Leopardi e a Astronomia

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Leopardi e a Astronomia1
A. Masani
Leopardi é conhecido como um dos maiores
personagens da literatura italiana e o é
justamente, seja pelo valor da sua obra poética,
seja pelo conteúdo humano que exprime.
Acredita-se, em geral, que esta típica
personalidade manifestou-se quando ele tinha
ainda vinte anos, isto é, quando escreveu a
famosa poesia “o infinito”, mas é menos sabida
que nos anos anteriores o personagem cultivou
interesses científicos com espírito otimista e com
uma maturidade à altura da fama que o distingue
como poeta e literato.
Leopardi nasceu em 1708 e em 1813
(aos 15 anos) publicou uma “história da
astronomia da sua origem até o ano de 1811” a
qual, pela profunda erudição e competência que
demonstra, poderia ter sido escrita por um
experiente astrônomo profissional. Trata-se de
uma obra de 164 páginas nas quais são revistos
os principais argumentos que fizeram a história
desse importante capítulo da atividade cultural do
homem.
No início do século XIX a ciência tinha
ainda uma quase que exclusiva fisionomia
astronômica, compreendida a mecânica a qual,
embora percebida por Galileu essencialmente e
sentido físico terrestre, havia sido generalizada
1
no sentido decisivamente cósmico por Newton,
que dela havia feito a ciência por excelência;
havia sido assim cultivada e generalizada pelos
grandes mecanicistas do século XVIII. Tal
fisionomia
respeitava
naturalmente
a
metodologia científica galileana da qual tem
início a cisão da cultura humana em dois
aspectos distintos; humanístico-literário e
científico, mas respeitava também o fato de que a
cisão não atuou em um tempo restrito pelo que
não é para se maravilhar se, no início do século
XIX, o Iluminismo, com a defesa da Ciência,
defendia uma tese humanística bastante
significativa; portanto é compreensível que um
jovem, que se manifestará como um dos maiores
gigantes representativos da literatura mundial,
tenha cultivado, com tanta paixão no início de
sua adolescência, o estudo astronômico e o tenha
cultivado em sentido histórico, isto é no sentido
que indica o percurso cultural realizado pela
humanidade. Nos primeiros anos do século XIX
davam os primeiros passos no sentido científico
moderno a Termodinâmica e a Química, que
alargavam notavelmente os domínios de interesse
da Ciência, dando-lhe também uma fisionomia
de completeza em si própria separada, em um
certo sentido, por um direto empenho cósmico (e
Originalmente publicado em Giornale di Física, vol. XXXIX, n. 1, gennaio-marzo 1998, pp. 29-38. Agradecemos
ao Prof. Masani e ao Prof. Castagnoli, editor do Giornale di Física, pela autorização gentilmente dada para a
publicação desta tradução em Dialoghi. Tradução de Francisco Caruso.
também humanístico), mas não se pode por certo
pensar que o mundo da cultura tivesse
improvisamente se dado conta de uma tal
situação pela qual o dispor-se a escrever uma
história da Astronomia pudesse ter o significado
de escrever uma história da Ciência em geral e
em todo caso um grande capítulo da própria
cultura humana; exatamente o grandioso
desenvolvimento que a mecânica do século XVIII
havia conseguido e o reconhecimento de sua
plena
adequação
para
interpretar
a
fenomenologia cósmica só podia convalidar a
idéia de que uma história da Astronomia
constituísse um dos capítulos mais fundamentais
nos quais se espelha a história da atividade
cultural do homem.
De um tal ponto de vista achamos que
essa obra de caráter científico pode como um
todo ser considerada também de caráter literário
e soa significativo que o literato da estatura de
Leopardi a tenha levado a cabo.
É assim que o jovem Leopardi se
aproxima das coisas astronômicas no clauso da
grande e bem fornida biblioteca do pai (rico,
muito atarefado e não muito interessado na
educação direta do filho) e nela se imerge como
iniciativa autônoma, jovial entusiasmo e
empenho a altura do personagem que aparecerá
logo em toda sua grandiosa dimensão.
