UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA “Vivem em nós inúmeros”: Filosofias em Fernando Pessoa ANTONIO CARDIELLO DOUTORAMENTO EM FILOSOFIA (Filosofia em Portugal) 2012 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA “Vivem em nós inúmeros”: Filosofias em Fernando Pessoa ANTONIO CARDIELLO DOUTORAMENTO EM FILOSOFIA (Filosofia em Portugal) Tese orientada pelo Professor Doutor PAULO ALEXANDRE ESTEVES BORGES 2012 Esta tese foi realizada com o apoio de: Aos meus pais SUMÁRIO Pela impressionante heterogeneidade de conteúdos e tópicos que Fernando Pessoa desenvolveu nos escritos que redigiu durante pouco mais de trinta anos, testemunhos de um autêntico universo de mundividências e perspectivas, o conjunto desses escritos deixou de ser, há algum tempo, um filão de estudo meramente literário, abrindo-se, em simultâneo, à análise de investigadores de todos os domínios das ciências humanas. Menção especial merece a filosofia, objecto de estudo de Pessoa desde muito cedo (logo a partir da efémera experiência universitária: 1905-1907), fonte de uma inquietação onto-gnoseológica nitidamente revelada quer na obra em verso, quer na obra em prosa. Escritor interessado nas disputas mais antigas e aparentemente irresolúveis do pensamento planetário à volta do Ser, do Real e das antinomias mesmo-outro, singularidade-pluralidade, Ilusão-Verdade; interlocutor dos diálogos entre a Poesia e Filosofia, a Verdade e a Mentira, a Ficção e a Realidade; Pessoa pertence a uma família de poetas e pensadores tais como Teixeira de Pascoaes, Giacomo Leopardi, Arthur Schopenhauer, Jorge Luis Borges, Friedrich Nietzsche e Nishida Kitarō, entregues como ele, à inadiável tentação de procurar um sentido para o nosso mundo na poiésis artística. PALAVRAS CHAVES: Fernando Pessoa; Marginalia; Manuscritos; Biblioteca; Ilusão; Multiplicidade. ABSTRACT Due to the heterogeneity of contents and topics underlying Fernando Pessoa’s thirtyyear production (a unique universe of worldviews and perspectives), the study of his writings is not exclusively limited to the field of literature, but rather to every domain of the human sciences. In this regard Philosophy deserves a special mention. Object of interest for Pessoa from very early on (ever since his ephemeral university experience between 1905 and 1907), Philosophy stems from his onto-gnoseologic pursuits, which in turn pervade his poetry and prose texts. Pessoa was a writer interested in the most ancient and apparently irresoluble disputes of human thought concerning Being, Reality and the antinomies sameness-otherness, singularity-plurality, and Illusion-Truth. He belongs to a family of poets and thinkers such as Teixeira de Pascoaes, Giacomo Leopardi, Arthur Schopenhauer, Jorge Luís Borges, Friedrich Nietzsche and Nishida Kitarō, who also gave themselves to the pressing temptation of seeking meaning to our world through the artistic poiesis. KEY-WORDS: Fernando Pessoa; Manuscripts; Library; Marginalia; Illusion; Multiplicity. ÍNDICE GERAL INTRODUÇÃO 14 1. Sobre o impermanente interseccionismo entre Poesia e Filosofia 15 2. Objectivos e abordagem hermenêutica 20 Capítulo I A UNIVERSALIZAÇÃO DA SAUDADE 24 1.1. Ser saudoso e ser Saudade 25 1.2. O prazer dolorido da ricordanza: Leopardi e Pessoa 41 1.3. Tradição como futuro do passado 53 Capítulo II SCHOPENHAEUR “EDUCADOR” DE PESSOA E JORGE LUIS BORGES 62 2.1. A luta da Vontade e a luta contra a Vontade 63 2.2. Livre arbítrio e determinismo irredutível 72 Capítulo III PESSOA LEITOR DE JULES DE GAULTIER: DE KANT À NIETZSCHE (1910) 89 3.1. Arte trágica e poiésis heteronímica 90 3.2. Verdade e Ficção no sentido extra-moral 106 Capítulo IV CONFLUÊNCIAS BUDISTAS NO PENSAMENTO DE FERNANDO PESSOA E NISHIDA KITARŌ 115 4.1. O(s) Oriente(s) de Pessoa 116 4.2. A originalidade filosófica de Nishida: Experiência Pura e Lógica Ontológica do Basho 120 4.3. Sensação e Intelectualização 137 4.4. A Ciência de Ver: Alberto Caeiro e Nishida 148 4.5. Abismo e Nada Absoluto 156 CONCLUSÃO 162 ANEXOS 163 BIBLIOGRAFIA 204 AGRADECIMENTOS Antes de qualquer preâmbulo que se revele funcional