Algumas situações e casos levados ao TPI

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AULA DO DIA 04-05-12
Matéria: TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL – 9.1 – HISTÓRICO –
Nuremberg, Ex-Iuguslávia (Bosnia) e Ruanda; 9.2 – Princípios.
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
“Todo
crime
internacional
não
é
forçosamente um crime contra a paz e a
segurança da humanidade”, mas que
estes últimos se distinguem “pelo seu
caráter particular de horror e de
crueldade, de selvageria e barbárie” (são os mais graves entre os mais graves”
(Nguyen Quoc Dinh, p. 727)
9.1 - HISTÓRICO
O Tribunal Penal Internacional (TPI), regido pelo Estatuto
de Roma, é o primeiro tribunal permanente, baseado em tratados,
criado para ajudar a pôr fim à impunidade para os autores dos crimes
mais graves que preocupam a comunidade internacional e, assim,
evitar futuras ocorrências de genocídio, crimes de guerra, crimes
contra
a
humanidade
e
crimes
de
agressão
(4
categorias/competência).
O Tratado de Roma, que prevê a criação do Tribunal Penal
Internacional vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), foi
aprovado em 17 de julho de 1998 por uma maioria de 120 votos a
favor, 7 em contrário (da China, Estados Unidos, Filipinas, Índia,
Israel, Sri Lanka e Turquia) e 21 abstenções.1
Os Estados Unidos comandou o grupo de países que se opunham à existência de
um promotor independente, capaz de iniciar investigações criminais baseado em
informações transmitidas pelas vítimas, seus familiares e outras fontes fidedignas,
sem esperar a autorização do Conselho de Segurança nem de nenhum Estado. Por
outro lado, cada um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança
das Nações Unidas queria ter o poder individual de paralisar ou adiar investigações
criminais. Outros países, como Colômbia, México, Índia, Irã, Japão e Turquia,
defendiam posturas que prejudicariam a eficiência do Tribunal.
1
2
Em 1 de Julho de 2002, o Estatuto de Roma entrou em
vigor, após ser ratificado por 60 Estados, sendo que o TPI entrou em
funcionamento, com sede em Haia.
O Brasil assinou o pacto em 12 de fevereiro de 2000,
ratificando-o em 12 de junho de 2002 (DECRETO Nº 4.388, DE 25 DE
SETEMBRO DE 2002), depois de aprovado pelo Congresso Nacional,
tornando-se o 69º Estado a reconhecer a jurisdição do TPI , tendo o
Brasil se submetido a jurisdição desse (art. 5, @ 4, CF/88).
O TPI é uma instituição de caráter permanente e
composta dos seguintes órgãos: i. Presidência; ii. Câmaras; iii.
Procuradoria; iv. Registro e v. Comitê de Estados Partes. A
composição básica seriam de 18 juizes eleitos por maioria absoluta,
pelo Comitê, para um período de nove anos (sem reeleição, mas com
a possibilidade de continuar no cargo para completar um caso).
Nascerá de um tratado e, por isso, terá competência restrita aos
Estados Partes. A questão de vinculação clássica de Estado Partes aos
tratados e sua não vinculação a priori a terceiros Estados não deve,
contudo, ser radicalizada, pois há temas que convergem também para
a participação de terceiros Estados, como a cooperação estatal.
Sua criação constitui um avanço importante, pois esta é a
primeira vez na história das relações entre Estados que se consegue
obter o necessário consenso para levar a julgamento, por uma corte
internacional permanente, políticos, chefes militares e mesmo pessoas
comuns pela prática de delitos da mais alta gravidade, que até agora,
salvo raras exceções, têm ficado impunes, especialmente em razão do
princípio da soberania2.
Nos últimos dez anos, o TPI se tornou uma instituição
totalmente funcional, com 15 casos levados perante o mesmo, dos
quais 6 estão em fase de julgamento. Juízes do TPI emitiram 20
mandados de prisão e 6 prisões foram feitas, eles também emitiu
nove convocações para aparecer, todos os quais foram
homenageados. Em 14 de Março de 2012, o TPI emitiu o seu primeiro
veredicto no caso do Procurador v Thomas Lubanga Dyilo , o acusado
foi considerado culpado dos crimes de guerra alistar e recrutar
crianças menores de 15 anos nas forças militares, e usá-los para
participar activamente nas hostilidades.
A soberania estatal, assim considerada, levou à introdução da denominada
cláusula de jurisdição doméstica nos atos constitutivos das organizações
internacionais, a exemplo daquela consubstanciada no artigo 2º, § 7º, da Carta da
ONU, que consagra o princípio da não-intervenção nos assuntos internos de seus
membros, cuja observância tem impedido uma repressão mais eficaz aos atentados
contra os direitos humanos cometidos por Estados ou alguém em seu nome.
2
3
A jurisdição internacional se afirma complementar3, ou
seja, só a inércia/falha no julgamento do Estado onde ocorreu o
crime, ou a do Estado patrial do acusado, permite que o TPI atue.
A competência do TPI depende única e exclusivamente de
o Estado, onde o crime ocorreu ou onde o presumido culpado foi
detido, ser parte do Estatuto da Corte.
O Estatuto do TPI dá ao CS/ONU o poder de mandar
suspender por um ano, prorrogável por quantas vezes queira,
qualquer processo em curso no tribunal (cap. VII da Carta da ONU),
se entender que a continuidade do processo representa uma ameaça
à paz.
O exercício da jurisdição do TPI pressupõe o
consentimento (parte no tratado de Roma ou consentimento ad hoc)
do Estado territorial do crime ou do Estado patrial do réu, senão de
ambos.
Obs.1: Quando um Estado passa a ser Parte no Estatuto, ele aceita a
competência do TPI sobre os crimes mencionados acima. De
conformidade com o artigo 25 do Estatuto, o Tribunal exercerá sua
competência sobre indivíduos, e não sobre Estados.
Obs.2: O TPI pode exercer sua competência por provocação do
Procurador ou de um Estado Parte, desde que um dos seguintes
Estados esteja obrigado pelo Estatuto:
 O Estado em cujo território tenha tido lugar a conduta em causa,
ou, se o crime tiver sido cometido a bordo de um navio ou de uma
aeronave, o Estado de matrícula do navio ou aeronave;
 Estado de que seja nacional a pessoa a quem é imputado um crime.
Obs.2: Um Estado que não seja Parte no Estatuto pode fazer uma
declaração aceitando a competência do Tribunal.
Obs.3: O artigo 124 do Estatuto de Roma limita a possibilidade de
exercício da competência do TPI sobre os crimes de guerra. De acordo
3
Afora do genocídio.
4
com essa disposição, um Estado pode declarar que, durante um
período de sete anos, não aceitará a competência do Tribunal para os
crimes de guerra presumivelmente cometidos por seus nacionais o em
seu território.
Obs.4: O Tratado de Roma (TPI) não admite reservas
Obs.5: Deportação – irregularidade adm..
Obs.6: O TPI só julga se a pessoa estiver presa.
Obs.7: Tribunal de Exceção – tanto o Tribunal quanto as normas são
criadas após os fatos jurídicos.
Obs.8: A pena de morte é proibida no Brasil, exceto em tempos de
guerra, conforme a Constituição Federal, que no artigo 5, inciso
XLVII, aboliu a pena de morte, "salvo em caso de guerra declarada,
nos termos do art. 84, XIX".
Obs.9: Quem pode mais (pena de morte) pode menos (prisão
perpétua).
Obs.10: A pena de prisão perpétua somente pode ser cumprida nos
Estados que a possui.
Obs.11: Art. 105, I, CF – não precisa de homologar sentença do TPI
porque é sentença internacional (e não estrangeira), sujo tribunal o
Brasil aderiu.
Obs.12: Se o CS/ONU pedir para alguém ser processado, mesmo se o
pais não aderiu, pode ser.
Irresponsabilidade dos governantes
Até o término da Segunda Guerra Mundial, muito pouco se fez, no
plano internacional, por absoluta falta de meios legais e institucionais,
para coibir genocídios, massacres, assassinatos, torturas, mutilações
e outras ofensas graves aos direitos humanos praticados em grande
escala, sobretudo porque prevalecia o entendimento de que os
governantes, no exercício da soberania estatal, eram juridicamente
irresponsáveis por seus atos.
A idéia da inimputabilidade dos governantes, embora profundamente
arraigada na cultura política desde a mais remota antiguidade,
somente tomou forma doutrinária com Maquiavel, em 1513, segundo
5
o qual “um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode
observar todas as coisas a que são obrigados os homens considerados
bons, sendo freqüentemente forçado, para manter o governo, a agir
contra a caridade, a fé, a humanidade e a religião”.
Essa tese ganhou contornos jurídicos na obra de Bodin intitulada Os
seis livros da República, datada de 1576, que definia a soberania
como um poder “absoluto e perpétuo do Estado”. Hobbes, por sua
vez, levou a extremos a teoria do poder ilimitado dos reis,
sustentando, em seu Leviatã, editado em 1651, que os homens
alienaram seus direitos naturais ao soberano em troca da segurança,
posto que antes da constituição do Estado viviam numa “guerra de
todos contra todos”. Tais idéias foram ainda aperfeiçoadas pelos
defensores do direito divino dos reis, dentre os quais Bossuet, que
acreditavam que os governantes eram representantes de Deus na
Terra e, como tal, só a Ele deviam satisfação por seus atos.
A partir daí, a tese da irresponsabilidade dos governantes ganhou
maior sofisticação com a raison d’Etat de Richelieu e a Realpolitik de
Bismarck, que davam como legítima qualquer ação praticada em
nome dos superiores interesses do Estado (7). E tal doutrina durante
séculos não sofreu maiores abalos, em que pesem as barbaridades
cada vez maiores praticadas nas guerras declaradas e não-declaradas
que eclodiram desde os albores da Idade Moderna até os dias atuais.
Composição da Corte
O Tribunal será integrado por 18 juízes, no mínimo, que se
distribuirão por três Seções: a Seção de Questões Preliminares,
incumbida de examinar a admissibilidade dos processos, a Seção de
Primeira Instância, que proferirá os julgamentos, e a Seção de
Apelações, responsável pela apreciação dos recursos.
A escolha dos juízes caberá à Assembléia dos Estados-partes,
recaindo sobre pessoas que gozem de elevada consideração moral,
imparcialidade e integridade, e que possuam as condições exigidas
para o exercício das mais altas funções judiciárias de seu país, além
dominarem uma das línguas oficiais da Corte (inglês, francês,
espanhol, russo e árabe). Devem ainda apresentar: (1) reconhecida
competência em direito penal e processual penal, e também
experiência como juiz, promotor ou advogado; ou, alternativamente,
(2) reconhecida competência no campo do direito internacional
humanitário e direito internacional dos direitos humanos, assim como
experiência nas funções jurídicas relacionadas com o Tribunal.
Na seleção dos magistrados, a Assembléia deverá atentar para que
exista equilíbrio entre candidatos que apresentem uma dessas duas
qualificações. Exige-se também que estejam representados os
6
principais sistemas jurídicos do mundo e que haja uma presença
geográfica eqüitativa, assim como uma participação balanceada de
homens e mulheres.
A Promotoria integra a Corte como um órgão independente do
Tribunal, sendo dirigida por um promotor-chefe, coadjuvado por mais
um promotor adjunto, no mínimo, escolhidos pela Assembléia dos
Estados-partes para um mandato de nove anos, dentre pessoas da
mais alta idoneidade, experientes na tarefa da persecução penal e
que também dominem pelo menos uma das línguas oficiais do
Tribunal.
Mecânica processual
Estão sujeitos à jurisdição do Tribunal os Estados-partes e os
respectivos nacionais, assim como todos aqueles que se encontrem
em seu território ou em navios e aviões que estejam sob sua
bandeira. Também se incluem entre os jurisdicionados da Corte os
Estados que submeterem à mesma algum caso específico, ainda que
não tenham aderido ao Tratado.
O procedimento acusatório pode iniciar-se por uma representação à
Promotoria, subscrita por algum Estado-parte ou pelo Conselho de
Segurança da ONU, ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações
Unidas, ou ainda por uma investigação aberta pelo próprio Parquet
(16). O processo perante o Tribunal, todavia, somente começa se for
admitido pela Seção de Questões Preliminares, à vista de indícios
suficientes de culpabilidade do acusado apresentados pela Promotoria.
