ricardo dalla zanna

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RICARDO DALLA ZANNA
DIVERSIDADE GENÉTICA DE BIOMPHALARIA
TENAGOPHILA (ORBIGNY, 1835) (GASTROPODA:
PLANORBIDAE) NO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Ciências da Coordenadoria de
Controle de Doenças da Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo, para obtenção do Título de
Mestre em Ciências.
Área de Concentração: Pesquisas Laboratoriais em
Saúde Pública (PLSP)
Orientador: Profª Drª Toshie Kawano (in memorium)
Orientador: Drª Roseli Tuan
São Paulo
2010
FICHA CATALOGRÁFICA
Preparada pelo Centro de Documentação – Coordenadoria de Controle de Doenças/SES-SP
Óreprodução autorizada pelo autor, desde que citada a fonte
Zanna, Ricardo Luiz Dalla
Diversidade genética de Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835)
(Gastropoda: Planorbidae) no Estado de São Paulo, Brasil / Ricardo Luiz
Dalla Zanna - São Paulo, 2010.
Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde
de São Paulo.
Área de concentração: Pesquisas Laboratoriais em Saúde Pública
Orientadora: Toshie Kawano
1. Biomphalaria 2. Schistosoma mansoni 3. Complexo IV da cadeia
de transporte de elétrons
4. Variação genética 5. Biomphalaria/genética
6. Filogenia
SES/CCD/CD-233/10
“Nada em biologia faz sentido exceto à luz da evolução”
Theodosius Dobzhansky
ii
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de
Doenças da Secretaria de Estado da Saúde pela oportunidade de realização do
curso de mestrado.
A Superintendência de Controle de Endemias – SUCEN, pela infra-estrutura
oferecida ao longo de cinco anos, desde a etapa de aprimoramento profissional
e ao Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular da SUCEN, onde todas as
etapas
deste
trabalho
foram
realizadas
com
exceção
da
etapa
de
seqüenciamento.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo auxílio à
pesquisa, Processo 2007/03458-7 e a CAPES pela concessão de bolsa de
mestrado.
Às minhas orientadoras, Dra. Roseli Tuan por orientar-me durante cinco anos,
com muita dedicação, empenho e paciência. Pelos seus conselhos, tanto na
área científica, quanto na área pessoal. Em especial a Profa. Dra. Toshie
Kawano, que, sem me conhecer, acolheu-me como seu aluno de mestrado
dedicando-se integralmente ao desenvolvimento desse e de outros estudos
mesmo debilitada. Meu sincero agradecimento e pêsames aos familiares da Dra
Toshie que me mostrou dedicação à pesquisa em Saúde Pública tornando-se
um exemplo, assim como Wladimir Lobato Paraense, dentro da pesquisa
malacológica e parasitológica.
Ao Prof. Dr. Douglas Mascara, por estar ao meu lado no inicio da minha
carreira, ser um grande amigo e, pessoalmente, um exemplo de profissional a
qual admiro e tento me espelhar.
iii
À Dra. Maria de Fátima Costa Pires por toda ajuda e compreensão,
principalmente na fase final do meu mestrado. Suas ajudas, no que diz respeito
à parte burocrática da pós-graduação, tornaram possível a conclusão da minha
dissertação. Obrigado também pelos conselhos profissionais. E, ainda, obrigado
pelas críticas construtivas no exame de qualificação.
Ao Dr. André Gustavo Tempone pela ajuda como presidente da área de
Pesquisas Laboratoriais em Saúde Pública, pelo apoio moral e incentivo, pelos
bate-papos e sua preocupação constante em relação à minha moto.
Aos Doutores Ana Maria Ribeiro de Castro Duarte e Pedro Luis Silva Pinto
pelos questionamentos e críticas construtivas no exame de qualificação. Aos
dois, ainda quero agradecer pelas conversas informais, conselhos e apoio
moral.
Aos Doutores integrantes da banca de defesa de mestrado Ana Maria Ribeiro
de Castro Duarte e Pedro Paulo Chieffi.
Aos integrantes do Laboratório de Malacologia da SUCEN, em especial à Dra
Fernanda Pires Ohlweiler, pelo apoio na identificação dos caramujos e
empenho em conseguir amostras do estado do Rio Grande do Sul; a minha
grande amiga Fernanda Yoshika Takahashi, por tudo que fez por mim, inclusive
no auxílio à identificação dos caramujos.
Ao grande amigo Kleber Jose Withaker por toda assistência e companheirismo
tanto no Laboratório de Biologia Molecular da SUCEN como em viagens de
coleta.
iv
Aos demais integrantes do Laboratório de Biologia Molecular da SUCEN: Dr.
Adriano Pinter e Dr. José Eduardo Bracco. Aos estagiários: Diego, Roberta,
Eliane’s, Nadia e especialmente à Raquel, por toda ajuda e amizade.
Ao meu grande amigo Janduí Amorim, pelas conversas, xingamentos, trocas de
experiências, pelos desabafos e por aí vai. Agradeço sua amizade e ajuda.
A minha grande amiga, que tenho muitas saudades, Natália Góes dos Santos
Barom. Agradeço por tudo que você e sua família já fizeram por mim. Paz e
bem.
Aos familiares da Dra Roseli Tuan, seu marido Ricardo e sua filha Marina, por
não se incomodarem pelo fato de algumas vezes eu ir trabalhar junto com a Dra
Roseli Tuan em sua residência.
Aos meus amigos-irmãos Hamilton e Rafael, pela amizade desde que
nascemos, pela torcida, pelas preocupações, enfim, por tudo.
Ao meu outro amigo-irmão André, residente na Austrália, pela amizade desde a
graduação. Agradeço pela república, surf, shows, e tantas outras coisas.
Agradeço até pela saudade, pois percebo como convivência com um amigo
como você é importante.
A minha amiga-irmã e também bióloga, Juliana Montovani por toda amizade e
carinho.
Aos meus amigos praticantes de surf: Diego, Marcelo, Alan, Vitor, Fernando,
Cleber, Humberto e tantos outros que juntos fazem com que a vida se torne
mais fácil por desfrutarmos momentos especiais em ocasiões especiais, como
surfar.
v
Agradeço especialmente ao meu pai, Hugo; minha mãe, Ana; e minha segunda
mãe, Catia, por todo amor e carinho, por me educarem, incentivarem,
apostarem em mim, e tantas outras coisas que talvez não conseguisse se não
fossem por vocês.
Minhas irmãs, Mariana e Marcia, meus sobrinhos, Letícia, Eduardo e Raul, e
meu cunhado Antônio, pela torcida e por fazerem parte da minha vida.
A todos meus outros familiares (“Dalla Zanna”, “Soriano” e “Letizio”) tios, tias,
primos e primas.
Aos meus queridos avôs Anna e Candido; Pietro e Cesira (in memorium), por
todo amor e carinho. Inclusive os pais da esposa do meu pai, Roberto e Amélia
(in memorium) por me amarem e se preocuparem como a um neto e por eu
amá-los como avós. A saudade será eterna.
Aos meus sogros Luiz e Márcia, por sempre orarem por mim.
Aos tios da minha esposa Marco Antônio e Roseli; e tio Fernando. Aos primos
Vitor, Fred, Vitória, Luciana, Felipe e Cassiane pela amizade e carinho.
Agradeço especialmente a minha esposa Juliana Quero Reimão pelo amor e
carinho, pela paciência e admiração, pelo apoio e luta nos momentos difíceis;
por ser exemplo de profissional, por todo incentivo e preocupação; por fazer de
mim uma pessoa feliz e dividir comigo a emocionante tarefa de constituir uma
família.
vi
RESUMO
A esquistossomose é uma doença parasitária, causada por trematódeos do
gênero Schistosoma, com cerca de 150 e 200 milhões de pessoas infectadas
em todo o mundo segundo a Organização Mundial da Saúde. No Brasil, a
esquistossomose mansônica foi descrita em 18 estados e no Distrito Federal. A
expansão da doença está ligada à distribuição geográfica do caramujo
hospedeiro intermediário. No Brasil são descritas dez espécies e uma
subespécie de caramujos do gênero Biomphalaria. No estado de São Paulo são
encontradas oito espécies e a maior ocorrência dos casos autóctones de
esquistossomose está relacionada à transmissão da doença nas bacias
hidrográficas Paraíba do Sul, Litorânea e Tietê. Neste estudo foram realizadas
análises genéticas a partir do gene mitocondrial Citocromo Oxidase I (COI) de
caramujos B. tenagophila originários das bacias hidrográficas do estado de São
Paulo com descrição de casos autóctones de esquistossomose. O gene COI é
utilizado com confiabilidade na identificação molecular de espécies, por esta
razão foram adicionadas a este estudo amostras de DNA de caramujos
pertencentes ao Complexo Tenagophila (B. occidentalis e a subespécie B.
tenagophila guaibensis – amostras de DNA de caramujos originários do estado
do Rio Grande do Sul) e amostras de DNA do grupo de espécies hospedeiras
naturais (B. glabrata e B. straminea) do Brasil. Os resultados revelaram a
presença de duas populações geneticamente distintas de B. tenagophila no
estado de São Paulo. Populações de B. tenagophila pertencentes às bacias
hidrográficas Paraíba do Sul, Litoral Norte e Paranapanema não apresentaram
valores de divergência genética, sendo, portanto populações geneticamente
homogêneas.