Aquilo que ao invés maravilha desta
iniciativa, chegando a tangenciar o estupor, é a
maturidade e completeza do tratamento dado por
um jovenzinho (ainda que bem dotado) de 15
anos, aliás, mais jovem se, como é verossímil,
esta “história” foi preparada e escrita certamente
em anos precedentes. Nela são expostos, diria de
maneira completa, os aspectos mais laboriosos e
significativos historicamente percorridos ao
longo da estrada do conhecimento da estrutura
cósmica. Além disso, o autor muito jovem usa
com desenvoltura as línguas latina, grega,
francesa e inglesa! Maravilha o formidável
empenho e engenho deste personagem
extremamente jovem o qual com esta obra dá um
testemunho, não sempre valorizado pela crítica
literária, de quanto profunda fosse a sua
dedicação ao estudo e a pesquisa exaustiva
(conduzida sem economia das próprias forças e
da própria saúde) de um referência válida a dar
um sentido à existência. Tal sentido o cerca e o
individualiza no estudo da civilização alcançada
pelo gênero humano e no reconstruir as suas
fases históricas centradas na indagação da
estrutura cósmica.
Nesse seu esforço titânico o autor está
bem longe do pessimismo que o caracterizará na
sua futura obra literária; transparece, ao
contrário, uma grande serenidade esperançosa e
também um espírito iluminista que se exprime na
grande admiração pela disciplina astronômica
confortada pelo verificado respeito reservado aos
seus cultores através dos séculos. Apresentamos,
no que se segue, alguns aspectos dessa obra para
dar uma idéia, por quanto sumária, do enorme
empenho que o autor muito jovem colocou no
estudo astronômico e do grau de conhecimento
adquirido a tal propósito.
O primeiro capítulo, dedicado à
astronomia dos povos antigos, anteriores a Tales,
fala da necessidade que tais povos tinham de
dispor de calendários capazes de guiar as
operações necessárias ao sustento e da realização
que deles havia feito os egípcios, os chineses, os
hebreus, os persas, os druidas, os árabes e os
americanos (peruanos e mexicanos). Discute,
com competência, o problema de haver o número
de dias (o ano civil solar) em fase com o sucederse das estações e de particulares fenômenos
celestes (o ano astronômico). Expõe o já
reconhecido percurso anual do Sol entre as
constelações e as 12 voltas completadas pela Lua
no mesmo período, então as 12 constelações do
Zodíaco, os 12 meses do ano e as respectivas
denominações
originadas
das
operações
específicas
que
deviam
respectivamente
caracterizar as atividades da vida. Expõe as
supostas influências astrológicas sobre as vidas
dos homens e enfatizam as oposições (às quais
não perde a ocasião de se associar plenamente) a
tais suposições com uma rica e documentada
bibliografia relativa a considerações de autores
antigos, recentes e modernos. A particularizada e
substancial documentação bibliográfica é uma
constante que caracteriza toda a obra da qual
falamos; com ela o autor estende seu raio de
interesse enquanto chama em causa autores
antigos, recentes e modernos, com os quais se
confronta demonstrando toda a sua maturidade e
competência em torno de argumentos específicos
ainda que bastante complexos.
Nas páginas finais do capitulo o autor
manifesta ainda a sua sensibilidade para com
acontecimentos literário-religiosos antigos com
uma douta e detalhada discussão, sempre
bibliograficamente citada em detalhes, sobre as
crenças nas quais a origem do mundo se mistura
com acontecimentos meteorológicos terrestres
(dilúvios) narrados em várias escrituras (e em
hieróglifos) sagradas, mas também em escritos
recentes.
O segundo capítulo é dedicado à história
da astronomia de Tales a Ptolomeu; inicia com
uma detalhada bibliografia sobre a origem de
Tales (De Mileto?, da Fenícia?), detém-se em
acontecimentos históricos (guerras) influenciados
por fenômenos astronômicos (eclipse do Sol)
sempre com referimento a quanto cita a
bibliografia e sobre as capacidades explicativas
destes por parte de Tales além de seus vários
conhecimentos astronômicos. Analogamente para
outros
personagens
da
Antigüidade
(Anaximandro, Anaxímenes, Anaxágoras etc.)
sobre suas posturas de fronte a tais fenômenos;
em particular de fronte a chuvas de pedras sobre
cuja realidade e entidade examina também o
testemunho de fenômenos análogos que se
verificaram em tempos sucessivos.
