Rio, 31.10.2011 Ernane Galvêas A SAGA DO PIB O PIB nacional cresceu 4,3% em 2000 e caiu para 1,3% em 2001 (crise americana e apagão elétrico no Brasil); em 2002, estagnou em 2,7%, face ao “terrorismo eleitoral”, caindo para 1,1% em 2003, primeiro ano do Governo Lula. Em 2004, inicia-se um período de expansão (média de 4,8% de 2004/2008), apoiado na alta dos preços das commodities de exportação, mas a crise americana derruba o PIB brasileiro a -0,9% em 2009. Medidas anticíclicas promovem uma retomada artificial de 7,5% em 2010, de fôlego curto, diante do crônico déficit público, da pesada carga tributária, dos juros altos, da ineficiente infraestrutura e, especialmente, a custosa burocracia e a corrupção vergonhosa. O Governo perdeu o controle sobre os desvios de verbas e a corrupção nos Ministérios. acima de 3%, nos próximos três a cinco anos. INFLAÇÃO CONSIDERAÇÕES GERAIS De uma maneira resumida, podemos dizer que há cinco tipos de inflação endêmica, no Brasil: 1) a inflação de salários; 2) a inflação de oferta ou choque de oferta, interna e externa; 3) a inflação de crédito; 4) a inflação originaria do déficit orçamentário do Governo; e 5) a inflação originária da desvalorização cambial. Em resumo, seria inflação de custos e inflação de demanda. De outra forma, podemos classificar três outros tipos de inflação: 1) a inflação social, que seria resultante de uma disputa entre os fatores (trabalhadores, empresários, Governo, etc) para apropriar-se de uma parcela maior do PIB; 2) a inflação estrutural, cepalina, derivada do processo de urbanização, com redução da produção rural e expansão do consumo urbano de alimentos; e 3) a inflação provocada por um sistema generalizado de indexação, no qual ocorre a correção monetária automática dos salários, da taxa de câmbio, dos serviços públicos, dos aluguéis, etc. Atualmente, a economia brasileira está limitada pela crise nos Estados Unidos e na Europa, mas ainda se sustenta na 1) demanda da China pelas commodities de exportação, 2) nos projetos turísticos da Copa 2014 e Olimpíada 2016 e 3) na euforia do PréSal, responsável pela maior parte dos investimentos atuais. Com isso, vamos ter um crescimento do PIB, em 2011, em torno de 3%, com expectativa de repetir-se em 2012 e talvez até cair um pouco mais, se a crise mundial se prolongar. A inflação agrava as expectativas e as pressões salariais aumentam as incertezas, a partir de 2012, ano de eleições. Ao que tudo indica, a economia brasileira não oferece perspectivas de crescimento -1- Acrescente-se a isso, resumindo, o que genericamente chamamos de inflação derivada de um excesso de demanda agregada sobre a oferta global de bens e serviços. Pode ser uma inflação de consumo, de investimentos públicos e privados, gastos governamentais ou de excesso de renda das exportações sobre as importações. Concebe-se a inflação, neste caso, como um desequilíbrio entre a demanda agregada e a oferta global, desequilíbrio esse que vai gerar uma pressão de alta dos preços. Dinamicamente, pode-se imaginar uma pressão de demanda exante, que o aumento de preços tende a nivelar ex-post. Algebricamente, C+ I+ G+ (X-M) > PIB. contra isso, usando a taxa de juros Selic? Que papel desempenham as expectativas, em relação à inflação? Quando o Banco Central eleva preventivamente a taxa Selic, o mercado reage reduzindo o consumo e os investimentos e aumentando as aplicações financeiras ou, pelo contrário, acelera os gastos, antes que os preços subam? A elevação da taxa Selic reduz a pressão dos gastos do Governo ou aumenta os gastos pelo impacto dos juros sobre a dívida pública? O