Populações
de
B.
tenagophila
pertencentes
às
bacias
hidrográficas do Ribeira do Iguape e Tietê apresentaram 92% de divergência
genética entre si, constituindo grupo geneticamente heterogêneo. Confirmam os
valores observados as topologias de árvores filogenéticas geradas por
vii
Neighbor-Joining e análise Bayesiana, que revelaram dois clados distintos da
espécie B. tenagophila. As análises de diversidade e distância genética das
espécies do Complexo Tenagophila revelaram maior relação evolutiva entre B.
tenagophila guaibensis com a espécie B. occidentalis do que com B.
tenagophila. Neste sentido sugere-se, a partir de novos estudos, a reavaliação
taxonômica das espécies deste complexo, agregando avaliações genéticomoleculares aos estudos morfológicos. Do ponto de vista filogenético, o gene
COI mostrou-se um marcador molecular capaz de distinguir de modo efetivo as
espécies de caramujos do gênero Biomphalaria avaliadas nesse estudo,
identificando valores de divergência genética intra e inter populacionais. Esta
ferramenta mostrou-se eficaz para estudos taxonômicos e pode ser aplicada
com segurança em programas de vigilância malacológica.
viii
ABSTRACT
Schistosomiasis is a parasitic disease, caused by trematodes of the
Schistosoma genus, with 150 to 200 million of infected people in the world,
according to the World Health Organization. In Brazil, the Schistosomiasis
Mansoni was described in 18 states and in Distrito Federal. The disease
expansion is linked with the geographical distribution of the intermediate host. In
Brazil ten species and a subspecies of clams of the Biomphalaria genus are
described. In São Paulo State, where are found eight specie and the major
occurrence of the autochthonous cases of Schistosomiasis is related to the
transmission of the disease in the hydrographic basins of Paraíba do Sul,
Litorânea and Tietê. In this study, genetic analyses were accomplished starting
from the mitochondrial gene Cytochromo Oxidase I (COI) of B. tenagophila
clams from the hydrographic basins of the São Paulo State, with description of
autochthonous cases of Schistosomiasis. The COI gene is used with reliability in
the molecular identification of species, for this reason clam DNA samples from
the Tenagophila Complex (B. occidentalis and the subspecie B. tenagophila
guaibensis - clam DNA samples from Rio Grande do Sul State) were added to
this study together with DNA samples from natural hosts (B. glabrata and B.
straminea) from Brazil. The results revealed the presence of two genetically
different populations of B. tenagophila in the São Paulo State. B. tenagophila
populations from the hydrographic basins of Paraíba do Sul, Litoral Norte and
Paranapanema didn't present genetic divergence values, being genetically
homogeneous populations. B. tenagophila populations from the hydrographic
basins of Ribeira do Iguape and Tietê presented 92% of genetic divergence,
constituting genetically heterogeneous groups. The topology of the phylogenetic
trees generated by Neighbor-Joining and Bayesian analysis confirm the
observed values, which revealed two different clades from B. tenagophila
species. The diversity analyses and genetic distance of the species from the
ix
Tenagophila Complex revealed larger evolutionary relationship among B.
tenagophila guaibensis and B. occidentalis than among B. tenagophila. Then, it
is suggested, starting from new studies, the taxonomic reevaluation of the
species from this complex linking the results of genetic-molecular evaluations to
the morphologic studies. The COI gene was a molecular marker capable to
distinguish in an effective way the Biomphalaria species, identifying genetic
divergence values intra and inter-population. This is an effective tool for
taxonomic studies and can be applied with safety in malacological surveillance
programs.
x
LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS
π – diversidade de nucleotídeos
°C – graus Celsius
µL – microlitro
µM – micromolar
B. glabrata – Biomphalaria glabrata
B. occidentalis – Biomphalaria occidentalis
B. straminea – Biomphalaria straminea
B. tenagophila – Biomphalaria tenagophila
B. tenagophila guaibensis – Biomphalaria tenagophila guaibensis
bp – base pair
COI – Citocromo Oxidase I
COX 1 – Cytochromo Oxidase 1
CVE – Centro de Vigilância Epidemiológica
DNA – ácido desoxirribonucléico
DNAmt – DNA mitocondrial
dNTP – di-Nucleotide Tri-Phosphate
GTR – General Time Reversible
H – haplótipos
HCO – High Cytochromo Oxidase
Hd – diversidade de haplótipos
ITS 1 – Internal Transcribed Spacer 1
ITS 2 – Internal Transcribed Spacer 2
K – número médio de diferenças nucleotídicas
K2p – Kimura dois parâmetros
LBBMSU – Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular da Superintendência
de Controle de Endemias
LCO – Low Cytochromo Oxidase
xi
MgCl2 – cloreto de magnésio
mL – microlitro
mM – milimolar
ng – nanograma
NJ – Neighbor-Joining
OMS – Organização Mundial de Saúde
pb – pares de base
PCR – Polimerase Chain Reaction
rDNA – DNA ribossômico
RNA – ácido ribonucléico
S – sítios de nucleotídeos variáveis
S. mansoni – Schistosoma mansoni
SigRH – Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SUCEN – Superintendência de Controle de Endemias
U – unidade
UV – ultravioleta
WHO – World Health Organization
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Número de casos autóctones de esquistossomose no estado de
São Paulo, distribuído por bacia hidrográfica..................................................
5
Tabela 2: Espécies de Biomphalaria descritas no Brasil, assinalando as
hospedeiras naturais, potenciais e não hospedeiras de S. mansoni..............
6
Tabela 3: Relação do histórico de casos de esquistossomose dos
municípios e bacias hidrográficas de origem das amostras de DNA de
caramujos utilizadas........................................................................................
23
Tabela 4: Relação de espécies, municípios e bacias hidrográficas de
origem das amostras de DNA de caramujos utilizadas................................... 24
Tabela 5: Diversidade genética calculada para Biomphalaria tenagophila e
para os grupos de populações de Biomphalaria tenagophila distintos
geneticamente.................................................................................................
34
Tabela 6: Parâmetros de divergência genética (Fst) entre populações de
Biomphalaria tenagophila................................................................................
35
Tabela 7: Diversidade genética calculada para espécies que compõem o
Complexo Tenagophila.................................................................................... 39
Tabela 8: Matriz de distância genética entre espécies do Complexo
Tenagophila.....................................................................................................
39
Tabela 9: Diversidade genética do grupo de espécies hospedeiras
naturais............................................................................................................ 42
Tabela 10: Matriz de distância genética entre espécies do Complexo
Tenagophila..................................................................................................... 42
Tabela
11:
Diversidade
genética
calculada
para
populações
de
Biomphalaria.................................................................................................... 44
Tabela 12: Matriz de distância genética entre espécies do Gênero
Biomphalaria.................................................................................................... 45
xiii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Áreas endêmicas e focais da esquistossomose mansônica............
Figura 2: Esquema de identificação morfológica de
Biomphalaria
tenagophila......................................................................................................
Figura 3: Esquema de identificação morfológica de
8
Biomphalaria
straminea.........................................................................................................
Figura 5: Esquema de identificação morfológica de
7
Biomphalaria
glabrata............................................................................................................
Figura 4: Esquema de identificação morfológica de
4
9
Biomphalaria
occidentalis...................................................................................................... 10
Figura 6: Esquema de
identificação morfológica de
Biomphalaria
tenagophila guaibensis.................................................................................... 11
Figura 7: Conchas das espécies e da subespécie de Biomphalaria que
ocorrem no Brasil............................................................................................
12
Figura 8: Distribuição geográfica de Biomphalaria glabrata, Biomphalaria
tenagophila e Biomphalaria straminea no Brasil............................................
14
Figura 9: Distribuição de Biomphalaria tenagophila no estado de São
Paulo...............................................................................................................
15
Figura 10: Esquema de molécula de DNA mitocondrial de B. glabrata A
seta azul indica oposicionamento do gene Citocromo Oxidase I
(COX1)............................................................................................................
18
Figura 11: Mapa do estado de São Paulo indicando os municípios de
origem
das
amostras
de
DNA
de
caramujos
do
gênero
Biomphalaria.................................................................................................... 23
Figura 12: Bacias hidrográficas do estado de São Paulo................................ 24
Figura 13: Fotografia de gel de agarose com amostras de DNA de
caramujos amplificadas...................................................................................
28
xiv
Figura 14: Imagem do software Chromas, utilizado para visualização de
cromatogramas e correções de seqüências de DNA......................................
29
Figura 15: Imagem do software de alinhamento de seqüências de DNA
BioEdit.............................................................................................................
30
Figura 16: Imagem do software DNAsp utilizado para cálculos de
diversidade genética........................................................................................ 31
Figura 17: Rede de haplótipos de Biomphalaria tenagophila gerada no
software TCS................................................................................................... 36
Figura 18: Cladogramas de populações de Biomphalaria tenagophila do
estado de São Paulo obtidas a partir de análise Bayesiana (A) e análise
Neighbor-Joining – NJ (B)...............................................................................
37
Figura 19: Cladogramas das espécies que compõem o Complexo
Tenagophila obtidos a partir de análise Bayesiana (A) e análise NeighborJoining – NJ (B)...............................................................................................
40
Figura 20: Cladogramas das espécies que compõem o grupo Hospedeiras
Naturais obtidos a partir de análise Bayesiana (A) e análise NeighborJoining – NJ (B)...............................................................................................
43
Figura 21: Cladogramas de espécies do gênero Biomphjalaria obtidos a
partir de análise Bayesiana (A) e análise Neighbor-Joining – NJ (B).............. 46
xv
ÍNDICE
RESUMO..........................................................................................
vii
ABSTRACT......................................................................................
ix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS...........................................
xi
LISTA DE TABELAS........................................................................
xiii
LISTA DE FIGURAS........................................................................
xiv
1 INTRODUÇÃO..............................................................................
3
1.1 A Esquistossomose mansônica............................................
3
1.2 O gênero Biomphalaria.........................................................
5
1.2.1 A importância da biologia e dos estudos de
marcadores moleculares aplicados aos caramujos do
gênero Biomphalaria........................................................
15
1.3 JUSTIFICATIVA.........................................................................
20
2 OBJETIVOS..................................................................................
21
2.1 Objetivos Específicos............................................................
21
2.2 Objetivos Gerais....................................................................
21
3 MATERIAIS E MÉTODOS.............................................................
22
3.1
Amostras
de
DNA
de
caramujos
do
gênero
Biomphalaria...............................................................................
22
3.2 Procedimentos Moleculares..................................................
27
3.2.1 Extração de DNA....................................................
27
3.2.2 Amplificação do gene Citocromo Oxidase I (COI)..
27
3.2.3 Purificação e Seqüenciamento de DNA..................
28
3.3 Análises Genéticas...............................................................
29
3.3.1 Alinhamentos..........................................................
29
3.3.2 Variabilidade genética.............................................
30
3.3.3 Análise Filogenética................................................
31
4 RESULTADOS..............................................................................
33
4.1 Análise da variabilidade genética de Biomphalaria
tenagophila.................................................................................
33
1
4.2 Análise da variabilidade genética das espécies do
Complexo Tenagophila...............................................................
38
4.3 Análise da variabilidade genética das espécies do Grupo
Hospedeiras Naturais.................................................................
41
4.4 Análise da variabilidade genética de quatro espécies e
uma subeapécie do gênero Biomphalaria..................................
44
5 DISCUSSÃO.................................................................................
47
6 CONCLUSÕES.............................................................................
51
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................
53
ANEXOS..........................................................................................
62
Anexo I: Carta de aprovação do Comitê de Ética em
experimentação Animal..............................................................