Falando do ensinamento de Xenófanes,
discute o quanto a bibliografia menciona sobre a
habitabilidade da Lua e do Sol e examina a
problematicidade geral ainda atual de tal
argumento testemunhada porque nela estão
envolvidos
nomes
ilustres
recentes
e
contemporâneos; ao mesmo tempo se coloca a
problemática do Universo ser infinito (ou não). A
tais juízos o autor contrapõe o próprio, comum
àquele de Plínio, segundo o qual, não havendo a
respeito possibilidade de experiência direta, é
inútil formar um juízo.
Refere-se pois ao interesse astronômico
de
vários
personagens
conhecidos
na
Antigüidade, como Metão do qual ilustra a
famosa descoberta do período lunissolar de 19
anos, fala dos vórtices de Leucipo (retomados por
Descartes), das esferas (25) com as quais
Eudóxio reconstruía a fenomenologia dos
movimentos celestes, de Calipso e Aristóteles, de
Demócrito (e de seus atos), de Euclides,
Eratóstenes (com a determinação da medida do
raio terrestre, então segue a das distâncias SolTerra, Terra-Lua, e das dimensões do Sol),
Aristarco, Apolônio, Arquimedes, Hiparco,
Posidônio, Júlio César (e a reforma do
calendário: três anos de 365 dias + um bissexto e
os vários comentadores acerca do “ano da
confusão” com os juízos sobre César e a
reforma); de cada um enfatiza as idéias contidas
nas fontes em latim e em grego.
Refere-se então à variada literatura
relativa à estrela cometa dos Reis Magos e dos
personagens que precederam Ptolomeu. É
interessante ressaltar que entre muitos
personagens aos quais Leopardi faz referência e
que considera dignos do máximo respeito
existem alguns para nós pouco conhecidos: a sua
falta de notoriedade poderia ser devida a uma
reconhecida escassa importância histórica, mas,
para alguém, também à incompleteza de nossa
atual análise histórica. Não se deve excluir,
portanto, que algum autor citado mereça uma
reavaliação ainda ser feita. Tal observação não
diz respeito só ao capítulo que examinamos, mas
também a todos os outros de que se compõe esta
obra leopardiana.
O terceiro capítulo (de Ptolomeu a
Copérnico) inicia com a obra de Ptolomeu
(determinação da paralaxe do Sol e da Lua,
sistema geocêntrico, precessão e catálogo das
estrelas) e com uma detalhada exposição dos seus
comentadores antigos e recentes. Entre os
diversos personagens que se ocuparam de
astronomia e dos quais Leopardi fala com ênfase
destaca-se o nome de Teon de Alexandria, de sua
filha Hipácia (e a sua trágica vicissitude) da qual
foi discípulo o bispo Sinésio. Leopardi relata as
primeiras observações históricas da luz zodiacal
datadas do início do século XV e delas delínea
uma primeira história citando as segundas
observações de 1461 e outras sucessivas com a
respectiva data; relata episódios e circunstâncias
relativas ao fato um tanto delituoso para a cultura
humana pelo o qual por volta da metade do
século VII foi queimada a famosa biblioteca de
Alexandria; por volta do fim do primeiro milênio
entraram em cena os Árabes e Leopardi ilustra
suas contribuições astronômicas (em particular
de Arbategni, Alfergani, Al-Hazen, Averróis).
Em torno a 1100-1200 readquire força o
estudo astronômico no mundo ocidental e
Leopardi detém-se sobre a figura de Alfonso (que
Leopardi cita, no entanto, como IX), rei de
Castilha, e sobre suas famosas tábuas
astronômicas compiladas por sua ordem
(chamadas Alfonsinas): assinalou certos erros
com os quais os escribas em um primeiro
momento estavam de acordo, não tanto por sua
imperícia, mas pela extrema complicação do
Universo acrescentando que, se Deus o tivesse
consultado quando criou o mundo, o teria
aconselhado a criá-lo mais simples. Refere-se,
então, à obra de Sacrobosco, de Roger Bacon, de
Flávio Gioia (e as contestações da invenção da
bússola), do paduano Giacomo Dondo (célebre
pelo relógio que alguns atribuem a Giovanni), do
famoso geógrafo Toscana Paolo Toscanelli, de
Jorge Purdach e das suas tábuas astronômicas, do
rei Ulug-Beg e do grande observatório erguido a
Sarmacanda,
de
Giovanni
Muller
(“Regiomontano”), de Walther de Nuremberg
que descobriu o fenômeno da refração
astronômica da luz, de Leonardo da Vinci, de De
La Lande, do bolonhês Manfredi e do cardeal
Nicolau de Cusa.