Essa Seção poderá também ordenar a prisão preventiva do acusado,
para assegurar seu comparecimento em juízo, para que ele não
obstrua a investigação, destruindo provas ou ameaçando
testemunhas, ou mesmo para impedir que prossiga cometendo
crimes. Essa prisão será executada pelos Estados-partes ou por
terceiros mediante os instrumentos de cooperação internacional.
Penas aplicáveis
Uma vez considerado culpado, o réu estará sujeito às seguintes
penas: (1) reclusão pelo prazo não superior a trinta anos; (2) prisão
perpétua, dependendo da gravidade do delito cometido e das
circunstâncias pessoais do acusado; (3) multa; e (4) confisco de bens
procedentes direta ou indiretamente da prática do crime. A pena será
cumprida em um dos Estados-partes e poderá ser reduzida depois do
cumprimento de um terço ou de 25 anos, no caso de prisão perpétua,
atentando-se para a colaboração prestada pelo réu durante o
julgamento.
O Tribunal poderá também fixar uma reparação às vítimas, sob a
forma de reabilitação ou indenização, que será paga pelo réu ou por
um Fundo Fiduciário, especialmente criado para esse fim, constituído
por bens confiscados e por contribuições dos Estados-partes.
7
Impunidade versus responsabilidade
Embora uma parcela considerável da população mundial e grande
parte do território do planeta tenham ficado fora da jurisdição do
Tribunal, mais de dois terços dos Estados que integram a ONU
subscreveram o Tratado de Roma, manifestando, assim, ainda que
implicitamente, no caso daqueles que ainda não o ratificaram, a
intenção de colaborar com a nova Corte. Nada impede, de resto, que
aqueles que não aderiram ao acordo o façam num momento posterior
ou submetam, desde logo, certos casos à jurisdição do Tribunal, numa
base ad hoc, como permite seu Estatuto.
Seja como for, a relevância histórica do Tratado não pode ser
subestimada, pois a mera existência do Tribunal, como anotou Flávia
Piovesan, em artigo recentemente publicado, terá o condão de limitar
o darwinismo no campo das relações internacionais, onde prevalece a
lei dos Estados mais fortes em face das nações mais débeis. Mas a
maior contribuição que a nova Corte poderá dar para consolidar a paz,
a segurança e o respeito aos direitos humanos no mundo será fazer
com que ele transite de uma cultura de impunidade para uma cultura
de responsabilidade.
OS CRIMES EM ESPÉCIE
1)
GENOCÍDIO (art. 6, ETPI)4 - qualquer ato praticado “com
intenção de destruir total ou parcialmente grupo nacional, étnico,
O conceito de genocídio reitera o disposto na Convenção de 1948 para a
Prevenção e a Repressão do Crime do Genocídio. O genocídio foi uma das principais
preocupações do pós-guerra, sendo tal animus convertido em instrumento
internacional já em 9 de dezembro de 1948: a "Convenção para a Prevenção e a
Sanção do Delito de Genocídio" — Assembléia Geral, res. 260 A (III). Essa
Convenção, em seu Art. 2º, identifica o genocídio em qualquer ato, em tempo de
paz ou guerra (Art. 1º), com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, tal como assassinato ou dano grave à
integridade física ou mental de membros do grupo; subjugação intencional do grupo
a condições de existência que lhe ocasione a destruição física total ou parcial;
medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo e transferência
forçada de crianças do grupo para outro grupo.
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racial ou religioso”, enquanto tal, compreendendo: (1) matar
membros do grupo; (2) causar lesão grave à integridade física ou
mental de membros do grupo; (3) submeter intencionalmente o
grupo a condições de existência capaz de ocasionar-lhes a
destruição física, total ou parcial; (4) adotar medidas destinadas
a impedir nascimentos no seio do grupo; e (5) efetuar a
transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
2)
CRIMES CONTRA HUMANIDADE5 (art. 7, ETPI) - “qualquer ato
praticado como parte de um ataque generalizado ou sistemático
contra uma população civil e com conhecimento de tal ataque”,
incluem: (1) homicídio; (2) extermínio; (3) escravidão; (4)
deportação ou transferência forçada de populações; (5)
encarceramento ou privação grave da liberdade física em
violação a normas fundamentais de direito internacional; (6)
tortura; (7) estupro; (8) escravidão sexual, prostituição
compulsória, gravidez imposta, esterilização forçada ou outros
abusos sexuais graves; (9) perseguição de um grupo ou
coletividade com identidade própria, por motivos políticos,
raciais, nacionais, étnicos, culturais ou religiosos; (10)
desaparecimento de pessoas; (11) apartheid; e (12) outras
práticas desumanas de caráter semelhante que causem
intencionalmente grande sofrimento ou atentem contra a
integridade física ou saúde mental das pessoas.
3)
CRIMES DE GUERRA (art. 8, ETPI) - os praticados em conflitos
armados de índole internacional ou não, em particular quando
cometidos como parte de um plano ou política para cometê-los
em grande escala, abrangendo violações graves das Convenções
A concepção de crimes contra a humanidade envolve a dimensão de larga escala.
Os crimes contra a humanidade podem ser cometidos em tempo de paz ou de
guerra, quando o criminoso está em posição de autoridade, de ordem, comando e
provoca ou não previne a violação sistemática contra um segmento da população.
Também quando participa na elaboração de políticas violentadoras. As opções e
definições sobre quem pode cometer os atos de violação maciça ("widespread") e
sistemática são várias e, por via de conseqüência, a formulação não é pacífica.
Aliás, cumpre salientar que por "widespread" entende-se a agressão que é maciça
em natureza e é dirigida contra grande número de indivíduos, e sistemática a
agressão que constitua, faça parte ou fomente políticas, planos combinados ou
prática repetida em certo período de tempo.
5
9
de Genebra de 1949 e demais leis e costumes aplicáveis aos
conflitos armados (internacionais como não internacionais),6
especialmente: a. homicídio intencional; b. tortura ou tratamento
desumano, inclusive as experiências biológicas; c. provocar
grandes sofrimentos ou atentar gravemente contra a integridade
física ou a saúde; d. a destruição e a apropriação de bens, não
justificadas por necessidades militares e executadas de maneira
ilícita e arbitrária; e. compelir um prisioneiro de guerra ou civil a
servir em forças inimigas; f. desprover um prisioneiro de guerra
ou civil dos direitos de um imparcial e regular julgamento; g.
deportação, transferência ou prisão ilegal de civis; h. tomar civis
como reféns; i. fazer a população ou indivíduos civis de objeto de
ataque; j. pérfido uso de sinais reconhecidos pelo direito
internacional, como a cruz vermelha, a meia lua vermelha ou do
leão e sol vermelhos; k. lançar ataque contra obras ou
instalações que contenham forças perigosas, cônscio que cada
ataque causará excessiva perda de vida, ferimentos a civis ou
danos a bens de civis; l. prática de apartheid e demais práticas
desumanas e degradantes, fundadas na discriminação racial, que
acarretem um ultraje contra a dignidade pessoal; m. fazer
ataque a monumentos históricos, obras de arte ou locais de culto
que constituem patrimônio cultural ou espiritual dos povos e que,
sob proteção especial de um acordo (por exemplo, ligado a uma
organização internacional), não sejam usados para esforços
militares, tampouco estejam próximos de objetivos militares; n.
transferência pela Potência ocupante de parte de sua população
para o território que ela ocupa, ou a deportação ou transferência
de toda ou parte da população do território ocupado; o. atacar
Sérias violações dos direitos e costumes aplicáveis em conflitos armados — os
crimes aqui mencionados são, primeiro, as chamadas "infrações graves" ("graves
breaches") consagradas nas quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de
1949 e o Protocolo Adicional I, de 8 de junho de 1977; segundo, sérias violações ao
direito costumeiro internacional pertinente a conflitos armados, à Convenção de
Haia nº IV (1907), ao Art. 3º comum às quatro Convenções de Genebra e ao
Protocolo Adicional II, de 8 de junho de 1977.
Os crimes de guerra entendidos como infrações graves, quando intencionalmente
cometidos contra pessoas ou bens protegidos, são fundados nas quatro Convenções
de Genebra, principalmente no Art. 50 da Convenção para a Melhoria da Sorte dos
Feridos e Enfermos dos Exércitos em Campanha, no Art. 51 da Convenção para a
Melhoria da Sorte dos Feridos, Enfermos e Náufragos das Forças Armadas no Mar,
no Art. 130 da Convenção Sobre o Tratamento aos Prisioneiros de Guerra e no Art.
147 da Convenção Sobre a Proteção das Pessoas Civis em Tempos de Guerra. E,
também, no Art. 85 do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra.
Do ponto de vista da proteção da pessoa humana, o Art. 3º comum das Convenções
de Genebra é o elo de ligação entre o direito humanitário e os direitos humanos, já
que, por um lado, obrigam as facções em conflito a respeitar o núcleo de direitos
inderrogáveis do direito humanitário e, de outro lado, em guerra civil deve-se
proteger também o núcleo de direitos inderrogáveis dos tratados de direitos
humanos em que o Estado seja parte, conforme salienta o prof. Cançado Trindade.
6
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localidades não defendidas e zonas desmilitarizadas; p. demora
injustificável na repatriação de prisioneiros de guerra ou civis. O
segundo grupo de crimes de guerra seriam ligados a sérias
violações de normas e costumes aplicáveis em conflitos
armados, de caráter internacional ou não: a. emprego de
armas tóxicas ou outras armas calculadas para causar
sofrimentos desnecessários; b. arbitrária destruição de cidades,
vilarejos ou devastação não justificada por necessidades
militares; c. ataque, bombardeamento, ou qualquer meio, de
indefesas cidades, vilarejos, habitações ou construções; d. roubo,
destruição ou dano intencional a instituições dedicadas a religião,
caridade, educação, artes e ciências, a monumentos históricos e
obras de arte e científicas; e. saque de propriedades públicas ou
privadas; f. violência à vida, saúde e bem-estar físico e mental,
em particular assassinato, homicídio culposo ("manslaughter"),
estupro e violência sexual, assim como tratamentos cruéis como
a tortura, mutilação ou alguma forma de punição corporal e
experiências com pessoas humanas; g. punições coletivas; h.
detenção de reféns; i. atos de terrorismo; j. atentados à
dignidade
das
pessoas,
especialmente
os
tratamentos
humilhantes e degradantes; k. qualquer forma de escravidão; l.
pilhagem; m. uso de pessoas como escudo; n. atos de violência
feitos para inspirar ou instigar terror no total ou em parte de uma
população; o. condenações pronunciadas e as execuções
efetuadas sem julgamento prévio por tribunal regularmente
constituído, que conceda garantias judiciárias reconhecidas como
indispensáveis pelos princípios gerais do direito internacional; p.
forçosamente usar membros da população civil, inclusive
crianças, para participar em hostilidades ou esforço de guerra; q.
impedir de remover ou proteger civis, particularmente crianças,
de áreas hostis para outras áreas dentro de seu Estado, em que
possam ficar a salvo e, no caso das crianças, acompanhada pelos
responsáveis; r. submeter à fome as populações civis e impedir a
respectiva assistência humanitária; s. intencionalmente separar
crianças dos pais ou pessoas responsáveis por sua segurança e
bem-estar; t. impedir tratamento médico aos feridos, doentes,
náufragos e pessoas desprovida de sua liberdade por razões
ligadas aos conflitos armados; u. maus-tratos de pessoas detidas
ou internadas.
No Estatuto não se mencionam explicitamente algumas violações
graves do direito internacional humanitário, tais como a demora
injustificável na repatriação de prisioneiro de guerra e os ataques
indiscriminados contra a população civil ou seus bens, que estão
11
definidas como infrações graves às Convenções de Genebra de
1949 ou ao seu Protocolo Adicional I de 1977.
Poucas disposições referem-se a armas cujo uso está proibido em
virtude de tratados vigentes e, a esse respeito, nada está
previsto para os conflitos armados não internacionais.