63
2
1 INTRODUÇÃO
1.1 A Esquistossomose Mansônica
A esquistossomose humana é uma infecção parasitária comum na
região tropical em países em desenvolvimento com áreas de baixo índice de
desenvolvimento humano, o que a torna um problema de saúde pública. É a
segunda doença mais prevalente depois da malária e causa mais óbitos do
que a dengue (WHO 1993, 1999).
A
esquistossomose
mansônica
é
registrada
em
54
países,
principalmente na África e América. Na América do Sul, destacam-se a
região do Caribe, Venezuela e Brasil. Na África e Leste do Mediterrâneo,
atinge as regiões do Delta do Nilo e países como Egito e Sudão (Ministério
da Saúde, 2008). O número de pessoas com esquistossomose em todo o
mundo foi estimado entre 150 e 200 milhões (WHO, 2010). No Brasil,
admite-se existirem de seis a oito milhões de indivíduos infectados
(Ministério da Saúde, 2007; Ohlweiler et al., 2010).
O
trematódeo
Schistosoma
mansoni,
agente
etiológico
da
esquistossomose mansônica, possui formas adultas que habitam os vasos
mesentéricos do hospedeiro definitivo e as formas intermediárias se
desenvolvem em caramujos gastrópodes aquáticos do gênero Biomphalaria
(Ministério da Saúde, 2008). O homem é o hospedeiro definitivo principal,
embora alguns roedores, marsupiais, carnívoros silvestres e ruminantes já
tenham sido encontrados naturalmente infectados no Brasil. (Ministério da
Saúde, 2006).
Os ovos do S. mansoni são eliminados pelas fezes do hospedeiro
definitivo. Na água, estes eclodem, liberando uma larva ciliada denominada
miracídio que infecta o caramujo vetor. Após quatro a seis semanas, os
moluscos infectados começam a eliminar uma outra forma larvária – as
cercarias. O contato humano com águas infectadas pelas cercarias é a
3
maneira pela qual o indivíduo adquire a esquistossomose (Ministério da
Saúde, 2008).
A transmissão da doença depende da contaminação fecal de
ambientes aquáticos e da existência de pessoas infectadas que apresentam
contato freqüente com as coleções de água doce colonizadas por moluscos
suscetíveis (Pieri, 1995). A manutenção e expansão da doença está ligada
com a distribuição geográfica do caramujo hospedeiro intermediário e a sua
compatibilidade com as diferentes linhagens do parasita (Hagan e Gryseels,
1994).
No Brasil, a esquistossomose é considerada tradicionalmente como
endemia rural, mas há crescente número de casos notificados em cidades
altamente urbanizadas e de maior porte (Katz et al., 1993). No país, a
doença foi descrita em 18 estados e no Distrito Federal (Figura 1). Os
estados das regiões Nordeste, Sudeste e Centro-oeste são os mais
afetados. Estima-se que cerca de 25 milhões de pessoas vivem em áreas
sob o risco de contrair a doença (Ministério da Saúde, 2009).
Figura 1: Áreas endêmicas e focais da esquistossomose mansônica
(Ministério da Saúde, 2008).
4
No estado de São Paulo, a maior ocorrência dos casos autóctones de
esquistossomose está relacionada à transmissão da doença nas bacias
hidrográficas Paraíba do Sul, Litorânea e Tietê, respectivamente (tabela 1)
(Ministério da Saúde 2006, 2008).
Tabela 1: Número de casos autóctones de esquistossomose no estado de São
Paulo, distribuído por bacia hidrográfica.
Períodos
Bacia Hidrográfica
Total
1981 – 1990
1991 – 2000
2001 – 2008
3
4
6
13
Litorânea
8564
1654
595
10813
Paraíba do Sul
9442
2723
393
12558
Paranapanema
989
234
46
1269
Rio Grande
150
67
66
283
0
0
3
3
Tietê
1551
1207
1034
3792
Total
20699
5889
2143
28731
Aguapeí - Peixe
São José dos Dourados
Fonte: CVE, 2008 (modificado).
1.2 O gênero Biomphalaria
Os hospedeiros intermediários do S. mansoni pertencem ao Filo
Mollusca,
Classe
Basommatophora,
Gastropoda,
Família
Subclasse
Planorbidae
e
Pulmonata,
Gênero
Ordem
Biomphalaria.
Os
caramujos deste gênero são amplamente distribuídos na África, América do
Sul, Caribe, sudoeste da Ásia (Arábia Saudita e Iêmen), na América Central
e sul dos Estados Unidos (Bandoni et al., 1995). No Brasil, o gênero
Biomphalaria compreende dez espécies e uma subespécie (tabela 2), sendo
B. glabrata, B. tenagophila e B. straminea as espécies responsáveis pela
transmissão da esquistossomose mansônica no país.
5
Tabela 2: Espécies de Biomphalaria descritas no Brasil, assinalando as
hospedeiras naturais, potenciais e não hospedeiras de S. mansoni
(Ministério da Saúde, 2008).
Grupo de
Espécie
espécies
Hospedeiras
naturais
Biomphalaria glabrata (Say, 1818)
Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835)
Biomphalaria straminea (Dunker, 1848)
Hospedeiras
Biomphalaria amazonica Paraense, 1966
potenciais
Biomphalaria peregrina (Orbigny, 1835)
Biomphalaria intermedia (Paraense & Deslandes, 1962)
Biomphalaria kuhniana (Clessin, 1883)
Não Hospedeiras
Biomphalaria schrammi (Crosse, 1864)
Biomphalaria oligoza (Paraense, 1975)
Biomphalaria occidentalis (Paraense, 1981)
Biomphalaria tenagophila guaibensis (Paraense, 1984)
Nota: Hospedeiras potenciais são espécies de caramujos do gênero Biomphalaria
infectadas experimentalmente por Schistosoma mansoni.
A identificação específica dos caramujos do gênero Biomphalaria,
com exceção de B. glabrata e B. tenagophila que são identificadas pela
presença de uma crista renal em B. glabrata, que está ausente em
B.tenagophila (Paraense e Deslandes, 1959), é definida exclusivamente
através de características morfológicas do aparelho reprodutor, conforme
estabelecido pelo malacologista Wladimir Lobato Paraense (Paraense WL,
1975; 1981; 1984) (Figura 2, 3, 4, 5 e 6). As características conquiológicas
dos caramujos (Figura 7) do gênero Biomphalaria são inapropriadas para a
identificação espécie-específica.
6
A
B
C
Figura 2: A) Desenho da concha de B. tenagophila: vista do lado direito, vista
frontal e vista do lado esquerdo, respectivamente; B) manto mostrando o
tubo renal liso; C) sistema reprodutor: canal coletor do ovoteste (cc),
encruzilhada genital (eg), ovispermiduto proximal (odp), ovispermiduto distal
(odd), ovoteste (ot) e vesícula seminal (vs); estruturas masculinas: bainha do
pênis (bp), canal deferente (cd), espermiduto (ed), músculos do complexo
peniano [retrator (mr) e protrator (mp)], prepúcio (pp) e próstata (pr);
estruturas femininas: bolsa do oviduto (bo), bolsa vaginal (bv), espermateca
(es), glândula nidamental (gn), oviduto (ov), vagina (va) e útero (ut); coração
(co), pericárdio (pe), glândula de albúmen (ga), veia pulmonar (vp), veia
renal (vr), tubo renal (tr), crista lateral (cl), colar do manto (cm), ureter (ur),
meato do ureter (mu) e pneumóstoma (pn) (Fonte: Paraense, 1975).
7
A
B
C
D
Figura 3: A) Desenho da concha de B. glabrata: vista do lado direito, vista
frontal e vista do lado esquerdo, respectivamente; B) manto de um exemplar
adulto, onde se vê a crista renal; C) manto de um exemplar jovem com linha
renal pigmentada; D) sistema reprodutor: canal coletor do ovoteste (cc),
encruzilhada genital (eg), ovispermiduto proximal (odp), ovispermiduto distal
(odd), ovoteste (ot) e vesícula seminal (vs); estruturas masculinas: bainha do
pênis (bp), canal deferente (cd), espermiduto (ed), músculos do complexo
peniano [retrator (mr) e protrator (mp)], prepúcio (pp) e próstata (pr);
estruturas femininas: bolsa do oviduto (bo), bolsa vaginal (bv), espermáteca
(es), glândula nidamental (gn), oviduto (ov), vagina (va) e útero (ut); coração
(co), pericárdio (pe), glândula de albúmen (ga), veia pulmonar (vp), veia
renal (vr), tubo renal (tr), crista lateral (cl), crista renal (cr), linha renal
pigmentada (lr), colar do manto (cm), ureter (ur), meato do ureter (mu) e
pneumóstoma (pn) (Fonte: Paraense, 1975).
8
A
B
C
Figura 4: A) Desenho da concha de B. straminea: vista do lado direito, vista
frontal e vista do lado esquerdo, respectivamente; B) manto, onde se vê o
tubo renal liso; C) sistema reprodutor: canal coletor do ovoteste (cc),
encruzilhada genital (eg), ovispermiduto proximal (odp), ovispermiduto distal
(odd), ovoteste (ot) e vesícula seminal (vs); estruturas masculinas: bainha do
pênis (bp), canal deferente (cd), espermiduto (ed), músculos do complexo
peniano [retrator (mr) e protrator (mp)], prepúcio (pp) e próstata (pr);
estruturas femininas: bolsa do oviduto (bo), enrugamento vaginal (ev),
espermáteca (es), glândula nidamental (gn), oviduto (ov), vagina (va) e útero
(ut); coração (co), pericárdio (pe), glândula de albúmen (ga), veia pulmonar
(vp), veia renal (vr), tubo renal (tr), crista lateral (cl), colar do manto (cm),
ureter (ur), meato do ureter (mu) e pneumóstoma (pn) (Fonte: Paraense,
1975).
9
A
B
C
Figura 5: A) Desenho da concha de B. occidentalis: vista do lado direito,
vista frontal e vista do lado esquerdo, respectivamente; B) manto mostrando
o tubo renal liso; C) sistema reprodutor: canal coletor do ovoteste (cc),
encruzilhada genital (eg), ovispermiduto proximal (odp), ovispermiduto distal
(odd), ovoteste (ot) e vesícula seminal (vs); estruturas masculinas: bainha do
pênis (bp), canal deferente (cd), espermiduto (ed), músculos do complexo
peniano [retrator (mr) e protrator (mp)], prepúcio (pp) e próstata (pr);
estruturas femininas: bolsa do oviduto (bo), espermáteca (es), glândula
nidamental (gn), oviduto (ov) e vagina (va) (Fonte: Paraense, 1981).