Brasil, seguramente, tem mais de 300 anos de experiência inflacionária e podemos afirmar que os tipos mais difíceis de serem combatidos são a inércia inflacionária e a inflação de salários. A pior de todas as inflações é a de salários, porque esta só se combate com o desemprego. O que revelam as estatísticas, em termos de correlação entre a taxa Selic e a inflação? Veja o quadro anexo. Arthur Lewis, o famoso economista negro da Jamaica dizia que os países pobres tendem a conviver com um estado permanente de inflação, à medida em que, influenciados pelo efeito demonstração, passam a imitar os hábitos de consumo mais altos dos países ricos e que um aumento geral de preços se consolida e contamina os demais, quando passa para os salários. Esse é o risco que a economia brasileira vai correr em 2012. CONJUNTURA INTERNACIONAL A crise mundial se desdobra em três quadros: crise econômicofinanceira, crise fiscal e crise de confiança. Na Europa, assim como nos Estados Unidos, os bancos insolventes transferiram grande parte de seus problemas para os Governos. Agora, os bancos não têm recursos nem disposição para conceder novos créditos e os Governos não têm recursos para investir. Configura-se uma situação que aponta para a recessão. Pode-se afirmar que, em princípio, a resposta da atual política monetária não corresponde ao diagnóstico da inflação. Se a inflação resulta de uma alta do preço do petróleo, do minério de ferro, da soja e de outras commodities, qual o efeito da Selic? E se a pressão inflacionária resulta do forte reajuste dos salários ou do déficit público? A expansão das exportações da China permite o crescimento das importações de matérias primas e alimentos, que sustentam a economia do Oriente Médio e da América Latina. Há consenso entre os economistas que a expansão do crédito é um dos fatores mais responsáveis pela tendência inflacionária. O Governo é o maior responsável pela expansão dos empréstimos do BNDES, da CEF e do BB. O que pode o Banco Central fazer Até outubro, as exportações brasileiras aumentaram US$ 41 bilhões. Considerando um multiplicador igual a 5, e descontadas as importações, as exportações produziram um aumento do 2 de móveis e eletrodomésticos a alta foi de 18,1%, enquanto nos supermercados houve crescimento de 3%. PIB de pelo menos US$ 100 bilhões (5%). Se as exportações brasileiras caírem, o reflexo sobre o PIB será imediato, o que significa que há uma direta dependência da continuidade de expansão da China. Além da China, como vimos, duas outras forças sustentam a economia brasileira: os investimentos ligados à Copa 2014 e às Olimpíadas 2016 e os investimentos do Pré-Sal. Os desembarques em voos nacionais cresceram 18,7% nos nove meses de 2011, até setembro. Segundo pesquisa da CNC (IFC), a intenção de consumo, em outubro, teve crescimento de 0,7%. O número de famílias com dívidas caiu ligeiramente, assim como dos que tem dívidas em atraso. Segundo a Fecomércio-SP, o índice de confiança dos empresários caiu em outubro. ATIVIDADES ECONÔMICAS Indústria Há sinais de desaceleração na indústria nacional. Em setembro, o indicador de confiança ficou abaixo de agosto/09 e em outubro, voltou a cair. A venda de veículos caiu 4,9% em setembro, mas na 1ª quinzena de outubro subiu 0,18%. A produção de aço bruto cresceu 3,6% em setembro e 7,3% no ano, enquanto o faturamento da indústria de máquinas e equipamentos cresceu 1,5% e 10,2%, respectivamente. Em relação a julho, a inadimplência das empresas aumentou 1,9% em agosto, enquanto o número de cheques devolvidos foi menor (-1,9%) que agosto/10 (Serasa). O Banco Central informou que o atraso