O quarto capítulo, de Corpénico ao
cometa de 1811, abrange a astronomia mais
recente e mais ligada a aspectos técnicos e à
conceitualidade estritamente científica; os
capítulos precedentes, embora centrados sobre o
aspecto científico, como se viu em particular,
continham pela sua natureza também referências
ao mundo clássico, mas agora o aspecto científico
requer uma sua conceitualidade muito específica
e preeminente pelo que de um autor inclinado a
uma cultura do tipo literário se poderia esperar
uma certa queda de empenho e alguma
disponibilidade a não aprofundar certos aspectos
técnicos. A compilação prossegue ao contrário
com o empenho e a competência dos capítulos
precedentes; a própria extensão dada a tal
capítulo é testemunha disso: 57 páginas contra
um total de 87 precedentes.
Leopardi inicia com o sistema
copernicano do qual descreve os méritos e os
favores além das oposições inicialmente
encontradas e prossegue com as grandes
empresas geográficas de Cristóvão Colombo e
Américo Vespúcio que a já madura convicção da
esfericidade da Terra leva à descoberta da
América. Fala pois de alguns personagens dessa
época entre os quais Fracastoro (segundo alguns
já no caminho de realizar a luneta), Tycho Brahe
(que descobre uma estrela nova e isso dá a
Leopardi a ocasião de falar de tal fenômeno e da
sua história a partir da primeira da qual a
história nos informa que apareceu em 130 d.C.),
do seu grande observatório de Uraniburco e do
seu sistema planetário alternativo àquele de
Copérnico; traz ainda o epitáfio que lhe foi
feito.Um dos aspectos sobre os quais Leopardi
sente-se notavelmente empenhado e que
contribue para caracterizar a sua personalidade é
aquele da luta contra a magia e as crenças a ela
conexas, praticadas ainda no tempo em que
viveu; assim cada vez em que há ocasião
aproveita para reafirmar conceitos de rigoroso
respeito do procedimento científico; falando de
Tycho aproveita a ocasião para reprovar sua
atividade
astrológica
embora
exprima
compreensão, considerando o tempo em que foi
desenvolvido. Leopardi não esquece Giovanni
Neper e Henrique Briggs como importantes
matemáticos  inventor e copista das tabelas de
logaritmos  Frei Paolo Sarpi e então Galileu
Galilei do qual narra a vida, o estudo do
movimento acelerado de queda dos graves e as
oscilações isócronas do pêndulo; dedica uma
longa exposição à bibliografia relativa à invenção
do telescópio e reconhece os grandes méritos que
Galileu consegui com ela. Afronta pois as
questões a cerca da prioridade da descoberta das
manchas solares que viu Galileu em oposição ao
padre Schneider e afronta a questão que levou o
primeiro à condenação de 1633 até a morte em
1642.
De Kepler expõe a obra relativa ao
estudo da óptica e às leis do movimento dos
planetas; então fala de Gilbert e do seu trabalho
sobre magnetismo fala da reforma gregoriana do
calendário de 1582 com uma detalhada exposição
técnica do problema; aproveita a ocasião para
expor historicamente o problema e o conclui com
o elenco das nações que se adequaram logo ao
novo calendário e daquelas que ao invés o
fizeram em seguida.
Segue a citação da obra de Gassendi, de
Renè Descartes, de Bonaventura Cavalieri e de
seus métodos matemáticos, de Benedetto Castelli,
G.B. Riccioli, P. Grimaldi e a sua descoberta do
fenômeno da difração da luz, de G. Hevelio,
Snell e as vicissitudes da medida do meridiano
terrestre. Uma particular atenção dedica a G.D.