10
A
B
Figura 6: Desenho da concha de B. tenagophila guaibensis: vista do lado
direito, vista frontal e vista do lado esquerdo, respectivamente; B) sistema
reprodutor: glândula nidamental (ng), oviduto (ov), músculo protator (pm),
bolsa do oviduto (po), prepúcio (pp) próstata (pr) bainha do pênis (ps),
músculo retarator (rm), espermiduto (sd), espermateca (sp), útero (ut),
vagina (va), canal deferente (vd). (Fonte: Paraense, 1984).
11
Figura 7: Conchas das espécies e da subespécie de Biomphalaria que
ocorrem no Brasil: A) Biomphalaria glabrata (Say, 1818); B) Biomphalaria
tenagophila (Orbigny, 1835); C) Biomphalaria straminea (Dunker, 1848); D)
Biomphalaria amazonica (Paraense, 1966); E) Biomphalaria peregrina
(Orbigny, 1835); F) Biomphalaria intermedia (Paraense, Deslandes, 1962);
G) Biomphalaria kuhniana (Clessin, 1883); H) Biomphalaria schrammi
(Crosse, 1864); I) Biomphalaria oligoza (Paraense, 1975); J) Biomphalaria
occidentalis (Paraense, 1981); L) Biomphalaria tenagophila guaibensis
(Paraense, 1984). Escala: 5mm. (Fonte: Ministério da Saúde, 2008).
12
Das dez espécies e uma subespécie de Biomphalaria descritas no
Brasil, no estado de São Paulo são encontradas oito espécies (B. glabrata,
B. tenagophila, B. straminea, B. peregrina, B. occidentalis, B. schrammi,
B.intermedia e B. oligoza) (Estrada et al., 2006; Ohlweiler et al., 2010),
incluindo as três espécies hospedeiras naturais do S. mansoni.
Biomphalaria glabrata é encontrada nos seguintes estados: Alagoas,
Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais,
Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do
Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe (Ohlweiler et al., 2010).
Constitui o mais eficiente vetor da esquistossomose mansônica nas
Américas, sendo responsável pelos focos mais ativos. Em laboratório
infecta-se, geralmente, com muita facilidade, em proporções próximas a
100% e nos ambientes naturais já foi encontrada com taxas de positividade
da ordem de 70% (Souza e Lima, 1990; Rey, 2001).
A distribuição de B. tenagophila abrange os seguintes estados: Bahia,
Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,
Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo
(Ohlweiler et al., 2010). Em geral, é encontrada com taxas de infecção
naturais muito baixas, mesmo nos períodos mais favoráveis (Souza e Lima,
1990; Rey, 2001).
Biomphalaria straminea é encontrada com freqüência em quase todas
as bacias hidrográficas do Brasil; sua distribuição geográfica abrange todo
território brasileiro, não havendo registro somente nos estados de Amapá e
Rondônia. No Nordeste do país, desempenha importante papel na
transmissão da esquistossomose, pois sua abundância em criadouros
naturais compensa o fato de apresentar baixas taxas de infecção (Souza e
Lima, 1990; Rey, 2001; Ministério da Saúde, 2008; Ohlweiler et al., 2010).
A figura 8 mostra a distribuição geográfica de B. glabrata,
B. tenagophila e B. straminea no Brasil (Ministério da Saúde, 2008).
13
A
B
C
Figura 8: Distribuição geográfica de B. glabrata (A), B. tenagophila (B) e B.
straminea (C) no Brasil (Fonte: Ministério da Saúde, 2008).
Biomphalaria tenagophila é a espécie mais abundante no estado de
São
Paulo.
Conforme
demonstram
os
sucessivos
levantamentos
malacológicos, realizados por Teles (2005), dos caramujos do gênero
Biomphalaria coletados, 91,7% foram da espécie B. tenagophila (Figura 9).
14
Figura 9: Distribuição de Biomphalaria tenagophila no estado de São Paulo
(Fonte: SUCEN, 2004).
1.2.1 A importância da biologia e dos estudos de marcadores
moleculares aplicados aos caramujos do gênero Biomphalaria
Duas características biológicas são fundamentais para expansão e
manutenção das populações de caramujos na natureza. A primeira delas
relaciona-se ao modo de reprodução. Caramujos do gênero Biomphalaria se
reproduzem tanto por fecundação cruzada quanto por autofecundação
(Paraense,
1955),
pois
óvulos
e
espermatozóides
são
produzidos
simultaneamente na glândula hermafrodita – o ovotestis.
Além disso, a capacidade de sobrevivência dos caramujos em
situações
de
privação
completa
e
duradoura
de
água
aumenta
significativamente a capacidade de sobrevivência de uma fração de
caramujos. Trata-se neste caso do processo denominado dessecação, um
estado fisiológico vegetativo, que permite aos caramujos sobreviver em
estado fisiológico basal por mais de trinta dias recolhidos à concha (Tuan e
Simões, 1989). Por exemplo, no município de Tremembé / SP, 255
15
espécimes de B. tenagophila foram coletados numa vala de arroz
completamente seca. Todos os espécimes estavam dessecados; em
laboratório seis deles retornaram a atividade biológica alimentando-se e
reproduzindo-se após reconstituição do ambiente aquático (comunicação
pessoal, Tuan 2010). Esta é uma situação comum em populações de
caramujos de regiões onde seca e enchente são intercaladas, constituindo
habitats férteis para estudos sobre os mecanismos de manutenção dessas
populações,
cuja
sobrevivência
deve
depender,
sobretudo
da
autofecundação.
A identificação morfológica das espécies do gênero Biomphalaria é de
alta relevância para estudos epidemiológicos (Mascara e Morgante, 1995),
mas, o que se observa na rotina de diagnóstico dos caramujos é que há
dúvidas sobre a identificação de muitos animais devido à alta variação dos
caracteres morfológicos dentro de uma mesma espécie.
A análise e a comparação de seqüências de DNA têm permitido
identificar com precisão espécies de difícil identificação morfológica,
caracterizar populações, bem como estabelecer relações filogenéticas em
numerosos grupos de organismos. Contudo, nem todas as regiões das
seqüências de DNA são igualmente capazes de elucidar um mesmo
problema (Barros-Battesti, 2006).
A região espaçadora interna do DNA ribossômico tem sido
empregada na diferenciação entre espécies crípticas (Di Muccio et al., 2000;
Depaquit et al., 2002; Marcilla et al., 2001). Em Biomphalaria resultados
significativos foram alcançados com o rDNA. Spatz e colaboradores (1999)
conseguiram padrões moleculares diferenciados para B. tenagophila,
B.tenagophila guaibensis e B. occidentalis (espécies de difícil caracterização
morfológica) por meio de marcadores de rDNA (ITS1). Vidigal e
colaboradores (2000), utilizando a mesma técnica, conseguiram padrões
moleculares diferenciados para seis espécies e duas subespécies de
Biomphalaria, com exceção de B. occidentalis, B. tenagophila guaibensis,
B.oligoza e B. peregrina.
16
Análises com o segundo espaçador interno (ITS2) mostraram maior
eficácia na comparação entre diferentes espécies de Biomphalaria (Vidigal et
al., 1998; Spatz et al., 1999; Vidigal et al., 2000) permitindo a reconstrução
filogenética destes grupos. Tuan e Santos (2007) mostraram por meio de
ITS2 que B. tenagophila é tão variável geneticamente quanto B. glabrata e
que o padrão de distribuição genética pode estar relacionado com diferenças
na adaptação a diferentes habitats de água doce (Tuan, 2009).
O DNAmt reúne muitas características desejáveis que devem possuir
um marcador genético, por isso, tem sido amplamente utilizado para analisar
as relações evolutivas entre espécies e a dinâmica das trocas que se
produzem em níveis micro e macro-evolutivos (Barros-Battesti, 2006).
Também apresenta como característica importante o fato de apresentar
variações de uma ou poucas bases de DNA (Barros-Battesti, 2006) que
podem ser usadas no cálculo de parâmetros de fluxo gênico e deriva
genética. O DNAmt é herdado maternalmente e não recombina, permitindo
análise filogenética de linhagens maternais (Mérida et al., 1999; Costa-daSilva et al., 2005). O DNAmt é igualmente importante para estudos
evolutivos porque apresenta segmentos conservados intercalados a
segmentos variáveis que permitem o seqüenciamento de genes específicos
(Avise, 1994).
A estrutura do DNAmt é simples (figura 10); com raras exceções, o
DNAmt é uma molécula circular, com 15-20 kilobases de nucleotídeos
arranjados em genes que codificam proteínas do sistema de transporte
celular de elétrons e da fosforilação oxidativa, além de genes que codificam
RNAs transportadores, ribossômicos e mensageiros. Os íntrons, famílias de
nucleotídeos repetidos e pseudogenes são raros (Avise, 1994).
Nos últimos anos uma porção do gene citocromo oxidase I (COI) tem
sido usada como fonte de identificação de espécies animais caracterizando
o código de barras da vida (Barcoding of Life) (Herbert, 2003).
No gênero Biomphalaria, regiões codificadoras do DNA mitocondrial
para os genes COI e a porção 16S de rDNA permitiram confirmar a
caracterização genética entre espécies similares, cujo status taxonômico
17
pode ser questionado quando utilizamos apenas características morfológicas
(Spatz et al., 1999, DeJong et al., 2001, 2003, Mavárez et al., 2002, Pointier
et al., 2005).
Outras modalidades de marcadores moleculares são empregadas
para: 1) diagnosticar a diversidade genética em espécies diferentes de
caramujos (Stothard e Rollinsson, 1997; Kristensen et al., 1999); 2) estimar
diferenças genéticas em espécimes de caramujos de uma mesma espécie
de localidades geográficas diferentes (Vidigal et al., 1994); 3) comparar
linhagens estabelecidas em condições de laboratório (Larson et al., 1996); 4)
discriminar progênies produzidas por autofecundação e fecundação cruzada.
Figura 10: Esquema de molécula de DNA mitocondrial de B. glabrata. A seta
azul indica o posicionamento do gene Citocromo Oxidase I (COX1). (Fonte:
DeJong et al., 2004).
18
Há
vários
loci
de
microsatélites
descritos
para
caramujos
hermafroditas, principalmente B. glabrata (Jones et al., 1999). Não
raramente esses trabalhos apontam para deficiência de heterozigotos nas
populações naturais em conseqüência dos efeitos do endocruzamento, ou
da transitoriedade das populações naturais e alta fragmentação da
variabilidade genética total em subpopulações de uma mesma espécie
(Woodruff et al., 1999).
