É energia servidora a levar para os outros e não, como costuma acontecer, a energia diabólica do fechamento e da separação. Conversão é descobrir-se o quanto estamos voltados para nós mesmos e invertermos a direção. Nessa passagem Jesus nos traz três explicações. A primeira bastante obvia. Ele não está com satanás, ao contrário, o que realiza o faz em nome de Deus. O diabo, ou divisor, não consegue gerar nada de bom. É invejoso e está sempre a separar, criando conflitos e puxando para baixo aqueles que começam a se sobressair fazendo o bem. Precisa lhes dizer também que o pecado contra o Espírito Santo não tem perdão. Que mal seria este assim imperdoável? Pecado sem remissão é incoerente, em se tratando de Deus. Ele pode perdoar a tudo e a todos, eis que o perdão é inerente à essência divina. O pecado contra o Espírito é imperdoável não porque Ele se negue a absolvê-lo, mas devido à liberdade. Usando-a mal nos arvoramos a achar que somos deuses. Imaginamos ter a capacidade de nos absolver do mal, nos salvando. Esquecidos de Deus acabamos por dispensá-lo. O pecado contra o seu Espírito é o de nos endeusarmos, recusando, de forma absoluta, a nos ver como criaturas, negando-lhe o louvor, a reverência e o serviço. A terceira explicação de Jesus diz respeito aos laços familiares. Ele é assertivo e sua postura pode até parecer dura para com os seus, ao dizer que sua família é constituída por quem faz a vontade de Deus. Jesus quer nos dizer que não podemos e nem devemos tratar de forma absoluta os laços sanguíneos. Eles são importantes, mas é preciso que nos abramos para além deles, eis que todos possuam ou não algum parentesco conosco, são nossos irmãos. Pistas para reflexão durante a semana: - Até que ponto ficamos presos ao medo do diabo, ao invés de nos abrirmos à graça de Deus? - Como lidamos com os jovens na nossa família e comunidade? - Deixamos Deus ser Deus em nós? 11º Domingo do Tempo Comum Somos sementes do Pai para frutificar Jesus disse às multidões: - O Reino de Deus é como um homem que jogou a semente na terra. Quer ele esteja acordado, quer esteja dormindo, ela brota e cresce, sem ele saber como isso acontece. É a própria terra que dá o seu fruto: primeiro aparece a planta, depois a espiga, e, mais tarde, os grãos que enchem a espiga. Quando as espigas ficam maduras, o homem começa a cortá-las com a foice, pois chegou o tempo da colheita. Jesus continuou: - Com o que podemos comparar o Reino de Deus? Que parábola podemos usar para isso? Ele é como uma semente de mostarda, que é a menor de todas as sementes. Mas, depois de semeada, cresce muito até ficar a maior de todas as plantas. E os seus ramos são tão grandes, que os passarinhos fazem ninhos entre as suas folhas. Assim, usando muitas parábolas como estas, Jesus falava ao povo de um modo que eles podiam entender. E só falava com eles usando parábolas, mas explicava tudo em particular aos discípulos. Mc 4,26-34 Chegadas da escola, as crianças, num pequeno vaso, deitaram a terra. Depois de umedecê-la, guardaram sob ela a pequena semente de feijão. Em poucos dias, nos quais até se esqueceram da experiência, a planta brotou forte e bela. Exigia sair daquela vasilha que se tornara incapaz de contê-la. Era preciso transplantá-la para que se desenvolvesse em toda a sua capacidade. É possível imaginar as palavras de Jesus no Evangelho de Marcos deste próximo domingo, num final de tarde em tempo de semeadura. Chegado a algum lugarejo, tinha passado todo o dia com as crianças, suas mães e as pessoas mais velhas. Final da tarde e os trabalhadores retornam da lavoura. A notícia da presença de Jesus por lá já havia se espalhado. Cansados estão todos eles. Os boiasfrias por um lado, após a árdua jornada e o Senhor pelo outro, depois de ter atendido a uma parte daquela multidão. Mas muita gente ainda ansiava pela sua palavra. Agora os homens chegam e os seus sentidos se colocarão plenamente atentos a eles. Seu carinho e cuidado por aquela gente, seu povo simples e tão querido, não conhecia limites. As mulheres, ávidas de conhecimento, continuam aos seus pés com os filhos. Os menores já dormem amparados pelos colos dos adultos. Os exemplos mudam. De dia se falou de tempero, da fabricação do pão, das crianças que iam crescendo e aprendendo, da moeda que uma mulher perde. Ao anoitecer a conversa passa a ser sobre as tarefas nas quais estavam tão comprometidos. Jesus primeiro escuta. Contam-lhe da semeadura, da vida difícil e do dinheiro sempre tão pouco. Falam também do cansaço pelas longas jornadas e da esperança que a chuva caia na hora certa, para que a colheita se faça abundante. Mesmo sendo meros assalariados, tanto quanto os patrões, a expectativa de que a terra lhes fosse generosa se mantinha sempre alta. Não houvesse colheita, não teria trabalho no futuro e a penúria, já grande, seria ainda mais aumentada. Jesus ouve com atenção e na sua tremenda sensibilidade usa da experiência deles para lhes ensinar sobre o Reino de Deus. Compara-o ao trabalho que faziam e a imagem então se torna clara. Entendem de imediato o que Ele lhes queria dizer. O Reino não é nada esotérico, e muito menos algo só disponível para o entendimento dos letrados e doutores da Lei. Serão eles, os pequeninos, que mais facilmente estarão capacitados para compreender a propagação do Reino de Deus. É semelhante ao seu afazer de lançar à terra boa as sementes. Depois de feito o trabalho humano e se afastado do campo, será na solidão e no escuro, que acontecerá a germinação e o crescimento. Jesus quer lhes dizer que o Reino não se desenvolve em meio às pirotecnias e eventos sensacionalistas e muito menos pela ação e vontade direta humana. Seu crescimento se dá na surdina. É como a semente plantada pelas crianças e que cresce debaixo da terra. De repente já se tornou arbusto, hortaliça, ou mesmo árvore na qual os passarinhos poderão vir construir seus ninhos. Na explicação do Reino há na pedagogia de Jesus um grande otimismo. Ele quer animá-los a que sigam a existência, eis que a nova vida já está germinando aqui e ali. Há que se estar com os sentidos atentos para percebê-la. Encoraja-os para que não desanimem, eis que a vida na perspectiva do Reino ganha sabor e cores. Continua vida, mas não qualquer vidinha. É vida plena e em abundância. No Reino o agricultor é o Pai. Ele não se cansa de semear. Suas sementes caem toda hora nos nossos corações. Infelizmente, muitas delas morrem sufocadas, por não as percebermos, atarefados que estamos com a dura realidade do dia a dia. Ou mesmo porque tivemos medo de nos comprometermos em plantá-las. O desenvolvimento do Reino não possui limites. Ele cresce na dimensão de Deus e por isto é infinito. A nossa pouca aceitação da Palavra, que é a semente, é que faz com que fique raquítica e mesmo não sobreviva aos nossos terrenos áridos. Bastará um olhar ao redor para perceber o quanto é preciso que ele se faça mais presente. O mundo desse jeito é prova da quantidade de sementes que morrem em nós... Há tempos, como esses que agora vivemos, nos quais precisamos mais ainda desse otimismo de Jesus. A fadiga da vida agitada e muitas vezes de pouco sentido, faz com que os olhos se tornem nublados. Cerrados assim perde-se a capacidade de percepção da brotação do Amor de Deus à volta. Como sementes plantadas pelo Pai, chegará o dia em que tomaremos consciência de que podemos muito mais, do que aquilo que fazemos para que o Reino cresça. Acontecerá aí então a necessidade do transplante para terreno mais apropriado. Não que se queira aparecer, ou parecer maior que os demais, mas porque o Reino de Deus precisa ser grande para que a terra seja mais justa e humana. Pistas para reflexão: - Estou atento à semente da Palavra de Deus em mim? - Sou terreno bom e suficiente para que as sementes que o Pai lança em mim brotem e gerem frutos? Já considerei que posso dar mais e que de repente preciso me transplantar para local mais apropriado? - A quantas anda meu otimismo em relação à vida e ao Reino? 12º Domingo do Tempo Comum Por que temos tanto medo se o Senhor está conosco? Ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: 'Vamos para a outra margem!' Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava na barca. Havia ainda outras barcas com ele. Começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a se encher. Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: 'Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?' Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: 'Silêncio! Calate!' O ventou cessou e houve uma grande calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: 'Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?' Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: 'Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?' Mc. 4,35-41 Começa uma trovoada e a criança, até aquele momento brincando feliz na sala, repara estar sozinha no ambiente. A mãe um pouco distante, vela por ela desde a cozinha. O menino não a consegue ver e então chora aflito e cheio de medo. A mãe ouve o choro e volta rápido. Por que você está com medo, filhinho, mamãe está aqui com você... O Evangelho deste domingo trata desse nosso medo da ausência. O medo que vem porque achamos que Deus está dormindo em nossas vidas. Que Ele se desligou de nós e não se incomoda que morramos. Agimos como a criança da historinha acima. Somente quando o vemos acordado, atento à gente, é que nos acalmamos. Esta passagem vem nos mostrar quão tênue é a fé dos discípulos. Vejamos mais de perto e reflitamos sobre três pontos dele: 1 – Ao cair da tarde Jesus convoca os seus amigos a partirem “para a outra margem”. A noite vai se aproximando. As horas que estão chegando serão de trevas. Atavicamente o escuro é o ambiente do medo. O não se ser capaz de enxergar a realidade à volta é gerador de angústia e receios, que podem ser fundados, ou mesmo infundados. Podemos ver a noite como sutil metáfora da hora da morte que se aproxima. A nossa única certeza na vida, costuma-se dizer. Assim fica mais fácil entender o porquê dos discípulos interpelarem Jesus: “não te importas que pereçamos?”. Pode-se enxergar, nessa mesma linha o dormir de Jesus... Passar para a outra margem contém forte interpelação a todos nós, discípulos do Século XXI. Tendemos à zona de conforto. Ao comodismo de fazer e viver aquilo que sabemos, conhecemos. E realizar tais coisas já dominadas não nos desafia. Jesus nos convida ao diferente. Passar à outra margem é ir em direção ao novo, ao diferente, ao desconhecido mesmo. Para se passar à outra margem é necessário se incomodar, se desinstalar e viver a coragem. O contrário do medo do qual Marcos irá, daí por diante, tratar nesse belo trecho do seu Evangelho. É preciso se estar atento para as “nossas margens existenciais”. Para qual margem Jesus está me chamando a caminhar? Não vamos ser racionais e entender tais margens de forma física, locais geográficos. As margens são muito mais amplas e profundas. A quais margens da solidariedade Ele me convoca? Para quais margens do Amor e do cuidado estou sendo convidado? Na vida profissional há margens novas a serem exploradas? Na família, nos que pensam e vivem diferente, em meio aos pobres? A minha comunidade está presa a margens restritas e também precisa “partir”? 2 – Jesus dorme. Em meio aos problemas e dificuldades da vida, podemos avaliar o silêncio de Deus como o seu dormir. Nenhuma manifestação dele somos capazes de perceber. E aí cresce o medo. Achamos termos sido abandonados e podemos mesmo nos desesperar (não conseguir esperar mais, perder toda a esperança). Mas Jesus não foi embora, está presente conosco. É que o jeito de Ele nos falar passa pelo silêncio. Que não confundamos nunca esse silêncio com o dormir do esquecimento e da morte. Deus nunca dorme e muito menos permanece morto. O medo pode nos gerar três atitudes básicas: podemos atacá-lo, fugir, ou nos vermos paralisados. Todas essas três formas de viver o medo são instintivas, existem em nós desde tempos imemoriais, quando nem ainda éramos humanos. É preciso tratar o medo a partir da fé. A fé de que Deus (e um dos seus atributos básicos é de que Ele é Todo Poderoso), é nosso Pai e é bom. Ele não nos abandona jamais. 3 – Quem é este a quem até o vento e o mar obedecem? Cada pedacinho do Evangelho de Marcos quer nos responder a esta questão: Quem é Jesus? Aquele tempo, no qual foi vivenciada pela primeira vez a experiência desse relato, eram momentos carregados, horas bem difíceis para os cristãos. Havia perseguições (hoje em vários lugares elas ainda ocorrem) e, obviamente, muito medo. Os motivos dos medos mudam, mas não há dúvidas que nos dias de hoje muitos medos sem mantêm. Continuam a nos assombrar. Nessas horas é fundamental que nos perguntemos: Quem é Jesus para mim? Quem é este meu Deus a quem até o mar e a tempestade obedecem? Tomemos consciência de que esta pergunta somente será plenamente respondida quando passarmos pelo nosso “sono”. A cada momento da vida precisamos ir ampliando esta resposta. Jesus precisa ir crescendo em mim, para que “naquele dia do sono” se possa dizer como Paulo: “já não sou eu quem vivo, Ele que vive em mim”. Será este o momento da grande coragem, aquele em que nos teremos entregue totalmente nos braços do Pai, em meio à maior tempestade. O dia em que chegaremos à vida plena. Pistas para reflexão: - De que tenho medo? - Para qual margem sou chamado por Jesus? - Quem é Jesus para mim? Solenidade da Natividade de João Batista O profeta sente o mundo com o coração de Deus Chegou o tempo de Isabel ter a criança, e ela deu à luz um menino. Os vizinhos e parentes ouviram falar da grande bondade do Senhor para com Isabel, e todos ficaram alegres com ela. Quando o menino estava com oito dias, vieram circuncidá-lo e queriam lhe dar o nome do pai, isto é, Zacarias. Mas a sua mãe disse: - Não. O nome dele vai ser João. Então disseram: - Mas você não tem nenhum parente com esse nome! Aí fizeram sinais ao pai, perguntando que nome ele queria pôr no menino. Zacarias pediu uma tabuinha de escrever e escreveu: "O nome dele é João." E todos ficaram muito admirados. Nesse momento Zacarias pôde falar novamente e começou a louvar a Deus. Os vizinhos ficaram com muito medo, e as notícias dessas coisas se espalharam por toda a região montanhosa da Judéia. Todos os que ouviam essas coisas e pensavam nelas perguntavam: - O que será que esse menino vai ser? Pois, de fato, o poder do Senhor estava com ele. O menino cresceu e ficou forte de espírito. E viveu no deserto até o dia em que apareceu diante do povo de Israel.Lc. 1, 57-66.80 A vida seguia em meio a grandes dificuldades. O dinheiro não dura o mês inteiro e gera a penúria. A crise econômica traz o medo da perda do emprego. Nesse cenário o casal se descobre grávido. A criança vem e é acolhida com festa. Sua geração e nascimento trazem a certeza de que Deus caminha com eles. A vida se refaz e as coisas, com certeza, irão melhorar. O nascimento de uma criança é ato de fé. O pai e a mãe quer creiam ou não, isto aqui é irrelevante, acreditam num futuro melhor. Crer no amanhã, nós que temos fé o sabemos, é confiar que Deus cuida e caminha conosco. Por isto, ao se encontrar um casal grávido, ou com seu bebê ao colo, estará se contemplando bela profissão de fé, explícita, ou muitas vezes inconsciente, no Senhor. Foi assim também com João Batista. Aliás, com ele foi um tanto diferente dos tantos nascimentos, que costumeiramente se acompanha por aí. João tem um começo de vida todo especial. Nasce do útero de uma mulher incapaz de gerar, eis que é idosa. Há um sentido para isto. Os autores bíblicos quando queriam nos alertar para a dimensão excepcional de alguém, já tratavam de diferenciá-lo desde a concepção e infância. Por isto João vem ao mundo desse jeito. É exatamente isto que Lucas faz no Evangelho dessa solenidade. O fato é que celebramos o nascimento de um homem muito especial. O último grande profeta do Primeiro Testamento. Aquele que vem para anunciar que os tempos estão chegados e assim, logo em seguida, o Messias se apresentará a Israel e aos povos todos, para trazer-nos o Reino. Quando grande autoridade visita a cidade, será fácil de ver as ruas tendo tapados os buracos, os postes sendo pintados e os chãos varridos. João é a pessoa que irá fazer este último e necessário trabalho, para a recepção daquele do qual nem de desatar as sandálias, tanto ele quanto qualquer um de nós, somos dignos. Jesus reconhece o seu serviço e por isto irá nomeá-lo, veremos isto no Novo Testamento, com títulos bem significativos: João Batista é chamado de “maior dentre os nascidos de mulher”, “grande no reino dos céus” e “amigo do noivo”. Nessa estrada a ser trilhada por aquele muito maior e que chegará em seguida, torna-se necessário o erguimento de uma ponte. É preciso unir o Primeiro e o Novo Testamento. Sem essa ligação a Antiga Lei permaneceria incompleta. É o Cordeiro de Deus quem vem dar sentido pleno a tudo que estava anunciado. João Batista é o santo construtor da ponte. Humilde, opta por permanecer nos tempos da preparação, a época antiga da Lei. Anuncia a grande novidade, mas não caminha para ficar junto dela. O profeta não cruza a ponte como seria de se esperar. Só aquele que faz novas todas as coisas é que estará apto a atravessá-la. A gente mais simples é capaz de reconhecer, mais intensamente, a importância tremenda do profeta João Batista para a nossa fé. É esse o povo que, principalmente, mantém muito viva a celebração da natividade deste grande profeta. Nascimento é festa, mas a chegada de alguém que fará toda a diferença, deixando-nos atentos para a chegada do Salvador, convoca-nos a festejos maiores ainda. Nessa celebração festiva do profeta há duas características muito interessantes. A luz e a acolhida. A luz é o grande símbolo da festa de João Batista. Ao pé do mastro com sua estampa é preciso haver o fogo. O profeta não possui luz própria. Ele aponta para a luz. Por isto, o brilho não é dele, mas de Jesus, o que virá em seguida. A luz do Messias é tão forte que não pode se configurar como uma simples vela. É preciso que seja algo maior e mais forte. Melhor então que seja feita em forma de fogueira. Onde se festeja João Batista se celebra também a acolhida. Todos são bem-vindos às casas do povo simples. Havendo fogueira à frente da residência se poderá ter a certeza de que as portas estão abertas e que lá dentro haverá a partilha de comida e da bebida. Poderá ter também a dança comemorando a vida do profeta que nasce. O profeta é aquela pessoa que percebe e sente o mundo com o coração de Deus. Eles não estão extintos. Deus continua suscitando novos profetas para anunciar sua presença. Eles têm antenas muito aguçadas para captar e sentir a vontade de Deus para o mundo. Para percebê-los é necessário ter esse tipo de percepção mais atenta. É preciso estar com a “atenção de profetas” para que os possamos reconhecer. Ao celebrar o Batista comemoramos também os profetas atuais. Relembro aqui dois bem grandes dos últimos tempos. Por acaso, dois bispos: Dom Helder Câmara e Dom Luciano Mendes de Almeida. Valerá a pena, para saber mais como pensa, sente e age algum desses homens especiais de Deus, conhecer um pouco das suas vidas. Vendo-os mais de perto se perceberá que, como João Batista e aqueles outros dos quais conhecemos a história através do Primeiro Testamento, também não costumam ter uma vida calma e tranquila ao nos anunciar os caminhos de Deus. Pistas para reflexão: - Reconheço profetas à minha volta, na Igreja e no mundo atual? - O que João Batista diz para a minha fé pessoal? - De que maneira posso resgatar a devoção pelo Batista? Solenidade de São Pedro e São Paulo Deus capacita os escolhidos para a missão Chegando ao território de Cesareia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: No dizer do povo, quem é o Filho do Homem? Responderam: Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas. Disse-lhes Jesus: E vós quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo! Jesus então lhe disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus. Mt. 16, 13-19 A fábrica estava quase pronta. Chegara a hora de recrutar as pessoas para dirigi-la. Numa pilha grande de currículos o patrão iria escolher os líderes maiores da organização. Havia muita gente boa, mas ele se encantara com dois perfis que nem tinham sido selecionados pelo pessoal de recursos humanos. Um havia sido pescador de um lago meio desconhecido. Na sua história era possível reparar que se tratava de homem impulsivo e levado a rompantes geradores de conflitos. Um comentário, de alguém que o conhecia bem, dizia ter fama de mentiroso. O outro currículo era ainda mais complicado. Tratava-se de um fanático religioso. Um perseguidor implacável de quem tinha outro credo. Os especialistas desaconselhavam aquelas contratações, mas o dono não lhes dava ouvidos. Ele acreditava por demais nas pessoas. Sabia que elas são criadas para o mais e que pela força do Amor são capazes de se transfigurar e realizar coisas incríveis. Celebramos a festa de dois grandes líderes da Igreja. Foram homens de importância fundamental para a fixação e divulgação da fé cristã. O primeiro recebeu a missão de liderar e cuidar da organização da instituição e o outro saiu célere, mundo afora, para levar a boa nova a todos os cantos da civilização conhecida de então. Fossem usados critérios humanos, com toda certeza que os dois não teriam sido "nomeados" para tão importantes missões. Diferentes parâmetros teriam sido considerados e a vida pregressa de um e outro não oferecia muitos indicadores de sucesso no trabalho. Mas que bom que não somos nós quem indicamos os profetas, apóstolos e discípulos missionários. Sempre é Ele quem os escolhe e o Senhor nunca se cansa de acreditar no ser humano. A vida passada e os problemas acontecidos não lhe interessam. Deus só sabe olhar para frente. Ele acredita que é lá no futuro que cada um dos seus filhos irá demonstrar a sua potencialidade. Homens, como todos os demais, com falhas e defeitos, mas com um coração imenso