Cassini do qual narra os acontecimentos da vida
que o levaram a cultivar a astronomia; faz
referência a sua obra em Bolonha e à meridiana
na igreja de São Petrônio com os problemas que
por causa dela pôde afrontar sobre a estrutura do
sistema solar ainda em discussão; fala das suas
observações do cometa de 1664 e de 1665 e
daquelas famosas sobre os satélites de Júpiter, a
determinação do período de rotação de Júpiter e
de Marte. Narra a sua chamada a Paris e as
observações que o levaram a descobrir a natureza
do anel que circunda Saturno e a dele individuar
também uma estrutura.
De Christian Huygens cita o trabalho
sobre força centrífuga, de R. Hooke expõe a
concepção cósmica das leis físicas por alguns
aspectos semelhante àquela newtoniana e afronta
então o colosso da ciência moderna Isaac
Newton: dele expõe a descoberta da lei da inércia
entendida em sentido cósmico e da conseguinte
dedução da força de gravidade como causa do
movimento elíptico kepleriano dos planetas e dos
satélites, do peso dos corpos terrestres, do
fenômeno das marés (falando das marés Leopardi
aproveita para expor a sua história a partir das
citações de Homero e as várias interpretações que
se sucederam no tempo, compreendida aquela
galileana, até o reconhecimento da verdadeira
causa da atração das águas do oceano pela Lua e
pelo Sol teoricamente reconhecida por
MacLaurin, D’Alembert, e outros sobre a base da
teoria newtoniana, convalidada pelas observações
das marés e de seu manifestar-se em
correspondência às posições da Lua), do
movimento dos cometas (no qual a validade da
teoria Newtoniana é comprovada pelos trabalhos
de Halley, Bradley, Monnier e Massier), da teoria
da luz e do estudo da óptica, do reconhecimento
do branco como síntese de sete cores elementares,
da invenção do telescópio a espelhos, da
explicação do fenômeno da refração: a luz por
quanto sutil é material e como tal está sujeito ao
fenômeno da atração por parte de outra matéria.
Leopardi refere-se também a algumas
considerações de Newton que parecem aludir a
um princípio de conservação: o Sol é fonte de luz
e, portanto, é razoável sustentar que ao fim
exaurirá a reserva de luz; o conceito de
eternidade, todavia, predomina e Newton
sustenta que o Sol é reabastecido pela queda de
cometas sobre ele. Leopardi considera Newton
como aquele que inaugura na física a introdução
das causas dos fenômenos, a gravidade sendo
uma delas, aquela que provoca o movimento
curvo dos corpos gravitantes oposto àquele de
outra forma natural retilíneo; reconhece que a
natureza da gravidade não é explicada por
Newton, mas introduzida como causa física dado
que o homem não pode compreender «a causa
das causas», conhecida somente por Deus. Enfim
Leopardi não esquece a grande contribuição de
Newton ao desenvolvimento da matemática e o
faz em confronto também com aquele de
Descartes e de Leibniz ao qual atribui a invenção
do cálculo diferencial.
Leopardi continua citando os trabalhos
de Jacob e João Bernoulli, Halley recorda a
determinação da paralaxe do Sol com o método
da passagem de Mercúrio sobre o disco solar de
1677 e a previsão da análoga passagem de
Vênus. De Gascoygne fala da invenção do
micrômetro na ocular dos telescópios que serviu
para aumentar notavelmente a precisão das
observações. Fala depois da expedição de Richer
a La Caienne, a experiência da variação do
período do pêndulo que levou ao conhecimento
da forma da Terra achatada nos pólos
contrariamente ao que se supunha que fosse
achatada no Equador e fala da expedição de De
La Caille ao Cabo da Boa Esperança para o
estudo do céu austral e as pesquisas sobre a
determinação das paralaxes do Sol, da Lua, de
Marte e de Vênus.
Leopardi refere-se acuradamente ao
problema da determinação das longitudes para as
viagens (freqüentemente no mar), o empenho do
governo inglês para resolvê-lo com uma
estabelecida precisão e as várias tentativas
realizadas até a solução de John Harrison com a
construção de um relógio insensível às oscilações
de uma nave (substituiu o pêndulo por uma
mola), o que lhe valeu o prêmio de 20000 de
esterlinas prometidas ao inventor pelo
parlamento inglês. Fala ainda da descoberta, por
parte de Bradley, da aberração da luz das
estrelas, do trabalho de G. Boscovich, e da
descoberta em 1781 do novo planeta por G.