A aplicação de ferramentas moleculares permitiu a caracterização da
variabilidade genética nos hospedeiros intermediários do S. mansoni. No
caso de B. glabrata, a espécie está estruturada em seis clados
geneticamente distintos (DeJong et al., 2001, 2003). A diversidade genética
identificada em caramujos hospedeiros intermediários do S. mansoni levou
alguns autores a supor que B. glabrata (Mavárez et al., 2002), B. tenagophila
(Spatz et al., 1999), e B. straminea (Paraense, 1988) sejam formados por
complexos de espécies similares, que podem apresentar diferenças na
suscetibilidade ao S. mansoni.
19
1.3 Justificativa
O estudo dos hospedeiros intermediários da esquistossomose
(incluindo sua taxonomia, genética, distribuição e ecologia) é importante
para que se possa interpretar corretamente o papel que cumprem na
transmissão da doença e se possa orientar as medidas de controle,
adequadas a cada localidade, dirigidas aos caramujos (Ministério da Saúde,
2008). Dessa forma, as ações de vigilância malacológica são estratégicas no
controle da esquistossomose.
20
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivos Específicos
Avaliar a diversidade genética molecular da espécie Biomphalaria
tenagophila por meio do gene mitocondrial Citocromo Oxidase I (COI),
amplificado a partir de amostras de DNA genômico obtidas de caramujos
coletados em diferentes bacias hidrográficas do estado de São Paulo, ao
longo de dez anos, e depositados na “DNAteca” (biblioteca de DNA) do
Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular da Superintendência de
Controle de Endemias - LBBMSU.
2.2 Objetivos Gerais
Porque Biomphalaria tenagophila pertence a um complexo de
espécies que inclui a B. occidentalis e a subespécie B. tenagophila
guaibensis, a análise genético-molecular foi ampliada para estimar a
diversidade de cada um destes componentes dentro do Complexo
Tenagophila.
Analisar a eficiência do gene Citocromo Oxidase I (COI) para o
desenvolvimento de um sistema de identificação molecular (Barcode) de
caramujos do gênero Biomphalaria.
21
3 MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Amostras de DNA de caramujos do gênero Biomphalaria
Foram utilizadas 62 amostras de DNA de caramujos do gênero
Biomphalaria componentes do banco de DNAs (DNAteca) preservados em
freezer -70ºC no Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular da
Superintendência de Controle de Endemias. Da DNAteca não fizeram parte
amostras de DNA de caramujos parasitados com cercárias de qualquer
espécie. Cada uma das amostras de DNA corresponde a um animal
identificado ao nível de espécie de acordo com as características
morfológicas do aparelho reprodutor (Paraense, 1975; 1981; 1984) (figuras
2, 3, 4, 5 e 6). Os vouchers foram preservados em fixador Raillet-Henry. As
amostras foram usualmente identificadas também quanto a origem de coleta
dos animais e ao código de referência do banco de DNAs.
As amostras utilizadas pertencem a doze municípios do estado de
São Paulo (Araraquara, Cândido Mota, Caraguatatuba, Ipauçu, Juquiá,
Martinópolis, Ourinhos, Pindamonhangaba, Presidente Prudente, Registro,
Sorocaba e Taubaté) (figura 11) e a dois municípios do estado do Rio
Grande do Sul (Esteio e Porto Alegre).
As amostras de DNA de caramujos do gênero Biomphalaria
pertencentes ao município de São Paulo representam municípios e bacias
hidrográficas com diferentes taxas de transmissão da esquistossomose,
segundo Centro de Vigilância Epidemiológica (Ministério da Saúde, 2008)
(tabela 3 e figura 12).
Das 62 amostras de DNA utilizadas, 41 amostras são B.tenagophila,
duas amostras são da subespécie B. tenagophila guaibensis, oito de B.
occidentalis, quatro de B. glabrata e sete de B. straminea (tabela 4).
22
Figura 11: Mapa do estado de São Paulo indicando os municípios de origem
das amostras de DNA de caramujos do gênero Biomphalaria.
Tabela 3: Relação do histórico de casos de esquistossomose dos municípios e
bacias hidrográficas de origem das amostras de DNA de caramujos utilizadas.
Bacia Hidrográfica
Municípios
1981 - 1990
1991 - 2000
2001 – 2008
Total
Caraguatatuba
1
33
61
95
Juquiá
22
1
4
27
Registro
4
2
2
8
Pindamonhangaba
1254
312
51
1617
Taubaté
923
157
25
1105
Cândido Mota
0
0
1
1
Ipauçu
5
4
0
9
Martinópolis
0
0
2
2
Ourinhos
896
214
19
1129
Presidente Prudente
0
1
1
2
Araraquara
1
131
23
155
Sorocaba
0
2
2
4
Litorânea
Paraíba do Sul
Períodos
Paranapanema
Tietê
Fonte: CVE, 2008 (modificado).
Nota: A bacia hidrográfica do rio Ribeira do Iguape está inserida na parte sul da bacia hidrográfica Litorânea.
23
Figura 12: Bacias hidrográficas do estado de São Paulo (Fonte: SigRH, 2010
modificado).
Tabela 4: Relação de espécies, municípios e bacias hidrográficas de origem das
amostras de DNA de caramujos utilizadas.
Espécie
Nº DNA
LBBMSU
Origem
Bacia hidrográfica
Código
LBBMSU
B. tenagophila
019
Sorocaba
Tietê
019 Btt
B. tenagophila
020
Sorocaba
Tietê
020 Btt
B. tenagophila
021
Sorocaba
Tietê
021 Btt
B. tenagophila
022
Sorocaba
Tietê
022 Btt
B. tenagophila
024
Sorocaba
Tietê
024 Btt
B. tenagophila
272
Ourinhos
Paranapanema
272 Btt
B. tenagophila
273
Ourinhos
Paranapanema
273 Btt
B. tenagophila
274
Ourinhos
Paranapanema
274 Btt
B. tenagophila
288
Ipauçu
Paranapanema
288 Btt
B. tenagophila
289
Ipauçu
Paranapanema
289 Btt
24
Espécie
Nº DNA
LBBMSU
Origem
Bacia hidrográfica
Código
LBBMSU
B. tenagophila
290
Ipauçu
Paranapanema
290 Btt
B. tenagophila
296
Ipauçu
Paranapanema
296 Btt
B. tenagophila
297
Ipauçu
Paranapanema
297 Btt
B. tenagophila
298
Ipauçu
Paranapanema
298 Btt
B. tenagophila
299
Ipauçu
Paranapanema
299 Btt
B. tenagophila
308
Ourinhos
Paranapanema
308 Btt
B. tenagophila
309
Ourinhos
Paranapanema
309 Btt
B. tenagophila
310
Ourinhos
Paranapanema
310 Btt
B. tenagophila
335
Ipauçu
Paranapanema
335 Btt
B. tenagophila
336
Ipauçu
Paranapanema
336 Btt
B. tenagophila
351
Registro
Ribeira do Iguape
351 Btt
B. tenagophila
352
Registro
Ribeira do Iguape
352 Btt
B. tenagophila
354
Juquiá
Ribeira do Iguape
354 Btt
B. tenagophila
355
Juquiá
Ribeira do Iguape
355 Btt
B. tenagophila
356
Juquiá
Ribeira do Iguape
356 Btt
B. tenagophila
357
Juquiá
Ribeira do Iguape
357 Btt
B. tenagophila
359
Juquiá
Ribeira do Iguape
359 Btt
B. tenagophila
372
Caraguatatuba
Litorânea
372 Btt
B. tenagophila
373
Caraguatatuba
Litorânea
373 Btt
B. tenagophila
374
Caraguatatuba
Litorânea
374 Btt
B. tenagophila
375
Caraguatatuba
Litorânea
375 Btt
B. tenagophila
376
Caraguatatuba
Litorânea
376 Btt
B. tenagophila
377
Caraguatatuba
Litorânea
377 Btt
B. tenagophila
378
Caraguatatuba
Litorânea
378 Btt
B. tenagophila
381
Pindamonhangaba
Paraíba do Sul
381 Btt
B. tenagophila
383
Pindamonhangaba
Paraíba do Sul
383 Btt
B. tenagophila
385
Taubaté
Paraíba do Sul
385 Btt
B. tenagophila
391
Taubaté
Paraíba do Sul
391 Btt
B. tenagophila
395
Ipauçu
Paranapanema
395 Btt
B. tenagophila
409
Ipauçu
Paranapanema
409 Btt
25
Espécie
Nº DNA
LBBMSU
Origem
Bacia hidrográfica
Código
LBBMSU
B. tenagophila
422
Araraquara
Tietê
422 Btt
B.t. guaibensis
365
Porto Alegre (RS)
-
365 Btg
B.t. guaibensis
366
Porto Alegre (RS)
-
366 Btg
B. occidentalis
234
Cândido Mota
Paranapanema
234 Boc
B. occidentalis
235
Presidente Prudente
Paranapanema
235 Boc
B. occidentalis
293
Ourinhos
Paranapanema
293 Boc
B. occidentalis
294
Ourinhos
Paranapanema
294 Boc
B. occidentalis
321
Ourinhos
Paranapanema
321 Boc
B. occidentalis
330
Ourinhos
Paranapanema
330 Boc
B. occidentalis
438
Martinópolis
Paranapanema
438 Boc
B. occidentalis
439
Martinópolis
Paranapanema
439 Boc
B. glabrata
340
Esteio (RS)
-
340 Bgl
B. glabrata
341
Esteio (RS)
-
341 Bgl
B. glabrata
412
Ourinhos
Paranapanema
412 Bgl
B. glabrata
414
Ourinhos
Paranapanema
414 Bgl
B. straminea
430
Araraquara
Tietê
430 Bst
B. straminea
431
Presidente Prudente
Paranapanema
431 Bst
B. straminea
432
Presidente Prudente
Paranapanema
432 Bst
B. straminea
433
Presidente Prudente
Paranapanema
433 Bst
B. straminea
434
Presidente Prudente
Paranapanema
434 Bst
B. straminea
436
Presidente Prudente
Paranapanema
436 Bst
B. straminea
437
Presidente Prudente
Paranapanema
437 Bst
26
3.2 Procedimentos Moleculares
3.2.1. Extração de DNA
O pé de cada caramujo foi retirado para obtenção de tecido para
extração de DNA. Esse procedimento inicia-se esmagando o animal vivo
entre duas placas de Petri com força moderada para que a concha seja
quebrada e o animal permaneça vivo. Então são retirados os fragmentos de
concha da parte mole do animal, utilizando pinças de ponta afiada e estiletes
para remoção dos pés. A partir de então, os procedimentos de extração de
DNA foram realizados utilizando-se o kit DNEasy Tissue Kit (Qiagen®) com a
metodologia de extração descrita pelo fabricante. Para conferir a eficiência
da extração do DNA genômico, as amostras foram submetidas à eletroforese
em gel de agarose 1,5% e visualizadas por meio de Trans-iluminador
Eletrônico UV (Ultra-Lum).