das pessoas físicas, em pagamentos superiores a 90 dias, ficou estável em setembro (5,3%). A previsão da CNC é que o comércio vai crescer 6%, neste ano. Os estoques industriais estão altos, em nível igual aos de 2009. O consumo de energia elétrica atingiu crescimento de 4,2% em setembro, com destaque para o comércio (+8,1%) e residências (+6,4%). Segundo a FIESP, o índice de confiança na indústria paulista ficou praticamente estável em outubro (48,6). Agricultura A área de cana de açúcar plantada na safra atual 2011/2012 cresceu apenas 0,7%, no Centro-Sul. A safra brasileira de café 2012/2013 deverá aumentar para 55 milhões de sacas, contra 43,4 milhões na safra corrente. A expectativa da indústria é crescer 2% em 2011. Os preços dos produtos agropecuários, que cresceram 1,3% em setembro, caíram em outubro, com elevação de apenas 0,07% na 2ª prévia do IGP-M/FGV. Comércio Igual que a indústria, as vendas do comércio ampliado caíram 0,4% em agosto e voltaram a cair em setembro. No acumulado de oito meses, as vendas aumentaram 8,4%, sendo que no setor 3 Mercado de Trabalho meses. Segundo a Serasa, a demanda de crédito caiu 6,7% em setembro ante agosto. Segundo o IBGE, o mercado de trabalho permaneceu estável em setembro, com nível de desemprego de 6,0%. Com a indústria e o comércio dispensando 109 mil empregados em setembro, o rendimento médio real caiu 1,8%. Os recolhimentos compulsórios chegaram a R$ 434.7 bilhões, R$ 39,5 bilhões acima de dezembro/10. O CMN está estimulando os bancos a captarem mais recursos (?) com letras financeiras, cujo saldo já atingiu R$ 120 bilhões. O FGC- Fundo Garantidor de Créditos, criado para garantir os depositantes, já emprestou R$ 8,5 bilhões aos próprios bancos, para cobrir déficits patrimoniais. Não dá para entender essa política monetária. Em agosto, a construção civil contratou mais 38.770 trabalhadores, acumulando no ano alta de 9,4%. Para o DIEESE, a taxa de desemprego ficou em 10,6% em setembro, praticamente igual a agosto (10,9%), com queda de 1,8% no rendimento real. O nível de ocupação na indústria subiu 2,5% de agosto para setembro. A CEF financiou imóveis com recursos do FGTS, recebendo títulos hipotecários. Em seguida, com lastro nessas hipotecas, voltou ao mercado arrecadando mais recursos com os CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários). Agora, está vendendo esses CRI para o FGTS. Pode? Lógico que pode. Foi isso que fez o Banco Lehman Brothers. Em setembro, segundo o Caged, o saldo positivo entre demitidos (1,553 milhão) e admitidos (1,763 milhão) ficou em 210 mil novos empregos com carteira assinada, 8,8% acima de agosto e 15,3% abaixo de setembro/10. No ano, foram criados 1,805 milhão de empregos. Inflação A crise mundial começa a se refletir no mercado de trabalho do Brasil. Nos últimos seis meses, segundo O Globo, os setores siderúrgico e têxtil de Minas Gerais fecharam 1.890 vagas. No setor automobilístico, mais de 5.000 trabalhadores estão em férias coletivas. Correm o risco de desaparecer 35 mil postos, nos setores vestuário e autopeças, nos próximos três meses. O IPCA/IBGE, Índice da Inflação Oficial, subiu 0,42% em outubro, ante 0,53% em setembro. O IGP-M/FGV ficou em 0,53% em outubro, após 0,65% em setembro. No acumulado em 12 meses, caiu de 7,46% em setembro para 6,95% em outubro. Poderá fechar o ano em 5,4%, contra 11,3% em 2010. Setor Financeiro Em cenário de baixo desempenho das economias americana e europeia, é provável a queda nos preços das commodities. Em final de outubro, caíram fortemente as cotações do trigo, milho, soja e algodão. O minério de As operações de crédito