Herschel (e sua filha Carolina) e as discussões
para dar-lhe um nome; M. Bode sugeriu: Urano.
O astrônomo milanês Oriani calculou sua órbita,
enquanto P. Piazzi descobriu Ceres, inicialmente
considerado um novo planeta, mas Herschel
suspeitou que fosse um asteróide, seguido da
descoberta de outros dois corpos (Palas e Juno),
portanto Leopardi termina essa história da
astronomia com a afirmação da seguinte
estrutura do sistema solar: o Sol ao centro
contornado pelos planetas Mercúrio, Vênus,
Terra, Marte, Palas, Ceres, Juno, Júpiter, Saturno
e Urano; «concluindo o todo o céu das estrelas
fixas».
O último ano ao qual Leopardi faz
referência é 1811 no qual foi descoberto um
cometa insolitamente brilhante.
O último capítulo, o quinto, é o
compêndio dos precedentes com várias
repetições, mas também com ulteriores
acréscimos e observações com a distinção do
período de revolução da Lua entre periódico e
sinódico, as várias hipóteses sobre a natureza das
estrelas
os
acontecimentos relativos a
individualização das constelações e as razões que
justificam as suas denominações. Segue-se,
enfim, um capítulo não numerado no qual o autor
sente a necessidade de acrescentar ainda outras
observações e termina com um elenco das obras
consultadas em ordem alfabética dos autores, 230
em número.
A exposição da obra que fizemos é
muito parcial e não mencionou tantas discussões
e referências relativas a autores que intervieram
na exposição dos vários argumentos. Para dar
uma idéia da vastidão do empenho que o autor
dedicou ao fazer este trabalho digamos que as
citações bibliográficas são no total 2044, às quais
deve-se somar o elenco das 230 obras consultadas
acima citadas.
Para maior completeza dessa nossa
exposição, poderíamos destacar também alguns
erros, raríssimos na verdade, nos quais Leopardi
incorre (os peruanos conheciam os solstício de
primavera (...) a superfície côncava da água nas
bordas do recipiente é devida à atração
newtoniana, (...) e alguns outros) mas não vale a
pena pois não podem em modo algum
comprometer o valor da obra. Destaquemos
melhor o que já dissemos, isto é, que o autor
mostra uma notável serenidade e, acrescentemos,
uma fé cristã e católica bastante intensa (adesão
aos «santos dogmas da católica fé (...). Ao
contemplar aqueles glóbulos maravilhosos,
aquelas luzes muito esplendidas que o Ente
supremo colocou à volta majestosa dos céus,
como marcas do seu domínio e sinais da sua
soberana onipotência (...) ele (o homem) é
obrigado a reconhecer um Deus (...). Espontaram
os raios do Evangelho, dissiparam as trevas
pesadas do paganismo; torna-se o firmamento um
degrau para ascender ao trono do Eterno (...)», e
outras expressões como esta). Deve-se talvez
avaliar bem a passagem de Leopardi desta
serenidade e de tanta fé ao pessimismo dos anos
futuros e julgar que eco permanece ainda do
efetivo e notável conhecimento astronômico na
atitude pessimista que caracteriza a vida dos anos
seguintes à fase muito jovem da vida de
Leopardi.