para acolher, com entusiasmo contagiante, o trabalho ao qual estavam sendo convocados, de fixação e difusão da Igreja. Interessante reparar que além do currículo pouco animador aos nossos olhos, eles eram seres humanos muito diferentes entre si. Um era do círculo dos amigos de Jesus, tento convivido por três anos diariamente com Ele. Homem rude e simples. O segundo, ao contrário, só veio a conhecer o Senhor, a quem seguiria com tanta motivação e empenho, já depois da ressurreição. Homem culto e refinado. As missões também que recebem e que são bastante distintas: um deve fixar-se e o outro está sempre fazendo as malas para viajar. Pedro permanece em Roma, a cidade mais importante do mundo naquela época, para servir à Igreja. Nela tem dois grandes serviços. O de liderar a organização institucional da fé e também de abrir as portas acolhendo os filhos e fechando-as para que não a invadissem os que a queriam perseguir, ou criar divisões. Na organização da Igreja Pedro se torna o servidor dos servidores e seguidores do Cristo. Paulo, ao contrário, sai pelo mundo. É o grande peregrino da fé. Impressionante ver no mapa o tanto de lugares por ele visitados na missão. Mesmo levando-se em consideração os meios que temos hoje, os caminhos do apóstolo, através dos quais ele levou a fé a tanta gente, continuam sendo causadores de espanto. Paradoxalmente, Paulo, aquele que antes de conhecer a Jesus era totalmente radical quanto à religião, vai se tornando mais aberto e acolhedor. Pedro, mesmo tendo convivido com Jesus, aquele que não tinha nenhum preconceito e acolhia a todos, sente dificuldades com os diferentes. Tal fato vem nos demonstrar que, a priori, não se está pronto para a missão. Deus capacita seus escolhidos, diz uma expressão bem verdadeira e muito repetida nas comunidades. É no serviço que a gente vai se tornando competente na vocação. Mas tal capacitação só se dará verdadeiramente quando nos colocamos disponíveis para acolher o Senhor. Será nele e com Ele que realizaremos aquilo para o qual somos chamados e até mais ainda, eis que na verdade somos capazes de realizar obras que nem mesmo imaginamos. Houve tensão entre eles, os líderes, e com toda certeza essa crise acabava se irradiando pela Igreja. A tensão faz parte do processo criativo. Não há desenvolvimento quando tudo está parado e frio. É preciso o calor e o debate entre as ideias, para que se possa crescer. Hoje também vivemos tensões na Igreja. Olhando para Roma e de lá se ampliando a visão para o mundo, nessa celebração que é também do Papa, iremos ver a complexidade imensa que se tornou o governo da Igreja. O mundo pós-moderno é bem mais complicado do que aquele no qual Pedro e Paulo viviam. Nosso pastor, Francisco, se vê às voltas com problemas inimagináveis àquela época. É preciso rezar pelo Papa. Rezar pela Igreja toda, o que significa também por nós ordenados e não ordenados. Rezar para que continuemos abertos às intuições do Concílio Vaticano II para uma Igreja mais aberta e colegiada. Por último, uma breve reflexão sobre a nossa crença nas pessoas e na sua capacidade de mudança e de superação. Costumamos ser bem duros com as pessoas que erraram. Vale aqui se perguntar o que teria acontecido, caso houvesse sido conosco as mentiras de um e as perseguições de outro? Vendo a vida de Pedro e Paulo parece-me que há aí um convite para que olhemos também para as histórias daqueles que cometeram erros e que os punimos enquanto sociedade. Que sejamos capazes de acreditar que podem se transformar e fazer diferente, podendo assim serem de novo inseridos em nosso meio. Pistas para reflexão: - De que maneiras posso ajudar na acolhida daqueles que erraram? - Como Pedro e Paulo, também tenho clareza da minha missão na Igreja? - Rezo pelo Papa e pela Igreja? 13º Domingo do Tempo Comum O Senhor tem domínio sobre a morte Depois de Jesus ter atravessado, no barco, para a outra margem, reuniu-se uma grande multidão junto dele, que continuava à beira-mar. Chegou, então, um dos chefes da sinagoga, de nome Jairo, e, ao vê-lo, prostrou-se a seus pés e suplicou instantemente: «A minha filha está a morrer; vem impor-lhe as mãos para que se salve e viva.» Jesus partiu com ele, seguido por numerosa multidão, que o apertava. Certa mulher, vítima de um fluxo de sangue havia doze anos, que sofrera muito nas mãos de muitos médicos e gastara todos os seus bens sem encontrar nenhum alívio, antes piorava cada vez mais, tendo ouvido falar de Jesus, veio por entre a multidão e tocou-lhe, por detrás, nas vestes, pois dizia: «Se ao menos tocar nem que seja as suas vestes, ficarei curada.» De fato, no mesmo instante se estancou o fluxo de sangue, e sentiu no corpo que estava curada do seu mal. Imediatamente Jesus, sentindo que saíra dele uma força, voltou-se para a multidão e perguntou: «Quem tocou as minhas vestes?» Os discípulos responderam: «Vês que a multidão te comprime de todos os lados, e ainda perguntas: ‘Quem me tocou?’» Mas Ele continuava a olhar em volta, para ver aquela que tinha feito isso. Então, a mulher, cheia de medo e a tremer, sabendo o que lhe tinha acontecido, foi prostrar-se diante dele e disse toda a verdade. Disse-lhe Ele: «Filha, a tua fé salvou-te; vai em paz e sê curada do teu mal.» Ainda Ele estava a falar, quando, da casa do chefe da sinagoga, vieram dizer: «A tua filha morreu; de que serve agora incomodares o Mestre?» Mas Jesus, que surpreendera as palavras proferidas, disse ao chefe da sinagoga: «Não tenhas receio; crê somente.» E não deixou que ninguém o acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Ao chegar a casa do chefe da sinagoga, encontrou grande alvoroço e gente a chorar e a gritar. Entrando, disselhes: «Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu, está a dormir.» Mas faziam troça dele. Jesus pôs fora aquela gente e, levando consigo apenas o pai, a mãe da menina e os que vinham com Ele, entrou onde ela jazia. Tomando-lhe a mão, disse: «Talitha qûm!», isto é, «Menina, sou Eu que te digo: levanta-te!» E logo a menina se ergueu e começou a andar, pois tinha doze anos. Todos ficaram assombrados. Recomendou-lhes vivamente que ninguém soubesse do sucedido e mandou dar de comer à menina. Mc 5,21-43 Um homem emanava tanto poder que bastava ser tocado para que um pedaço desse seu poderia era logo transferido para aquela pessoa. A diferença do poder daquele homem para o poder que se vê por aí é que ele somente servia para fazer o bem. Ele estava envolto pelo poder do Pai, o poder do Amor. Aquele homem era Jesus de Nazaré. Estamos diante, nesse domingo de um dos textos mais ricos e profundos de Marcos. Importa, para compreendê-lo ainda mais, ligalo com a tempestade serenada do domingo passado. Trago-lhes dele cinco pontos para a nossa reflexão. Claro que há muito mais. Tratase aqui de mensagem para lá de rica. 1 – Mesmo que conhecido como “a cura da filha de Jairo” o texto do evangelista Marcos tem em seu miolo uma outra história. Esta acontecida no caminho de Jesus rumo à casa do chefe da Sinagoga. Trata-se da mulher mais que doente, também impura, há doze anos, por conta de um fluxo de sangue. Mulher doente duas vezes. Doente também por conta da exclusão vivida por ela. Mas aqui vemos que se trata de uma mulher ousada. Como não tinha nada a perder ela resolve tocar aquele homem diferente, aquele homem que curava e, mais do que isto, não excluía ninguém. Queria segurar o mínimo que fosse do poder que emanava dele. E conseguiu. O que não esperava é que o seu gesto fosse sentido por Jesus. Aí sentiu medo, mas aquele era um homem verdadeiramente especial e a acalma. “Filha, a sua fé te salvou”. Ele a chama de filha e não nos esqueçamos que Jesus estava a caminho da cura da outra filha, esta a de Jairo. 2 – O atraso de Jesus, parando para ver quem o tinha tocado e dialogando com aquela mulher doente e excluída traz consequências. Foi nessa hora que, da casa do chefe da sinagoga veio a notícia que a menina havia falecido. Jesus não desiste. Ele tem poder sobre a morte, o que provoca mais que desconfiança, descrença de vários, que chegam a caçoar dele. Somente quem acredita consegue ver a maravilha de Deus. 3 – Jesus vai à casa e diz que a menina está dormindo. Dormir é verbo que também pode significar morrer. Mas Jesus a manda se levantar. E ela obedece aquele que é o Senhor da vida. Sim, ela estava apenas dormindo, não no sentido da morte, mas no sentido do descanso apenas. 4 – Pode-se reparar que acontece um movimento entre os discípulos para que Jesus não seja importunado. É como se o quisessem proteger de mãos, bocas, contatos, para que Ele estivesse somente com aqueles que o seguiam. Pode bem ser que este movimento continue por aí ainda hoje, mesmo na Igreja. Sem dúvidas que há “fiscais” de Jesus dispostos a defendê-lo, a protegê-lo, principalmente dos mais simples e excluídos. 5 – Jesus, como o Pai, não quer a morte. Ao contrário. Ele está sempre clamando, pregando, trabalhando pela vida. Não qualquer vidinha mixuruca, mas a vida plena. A vida eterna. O Evangelho deste domingo nos vem falar dessa busca incessante de Jesus pela vida. Pistas para reflexão - De que tipo de sono o Senhor precisa me acordar? - Tenho a coragem da mulher para tocar Jesus? - De que eu preciso que Ele me cure? 14º Domingo do Tempo Comum O profeta não é acolhido em sua terra Depois, ele partiu dali e foi para a sua pátria, seguido de seus discípulos. Quando chegou o dia de sábado, começou a ensinar na sinagoga. Muitos o ouviam e, tomados de admiração, diziam: Donde lhe vem isso? Que sabedoria é essa que lhe foi dada, e como se operam por suas mãos tão grandes milagres? Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, o irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós também suas irmãs? E ficaram perplexos a seu respeito. Mas Jesus disse-lhes: Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa. Não pôde fazer ali milagre algum. Curou apenas alguns poucos enfermos, impondo-lhes as mãos. Admirava-se ele da desconfiança deles. E ensinando, percorria as aldeias circunvizinhas. Mc 6, 1-6 Um homem vindo do meio do povo candidatara-se a alto cargo. Seus conterrâneos passaram a considerá-lo, além de despreparado, pretensioso e o criticavam duramente. Como poderia pleitear aquele lugar sendo um deles e não fazendo parte das elites que historicamente exerciam tal função? As sociedades organizadas em castas costumam chocar. Mas será que somente elas são assim? Um olhar mais de perto sobre as reações costumeiras das pessoas poderá mostrar que também aqui, no meio da gente, não é raro que se tenham criado “sutis castas”. Expressões denotando surpresa por encontrar alguém que haja superado esse tal muro invisível, podem carregar uma delicada, ou mesmo abrutalhada, carga de preconceitos. Tal lugar é só para quem possua determinada cor de pele, é para tal sexo, ou tenha vivido em um específico ambiente e mesmo haja frequentado tais e tais escolas. Recados assim podem estar, subrepticiamente, sendo passados. Sem dúvidas que ainda há muito preconceito por aí. Notemos como os que são oriundos das cidades consideradas mais chiques e importantes, acabam por herdar essas características do seu lugar de nascimento e de moradia. Em contrapartida, estados, cidades e regiões mais simples e pobres passam, nessa forma enviesada e não cristã de comportamento, a dar a impressão de serem incapazes de gerar gente preparada para assumir grandes responsabilidades. Era assim também nos tempos de Jesus. Havia o centro e a periferia e, como hoje, as pessoas e mesmo as coisas advindas do núcleo central, terminavam sendo mais valorizadas, do que aquelas nascidas ou criadas pelo interior. O que, ou quem, vinha de Jerusalém, Roma ou de Atenas era mais elegante e considerado. Nada muito diferente de hoje quando se costuma valorizar muito mais, por exemplo, a moda e os comportamentos irradiados desde Paris, Nova York e Rio. Nazaré era povoado que não possuía nenhuma importância. A terra na qual viveu o nosso Salvador nem é citada no Primeiro Testamento da Bíblia. Simples lugarejo considerado como lugar de passagem para cidades mais importantes. Local onde nem valeria a pena uma parada. Era como se nem merecesse constar dos mapas de então. Ao verem então voltar à sua terra, tão desconsiderada, aquele homem que conheceram e com quem conviveram desde criança, descreem dele, numa clara demonstração também de baixa autoestima. Não, este nós conhecemos e sabemos quem ele é. É como se dissessem: “não esperem muito da gente. Somos medíocres, afinal somos de Nazaré...” Mas aquele não era só lugar de gente assim. Naquele povoado sem atrativos viveu sua vida simples e oculta o nosso Salvador. Como deve ter sido grande a decepção de Jesus com o seu povo. Com certeza que doía bastante nele a descrença da sua gente de Nazaré. Jesus sofreu na pele o ditado popular tão conhecido de que “santo de casa não faz milagre”. É muito complicado ser profeta entre os seus. A vida em comum, as dificuldades e os defeitos compartilhados e conhecidos, fazem com que não se aceite o conhecido como mestre, ou líder. Por isto Jesus irá dizer que não é fácil profetizar em sua própria terra. Nazaré não aceita que Jesus tenha crescido. Os nazarenos queriamno tal qual havia partido dali um dia. Mas é bem significativo que Ele volte. No seu retorno há um recado para que não desistamos, mesmo não sendo aceitos, de continuar pregando o Reino entre os mais próximos. Mas não é só Nazaré que descrê de Jesus. O que viveu em sua terra nada mais foi do que um anúncio daquilo que, algum tempo depois, iria ocorrer no centro do mundo judaico. Em Jerusalém a realidade se fará muito pior. Não será somente a simples descrença que causará dor em nosso Senhor, mas a violência absurda e gratuita da cruz no Calvário que consumará tudo. Acaso Jesus viesse hoje à nossa cidade – seja ela das mais consideradas, ou alguma dessas mais simples e pouco conhecidas – como iria ser acolhido? Nossa gente teria os ouvidos, braços e corações abertos para recebê-lo? Ou desconfiaríamos daquele homem que vem falar de coisas tão conflitantes em relação ao que se vive modernamente? No meio de nós aconteceriam milagres? É interessante essa questão dos milagres no Evangelho desse Domingo. Pré-requisito para que aconteçam é crer neles. O povo não acreditou em Jesus e por isto, não pôde observar os prodígios que Ele realizava. Milagre só acontece com quem crê. Para quem não tem fé o maior prodígio terá sempre uma explicação. Mantenhamos os olhares bem abertos e atentos para perceber e aceitar os profetas que o Senhor continua enviando ao mundo. Pode bem ser que haja alguns desses homens e mulheres de Deus bem próximos de nós. Mais ainda, é capaz de que necessitem do apoio de quem os reconheça nessa sua tão árdua missão. Pistas para reflexão: - Há em mim ainda preconceitos dos quais preciso me libertar? - Reconheço profetas entre a minha gente? - O Senhor tem feito milagres na minha vida? 15º Domingo do Tempo Comum Jesus nos envia para sermos seus continuadores na missão Então chamou os Doze e começou a enviá-los, dois a dois; e deu-lhes poder sobre os espíritos imundos. Ordenou-lhes que não levassem coisa alguma para o caminho, senão somente um cajado; nem pão, nem mochila, nem dinheiro no cinto; como calçado, unicamente sandálias, e que não carregassem duas túnicas. E disse-lhes: Em qualquer casa em que entrardes, ficai nela, até vos retirardes dali. Se em algum lugar não vos receberem nem vos escutarem, saí dali e sacudi o pó dos vossos pés em testemunho contra ele. Eles partiram e pregaram a penitência. Expulsavam numerosos demônios, ungiam com óleo a muitos enfermos e os curavam. Mc 6, 7-13 Havia num lugar um rei muito bom. Acolhia a todos sem discriminar ninguém. Possuía uma predileção toda especial pelos pobres e os que sofriam. Na verdade esse soberano só queria a justiça e a paz. Não que agradasse a todo mundo. Os poderosos do lugar não gostavam dele e bem que faziam de tudo para afastá-lo. Até havia alguns que desejavam eliminá-lo. Mas o povo não. Esse gostava demais dele. Muitos se encantavam tanto que largavam tudo para segui-lo. E isto era complicado, eis que, apesar de rei, era ainda mais pobre que a maioria do seu povo. Notando que a oposição se fortalecia e já se articulava para matá-lo, o rei bom sentiu que sua hora estava chegando. Só que aquele projeto tão bonito, todo feito de amor, não poderia jamais acabar com a sua partida. Para manter o projeto vivo, o que ele fez então foi reunir seus amigos e enviá-los a fazer tudo aquilo que até então fazia. Já se passaram dois mil anos da vinda desse rei e os seus amigos continuam sendo enviados para este serviço. Na verdade, ainda falta coisa demais a ser feita, para que o programa do rei bom se concretize, não somente na região onde ele nasceu, mas no mundo todo. Chega o tempo do trabalho para os discípulos. Dá para imaginar que devem ter se assustado quando chamados para partir, eis que não se percebiam plenamente formados. Queriam permanecer mais tempo juntos. Sentiam falta ainda de muita coisa para que pudessem se considerar prontos. Mal sabiam eles que a formação se faz, em meio ao fogo da missão. Mesmo se sentindo assim, incompletos, havia chegado a hora de partir, para que tudo aquilo que Jesus iniciara não terminasse em vão. A missão dos discípulos de Jesus em nada é diferente daquilo que Ele fazia. Ser seguidor dele significa, simplesmente, continuar fazendo todas as atividades que eles o viam realizar, enquanto compartilhavam as estradas em suas andanças, Galiléia afora. Não podemos fazer uma leitura estática do Evangelho. Marcos quer nos relatar muito mais do que a história do processo de envio, por Jesus, dos amigos mais próximos. Ele quer nos contar da continuidade desses envios. Agora eles se dão por parte dos cristãos, os seguidores de Jesus que nem o conheceram. O evangelista quer que nos sintamos hoje também, discípulos missionários, enviados pelo mesmo Jesus de Nazaré em missão. Nesse trecho do Evangelho convido-os a refletir comigo sobre cinco verbos que me parecem bem significativos. Estamos diante de uma cena de ação. Afinal, envia-se para que haja a partida. Ninguém faz um envio para que se permaneça estático, vendo admirado e aplaudindo a “banda passar”. Vejamos que nessa ação Jesus chama, envia, “empodera”, recomenda e manda. Jesus chama. Ele, atento aos sinais do tempo, repara não haver mais muito tempo. Nessa hora podemos imaginar a voz de Jesus chamando. Com que poder e autoridade convocava! Reparemos como os seus discípulos não conseguiam ser indiferentes ao seu chamado. Punham-se de prontidão para acolhê-lo e saber o que esse chamado lhes iria significar. Jesus envia. Ao contrário de outros momentos, nos quais o chamado acontecia para que estivessem juntos, agora é diferente. Chama para que partam. Eles são enviados para serem seus representantes junto às pessoas, acolhendo-as, ouvindo-as, abençoando-as, curando-as... Esse mandato para que sigam para adiante não se dá individualmente. Os judeus consideravam a necessidade de haver no mínimo dois, para servirem como testemunhos, mas é preciso ver a cena mais além dessa regra. Ele seguem juntos para que um se apoie no outro. Para que, desde a saída possam se sentir sementes de comunidades. Jesus “empodera”. Para ver esta ação de Jesus precisamos recorrer a um neologismo. Os amigos dele devem seguir sem nada, mas não pensemos que isto significará que estejam vazios. Eles partem cheios de poder. Jesus os “empodera” e isto tem o significado de que eles não precisam se sentir acanhados e muito menos com medo. Estar “empoderado” por Jesus faz com que se passe a desconhecer a baixa estima. Jesus lhes dá poder para que se experimentem “poderosos”. Afinal, os discípulos são enviados, nada mais nada menos, do que pelo Filho de Deus. Jesus recomenda. Ao se enviar é necessário que também se façam as recomendações, para que não se percam pelo caminho. Cada qual levando e fazendo coisas diferentes e até conflitantes com o espírito daquele que os envia. A recomendação fala claramente o que devem levar. Que seja o mínimo necessário. Somente um cajado que sirva de apoio na caminhada e possam se defender dos perigos do caminho. É necessário ir mais além da leitura literal do texto. É preciso que se sinta aí a necessidade de se esvaziar de si mesmo para poder realmente ser discípulo. Mais do que levar a sua cultura, aprender com a do outro, inculturar-se para apresentar Jesus. Mais do que levar pré-conceitos, ir sem nada para acolher o que pensa, sente e age o diferente, respeitando-o em toda a sua originalidade. Mais do que ter os braços e as mãos agarrados às nossas tralhas, levá-los abertos para acolher num abraço gostoso, a todos os que forem encontrados pela estrada afora. Ser discípulo é exercer a empatia e a compaixão. Jesus manda. Nessa hora, contemplando a cena, passa-me a impressão de que Ele sente que as recomendações ainda eram poucas. Jesus conhece seu time... É preciso ser mais assertivo e aí então é preciso mandar. O mandamento que é feito reforça a acolhida e a aceitação. Onde forem bem recebidos, curtam o acolhimento e nos lugares nos quais não os quiserem, que não sejam chatos e fiquem insistindo cansativamente para que os ouçam. “Levantem, sacudam a poeira e deem a volta por cima”, é o que lhes diz, como no samba. Há mais um verbo notável nessa história: começar. Jesus começa. Com os doze há a partida, o início da Evangelização. Mas esta, não se encerrou com a morte daqueles enviados. Ao contrário, o Senhor começou a enviar ali e não parou mais. O processo se mantém. Continua hoje e acontece agora com todos esses mesmos verbos. Cabe estar atentos para sentir no coração a que e para aonde Ele está nos enviando. Pistas para reflexão: - Tenho consciência do meu envio por Jesus? - Para que e para aonde estou sendo enviado? - Sinto-me “empoderado” para o serviço do Reino? 