A hipótese de estagnação secular

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A hipótese de estagnação secular
05/09/2014
Por Armando Castelar Pinheiro
Lembro-me ainda da palestra de Bob
Lucas no encontro da Anpec de 1994, em
Florianópolis: para ele, a política
monetária nas economias avançadas
atingira tal grau de sofisticação que a
discussão de ciclos econômicos perdera
interesse. Restava apenas estudar os
determinantes
do
crescimento
econômico de longo prazo.
Como as coisas mudaram! Nunca se
inovou tanto em política monetária como nos últimos cinco anos. E, ainda assim,
com sérias dúvidas sobre o sucesso do afrouxamento quantitativo, cuja eficácia nos
EUA ainda é uma questão em aberto. O que não impediu o Japão de abraçá-lo com
força e o Banco Central Europeu de já ter decidido seguir na mesma linha.
É nesse contexto que surge a hipótese de que os países ricos teriam entrado em uma
fase de estagnação secular, o que transformaria em permanentes os desafios ora
postos à política monetária. No Ibre temos debatido bastante essa hipótese, sob a
instigação intelectual de José Júlio Senna.
Essa discussão se tornou mais fácil com a publicação de um e-book sobre o tema,
organizado por Coen Teulings e Richard Baldwin (www.bit.ly/SecStag14). Nele não
há um, mas três argumentos sustentando a hipótese da estagnação secular. Todos
concluem que as taxas de juros de longo prazo caíram e vão ficar baixas devido a
fatores estruturais. Ilustra-se esse ponto com a queda dessas taxas desde os anos
1980, bem como pelas baixas taxas de juros a termo (por exemplo, taxas de 10 anos
de daqui a uma década).
A expressão estagnação secular foi cunhada por Alvin Hansen nos anos 1930 e
resgatada por Lawrence Summers para caracterizar uma situação em que as
propensões a investir e a consumir são tão baixas que só é possível atingir o pleno
emprego com taxas de juros reais negativas. Nesse quadro, propõe Summers, "pode
ser impossível para uma economia atingir o pleno emprego, crescimento
satisfatório, e estabilidade financeira simultaneamente simplesmente por meio da
execução convencional da política monetária".
Fatores demográficos, a queda do preço dos bens de investimento, o aumento da
desigualdade e do peso da regulação financeira, assim como o acúmulo de reservas
internacionais pelos emergentes seriam motivos para a instalação desse quadro nos
países ricos.
Robert Gordon dá uma interpretação distinta para a estagnação secular: foi o
potencial de crescimento sustentado dos EUA (e, com mais razão, da Europa) que
desabou. O ponto principal é que o aumento das horas trabalhadas por habitante
caiu muito: depois de contribuir com 0,4 ponto percentual (pp) para o crescimento
entre 1972 e 1996, esse passou a cair e em 2007-14 subtraiu 0,8 pp do aumento
anual da renda per capita. Para Gordon, a preocupação de Lawrence Summers não
faz sentido. Diz ele: "É quase obsoleta, porque o hiato (entre o PIB efetivo e o
potencial) está encolhendo consistentemente".
Já para Ricardo Caballero e Emmanuel Farhi, as baixas taxas de juros reais se
explicam pela escassez de ativos de baixo risco. Isto resultaria, de um lado, da forte
alta na demanda por esses papéis, por conta de novas regulações adotadas em
reação à crise; de outro, da sua menor oferta, pela deterioração das finanças
públicas nas economias avançadas.
Tenho resistido a aceitar a hipótese de estagnação secular e o livro citado em nada
reduziu meu ceticismo. A propalada queda "secular" dos juros não se sustenta
quando se recua antes dos anos 1980, época em que várias economias avançadas
subiram fortemente os juros para reduzir a inflação, ou quando se considera que na
década de 1990 os juros foram mantidos baixos por conta do efeito deflacionário
das exportações chinesas. Duvido também que as taxas de juro a termo estivessem
tão baixas sem as massivas intervenções públicas no mercado de títulos: a busca
por retorno levou os investidores a assumir mais riscos, inclusive o de duração
(duration).
Adicionalmente, a análise é toda construída em um contexto de economia fechada,
ignorando que existe o "resto do mundo". Não há quase qualquer menção à taxa de
câmbio e à possibilidade de crescer exportando para economias mais dinâmicas. Ou
que a taxa de juros longa em uma economia financeiramente integrada deve ser
determinada pelos fluxos globais de poupança e investimento. Os papéis do
comércio internacional, dos fluxos de capital e da migração internacional são
virtualmente ignorados.
Outro problema com a hipótese de estagnação secular é que há outros instrumentos
de política econômica, que não a política monetária, que podem estimular a
demanda e acelerar o crescimento da oferta. Vários deles são citados no livro.
Finalmente, falta evidência empírica dando suporte à hipótese de estagnação
secular, pelo menos em nível global, como mostra o capítulo de Barry Eichengreen
no livro citado.
A hipótese de estagnação secular é, por enquanto, apenas isso: uma hipótese. E
como tal foi colocada, para ser debatida e testada com dados e argumentos. Pode
sumir do debate, mas pode provocar análises por muito tempo.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do
Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ. twitter: @ACastelar. Escreve
mensalmente às sextas-feiras.
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