cineclube - Grupo Estação

Propaganda
1975 Dahana Aranja (O Intermediário)
1976 Jana Aranya
Bala (curta-metragem)
1977 Shatranj Ke Khiladi (Os Jogadores
do Fracasso)
1978 Joi Baba Felunath (Viva o Sr.
Felunath)
1980 Heerak Rajar Deshe (O Reino dos
Diamantes)
1981 Sadgati
Pikoor Diary (curta-metragem)
1984 Ghare-Baire (A Casa e o Mundo)
1987 Sukumar Ray
1989 Ganashatru (O Inimigo do Povo)
1990 Shakha Proshakha (Os Galhos da
Árvore)
1991 Agantuk (O Estranho)
sessão cineclube
próximas sessões
Mediação do Debate:
Eduardo Valente e Ruy Gardnier.
11/ago
ROMA, CIDADE ABERTA
de Roberto Rossellini
Programação e Produção:
Grupo Estação e Contracampo.
25/ago
DESTINOS SENTIMENTAIS
de Olivier Assayas
colaboração
www.estacaovirtual.com
www.contracampo.com.br
sessão
cineclube
4 de Agosto de 2004 - Ano II – Edição nº 60
OS GALHOS DA ÁRVORE
de Satyajit Ray
SI N O P S E
realização
apresenta
Ananda Majumdar, um industrial rico e aposentado, é
golpeado por uma doença durante a cerimônia de seu
septuagésimo aniversário. Seus três filhos correm pra
seu leito e lá encontram Prasahnto, filho que vive com
seu pai. Prasahnto gasta seu tempo ouvindo música e é
considerado o fracasso da família. Os dois filhos mais
velhos têm vidas corruptas e não querem que seu pai,
que acredita no trabalho e na honestidade, descubra. O
mais novo dos quatro filhos, cansado da vida do
escritório, sonha em se tornar um ator. Um piquenique
acentua as tensões.
FI CH A TÉC N ICA
Satyajit Ray (1921-1992)
FILMOGRAFIA
1955 Pather Panchali (A Canção da
Estrada)
1957 Aparajito (O Invencível)
1958 Parash Pathar (A Pedra Filosofal)
Jalsaghar (A Sala de Música)
1959 Apur Sansar (O Mundo de Apur)
1960 Devi (A Deusa)
1961 Teen Kanya (Três Mulheres)
Rabindranath Tagore
1962 Kanchenjungha
Abhijaan (A Expedição)
1963 Mahanagar (A Grande Cidade)
1964 Charulata (A Esposa Solitária)
1965 Two (curta-metragem)
Mahapurush (O Santo)
Kapurush (O Covarde)
1966 Nayak (O Herói)
1967 Chiriyakhana (O Zoo)
1968 Goopy Gyne Bagha Byne (Goopi o
Cantor, Bagha o Tocador de
Tambor)
1970 Aranyer Din Ratri (Dias e Noites na
Floresta)
1971 Sikkim
Seemabaddha (Companhia
Limitada)
1972 Pratidwandi (O Adversário)
The Inner Eye (curta-metragem)
1973 Ashani Sanket (Trovão Distante)
1974 Sonar Kella (A Fortaleza de Ouro)
Shakha Proshakha –
Índia/França/Inglaterra, 1990, cor, 130'
Direção, Roteiro e Trilha Sonora:
Satyajit Ray Fotografia: Barun Raha
Montagem: Dulal Dutta
Produção: Gérard Depardieu e Daniel
Toscan du Plantier
Elenco: Ajit Bannerjee (Ananda
Majumdar), Haradhan Bannerjee
(Probodh), Soumitra Chatterjee
(Prasahnto), Depankar De (Probir),
Ranjit Mullik (Protap), Lily Chakravarty
(Uma), Mamata Shankar (Tapati).
Os Galhos da Árvore, penúltimo filme de Satyajit Ray, é verdadeiro libelo pela ética e
pela moral, abaladas pela corrupção da sociedade moderna. A partir do microcosmo
das relações familiares, o cineasta indiano, através de movimentos de câmera
complexos, rigorosos e elegantes, mergulha tanto na história de seu país, quanto nas
alterações globais trazidas pelo fim do socialismo e da Guerra Fria.