16º Domingo do Tempo Comum Os discípulos contam para Jesus o que fizeram e ensinaram – Os apóstolos voltaram e contaram a Jesus tudo o que tinham feito e ensinado. Havia ali tanta gente, chegando e saindo, que Jesus e os apóstolos não tinham tempo nem para comer. Então ele lhes disse: - Venham! Vamos sozinhos para um lugar deserto a fim de descansarmos um pouco. Então foram sozinhos de barco para um lugar deserto. Porém muitas pessoas os viram sair e os reconheceram. De todos os povoados, muitos correram pela margem e chegaram lá antes deles. Quando Jesus desceu do barco, viu a multidão e teve pena daquela gente porque pareciam ovelhas sem pastor. E começou a ensinar muitas coisas. Mc 6, 30-34 Pai e mãe, toda noite, ao chegarem do trabalho e antes que fosse ligada a televisão, reuniam-se com os filhos para ouvir deles tudo que tinham feito, aprendido e ensinado naquele dia. Nessa conversa valorizavam as coisas boas realizadas e lhes chamavam a atenção para os erros. Perguntavam também sobre o que haviam aprendido, ou precisaram desaprender, para poder crescer. Semana passada contemplamos Jesus a enviar seus discípulos para a missão. Agora os acompanhamos quando do retorno. Voltam e ao se encontrar com seu Senhor irão lhe narrar, podemos imaginar com que alegria e entusiasmo, tudo aquilo que distantes dele puderam fazer e ensinar. Talvez, a princípio, lá na missão estivessem um tanto quanto tímidos e temerosos. Por isto pouco realizavam e é bem provável até que tenham cometido enganos. Os ditados costumam conter grande sabedoria e um deles nos ensina que “quem faz pode errar, mas quem não faz, esse já está de antemão equivocado”. Na contação dos casos para Jesus, gosto de contemplá-los rindo dos próprios erros e se alegrando de tudo que puderam construir de bom. Falavam e em seguida escutavam de Jesus as novas orientações, para que os equívocos cometidos não se tornassem em vão e pudessem aprender com eles. É importante saber que somos humanos e passíveis de falhas. Tem gente que tem tanto medo de errar que acaba paralisada e não faz nada. Imaginar que os discípulos cometeram enganos pode ajudar na libertação desses receios de que somos incompetentes para o serviço de Deus e dos homens (na verdade todo serviço prestado, se leva ao bem, é divino). Mas eles não contavam para Jesus apenas o que tinham realizado. Falavam também do que haviam ensinado. O verbo ensinar tem dois irmãos inseparáveis. Tratam-se dos verbos aprender e desaprender. Ao se conjugar o primeiro, automaticamente, se estará dando conta também dos dois outros. Quem ensina está sempre aberto ao aprendizado e para aprender é necessário deixar de lado coisas que não mais nos prestam, desaprendendo delas. Dizia o escritor mineiro Guimarães Rosa que “sábio é de repente quem aprende”. Por isto, ao vermos os discípulos ensinando, repararemos que acontece neles o aprendizado de novas coisas. Ou, no mínimo, de melhor se lidar com aquelas que já são conhecidas. Os tempos da escola induzem-nos a ver os primeiros anos da vida como aqueles de aprendizado, enquanto na vida de adulto ocorre uma inversão e ela se apresenta voltada só para o ensinar. É pobre se pensar assim. Um amigo me dizia que naquele dia em que sentisse não ter mais o que aprender, iria rezar a Deus para que o buscasse, eis que nada mais haveria de cumprir na terra. Ao ensinar os discípulos levavam às pessoas novidades, mostravamlhes ênfases nas suas atitudes e comportamentos, ao mesmo tempo em que as faziam observar a existência de relações entre o que já possuíam e aquilo que agora acolhiam. Ensinar não é uma missão fácil, principalmente quando se trata de gente mais adulta que se acha pretensamente sabedora das coisas. Imaginam-se cheias de muito aprendizado e por isto sentem dificuldade em largar mão daquilo que possuem e que não têm mais utilidade. A verdade é que se carrega pela vida afora muito peso morto. Vive-se envolto em ensinamentos antigos e que não trazem mais nenhum sentido à existência. Vem daí a necessidade do terceiro irmão: Para aprender é preciso “aprender a desaprender”. Em relação à fé é possível que conheçamos pessoas que não aprenderam mais nada após seu tempo de catequese. Vivem de formatações da Verdade que não lhes dão mais sentido pleno e sua crença vai assim se tornando rasa até que um dia, como a lâmina d’água sob o sol, evapore totalmente. Essa gente vive como se quisesse manter a mesma dieta da primeira infância, ou mesmo pense que a roupa usada no dia da Primeira Eucaristia ainda lhe sirva. Não que o que tenham aprendido seja errado, mas poderá bem ser que não seja mais adequado à fé de alguém adulto e que tenha passado por muitos aprendizados. Hora de desaprender do que não mais ajuda e nem faz falta, para assumir novas coisas. Não por acaso, o Senhor está sempre “fazendo novas todas as coisas”. Todo cristão ensina. Isto não quer dizer que tenham que se colocar no púlpito ou à frente das salas de aula. Com certeza que alguns são chamados a este ministério. Mas a maioria irá ensinar não pela palavra, mas pelo seu testemunho e este é fundamental. Outro ditado sábio nos ensina que “a palavra convence, mas é o exemplo que arrasta”. Missão cumprida é chegada a hora de descansar. Jesus leva seu time a um lugar deserto para que descanse, mas o povo não lhes dá tréguas. Chega antes na sua ânsia por sinais e pelos ensinamentos do Senhor. Jesus sente compaixão deles, porque pareciam “ovelhas sem pastor”. Assim, começa a lhes ensinar muitas coisas. Há aqui duas reflexões interessantes. A primeira diz respeito à correria excessiva do mundo de hoje. A tecnologia que deveria facilitar a vida das pessoas, dando-lhes mais tempo, termina por roubar esse mesmo tempo. Para que se corre tanto? É preciso, de quando em quando, dar uma parada e se fazer este questionamento. Outra vai nos falar dos pastores. É preciso apoiá-los mais, ajudá-los para que possam estar aptos a nos ajudar. Dar-lhes suporte e condições para que também descansem. Ver enfim o que estejam fazendo e que seja possível de se tornar parceiros deles. Rezar é fundamental para que as vocações de pastores suscitadas pela Trindade, sejam percebidas pelos que são chamados a este serviço. Como nos tempos de Jesus o povo se sente perdido e na falta de bons pastores fica fácil de explicar a proliferação de templos nas nossas cidades... Pistas para reflexão: - O que tenho feito como discípulo missionário? - O que tenho aprendido e ensinado? - De que preciso desaprender? 17º Domingo do Tempo Comum Jesus nos chama para o “outro lado” e se faz partilha abundante Jesus foi para o outro lado do mar da Galiléia, também chamado de Tiberíades. Uma grande multidão o seguia, porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes. Jesus subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. Levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?” Disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer. Filipe respondeu: “Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um”. Um dos discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, disse: ″Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?” Jesus disse: “Fazei sentar as pessoas”. Havia muita relva naquele lugar, e lá se sentaram, aproximadamente, cinco mil homens. Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: “Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!” Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido. Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: “Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo”. Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte. Jo 6, 1-15 No recreio da escola o menino ia repartindo, o que trouxera de casa com seus colegas mais pobres. Dava-lhes das guloseimas preparadas com carinho por sua mãe e recebia deles simples pedaços de pão, não poucas vezes já duros. Era grande a sua alegria por partilhar. Desde cedo aprendera que é dando que se recebe... Neste domingo e nos próximos, deixaremos de lado o Evangelho de Marcos e navegaremos através das palavras de João, para meditarmos o mistério do Pão Eucarístico. Temos agora um preâmbulo do que experimentaremos. Os pães e os peixes são multiplicados por Jesus, numa antevisão daquilo que sempre nos disponibilizará, sem medidas: seu Corpo e Sangue. A Eucaristia, como também se pode ver hoje neste sinal de Jesus, sempre é abundante, Deus excede. Por isto iremos reparar que todo aquele povo se alimentou até à saciedade. Deus é o único que nos satisfaz plenamente, eis que se dá sem medidas ou restrições. Essas nunca vêm de Deus, mas das limitações da nossa realidade humana. Nos textos bíblicos precisamos prestar atenção, mais àquilo que está dito, ao que os autores pretendiam afirmar com o relato do fato. Não podemos ficar na literalidade das palavras, eis que tal atitude poderá fazer com que se perca o essencial da mensagem. Corre ainda, apesar de que já bem restrita, uma versão muito literal desse milagre. Ela diz que Jesus faz sair do nada aquela comida toda. É cômodo achar que foi assim que se deram as coisas. Tal interpretação é alienante, eis que acabará nos levando a pensar ser Ele quem deverá gerar alimentos para todos. Não é esse o mandato de Jesus. Quem nutre o mundo somos nós. Em seu nome, obviamente. Na verdade, com seu poder, teria sido fácil fazer aparecer tanto alimento. O mais difícil e complexo é o que Ele optou por fazer. Mover o coração de pedra das pessoas para que se abrissem aos irmãos. Disponibilizar suas matulas cheias da comida trazida de casa só para os seus, colocando-as em comum para todos. Está aí o grande prodígio. Ao reparar os milhões esfaimados mundo afora podemos concluir o quão atual é este milagre. Havendo justiça, compaixão e misericórdia a partilha ocorre naturalmente. Aí a comida será tanta que haverá de se armazenar as sobras. Um sinal bem bonito aqui presente e que serve para a nossa reflexão, é que tudo tem início com uma criança. É ela quem primeiro abre o coração (e as mãos) entregando o que trazia. Na minha contemplação, imagino que essa generosidade possa mesmo ter sofrido oposição dos pais (quem sabe um "fique quieto, menino. A comida é pra gente!"). João é um grande teólogo. Nele as palavras não costumam ser despretensiosas. Sua narrativa está repleta de simbolismos. Delicadamente, como quem não quer nada, recorda-nos que se está às vésperas da Páscoa. Não é nada gratuita essa lembrança. Quer nos mostrar que é tempo de celebrar, hora então de haver comida farta e do muito para se alegrar. É neste contexto que Jesus acolhe a multidão. Como haver gente com fome numa festa? Se para nós isto é complicado, imaginem para Jesus. É muito alegórico também o fato da partida de Jesus para o outro lado do mar da Galileia. O mar representava o perigo das tempestades, dos naufrágios e do desconhecido. Ir para o outro lado é dispor-se a correr riscos, como é também a oportunidade para o aprendizado e o crescimento. Do outro lado poderá ser encontrado o diferente a nos questionar. Lá a rotina terá que ser deixada de lado. Há que se por atento às novidades propiciadas pela vida. Pode bem ser que haja aí um convite para que também nós passemos ao “outro lado”. Cabe então se perguntar que "outro lado" seria este ao qual se está sendo chamado? Quem sabe um lado mais humano, mais acolhedor do outro, mais aberto para a partilha, mais sintonizado com os sinais de Deus na vida... Poderá ser também o lado de mais serviço e no qual se avalie melhor a existência, verificando o que foi construído. Tenho cuidado da minha humanidade e construído relações? Tenho sido elo unindo pessoas? Ou o mar me amedronta e me paralisa porque só cuido do ter e temo ficar sozinho? O que preciso enfrentar para chegar ao outro lado? Sinto que Deus segue comigo, nessa travessia metafórica da existência, rumo ao outro lado? Qual deverá ser a “segunda parte” da minha vida? Comida partilhada necessita ser saboreada. Tem que ser degustada com calma e entre amigos. Jesus não sai jogando pães e peixes ao léu, para que os apanhem os mais espertos, como não é raro de se ver na distribuição aos empobrecidos. Ele ordena aos discípulos que primeiro os façam sentar. Dá para imaginar o imenso e lindo piquenique no qual cada família, mães e crianças ofereciam do que tinham, ao mesmo tempo em que experimentavam as guloseimas dos vizinhos. E lá continua João com seus detalhes significativos. Diz haver relva naquele lugar do milagre. Mas essas ovelhas ali reunidas não irão comê-la, obviamente. O que o evangelista quer nos dizer é que onde Deus se repara na presença de Deus a vida acontece em todos os seus sentidos. O verde das plantas viçosas se faz presente na celebração da comunhão de todos com seu Senhor. E porque Deus é abundante o relato continua dizendo que comeram à saciedade e ainda sobraram doze cestos. Literalmente, um para cada tribo de Israel. Simbolicamente um para cada povo da terra. Pistas para reflexão: - Que pães e que peixes sou chamado a partilhar? - O que significa “passar para o outro lado” na minha vida? - Para aonde Deus vai me levando? 18º Domingo do Tempo Comum Jesus, o pão da vida E, reparando a multidão que nem Jesus nem os seus discípulos estavam ali, entrou nas barcas e foi até Cafarnaum à sua procura. Encontrando-o na outra margem do lago, perguntaram-lhe: Mestre, quando chegaste aqui? Respondeulhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: buscais-me, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes fartos. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que dura até a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará. Pois nele Deus Pai imprimiu o seu sinal. Perguntaramlhe: Que faremos para praticar as obras de Deus? Respondeulhes Jesus: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que ele enviou. Perguntaram eles: Que milagre fazes tu, para que o vejamos e creiamos em ti? Qual é a tua obra? Nossos pais comeram o maná no deserto, segundo o que está escrito: Deulhes de comer o pão vindo do céu. Jesus respondeu-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu, mas o meu Pai é quem vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é o pão que desce do céu e dá vida ao mundo. Disseram-lhe: Senhor, dá-nos sempre deste pão! Jesus replicou: Eu sou o pão da vida: aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que crê em mim jamais terá sede. Jo 6, 24-35 Onde está Jesus? O povo estava saciado Até sobrara alimentação. Todos tinham partilhado do peixe trazido e do pão. Cadê do milagre o autor? Olhos o buscam em vão. Jesus! Gritam em clamor, Queriam mais alimentação. - Partiu para o outro lado! É o que diz aquela criança Que tudo havia começado. Aos barcos o povo avança, quer estar com seu amado. Ao vê-lo alegra-se a pança. Haverá de novo comida. Só que o alimento é outro, pois é Ele o pão da vida. Vale mais do que o ouro. João continua a nos falar da busca de Jesus por parte da multidão e da íntima relação, que Ele tinha com ela. O povo continua ávido por alimento. Comer é necessidade básica. Direito fundamental do ser humano. Ninguém pode viver sem comida. Não se encontrando alimento logo virá a morte. Sem ter comida suficiente a vida vai se fazendo fragilizada, daí à doença e perda da dignidade será mera questão de tempo. O povo não somente nos tempos do Senhor, mas ainda hoje continua ansiando pelo alimento. Não tê-lo disponibilizado para todos é pecado. Como país que se diz cristão é preciso, mais que sentir vergonha, é necessário que todo brasileiro se empenhe até ser eliminada do Brasil a fome tão absurda. Semana passada Jesus nos convidava, como seus discípulos, a passarmos “para a outra margem”. Neste domingo a continuação do Evangelho de João nos traz o cenário desse “outro lado” no qual o povo encontrará o Senhor. Ao aceitarmos seu convite para passar ao “outro lado da vida”, não é preciso ter medo, eis que lá na outra margem Ele está sempre a nos esperar de braços abertos. Observando o acontecido com os olhos da modernidade, é possível que se percam alguns aspectos importantes, para se bem compreender o que por lá se passava. É importante saber que aqueles eram tempos de grande empobrecimento. Os altos impostos e as dificuldades com o manejo de uma agricultura rudimentar, constituíam-se em grandes concentradores de renda e consequente miséria da grande maioria. Bastava haver simples disfunção climática, tais como muita ou pouca chuva, a ocorrência de uma praga qualquer, a incapacidade para se contratar ajudantes e até o uso de sementes inadequadas, para que batessem à porta o infortúnio. Perdida a colheita os lavradores se arruinavam. Daí a ter tomadas suas terras era só mais um passo. As classes dominantes, compostas inclusive pela elite religiosa, iam ainda mais se enriquecendo. Por isto Jesus encontrava tanta gente pelo caminho. Com certeza que muito desse povo era oriundo do campo. Endividados contraiam empréstimos com os mais ricos. Esses, quais aves agoureiras, há muito haviam lançado seu olhar de cobiça, sobre aqueles em atraso no pagamento dos haveres. O alto nível de prostituição, as crianças largadas, os homens adoecidos, tudo isto era fruto de um modelo econômico perverso e pior ainda, administrado em nome de Deus. Havia muita fome nos tempos de Jesus. A cena do Evangelho começa assim. O povo a buscar comida repara na ausência daquele que os tinha alimentado. A fome logo iria voltar e tornava-se imperioso ir então procurá-lo. Afinal quem tem fome tem pressa. Jesus sabia dos seus motivos. Não que fosse lhes negar comida, mas era importante aproveitar a situação para provocar-lhes a reflexão. O Messias não perdia oportunidade para ensinar. Somos muito parecidos com aquela multidão. Não nos sentimos tranquilos quando temos a impressão, diante do seu silêncio, que Ele partiu. Tal sentimento se dá basicamente no momento da crise. Nela, ao nos depararmos com o silêncio de Deus chega-nos a aflição. Mesmo adultos tornamo-nos tais crianças que se acalmam porque a voz da mãe – e Deus é mãe - lhes é audível. É preciso crescer na fé para que possamos procurar Jesus como adultos. Buscá-lo assim significará querer estar junto dele, não porque estaremos sendo alimentados de pão e peixe, mas porque sentimos que Ele tem muito mais a nos oferecer. Será este “mais” e não a comida para a barriga, ou o fascínio pelo milagre, que nos moverá para Ele. Ao receber dele esse “mais” que é o ‘pão da vida”, que alimenta para a vida eterna, não é possível que se permaneça quieto. Há que se sair para levar aquilo que de graça foi recebido, para dar de comer a quem tem fome. Alimentar-se de Jesus, é abrir-se à generosidade da partilha. Por conseguinte, partilhar o pão de Jesus é caminhar para a maturidade cristã. É preciso que o crer no Filho de Deus nos leve para além da comunhão. Nos faça “distribuidores” dele – seus discípulos missionários - entre o povo faminto. Pistas para reflexão: - Somos adultos na fé ou ainda agimos como crianças na procura de Deus? - Acolho, como Jesus, as pessoas que encontro pelo caminho? - Nosso modelo econômico gera partilha ou acúmulo? 19º Domingo do Tempo Comum Jesus e o fundamentalismo Os judeus começaram a murmurar a respeito de Jesus, porque havia dito: “Eu sou o pão que desceu do céu”. Eles comentavam: “Não é este Jesus o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?” Jesus respondeu: “Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai, e por ele foi instruído, vem a mim. Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.Jo 6,41-51 O rapaz ao telefone convida o amigo para participar do grupo de jovens. Para animá-lo, lhe diz: “lá é sinistro”. A avó escuta e quase tem um infarto. Corre a murmurar aos ouvidos maternos. Quer que a mãe o proíba de participar da Igreja. Seus ouvidos fundamentalistas não captaram a mudança de sentido da palavra. Ela não atentou para o fato de que no meio juvenil este termo tem sentido bastante positivo. Seguimos Jesus ainda através do Evangelho de João. Vamos nos aprofundando um pouco mais no seu discurso Eucarístico. Jesus comida é o motivo base a sustentar toda essa parte da teologia joanina. Mas com certeza que há, a partir deste núcleo central, bem mais a ser refletido. Dentre esses, trago aqui cinco pontos para a nossa meditação durante a semana. O murmúrio – Os judeus murmuravam contra Jesus. Assim tem início o relato do evangelista. Há murmúrios positivos como as palavras de amor sussurradas ao amado. Há também os negativos e dentre estes três são mais significativos para este momento. O primeiro é o “murmúrio bico”. Nomeio-o assim porque quando o temos é comum que aconteça o biquinho feito com os lábios. Dá-se pela insatisfação com alguma decisão ou encaminhamento dado às questões. Pode ser também fruto de inveja. É feito de susceptibilidades e termina fazendo com que o bicudo se mantenha afastado, resmungando pelos cantos. Faz isto para si mesmo, como se falasse aos próprios cotovelos. Não será difícil perceber também vê-lo descarregando em cima de alguém seu desagrado, na busca da concordância com seu bico. O não entendimento é o causador do segundo modo de murmúrio. É por não se compreender algo que se inicia o murmurar. Mais simples e eficaz seria um pedido de explicações, ou o estudo do tema. É este o murmúrio acontecido no relato desse Evangelho. O terceiro jeito de murmuração é mais destruidor: a fofoca. É o murmúrio maldoso acontecido a partir do que se inventa, ouve falar, ou da ampliação do fato: “conte um conto e aumente um ponto”. Algumas vezes esse murmúrio vem embrulhado para presente. Acontece no que se pode chamar de “mentira amor”. Fofoca-se para ajudar alguma causa ou a alguém. Mesmo bem intencionados eles não costumam levar a um bom lugar. O fundamentalismo – Começa com a leitura e interpretação literal do que se ouve, ou lê. Entende-se as coisas ao pé da letra, como acontecido com aqueles judeus desse Evangelho. Por isto afirmam a impossibilidade de Jesus ser o pão vivo descido do céu. Assinam seu atestado fundamentalista questionando: “Como Ele pode ser pão? Conhecemos seus pais...” Há gente demais com visão fundamentalista por aí. A fala e o texto só podem ser entendidos dentro do seu contexto. É necessário considerar, na interpretação, cultura, data e mais além daquilo que esteja sendo dito, o que realmente o autor quis afirmar. A fé – Vale também a consideração de três pontos: 1 – Pressupõe sempre a possibilidade da dúvida. Pode ser perigosa quando não possui questionamentos. Tende a ficar rasa, torna-se raquítica e ao primeiro vendaval quem sabe despenque. Por isto, em relação à fé a crise, mesmo sendo dolorosa, pode ser bem-vinda. Precisa ser vista como oportunidade de crescimento a partir dos questionamentos suscitados. 