3.2.2 Amplificação do gene Citocromo Oxidase I (COI)
Para a amplificação específica do gene Citocromo Oxidase I (COI) foi
empregada à metodologia da Reação em Cadeia da Polimerase – PCR
(Polymerase Chain Reaction), que consiste em replicar, de modo
exponencial, seqüências específicas do DNA a partir de iniciadores
(primers).
Os primers utilizados foram os descritos por Folmer (1994),
nomeados:
LCO
(5’ GGTCAACAAATCATAAAGATATTGG 3’)
HCO
(5’ TAAACTTCAGGGTGACCAAAAAATCA 3’)
Reações de PCR foram preparadas utilizando as seguintes
concentrações finais: 1x Green Buffer Promega®, 1,5mM MgCl2, 0,2mM de
cada dNTP, 0,5µM de cada primer, 1U de TaqPolimerase, DNA mãe em
27
concentração máxima abaixo de 250ng/µL e água bidestilada autoclavada
para completar o volume final de 50µL de reação para cada microtubo de
0,5mL.
As reações ocorreram em termociclador MJResearch® com o
seguinte protocolo de amplificação: temperatura inicial de 95ºC durante 3
minutos para desnaturação da dupla fita de DNA; 25 ciclos à 95ºC durante 1
minuto, 47ºC durante 1 minuto para hibridação dos primers, 72ºC durante 1
minuto e 30 segundos para extensão do trecho do DNA alvo, finalizando por
extensão final à 72ºC por 7 minutos. A eficiência da amplificação das
amostras de DNA foi observada por meio de eletroforese em gel de agarose
1,5% (figura 13) e os géis foram verificados por meio de Trans-iluminador
Eletrônico UV (Ultra-Lum). Fotografias digitais dos géis de agarose foram
obtidas por meio de câmera Canon® acoplada a computador. As fotografias
foram analisadas por meio do software Launch Doc-ItLS.
Figura 13: Fotografia de gel de agarose com amostras de DNA de caramujos
amplificadas. Cada amostra corresponde a 600pb.
3.2.3 Purificação e seqüenciamento de DNA
Os produtos da PCR foram purificados através do kit QIAquick
Purification Kit (Qiagen®) utilizando a metodologia de purificação descrita
pelo fabricante. As purificações dos produtos de PCR foram realizadas para
eliminar resíduos de baixo peso molecular como sais, primers e dNTPs,
possibilitando o sequenciamento das amostras.
Os produtos de purificação foram submetidos à eletroforese em gel de
agarose 1,5%. O marcador de peso molecular 100bp Low Mass Ladder
(Invitrogen®) foi utilizado para estimar visualmente a quantidade de DNA
28
obtida após o processo de purificação. Em seguida as amostra foram
quantificadas utilizando espectrofotômetro BioMate3 (Thermo Electron
Corporation).
Amostras
com
mínimo
de
20ng
de
DNA/µL
foram
encaminhadas para o Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan, onde
foram seqüenciadas utilizando seqüenciador automático ABI3100 (Applied
Byosistems®).
3.3 Análises Genéticas
3.3.1 Alinhamentos
As seqüências de DNA foward e reverse foram corrigidas
simultaneamente no software Chromas (figura 14). Após as correções, as
seqüências foram alinhadas por meio de algoritmos implementados pelo
software Clustal X (Thompson et al., 1997). Para otimização dos
alinhamentos foram feitos ajustes visualmente. Conjuntos de alinhamentos
foram editados em BioEdit (Hall, 1999) (figura 15).
Figura 14: Imagem do software Chromas, utilizado para visualização de
cromatogramas e correções de seqüências de DNA.
29
Figura 15: Imagem do software de alinhamento de seqüências de DNA
BioEdit.
3.3.2 Variabilidade genética
A análise da distribuição da variabilidade de nucleotídeos nas
seqüências de um mesmo grupo ou de grupos distintos foi calculada com o
uso do software DNAsp (Rozas et al., 2003) (figura 16) que estima
parâmetros de diversidade de nucleotídeos (π), diversidade de haplótipos
(Hd) e os parâmetros de divergência genética entre diferentes populações
(Fst).
30
Figura 16: Imagem do software DNAsp utilizado para cálculos de diversidade
genética.
3.3.3 Análise filogenética
Foram utilizados dois métodos para as inferências filogenéticas. No
primeiro método as distâncias genéticas entre seqüências foram calculadas
utilizando o modelo de substituição de nucleotídeos Kimura 2 Parâmetros –
31
K2p (Kimura, 1980) e o método de agrupamento de vizinhos (NeighborJoining) implementados no software de análises filogenéticas MEGA
(Tamura et al., 2007). Para a reconstrução filogenética inferidas por meio de
análise Bayesiana foi utilizado o programa MrBayes (Huelsenbeck, Ronquist,
2001; Ronquist, Huelsenbeck, 2003), que se baseia na distribuição de
probabilidades posteriores conforme o teorema de probabilidades de Bayes.
Neste caso, a seleção do modelo de substituição de nucleotídeos, mais
ajustado aos conjuntos de sequências alinhadas, foi determinada pelo
cálculo de verossimilhança no software PAUP (Swofford, 2002). O menor
valor de verossimilhança foi calculado no software MrModeltest 2.3
(Nylander, 2004). Foram geradas 1,5 x 106 gerações de árvores, salvas a
cada 100 gerações. As primeiras 1500 amostras de cada geração de árvores
foram descartadas como “burn-in”.
Com o uso do software TCS 2.1 (Clement et al., 2000) foi realizado
o cálculo para a estimativa de genealogia genética, representada por uma
rede de haplótipos.
32
4 RESULTADOS
4.1. Análise da variabilidade genética de Biomphalaria tenagophila
Foi analisada a diversidade genética do gene mitocondrial COI de 41
amostras de DNA de caramujos da espécie B. tenagophila, sendo uma
amostra do município de Araraquara, sete amostras do município de
Caraguatatuba, onze de Ipauçu, cinco de Juquiá, seis de Ourinhos, duas de
Pindamonhangaba, duas de Registro, cinco de Sorocaba e duas de Taubaté.
Após o alinhamento e edição, as 41 seqüências do gene COI
apresentaram 572 pares de base (pb), composto por 23 sítios de
nucleotídeos variáveis (S) e nove subgrupos de seqüências polimórficas –
haplótipos (H) com 53% de diversidade haplotípica (Hd). Ao distribuir os
subgrupos de haplótipos conforme a bacia hidrográfica de origem dos
caramujos foram observados um grupo de seqüências sem polimorfismo
distribuída em municipios localizados nas bacias hidrográficas Paraíba do
Sul, Paranapanema e Litoral Norte, aqui denominado Grupo I, e um segundo
grupo de seqüências polimórficas entre si, 92% de diversidade haplotípica
(Hd), de caramujos oriundos de municípios das bacias hidrográficas do
Ribeira do Iguape e Tietê, denominado Grupo II (tabela 5).
Os valores do índice inbreeding – Fst (Wright, 1931) que indica o grau
de divergência genética entre as populações dos municípios do Grupo I
(Paranapanema, Litoral Norte e Paraíba do Sul) e as populações dos
municípios do Grupo II (Paraíba do Sul e Tietê) são apresentados na tabela
6. Os municípios pertencentes ao Grupo I não apresentaram divergência
genética (Fst = 0,00) entre si, indicando homogeneidade genética. Os
municípios pertencentes ao Grupo II apresentaram valores de divergência
genética entre 0,04 e 0,40 entre si, indicando heterogeneidade. Foi
observada divergência genética de 40% entre as populações dos municípios
de Juquiá e Registro, e de 30% entre as populações de Juquiá e Sorocaba;
33
enquanto que as populações dos municípios de Registro e Sorocaba
apresentaram valor de divergência genética igual a 4%.
Os valores extremos do coeficiente Fst entre populações das bacias
hidrográficas do Paranapanema, Paraíba do Sul e Litoral Norte, e das bacias
hidrográficas do Ribeira do Iguape e Tietê (Fst de 84% a 88%) confirmam a
divergência entre as populações dos Grupos I e II (tabela 6).
Tabela 5: Diversidade genética calculada para Biomphalaria tenagophila e
para os grupos de populações de Biomphalaria tenagophila distintos
geneticamente.
População
N
H
S
K
Hd
Π
B. tenagophila
41
9
23
4,758
0,532 ± 0,093
0,0083 ± 0,0012
Grupo I
28
1
0
0,0000
0,000 ± 0,000
0,0000 ± 0,0000
Grupo II
13
8
16
4,0769
0,923 ± 0,050
0,0071 ± 0,0010
N= Número de seqüências, H= Número de haplótipos; S= Número de sítios variáveis; K=
Número médio de diferenças nucleotídicas; Hd= Diversidade haplotípica; Π= Diversidade
nucleotídica.
A rede de haplótipos para B. tenagophila relacionada ao gene
mitocondrial COI apresenta conexões entre haplótipos que aparecem em
95% das soluções encontradas para o número de mutações analisadas pelo
software TCS (Clement, 2000) (figura 17).
A distinção entre os grupos I e II de B. tenagophila foi igualmente
observada em árvores que descrevem as relações genéticas evolutivas,
geradas pelo método de Neighbor-Joining (NJ), calculada pelo modelo
evolutivo Kimura 2 parâmetros (K2p); e pelo método de análise Bayesiana,
calculada pelo modelo General Time Reversible (GTR). As topologias
resultantes são congruentes e apresentam dois clados distintos (figura 18).
34
Tabela 6: Parâmetros de divergência genética (Fst) entre populações de
Biomphalaria tenagophila.