4)
CRIMES DE AGRESSÃO7 - depois de muita discussão, acabou
sendo inserido no Estatuto, mas não foi definido, pelo que não
pode ser aplicado, diante da exigência de estrita tipificação das
figuras delituosas que vigora no campo penal. Esse delito poderá
ser mais tarde incluído na jurisdição do Tribunal, se for
devidamente caracterizado por ocasião da reforma do Estatuto,
que ocorrerá dentro de sete anos depois de sua entrada em
vigor. Deverá, no entanto, amoldar-se à Carta das Nações
Unidas, que prevê algumas hipóteses de guerra justa, a exemplo
da intervenção para prevenir ou reprimir ameaças à paz.
9.1 - HISTÓRICO
Desde o tratado de Versalhes8, a comunidade internacional vem
trabalhando para dar legitimidade a tribunais penais internacionais
que venham a julgar crimes cometidos em violação a direitos
humanos ou direitos humanitários. Questões como imparcialidade e
acesso à ampla defesa e ao contraditório geralmente são suscitadas
em relação a julgamentos desse tipo que começaram a ocorrer pós I
Guerra Mundial onde os juízes representavam a parte vencedora já
que não havia ainda uma jurisdição una.
No plano internacional, em tom de inspiração kantiana, a guerra fora considerada
universalmente como um meio ilícito de solução de controvérsia pelo Art. 2º, §4º,
da Carta das Nações Unidas, embora temos que recordar o precedente do "Pacto de
Briand-Kellog" (1928), de menor alcance.
8
Desde o fim da Primeira Guerra Mundial pretende-se consagrar a responsabilidade
penal internacional, quando o Tratado de Versalhes clamou, sem sucesso, pelo
julgamento do Kaiser Wilhelm, por ofensa à moralidade e à inviolabilidade
("sanctity") dos tratados.
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12
O Tribunal de Nuremberg foi um dos primeiros casos que
iniciaram essa uniformidade de atuação da comunidade internacional
para julgamento e ultrapassou diversas questões relacionadas a
soberania dos Estados.
Mas, afinal, qual a importância desse longo processo de
formulação de uma Corte Criminal Internacional permanente? Em
resposta à essa indagação, a ONG nova-iorquina "Lawyers Comittee
for Human Rights" apontou seis pontos:
1) acabar com a impunidade dos grandes violadores dos direitos
da pessoa humana, em termos repressivos e preventivos;
2) proporcionar a reconciliação social e a tranqüilidade e confiança
às vítimas, suas famílias, e à comunidade afetada, mediante a
investigação e o julgamento dos responsáveis pelos crimes
internacionais;
3) sanar possíveis insucessos de Cortes Nacionais, que deixam
impunes os criminosos, principalmente quando esses são
autoridades políticas ou militares, o que se verifica com
freqüência em casos de crimes de guerra ou de desestruturação
do sistema legal interno;
4) remediar limitações políticas e jurídicas inerentes aos tribunais
internacionais criminais ad hoc, como a instalação em alguns
casos e não em outros, o viés político das escolhas do Conselho
de Segurança para instaura-los (além do questionamento de
sua autoridade para tanto) e o perigo do excesso de tribunais
instaurados
("tribunal
fatigue"),
sem
consistência
na
interpretação e aplicação do direito internacional, já que são
criados para um situação específica e com um corpo de juizes
distinto;
5) criar um mecanismo com força ("enforcement") para condenar
pessoas que ofendem gravemente os direitos humanos e o
direito humanitário; E,
6) tornar a Corte Criminal Internacional (doravante CCI) um
modelo de justiça penal e de julgamento justo ("fair trial"),
constituindo um patamar institucional ("standard-setting
institution") para a implementação interna ou internacional das
normas de proteção da pessoa humana.
De Nüremberg a Haia
A tese da inimputabilidade dos governantes somente começou a
modificar-se depois da Primeira Guerra Mundial, em virtude da
destruição sem precedentes causada pelo emprego das novas armas
de extermínio em massa e diantedas indizíveis atrocidades praticadas
pelas potências beligerantes nos campos debatalha e fora deles, que
13
levaram à morte mais de 15 milhões de pessoas. Isso fora o massacre
de cerca de um milhão de armênios, pelos turcos, em 1915.
Embora até essa época jamais um governante, chefe militar ou
mesmo simples soldado tenha sido responsabilizado por crimes
cometidos em ações bélicas, as potências vencedores, capitaneadas
por Lloyd George e David Clemenceau, respectivamente chefes de
governo da Grã-Bretanha e da França, manifestaram a intenção de
punir aqueles que praticaram atos ofensivos às leis da humanidade e
às normas de conduta civilizada durante a guerra. O Tratado de Paz
de Versalhes, de 1919, até chegou a incluir um dispositivo nesse
sentido, pois os aliados pretendiam levar o imperador Guilherme II da
Alemanha a julgamento. Mas a punição dos vencidos, como se sabe,
resumiu-se a uma vultosa indenização, jamais paga integralmente.
Alguns esforços foram feitos nos anos seguintes à celebração do
acordo de paz para a criação de uma corte criminal internacional, mas
esbarraram na resistência da comunidade diplomática, ainda aferrada
à idéia da irresponsabilidade dos agentes estatais. Esse apego a uma
doutrina ultrapassada pela realidade dos fatos custou muito caro à
humanidade. Com efeito, as atrocidades cometidas na Segunda
Guerra Mundial ultrapassaram os limites da barbárie, bastando
assinalar que nela pereceram mais de 55 milhões de pessoas.
Nesse contexto de horror, os vencedores empreenderam o primeiro
passo concreto no sentido de punir aquilo que se passou a considerar
crime contra a humanidade, conceito amplo que compreendia o
assassinato em massa, a escravidão, o genocídio e outros delitos
correlatos, bem como o crime contra a paz, identificado com a guerra
de agressão, considerados contrários ao direito internacional. Para
tanto, foram instituídos os tribunais de Nüremberg e de Tóquio para
julgar dirigentes políticos e militares das potências derrotadas, que
rejeitaram as escusas levantadas pelos acusados para escapar à
punição, como o cumprimento de ordens superiores, a prática de atos
de soberania e a tomada de medidas ditadas pela necessidade militar.
Essa experiência, todavia, não teve o condão de intimidar os
criminosos de guerra, que continuaram a agir livremente nos
inúmeros conflitos que tiveram lugar na segunda metade do século
XX. A situação de absoluta impunidade perdurou até recentemente,
quando a comunidade internacional decidiu intervir na ex-Iugoslávia,
onde uma luta fratricida lançou sérvios contra croatas e outras etnias,
e em Ruanda, em cujo território extremistas hutus massacraram os
rivais da nação tutsi. Foram então criados dois tribunais ad hoc para
aquelas áreas, em 1993 e 1994, respectivamente, para fazer cessar e
punir os gravíssimos abusos cometidos em ambas as contendas. A
atuação dessas cortes acabou produzindo um bônus adicional, sob a
forma de um importante precedente, qual seja, o julgamento de
pessoas que praticaram delitos em conflitos considerados de caráter
interno, que até então não se enquadravam na legislação
14
penal internacional.
Na seqüência, resolveu-se instituir uma corte criminal permanente,
para evitar a seletividade representada pela instituição de tribunais ad
hoc, que dependem de decisão do Conselho de Segurança da ONU, no
qual cinco potências têm o poder de veto. Essa seletividade impediu,
por exemplo, a investigação e a punição dos massacres
perpetrados no Camboja, por Pol Pot, nos anos 1970, em que foram
assassinadas mais de um milhão de pessoas.
NUREMBERG
Em agosto
de
1945, reuniram-se
em Londres
representantes da Grã-Bretanha, da França, dos Estados Unidos e da
então U.R.S.S., quando assinaram um acordo criando o Tribunal, que
acabou sendo instalado na cidade de Nuremberg, na Alemanha, com a
finalidade de julgar as acusações contra os nazistas por atos
praticados durante a guerra (conspiração e atos deliberados de
agressão; crimes de guerra; crimes contra a paz e, crimes contra a
humanidade)9 e que feriram o direito internacional.
A Carta de Londres previu as regras do processo de
julgamento para Nuremberg, entre estes não houve a previsão e o
enquadramento de nenhum crime como de organizações, mesmo
assim seis organizações foram citadas na Carta.
A Carta diz que crimes contra a humanidade
são: "assassínio, exterminação, escravização, deportação e outros
atos inumanos cometidos contra alguma população de civis antes ou
durante a guerra, ou perseguições políticas, raciais ou religiosas a
grupos em execução ou em conexão com alguns crimes da jurisdição
do Tribunal Militar Internacional com ou sem violação da lei doméstica
do país onde perpetrarem."
O termo genocídio ainda não havia sido criado, somente em 9 (nove) de dezembro
de 1948 foi aprovada pela ONU a Convenção para a Prevenção e Repressão do
Crime de Genocídio. Esse sendo definido como a destruição, no todo ou em parte,
de uma nação, étnica, racial ou religiosa, isto é, no genocídio as pessoas são mortas
levando em consideração o que são e não algo que por ventura tenham feito.
9
15
O Tribunal de Nuremberg, composto por juízes e
promotores públicos que tinham origem nos quatro países que
criaram o Tribunal, entrou em funcionamento em 20 de outubro de
1945 julgando 24 membros do partido e do governo nazista e 8
organizações acusadas de crimes de guerra. Dos acusados, 20 eram
médicos acusados de cometer atrocidades.10
O Julgamento de Nuremberg durou 285 dias, nos quais
foram ouvidas 240 testemunhas. Outros julgamentos de criminosos
da II Guerra Mundial foram realizados nas próprias zonas de
ocupação, dos quais destaca-se o Tribunal de Tóquio (1946 – 1948).
Em 1 de outubro de 1946, o veredicto foi
dado pelo Tribunal juntamente com um documento chamado de
código de Nuremberg, onde se fixou uma advertência internacional
em relação à ética no que envolve a pesquisa com seres humano.
O Tribunal se pronunciou absolvendo 5 réus, condenando 7 a pena de
prisão11 e o restante deles a morte por enforcamento e condenando 4
organizações. O Tribunal tentou adaptar o Direito Internacional as leis
internas do território Alemão, fundamentando-se no fato de que as 4
potências que agora o ocupavam eram o governo do território.
A execução de todos os condenados a morte na forca
ocorreu no dia 16 de Outubro de 1946, e foi assistida por 45 pessoas.
Dentre os réus julgados e condenados estava o braço
direito de Adolf Hitler, Hermann Goering. Durante o julgamento a
defesa de Goering alegou ofensa ao princípio da legalidade12, que era
baseada nos postulados do direito penal tradicional. Mas de nada
adiantou, pois Goering foi condenado à morte, no entanto, este
cometeu suicídio na prisão com uma cápsula de cianeto, sendo que a
origem de tal cápsula jamais foi descoberta.
Os médicos foram qualificados como criminosos de guerra por causa das
experiências feitas em humanos. Muitos outros médicos trabalhavam nos campos de
concentração fazendo o mesmo tipo de experiências, só que quando a guerra
acabou já tinham escapado ou ido trabalhar em outro país. Os médicos nazistas da
Alemanha arquitetaram e executaram programas pró-eutanásia e buscaram a morte
dos que eles viam como improdutivos para a vida, em grande parte os retardados e
doentes mentais e os prejudicados fisicamente. Nas experiências eram usados, sem
permissão, os prisioneiros que estavam em campos de concentração e que
acabavam,
em
grande
parte,
morrendo
ou
ficando
com
seqüelas.
Essas pessoas eram na maioria poloneses, romanos, russos, judeus e egípcios.
11
10, 15 e 20 anos de prisão, e, prisão Perpétua.
12
O julgamento era conduzido de forma a evitar termos como lei e código, por sua
criação ter sido realizada exatamente para o feito que se propôs, sendo criado após
o fato delituoso consumado.
10
16
Muitos afirmam que o julgamento em destaque se procedeu de
forma imperfeita. Valendo ressaltar as palavras do Procurador
Legislativo Municipal em Natal (RN), Professor da UERN, advogado e
Mestrando em Direito pela UFRN, Dijosete Veríssimo Da Costa Júnior:
Alguns argumentam que o Tribunal Militar Internacional foi uma
justiça dos vitoriosos, e que o julgamento deve ser criticado por
uma variedade de razões. A lista dos acusados foi algo muito
arbitrário. Houve também dúvidas básicas. Os acusados foram
atacados com violação as leis internacionais, mas a lei foi
construída pelas nações e não pelos indivíduos. Os Indivíduos
poderiam trazer para a justiça apenas sobre as leis dos seus
próprios países, não na base de uma nova ordem estabelecida
após uma guerra.