2 – É mais sentir do que pensar. A fé de quem só pensa cai na crença fria do filósofo. Há que se experimentar Deus e não ficar somente pensando nele. 3 – É dom de Deus. Nasce no Pai esse desejo profundo de seguir Jesus. É Ele e o Espírito Santo quem nos atraem na direção do Filho. É necessário agradecer pela fé que possuímos, eis que é dádiva do Senhor e só pode ser posta nele. A ressurreição – Aos olhos de quem não crê trata-se do maior absurdo que professamos. Aos olhos dos que acreditam é nada mais nada menos, mesmo que em meio a possíveis dúvidas, da certeza do Amor infinito e eterno de Deus para com seus filhos. Cremos na ressurreição dos mortos porque sabemos que da mesma forma que Jesus foi ressuscitado pelo Pai, também nós seus filhos, seremos por Ele resgatados da noite escura da morte. Crer no Ressuscitado é ter a certeza, misturada às vezes aos questionamentos, de que com Ele, por Ele e Nele iremos, um dia, também ressurgir numa vida plena. Não sabemos como será, mas confiamos que terá, além de todas as pessoas amadas, também as coisas que mais gostamos. Deus já preparou tudo para que sejamos plena e eternamente felizes. O pão para a vida – Jesus é o Pão da Vida. Ele nos afirma ser o pão que nos é dado para a vida no mundo. É usando o símbolo do pão, alimento praticamente universal, que Jesus nos alimenta para que ganhemos força e coragem para a missão. Esta deverá estar alinhada com a caridade, ou seja, com a distribuição, de alguma maneira, do pão. Um fundamentalista veria nesta frase a chamada para construirmos milhões de padarias. É muito mais do que isto. O mundo sente fome de diversos tipos de pão. Faz falta demais por aí o pão do cuidado, da atenção, do carinho, da mão amiga, da comida, do afeto, da justiça, da paz... Claro que falta também o Pão Eucarístico para muita gente. Não só porque temos poucos sacerdotes, bem como também porque não lhe damos a devida importância e dignidade, deixando de recebê-lo quando é tão fácil e está tão disponível. Pequena oração sugerida para ser rezada nessa semana depois da comunhão: Jesus, livra-nos do fundamentalismo Eucarístico. Este de considerar que a Comunhão começa e se encerra no gostoso de recebê-lo na missa. Que o seu Corpo, Pão da Vida, a nos alimentar, aumente nossa fé e nos envie, cheios de ânimo e coragem, para testemunhar a fé na dura realidade do dia a dia. Que saiamos da Mesa Eucarística como autênticos discípulos missionários, construtores de um mundo novo de justiça e paz. Amém. Pistas para reflexão: - Identifico na vida meus tempos de murmúrios? - Minha fé gera questões? Tenho buscado respondê-las, aprofundando-me nelas? - Que tipo de pão distribuo? Assunção de Maria A mãe está no céu Missa do dia Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre!” Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. Bemaventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”. Maria disse: “A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo, e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que o temem. Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias. 54Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia,conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”. Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa. Lc. 1,39-56 Houvesse naquelas terras eleição de mãe do ano, ninguém por lá duvidaria ser ela a escolhida. Mulher plena de sabedoria e de amor. Só sabia dizer sim à vida. Ao ver injustiça de imediato se indignava, atuando para que fosse sanada. Seus filhos eram muitos. Na verdade, do ventre mesmo somente um fora gerado, mas ela acolhia a todos. Soubesse de algum órfão ou criança abandonada, corria de imediato para recolhê-lo, o assumindo como filho. Quando soube que uma parenta idosa e grávida necessitava de ajuda, não pensou duas vezes. Fez os arranjos para que nada faltasse à filharada e se pôs a caminho da montanha, onde residia a prima. A vida passa, os filhos em sua maioria já tinham se tornado adultos. Seu exemplo de entrega e doação era seguido por eles. A mãe, bem idosa, já não tinha saúde e nem disposição para um tanto de coisas. Fazia uma tarde bonita quando ela foi embora. Saudade imensa permanecia entre eles. Consolava-os a certeza de que Deus a havia acolhido, da mesma maneira que ela acolhera a todos. Gozava no céu um montão de maravilhas. Quando os menores, de noite, choravam sua falta, os maiores lhes apontavam a estrela, mais bonita, a piscar no manto azul do firmamento. Nela todos enxergavam o olhar carinhoso da mãe, lá do alto, a cuidar deles. Gerar não é o bastante para manter a vida. É preciso cuidar da criação até que se desenvolva. Lucas, na missa da vigília, nos mostra uma mulher a gritar em meio à multidão, mas o convite é para que vejamos além. O cuidado com a criação é de todos. Homens e mulheres, para que se faça plena. Muito mais felizes, Jesus replica sem falar da questão de gênero, são aqueles que ouvem e praticam a Palavra. Maria é a mãe bem aventurada porque, muito além de gerar é ela quem dá suporte, alimenta, protege, educa, desafia enfim Jesus para que pudesse crescer em sabedoria e graça, diante de Deus e dos homens. Crescer a tal ponto na sua humanidade até se tornar também integralmente divino. A mãe é pilar dessa história. Desde os primórdios da Igreja a tradição nos traz um sinal bem significativo em relação à mãe de Jesus. Parece que tudo começou com uma questão: Como poderia a terra receber aquela que havia sido o sacrário vivo entre nós? Respondem dizendo que não. Deus jamais deixaria que seu corpo se desfizesse como o de qualquer mortal. Daí a intuição tão singela de contemplar Maria a subir, como que carregada pelo Filho auxiliado pelos anjos, rumo ao seio da Trindade Santa. Ninguém deixará de ir para Deus. A diferença em relação à mãe de Jesus é dela, desde já, haver sido resgatada. Aquele que está no alto se une aos filhos que vivem aqui embaixo para, juntos, alçar Maria aos céus. Vislumbremos neste mistério a gratidão de Deus para com Maria. Mas não somente dele. Os habitantes do mundo também lhe são gratos. Tamanha gratidão faz com que haja, como que, um trabalho de equipe. No mesmo instante em que Deus a busca, a humanidade se faz de anjos para enviá-la. A Trindade e os homens todos partilhando do mesmo desejo de agradecer a Maria por nos ter propiciado o Redentor. Muito se tem dito e escrito sobre o silêncio de Maria e a sua submissão. Não é sobre isto que quero lhes falar. É preciso vê-la também de outra maneira. Mais ativa e mesmo revolucionária. Sem dúvidas que o Evangelho desta festa nos ajuda a contemplar este rosto cheio de altivez e de autoridade de Nossa Senhora. Ela é mulher do povo possuidora de plena consciência das injustiças, cometidas pelos poderosos contra os pequenos. Maria é aquela que se põe, sem reservas, ao lado dos fracos e oprimidos. Mulher forte que tem voz e não se mantém calada frente às tiranias. Ao contrário, indignada, exclama palavras bem duras, hoje diríamos subversivas, à realidade opressora da sua gente. É incrível que faça tal coisa num tempo e sociedade no qual a mulher pouco contava. Maria não fica em cima do muro como, tantas vezes, os cristãos gostam de se postar. Ela assume o direito dos excluídos e se regozija na esperança de que seu Deus, que é todo poderoso, restaurará, na sua misericórdia, a justiça. Nossa realidade latino-americana está impregnada da presença de Maria. Os santuários devotados à mãe de Deus vivem lotados. A cada ano são batidos recordes de frequência. Não por acaso, quem mais costuma visitá-los é o povo simples e sofrido. Essa mesma gente que Maria defende no seu canto. Os teólogos tentam dar explicações para tal fenômeno. Dentre outras, nos dizem que a devoção mariana cresceu mais ainda, a partir do comportamento dos colonizadores. Aqueles que lhes traziam Deus eram muito brutos. Preservavam em compartimentos estanques fé e vida. Daí que o povo pensava: “como pode o deus deles ser bom, se são tão maus? Melhor manter boa distância dessa divindade, eis que se os envia assim, só pode ser ainda mais carrasco do que os patrões.” O testemunho dos cristãos vindos à América, sob a égide da cruz, não ajudava o arraigar da fé. Mas, ao mesmo tempo a gente simples refletia: pior mesmo é não acreditar. Essa doutrina nos fala ao coração, aquecendo-o. O problema então que se lhes punha era: por que porta adentraremos no interior desta fé? Daí a acolherem Maria foi só caminhar um passo. Jesus, tinha tido mãe e daí, de imediato, depreendiam: “Ah, uma mãe sempre é boa. Ela acolhe e protege os pequeninos. Entreguemonos em seus braços. Permaneçamos bem junto dela. Façamos com que seu patrocínio seja para nós a porta do céu”. Nessa intuição podemos contemplar a ação prodigiosa de Deus. Aquela gente sofrida, mesmo sem conhecer o Evangelho e nele o Magnificat, percebe, pela ação do Espírito Santo, sua filiação amorosa de Maria. Por coisas assim é que o Filho exclama: “Bem aventurado, Pai, porque escondestes estas coisas dos sábios e entendidos e as ensinastes aos simples e pequeninos”. Ao contemplar mais de perto o mistério da assunção de Maria aos céus, é bem possível que consigamos vislumbrar uma vereda interessantíssima e muito bela. A nos fazer um convite para que a trilhemos. Ela nos conduzirá ao coração de um mistério ainda maior. A contemplação do feminino de Deus. Ajuda-nos no resgate da imagem dele não somente paterna. Deus também é mãe. Observemos na parábola do Pai Misericordioso a postura do pai aguardando o filho. Ele se posta na estrada para esperá-lo. Será que pai é mesmo de ir à rua ao sentir aflito sua ausência? Parece-me ser esta uma atitude muito mais materna. É mãe que costuma se lançar para fora de casa angustiada pela falta do filho. Pelas filas dominicais coladas aos muros dos presídios de nossas cidades, encontraremos essas mães. São elas, primordialmente, que partem para estar com seus filhos presos. O que eles fizeram não tem a menor importância. Não faz muitos anos houve um papa que viveu um pontificado bem curto. Durou só um mês. Desse pouquíssimo tempo em cuidou do pastoreio da Igreja, duas coisas ficaram gravadas em nossas mentes. Seu sorriso aberto e a frase tão significativa a nos recordar que “Deus é mãe”. Pistas para reflexão: - O que Maria representa na minha caminhada de fé? - Respeito e valorizo a religiosidade popular? - Deus é também mãe para mim? 20º Domingo do Tempo Comum “Eu sou o pão vivo que desci do céu”. Disse Jesus à multidão: «Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é minha carne, que Eu darei pela vida do mundo». Os judeus discutiam entre si: «Como pode ele dar-nos a sua carne a comer?» E Jesus disse-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram: quem comer deste pão viverá eternamente». Jo. 6, 51-58 O menino questiona catequista: “Não entendi nada desse negócio de pão vivo, como será eu me alimentar de um pão assim? Ele ficará mexendo em minha boca? Não quero comer um pão desse jeito.” A professora abre um sorriso e lhe explica que não é nada disto. Que o pão vivo é Jesus e que isto significa que Ele é para nós um alimento tão especial que não cuida do nosso corpo somente para esta vida, como são as comidas normais que ingerimos, mas nos prepara também para a vida tem início nesse mundo e transborda na vida eterna. Jesus usa a comida mais usual e importante daquele tempo para mostrar aos seus discípulos o que significa o alimento que logo depois Ele iria nos presentear. “Eu sou o pão vivo descido do céu”. Acaso fosse hoje e Ele houvesse nascido, por absurdo que seja esse raciocínio no Brasil, quem sabe estaria a nos dizer: “eu sou o feijão com arroz vivo que desceu do céu”. Palavras fortes, comer o corpo, beber o sangue. É preciso ter em conta isto. Jesus prenuncia aqui a Eucaristia, sacramento que Ele irá instituir daqui a alguns dias na Quinta-feira Santa. O Sacramento por excelência, eis que se trata do próprio Jesus Cristo a se dar, feito comida e bebida – Corpo e Sangue - para cada um de nós. Interessante estarmos refletindo esse texto, exatamente nas vésperas da paixão e ressurreição do Senhor. Importante porque será nesses dias, nos quais o seu corpo será entregue pela humanidade – para cada um de nós – que o sentido da Comunhão se faz ainda mais concreto. Hora de refletir sobre esse Sacramento e nessa reflexão logo se irá notar que há ainda dificuldades de entendimento do que significa realmente o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor. Vejamos então, três pontos somente que reparo necessitarem de maior aprofundamento sobre o Sacramento do Pão e do Vinho. 1 – Eucaristia não é simples símbolo, sinal a apontar para Jesus. Trata-se do próprio Senhor que nos vem para se fazer comida e bebida para crescimento na minha vida presente e preparação, primícias para tudo que irei viver na vida com Deus, a vida eterna. Nesse sentido da vinda do Senhor até nós cabe refletir se não há exclusão na Mesa Eucarística. São Paulo chega a dizer que se houver gente com fome não deveria haver comunhão. 2 – Mais que fortificante para quem já está são, a Eucaristia é remédio para aquele que está doente. Ou seja, a Comunhão não é algum fortificante, algo do tipo desses preparados que muitos jovens consomem nas academias atléticas para se tornarem ainda mais fortalecidos. Ela é remédio para as nossas doenças vitais. A doença da desesperança, a doença da pouca fé, a doença da dificuldade de amar. Eucaristia é medicamento para me curar do egoísmo, do fechamento em mim mesmo, das paixões desordenadas que me dificultam o seguimento de Jesus. 3 – Noto uma certa eugenia, um excesso de pureza no trato da Comunhão em alguns ambientes da nossa Igreja. Parece mesmo algumas vezes que se trata de alimento para anjos e não para seres humanos, simples pecadores e necessitados do Corpo e Sangue para se curarem dos seus pecados. Esse cuidado de pureza talvez possa ser observado em algumas pessoas que evitam pegar com as mãos a hóstia consagrada, como se a sua mão fosse indigna de acolher o Senhor. Aí me vem a seguinte questão: seria a boca mais pura? Nesse excesso cuidadoso quem sabe se possa refletir mais além no sentido de receber na boca o alimento. Comer assim (e a Eucaristia é comida) está mais afeito às criancinhas e pessoas incapacitadas. Adulto recebe o seu alimento e o leva a boca. Em algumas comunidades também costuma-se colocar um aviso a dizer que só devem se aproximar da Mesa Eucarística aqueles que estiverem preparados... Nova questão se põe aqui; levado ao pé da letra, quem estaria mesmo preparado para receber em seu corpo o Senhor Jesus? Acho que, literalmente, ninguém. Pistas para reflexão: - A Eucaristia transforma a minha vida, ou o ato de comungar não muda nada em mim? - O Pão Vivo que desceu do céu está disponível para todos? Ou há gente excluída da comunhão? - Eucaristia para mim é remédio? 21º Domingo do Tempo Comum Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna Muitos dos discípulos de Jesus, que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo. E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?” Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. Jo 6, 60-69 Amigo de Nasrudin deu-lhe de presente um pato. Final de semana e resolve cozinhar deliciosa sopa. O bicho ainda no fogo e o cheiro já atraíra o vizinho. Ele deixa passar algum tempo, até que fique pronto o prato e bate à porta do Mulá. “Nasrudin, meu olfato reparou que há na sua casa sopa de pato. Como bom vizinho vim saboreá-la com você”. Sentou-se à mesa e encantou-se com o manjar. Na volta para casa encontra um primo. Diz-lhe da comida gostosa apontando na direção do lar de Nasrudin. Lá vai então o primo. “Senhor, sou primo do seu vizinho e vim provar da sopa do pato”. Senta-se à mesa e come. Bem satisfeito conta para a esposa e ela parte com os filhos para a casa do nosso amigo. “Sou a esposa do primo do seu vizinho e vim então, com meus filhos, comer da sopa do pato”. Nasrudin, é claro, a cada vez que chegava gente, derramava na vasilha mais água. Voltando, a esposa e filharada dá de encontro com sua irmã, com quem partilha a existência do ensopado. El á está ela também à porta do sábio. Sou a irmã da esposa do primo do seu vizinho e quero provar da sua hospitalidade. Vim comer da sopa do pato”. Servida faz uma careta à primeira colherada. “Mas, Mulá, é água!” “Claro que não é. Isto é a sopa, da sopa, da sopa, da sopa do pato.” Chegamos ao final desse sexto capítulo do Evangelho de João, contemplado por nós nessas últimas semanas. Vendo-o como uma música, iremos reparar que seus acordes foram crescendo e tomando nossos ouvidos. Começou lenta e delicada e termina agora num vibrante momento de toda a orquestra. Assustado com o que ouvem nesse final, os discípulos se escandalizam. De vez em quando, como aconteceu na narrativa joanina, é importante que o Evangelho nos incomode. Vamos ficando acostumados às palavras, tantas vezes lidas, e aquilo que é fortíssimo pode passar, levemente, em brancas nuvens. É como na historinha de Nasrudin na qual a sopa vai ficando mais rala, ou na música do nosso cancioneiro a apregoar “água no feijão que chegou mais um”. Escrito depois da Páscoa, João trata de eventos acontecidos antes dela. Por isto este alerta aos seguidores de Jesus. Passada já a ressurreição os leitores da sua comunidade, a quem se dirigiam primeiramente essas palavras, eram obviamente conhecedores de todo o acontecido. Também nós sabemos de tudo e mesmo assim é preciso que sintamos quão fortes são essas palavras do nosso Senhor. É necessário também que acreditemos na ressurreição. E não nos esqueçamos de que para aqueles que não têm fé, crer em alguém morto que torna à vida é algo escandaloso. Jesus reforça mais uma vez que a fé é dom de Deus. Ninguém poderá se aproximar dele se antes não tiver havido esta concessão do Pai. Seria bem mais fácil e simples se o Evangelho não fosse tão exigente, tão duro. Haveria mais gente conosco a seguir Jesus. Há tempos no qual os cristãos são mais exigidos e provados – podendo chegar ao martírio – e outros que podemos chamar de pouca pressão. Vivemos agora, aqui no Ocidente Cristão, este segundo tempo. Ninguém nos dificulta o seguimento de Jesus. Podemos ir à missa, de nenhuma autoridade precisamos ocultar nossa fé. Essa falta de tensão pode levar-nos à vida posicionada numa zona de conforto. Ao refletir sobre isto é importante lembrar que em vários lugares da terra, muitos cristãos vivem esse período de alta tensão. São para eles tempos mesmo de martírio. . Costumo dizer que a zona de conforto do cristão são os mandamentos da Igreja. É o mínimo do mínimo para que se possa ser considerado católico. Tratar-se-ia muito mais do alpendre da fé. Cumprindo só o que se pede nem teremos entrado verdadeiramente na casa do seguimento. Estaremos bebendo da sopa, da sopa, da sopa do pato. Jesus repara a debandada de vários. Entristece-se com certeza e busca checar se aqueles que ficaram permanecem mesmo por convicção profunda de fé, ou porque é bom se estar com os amigos, ser aceito pelo grupo, ter uma identidade comum. Ele deixa que ecoe nos seus ouvidos a radicalidade daquilo que está lhes apresentando para ao final fazer a pergunta: “Vocês também não querem ir embora?” Essa pergunta é também nossa. De vez em quando é preciso que paremos à frente dela e a respondamos com imensa sinceridade. São aquelas horas nas quais o apostolado não gera resultados aparentes. Os trabalhos pastorais são feitos com gente incompreensível, ou que não se compromete. Tem-se que lidar com chatos e fofoqueiros. Pessoas que, além de não ajudar, são mestres em espalhar a discórdia. Hora dura na qual é constatada a falta de autonomia dos leigos em trabalharem efetivamente pelo Reino... Nesses momentos é preciso fazer, como Pedro, a profissão de fé. Recontratar com o Senhor o compromisso de permanecer com Ele na missão. E não fazer como tantos que se dispersam na ilusão de que encontrarão palavras de vida eterna naquilo que não vêm de Deus e por isto perece. Pistas para reflexão: - Vemos no Evangelho a radicalidade que os discípulos encontraram? - Como está o meu seguimento? Ele me gera tensão, ou vivo na zona de conforto? - Como Pedro também afirmo: Fico porque só tu tens palavras de vida eterna? 22º Domingo do Tempo Comum O Amor supera o legalismo Alguns fariseus e mestres da Lei que tinham vindo de Jerusalém reuniram-se em volta de Jesus. Eles viram que alguns dos discípulos dele estavam comendo com mãos impuras, quer dizer, não tinham lavado as mãos como os fariseus mandavam o povo fazer. (Os judeus, e especialmente os fariseus, seguem os ensinamentos que receberam dos antigos: eles só comem depois de lavar as mãos com bastante cuidado. E, antes de comer, lavam tudo o que vem do mercado. Seguem ainda muitos outros costumes, como a maneira certa de lavar copos, jarros, vasilhas de metal e camas.) Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram a Jesus: - Por que é que os seus discípulos não obedecem aos ensinamentos dos antigos e comem sem lavar as mãos? Jesus respondeu: - Hipócritas! Como Isaías estava certo quando falou a respeito de vocês! Ele escreveu assim: "Deus disse: Este povo com a sua boca diz que me respeita, mas na verdade o seu coração está longe de mim. A adoração deste povo é inútil, pois eles ensinam leis humanas como se fossem mandamentos de Deus." E continuou: - Vocês abandonam o mandamento de Deus e obedecem a ensinamentos humanos. Jesus chamou outra vez a multidão e disse: - Escutem todos o que eu vou dizer e entendam! Tudo o que vem de fora e entra numa pessoa não faz com que ela fique impura, mas o que sai de dentro, isto é, do coração da pessoa, é que faz com que ela fique impura. Porque é de dentro, do coração, que vêm os maus pensamentos, a imoralidade sexual, os roubos, os crimes de morte, os adultérios, a avareza, as maldades, as mentiras, as imoralidades, a inveja, a calúnia, o orgulho e o falar e agir sem pensar nas consequências. Tudo isso vem de dentro e faz com que as pessoas fiquem impuras. Mc 7,1-8.1415.21-23 Era uma vez uma comunidade que se preocupava demais com os ritos e o seguimento das leis. Tudo lá era medido e contado. Não havia o menor espaço para a liberdade. Naquele lugar até para amar era obrigatório serem seguidos regulamentos e muito bem definidos. Pouco a pouco esse povo foi ficando frio. As relações entre seus membros passaram a se dar de maneira apenas formal. Até que realizavam cerimônias bonitas, mas eram rígidas, bem tristes. Faltava vida, faltava sorrisos naquele lugar. Após algumas semanas seguindo João e o seu discurso do pão da vida, retornamos ao seguimento de Jesus através do evangelista Marcos. No próximo domingo contemplaremos uma cena interessante. Alguns mestres e fariseus saem de Jerusalém e vêm ao encontro de Jesus. Ritualistas por demais eles se escandalizam, ao reparar que os discípulos do Senhor não cumpriam com as regras judaicas, de limpeza ritual para a alimentação. Jesus tomará tal crítica para ensinar verdades muito importantes para a vida. Mostrará que mais que a Lei, o que vale na realidade é o Amor. Tudo que se coloque contra ele, mesmo que esteja prescrito em regras e tradições humanas, o irá contaminar. Mais que lavar as mãos e o corpo, é preciso deixar bem limpo o coração. As notícias da pregação itinerante de Jesus e das suas ações junto ao povo, chegaram ao centro do poder. O Nazareno tornara-se homem conhecido. Por isto, um grupo de fariseus e doutores da lei parte de Jerusalém e vai ao encontro dele. Não que fizessem isto de boa fé. Muito mais estavam em busca de evidências que pudessem incriminá-lo. O poder tende a se concentrar, não gosta de admitir seu exercício por outros não pertencentes ao grupo dos mandantes. Jesus não busca esse tipo de poder exercido no Templo e pelos fariseus. Seu poder não necessita mandar e ser obedecido e por isto acontecia o incômodo dentre os poderosos. O poder do Senhor é o poder do serviço. De quem se sabe autoridade e por isto somente quer fazer crescer e servir aos que dele necessitam. Ver tal manifestação de poder confunde doutores e fariseus. É preciso ver de perto este homem. Arrumar formas de denunciá-lo pela “prática ilegal do poder da religião”. Este tipo de relação autocrática de poder prescrevia, para que o controle do povo com mais eficácia fosse exercido, um numero excessivo de ritos. Para ser mantida e se proteger, a religião lançava mão, enfaticamente, das normas e dos rituais. Ao fazer isto acabava deixando em segundo plano a sua finalidade: unir-nos cada vez mais ao Criador. Havia regras para quase tudo e a alimentação não ficava de fora. Para se comer, não como mera e obvia orientação higiênica, mas como diretriz religiosa, era preciso antes lavar as mãos. Dá para se ver facilmente a impossibilidade do povão em seguir tal preceito, o que terminava por torná-lo pecador. Como lavar as mãos numa terra seca, num tempo sem água encanada, onde o acesso à água não era tão simples? Ao ver os discípulos comendo desse jeito, quem sabe no meio de alguma praça, mostram-se escandalizados. Não porque os seguidores de Jesus poderiam adoecer, mas porque feriam a Lei dos antigos. Aquela gente se apegava demais às exterioridades. Aquele jeito de agir não ocorria somente naqueles tempos. Infelizmente, hoje é possível se ver posturas bem ritualistas na nossa Igreja. Na verdade confunde-se por aí “ritualidade” com o “ritualismo”. A primeira é necessária eis que se configura na ação litúrgica cuidadosa e amorosa a nos elevar para Deus. Já o ritualismo nada mais é do que o que Jesus denuncia nesse Evangelho. A ritualidade liberta, conduz para o interior do coração, para viver o Amor. Leva-nos enfim para Deus. O ritualismo prende, dirige-nos rumo ao mero seguimento das regras. Mais que atentar ao que está dentro, a ênfase é posta no lado de fora. O que torna impuro não é o que entra, aquilo que se come, mas o que sai do coração humano. Jesus desmascara duramente o ritualismo vazio daqueles dirigentes religiosos. Sua afirmação é forte: a impureza não está naquilo que entra no corpo, mas sim do que sai do coração. No interior é que nascem as coisas que contaminam o ambiente e aqui não pensemos somente em coisas do tipo da inveja, orgulho, poder despótico e mentira. É no coração que nasce a ganância, a fazer com que nesse mundo de Deus haja tanta miséria e fome. É lá dentro dele que são geradas também as políticas que deveriam cuidar do meio ambiente e que, ao contrário, mais o agridem e poluem tornando-o impuro e inapropriado em tantos lugares para a vida em abundância. Pistas para reflexão: - Como anda minha liberdade em relação aos ritualismos? - O tempo que gasto com o meu exterior é maior do que aquele no qual cuido da minha interioridade? - O que tem saído do meu coração? 23º Domingo do Tempo Comum Jesus faz bem todas as coisas Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galiléia, atravessando a região da Decápole. Levaram então a Jesus um homem surdo e que falava com dificuldade e pediram que Jesus pusesse a mão sobre ele. Jesus se afastou com o homem para longe da multidão; em seguida pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou a língua dele. Depois olhou para o céu, suspirou e disse: «Efatá!», que quer dizer: «Abrase!» Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Jesus recomendou com insistência que não contassem nada a ninguém. No entanto, quanto mais ele recomendava, mais eles pregavam. Estavam muito impressionados e diziam: «Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvir e os mudos falar». Mc 7, 31-37 Havia, faz muito tempo, um programa de humor na televisão que possuía entre seus personagens, um ator no papel de uma velha surda. Fazia rir, num estilo que hoje seria visto como politicamente incorreto, a partir do mal entendimento daquilo que era falado por quem com ele contracenava. Tudo que ouvia era compreendido de maneira distinta e equivocada, provocando situações absurdas. Em relação à Palavra de Deus, podemos também estar assim. Ele nos fala uma coisa e como nem sempre nos colocamos atentos, terminamos entendendo outra. . Estamos diante de mais um milagre de Jesus. Por conta dele, mesmo com o pedido de reserva quanto ao fato, todos o comentavam impressionados dizendo: “Ele tem feito bem todas as coisas”. Num tempo em que tudo é feito na correria e sem muito cuidado. Onde, para gerar consumo, se privilegia mais a quantidade em detrimento da qualidade, é bom nos voltarmos para o Senhor e observá-lo em seus atos. O milagre não poxs ser visto como algo que tem fim em si mesmo. Ele está sempre a nos remeter para uma realidade mais rica e profunda. Não é sem motivo que João nunca o chama assim, diz-nos ser sinal. Ninguém se põe boquiaberto frente a um semáforo, maravilhado com ele. Para-se diante dele quando está vermelho, a nos afirmar a impossibilidade da passagem e segue-se, simplesmente, ao se tornar verde. Nesse sinal de Jesus três aspectos remetem-me para realidades mais profundas nesse momento. Reflito com vocês sobre eles: 1 - Jesus retira o surdo do meio do povo - Poderia ter concretizado o sinal em meio à turba, mas opta por afastar-se com o doente. A multidão é barulhenta, reage em bloco aos estímulos e por isto tem dificuldades de perceber o sentido maior do milagre. Poderá ficar presa somente às aparências dele. Nosso Senhor, para que o sinal seja símbolo de algo muito maior e mais significativo sai, num gesto de cuidado, do meio de toda aquela gente para então curá-lo. É preciso haver algum tipo de silêncio para que sua Palavra seja realmente escutada. Gritada em meio ao povão estará presente o risco do mal entendimento, como sempre ocorria com a idosa surda da TV. Outro aspecto a ser considerado nesse gesto é que Jesus não tem a menor intenção de propiciar espetáculos. Quer, simplesmente, gerar o bem a alguém que esteja em sofrimento, sentindo-se excluído por causa da sua doença. Notemos também que este homem não se aproxima por vontade própria de Jesus. O evangelista nos conta que ele é levado até Ele. Seus amigos, talvez seus parentes, o levam para Jesus e este o leva para longe da multidão. Alguém nos levou, quando éramos surdos, para Jesus e Ele nos convidou a irmos para um lugar só nosso. Cada um de nós tem seu lugar de intimidade com o Senhor. 2 – Jesus surpreende com seu gesto – Na semana passada pudemos ver doutores da Lei e fariseus, escandalizados com o fato dos discípulos comerem, sem terem cumprido com a lavagem ritual das suas mãos. O mundo dá voltas e agora sou eu que me assusto, ao contemplar Jesus cuspindo e tocando com a sua saliva a língua do surdo. Vista a cena sob a ótica daquele povo, dois mil anos atrás, logo veremos que entendiam a saliva como uma espécie de “hálito líquido”. O sopro, lembramo-nos aqui duma das cenas da criação lá no Gênesis, é que dá vida. A saliva, Marcos quer nos mostrar, contém nela o princípio vital e criativo. Ao agir assim Jesus está revivificando o sentido da audição e da fala daquele pobre sofredor. Parece que com essa narração Marcos está a nos contar detalhes, do rito batismal das primeiras gerações de cristãos. Não por acaso, o sinal do “efatá” continua presente no sacramento do Batismo até os dias de hoje. Ser discípulo é ser tocado por Jesus e isto é feito nos dias atuais pelo ministro do sacramento, ao impor a mão sobre o batizando. Ser discípulo é ter os ouvidos abertos para escutar a Palavra e colocá-la em prática no seguimento. 3 – Ouvir e escutar a Palavra – Apesar de parecerem simples sinônimos, há uma enorme diferença entre estas duas palavras. Ouvir é o que há de mais simples. Significa o uso do aparelho auditivo. A Pós Modernidade é tempo de muito barulho. Estão disponíveis a todo momento milhares de sons, ruídos e palavras à nossa volta. Da sua grande maioria, apesar de estarem sendo ouvidos, nem se dá conta de que existam. Literalmente, “entram por um ouvido e saem pelo outro”. Escutar é diferente. Exige muito mais do que o simples captar de sons. Ao escutar tomamos consciência daquilo que nos é transmitido. Tornamo-nos atentos, recordamos, refletimos e aceitamos - ou não o que nos esteja sendo proclamado. Na verdade a função da escuta tem início no cérebro, mas não permanece nele. Sai lá do alto e desce para o coração, o lugar da escuta por excelência na tradição bíblica. Lembremo-nos do Shemá: “Escuta Israel...”. Também não se torna apenas sentimento. A escuta se faz concreta na ação. Só há escuta real do Senhor se vem acompanhada de alguma transformação. Escuta que só gera intenção, é bem provável que esteja bem mais fixada à dinâmica do ouvir. Sem dúvidas que, como seguidores de Jesus, também fomos sacados, carinhosamente, da multidão e tocados por Ele. A Palavra que sai da sua boca (passando pelo seu “hálito líquido”) chega até nós. Somos, como discípulos, aqueles que mais que ter aparelhos auditivos, são capazes também de ouvir. A Palavra saída do Senhor torna-se para nós alimento fundamental para a vida cristã. É nada mais nada menos do que um dos dois Pães básicos nos quais Deus se faz plenamente presente na humanidade: Duas comidas a nos inserir concretamente em Deus, no mistério da sua vida: O Pão Eucarístico e o Pão da Palavra. No dia da Independência lembramo-nos também de todos aqueles que continuam à margem da sociedade. Tantos que ainda se encontram na dependência das necessidades básicas, faltando-lhes o acesso a elas. No Sete de setembro a Igreja nos chama a celebrar o Grito dos Excluídos. Este evento aumenta o sentido do milagre de Jesus, resgatando no pobre a voz, para que possa gritar pelos seus direitos. Toda vez que nos deparamos na Bíblia com um personagem anônimo, existe aí um convite para que o assumamos. O surdo que, tocado por Jesus, passa a ouvir nada mais é então do que cada um dos seus seguidores, pelo mundo e tempos afora. Que possamos refletir então, na forma como a Palavra ouvida esteja se fazendo vida, em todos as nossas intenções, ações e operações. Pistas para reflexão: - Escuto ou ouço Jesus? - Deixo-me tocar por Ele? - De que maneira Jesus me tem surpreendido? 24º Domingo do Tempo Comum Quem é Jesus para mim? Jesus partiu com os discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe. No caminho, fez aos discípulos esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» Disseram-lhe: «João Baptista; outros, Elias; e outros, que és um dos profetas.» «E vós, quem dizeis que Eu sou?» perguntou-lhes. Pedro tomou a palavra, e disse: «Tu és o Messias.» Ordenou-lhes, então, que não dissessem isto a ninguém. Começou, depois, a ensinar-lhes que o Filho do Homem tinha de sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e ressuscitar depois de três dias. E dizia claramente estas coisas. Pedro, desviando-se com Ele um pouco, começou a repreendê-lo. Mas Jesus, voltando-se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo-lhe: «Vai-te da minha frente, Satanás, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens.» Chamando a si a multidão, juntamente com os discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. Mc 8, 27-35 Era uma pessoa chata. Suas conversas não duravam mais que cinco minutos. Ninguém aguentava seu papo. Ela, vizinha do irmão do bispo, soube que ele viera visita-lo. Foi ter com ele. Sentou-se e falava, e falava e falava. Ininterruptamente. Os demais, claro, foram saindo um a um, mas ela continuava sendo ouvida com toda a atenção pela honrosa e importante visita. Chegava a hora do ônibus. O bispo precisava voltar para a sua casa em outra cidade, num outro estado. Aflito o irmão, discretamente, lhe apontava o relógio. O bispo respondendo fazia-lhe sinal para que aguardasse. Foi assim até que o irmão, no auge da aflição, se deu conta de que não alcançariam o ônibus. Disse então: “Perderemos a viagem se não sairmos agora”. O bispo calmamente retrucou: “Mas não haverá outro ônibus mais tarde?” “Sim, mas será convencional e este para o qual lhe compramos a passagem é executivo”. “Pois irei no convencional”. Foi o que falou encurtando a conversa. O bate papo durou mais um tempo. Terminado enfim o que a tal mulher considerada uma chata, tinha a lhe falar, ele pega a malinha. ”Estou pronto”. O irmão dirigia o carro emburrado: Dar tanta conversa para essa mulher fez com que perdesse o horário da viagem”. Ele o olha com carinho e responde: “Mas já que vocês nunca têm tempo e paciência para escuta-la alguém precisa fazer isto”. E era assim, gastando a vida com as pessoas que Dom Luciano Mendes de Almeida ia vivendo... O Evangelho deste domingo me põe diante de uma questão fundamental: Quem é Jesus para mim? Desta resposta serão delineados os caminhos a serem, por mim, seguidos na vida daí por diante. Ela me direcionará para o sentido de Deus, ou me levará por outras estradas que me deixarão afastado dele. Jesus, Marcos nos conta assim, apresenta esta pergunta no caminho e isto tem significado. Para cada um de nós tal questionamento também acontece na “estrada”. Vai muito além dos bancos do templo, nos quais estamos situados durante as celebrações. A resposta, que é fundamental, se dará na intimidade do coração, mas será necessário que se torne refletida nas ações simples do dia a dia e não somente se faça presente nos grandes momentos, bem raros para a grande maioria de nós. Ela ocorrerá principalmente na relação com os pequeninos, como na historinha de Dom Luciano. Estes estão vivos, bem presentes à nossa volta. Na verdade a resposta não comporta mortos, como os discípulos inicialmente disseram: João Batista havia sido decapitado e Elias também já tinha ido embora, arrebatado num carro de fogo. Não se assume como Senhor aquele que não é conhecido. A profissão de fé se dá na experiência, mas para que aconteça, é necessário que haja o conhecimento interno de Jesus. Seguir o Ressuscitado na vida, pressupõe tê-lo conhecido no Evangelho e, diante das situações enfrentadas e que geram dúvidas, se fazer a pergunta: Como Ele agiria estivesse aqui nesse meu lugar? Assumir Jesus como o Messias traz responsabilidades, tornando o discípulo adulto na fé. Faz com que se reavaliem critérios. Nesse processo é provável que se vá deparar com respostas, que levem até às fronteiras da fé. Lugares bem distantes do conforto e da segurança dos ambientes costumeiros da Igreja. Assumir o Messias é se postar aberto para discernir, pessoal e comunitariamente, ponderando Lei e Amor nas decisões. Gera a constante atenção ao caminho tomado, provocando nessa andança as necessárias conversões, naquelas vezes em que houver desvio de rota, "as perdas de ônibus" talvez". Fazer tal profissão de fé exige que, anteriormente, se tenha assumido a vida. Isto significa que ela não será mantida guardada no comodismo do “estar bem” e “isto não é mais comigo, já fiz a minha parte...”. Tem o sentido radical de que ela será gasta, solidária e atenciosamente, com os irmãos. Ter Jesus como o Messias é se fazer como Ele: servidor. Tal postura retira o seguidor da zona de conforto sombreada e o leva ao protagonismo da ação sob o sol. Gera renúncias e a superação de si mesmo. Torna-nos messiânicos a anunciar que um outro mundo é possível. Jesus, o homem serviço, no dizer do grande Bonhoeffer, gastou a sua vida conosco para que a invistamos nas pessoas à volta. A cruz é muitas vezes confundida como simples objeto de adorno, o que é uma pena. Foi o arma, o instrumento de suplício daquele que gastou totalmente a vida, até a última gota de sangue, por todos nós. Ela não foi queimada no calvário. Continua, mais que pendurada nos peitos, nos ombros de cada um que se assume discípulo. Não há cristão sem cruz e todo seguidor já tem constatado tal realidade. Um olhar para o mundo nos mostrará que para alguns discípulos a cruz carregada pode significar inclusive a perseguição e a morte. Este não é o nosso caso. Vivemos plena liberdade de culto e de fé. É preciso então que encontremos na nossa cruz outros significados de seguimento. Um deles, essencial, é que nela se faça presente o pequeno, o pobre e o excluído (os chatos o são). É bem possível que na cruz carregada esteja pregado, sem que o estejamos vendo, algum sofredor para o qual o Senhor esteja me pedindo atenção e cuidado. Pistas para reflexão: - Quem é Jesus para mim? - Até que ponto tenho gasto ou guardado a minha vida? - Quem está pregado à minha cruz? 25º Domingo do Tempo Comum Jesus ensina, profetiza e nos mostra o verdadeiro Poder Partindo dali, atravessaram a Galileia, e Jesus não queria que ninguém o soubesse, porque ia instruindo os seus discípulos e dizia-lhes: «O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens que o hão de matar; mas, três dias depois de ser morto, ressuscitará.» Mas eles não entendiam esta linguagem e tinham receio de interrogá-lo. Chegaram a Cafarnaúm e, quando estavam em casa, Jesus perguntou: «Que discutíeis pelo caminho?» Ficaram em silêncio porque, no caminho, tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior. Sentando-se, chamou os Doze e disse-lhes: «Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o servo de todos.» E, tomando um menino, colocou-o no meio deles, abraçou-o e disse-lhes: «Quem receber um destes meninos em meu nome é a mim que recebe; e quem me receber, não me recebe a mim, mas àquele que me enviou.» Mc 9,30-37 Havia muito barulho e confusão à volta. O mestre então, para falar de coisas importantes e ligadas ao futuro, sentiu necessidade de tirar os discípulos daquele ambiente agitado. Levou-os para lugar onde, mais tranquilamente aprendessem tudo aquilo que precisava lhes ensinar. Consideremos, para facilitar nossa reflexão, três partes nesta passagem do Evangelho de Marcos. Na primeira, que chamaremos de “Aprendizagem”, veremos Jesus levando seus discípulos para um lugar separado, onde pudesse lhes ensinar. Na segunda, a qual daremos o nome de “Profecia”, contemplaremos o Senhor apresentando aos seguidores, o que iria em breve lhe acontecer. Na última veremos a questão do “Poder”. Aprendizagem – Nenhuma palavra saída da boca de Jesus foi gratuita. Tudo o que disse constituía-se ensinamento para a vida plena. Na instrução aos apóstolos, os conduzia até lugares protegidos da multidão. Se para aqueles que o seguiam era difícil o entendimento, imagine-se o que ocorreria caso houvesse o povão à volta. Não era nada simples compreender o Mestre, pois suas palavras eram contrárias a tudo o que o mundo lhes propunha. Jesus caminhava pela contra mão, como nos dizia Carlos Mesters. Para assimilar as novidades paradoxais, era preciso largar de mão aquelas coisas até então assumidas como verdade. Para aprender de Jesus necessitavam antes, desaprender de um tanto de coisas. E isto não se dava só naquele tempo e com aquele grupo. O Evangelho continua conflitante com as regras definidas pela sociedade. Conversão também é desaprender das coisas velhas, para que o coração se encha das novidades que Ele nos traz. Carrega-se ensinamentos que nada mais, ou muito pouco nos dizem respeito. Transportamos peso morto que só dificulta o transporte das nossas mochilas. Andamos curvados ao peso de tralhas que em nada são capazes de nos ajudar no caminho. Muito disso que se leva é fruto de "mandatos familiares", assumidos quando crianças. Lastro inútil, talvez incoerente com nossos valores e até preconceituosos. Exame de consciência mais cuidadoso identificará, lá no fundo da bolsa, esses aspectos dos quais é preciso que se desaprenda. Profecia – Jesus profetiza seu destino e obviamente não é compreendido pelos discípulos. Olhando daqui de agora a cena, a impressão é de que seria fácil compreender essas palavras duras do Senhor. Ledo engano. Como imaginar que o messias libertador, aquele que lhes traria o Reino de Deus, em breve iria se transformar em vítima? Sem dúvida que há falta de profetas, vivemos uma época de baixa profecia. É preciso pedir ao Senhor o envio desses homens e mulheres especiais. Período, dizia para a CVX em Fátima – Portugal o Pe. Adolfo Nicolas sj, nos quais é urgente que “sejam formadas comunidades proféticas”. Parece que nesses tempos globais a profecia se faz, mais do que por pessoas, comunitariamente. A atitude profética é necessária ao discipulado. Em tempos de pouca profecia entra-se naquilo que se pode chamar de “zona de conforto”. Ela é terrível, porque instala. Faz diminuir, e até cessar o processo de crescimento. Quando tudo está bem o nível de aprendizado decai, o seguimento passa a se dar com passos mais lentos e menores e o comodismo passa a ser o comportamento usual. A profecia desinstala, assusta, gera medo. Por isto não é fácil compreendê-la. Ela faz com que se veja aquilo que não se quer olhar e isto traz conflitos. Melhor então abafar o profeta. Não é a toa que ele costuma ser algum chato a perturbar a ordem. O profeta olha além, pois vê com os olhos de Deus, fala com a sua boca e sente com o coração também do Senhor. Poder – Esta é uma palavra complicada. Para muitos de nós trata-se de expressão associada ao mando e domínio do outro, ou de alguma coisa. Nesse sentido ter poder significa dar ordens e ser obedecido. Era também desse jeito que raciocinavam os discípulos. Na verdade, achavam que os símbolos de poder e o Poder emanado pela autoridade eram a mesma coisa. Também fazemos esta confusão. A verdade é que são bem diferentes, até porque utilizar símbolos de poder significa que se sente falta do Poder verdadeiro. O poder é atraente. Gosta de se mostrar em ambientes ricos, perfumados, bonitos e frequentados por gente bem vestida. Ele dá dinheiro. Ao contrário do Poder que ocorre anonimamente e mesmo que exercido por pessoas reconhecidas, gera muito mais trabalho e responsabilidades do que reconhecimento monetário. A este poder preconizado por Jesus devemos registrá-lo com maiúscula. Já o poder de mando, que não raras vezes tem descambado para o autoritarismo e a corrupção, devemos grafa-lo com letra minúscula. É preciso atenção para distinguir quem busca o poder daquele que anseia servir. Quem tem poder se serve dele. Quem tem Poder o usa para servir ao próximo. Exercer o Poder é sendo cristão ou não, isto não é tão relevante, disponibilizar-se para o trabalho ajudando as pessoas para que possam se desenvolver. Apoiar para que cresçam em dignidade. Deixem enfim de ser objeto, para se tornarem sujeitos da própria história. Que seja assim o poder do voto concedido a cada um de nossos futuros eleitos. Cristão que náo usa seu Poder está fugindo da sua responsabilidade na vida. Pistas para reflexão: - Como Jesus me ensina? - O que preciso desaprender na vida? - Exerço mesmo o Poder, ou me atenho ao poder? 