Em tal fase muito jovem o autor se
empenha também na redação de uma outra
grande obra: «ensaio sobre os erros populares dos
antigos»; a escreve dois anos depois da
precedente, com a idade de 17 anos (será
publicada, no entanto, postumamente, em 1845),
na qual insiste particularmente no conceito,
evidentemente considerado um tanto perigoso
pela cultura Iluminista, da magia e da astrologia
as quais eram, naquela época, tudo menos a
recordação de tempos longínquos. Não nos
deteremos longamente sobre a descrição do
conteúdo desta obra para qual deveríamos repetir
conceitos já expressos anteriormente; é
importante, todavia, destacar a característica
deste livro (de 305 páginas) que consiste em
desenvolver com particular vigor temas só
mencionados na “história” e remarcar a unidade
e a continuidade das duas obras que servem,
juntas, a definir melhor a personalidade do jovem
autônomo; de qualquer modo para dar ao leitor
uma idéia mais específica deste “ensaio”
consideramos útil citar os títulos dos 19 capítulos
que o compõe; depois de um prefácio seguem os
seguintes títulos: 1) idéia da obra, 2) dos Deuses
3) dos oráculos, 4) da magia, 5) dos sonhos, 6) do
espirro, 7) do meio-dia, 8) dos terrores noturnos,
9) do Sol, 10) dos astros, 11) da astrologia, dos
eclipses, dos cometas, 12) da Terra, 13) do
trovão, 14) do vento e do terremoto, 15) dos
pigmeus e dos gigantes, 16) dos centauros, dos
ciclopes, dos arimaspi, dos cinocéfalos, 17) da
fênix, 18) do lince, 19) recapitulação; termina
com uma «tabela dos autores dos quais se citam
obras e opiniões sobre o presente ensaio». Do
exposto acima parece claro como Leopardi se
sentiu empenhado em combater qualquer enfoque
que não fosse consoante com o rigor
metodológico da ciência e a defender o conceito
de que para colocar-se no plano do conhecimento
é necessário seguir escrupulosamente o método
científico; escreve, por exemplo, nas últimas
páginas deste trabalho: A ignorância das causas
é, principalmente quanto às coisas naturais, uma
fonte grandíssima de erro. Vê-se um efeito
maravilhoso e como acontece com freqüência se
ignora a sua causa; os homens primitivos a
ignoravam quase sempre. Isto bastava para fazer
nascer um preconceito (...). Vimos como desta
(ignorância das causas) teve origem a astrologia
(...) até a filosofia tornou-se para nós uma fonte
de erros». Exatamente sobre esta linha de
pensamento Leopardi afronta o seu empenho
cultural, com plena consciência desde sua idade
muito jovem e o faz coerentemente tendo
adquirido um válido domínio das noções
científicas do momento. Para uma mais completa
informação sobre a personalidade do jovem
Leopardi acrescentamos que ele nesse ensaio
exprime toda a sua esperança na religião católica
da qual lamenta, no entanto, a falta de uma
oposição decidida à magia e à superstição as
quais o povo vai freqüentemente ao encontro.
Termina com o hino à religião verdadeira para a
qual «O erro fugirá como o lobo da montanha
perseguido pelo pastor e a tua mão nos conduzirá
à salvação».
O que foi exposto até agora serve
naturalmente para ilustrar um aspecto da
personalidade de Leopardi sobre o qual, na nossa
opinião, não se insistiu bastante da parte da
crítica literária, mas que achamos muito
importante não só no plano histórico e naquele
que completa os motivos de admiração por um tal
gigante da cultura, mas também para melhor
compreender sua obra literária dos anos
seguintes: desta são conhecidos as menções
astronômicas às quais o autor fará referência e
então aparece como deve ser entendidos fatos de
um seu profundo conhecedor e como se tornam
de tal modo parte concreta do problema da
existência.
É evidente que uma obra jovial como
esta não pode ser esquecida pelo poeta por toda a
vida e deve estar presente em certo modo nas
obras posteriores: «O infinito», famosíssima
lírica escrita logo depois (1819), o «Canto do
galo silvestre» (1824), o conceito de matéria
exposto em particular em um escrito (1825) de
título: «Fragmento apócrifo de Stratone de
Lanpsaco», «Diálogo da Natureza e de um
Irlandês» (1824), «Canto noturno de um pastor
errante da Ásia» (1830), sem esquecer as várias
ocasiões em que faz referência a aspectos
cósmicos e ao Universo. É um poeta que fala,
certamente, mas também um técnico que
transforma a técnica em poesia e esta em
filosofia, filosofia do ser e da existência. É assim
que a grande quantidade de conhecimentos
vividos com espontânea adesão não pode estar de
todo ausente na natureza daquele pessimismo que
caracteriza a literatura leopardiana pós 1820; um
pessimismo para o qual confluem motivações de
natureza variada amadurecida depois de séria e
aprofundada meditação, ms que Leopardi não
pode considerar por si próprias, avulsas da visão
cósmica que com tanta concreteza científica
viveu e à qual se sentiu particularmente próximo.