Os aliados (componentes do Tribunal e vencedores da Guerra)
utilizaram-se do ponto estratégico em que estavam, sendo detentores
dos que eles consideravam os grandes precursores da II Grande
Guerra, além de possuírem uma infinidade de documentos que
provavam o envolvimento dessas pessoas em barbáries como as
grandes câmaras de concentração, o fuzilamento em massa e os
experimentos médicos que mataram e deixaram pessoas com lesões
permanentes. Judeus eram alvos de atrocidades mil por não serem
dignos de dividirem o mesmo espaço com a raça ariana, os alemães.
Entendeu o Tribunal , para levar a cabo a condenação dos
nazistas, que os indivíduos podem cometer crimes suscetíveis de
punição pelo DI, apesar da licitude de sua conduta ante a ordem
interna a que estejam subordinados, o que mereceu criticas, por falta
de base científica. (Rezek, p. 154, item 84, parte final)
Assim decidiu o Tribunal:
“as obrigações internacionais que se impõem aos indivíduos tem
primado sobre o seu dever de obediência para com o Estado a
que pertencem. Aquele que violou as leis da guerra não pode,
para se justificar, alegar o mandato que recebeu do Estado, uma
vez que o Estado, dando-lhe esse mandato, ultrapassou os
poderes que lhe reconhece o direito internacional”.
O Tribunal de Nuremberg foi um marco na história por levar a
julgamento criminosos de guerra e abrir as portas para uma melhor
17
valorização dos direitos humanos, pouco observados graças ao
império do totalitarismo.
IUGUSLAVIA
CRIAÇÃO/FINALIDADE. O Tribunal Penal Internacional para a ExIugoslávia foi criado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas
através da Resolução n. 827, de 25.05.1993, com o propósito de
responsabilizar os autores dos crimes contra o Direito Internacional
Humanitário cometidos durante a guerra que culminou com a
fragmentação da Ex-Iugoslávia em diversos Estados, dar uma
resposta adequada às vítimas de tais crimes, prevenir a ocorrência de
novas violações do Direito Int. Humanitário [basicamente as graves
violações às Convenções de Genebra de 1949 (proteção dos civis em
período de guerra), as violações às leis e costumes de guerra,
genocídio e crimes contra a humanidade] na região e contribuir para a
restauração da paz por meio da promoção da reconciliação entre os
povos que habitam a região.
O tribunal é competente para julgar pessoas suspeitas de ter
cometido ou dado ordens para cometer infrações graves às
Convenções de Genebra/49, violações de leis e costumes de guerra,
genocídio ou crimes contra a humanidade.
DESIGNAÇÃO/PRAZO DE DURAÇÃO. O Tribunal possui caráter “ad
hoc” (existência transitória), abrangendo somente os fatos
ocorridos a partir de 1º de janeiro de 1991 (e até data que o
Conselho da Segurança fixar como termo final da pacificação na
região dos Balcãs).
ESTRUTURA BÁSICA. Com sede em Haia, foi concebido para
funcionar com 11 juízes, sendo hoje composto por até 25, dos quais
16 formam um corpo permanente, que pode ser complementado por
um número de até 9 juízes provisórios (“ad litem”), do corpo de 27
juízes criados com essa finalidade (Resolução do Conselho de
Segurança n. 1329/2000) para atender o aumento da carga de
trabalho nos dois últimos anos, como decorrência do incremento dos
indiciamentos e detenções de acusados de prática dos crimes
compreendidos na competência material do Tribunal.
18
O tribunal se divide em duas câmaras de primeira instancia e uma de
apelação.
Embora a Organização das Nações Unidas tenha adotado como
idiomas oficiais o árabe, o chinês, o francês, o russo, o inglês e o
espanhol, as “línguas de trabalho” do ICTY são as mesmas da Corte
Internacional de Justiça, isto é, a inglesa e a francesa (art. 33 do
Estatuto). Além do Estatuto, composto de 34 artigos, os trabalhos do
Tribunal são regulados por um conjunto de normas que estabelecem
as “Regras de Procedimento e Prova” que vem sendo desenvolvidas e
atualizadas na medida em que as novas situações vão surgindo e
exigindo o aprimoramento da técnica jurídica aplicável a esse
inovador sistema de Justiça Penal Internacional.
A estrutura do Tribunal é basicamente composta de 3 câmaras de
julgamento, com 3 juízes cada uma (mais um número máximo de 6
juízes “ad litem”), e uma Câmara de apelações, que é compartilhada
com o Tribunal Penal Internacional para a Ruanda e composta por
sete juízes (5 do corpo de juízes permanentes do Trib. Iuguslavia e 2
do corpo permanente do Trib. Ruanda).
AVANÇOS. Como um dos principais logros do Trib. Iug. pode-se
apontar o estabelecimento de importantes precedentes de aplicação
das leis internacionais humanitárias, sentando as bases da nova
disciplina que começa a erigir-se internacionalmente como um Direito
Internacional Penal. Muitos dos princípios e soluções jurídicas
emergidos durante os trabalhos desenvolvidos nesse Trib. Iug. jamais
tinham sido contemplados, representando grandes avanços para a
doutrina esboçada inicialmente com os Tribunais de Nüremberg e
Tokyo após a 2a Guerra Mundial, destacando-se, como exemplos, a
implementação do conteúdo dos Convênios de Genebra, o
desenvolvimento dogmático da doutrina da responsabilidade por atos
de comando e também a conceituação das violações sexuais como
formas de tortura e, portanto, como crimes contra a humanidade. No
que respeita à efetividade desse Tribunal, cabe destacar que nos
últimos anos foi conseguida a prisão e indiciamento do chefe do
Estado-maior do Exército Servo-bósnio, Momir Talic (o “carniceiro de
Sbrenica”, responsável pela morte de milhares de muçulmanos
bósnios entre 1992 e 1995) e ainda, representando a remoção do
mais importante obstáculo para a evolução da justiça supranacional, a
prisão, pelo atual governo da Iugoslávia, no dia 28 de julho de 2001,
do ex-presidente Slobodan Milosevic, que encontra-se respondendo a
processo no Tribunal sob acusação de prática de crimes de genocídio,
guerra e lesa-humanidade, coroando o princípio de “justiça universal”.
19
PROMOTORIA. O escritório da Promotoria conduz investigações
(coleta indícios e provas, identifica testemunha dos fatos, exuma
corpos etc) sobre os crimes de guerra, genocídio e contra a
humanidade ocorridos no território da Ex-Iugoslávia a partir de
janeiro de 1991, e prepara os indiciamentos e as provas que serão
apresentadas ao Tribunal durante os julgamentos.
SERVIÇOS. Há, também, o serviço de registro (equivalente a um
“cartório”), que se encarrega não somente do processamento de todo
o material correspondente aos autos de indiciamento e processos,
mas também das atividades complementares do Tribunal, como o
apoio material e proteção à testemunhas, tradução de documentos
etc, além dos assuntos administrativos. O corpo de funcionários do
ICTY (desde maio de 2002) é de 1248 pessoas, oriundas de 82
países.
DEMAIS CONSIDERAÇÕES
O Estatuto do Tribunal reconhece as competências concorrentes das
jurisdições nacionais assegurando o primado das por ele exercidas e
evitando dupla condenação, estatuindo ainda que “nem o fato de se
tratar da execução de uma ordem de um governo ou de um superior o
exoneram da sua responsabilidade penal”, estatuindo ainda pena de
prisão, mesmo que perpétua, com exclusão da pena de morte.
Todos os Estados tem que cooperar com o Tribunal notadamente com
o envido de acusados e a procura de provas, sendo financiado pela
ONU.
Uma das principais fraquezas do sistema contemporâneo de repressão
penal das violações massivas do direito dos homens e do direito
humanitário reside na ausência de um catalogo hierarquizado de
sanções, ao ponto de ser necessário voltar a grelha de penas
penitenciarias do direito nacional dos incriminados para os tribunais
ad hoc, com a única exclusão da pena de morte, sendo a
jurisprudência que precisa e concretiza progressivamente, na base
dos princípios equitativos a escala das sanções.
20
RUANDA
Tribunal Penal Internacional para o Ruanda é
um tribunal internacional criado em novembro de 1994 pelo Conselho
de Segurança das Nações Unidas (Resolução 955) para julgamento
dos responsáveis pelo genocídio e outras violações das leis
internacionais acontecidas no território nacional de Ruanda em 1994,
causado por oficiais e cidadãos ruandenses entre 1 de janeiro e 31 de
dezembro de 1994.
Em 1995, o tribunal foi sediado em Arusha, na Tanzânia e
a
partir
de 1998 suas
atividades
foram
expandidas.
A ONU determinou ao tribunal que completasse suas investigações
até 2004, todas as atividades de julgamento em 2008 e encerrasse os
trabalhos em 2010.
Após muitas etapas preparatórias, no ano de 1997 fora
convocada em Roma uma Conferência de Plenipotenciários com o
intuito de concluir as negociações do referido Estatuto.
O Tribunal tem jurisdição sobre genocídio, crimes contra a
humanidade e crimes de guerra, que são definidos como violações de
artigos relativos a genocídios cometidos em conflitos internos
pela Convenção de Genebra.
Em dezembro de 2008, o Tribunal condenou à prisão
perpétua os três principais dirigentes do governo de etnia hutu que
massacrou 800 mil tutsis em 1994, Theoneste Bagosora, Aloys
Ntabakuze e Anatole Nsengiyumva.
O Tribunal de Ruanda compõe-se de três órgãos: a
câmara dos juízes; a promotoria e o órgão de registro. Além disso,
vale destacar que há uma câmara de apelação para os dois Tribunais
ad hocs localizada em Haia.
Em um contexto de longa e intensa situação de guerra
interna entre as etnias tutsi e hutu, em 1994 eclodiu um genocídio em
Ruanda provocando um número até hoje indefinido de mortes,
estimado entre 500 mil e 1 milhão de pessoas, entre os meses de
abril e julho daquele ano.13
Na colonização belga os tutsis ficaram no poder. Mas, quando a Bélgica deixou de
colonizar Ruanda, ocorreu um golpe dos hutus para tomarem o poder dos tutsis.
13
21
Diante desse panorama e tendo em vista as gravosas
violações a direitos humanos cometidas em Ruanda nesta época, o
Conselho de Segurança da ONU, por força do Capítulo VII da Carta
das Nações Unidas, veio a criar, por meio da Resolução de nº 955 de
8 de novembro de 1994, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional ad
hoc para Ruanda (TPIR), sendo este uma adaptação do modelo
adotado no Tribunal para a ex-Iugoslávia.
Todavia, o Estatuto do Tribunal de Ruanda, bem como o
da antiga Iugoslávia, não fazem menção à penas específicas para
cada delito cometido. Dessa forma, pode-se dizer que houve uma
violação ao princípio da individualização as penas, tendo em vista que
serão os juízes que irão decidir qual pena deve ser aplicada no caso.
O primordial objetivo da medida de adoção do Tribunal
fora a manutenção da paz em Ruanda, bem como uma tentativa de
promover a reconciliação nacional. Estabeleceu-se o Tribunal para
julgar aqueles que foram os responsáveis pelo genocídio ocorrido em
1994, assim como outras violações a leis humanitárias internacionais
cometidas por oficiais e cidadãos ruandeses e ocorridas no território
de Ruanda no período de 1° janeiro a 31 de dezembro do mesmo ano.
Além disso, o TPIR também poderá lidar com o julgamento de
cidadãos ruandeses que tenham causado genocídio ou violado direito
internacional neste mesmo período de tempo em território de Estados
vizinhos a Ruanda.
O pretexto para se começar o genocídio foi a morte do Presidente hutu, a partir da
queda de seu avião, em 1990. Mas, ninguém sabe quem derrubou o avião. Apesar
disto, os hutus acusaram os tutsis do atentado cometido para tentarem retomar o
poder.
Inclusive foi criado pelos tutsis uma Força Patriótica Nacional, a partir de refugiados
em
outros
países.
Foi daí, da queda do avião, que se começou o massacre contra os tutsis e contra os
hutus moderados que eram contra a matança.