Filho de eminente escritor bengali, de família abastada, Satyajit Ray, formado em
economia pela Universidade de Calcutá e estudante, por dois anos, de pintura e história
da arte na universidade alternativa do poeta hindu Rabindranath Tagore, começa no
cinema como assistente de direção de Jean Renoir em O Rio Sagrado (1950). Seu
primeiro longa-metragem, A Canção da Estrada (1955), ao ganhar o prêmio especial do
júri no Festival de Cannes, projeta a cinematografia indiana no Ocidente, o qual
considera Satyajit Ray – junto a Mrinal Sen e Ritwik Ghatak – o maior cineasta do país.
por Paulo Ricardo de Almeida
RECOMEÇANDO.
Porém, salvo as retrospectivas da Mostra Rio (atual Festival do Rio) em 1998 e da
Mostra São Paulo em 2000 e a recente exibição de sete de seus filmes na televisão
paga, Satyajit Ray permanece desconhecido no Brasil. Infelizmente, já que a trilogia de
Apu – A Canção da Estrada, O Invencível (1957) e O Mundo de Apu (1959) – guarda, em
virtude do diálogo que estabelece com o neo-realismo italiano, semelhanças a Rio 40
Graus (1955) de Nelson Pereira dos Santos, marco inicial do Cinema Novo. Da mesma
forma que a Couro de Gato, episódio de Joaquim Pedro de Andrade para Cinco Vezes
Favela (1962), e a Fábula (1965), de Arne Sucksdorf. Tanto na trilogia de Satyajit Ray
quanto nos filmes brasileiros citados, a tentativa de revelar a realidade social do país,
para além do cartão-postal, seja na Índia, com a vida miserável de Apu e sua família,
seja no Brasil, com as desventuras dos vendedores de amendoim em Rio 40 Graus, ou
com a necessidade do menino favelado em vender o gato de que gosta para sustentar
a família em Couro de Gato, ou com as crianças de rua que, aplicando trambiques e
engraxando sapatos, perambulam por Copacabana em Fábula.
Mesmo que integre a explosão dos cinemas novos que ocorre na década de 50 ao
redor do mundo, e cujo maior expoente é a Nouvelle Vague francesa, Satyajit Ray
pauta-se sobre as estratégicas clássico-narrativas: contador de histórias, o cineasta
indiano trabalha basicamente com os gêneros estabelecidos do cinema. Assim, A
Canção da Estrada deve ao drama social herdado da Hollywood pós-Depressão – filmes
como Beco Sem Saída (1937), de William Wyler, e Anjos de Cara Suja (1938), de Michael
Curtiz, estrelados pelos Dead End Kids –, mas filtrado pelas práticas neo-realistas
(atores não-profissionais, uso de externas, produções independentes, fora do sistema
de estúdios), em especial dos melodramáticos Vítimas da Tormenta (1946) e Ladrões de
Bicicleta (1948), ambos de Vittorio De Sica. Todavia, se Ray reaproveita os gêneros, é
porque possui a capacidade de alterná-los dentro de um mesmo filme, o que acontece
no episódico Três Mulheres (1961), baseado em contos de Tagore: enquanto a primeira
história se desenvolve a partir do melodrama social neo-realista, a segunda é
influenciada pelo cinema fantástico de Akira Kurosawa e pelo imaginário gótico
ocidental, e a terceira se mostra típica “screwball comedy” (comédia maluca), a la
Howard Hawks.
Em Os Galhos da Árvore, Satyajit Ray relê o gênero “drama familiar”, que no cinema
japonês, por exemplo, é chamado de “shomin-gueki”, e no qual se situa a fase final da
carreira de Yasujiro Ozu, de Pai e Filha (1949) a A Rotina Tem Seu Encanto (1962). No
penúltimo filme de Satyajit Ray, realizado quase exclusivamente em interiores (à
exceção da seqüência na floresta), o ataque cardíaco do patriarca Ananda Majumdar,
benfeitor da cidade que carrega seu nome, reaproxima os quatro filhos: Probodh,
diretor-geral de uma companhia; Prasahnto, o qual vive com o pai depois de acidente
que o deixou com problemas mentais; Probir, financista e jogador inveterado; e
Protap, irmão caçula que não se relaciona com os demais. Completam o quadro Uma,
que acredita cegamente no marido Probodh, Tapati – esposa de Probir que, na
verdade, ama Protap – e seu filho e, por fim, o avô senil, cujas aparições
fantasmagóricas incomodam e desconcertam a todos.