Municípios
Car*
Ipa*
Juq**
Our*
Pin*
Reg**
Sor**
Tau*
Car*
-
-
-
-
-
-
-
-
Ipa*
0,0000
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Juq**
0,8437 0,8437
Our*
0,0000 0,0000 0,8437
Pin*
0,0000 0,0000 0,8437 0,0000
Reg**
0,8421 0,8421 0,3023 0,8421 0,8421
Sor**
0,8854 0,8854 0,4090 0,8854 0,8854 0,0400
Tau*
0,0000 0,0000 0,8437 0,0000 0,0000 0,8421 0,8854
-
Municípios: Car = Caraguatatuba; Juq = Juquiá; Our = Ourinhos; Pin = Pindamonhangaba; Reg =
Registro; Sor = Sorocaba e Tau = Taubaté.
* : municípios pertencentes ao Grupo I (Paranapanema, Litoral Norte e Paraíba do Sul).
** : Municípios pertencentes ao Grupo II (Paraíba do Sul e Tietê).
Nota: O software DNAsp, para cálculos de divergência genética (Fst), não calcula populações
representadas por apenas uma seqüência, razão pela qual o município de Araraquara não estar
incluído nesta análise.
35
Figura 17: Rede de haplótipos de Biomphalaria tenagophila gerada no
software TCS.
36
A
B
Figura 18: Cladogramas de populações de Biomphalaria tenagophila do
estado de São Paulo obtidas a partir de análise Bayesiana (A) e análise
Neighbor-Joining – NJ (B). Em azul (■) estão representadas as populações
de Biomphalaria tenagophila pertencentes às bacias hidrográficas do
Paranapanema, Paraíba do Sul e Litoral Norte. Em laranja (■) estão
representadas as populações de Biomphalaria tenagophila pertencentes às
bacias hidrográficas Ribeira do Iguape e Tietê.
37
4.2. Análise da variabilidade genética das espécies do Complexo
Tenagophila
Foram analisadas 51 seqüências de DNA de caramujos do gênero
Biomphalaria que compõem o Complexo Tenagophila de difícil identificação
morfológica, ou seja, 41 seqüências de DNA de B. tenagophila descritas
anteriormente (tópico 4.1); mais oito seqüências de DNA de B. occidentalis,
sendo uma amostra do município de Cândido Mota, uma de Presidente
Prudente, quatro amostras do município de Ourinhos e duas amostras do
município de Martinópolis; e duas seqüências de DNA da subespécie B.
tenagophila guaibensis do município de Porto Alegre situado no estado do
Rio Grande do Sul. As seqüências de DNA do gene mitocondrial COI
alinhadas apresentaram 572 pares de base (pb), composto por 50 sítios de
nucleotídeos variáveis (S) e treze haplótipos (H) com 68% de diversidade
haplotípica (Hd) (tabela 7).
Os valores de diversidade genética de B. tenagophila foram descritos
anteriormente (tópico 4.1). As seqüências de B. occidentalis apresentaram
dois sítios de nucleotídeos variáveis (S) e três haplótipos (H) distintos,
resultando em 46% de diversidade haplotípica (Hd). As seqüências de
B.tenagophila guaibensis não apresentaram valores de diversidade genética
e possuem haplótipo comum entre as seqüências analisadas (tabela 7).
38
Tabela 7: Diversidade genética calculada para espécies que compõem o Complexo
Tenagophila.
População
N
H
S
K
Hd
Π
Complexo Tenagophila
51
13
50
12,006
0,686 ± 0,069
0,0218 ± 0,0030
B. tenagophila
41
9
21
4,439
0,532 ± 0,093
0,0080 ± 0,0012
B. occidentalis
8
3
2
0,500
0,464 ± 0,200
0,0009 ± 0,0004
B. tenagophila guaibensis
2
1
0
0,000
0,000 ± 0,000
0,0000 ± 0,0000
N= Número de seqüências, H= Número de haplótipos; S= Número de sítios variáveis; K= Número médio de
diferenças nucleotídicas; Hd= Diversidade haplotípica; Π= Diversidade nucleotídica.
A matriz de distância genética, que indica valores de proximidade
evolutiva entre as espécies, foi calculada no software MEGA para as
espécies do Complexo Tenagophila e indicou maior proximidade genética
entre B. tenagophila guaibensis e B. occidentalis (0,358) que B. tenagophila
guaibensis e B. tenagophila (0,435) (tabela 8).
Tabela 8: Matriz de distância genética entre espécies do Complexo Tenagophila.
Espécies
B.tenagophila
guaibensis
B. occidentalis
B. tenagophila
B.tenagophila guaibensis
-
-
-
B. occidentalis
0,0358
-
-
B. tenagophila
0,0435
0,0543
-
Foram geradas árvores filogenéticas pelo método de Neighbor-Joining
(NJ), calculada pelo modelo evolutivo Kimura 2 parâmetros (K2p) e pelo
método de análise Bayesiana, calculada pelo modelo General Time
Reversible + I (GTR + I). As topologias resultantes são congruentes e
apresentam dois grupos filogenéticos distintos (figura 19).
39
A
B
Figura 19: Cladogramas obtidos a partir de análise Bayesiana (A) e análise
Neighbor-Joining – NJ (B), composto por caramujos do gênero Biomphalaria
pertencentes ao Complexo Tenagophila. Em verde (■) Biomphalaria
tenagophila; em amarelo (■) Biomphalaria occidentalis; em cinza (■) a
subespécie Biomphalaria tenagophila guaibensis.
40
4.3. Análise da variabilidade genética das espécies do Grupo
Hospedeiras Naturais
Foram analisadas 52 seqüências de DNA de caramujos do gênero
Biomphalaria que compõem o grupo responsável pela transmissão do
S.mansoni no Brasil. As 41 seqüêncas de DNA de B. tenagophila descritas
anteriormente (tópico 4.1); mais sete amostras de DNA de B. straminea,
sendo uma amostra do município de Araraquara e seis amostras de
Presidente Prudente; mais quatro amostras de DNA de B. glabrata, sendo
duas do município de Esteio, situado no estado do Rio Grande do Sul e duas
amostras do município de Ourinhos, estado de São Paulo.
As seqüências de DNA do gene mitocondrial COI alinhadas
apresentaram 550 pares de base (pb), 83 sítios de nucleotídeos foram
variáveis (S) e quinze haplótipos (H) com 70% de diversidade haplotípica
(Hd) (tabela 9).
Os valores de diversidade genética de B. tenagophila foram descritos
anteriormente (tópico 4.1). Biomphalaria straminea apresentou oito sítios de
nucleotídeos variáveis (S) e três haplótipos (H) distintos, resultando em 71%
de diversidade haplotípica (Hd). Biomphalaria glabrata apresentou dezesseis
sítios de nucleotídeos variáveis (S) e quatro haplótipos (H) distintos,
resultando em 83% de diversidade haplotípica (Hd). (tabela 9).
41
Tabela 9: Diversidade genética do grupo de espécies hospedeiras naturais.
População
N
H
S
K
Hd
Π
Hospedeiras Naturais
52
15
83
19,881
0,705 ± 0,069
0,0361 ± 0,0060
B. tenagophila
41
9
21
4,439
0,532 ± 0,093
0,0080 ± 0,0012
B. straminea
7
3
8
3,428
0,714 ± 0,127
0,0062 ± 0,0015
B. glabrata
4
3
16
10,000
0,833 ± 0,222
0,0181 ± 0,0052
N= Número de seqüências, H= Número de haplótipos; S= Número de sítios variáveis; K= Número médio de
diferenças nucleotídicas; Hd= Diversidade haplotípica; Π= Diversidade nucleotídica.
A matriz de distância genética, que indica valores de proximidade
evolutiva entre espécies, foi calculada no software MEGA e apresentou
valores entre 89% e 95% para as espécies do grupo Hospedeiras Naturais
(tabela 10).
Tabela 10: Matriz de distância genética entre espécies do Complexo
Tenagophila.
Espécie
B. tenagophila
B. straminea
B. glabrata
B. tenagophila
-
-
-
B. straminea
0,0892
-
-
B. glabrata
0,0936
0,0955
-
Foram geradas árvores filogenéticas pelo método de Neighbor-Joining
(NJ), calculada pelo modelo evolutivo Kimura 2 parâmetros (K2p) e pelo
método de análise Bayesiana, calculada pelo modelo General Time
Reversible + I (GTR + I). As topologias resultantes são congruentes e
apresentam três grupos filogenéticos distintos (figura 20).
42
A
B
Figura 20: Cladogramas obtidos a partir de análise Bayesiana (A) e análise
Neighbor-Joining – NJ (B) composto por caramujos do gênero Biomphalaria
pertencentes ao grupo de espécies hospedeiras naturais, responsáveis pela
transmissão da esquistossomose mansônica no Brasil. Em verde (■)
Biomphalaria tenagophila; em azul (■) Biomphalaria straminea; em vermelho
(■) Biomphalaria glabrata.
43
4.4. Análise da variabilidade genética de quatro espécies e uma
subespécie do gênero Biomphalaria
Foram
analisadas
62
seqüências
de
caramujos
do
gênero
Biomphalaria que após alinhamento e edição apresentaram 550 pares de
base (pb), 94 sítios de nucleotídeos variáveis (S) e dezenove haplótipos (H)
com 78% de diversidade haplotípica (Hd) (tabela 11). As informações
referentes às espécies, sua origem, e cálculos de diversidade genética foram
descritas anteriormente (tópicos 4.1, 4.2 e 4.3).
Tabela 11: Diversidade genética calculada para populações de Biomphalaria.
População
N
H
S
K
Hd
Π
Biomphalaria
62
19
94
22,868
0,785 ± 0,052
0,0416 ± 0,0049
B. tenagophila
41
9
21
4,439
0,532 ± 0,093
0,0080 ± 0,0012
B. glabrata
4
3
16
10,000
0,833 ± 0,222
0,0181 ± 0,0052
B. straminea
7
3
8
3,428
0,714 ± 0,127
0,0062 ± 0,0015
B. occidentalis
8
3
2
0,500
0,464 ± 0,200
0,0009 ± 0,0004
2
1
0
0,000
0,000 ± 0,000
0,0000 ± 0,0000
B. tenagophila
guaibensis
N= Número de seqüências, H= Número de haplótipos; S= Número de sítios variáveis; K=
Número médio de diferenças nucleotídicas; Hd= Diversidade haplotípica; Π= Diversidade
nucleotídica.
A matriz de distância genética, que indica valores de proximidade
evolutiva entre espécies, foi calculada no software MEGA e apresentou
valores entre 35% e 95% para as espécies e subespécie do gênero
Biomphalaria estudadas (tabela 12).
44
Tabela 12: Matriz de distância genética entre espécies do Gênero Biomphalaria.