A política de governo era realmente matar os tutsis? Podemos argumentar que sim.
O genocídio teria começado muito antes, e que a queda do avião com o presidente
hutu teria sido apenas o estopim para o início do genocídio.
A política de governo dos hutus era sim de matança dos tutsis, comprovada por
diversas transmissões nas rádios de Ruanda propagando o preconceito e ódio contra
os tutsis.
22
Pode-se afirmar que a grande contribuição trazida pelo
Tribunal foi a especificação em duas vertentes da definição do crime
de
genocídio,
sendo
elas:
1- Um ato criminal que tenha sido realizado com o intuito de
destruição de um grupo nacional, racial, étnico ou religioso, embora
possa ter sido cometido até mesmo contra apenas um indivíduo.
2- Uma lesão de natureza grave à integridade mental e/ou física de
qualquer membro de um determinado grupo, e também a violência
sexual cometida contra as mulheres, sempre realizadas com a mesma
intenção.
O Tribunal Penal Internacional para Ruanda rege-se por seu Estatuto,
anexo à Resolução n° 955. Sua composição se dá por 3 órgãos: as
duas Câmaras de primeira instância e a Câmara de Apelações, sendo
a mesma que foi criada para o Tribunal da ex-Iugoslávia. O Gabinete
do Procurador, encarregado dos processos e inquéritos penais, não é
vinculado ao Tribunal. E há a da Secretaria, responsável por apoiar
administrativa e judicialmente às Câmaras e o Procurador. As regras
de procedimento e prova, dos juízes aprovados de acordo com o
artigo 14 do Estatuto, irão estabelecer o que se enquadra para que
haja um bom funcionamento do sistema judicial.
Em relação à competência do TPIR, pode-se dividi-la da
seguinte forma:
- Ratione materiae: refere-se ao genocídio, crimes contra a
humanidade e violações ao artigo 3 da Convenção de Genebra e do
Protocolo Adicional II.
- Ratione temporis: aos crimes que foram cometidos no espaço
temporal de 1 de janeiro a 31 de dezembro do ano de 1994.
- Ratione personae e Ratione loci: crimes cometidos por cidadãos
ruandeses no território de Ruanda e Estados vizinhos, e também
àqueles que não são nacionais ruandeses e cometeram crimes no
território de Ruanda.
A jurisdição do Tribunal abarca o genocídio, crimes contra
a humanidade e crimes de guerra - sendo estes últimos definidos pela
Convenção de Genebra como violações à dispositivos que refiram-se a
genocídios ocorridos em conflitos internos, na medida em que o
episódio de 1994 em Ruanda trata-se de uma guerra interna. São
consideradas violações a um direito internacional.
De setembro de 1996, quando ocorrera a primeira sessão
do TPIR, até o mesmo mês de 1998, foram indiciados 35 suspeitos.
No dia 4 de setembro de 1998 foi condenado o ex primeiro-ministro
23
do governo provisório de Ruanda e réu confesso, Jean Kanbanda, à
prisão perpétua (o que as organizações de defesa dos direitos
humanitários consideraram insuficiente) quando foi aplicada pela
primeira vez por um tribunal penal internacional a Convenção sobre
Genocídio de 1948. Em contrapartida, até o final de 1997 as cortes
nacionais do governo que estava instaurado em Ruanda após o fim da
guerra civil condenaram 122 pessoas à morte.
Em 1998, houve um alargamento das atividades do TPIR,
havendo uma determinação da ONU para que ele terminasse suas
funções investigativas até o ano de 2004 e suas funções de
julgamento até 2008, para que em 2010 pudesse haver o
encerramento das atividades.
O Tribunal Penal Internacional para Ruanda, no mês de
dezembro de 2008, promoveu a condenação de 3 dirigentes da etnia
hutu pelo massacre de 800mil tutsis no ano de 1994. Aloys
Ntabakuze, Anatole Nsengiyumva e Theoneste Bagosora foram
condenados à prisão perpétua.
TRIBUNAL DA EX-IUGUSLÁVIA X RUANDA - OBSERVAÇÕES
O Tribunal para a Ex – Iugoslávia acabou servindo como
precedente para o de Ruanda e esse primeiro Tribunal foi instituído
com bases no direito de Comon law. Inicialmente até mesmo foi
proposto estender as funções do Tribunal para a Ex- Iugoslávia com
justificativas de economia e eficiência, no entanto, essa medida
acabou não sendo adotada. As similaridades entre os textos dos
Estatutos que instituíram os dois Tribunais são tão grandes que
podemos vê-los como cópias. Ainda assim, ambos são independentes
apesar de terem mesmo “Deputy Prosecutor – Vice Procurador” que
garante uma unidade de política entre os dois Tribunais. E até mesmo
as regras de procedimento e de coleta de evidências do Tribunal para
a Ex-Iugoslávia se aplicam mutatis mutandis para o Tribunal de
Ruanda. Outra questão importante era a proteção às testemunhas
que muitas vezes foram vítimas nos conflitos, para que se protegesse
a identidade dessas pessoas já que muitas vezes elas correm graves
riscos ao retornarem aos seus países de origem.
24
A jurisprudência de ambas as cortes se tornou parâmetro para a
quebra de diversas barreiras com relação aos conflitos internacionais
e internos não só nos julgamentos nesses dois tribunais mas também
para outros e para futuras ações nesse sentido tanto na comunidade
internacional quanto para a ONU. Apesar dos direitos humanos e dos
direitos humanitários diferirem muito em suas aplicações, a
uniformidade na defesa dos direitos deve ter um parâmetro único
para sua aplicação. Apesar das muitas falhas em ambos os Estatutos,
a aplicação destes foi sem precedentes e influenciou para a criação
posterior do TPI e também ajudou para a sua legitimação e também
para comprovar por meio de sua atuação que um tribunal desse tipo é
possível.
COMPARAÇÕES
Tribunal Ex- Iugoslávia
Resoluções do Conselho
808
de Segurança que os
instituíram
Adoção das resoluções
e
1993
827
Tribunal Ruanda
955
1994
Requisição
de Art 29 do Estatuto do Art 28 do Estatuto
cooperação dos Estados Tribunal
do Tribunal
Medidas para respeitar
o direito de defesa e a
um julgamento justo
(Baseado no Art 14 do Art 21 do Estatuto
“International Covenant
on Civil and Political
Rights”
Art 20 do Estatuto
Respeito ao anonimato
Art 22 do Estatuto
das testemunhas
Art 21 do Estatuto
SIMILARIDADES
Ambigüidades
dos Tribunais
os
em
ambos
Estatutos
Texto parcialmente incompleto o que fez com que os juízes adotem
25
livremente a interpretação mais conveniente caso a caso.
Os Juízes tiveram importante influência em ditar as regras e ao
regular suas atividades internas como ao serem responsáveis por
adotar as “rules of procedure and evidence for the conduct of the pretrial phase of the proceedings, trials and appeals, the admission of
evidence, the protection of victims and witnesses and other
appropriate matters”
As “Rules of procedure and Evidence” do Tribunal para Ex-Iugoslávia
se aplica mutatis mutandis para o tribunal de Ruanda.
Conselho de Segurança tem a faculdade de dissolver os Tribunais
Obs.1: Uma diferença entre a criação do TPIR e o TPIY foi a de que
no TPIR o conflito já havia se encerrado, já no TPIY o conflito ainda
estava acontecendo.
Obs.2: Em Ruanda, o crime contra a humanidade sofreu uma
alteração, foi retirada a idéia de que para ser configurado tal crime
deveria haver conflito armado, e colocaram ataque sistemático e
generalizado14 e a intenção.
Obs.3: A maior contribuição do TPIR para o Direito Internacional foi a
inclusão do conflito armado interno nos crimes de guerra.
Obs.4: Para configurar crime de guerra devemos ter a configuração
de um conflito armado. Crime de genocídio só precisa que se
classifique como intenção de exterminar no todo ou em parte um
grupo determinado. Crimes contra humanidade só é preciso dizer que
houve um ataque generalizado e sistemático.
Obs.5: O TPI é uma corte internacional civil, estabelecida pela ONU,
enquanto o TMI, instalado em Nuremberg, era uma corte militar,
criada pelos quatro países vencedores da guerra como parte de um
acordo militar.
Ataque sistemático e generalizado é um ataque realizado repetidas vezes,
organizado e planejado com apoio da sociedade.
14
26
Obs.6: Na época de Nuremberg, havia um vencido e alguns
vencedores, o que não ocorreu na ex-Iugoslávia.
Obs.7: Quando Nuremberg foi criado, os aliados controlavam
inteiramente a situação, o que facilitou a reunião das prova, a
audiência das testemunhas e a detenção dos acusados. Quando o
tribunal foi instalado, a maior parte dos acusados já estava presa, o
que não ocorreu com o TPI, que até agora só conseguiu prender 10
dos 77 indiciados, sendo que um deles se apresentou por vontade
própria, Tihomir Blaskic, cujo processo está em pleno andamento.
Obs.8: Em Nuremberg, as provas documentais eram consideradas
mais importantes do que os testemunhos. Hoje, no TPI, a dificuldade
de obter provas documentais é muito maior, razão pela qual a
importância dada às testemunhas é considerável.
Obs.9: No Tribunal de Nuremberg foram julgados indivíduos e
organizações criminosas, enquanto o TPI só julga indivíduos.
como a palavra genocídio não havia ainda aparecido, o TMI de
Nuremberg julgou crimes contra a lei de guerra, contra a paz, crimes
de guerra e crimes contra a humanidade.
PRINCÍPIOS
A atuação do Tribunal Penal Internacional assenta-se sobre alguns
princípios
Fundamentais:
a) Complementariedade - a Corte somente atua (subsidiariamente)
se o Estado que tem jurisdição sobre determinado caso não
iniciou o devido processo ou, se o fez, agiu com o intuito de
subtrair o acusado à justiça ou de mitigar-lhe a sanção.
Justifica-se esse princípio porque compete em primeiro lugar
aos Estados o dever de reprimir os crimes capitulados no
Estatuto do Tribunal, até para que a repressão se faça de modo
mais eficaz.
27
b) Universalidade - os Estados-partes colocam-se integralmente
sob a jurisdição da Corte, não podendo subtrair de sua
apreciação determinados casos ou situações;
c) responsabilidade penal individual - o indivíduo responde
pessoalmente por seus atos, sem prejuízo da responsabilidade
do Estado;
d) irrelevância da função oficial - permite que sejam
responsabilizados chefes de Estado ou de governo, ministros,
parlamentares e outras autoridades, sem qualquer privilégio ou
imunidade;
e) responsabilidade de comandantes e outros superiores - todos os
chefes militares, mesmo que não estejam fisicamente presentes
no local dos crimes, envidem todos os esforços ao seu alcance
para evitá-los, sob pena de neles ficarem implicados;
f) imprescritibilidade - a ação criminosa jamais terá extinta a
punibilidade pelo decurso do tempo, embora ninguém possa ser
julgado por delitos praticados antes da entrada em vigor do
Tratado;
g) não retroatividade – julgamento se os crimes foram cometidos a
partir de 01/07/02;
h) menoridade/maioridade – 18 anos;
i) não retroatividade da norma penal que não seja benéfica;
j) especialidade – só julga os casos previstos no seu estatuto;
k) presunção de inocência – ônus da prova é do procurador.
28
TEXTOS COMPLEMENTARES
TEXTO 1
O Papel do Conselho de Segurança
Tarciso Dal Maso Jardim
A manutenção da paz e da segurança internacionais é papel
fundamental do Conselho de Segurança, com respaldo inigualável no
capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o que nos leva a concluir
que nenhum tratado pode revogar essa função e, por via de
conseqüência, não há meio de eliminar prerrogativas do mesmo em
casos de crimes de agressão. Entretanto, a fórmula dada pelo Art. 23
do projeto da CDI é argumento suficiente para pretendermos retirar o
crime de agressão do rol de crimes da CCI. No §2º do Art. 23
menciona-se que ninguém será denunciado por crime de agressão
antes que o Conselho de Segurança determine que o Estado incorreu
em ato de agressão. E no §3º do Art. 23 acrescenta-se que nenhuma
investigação será iniciada, sob o Estatuto da CCI, se versar sobre
alguma questão de quebra de paz ou ato de agressão em análise no
Conselho. Essa fórmula é a consagração da seletividade no seio da
Corte, sendo essa justamente uma das falhas principais dos tribunais
ad hoc que se buscava eliminar na corte permanente.