à explicitação do nosso trabalho, não nos podemos eximir de mencionar, agradecendo publicamente, os nomes dos entes e das pessoas que, de modo mais próximo e generoso possibilitaram a sua existência e a sua finalização. Começamos por exprimir o nosso sentido reconhecimento ao Instituto Camões e à Fundação para a Ciência e a Tecnologia que, em momentos diferentes, patrocinaram a nossa estadia e a nossa investigação num país que nos acolheu como uma mátria. Continuo com o Professor Doutor Paulo Alexandre Esteves Borges, orientador desta tese, pelo seu magistério intelectual e humano e por representar, no panorama do pensamento português do século XXI, uma referência cintilante, um modelo incontornável de conhecimento, sabedoria, activismo ético e cívico. Ao Professor Doutor Carlos João Correia, ao Professor Doutor Ivo Castro e ao Professor Doutor Viriato Soromenho-Marques devemos os preciosos ensinamentos e os recorrentes estímulos que aprendemos durante os seminários de Estética, de História da Crítica Textual e de Orientação. A nossa infinita gratidão vai para o Professor Doutor Jerónimo Pizarro e para Patricio Ferrari, antes de mais, por terem-nos “guiado”, em muitos sentidos, dentro dos dédalos dos dois maiores acervos do património literário de Fernando Pessoa: respectivamente o espólio guardado na Biblioteca Nacional de Portugal e o repertório de fontes e escritos da biblioteca particular do autor. Em segundo lugar, pela competência e rigor científicos, pela fundamental cooperação no levantamento e decifração de muitos suportes autógrafos ou dactilografados, reunidos na presente dissertação. Pela disponibilidade e pelo apoio incondicional concedidos ao longo destes anos de amizade e trabalho em equipa, assim como pelas críticas, correcções e sugestões imprescindíveis. Agradecemos, ainda, de todo o coração: à Maria José Saragoça pela sua magnânima compreensão nas horas mais difíceis do nosso esforço, pelas leituras atentas e reveladoras, pelo constante e carinhoso encorajamento, pela sua alma nobre; ao Bruno Béu de Carvalho, “Maestro” da língua portuguesa, amigo fraterno de quase uma década, pela sua humanidade incomensurável, pelos conselhos sempre pontuais e ajuizados; ao Pablo Javier Pérez López, que nos contagiou com a sua paixão pelo Pessoa poeta e pensador, por ter partilhado connosco textos e outros documentos decisivos; por ter-nos facultado, de antemão, a leitura de valiosos estudos filológicos e hermenêuticos, porque nos mostrou a via para “salir de la corriente del tiempo”; à Raquel Nobre Guerra, por ter socorrido, durante inúmeras noites insones, os nossos raciocínios e a nossa escrita. Finalmente, ficamos gratos ao Jorge Uribe pela constante e fecunda troca de ideias e conteúdos como pela sua sincera camaradagem; ao Richard Zenith e ao Professor Doutor José Eduardo Reis pelo importante material bibliográfico fornecido; à Ana Cara-Linda Santos, à Guilhermina Rebocho, à Rute Jorge Castro e ao Carmine Cassino (bibliófilo infinito), cujos esforços intelectuais e anímicos consentiram-nos cumprir com o prazo legal da entrega da tese; à Emma… por existir. ABREVIATURAS E SINAIS CONVENCIONAIS Sempre que possível, transcrevem-se os textos de Fernando Pessoa a partir dos originais do seu Espólio (BNP/E3) e com as respectivas cotas. Podem ocorrer os simbolos seguintes, também utilizados na edição crítica das obras do autor: □ espaço deixado em branco pelo autor * leitura conjecturada † palavra ilegível // passagem dubitada pelo autor Os sublinhados serão reproduzidos em italico. As referêrencias aos livros da Biblioteca Particolar de Fernando Pessoa, à guarda da Casa Fernando Pessoa, são introduzidos pelo acrónimo CFP e seguem a classificação vigente (cf. http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/bdigital/index/index.htm). A informação contida nos Anexos pode apresentar as seguintes indicações: MN = Manuela Nogueira (sobrinha-neta de Pessoa – herdeira) LMR = Luís Miguel Rosa (sobrinho-neto de Pessoa – herdeiro) MFC = Miguel Freitas da Costa (Neto de Maria Madalena Nogueira de Freitas, prima de Fernando Pessoa)