É de fato, em nossa opinião, o pessimismo
daquele que procurou, sem encontrá-lo, o porquê
do ser e do modo no qual é, mas que de fronte a
tanta realidade cósmica, inicialmente também
vivida
religiosamente,
não
pode
ser
compreendido na sua efetiva profundidade sem
reconhecer o papel que aquela realidade ainda
nela se desenvolve; é um pessimismo que
indubitavelmente se desenvolve e amadurece
depois de uma fase de ulterior reflexão àquela
juvenil, mas que a esta se sobrepõe, ou melhor,
nela busca a sua colocação. É então em nossa
opinião um pessimismo problemático, sofrido
como tal enquanto ele mesmo não resolutivo,
aliás, contrastado, até mesmo contraditório e cuja
natureza talvez possamos mais apropriadamente
reconhecer nas palavras de Francesco de Sanctis:
«não crê ao progresso e te faz desejá-lo, não crê à
liberdade e te faz amá-la (...) é cético e te faz
crente» (Ensaios Críticos, vol. II (Laterza, Bari)
1953, pp.184-185).
Eis em nossa opinião um dos aspectos
mais importantes da obra literária de Leopardi,
aspectos que nos parecem descuidados por boa
parte da crítica mesmo recente. Em geral esta
última não se detêm sobre a obra que
examinamos e, nos casos em que o faz, tende a
diminuir sua importância.
Lê-se, por exemplo, em G. Timpanaro
(um dos críticos mais acreditados de Leopardi: la
filologia di G. Leopardi; Biblioteca de Cultura
Moderna 806. Florença 1977, p. 8) «a história da
astronomia (...) não apresenta ainda nenhum
interesse para o filólogo. É um trabalho
duramente compilativo de segunda mão; pela
parte que diz respeito à astronomia antiga, quase
toda deriva da Biblioteca Grega e da Latina de
Fabricius (...). Um ensaio sobre os erros
populares dos antigos que tem o caráter de uma
divulgação à francesa, iluminística, embora de
um iluminismo voltado a fins de apologia da
religião católica (...). A diligência da qual dão
prova estes trabalhos é por certo extraordinária:
embora atingindo prevalen-temente a Fabricius
ou a obras de “erudição sacra” Leopardi corrige e
integra com dados extraídos de outras obras de
compilação ou de leitura direta, coisa que ele não
se cansa muito de colocar orgulhosamente em
relevo».
Em nossa opinião, Timpanaro, a parte
algum reconhecimento que parece circunstancial,
não se deu conta de que as citações bibliográficas
da «história» são mais de 2000 e que aquelas
relativas a Fabricius são uma notável minoria e
todas pontualmente citadas; como já fiz
referência, o elenco das obras consultadas para
escrever esta história, apresentadas no final da
«história» compreende 230 obras e entre essas o
Fabricius ocupa naturalmente um único posto.
Certamente é uma obra de erudição, mas cada
história não pode dela abrir mão, pelo menos em
certa medida; trata-se, no entanto, de uma
erudição documentada na qual os argumentos
discutidos são todos particularmente pertinentes,
de caráter claramente científico e nenhum de
importância secundária; em todos o autor
intervém com a própria razão e com as próprias
avaliações, como deve ser em uma obra
historicamente válida.
Do Prof. Emilio Bigi, da Universidade
de Milão, lemos no Grande Dicionário
Enciclopédico (UTET 1988, no verbete
Leopardi), «de caráter erudito-filológico,
julgados de um ponto de vista estritamente
científico estes escritos, malgrado as intuições
apuradas (...) e apesar de testemunhar um largo e
profundo conhecimento das línguas clássicas
ressentem, todavia, também eles, do ambiente
fechado e atrasado no qual foram compostos
(...)».
Não desejamos que certos comentadores
fossem um pouco alérgicos às questões científicas
e quando se encontram defronte delas não
tenham a paciência de lê-las com atenção, com
espírito de aprender coisas que não conhecem;
que, ao contrário, refutem, aprioristicamente
fazê-lo também quando, fazendo-o, poderiam
enriquecer a sua preparação literária. Se assim é,
um intervento de um cientista pode dar uma
contribuição à própria causa da cultura
humanística.
A. MASANI
OSSERVATORIO ASTRONOMICO DI PINO TORINESE &
ISTITUTO DI COSMOGEOFISICA DEL CNR - TORINO
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