Nesse particular houve várias propostas por parte das delegações
governamentais, como deixar indeterminada a relação da Corte com o
sistema internacional de solução de disputas, ou que os poderes do
Conselho de Segurança não devem ser maiores do que os dispostos
pela Carta da ONU ou que a relação entre a Corte e o Conselho não
deve afetar a independência e integridade da primeira, bem como
deve zelar pela igualdade entre os Estados.
Entra-se aqui com a discussão do chamado "trigger mechanism", cuja
problemática completa-se com o Art. 25 do projeto. Mas antes de
comentar esse dispositivo, cumpre lembrar que nos tribunais ad hoc
(ICTFY E ICTR) o Conselho de Segurança possui o poder de instituir e
29
de finalizar as atividades, apesar da independência daqueles nas
funções jurisdicionais e nas faculdades de terminar os casos já
iniciados. Todavia, nesses Tribunais o promotor age com
independência dos governos e do Conselho; investiga ex officio ou
com base em outra fonte (como de ONGs) e decide a procedência ou
não da denúncia. Já na CCI o promotor não inicia o processo, não tem
o poder do gatilho ("trigger"), pois o Art. 25 menciona que somente
teria esse poder o Estado Parte na Convenção de Genocídio (para o
crime de genocídio) ou o Estado Parte no Estatuto da CCI, que aceitou
a jurisdição sob o Art. 22 (para o crime de genocídio, sempre, ou para
os crimes que declarou submeter-se à jurisdição da Corte), ou o
Conselho de Segurança (para os crimes de agressão).
Essa composição de "triggering parties", em que o promotor não está
incluído, pode significar a falência do sistema e certamente significará
a seletividade e a politização da Corte, com Estados não querendo
submeter os casos por fatores diplomáticos (como ocorre no sistema
interamericano de direitos humanos, que garante sua eficácia pelas
faculdades da Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e o
Conselho de Segurança submetendo somente casos selecionados
politicamente.
4. Conclusão
Levantamos alguns, entre muitos, problemas pertinentes à
formulação de uma Corte que pretende ser imparcial e não seletiva. O
ponto central colocado nesse trabalho está na medida em que a CCI
será a consagração da personalidade jurídica internacional da pessoa
humana, mediante a responsabilidade penal, ou será a manutenção
do status quo do sistema das Nações Unidas, utilizando parte do
mecanismo da Corte para fortalecer o poder dos cinco Estados com
assento permanente no Conselho de Segurança (EUA, Rússia, China,
França e Reino Unido), que possuem o chamado direito de veto.
As conclusões que podemos chegar é que há algumas tendências
governamentais, além de certos dispositivos do projeto da CDI, que
podem significar a manutenção do status quo. Acreditamos, por
exemplo, que a promotoria deve ter o poder do "trigger" e que o
Conselho poderia levar denúncias à Corte, em matéria de agressão
(se for incluída), mas jamais ter a prerrogativa de evitar a
investigação e o julgamento de casos sob sua análise. Por outro lado,
a promotoria poderia utilizar-se de dados dos sistemas de
investigação e de relatórios, universais e regionais, que cuidam da
proteção da pessoa humana; assim como poderia lançar mão de
informações de ONGs reconhecidas, como a Cruz Vermelha e a Anistia
Internacional, tanto no plano de dados materiais como no de
localização dos indiciados.
Ainda precisamos recordar que as sentenças internacionais são quase
totalmente cumpridas, mas há sérias dificuldades em matéria penal,
principalmente as ligadas à detenção dos suspeitos. Apelar para a
30
coerção do Conselho de Segurança seria uma alternativa razoável
somente se o sistema fosse democratizado, o que talvez ocorra até a
entrada em vigor da CCI. Entretanto, vaticínios não são pertinentes à
ciência e, enquanto a democracia não se instaura no plano
internacional, o sistema penal dependerá da cooperação dos estados
e, como propomos, deveria utilizar da força da sociedade civil para ter
maior eficácia, em especial da colaboração de ONGs com crédito no
ativismo da proteção dos direitos humanos e do direito humanitário.
Lembramos, para finalizar, das palavras de Elias Canetti, para quem
"A aversão dos poderosos pelos sobreviventes é geral. Consideram
toda sobrevivência efetiva algo que cabe somente a eles: trata-se de
sua verdadeira riqueza, sua propriedade mais preciosa. Todo aquele
que se permita conspicuamente sobreviver em circunstâncias
perigosas — e particularmente em meio a muitos outros — estará se
imiscuindo em seus negócios e voltará contra si o seu ódio."
A Corte Criminal Internacional permanente deve ser construída tendo
em mente os sobreviventes, e não a riqueza dos poderosos.
TEXTO 2
Algumas situações e casos levados ao TPI
15 casos em 7 situações foram trazidos perante o Tribunal Penal
Internacional.
De acordo com o Estatuto de Roma, o Ministério Público pode iniciar
uma investigação com base em uma referência a partir de qualquer
Estado Parte ou do Conselho das Nações Unidas. Além disso, o
Promotor poderá iniciar investigações motu proprio sobre a base de
informações sobre crimes da competência do Tribunal recebeu de
indivíduos ou organizações ("Comunicações").
Até o momento, três Estados Partes no Estatuto de Roma - Uganda,
República Democrática do Congo e do Banco Central Africano
República - têm se referido situações que ocorrem em seus territórios
para o Tribunal. Além disso, o Conselho de Segurança se refere a
situação em Darfur, no Sudão, ea situação na Líbia - os dois Estados
não-Partes. Após uma análise minuciosa das informações disponíveis,
o Ministério Público abriu e está realizando investigações em todas as
situações acima referidas.
Em 31 de março de 2010, Juízo de Instrução II concedeu a
autorização Procuradoria de abrir um inquérito motu proprio na
31
situação do Quênia. Além disso, em 3 de Outubro de 2011, Juízo de
Instrução III concedeu o pedido do Ministério Público autorização para
abrir investigações motu proprio sobre a situação na Côte d'Ivoire.
Situação em Uganda
O caso O Procurador vs Joseph Kony, Vincent Otti, Okot Odhiambo e
Dominic Ongwen está sendo ouvido antes II Juízo de Instrução. Neste
caso, cinco mandados de prisão foram emitidos contra [a] cinco
membros do alto escalão do Exército de Resistência Lordes (LRA).
Após a confirmação da morte do Sr. Lukwiya, o processo contra ele
tenha sido rescindido. Os restantes quatro suspeitos ainda estão
foragidos.
Situação na República Democrática do Congo
Nesta situação, quatro casos foram levados perante as Câmaras
relevantes:O Procurador vs Thomas Lubanga Dyilo ; O Procurador vs
Bosco Ntaganda ; O Procurador vs Germain Katanga e Mathieu
Ngudjolo Chui , e O Procurador vs Callixte Mbarushimana . O acusado
Thomas Lubanga Dyilo, Germain Katanga e Mathieu Ngudjolo Chui e
os suspeitos Callixte Mbarushimana estão atualmente sob a custódia
do TPI. O suspeito Bosco Ntaganda continua foragido.
Câmara de Julgamento eu condenado Lubanga Dyilo em 14 de Março
de 2012, e irá realizar uma audiência de pronunciar a sentença, numa
fase posterior. O julgamento, neste caso, O Procurador vs Thomas
Lubanga Dyilo ,tinha começado em 26 de janeiro de 2009.
O julgamento no caso de O v Procurador Germain Katanga e Mathieu
Ngudjolo Chui começou em 24 de novembro de 2009. A confirmação
de acusações audiência do caso O Procurador vs Callixte
Mbarushimana teve lugar de 16 a 21 de setembro de 2011. Em 16 de
Dezembro de 2011, Juízo de Instrução decidi por maioria a recusar-se
a confirmar as acusações contra o Sr. Mbarushimana ea libertá-lo da
custódia do Tribunal, sobre a conclusão das providências necessárias.
Situação no Darfur, Sudão
Há cinco casos da situação no Darfur, Sudão: O Procurador vs Ahmad
Muhammad Harun ("Ahmad Harun") e Ali Muhammad Ali Abd-AlRahman ("Ali Kushayb") ; O Procurador vs Omar Hassan Ahmad Al
Bashir ; O Procurador vs Bahar Idriss Abu Garda ; O Procurador vs
Abdallah Banda Abakaer Nourain e Saleh Mohammed Jerbo
Jamus ; e O Procurador vs Abdel Raheem Muhammad Hussein .
Mandados de prisão foram emitidos pela Câmara de Questões
Preliminares I, para os senhores Harun, Kushayb, Bashir Al e
Hussein. Os quatro suspeitos permanecem foragidos.
Uma intimação para comparecer foi emitida para o Sr. Abu Garda,
que apareceu voluntariamente perante a Câmara em 18 de maio de
2009. Após a audiência de confirmação de acusações, em fevereiro de
32
2010, Juízo de Instrução eu não quis confirmar as acusações. Sr. Abu
Garda não estiver sob a custódia do TPI.
Duas citações que apareçam outros foram emitidas para o Sr. Banda
e Jerbo deputado que apareceu voluntariamente em 17 de Junho de
2010; a confirmação de acusações audiência teve lugar em 8 de
dezembro de 2010.Em 7 de março de 2011, Juízo de Instrução I
decidiu por unanimidade confirmar as acusações de crimes de guerra
trazidos por procurador do TPI, contra o Sr. Banda e Jerbo Senhor, e
os entregou a julgamento.
Situação no Central Africano República
A situação foi encaminhada ao Tribunal pelo Governo da República
Centro-Africano, em Dezembro de 2004. A Procuradoria abriu uma
investigação em maio de 2007. No caso somente nesta situação, O
Procurador vs Jean-Pierre Bemba Gombo , Juízo de Instrução II
confirmou, em 15 de junho de 2009, duas acusações de crimes contra
a humanidade e três acusações de crimes de guerra, e cometeu o
acusado a julgamento perante Câmara de Julgamento III. O
julgamento começou em 22 de novembro de 2010.
Situação na República do Quênia
Em 31 de março de 2010, Juízo de Instrução II concedeu o pedido do
Ministério Público de abrir um inquérito motu proprio da situação no
Quênia, Estado Parte desde 2005. Intimações para que eles apareçam
emitido em 08 de março de 2011, seis cidadãos quenianos
voluntariamente apareceu antes Juízo de Instrução II, em 7 e 8 de
Abril de 2011. A confirmação de acusações audiência do caso O
Procurador vs William Ruto Samoei e Joshua Arap Sangforam
realizadas 1-8 setembro de 2011. A confirmação de acusações
audiência do caso O Procurador vs Francis Muthaura Kirimi e Uhuru
Kenyatta Muigai teve lugar de 21 setembro - 5 outubro 2011.
Situação na Líbia
Em 26 de Fevereiro de 2011, o Conselho das Nações Unidas decidiu,
por unanimidade, remeter a situação na Líbia desde 15 de fevereiro,
2011 ao Procurador do TPI. Em 3 de Março de 2011, o Procurador do
TPI anunciou sua decisão de abrir um inquérito na situação na Líbia,
que foi designado pela Presidência para Juízo de Instrução I. Em 27
de Junho de 2011, Juízo de Instrução I emitiu três mandados de
prisão, respectivamente para Muammar Gaddafi Mohammed Abu
Minyar, Saif Al-Islam Kadhafi e Abdullah Al-Senussipor crimes contra
a humanidade (assassinato e perseguição), alegadamente cometidos
através da Líbia a partir de 15 pelo menos até 28 de fevereiro de
2011, através do aparelho de Estado e Forças de Segurança. Em 22
de novembro de 2011, Juízo de Instrução I formalmente encerrado o
33
processo contra Muammar Gaddafi, devido à sua morte. Os dois
outros suspeitos continuam foragidos.