Apesar da predominância absoluta do contexto familiar e, por conseguinte, da
filmagem em interiores, Os Galhos da Árvore reflete como poucos acerca da história
da sociedade em que se passa e, mais notável ainda, sobre o
mundo que nasce com o término da Guerra Fria. Satyajit Ray,
contudo, o faz com estonteante sutileza: nos diálogos que
misturam bengali e inglês, e que remetem às conseqüências da
colonização britânica na Índia; na ascensão social do patriarca, de
operário à acionista de multinacional, demonstrando o impacto do
capitalismo na arcaica hierarquia indiana das castas; nas constantes
alusões ao fim do socialismo, sobretudo no questionamento de
Probir a Protap durante o piquenique na floresta; ou nos projetos
assistencialistas implantados por Ananda em sua cidade, que
lembram o Estado de Bem-Estar Social, emblemático do pósSegunda Guerra Mundial.
A característica fundamental da modernidade que se impõe, no
entanto, vem a ser o “dinheiro negro”, ou seja, aquele fruto da
corrupção. De modo que Satyajit Ray opõe personagens “úteis” a
“inúteis”, de acordo com a participação econômica que exercem
no meio social. De um lado, Probodh e Probir, membros ativos da
economia, mas que mantêm o elevado padrão de vida que levam
através do desvio ilícito de recursos financeiros. De outro, o
enfermo Ananda (cuja integridade nos negócios suscita
admiração), Prasahnto – que vive em realidade à parte, mergulhado
na música de Bach e Beethoven –, e Protap, que larga o emprego
bem remunerado para se tornar ator. Em Os Galhos da Árvore,
verifica-se a dialética entre o mundo atual, ambicioso e desonesto
como Probodh e Probir, mas também impotente como Prasahnto e
atormentado por dúvidas como Protap, e a sociedade que o
antecedeu, representada tanto pela ética inabalável do patriarca,
quanto pela senilidade assustadora do avô.
Trata-se, assim, de viver o presente, e não de relembrar o passado,
conforme diz Prasahnto ao pai. Não há nostalgia em Os Galhos da
Árvore, tanto que Satyajit Ray recusa sistematicamente o flashback. As informações, a respeito dos acontecimentos que
precedem à ação vista na tela, ocorrem nos diálogos, de sorte que
o cineasta, embora não abandone o campo/contracampo, utiliza-se
de intensa movimentação de câmera para, de apenas um,
enquadrar, no mesmo plano, dois ou mais personagens que
conversam. Calcado em reenquadramentos constantes, de
precisão milimétrica, Os Galhos da Árvore supera o teatro filmado,
no qual poderia cair, ao operar a passagem contínua, por
intermédio dos travellings e das panorâmicas onipresentes no
decorrer do filme, do espaço-fora-da-tela para o espaço-da-tela, e
deste novamente para o espaço em off. No único momento em
que Satyajit Ray usa o flash-back, é menos pela importância
narrativa do que pelo impacto dramático: refere-se à descoberta
que Protap faz das falcatruas de seu melhor amigo na empresa em
que trabalham, quando o irmão caçula se distancia da corrupção
para abraçar o teatro.
A arte, ao invés de mero escapismo ou ilusionismo, enquanto força
de transformação, de renovação social, pois se do tronco íntegro, o
pai, surgem galhos apodrecidos pelo contato com os novos tempos,
Probodh e Probir, dele nascem igualmente Prasahnto, cuja inocência
o torna único membro feliz da família, e Protap, capaz de distinguir
entre o certo e o errado, ou seja, de ter atitude moral. No final de Os
Galhos da Árvore, o patriarca, em desespero ao descobrir a verdade
sobre seus descendentes corruptos, é socorrido pelo filho doente:
são as mãos dadas, os dedos entrelaçados que se assemelham a uma
raiz, que apontam de volta ao início, quando há apenas esperança,
quando resta somente o porvir. Para recomeçar.
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