Espécies
B.tenagophila B.glabrata B.straminea B.occidentalis
B.tenagophila
guaibensis
B.tenagophila
-
-
-
-
-
B.glabrata
0,0936
-
-
-
-
B.straminea
0,0892
0,0955
-
-
-
B.occidentalis
0,0543
0,0949
0,0918
-
-
0,0435
0,0902
0,0837
0,0358
-
B.tenagophila
guaibensis
Foram geradas árvores filogenéticas pelo método de Neighbor-Joining
(NJ), calculada pelo modelo evolutivo Kimura 2 parâmetros (K2p); e pelo
método de análise Bayesiana, calculada pelo modelo General Time
Reversible + G (GTR + G). As topologias resultantes são congruentes e
apresentam quatro grupos filogenéticos distintos (figura 21).
45
A
B
Figura 21: Cladogramas obtidos a partir de análise Bayesiana (A) e análise
Neighbor-Joining – NJ (B), composto por caramujos do gênero Biomphalaria.
Em verde (■) Biomphalaria tenagophila, em amarelo (■) Biomphalaria
occidentalis,
em
cinza
(■)
a
subespécie
Biomphalaria
tenagophila
guaibensis, em azul (■) Biomphalaria straminea, em vermelho (■)
Biomphalaria glabrata.
46
5 DISCUSSÃO
A fragmentação genética de B. tenagophila em populações distintas
havia
sido
anteriormente
demonstrada
a
partir
de
evidências
de
diferenciação do gene nuclear ITS-2 em escala microgeográfica (Tuan e
Santos, 2007). Ao ampliar a análise para populações de diferentes regiões,
por meio de marcador genético mitocondrial, podemos ampliar o
conhecimento sobre os mecanismos genéticos e evolutivos que permitiram a
diferenciação de grupos distintos de caramujos da espécie B. tenagophila.
Os dados obtidos a partir das análises de diversidade genética do COI
em B. tenagophila mostram que a espécie está estruturada em dois clados
geneticamente distintos, os Grupos I e II, e estão associados a diferentes
bacias hidrográficas.
De forma inesperada, foram observadas populações geneticamente
homogêneas distribuídas em bacias hidrográficas distintas (Paranapanema e
Paraíba do Sul) separadas pelo extenso e caudaloso rio Tietê que, em teoria
deveria causar interrupção significativa no fluxo gênico entre as populações.
O eixo entre as bacias hidrográficas do Paraíba do Sul e do Paranapanema
caracteriza-se por uma vasta distribuição de várzeas e campos abertos
formados a partir do final do Pleistoceno (Viadana e Cavalcanti, 2007) que
pode ter facilitado a colonização adaptativa de uma única linhagem de
B.tenagophila.
A
ausência
de
polimorfismo
genético
nas
populações
contemporâneas de caramujos de Taubaté (Paraíba do Sul) e Ourinhos
(Paranapanema) pode resultar também da colonização destes habitats por
descendentes de um reduzido número de caramujos que sobreviveram às
inúmeras e consecutivas aplicações de moluscicida químico (Baylucide ®)
que foram realizadas durante as ações do programa de controle da
esquistossomose (Tuan, 1996). A extinção local de caramujos seguida de
recolonizacão a partir de poucos indivíduos sobreviventes caracteriza um
gargalo populacional com efeitos genéticos homogeneizadores. Nestas
47
populações a prática constante da autofecundação como estratégia
reprodutiva poderia expurgar a variabilidade genética, tornando as
populações mais homogêneas entre si. Esta é uma hipótese sujeita a
comprovação suplementar.
Por outro lado foram encontradas populações com baixas, porém
significativas, taxas de heterogeneidade genética, em caramujos de
localidades vizinhas, como Juquiá e Registro dentro de mesma bacia
hidrográfica (Bacia do Ribeira do Iguape), e entre caramujos que habitam
bacias distintas, porém geograficamente próximas (Ribeira do Iguape e
Tietê).
Nas regiões do rio Tietê (Araraquara e Sorocaba) e do rio Ribeira do
Iguape (Juquiá e Registro) afloram inúmeros pequenos habitats fluviais
independentes encravados entre a Serra do Mar e o oceano Atlântico que
podem ter permitido o isolamento e a diferenciação destas populações das
demais populações de B. tenagophila analisadas neste estudo. Outro
aspecto importante: o rio Ribeira do Iguape localiza-se num dos mais ricos
biomas originais do planeta.
A possibilidade destas populações apresentarem um nível de
polimorfismo associado à preservação de características ancestrais da
espécie B. tenagophila, é uma hipótese a ser considerada. A análise da rede
de haplótipos mostra que as seqüências ancestrais (aquelas com maior
número de ramos conectados entre si) pertencem às localidades de
Sorocaba e Juquiá, do Grupo II.
Sendo assim, supõe-se que as regiões do Ribeira do Iguape e baixo
Tiete são populações que integram um corredor natural (hot spot) de
variabilidade da espécie B. tenagophila. Os resultados filogenéticos apóiam
esta hipótese, pois as seqüências de B. tenagophila do Grupo II estão numa
posição basal (ancestral) em relação ao Grupo I.
Os
resultados
reprodutivos
quantificados
em
populações
de
caramujos de Tremembé, município situado às margens do rio Paraíba do
Sul, indicaram que os caramujos desta população são significativamente
mais homogêneos entre si do que os caramujos de uma população de
48
Sorocaba que apresentaram índices reprodutivos mais heterogêneos
(Guimarães, 2008). Os caramujos originários dos municípios de Taubaté e
Sorocaba foram coletados em ecótopos diferentes: em Taubaté os
caramujos habitavam valas de irrigação sujeitas à secas periódicas e em
Sorocaba os caramujos foram coletados em uma lagoa no perímetro urbano.
A análise molecular do gene mitocondrial COI destas amostras mostram o
mesmo padrão descrito por Guimarães (2008), ou seja, homogeneidade
genética
em
Taubaté
(bacia
hidrográfica
do
Paraíba
do
Sul)
e
heterogeneidade genética em Sorocaba (bacia hidrográfica do Tietê).
Em relação à esquistossomose é preciso associar cautelosamente as
características genéticas e evolutivas dos caramujos ao padrão da dinâmica
epidemiológica da doença que foi introduzida no estado de São Paulo no
século XVIII e disseminada em função dos processos de agricultura e
urbanização (Silva, 1985). Primeiro porque a distribuição da B.tenagophila
no estado de São Paulo é maior do que a distribuição da doença. Segundo
porque não há ainda evidências experimentais relacionando as diferenças
genéticas identificadas neste trabalho e o grau de infecção do hospedeiro
pelo S. mansoni.
As seqüências de nucleotídeos de uma fração do gene COI são
utilizadas com confiabilidade na identificação molecular de espécies
taxonomicamente definidas ou ainda na identificação de novas espécies
(Hebert et al., 2003). O protocolo básico para a amplificação do gene COI é
fácil e direto e o resultado elimina a possibilidade de análises subjetivas
sobre o status taxonômico das espécies. Essas são facilidades que
estimulam a construção de um banco de dados moleculares de caramujos
que pode ter valor significativo para a análise epidemiológica da
esquistossomose.
Os dados obtidos a partir da diversidade e distância genética
encontrada entre as espécies que compõem o Complexo Tenagophila
revelaram maior relação evolutiva entre B. tenagophila guaibensis com a
espécie B. occidentalis do que com B. tenagophila. Trabalhos anteriores
mostram a mesma relação de similaridade entre os dois taxa (Spatz,1999,
49
Vidigal et al., 2004; Tuan e Santos, 2007). As inferências filogenéticas
mostram que B. tenagophila guaibensis é grupo irmão de B. occidentalis.
Uma vez que não há na literatura descrição de resultados de testes
de cruzamento entre a espécie nominal e a subespécie, uma revisão
morfológica das três espécies, acrescida de análise molecular pode tornar
mais clara a relação evolutiva entre B. tenagophila, B. occidentalis e a
subespécie B. tenagophila guaibensis.
Em relação aos resultados de sequências de COI de diferentes
espécies do gênero Biomphalaria, foi observado congruência total entre os
dados moleculares e a análise morfológica das espécies.
Do ponto de vista filogenético, pode-se afirmar que os marcadores
moleculares podem ser utilizados com segurança para a discriminação, tanto
de espécies distantes quanto para complexos de espécies próximas. O gene
COI é, portanto uma ferramenta molecular eficaz em estudos taxonômicos e
pode ser utilizada com seguranca na vigilância malacológica.
50
6 CONCLUSÕES
Populações de Biomphalaria tenagophila do estado de São Paulo
estão fragmentadas em dois grupos distintos geneticamente divididos por
bacias hidrográficas.
As populações de B. tenagophila dos municípios das bacias
hidrográficas dos rios Paranapanema e Paraíba do Sul são geneticamente
homogêneas, ainda que separadas geograficamente. Historicamente,
municípios pertencentes a essas bacias hidrográficas apresentam quadro de
elevada transmissão da esquistossomose. As coleções hídricas sofreram
sucessivas aplicações de moluscicidas na tentativa de controle de
caramujos, acarretando em afunilamentos das populações de moluscos.
Como estratégia de sobrevivência, a autofecundação poderia ter prevalecido
nessas populações sobreviventes, reduzindo a variabilidade genética do
gene mitocondrial de origem maternal (COI).
As populações de B. tenagophila dos municípios das bacias
hidrográficas dos rios Tietê e Ribeira do Iguape são geneticamente
heterogêneas. Pode-se associar essa heterogeneidade à conservação da
variabilidade genética natural da espécie, uma vez que os municípios dessas
bacias hidrográficas sofreram menor intervenção de medidas de controle de
caramujos,
pois
apresentavam
quadro
de
baixa
transmissão
da
esquistossomose em comparação aos municípios das bacias hidrográficas
dos rios Paranapanema e Paraíba do Sul.
Para as espécies B. tenagophila, B. occidentalis e B. tenagophila
guaibensis, componentes do Complexo Tenagophila, sugere-se uma
reavaliação taxonômica das espécies do grupo agregando aos estudos
morfológicos, os aspectos genéticos e moleculares
51
Por fim, conclui-se que o sistema de identificação genômica, baseado
na diversidade de uma fração da seqüência da subunidade 1 do gene
mitocondrial citocromo oxidase (COI), mostrou resultados confiáveis na
discriminação de espécies de caramujos do gênero Biomphalaria e pode ser
utilizado como referência molecular de espécies, apresentando os prérequisitos necessários para integrar qualquer programa de identificação de
caramujos relacionados com a esquistossomose, conforme preconizado pelo
Projeto Bar Coding of Life.
52
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