Situação na Côte d'Ivoire
Côte d'Ivoire, o que não é parte no Estatuto de Roma, havia aceitado
a jurisdição do TPI em 18 de Abril de 2003; mais recentemente, e em
ambos 14 Dezembro de 2010 e 03 de maio de 2011, a Presidência da
Costa do Marfimreiterou o país aceitação desta jurisdição . Em 3 de
Outubro de 2011, Juízo de Instrução III concedeu o pedido do
Ministério Público autorização para abrir investigações motu
proprio sobre a situação na Côte d'Ivoire com relação a supostos
crimes da competência do Tribunal, comprometida desde 28 de
Novembro de 2010, bem como no que diz respeito a crimes que
podem ser cometidos no futuro, no contexto desta situação.
Em 23 de novembro de 2011, Juízo de Instrução III emitiu um
mandado de prisão sob sigilo, no caso O Procurador vs Laurent
Gbagbo para quatro acusações de crimes contra a humanidade. O
mandado de prisão contra Gbagbo foi aberta em 30 de novembro de
2011, quando o suspeito foi transferido para a detenção do TPI em
Haia, centro, pelas autoridades da Costa do Marfim. Em 5 de
Dezembro de 2011, Juízo de Instrução III realizou uma audiência
aparência inicial e definir a data para a confirmação de acusações de
audição para começar em 18 de junho de 2012.
A OTP está realizando exames preliminares em uma série de
situações,
incluindo o
Afeganistão , Geórgia , Guiné , Colômbia , Palestina , Honduras ,Coréi
a e Nigéria .
34
TEXTO 3
Tribunal Penal Internacional emite primeiro veredicto desde sua
criação: julgamento do caso Lubanga
Em 14 de março de 2012, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu
seu primeiro veredicto, desde sua criação, no caso Procurador Vs.
Thomas Lubanga Dyilo (“caso Lubanga”). A decisão foi adotada por
unanimidade pelos juízes do Tribunal, muito embora os juízes Odio
Benito e Fulford tenham redigido opiniões separadas e dissidentes em
alguns pontos específicos. Em sua decisão, a Câmara de Julgamento
do TPI condenou o congolês Thomas Lubanga, líder político e militar
rebelde, pelo crime de guerra de alistar e recrutar crianças menores
de 15 anos para sua milícia.
O Tribunal Penal Internacional foi criado em 1º de junho de 2002,
data da entrada em vigor do Estatuto de Roma. O Tribunal possui
competência material para julgar indivíduos pelos crimes de genocídio
(art.6 do Estatuto), crimes contra a humanidade (art.7), crimes de
guerra (art.8) e crimes de agressão (art.9) cometidos depois de sua
criação (art.11). O Procurador pode iniciar uma ação a pedido do
Conselho de Segurança (art. 13), de um Estado-parte do Estatuto
(art.14) ou por iniciativa própria (art.15).
A República Democrática do Congo (RDC) tornou-se um EstadoMembro do TPI em 11 de abril de 2002, e, em março de 2004, o
Presidente congolense Kabila remeteu a situação em seu país ao
Procurador do TPI. O caso Lubanga concerne aos eventos ocorridos
em Ituri, distrito localizado na porção nordeste do Congo, fronteiriça
com Uganda, entre o início de setembro de 2002 e 13 de agosto de
2003.
História do conflito:
Ituri é uma província rica em recursos minerais (como ouro,
diamante, óleo mineral e coltan), que muitos grupos – dentro e fora
da República Democrática do Congo – desejam explorar. Especialistas
têm sugerido que o conflito foi, inicialmente, economicamente
motivado, e que a interferência de grupos externos, sobretudo da
força armada de Uganda, foi significativa para o desenrolar do
conflito.
A República Democrática do Congo possui 450 diferentes grupos
étnicos. A província de Ituri, por si só, possui 18 diferentes grupos
étnicos, incluindo os Hema e os Lendu. Desde a colonização belga, as
etnias Hema e Lendu tiveram suas diferenças acentuadas, sendo os
primeiros favorecidos. Mesmo após a independência da RDC,
os Hema permaneceram como a elite congolense e como proprietários
de terras. Poderosos Hema transportavam recursos de Ituri para
Uganda, sem necessidade de pagamento de taxas de importação.
Entre 1998 e 1999, alguns Hema tentaram retirar, por meio do uso de
força, habitantes Lendu das terras destes. Como consequência de tais
35
tensões, iniciou-se um confronto armado que, gradualmente,
espalhou-se por Ituri e transformou-se em um conflito entre as
etnias Lendu e Hema.
A Força Armada nacional de Uganda (Forças de Defesa do Povo de
Uganda - FDPU) envolveu-se no conflito, inicialmente a favor dos
proprietários de terra de etnia Hema. Os Lendu criaram forças de
defesa, e tais milícias passaram a atacar vilas Hema. Tais forças de
defesa contavam com o apoio de certos oficiais de Uganda, do
governo congolês e de outro movimentos rebeldes. Por sua vez,
os Hema criaram comitês de defesa.
Em 1999, o grupo com controle nominal em Ituri, Rassemblement
Congolais pour la Démocratie (RCD), dividiu-se no RCD-G, apoiado
por Ruanda, e no RCD-Kisangani/Mouvement de Libération (RCD-ML),
apoiado por Uganda. Em outubro de 1999, as Forças de Defesa do
Povo de Uganda trasformaram Ituri em uma nova província chamada
Kibali-Ituri, e nomearam um ativista Hema como seu governador
provisório. A partir de então, o conflito acentou-se, levando, até
novembro de 1999, à morte de 7 000 pessoas e à retirada do
território em conflito de 10 000 indivíduos. Em março de 2000, uma
agência da ONU que realizava uma missão de avaliação em Ituri
declarou que a situação humanitária congolense aproximava-se de
uma catástrofe.
Em tal contexto, surgiu, em setembro de 2000, o grupo rebelde Union
des Patriotes Congolais (UPC), do qual Thomas Lubanga Dyilo era
membro-fundador e Presidente desde sua criação. Esse grupo
possuía, como braço armado, a Force Patriotique pour la Libération du
Congo (FPLC).
Nesse
mesmo ano,
ocorreu
uma
revolta
de
oficiais
e
soldados Hema dentro da Armée Populaire Congolaise (APC) - braço
armado da RCD-ML (grupo que detinha controle sobre Ituri). Após
negociação com autoridades de Uganda, os membros da revolta
partiram para treinamento em Uganda.
Em 6 de novembro de 2000, assumiu, como líder da RCD-ML, um
membro apoiado pela milícia Hema. No início de 2002, Thomas
Lubanga Dyilo assumiu como Ministro de Defesa da RCD-ML. No
entanto, em abril de 2002, durante as negociações de paz em Sun
City, o presidente da RCD-ML mudou seu posicionamento,
convergindo-o com o do governo congolês. Nesse sentido, o
Presidente da RCD-ML decidiu criar uma força armada integrada
de Hema e de Lendu para a RCD-ML. Com isso, vários indivíduos
abandonaram a RCD-ML, o que causou o surgimento de várias novas
milícias. Como consequência, o conflito foi levado a novos extremos
de fragmentação étnica. Entre os indivíduos dissidentes da RCD-ML,
encontrava-se o acusado, Thomas Lubanga Dyilo.
Líderes de milícias Hema realizaram uma revolta contra a RCD-ML.
Em junho de 2002, enquanto estava em Uganda, para reunir-se com
36
um grupo de pessoas, Thomas Lubanga Dyilo foi preso e,
posteriormente, transferido para o Congo, onde foi mantido em prisão
domiciliar por aproximadamente 1 mês.
Em agosto de 2002, dissidentes do RCD-ML, apoiados por Uganda,
atacaram Bunia, a capital de Ituri, e tomaram o controle da região,
expulsando o RCD-ML. Em setembro de 2002, a UPC/FPLC detinha o
controle de Ituri. Em outubro de 2002, Thomas Lubanga Dyilo
escreveu uma carta ao governo da República Democrática do Congo,
pedindo reconhecimento nacional do controle estabelecido na
província.
A partir deste momento, a rápida mudança de alianças e a violência
contra a população civil alcançaram extremos sem precedentes no
conflito. Em março de 2003, a luta entre a UPC/FPLC, as Forças de
Defesa do Povo de Uganda, e milícias Lendu, incluindo a Force de
Résistance Patriotique en Ituri (“FRPI”), levaram à retirada
da UPC/FPLC da capital de Ituri. No entanto, em maio de 2003,
a UPC/FPLC retornou
a
Bunia,
reiniciando
lutas
contra
milícias Lendu, o que resultou em inúmeras casualidades. Neste
mesmo mês, asForças de Defesa do Povo de Uganda retiraram-se do
conflito.
Em 2003, o Conselho de Segurança das Nações Unidas autorizou o
envio a Ituri da Operação Artemi,promovida pela União Européia. Em
2003, sob a égide do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o
Conselho de Segurança estabeleceu um mandato para a Missão da
Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo
(MONUC), autorizando-a a tomar as medidas necessárias para
proteger a população civil. Apesar dessas medidas, apenas em 13 de
agosto de 2003 alcançou-se um acordo de paz na região.
Acusação do Procurador do TPI
A Procuradoria do TPI acusou Thomas Luganda Dyilo de ser coperpetrador do crime de guerra de recrutamento e alistamento de
crianças menores de 15 anos de idade visando sua participação nas
hostilidades que ocorriam em Ituri. As principais alegações de fatos
contra Thomas Lubanga Dyilo iniciaram-se em 15 de setembro de
2002, quando o acusado tornou-se Presidente da Union des Patriotes
Congolais (UPC). Afirma-se que ele ocupou tal posição em todos os
momentos desde a criação do grupo.
Para estabelecer poder em Ituri, a UPC criou um braço armado, a
chamada Force Patriotique pour la Libération du Congo (FPLC). É a
acusação do Procurador que Thomas Lubanga Dyilo e seus coperpetradores recrutaram crianças menores de 15 anos de idade para
a FPLC. O recrutamento tinha como alvos escolas e o público em
geral, e estabelecia-se através de campanhas coercitivas em vilas. A
Procuradoria do TPI defende que isso, inevitavelmente, levou ao
recrutamento de crianças menores de 15 anos para a FPLC, ainda que
elas não fossem o alvo específico. Adicionalmente, inexistiu tentativas
37
de verificação da idade dos recrutados. Para o Procurador, tal
recrutamento iniciou-se em 2000, com o envio de indivíduos para
treinamento em Uganda.
Decisão do TPI
- Quanto à natureza do conflito
A acusação contra Thomas Lubanga Dyilo por prática de crime de
guerra encaixa-se nos artigos 8(2)(b)(XXVI) – circunscrito em um
contexto de conflito armado internacional- e 8(2)(e)(VI) – circunscrito
em um contexto de conflito armado não-internacional. Além disso, os
Elementos do Crime requerem que a alegada conduta criminal tenha
ocorrido associada com e em um contexto de conflito armado. Assim,
para que a acusação proceda, deve-se provar a existência de um
conflito armado entre 15 de setembro de 2002 e 13 de agosto de
2003, e discernir quanto ao tipo de conflito armado existente
(internacional ou não-internacional).
Entretanto, o Estatuto de Roma, as Convenções de Viena e seus
Protocolos Adicionais não definem, explicitamente, “conflito armado”.
Com base no caso Tadić do Tribunal Penal Internacional para a exIuguslávia (TPII), um conflito armado está presente quando há
recurso à força armada entre Estados ou violência prolongada entre
autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre
estes últimos dentro de um Estado. Ainda no caso Tadić, o TPII afirma
que o Direito Internacional Humanitário aplica-se desde o início dos
conflitos armados e extende-se para além da cessação das
hostilidades, aplicando-se até que se atinja um conclusão geral de paz
ou, no caso de conflitos internos, um acordo de paz.
Com base na jurisprudência das Câmaras Preliminares do TPI e do
Tribunal Penal Internacional para a ex-Iuguslávia, um conflito
internacional existe quando há recurso a força armada entre Estados.
Já um conflito não-internacional estaria presente quando os Estados
não recorrem à força e (i) a violência é prolongada e atinge um certo
nível de intensidade, e (ii) estão envolvidos, no conflito, grupos
armados com um certo nível de organização, incluindo capacidade de
impor disciplina e habilidade de planejar e sustentar operações
militares. Segundo o TPII e a Câmara de Recursos do TPI, em um
mesmo território, podem ocorrer, simultaneamente, conflitos de
diferentes naturezas. Assim, podem coexistir um conflito internacional
e um conflito não-internacional.