26º Domingo do Tempo Comum Quem faz o bem está com Jesus João disse a Jesus: “Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue”. Jesus disse: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor. Em verdade eu vos digo: quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa. E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço. Se tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na Vida sem uma das mãos, do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga. Se teu pé te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na Vida sem um dos pés, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno. Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! É melhor entrar no Reino de Deus com um olho só, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno, onde o verme deles não morre, e o fogo não se apaga’”. Mc 9,3843.45.47-48 O crack chegara avassalador. Vários jovens daquela comunidade pobre caíram em suas garras. O drama crescia a olhos vistos. As igrejas e grupos religiosos, de uma ou outra forma, desenvolviam ações para minimizar o drama. Só que eram dispersas, alcançavam muito pouco. E foi então que os espíritas, responsáveis pela creche do lugar, que convocaram a todos para discutirem uma estratégia mais ampla e eficaz de combate à terrível droga. Convites para a reunião foram enviados a todos. Para surpresa deles o pastor de um templo bastante conservador se fez presente. Mas o que chamava mais a atenção era a ausência do representante da Igreja Católica. Continuamos com os ensinamentos de Jesus. Depois de uma etapa de prodígios, é chegada a hora da instrução, nesse segundo tempo poderíamos dizer assim, do Evangelho de Marcos. Nessa hora ele irá privilegiar a ação dos discípulos e a maneira como o Senhor, cuidadoso, está sempre a ensina-los. Jesus sabe que ninguém se tornará seguidor sem que tenha conhecido aquele que o convoca. Aprende-se mais e melhor a partir da experiência. Nada melhor então que aproveitar os acontecimentos vivenciados pelos seus amigos, para o ensinamento. Os discípulos denotando satisfação com o que tinham feito: “proibir um homem de expulsar demônios em seu nome”, vem até o Mestre para obter dele a confirmação daquilo que tinham realizado. A resposta de Jesus é, mais uma vez, surpreendente: “Não o proibais”. Imagine-se a surpresa de João, porta-voz do grupo, como também dos seus companheiros. Supunham terem feito a coisa certa. Como poderiam deixar alguém agindo em nome daquele que seguiam sem que fosse seu seguidor? Muitas vezes aquilo que achamos ser o certo não é, em definitivo, o necessário e muito menos será aquilo capaz de nos levar ao bem. Esta é uma das passagens mais instigantes e geradoras de incômodo dos Evangelhos. É que este comportamento dos discípulos não se restringe somente àqueles tempos. Continuamos sendo, hoje em dia, tentados a requerer o monopólio da ação de Deus. Diante da postura aberta e tão inclusiva de Jesus, é preciso que nos examinemos para conhecermos até que ponto não estamos sendo, de uma forma ou de outra, exclusivistas enquanto Igreja de Jesus. Será que também acolhemos o bem sem olhar de quem, ou de onde ele esteja vindo? Ou torcemos o nariz quando descobrimos que sua procedência não é assim tão “pura de origem”? Tal comportamento fará com que, ao invés de combater os demônios, expulsando-os para distante, terminamos nos confundindo, achando que os diabos são aqueles que, como nós, também lutam contra eles. Jamais podemos nos arvorar em donos do sagrado, ou mais ainda, proprietários de Deus. Ele é sempre maior, mais aberto e inclusivo do que qualquer um de nós. Por mais religiosos que sejamos. Sentir-se assim, donos das coisas de Deus levou-nos no passado, enquanto instituição, a atitudes de exclusivismo em relação a um tanto de gentes (judeus, escravos negros, índios, ciganos...) para as quais tivemos necessidade de pedir perdão. O cuidado que precisamos ter é para que não continuemos fazendo coisas geradoras de sofrimento hoje e que nos obrigarão a repetir esse gesto no futuro. O nome no sentido bíblico tem um significado muito mais amplo do que hoje é vivenciado. É muito mais que designar um ser humano. O nome possui dentro dele algo, ou mesmo traduz aquele ser que está nomeando. Dizendo de outra maneira poderíamos falar que o nome é a pessoa. Ao falar o nome se está automaticamente trazendo junto o ser designado. Só pode fazer o bem quem está com o Bem e o nome dele (do Bem) é Deus. Na segunda parte do texto Marcos nos apresenta o Senhor tratando da questão do escândalo. Nesse sentido é preciso ter atenção com dois aspectos. O primeiro, bem óbvio, indica-nos a impropriedade de entendermos essas expressões de arrancar partes do corpo de forma literal. Não é arrancar membros, mas ordenar os afetos e estes se encontram, não do lado de fora do corpo, mas no coração. São as nossas desordens interiores que provocam os escândalos. O outro ponto a ser visto convida-nos a ampliar o sentido das frases. Os membros podem bem ser aquelas pessoas nas comunidades que escandalizam seus irmãos, principalmente os pequeninos (na aceitação do outro, mais pobres, mais frágeis...) com seus comportamentos e atitudes inadequados. Tais membros não agem em nome de Jesus. Pior ainda, trabalham contra Ele, e por isto estão como que mortos para e na comunidade. Acaso não sejam amputados a podridão que contêm, se espalhará pelas outras áreas sãs do tecido comunitário. Pistas para reflexão: - Como reajo àqueles que fazem o bem e que não pertencem ao nosso “redil”? - Trabalho para uma Igreja mais inclusiva e misericordiosa? - Que significado tem para mim o Nome do Senhor? 27º Domingo do Tempo Comum Amar é tornar eterno o ser amado Naquele tempo, alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher. Jesus perguntou: “O que Moisés ordenou?” Os fariseus responderam: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la”. Jesus então disse: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separe!” Em casa, os discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo assunto. Jesus respondeu: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido e se casar com outro, cometerá adultério”. Depois disso, traziam crianças para que Jesus as tocasse. Mas os discípulos as repreendiam. Vendo isso, Jesus se aborreceu e disse: “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”. Ele abraçava as crianças e as abençoava, impondo-lhes as mãos. Mc 10, 2-16 Aproximava-se a data em que comemorariam o aniversário de casamento. Estava sem emprego. Dinheiro nenhum para comprar o presente da amada. Surgiu-lhe a única ideia realmente viável: vender o cachimbo. Com o valor apurado adquiriria lindo pente, para que cuidasse mais ainda dos lindos e longos cabelos. Com dor no coração, prezava demais fumá-lo nos finais de tarde, se desfez do objeto. Trajando largo sorriso trazia para casa o mimo. Assustou-se ao ver, caminhando em sua direção, a mulher praticamente careca. Vendera os cabelos para presentear o marido com o melhor fumo de cachimbo existente naquela cidade. No Evangelho deste domingo Marcos quer nos mostrar, um pouco do que Jesus entende por Amor. Olhando mais de perto o texto veremos que aquilo que está em jogo, vai muito além da simples questão do repúdio, em meio àquela sociedade machista, da mulher e o divórcio. Quer nos mostrar que amar é entrar na dinâmica daquele que é absoluto Amor, o próprio Deus. Por isto não se ama de forma compartimentada, ou em pedaços. Amor não acontece em etapas e muito menos se pode desprezar o ser amado. Amar é mistério tão grande quanto exigente. Ele só poderá ser experimentado naquele dia em que se largar tudo. Daí que é preciso aprender de Jesus que Ele, o Amor, é imenso, bem maior do que tudo que possamos imaginar. O Amor, em definitivo, que seja mesquinho. Faz parte da sua natureza ser expansivo, dar-se pronta e plenamente. Ele não permitirá jamais sua manutenção preso oculto dentro do corpo. Amar, todos o sabemos, é energia plenamente livre, constantemente em busca da presença e do contato do outro. Está aí a nossa grande dificuldade de, mais que compreendê-lo, poder vivê-lo concretamente. Somos seres frágeis e pequenos, caminhando em meio à construção da nossahumanidade. Por conta dessa realidade, mesmo tendo sido gerados e estarmos refletidos em Deus, o Amor que experimentamos ainda é bastante limitado. Não é raro se ver por aí interpretações da expressão “tornar-se uma só carne” como exemplo da mera fusão de dois seres, propiciando assim a geração de um terceiro. Pensar de tal forma seria como nos imaginar como algum tipo de “ameba” se moldando e se misturando ao ser amado, até se perder totalmente nele, deixando de ser pessoa. Não é raro encontrar-se casais, patologicamente assim unidos. Tornar-se uma só carne é ideal a ser perseguido pelos casais, reconhecendo-se cada dia mais um no outro, na medida em que deixem que o Amor mútuo se expanda. Todos possuímos a experiência bem próxima, alguns em si mesmos, da impossibilidade de se alcançar esta meta. Com estes é preciso, mais que acolhida, que se busque enquanto Igreja como um todo e cada um como membros dela, saídas para que não se deixe à margem, sofredores, aqueles que, não importa o motivo eis que pregamos o perdão, ficaram pelo meio da estrada do Amor conjugal. Amar pressupõe olhar, toque, enlevo, cuidado e acolhimento o que só é possível caso haja entre os amados algum espaço. Uma só carne significa que um se reconhece e se identifica integralmente com a natureza única do outro. Pertencem suas “carnes” à mesma matéria e realidade e esta faz parte da vida do próprio Deus. Descobrem que necessitam a partir daí viver um para o outro, eis que passam a experimentar o maravilhoso processo da complementaridade. “Eu não consigo mais me ver completo sozinho. Sua ausência faz-me experimentar a dor, tal qual tivessem me amputado um membro”, é como se dissessem um ao outro. O Amor é eterna descoberta de que a vida só estará plena se ocorrer a entrega ao outro. Este encontro fará com que se venda simultaneamente cachimbo e cabelos na doação de si, conforme nos recorda a história que o Pe. Hermann Rodriguez sj recolheu num livro do seu companheiro Juan Rafo sj. Estar um para o outro, como Deus é para cada um de nós. É o mesmo que se dizer, em oração: “Sem você, estarei morto. Sem mim você não conseguirá sobreviver. Em você me torno eterno. Em mim você nunca morrerá.” Por isto o Amor é muito mais do que mero sentimento. Santo Inácio de Loyola, nos seus Exercícios Espirituais, demonstra compreender bem isto, ao nos dizer que o Amor consiste mais em obras do que em palavras. Na sua intuição, transformada para os exercitantes em contemplação, ele nota que amar é sair totalmente de si para caminhar na direção do outro, comunicando a ele, o santo continua, tudo aquilo que tem e pode. Amar é ser suporte para que o outro seja mais. É fazer com que o ser amado se torne maior e mais bonito a cada dia. Pistas para reflexão: - Sinto Deus como a fonte de todo Amor? - Amar para mim se faz mais em obras do que em palavras? - Agradeço a Deus pelo Amor na minha vida? 28º Domingo do Tempo Comum O olhar de Jesus em nós Naquele tempo, quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele e perguntou: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” Jesus disse: “Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe”. Ele respondeu: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude”. Jesus olhou para ele com amor, e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!” Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico. Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!” Os discípulos se admiravam com estas palavras, mas ele disse de novo: “Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso, e perguntavam uns aos outros: “Então, quem pode ser salvo?” Jesus olhou para eles e disse: “Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível”. Pedro então começou a dizer-lhe: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”. Respondeu Jesus: “Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, 30receberá cem vezes mais agora, durante esta vida — casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições — e, no mundo futuro, a vida eterna. Mc 10,17-30 “Aquele olhar... Aquele homem a me olhar. Ah, como posso me esquecer daquele olhar...” Era assim que o velho em seu leito de morte chorava baixinho. Foi na entrada do povoado, no qual era o homem mais rico, que seus olhares se cruzaram. Quem o olhara foi embora triste, ao constatar que ele não conseguira responder à sua mirada de Amor. Recordava a vida e constatava, uma vez mais, haver perdido o olhar da felicidade. O velho, apesar das muitas posses, morria pobre por ter perdido aquele olhar... Aproveitando-se de uma cena bem prosaica, “Jesus sai a caminhar”, o evangelista Marcos nos convida a contemplar algo cheio de significados. Jesus caminha e diante dele estaca, provavelmente esbaforido, alguém que chegou correndo. Daí que acontece um interessante e ao mesmo tempo frustrante diálogo entre os dois. Em seguida e aproveitando-se do fato, Jesus no seu papel de mestre, continuará ensinando seus discípulos. O homem corre para Jesus e isto não deixa de ser surpreendente. Viviam-se tempos muito mais tranquilos, em relação às demandas geradoras de correrias vividas hoje, nesse mundo Pós-moderno. Também porque Jesus andava não se configurava como necessária, a vinda em desabalada carreira para se estar com Ele. O que Marcos quer nos afirmar é que depois de se tomar conhecimento da boa nova de Jesus e das coisas do Reino, a expectativa e a alegria se tornam tão grandes, que não mais é bastante somente o caminhar. Diante de tamanha maravilha o mais lógico é que se corra. É que um chamado assim tão encantador, traz embutido dentro dele a exigência da prontidão e rapidez. Vale a pena correr, na direção daquele que se faz proposta de vida eterna para a humanidade: Jesus de Nazaré, o Cristo. O homem, imaginemos ainda ofegante, pergunta de supetão para Jesus, a olhá-lo surpreso: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” Não se tratava de qualquer um que, coincidentemente, cruzasse com Jesus pelos caminhos da Palestina. Não, aquele rapaz conhecia Jesus, já o olhara antes. Sentia com bastante certeza em seu coração, ser Ele o Filho de Deus, o Messias tão esperado. Chama-o de “bom mestre”, ao que Jesus replicará, mirando-o nos olhos, que somente Deus é bom. Mas tal homem não sossega. Segue em sua profissão de fé e se ajoelha. Os judeus só se ajoelhavam diante de Deus. Pôr-se assim é se colocar em postura de adoração. Mas aquilo que começou de forma tão bonita logo começa a desandar. O olhar se transforma. É que para o seguimento não é bastante o cumprimento da Lei. É preciso ir além para se tornar, efetivamente, discípulo missionário do Senhor. Para o seguimento há que se ser livre e a Lei somente não é libertadora. A liberdade pressupõe assumir o Amor como absoluto da vida. E isto significa tratar, a partir daí, todas as coisas como relativas diante dele. E aquele jovem possuía outros amores, diferentes deuses. Em relação aos bens não se devem fazer análises de valor. Eles em si mesmos não contém um sinal de mais ou de menos. São neutros. O que irá se fazer com eles, a maneira como serão cobiçados, olhados, isto sim, é que irá nos conduzir para a liberdade do crescimento, a nos enviar para o infinito da vida eterna, ou à prisão de nos manter fixados em coisas perecíveis e incapazes de preencher o coração. Tudo é bom, mas nem tudo nos convêm ensina-nos sabiamente São Paulo. Impressiona a frustração de Jesus com este homem. Certamente que viu nele – de novo o olhar – muitas potencialidades e possivelmente até o tenha imaginado, como um dos grandes líderes do início do cristianismo. É bonito vê-lo se aproximar correndo e triste observá-lo a sair cabisbaixo e lentamente. Prisioneiro da riqueza fez dela deusa em sua vida. Não conseguiu dar o salto rumo à liberdade, inerente ao seguimento do Senhor. Por isto a constatação de que é difícil que o rico se salve. Não porque Deus o condene, mas porque a atração das riquezas tende a se tornar tão potente que terminará por fazer com que a adoremos. Há que se tomar cuidados... Pistas para reflexão: - Que devo fazer para alcançar a vida eterna? - Os bens que possuo me aproximam de Deus através dos irmãos ou me afastam deles? - De que maneira acolho em mim o olhar de Jesus? 29º Domingo do Tempo Comum Liderança é serviço aos irmãos Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir”. Ele perguntou: “O que quereis que eu vos faça?” Eles responderam: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!” Jesus então lhes disse: “Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” Eles responderam: “Podemos”. E ele lhes disse: “Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado. Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado”. Quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João. Jesus os chamou e disse: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim; quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”.Mc 10,35-45 Era uma vez uma mãe muito pobre. O marido partira em busca de trabalho e nunca mais dera notícias. Sozinha cuidava da filharada. Na dupla jornada, as crianças e a casa, além de lavar e passar roupas para fora, sentia-se fatigada. Mas não desanimava e muito menos reclamava da vida. Seu objetivo era claro e definido. Sentia dentro de si a força da liderança e do poder, em fazer dos seus filhos seres humanos bons. Gente significativa que iria fazer a diferença por onde passasse. Ela havia compreendido o verdadeiro sentido do Poder e da Liderança: servir aos seus filhos, cuidando para que se tornassem mais. Jesus enfrenta, Marcos nos conta no Evangelho deste domingo, dificuldades com o entendimento, por parte dos discípulos, do que seja poder e liderança. Nenhuma novidade, eis que esta confusão se faz presente em meio à humanidade desde sempre. Confunde-se seus conceitos achando se tratar, o poder e a liderança, da postura daquele que se coloca no “topo da pirâmide”. Tem-se por aí a percepção “luxurienta” dessas duas palavras como se representassem e, pior ainda, autorizassem o domínio de alguns poucos, vistos como privilegiados, sobre os demais abaixo, em posição subalterna. É senso comum que ser poderoso, assumindo liderança, resume-se simplesmente à capacidade de ordenar e ser automaticamente obedecido, independente, inclusive, daquilo que haja determinado. Neste sentido a liderança e o poder implicam ter sobre as pessoas a visão manipuladora de “mão de obra” ou “massa de manobra”, prontas a executar, sem reflexão alguma, o que é mandado. Não é nada disto o Poder e a Liderança (com maiúsculas) devem ser observados desde a planície. São dons de Deus e só encontram sentido, quando utilizados de maneira a auxiliar os outros a subirem, com eles, a montanha. O exercício do Poder e da Liderança nada mais é do que fazer com que as pessoas à volta se tornem mais capazes, corajosas e autônomas. Por isto precisamos bem mais do que buscar exemplos de poder e liderança dentre gente famosa (política, negócios, artes, educação, religião...), que os procuremos nas vizinhanças. Em primeira instância, líder e poderoso é o pai e a mãe que dão asas para que os filhos voem. Também líder e poderosa é a professora que acredita nos seus alunos, olha-os respeitosa, sabedora de que são capazes de muito mais do que imaginam e por isto é exigente. Desafia-os a se superarem. Líder e poderoso é o gerente que faz com que sua equipe se mantenha motivada e comprometida com o cumprimento do bom propósito da sua organização. Líder e poderoso enfim é todo aquele que não deixa que se contente com a mediocridade. Faz com que se busque, incansavelmente, o mais. É desta verdade que vem nos falar Jesus. A partir da visão equivocada dos filhos de Zebedeu, nos mostra que poderoso e líder é quem serve. Aqui é preciso atenção, eis que como eles, também nos acostumamos a mirar essas palavras sob o prisma do mando. Aquele que quiser ter poder que sirva. Quem desejar ser verdadeiro líder que se ponha a cuidar dos demais. Servir e cuidar são dois verbos básicos, para se compreender o exato sentido do Poder e da Liderança. Quem desempenha o Poder exerce a autoridade, e esta nada mais é do que fazer com que o próximo cresça. Trata-se de apoiá-lo para que se torne maior e mais competente do que é hoje. Quem tem poder jamais poderá guardá-lo para si próprio. Seu sentido se fará real, na medida em que busque “empoderar” os demais. Poder pelo poder é tentação vazia. Nada mais é do que o pecado da luxúria. O uso do outro para a própria satisfação e prazer. Liderança é serviço. O líder é aquele que se põe a cuidar, atenciosamente, dos próximos. É fazer isto por Amor e não porque espere retribuição daquele que foi servido e cuidado. O líder é o menor e como é difícil assumirmos esta verdade. Essa inversão dos valores da liderança está já tão arraigado, que é possível não nos darmos conta de que “ministro”, etimologicamente falando, não é o grande, mas o menor, o mínimo, aquele que está em prontidão para o serviço dos irmãos. A liderança se faz no exercício da influência e esta, para ser positiva, precisa se dar na horizontalidade, de igual para igual. Nunca de cima para baixo. Uma boa metáfora para o líder é observá-lo como se fora escada para que o outro suba e vá se tornando mais humano, mais santo. Pistas para reflexão: - Ajudo o meu próximo a crescer? - Como tenho sido líder na minha família e comunidade? - Como lido com o poder que tenho? 30º Domingo do Tempo Comum Senhor, que eu veja! Jesus saiu de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho. Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!”. Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe perguntou: “Que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!” Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho. Mc 10,46-52 No meio da praça um jovem vê Jesus passando em seu coração e, no mais íntimo de si mesmo, grita: "Jesus, tem piedade de mim". Larga ao chão, diante do pai e da sociedade, suas vestimentas. Francisco de Assis se liberta das roupas, empecilhos simbólicos que lhe dificultam a visão e assim possa se aproximar, puro e inocente, daquele diante do qual os trajes são mais que supérfluos. Apoiados pelo olhar atento de Marcos, continuamos a observar as andanças de Jesus. Agora o veremos a sair de Jericó. Não está sozinho. Ao contrário, bastante gente, uma multidão, o segue. No caminho encontrará um pobre que de tão desprezado, nem pode gritar pelo seu Senhor. Trata-se do filho de Timeu. Bartimeu é o seu nome e será curado da cegueira. Reparem como este texto é um gostoso convite à contemplação. A cena parece pedir-nos para ser vista pelos olhos da imaginação. Ponhamo-nos então na estrada com Jesus. Sejamos mais um em meio àquele povo. Para ver tudo em detalhes não nos coloquemos no rabo da procissão, mas à sua cabeça. Lá, bem próximos daquele a quem buscamos seguir. O fato de não haver indicação de hora deixa-nos com liberdade para entender que era uma manhã. Acordamos cedo e saímos. Fora de casa a surpresa de topar com muitos outros, que já se encontram de prontidão para o seguimento. Pouco havíamos caminhado quando uma voz é ouvida. Não saia dali do meio da gente. É alguém de fora e grita forte. Gera incômodo. Afinal Jesus nos explica algo bem interessante e a gritaria atrapalha. "Que pobre mais chato!" Faz com que se tenha que ficar ainda mais atentos à palavra do Senhor. Uns posicionados na lateral da procissão o repreendem. Ordenam que se cale, afinal estamos aprendendo coisas importantes do Mestre, mas ele não escuta. O alarido torna-se ainda maior. Penso: “Que inconveniência. Que pessoa mais impertinente!” Mas no meio daquele povo todo há alguém que não reclama. Ao contrário, para surpresa geral, solicita que o chamemos. O mendigo então se assusta. Sente medo e é então que reparo ser ele também cego. Alguém atrás da gente nos diz tratar-se do filho de um tal Timeu, morador daquela beira de estrada. Acostumado a gritar toda vez que percebia haver gente passando e a não ser ouvido, surpreende-se ao se saber chamado. Ainda mais por aquele de quem já tinha ouvido falar tantas maravilhas. Será um encontro primordial em sua vida e quando se vive algo assim, é natural que se sinta certo receio. Os que o conheciam e o chamaram logo repararam seu medo. “Tome coragem e vá logo! não percebe que Ele o chama?”. Quem tem coragem não age só através da razão, mas muito mais a partir daquilo que sente, da emoção. Estava frio e sentado no banquinho a pedir esmolas, encarquilhado. Tentava assim se proteger do vento gelado dos caminhos. O cego dá um pulo, o tamborete cai longe. Há gente que ri do salto dele, ao mesmo tempo em que se livra do manto. Sussurrando uma mulher ao meu lado diz sentir dó. Fala do frio ainda maior que agora ele está sentindo. Não se usava muita roupa além do manto (ainda mais um pobretão como o cego) e as dificuldades em se lidar com o corpo - a nudez - geram desconforto. Mas ele não sente a friagem. Afinal estava se aproximando, cheio de fé, daquele que aquece o coração e o corpo da gente. A pergunta de Jesus é direta, assertiva, sem duvida que óbvia: “O que queres que eu te faça?” O cego, vencendo o medo, também não faz rodeios: “Mestre, que eu veja!”. E aí acontece o milagre. Surpreende-nos, sabedores de todo o Poder do Messias, que não saia dele a cura, mas sim da fé daquele homem. Como é significativo nos darmos conta disto. Da mesma maneira que o cego salta, é necessário aqui também dar um pulo na compreensão do texto. O convite do Senhor continua acontecendo. Ele me chama para mais perto e, como Bartimeu o homem da beira do caminho, que lhe peça para ter piedade e curarme da cegueira. Mundo afora fomos nos vestindo de “muitas roupas”. Bem mais que nos proteger do frio, elas como que nos “defendem”. Aí acabam impedindo que sintamos o toque de Jesus. Ao atender o chamado é preciso se livrar dessas “vestes”. Há “mantos” que devem ser largados ao chão para que se possa, enfim livre, sentir no coração o calor da presença do Salvador. De qual cegueira pedirei a Jesus que me cure? Há várias que acometem os seres humanos. Algumas bem maiores do que a física. A de não ver o próximo e necessitado à beira das estradas, os olhos cerrados que fazem dormir na preguiça, a cegueira de não perceber o caminho, a cegueira que impede de ver o Deus verdadeiro e que faz com que se perca no emaranhado de tantos outros deuses... Pistas para reflexão: - Quais mantos preciso lançar ao chão? - Qual a minha principal cegueira? - Do que Jesus precisa me curar? Finados A celebração da saudade e certeza da vida que nunca se acaba Quando Jesus chegou a Betânia encontrou Lázaro sepultado havia quatro dias. Betânia ficava a uns três quilômetros de Jerusalém. Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão. Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro dele. Marta ficou sentada em casa. Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido, mas . Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, ele te concederá”. Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. Então Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, Mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais. Crês isto?” Respondeu ela: Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”. Jo 11, 1727) Um jornalista, por haver denunciado injustiças, estava condenado à morte pelos paramilitares do seu pais. Vendo-se assim publicou carta na qual dizia não sentir medo. Condená-lo à morte, ele considerava, nada mais era do que “ameaçá-lo” da vida eterna na felicidade de Deus”. O mistério da morte ronda-nos constantemente. Há todo momento damo-nos conta da fragilidade da existência. Ao reparar, principalmente quando da partida de entes mais próximos e queridos, quão delicada é a vida sobre a Terra, o ser humano se assusta e daí costuma nascer o medo. Brota intermitente a pergunta: Para aonde estão indo os nossos mortos? Será que a vida se resume somente a esse tempo dentro do qual aqui existimos? Ela, como dizia o poeta, é simples jogo no qual a vida toma parte durante um tempo, até que se torne, de novo, esterco a adubar outras existências? Hora então de provar a fé e a esperança. A vida é muito mais do que jogo que se inicia e se completa neste mundo. Somos criados com a chama da imortalidade. Filhos de um Pai que nos quer para sempre, estamos predestinados, desde que fomos gerados à eternidade. Não haveria melhor forma para adentrar este mistério do que celebrar nele a memória das pessoas queridas que já vivem no colo acolhedor do Pai. Finados é tempo propício para reafirmarmos essas duas virtudes teologais que, conforme nos ensina São Paulo, um dia passarão. A fé no carinho e cuidado de Deus para conosco e a esperança de que nosso caminho nos leva a um destino imenso e maravilhoso: a ressurreição. Ressuscitar, em definitivo, não foi o que aconteceu com o amigo de Jesus naquele momento de dor e saudade em Betânia. Ele volta à vida humana na terra e não à vida infinita de Amor em Deus. Lázaro, João mesmo irá nos contar adiante, morrerá. Ressurreição é incomparavelmente maior do que a simples revivificação de um cadáver. Nosso destino é o céu. Somos criados para viver imersos no carinho de Deus. Ele ama seus filhos e é competente o bastante (é todo poderoso) para não perder ninguém que queira se salvar. É desse jeito o Pai apresentado por Jesus. “Eu e o Pai somos um”. “Quem me vê, vê o Pai”, Ele está a nos dizer. Uma simples passada por duas parábolas do Evangelho nos confirmará isto: Um pai tinha dois filhos. Um deles resolve ir embora e longe se vê miserável. Resolve retornar porque sente fome. O pai vai à rua recebê-lo e faz tremenda festa. Afinal seu filho voltou. Um pastor tem cem ovelhas. Uma delas se perde. Ele deixa as noventa e nove no curral e vai buscar a extraviada. Ao encontrá-la volta feliz e comemora com os amigos o resgate da sua criação. Fruto duma visão equivocada deste Pai tão bom, podemos ter assumido vida afora uma imagem falsa do Deus de Jesus. É possível que tenhamos criado dentro do coração a imagem de um deus terrível. Pronto, não a salvar, mas a condenar, enviando ao inferno seus filhos. Gente que pensa assim não conseguirá, obviamente, sentir Deus como Pai amoroso. Essas pessoas terminam por enxergá-lo como o “grande justiceiro”. Um deus contabilista a ponderar constantemente nossas ações para verificar ao final o destino daquele seu filho. Deus é justo, mas a sua justiça nunca vem sozinha. Ela está sempre acompanhada da misericórdia. Ele não pune a ovelha fujona e muito menos o filho que foi embora. De maneira alguma cobra dos dois por terem se afastado do seu Amor. Ao contrário, Ele só acolhe e festeja: “meu filho estava morto e voltou a viver”. Deus é diferente da gente. Nossa justiça anda separada da misericórdia. Ou somos justos, ou somos misericordiosos, dependendo da situação. Deus é justo e misericordioso em qualquer tempo. Lembremo-nos disto ao nos recordar dos nossos e dos demais mortos. A misericórdia sempre acolhe, perdoa, cuida, Ama. Precisamos imaginar Deus dizendo: “Meu filho ressuscitou e a sua ressurreição não se dá na perdição, mas na alegria da festa”. O Pai não está preocupado com o fato de o filho ter ou não voltado por Amor (ou arrependimento). Olhando mais de perto se verá que seu retorno é meramente porque sente fome e na casa do pai tem comida. Não haverá então inferno? Claro que sim. Ele é aquela eterna possibilidade da negação absoluta do Amor, da bondade e misericórdia do Pai. O fechamento total e inexorável à felicidade tão ansiada por qualquer ser humano. Negar-se a Deus é, numa comparação por demais incompleta, como dizer ao ar: “eu não te quero, eu me recuso a respirar”. Tal coisa é um absurdo e alguém que assim agisse seria logo diagnosticado como insano. Ou seja, para recusar o céu é preciso ser louco e os doidos são pessoas tremendamente sofredoras. Gente demais amada por Deus. Dá para imaginar alguém fora do seu juízo sendo jogado ao inferno pelo Pai? Mas mesmo de maneira consciente podemos negar totalmente a Deus e por isto o inferno é possibilidade a ser, sempre considerada. Agora falar de céu é outra história. Ele é a nossa realidade. O caminho para o qual fomos criados. Esse momento de recordação dos mortos é também o tempo no qual recordamos e afirmamos que Deus sempre salva. Pistas para reflexão: - Onde estão meus mortos? - Creio que Jesus veio me salvar? Ou me colocar a perder? - Que significa para mim que Deus é justo e misericordioso? Solenidade de Todos os Santos Santidade é destino a ser buscado por todo filho de Deus Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bemaventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus. Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vós. Mt 5, 1-12ª Era uma vez um rei todo bom. Seu castelo, posto no topo da montanha mais alta do reino, podia ser visto em todo o reino. Considerava a todos como filhos, lhes dedicando amor e proteção. Eram plenamente livres, mas o rei tinha receios de que tal fato os fizesse ausentes, os colocasse distantes da sua presença e carinho. Esforçava-se para encontrar um modo de demonstrar que se mantinha constantemente junto deles. Teve então a ideia de lançar linhas invisíveis e bastante tênues, para ligar cada um dos súditos a ele. O que não levou em conta foi que a vida lá embaixo da montanha era bem agitada e as pessoas, preocupadas com a correria da vida, terminavam por se esquecer da bondade do rei. Isto as levava a se afastar, cada dia mais, dele. Só que toda vez que se distanciavam do monarca, a cordinha invisível e finíssima esticava-se demais, rompendo-se. Mas não nos esqueçamos: o rei era todo bom. Ao constatar tal fato se entristecia, mas mantinha forte a esperança de que aquele filho se arrependesse e viesse buscar seu perdão, que jamais era negado. Feliz, ao ver o filho de novo próximo e arrependido pelo afastamento, o rei corria a amarrar a linha novamente. Só que aí começou a acontecer algo bem interessante. A cada novo nó na linha, ela se tornava menor. Trazia aquela pessoa que partira para longe, ainda para mais perto do rei. Passado algum tempo havia tantos laços que ninguém mais estava distante. A tal linha invisível tornara-se supérflua. Ao perceberem essa nova realidade os filhos caíram em conta de que não havia mais motivos para se distanciarem e estar perto do rei as fazia puras e felizes. Num outro modo de ver aquela realidade, poderia se dizer que haviam se tornado santas. A festa de todos os santos convida-nos à lembrança daqueles nossos irmãos na fé, que já se encontram vivendo as maravilhas da eternidade de Amor, na presença da Trindade Santa. Ao aceitar tal apelo, quase que automaticamente, vem-nos à memória os santos que se encontram nos altares e dos quais somos devotos. Celebrar a santidade só assim desta maneira é bem pouco. É preciso ter atenção, pois que esta festa quer nos levar a algo ainda muito maior e mais profundo. É preciso ir além, deixar-se conduzir pelo tema, para poder contemplar duas faces muito bonitas do Pai. A primeira é o rosto da santidade de Deus. Só Ele é o verdadeiramente santo. Não é por acaso que em todas as missas proclamamos que “santo, santo, santo, santo é o Senhor”. Esta festa então, mais do que celebrar a limitada santidade humana, quer enfatizar a santidade infinita de Deus. É o Pai, por pura graça, que nos faz seus santos, trata-se de presente dEle. Não fora o Senhor ser santo, não haveria sentido esta celebração tão bonita. Tornar-se santo, jamais pode ser considerado mérito humano, é dom do Pai. Somos criados para a santidade porque somos filhos do verdadeiro Santo. Como reza o ditado popular que “filho de peixe é peixe”, é possível por analogia depreendermos que filho de Santo é no mínimo “divinizável”, ou seja, um ser passível de se tornar também santo. Obvio que isto não tira o caráter de heroísmo dos santos venerados nos altares e de tantos e tantos outros, a imensa maioria, anônimos e mesmo esquecidos. Ao acolher a graça eles a trataram como tesouro tão grande e precioso, que nada no mundo foi capaz de afastá-los por muito tempo da presença amorosa de Deus. Ao registrar as vidas dos santos, não é raro que os biógrafos tendam a deixar bem mais evidentes, suas faces da pureza e mesmo os milagres, em detrimento daqueles atos menos louváveis. O fato de quase sempre não terem sido registradas suas faltas, não significa, de forma alguma, que não cometeram pecados. Santidade e perfeição são conceitos bem distintos. O grande diferencial é que eles jamais se conformaram com a ausência de Deus em suas vidas. Ao constatar que se afastavam da graça, logo corriam a pedir perdão. Ao fazer isto iam se colocando, cada vez mais perto daquele que é todo Santo. A cada retorno tornavam-se ainda mais íntimos, mais perto dEle. Ao celebrar os santos no céu, estamos também nos dando conta desta busca, como “filhos de peixe”, da santidade. O ser cristão pode ser resumido na busca da santificação. Por isto o Evangelho deste domingo, quer nos dar ferramentas para essa procura. Oferece-nos assim as bem-aventuranças. Elas são como que o nosso “manual de instruções”. Importante ressaltar que elas não se configuram em categorias, ou graus hierárquicos das aptidões e merecimentos, para o alcance da glória de Deus. Menos ainda devem ser vistas como “lista de prêmios” a serem distribuídos, àqueles que se comportarem segundo estes critérios. Elas devem ser olhadas – e vividas – muito além deste horizonte. É preciso que as sintamos como a maneira de Deus conduzir sua gente. O jeito pelo qual poderemos dele nos aproximar e, sobretudo a meta para a qual deverá ser guiada a nossa existência. Outro tipo de visão equivocada da bem aventurança, é aquela de se imaginar o bem-aventurado como alguma pessoa de sorte. Um filho especial e dono de alguns privilégios. Alguém blindado por Deus, protegido de toda mazela e sofrimento, como infelizmente ainda se vê em algumas igrejas. Nada disto. O bem-aventurado é todo aquele que caminha com o Senhor, tomando assim parte no seu Reino. É o santo. Aquela pessoa que, a partir do “manual” distribuído no alto da montanha, passa, mesmo com seus retrocessos, a pautar a existência pelos critérios de Jesus. Pistas para reflexão: - Sinto-me bem-aventurado? - Busco a santidade? - Como lidar com um “manual de instrução que vai na contramão do que prega o mundo? Festa da Dedicação da Basílica do Latrão A Casa do Pai não é lugar para se fazer negócios Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. E disse aos que vendiam pombas: "Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!" Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: "O zelo por tua casa me consumirá". Então os judeus perguntaram a Jesus: "Que sinal nos mostras para agir assim?" Ele respondeu: "Destruí, este Templo, e em três dias o levantarei". Os judeus disseram: "Quarenta e seis anos foram precisos para a construção deste santuário e tu o levantarás em três dias?" Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele. Jo, 13-22 Um jovem, na sua peregrinação em busca de Deus, deu com um crucifixo dentro de uma pequena capela. Ao rezar diante dele notou que o crucificado lhe falava. Pergunta-lhe então o que deseja dele. Jesus, na cruz, lhe responde pedindo que restaure a sua Igreja. O moço então sai aflito para trabalhar na recuperação daquele templo, então em ruínas. Custou um tempo para que entendesse que o Templo ao qual o crucificado se referia era muito mais e maior que uma construção física. Ele, pouco a pouco foi descobrindo que a missão era imensa. Havia que se restaurar a Igreja. Quase mil anos depois outro homem, agora não mais jovem, assume o mesmo nome daquele que rezava diante do crucifixo. O Francisco de hoje nos dá todos os indícios de que também sente haver recebido aquele mesmo mandato do jovem de Assis. No começo da Igreja os cristãos se reuniam nas casas. Buscavam, em pequenos grupos para não chamarem a atenção, eis que estavam proibidos e os riscos de tortura e morte eram grandes, a casa de um deles. Muito provavelmente a residência daquele que possuísse maior espaço, para nela poderem realizar as suas celebrações. Somente no Século IV, com Constantino imperador de Roma, foi que passamos a ser reconhecidos e aí puderam (éramos bastantes e as casas de há muito tinham se tornado insuficientes para nos receber) construir seus templos. Seguindo o modelo dos prédios públicos de Roma, as Igrejas foram sendo edificadas no modelo chamado basilical. Uma das mais antigas basílicas de Roma é exatamente esta que celebramos hoje: São João de Latrão. Foi fundada pelo Papa Melquíades, bispo de Roma entre os anos de 311 e 314. É a Basílica do Papa. Bispo de Roma é o primeiro título do Papa e, diga-se de passagem, foi muito bonito observar Francisco citando-o, quando da sua primeira aparição nas sacadas do Vaticano. É desde a Basílica de Latrão que o Papa preside a diocese Romana. Sua importância se dá então porque é desde esta Igreja, que se dá a comunhão de todas as Igrejas. O Evangelho escolhido muito sabiamente para esta festa vem nos falar do cuidado com o Templo. Trata-se da casa do Senhor, lugar daquele contato íntimo e pessoal de cada filho ,com o Pai. Local também de darmos, em comunidade glórias e louvores ao nosso Salvador. Espaço onde reside o Espírito que a todos e a tudo santifica. Jesus ao chegar a Jerusalém repara como a Casa do seu Pai está descuidada e aí se revolta. A santa ira de Deus com o descaso para com as coisas do Senhor da Vida. Quero trazer para vocês então três pontos para a reflexão durante esta semana: 1 – Dá para imaginar o tamanho da raiva dos sacerdotes e cuidadores do templo, com aquele judeu vindo das periferias e se arvorando em filho de Deus a cuidar da casa do seu pai. “Como ousa atrapalhar a dinâmica do templo e dentro desse processo, os nossos negócios?” É o que devem ter pensado. Ao reparar que ainda hoje em dia podemos observar que os tempos do Senhor continuam, aqui e ali, a serem profanados, podemos imaginar a tristeza de Jesus. Ao nos ver agindo assim deve pensar: “Eles não entenderam aquele meu gesto”. Esta raiva foi tamanha que os teólogos não costumam ter dúvidas em nos lembrar, que foi este o fato que apressou os fatos que levaram à paixão do Nosso Senhor. 