do sistema financeiro atingiram 1.929,3 bilhões (48,4%) do PIB), com aumento de 2,1% em setembro, 5,1% no trimestre, 13,1% no ano e 19,6% em 12 4 ferro foi cotado em US$ 128,5, o menor preço em 13 meses. O preço do petróleo continua ligeiramente acima de US$ 90/barril, na Bolsa de New York. Em setembro, a dívida pública mobiliária subiu 1,8%, atingindo R$ 1.723 bilhões. Encargo dos juros: R$ 17,7 bilhões, no mês (!). A carga tributária deve fechar o ano em 36,5% (José Roberto Afonso). Segundo a Fecomércio-SP, o custo de vida na capital paulista subiu 0,26%, em setembro sobre agosto. Bom sinal. Foi por esse caminho que a Grécia construiu a sua “prosperidade”. Setor Público Setor Externo A arrecadação de tributos federais vai chegando ao limite: em setembro, cresceu 7,5% em relação a setembro/10. No ano, as despesas de pessoal subiram 9,8% e as de custeio 10%, enquanto os gastos com investimentos caíram 2,7%. O ritmo de expansão das exportações brasileiras ainda não deu sinal de desaceleração e no acumulado até setembro registra alta de 31,1%, enquanto as importações crescem a 26,3%. A expansão das exportações é generalizada: mais 45,9% para a China, +32,5% para os Estados Unidos, +31,5% para a Argentina. Mas é grande a possibilidade de queda dos preços das commodities de exportação. A administração fiscal está baratinada. O Governo autorizou 10 Estados a aumentarem suas dívidas em R$ 15,7 bilhões, na contramão da Lei de Responsabilidade Fiscal. A Câmara dos Deputados aprovou projeto criando 1.853 novos cargos no Executivo, sendo mais 400 vagas de diplomatas e 893 cargos de oficial de chancelaria. A mesma Câmara, com total desprezo à austeridade, vai construir mais cinco andares ao lado do Anexo 3, ao custo de R$ 314,7 milhões, e mais R$ 44,7 milhões para reforma de apartamentos funcionais. O Congresso está para aprovar a criação de mais 7.290 cargos de vereadores, em todo o País. O saldo da balança comercial chegou a US$ 23,0 bilhões; em contrapartida, a conta Serviços foi negativa em US$ 27,8 bilhões e a conta Rendas negativa em US$ 33,4 bilhões. Sinal amarelo: saldo negativo de Transações Correntes US$ 36,0 bilhões, aumento das Reservas US$ 61,1 bilhões e da Dívida Externa US$ 50,5 bilhões. Até setembro, o Passivo Externo (dívida+investimentos) aumentou US$ 27,7 bilhões. Enquanto o Ministro da Previdência Social defende a extinção do “fator previdenciário” e o reajuste das aposentadorias acima da inflação (80% do PIB), o INSS registrou um rombo de R$ 9,4 bilhões, em setembro. No cenário internacional, o drama da Grécia se parece com a peça teatral de Samuel Beckett (1952), “Esperando Godot”, um personagem que nunca chega. Talvez amanhã... Enquanto isso, o mundo que se dane. Boas notícias: houve acordo na UE para reduzir em 50% a dívida soberana da Grécia com os bancos europeus: o problema, agora, é a perspectiva de contaminação de Portugal, Espanha e E ainda existe uma forte pressão do Poder Judiciário para reajustar os salários de seu quadro de pessoal, mais R$ 7 bilhões por ano. 5 Itália. O Fundo Europeu de Resgate foi elevado a 1 trilhão. Certo: nenhum grande banco europeu vai quebrar. As exportações americanas expandiram 16,7% em 2010 e continuam expandindo 18,2% em 2011. A desvalorização do dólar está dando certo e, lentamente, a economia vai saindo da crise (PIB+2,5%) pela via das exportações, embora continue importando 50% a mais do que exporta. Na Ásia, tudo indica que a China cresce acima de 9% e vai continuar crescendo com força, nos próximos 5 a 10 anos. É a China que dá o tom da situação econômica do Brasil, sem perspectiva de crise. 6