2 – Jesus começa atacando os vendedores poderosos, aqueles que vendiam bois e ovelhas. Em seguida, se faz mais cuidadoso (Ele é sempre assim com os pequenos) e diz aos que vendiam pombas sem chicoteá-los: “Tirai isto daqui!” É que há uma diferença nesses procedimentos: Enquanto os poderosos se enriqueciam cada vez mais com seu comércio, os pequenos o tinham como necessidade, eis que sobreviviam dele. 3 – Jesus utiliza o acontecido para catequizar os discípulos e quem mais estivesse em volta. Irá nos falar da ressurreição. Podemos imaginar o susto e desconforto daquela gente com aquela conversa. Afinal, tratava-se de algo que não dava para se pensar... algo mesmo absurdo. Somente depois de haver ressuscitado foi que puderam entender o que Ele tinha dito então. Os judeus lhe pedem (mais uma vez) sinais de sua realeza e divindade, mas Ele lhes quer demonstrar que não há sinal a ser feito, eis que o sinal nada mais é do que Ele mesmo. Pistas para reflexão: - De que maneira tenho considerado o Templo de Deus? - Participo da manutenção da Igreja? - Eu também tenho sido templo do Senhor? - Tenho rezado pelo Papa? 31º Domingo do Tempo Comum Jesus me ensina o grande mandamento Aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-lhe: “Qual é o primeiro dos mandamentos?”. Jesus respondeu: “O primeiro é este: ‘Escuta Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus,. Com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças’. O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Não há nenhum mandamento maior que estes». Disse-Lhe o escriba: «Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes: Deus é único e não há outro além d’Ele. Amá-l’O com todo o coração, com toda a inteligência e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios». Ao ver que o escriba dera uma resposta inteligente, Jesus disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus». E ninguém mais se atrevia a interrogá-l’O. Dançando em meio ao bloco, no gosto de aproveitar, ao máximo, a alegria do carnaval, aquele casal de jovens recebe um folheto com a publicidade de um motel da região. O slogan no alto do cartão além de lhes chamar a atenção, causa incômodo: “Ame mais nesse carnaval” era o que estava escrito. Algumas horas depois, retornando para casa, conversavam no metrô a respeito da banalização da palavra Amor. Como tudo que é excessivamente usado, o termo Amor também sofre desgaste. Amor passou a significar tanta coisa que o seu sentido original, não raras vezes, pode se ter perdido por aí. Parece que foi o que aconteceu com essa propaganda que gerou incômodo no casal de jovens que me contou a historinha de hoje. Na verdade, o que os proprietários do motel queriam dizer era: “façam mais sexo nesse carnaval”. Se o ato sexual seria feito na presença, ou distanciado do Amor, era algo que, com toda certeza, não fazia parte das preocupações dos marqueteiros responsáveis pela redação do texto. O Evangelho do próximo domingo terá esta mesma palavra, o Amor, como seu grande tema. Nele veremos Jesus de Nazaré, ao responder a um questionamento dos escribas afirmando quais são os dois maiores mandamentos. Trata-se de uma das passagens mais conhecidas, lidas, repetidas e por que não dizer belas das Escrituras. Os dois maiores mandamentos se resumem em um só: Amar. Amor primeiramente a Deus e depois ao próximo. Mas aí com uma condição. Que seja como se ama a si mesmo. Interessante a gente reparar que o Amor, no modo de ver do evangelista são João, é nada mais nada menos do que o próprio Deus. Deus é Amor ele nos dirá textualmente na sua Primeira Carta (1Jo. 4,8) No olhar No olhar de Santo Inácio de Loyola, na sua famosa contemplação para alcançar amor, poderemos observar que ele trata o Amor de uma maneira bem prática: Amar é dar e receber. Na visão inaciana “O amor se dá na comunicação das suas duas partes constituintes, o amado por um lado e o amante pelo outro. Deus é Amor e mergulhar nesse mistério de Deus irá ter o significado bem simples de viver no Amor, ir se metamorfoseando nele, transformarse enfim no próprio Amor, mas com a dura realidade do pecado em volta de nós, somos sabedores do quanto isto é difícil. Trata-se de meta a ser perseguida sempre, até que na eternidade, quando estaremos vivendo inseridos totalmente no Amor da Trindade Santa, a teremos enfim atingido. O amor que se dá na comunicação das duas partes: amado x amante. Há uns anos atrás não era nada raro encontrarmos crianças e adolescentes a curtirem em revistas, álbuns de figurinhas, cadernos, papeis de carta, mil objetos com frases a dizer o que seria o Amor. Em seguida a dois bonequinhos muito simpáticos vinha postada a frase “Amar é...” e adiante alguma declaração cheia de “fofura” do que deveria ser uma constatação do Amor. Algumas frases mesmo bem bonitas e convincentes. Outras nem tanto. Recordo-me de uma que era muito falada a nos dizer que “Amar é jamais ter que pedir perdão”. Claro que se trata aqui de uma expressão bem complicada, para mim falsa, eis que viver verdadeiramente o Amor é estar sempre aberto para se pedir e acolher o perdão. Pistas para reflexão: - Complete a frase com a sua resposta, saída obviamente do mais profundo do seu coração: “Amar é ... - O que podemos fazer para valorizar esta palavra tão banalizada? - Meu Amor a Deus se reflete no Amor que tenho aos irmãos? Ou se tratam de realidades distintas e estanques? 32º Domingo do Tempo Comum Somos chamados à generosidade Jesus dizia, no seu ensinamento, à multidão: “Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação”. Jesus estava sentado no Templo, diante do cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava suas moedas no cofre. Muitos ricos depositavam grandes quantias. Então chegou uma pobre viúva que deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada. Jesus chamou os discípulos e disse: “Em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver”. Mc. 12,38-44 Na rodoviária o jovem simples, roupa de operário, está sentado ao lado da senhora alinhada. Precisa conferir algo sobre a passagem no guichê. Então puxa para o seu banco o saco de batatas fritas, guardando assim o lugar. Ao voltar se depara com tremenda ousadia. O moço tirara o saco do meio do seu banco, colocando-o mais perto do seu corpo, enquanto saboreia as batatinhas. Indignada, ímpeto de provocar escândalo mas, em respeito à sua classe, tão diferente desse pobretão, contem-se. Resolve pregar-lhe uma lição, afinal, os ricos devem educar as "classes mais baixas". Algo para que jamais repetisse tamanho atrevimento. Sem nem olhar para ele, mete a mão no saco e apanha um monte de batatas. O rapaz sorri para ela. A resposta é um resmungo de cenho franzido. Enquanto ele pega as guloseimas de uma em uma, a mulher as saca com a mão cheia. Vão assim até que saco, rapidamente, se esvazie. Ele se levanta, o joga na lixeira em frente. Despede-se com um “boa viagem”, respondido com o olhar mais duro e sarcástico de que era capaz. Logo depois ela também toma seu ônibus, remoendo a raiva por tal descaramento. A viagem nem bem começara quando abre a bolsa para apanhar um livro. É aí que descobre estar o saco praticamente intacto dentro da sacola. Havia comido as batatas do jovem que, generosamente, partilhou com ela, quem sabe, todo o seu almoço. O mundo atual é constante convite ao individualismo. Neste cenário de “cada um por si”, o Evangelho deste domingo torna-se ainda mais forte. Ele é um daqueles convites insistentes de Jesus, para que tomemos mais consciência da generosidade. Ao nos relatar a história da viúva entregando tudo, Marcos nos quer fazer refletir sobre a quantas anda a nossa abertura, ou fechamento de coração. Está ele prisioneiro das coisas da terra, ou mira com firmeza o alto, lugar no qual se encontra o essencial: Deus? A intimidade com o Senhor o tem feito mais atento às necessidades dos próximos, mais macio, ou ele se mantém com a mesma dureza de antigamente? Na verdade somente Deus é plenamente generoso. Só Ele é capaz de dar absolutamente tudo. Por mais magnânimos que sejamos, estaremos sempre guardando, por menor que seja, alguma coisa. As pessoas, enquanto vivas, têm sempre algo sobre o qual sentem necessidade de se curvar. Só Ele é totalmente aberto. Deus nunca se curva para se proteger, ou guardar algo. O Pai dá tudo. Sob este olhar poderemos entender a viúva como um dos seus rostos mais bonitos. Aliás, precisamos investir nessas faces mais femininas de Deus. Ao dar sem medidas ela se coloca igual a Jesus, que também não preserva nada para si mesmo. Jesus se doa inteiro para a humanidade. Reparemos que Ele se dá bem além da vida. Não se preocupa em preservar ao menos sua história, estima, honra, vergonha e reputação. O Filho oferece-se plenamente. Entrega-se sem reservas. No exemplo da viúva e na oferta total de Jesus tomamos consciência da pobreza absoluta, tão bonita e significativa, do nosso Deus. Ele é totalmente pobre. Deus não tem nada. Tudo dEle é doado, generosa e infinitamente, para seus filhos. Acostumamo-nos a compreender Deus como “todo poderoso”. É preciso dar um salto neste entendimento. Cada vez que nos depararmos com tal expressão, coloquemos em seguida, para evitar sentir nessa imagem divina algum resquício de posse, no Amor. E temos a experiência de que o Amor não tem nada. O Poder de Deus se dá aí - amando - e não em domínios e poderes. A Pós-Modenidade é cheia de paradoxos. Ao mesmo tempo em que nos vemos cada vez mais próximos das pessoas, haja vista o avanço tecnológico, mais também é provável que estejamos nos distanciando delas, por conta de um crescente e exacerbado individualismo. Neste aspecto, a virtualidade pode bem mais ser geradora de descompromissos do que de aprofundamentos das relações. É tão fácil e simples deixar o outro. Um simples toque e “o próximo” é literalmente apagado da nossa tela. Meditar sobre a viúva e a entrega de Jesus põe-nos diante dessa triste e dura realidade. O ser humano continua totalmente curvado sobre si mesmo, a proteger-se e à sua intimidade e coisas. Esquecido de que só Deus é proteção, de que somos chamados à intimidade e de que os bens são efêmeros. Tal postura nos impede de dar aquilo (cada um veja o que deve dar) que o seguimento de Jesus está a nos impelir. Na doação é preciso ter cuidado. É provável que acabemos nos contentando com a entrega da esmola dissociada da compaixão. Obvio que ajuda, mas dada de cima para baixo pode até humilhar, além de não levar em consideração o fato de que somos todos irmãos. Pistas para reflexão: - Dou esmolas, ou me entrego ao próximo? - Divido meu saco de batatas? - Gero intimidade ou distanciamento? 33º Domingo do Tempo Comum – Ano B Mais que para o final do mundo todo, faço-me atento ao final do meu mundo Mas nesses dias, depois daquela aflição, o Sol vai escurecer-se e a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do céu e as forças que estão no céu serão abaladas. Então, verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens com grande poder e glória. Ele enviará os seus anjos e reunirá os seus eleitos dos quatro ventos, da extremidade da terra à extremidade do céu. Aprendei, pois, a parábola da figueira. Quando já os seus ramos estão tenros e brotam as folhas, sabeis que o Verão está próximo. Assim, também, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que Ele está próximo, às portas. Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. Quanto a esse dia ou a essa hora, ninguém os conhece: nem os anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai. Mc 13,2432 Numa sala do velho prédio da grande cidade, aquele grupo de estudiosos reunia-se semanalmente. Possuíam objetivo bem claro e definido. Estudar, com enorme afinco, o final do mundo. Sem dúvidas que o consideravam iminente. Paredes cobertas com mapas, frases de línguas desconhecidas e muitas equações. Tudo totalmente ininteligível para alguém que, por engano, adentrasse o local. Os encontros que normalmente duravam duas horas, de uns tempos para cá têm varado as madrugadas. Não poucas vezes ao sair encontraram a postos o sol. Quem os repara sabe que chegam tensos e saem mais nervosos ainda. Na última semana, fruto dessa angústia, um deles sofreu infarto fulminante. Só ao se apresentar diante do Pai foi que caiu em conta, de que de tanto se preocupar com o término do universo, tinha se esquecido do seu próprio final. Vamos nos aproximando céleres do Advento e as leituras começam a nos preparar para a chegada do Menino Deus, nosso salvador. Tempo no qual vamos tomando maior contato com textos escatológicos, ou seja, aqueles que fazem, de uma ou outra forma, referência aos finais dos tempos. Observando-se um pouco mais de perto este trecho do Evangelho de Marcos, repararemos tratar-se muito mais dos fatos que estavam a ocorrer naqueles dias, em seguida à morte e ressurreição de Jesus, do que de eventos que poderão acontecer nos finais dos tempos. Conforme o Evangelista, Jesus nos diz textualmente que “Não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam”. É preciso tomar cuidado para não entrarmos em leituras fundamentalistas desses textos. Mais além do que de sinais do “grande final”, a hora é para se cuidar daqueles sinais mais próximos e possivelmente mais evidentes para cada um de nós e que dizem respeito à fragilidade da vida. Os sinais do “pequeno final”. Daquele do qual ninguém deixará de passar: a nossa páscoa pessoal. Já com os olhos postos no nascimento do Menino Deus, podemos examinar a “nossa figueira” e verificar nela que sinais há? O tempo é de conferir como estão as nossas folhas. Se há pragas escondidas pelas raízes e se os frutos que vão sendo gerados, crescem para se tornarem doces e apetitosos. A oportunidade é para que se aproveitem essas profecias de Jesus sobre a sua morte, que aconteceria pouco após, provocando o escurecimento do céu, para uma avaliação: Temos sido geradores de mais luz à nossa passagem? Ou, ao contrário, nosso caminho tem sido mais criador de sombras, ou mesmo de trevas à volta? Hora propícia para avaliar a vida neste ano que se finda, para perceber nela as pegadas (ou não) de Deus. Examinar as relações de casal, familiares, sociais, religiosas e profissionais para checar se temos descoberto e valorizado os talentos das pessoas, enxergandoas como seres de Deus, estrelas a iluminar o céu ou, se ao contrário, as temos tratado como pedaços de carvão e que por causa do nosso descuidado, terminam lançadas do céu ao chão duro? Da mesma maneira que não é raro se observar gente, a carrregar a imagem de um deus terrível e julgador, observa-se em muitas pessoas outra imagem falsa de Deus. Trata-se daquele "bonzinho". Espécie de papai Noel, ou um vovô bem velhinho e meio surdo que tudo aceita, nada questiona e muito menos nos impele ao crescimento e à superação. Deus é bom, o que é bem diferente de ser bonzinho. Ser bom significa que se é justo e misericordioso. Diante dEle vamos nos deparar com a justiça incomensurável do Amor. Veremo-nos então, ao senti-lo tão maravilhoso, imersos em nossa miserável justiça. Pequena, parcial, limitada e por isto bem injusta. Ao nos depararmos com tamanha justiça nos veremos tão pequenos, que necessitaremos de imediato desse outro atributo maravilhoso do Pai: a misericórdia. Será por causa dela que seremos acolhidos pela Trindade Santa. Muito mais que o final do mundo de uma maneira ampla e irrestrita, há que se atentar para o final do próprio mundo. Mais além de imaginar grandes julgamentos, melhor é se preparar para o momento fundante da nossa presença diante do Senhor da História. Pistas para reflexão: - Qual o significado do “final do mundo” para mim? - Como estão os ramos da minha figueira? - Deus é bom. O que isto significa na minha caminhada de fé? - Tenho reparado os sinais em mim de que a vida é frágil? 34º Domingo do Tempo Comum Um reinado bem diferente - Jesus, Rei do Universo Pilatos chamou Jesus e perguntou-lhe: "Tu és o rei dos Judeus?" Jesus respondeu: "Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isto de mim?" Pilatos falou: "Por acaso, sou Judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?" Jesus respondeu: "O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui." Pilatos disse a Jesus: "Então tu és rei?" Jesus respondeu: "Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz". Jo 18,33-37 Acostumado a ver imagens reais de Jesus, o jovem começou a achar que Ele fosse como os monarcas, dos quais conhecia as histórias. Reis muitas vezes preocupados mais consigo mesmos e com seu poder do que com o povo. Imperadores vivendo em castelos impenetráveis, insensíveis aos clamores e necessidades das gentes a quem deviam servir. Ao contrário, por elas acabavam sendo servidos. A partir daí, o que aconteceu com aquele rapaz foi a indiferença em relação a Jesus. Ele o sentia tão imperial e distante da sua realidade que se tornava impossível dEle se aproximar. Nosso imaginário está povoado de figuras reais. Desde crianças nos acostumamos a escutar as histórias de príncipes, princesas e dos seus pais os reis e rainhas. Alguns maravilhosos, defensores dos seus povos, cuidadores das suas gentes. Outros nem tanto. Até de tiranos ouvimos contar variados relatos. Inseridos nesta ambiência real, os artistas passaram a retratar Jesus como se fosse igual aos reis que viam e dos quais eram súditos. Vejamos que no início do cristianismo não foi bem assim. Os primeiros cristãos viam o Senhor e o apresentavam muito mais como Pastor. Uma breve passada pelas catacumbas romanas nos mostrará isto a partir dos ícones nelas gravados. Pouco a pouco vai ocorrendo uma mudança e já a partir do Século IV, veremos Jesus sendo retratado também como rei, além de pastor. Assim foram criadas estas lindas imagens reais do Cristo. Nelas Ele veste os trajes mais caros e bonitos que seus criadores eram capazes de imaginar. Na sua cabeça coroas cravejadas de brilhantes, querem nos reforçar ainda mais o poderio do reinado do Cristo. Eram tempos nos quais democracia era algo impensado. A monarquia com suas cortes, símbolos de poder, cetros, castelos e coroas é que era natural. Nesse cenário o povo só seria capaz de compreender o Poder de Jesus a partir de uma realidade imperial. Jesus podemos ver isto pelos Evangelhos, jamais foi um rei desse tipo. Esse tipo de reinado aprendido nas histórias e que continuamos vendo quando dos casamentos reais, principalmente pela televisão. não faz parte da vida simples, ente o povo pobre, de Jesus. Seu reinado é muito diferente. Muito mais bonito, profundo e significativo para nós. Notemos que o Evangelho de João. proclamado nesta festa. nos mostra exatamente isto. A cena não tem nada de pompa e circunstância. “Meu reino não é deste mundo”, responde Jesus ao ser interpelado por Pilatos. Em outras partes do Evangelho veremos em que consiste este Reino. Trata-se de uma realidade bem estranha para os padrões mundanos. Nele há tremenda inversão de valores. Sua corte é composta de excluídos, sofredores, prostitutas e até ladrões. Nesse Reino diferente no qual os pobres são consolados e valorizados; ovelhas perdidas buscadas e acolhidas; os filhos perdidos são resgatados. Neste Reino ninguém sofre, é injustiçado, adoece ou morre. Nele todos se realizam, eis que são abraçados pelo Pai em sua dignidade de filhos. Este Reino não acontecerá somente no futuro. É perigosa tentação pensar assim. Ele se faz presente desde agora entre nós, nas ações boas que acontecem à volta. Ao mesmo tempo ele se distancia por causa da miséria e egoísmo dos homens e mulheres. Fato é que desde já , como parte da “corte” deste Senhor, precisamos trabalhar duro para construí-lo. Para não embarcar em canoa furada de falsos reis, é necessário atenção. O reinado de Jesus tem três características básicas que nos levam ao seu seguimento: 1 – Preocupa-se com todos. Não se serve da sua gente. Ao contrário, Ele serve constantemente. Nosso Rei é servidor. 2 – Cuida dos pobres e pequeninos. Acolhe a todos indistintamente. Ele jamais está distante das pessoas. Nosso Rei é cuidador. 3 – Não vive somente no aqui agora e muito menos no futuro próximo. A dimensão que apresenta é a da eternidade. Ele nos livra das amarras do tempo e espaço. Nosso Rei é salvador. Quando o Reino estiver enfim instalado, o Filho de Deus retornará para recolher enfim toda criação e nela toda criatura, em sua misericórdia e justiça. Na linda visão de Teilhard de Chardin o Cristo Cósmico virá para assumir todo o Universo numa espiral de Amor, consumando-se assim esse Reinado total de Deus sobre a criação. Pistas para reflexão: - Que imagens do Reino percebo à minha volta? - De que maneira tenho servido ao Rei do Universo? - Como vou construindo, como discípulo missionário este Reino tão diferente?