A Câmara Preliminar do TPI definiu conflito armado internacional com
base no art.2 das Convenções de Genebra, no Comitê Internacional
da Cruz Vermelha e no caso Tadić. Segundo a Câmara, o conflito
armado internacional ocorre entre dois ou mais Estados e extende-se
para situações de ocupação parcial ou total do território de um
Estado, havendo, ou não, resistência armada por parte deste. Um
conflito não-internacional pode internacionalizar-se caso (i) um outro
Estado intervenha com suas tropas (intervenção direta), ou (ii)
38
participantes do conflito armado não-internacional ajam em nome de
um terceiro Estado (intervenção indireta). No que tange a esta última
hipótese, caso o grupo armado não haja em nome de um governo,
não há dois Estados envolvidos no conflito e, assim, não há conflito
armado internacional.
Na hipótese de um conflito armado internacionalizado, para
estabelecer se foi atingido o necessário controle por parte de um
Estado sobre um grupo armado agindo em seu nome, a Câmara
Preliminar do TPI concluiu pela utilização do overall control test. Com
base neste teste, um Estado exerce o nível requerido de controle
quando ele possui um papel na organização, coordenação ou
planejamento das atividades militares de um grupo militar,
adicionalmente com o financiamento, treinamento, fornecimento de
equipamentos ou fornecimento de apoio operacional para o grupo em
questão.
No que tange a conflitos armados não-internacionais, segundo o
artigo 8(2)(f) do Estatuto de Roma, o parágrafo 8(2)(e) do Estatuto,
que tutela a proibição de crimes de guerra fora de um contexto de
conflito armado internacional, não se aplica em situações de tensões
ou perturbações internas, mas sim em um contexto de conflitos
armados não-internacionais, ou seja, conflitos armados que ocorrem
dentro do território de um Estado onde há conflito armado prolongado
entre autoridades governamentais e grupos armados organizados ou
entre tais grupos.
Para discernir se um grupo armado atinge o nível de organização
requerido para a caracterização de conflitos armados nãointernacionais, há alguns fatores que são potencialmente relevantes:
hierarquia interna no grupo; estrutura de comando e regras;
disponibilidade
de
equipamentos
militares;
habilidade
de
planejamento e de execução de operações militares; extensão,
intensidade e seriedade do envolvimento militar do grupo.
De acordo com o TPII, para discernir-se quanto ao nível de
intensidade requerido para diferenciar-se conflitos armados nãointernacionais de perturbações internas, deve-se atentar para alguns
fatores, como: seriedade dos ataques; aumento potencial dos
confrontos armados; seu alastramento pelo território durante um
determinado período de tempo; aumento do número de forças
governamentais; mobilização e distribuição de armas pelas partes
envolvidas nas hostilidades; pronunciamento do Conselho de
Segurança das Nações Unidas sobre o conflito, resoluções aprovadas
que digam respeito a ele ou algum outro tipo de demonstração de que
o Conselho de Segurança atentou para o conflito.
A UPC/FPLC organizava-se com um estrutura de hierarquia capaz de
treinar tropas, de impor disciplina e de estabelecer operações
militares em Ituri durante o período de tempo relevante para a
acusação. A APC, braço armado do RCD-ML, também estabeleceu-se
39
como um grupo armado organizado, capaz de estabelecer hostilidades
prolongadas durante o período em questão. Neste período, a RCDML/APCapoiou várias milícias Lendu, incluindo a FRPI, que também
caracteriza-se como um grupo armado organizado, pois possuía uma
suficiente estrutura de comando e de liderança, treinou soldados e
engajou-se em hostilidades prolongadas.
Deve-se, então, estabelecer se esses grupos armados organizados
agiam sob controle de algum Estado (Uganda, Ruanda ou República
Democrática do Congo). A Câmara de Julgamento do TPI concluiu que
o limitado apoio fornecido pelo governo congolês ao RCD-ML e
potencialmente a milícias Lendu é insuficiente para estabelecer o
controle necessário demandado pelo overall control test. No que
tange à Ruanda, a Câmara de Julgamento concordou com a Câmara
Preliminar de que as evidências são insuficientes para que se possa
concluir que Ruanda teve um papel no conflito de Ituri que possa ser
caracterizado como intervenção direta ou indireta. Quanto à Uganda,
muito embora haja evidências de que ela forneceu treinamento e
armamento para a UPC/FPLC e de que, posteriormente, através
das Forças de Defesa do Povo de Uganda, tenha ocorrido uma
mudança de aliança que resultou no fornecimento de assistência a
milícias Lendu, não há evidências suficientes de que Uganda tenha
tido um papel na organização, coordenação e planejamento das
operações militares da UPC/FPLC entre 15 de setembro de 2002 e 13
de agosto de 2003.
Apesar de haver evidências de intervenção direta por parte de
Uganda, tal intervenção teria apenas internacionalizado o conflito
entre a República Democrática do Congo e Uganda, não alterando o
fato de que o conflito de que a UPC/FPLC fazia parte não envolvia dois
Estados, mas sim violência prolongada entre múltiplos grupos
armados não-estatais. Assim, o conflito de que a UPC/FPLC fazia parte
permaneceu com caráter não internacional, independentemente da
existência de um conflito internacional concorrente entre Uganda e a
República Democrática do Congo.
Em sua decisão, a Câmara de Julgamento do TPI alterou o
enquadramento legal do conflito dado pela Câmara Preliminar, e
estabeleceu que o conflito armado entre a UPC/FPLC e outros grupos
armados, durante o período de setembro de 2002 a 13 de agosto de
2003, possuía natureza de conflito não-internacional.
- Quanto à responsabilidade individual de Thomas Lubanga Dyilo
A Câmara de Julgamento estabeleceu que o crime de alistar e recrutar
crianças menores de 15 anos de idade é cometido no momento em
que crianças menores de 15 anos são registradas ou entram no grupo
armado, com ou sem coerção. O crime é continuado, só terminando
quando a criança completa 15 anos de idade ou deixa o grupo
armado.
40
A Câmara reconheceu que, entre setembro de 2002 e 13 de agosto de
2003, a UPC/FPLC foi responsável pelo disseminado recrutamento e
alistamento de crianças menores de 15 anos de idade. O alistamento
e o recrutamento dessas crianças ocorreram tanto voluntariamente
como por meio do uso de coerção.
A Câmara Preliminar decidiu que, em crimes realizados em conjunto,
deve haver um plano comum entre os co-perpetradores. A Câmara de
Julgamento entendeu que, como resultado do plano comum de
construir uma força armada para o estabelecimento e manutenção de
controle político e militar na região de Ituri, garotos e garotas
menores de 15 anos de idade foram recrutados e alistados
na UPC/FPLC. As crianças participaram ativamente dos conflitos,
inclusive durante batalhas. Elas eram utilizadas como soldados e
guarda-costas de certos membros da UPC/FPLC - entre eles, o
acusado.
A Câmara Preliminar também entendeu que crimes realizados em
uma situação de co-perpetração exigem que haja uma contribuição
essencial para sua concretização por meio da conduta do acusado.
Apenas aqueles que prestaram tarefas essenciais para a realização do
crime podem ter controle conjunto sobre ele e, assim, podem ser
vistos como autores do crime em questão. Thomas Lubanga era
Presidente
daUPC/FPLC. Ele era, simultaneamente, ComandanteChefe da força armada e líder político. Lubanga estava envolvido na
tomada de decisão de políticas de recrutamento e ativamente apoiava
as iniciativas resultantes de tal política. Em seu discurso no campo
militar de Rwampara, encorajou crianças, inclusive as menores de 15
anos, a entrarem na força armada e a proverem segurança para a
população, quando enviados ao campo de batalha após o
recrutamento militar.
A Câmara de Julgamento concluiu que essas contribuições de Lubanga
foram essenciais para o plano comum que resultou no alistamento e
no recrutamento de crianças menores de 15 anos para aUPC/FPLC e
na sua utilização nas hostilidades. A Câmara concluiu que Lubanga
agiu com intenção e com o conhecimento necessário para ser
condenado pelo crime de guerra em questão, satisfazendo, assim, o
elemento pscicológico exigido no artigo 30 do Estatuto de Roma.
Lubanga foi, então, responsabilizado individualmente pelo crime de
guerra por que era acusado.
41
TEXTO 4
Julgamento em Nuremberg
Epílogo da tragédia
Nuremberg foi palco dos maiores triunfos nazistas. As reuniões
do partido; as leis raciais; os mais importantes discursos de
Hitler. Mas em 1946 o regime nazista estava extinto; Hitler
morto e Nuremberg em ruínas. Mas a cidade voltava a despertar
a atenção mundial, com vinte e um homens, abatidos,
respondendo pelos mais horríveis crimes da História.
Nêmesis
O espetáculo dos líderes alemães depostos, tendo suas vidas
submetidas a julgamento, dá ao mundo imediato do pós-guerra
um dos maiores assuntos de conversa. Esse não foi o primeiro
procedimento judicial dessa espécie da História, pois outros já
haviam sido responsabilizados por infringirem as regras da
guerra. O julgamento de Nuremberg, no entanto, realizou-se em
escala sem precedentes, e logo tornou-se claro que os crimes
com que o tribunal estava lidando eram de magnitude
incomparável.
Criticam-no, nos últimos anos, especialmente sob os aspectos
que tratam das duas primeiras categorias de delitos incorporadas à Carta do Tribunal Militar Internacional, ou seja,
"Crimes contra a Paz" (planejar ou travar guerra de agressão, ou
guerra que viole tratados internacionais) e "Crimes de Guerra"
(violação das leis ou costumes de guerra). Brados de
"hipocrisia!" têm ecoado entre os pacifistas militantes, nos casos
de Suez, Hungria e Tchecoslováquia, especialmente - e de modo
injusto - durante toda a prolongada agonia do Vietnã, com
42
respeito à ação aliada na primeira categoria, ao passo que a
probabilidade de "crimes de guerra" terem sido cometidos pelos
vencedores e, assim, escapando ao castigo destinado aos
derrotados, sempre preocupou a consciência de homens
racionais, especialmente dos que já viveram a tensão e o calor
da batalha.
O que em geral não se observa, e que o Dr. Kahn torna claro em
sua avaliação calma e lúcida dos eventos de que trata, é que os
membros do tribunal estavam igualmente cônscios da possibilidade de se transformar em arma de dois gumes qualquer
condenação que pudessem pronunciar sobre o assunto "conspiração para fazer guerra" e, mais ainda, das pressões da
batalha sobre todos os que dela participam. Como resultado disso, dos vinte e dois homens que se sentaram no banco dos réus
em Nuremberg, os onze que foram condenados à morte também
haviam sido considerados culpados de delitos incluídos na quarta
categoria - "Crimes contra a humanidade."
A lista das monstruosidades cometidas pelos líderes da
Alemanha nazista que, sem qualquer sombra de dúvida, se enquadram nesta definição é um catálogo de horrores. O Juiz
Jackson, ao sintetizar o libelo acusatório, assim iniciou: Nenhum
meio-século testemunhou massacre em tal escala: crueldades e
desumanidades inimagináveis, condenação de povos inteiros à
escravidão, aniquilamentos de minorias. O terror de Torquemada
se eclipsa diante da Inquisição Nazista.
Não era crível que os responsáveis pela tortura, humilhação e
morte de tantos homens e mulheres na maneira esboçada pela
acusação (e que não foi negada pela defesa) escapassem ao
castigo. Sob este aspecto, a escala do crime por certo é
moralmente condenável. Há alguns anos desenvolve-se uma
escola de propaganda pró-nazismo que vem tentando reabilitar
a repulsiva filosofia que a consciência do mundo rejeitou,
afirmando que "a questão da eliminação dos judeus tem sido
flagrantemente exagerada. Seis milhões de judeus mortos nos
campos de concentração? Sabemos agora que não pode ter havido mais de cem mil!"
Se apenas dez seres humanos morreram como resultado do
trabalho da máquina de extermínio instalada em Auschwitz ou
Treblinka, então os condenados à morte em Nuremberg foram
plenamente merecedores da pena que receberam, e a história
da nação liderada por esses homens maculou-se para todo o
sempre. Para aquele que foi atirado à asfixia no interior da
43
notória casa de banhos em Auschwitz, a idéia de que era apenas
um entre muitos milhares não serviria para aliviar-lhe o
desespero e agonia. E, naquela época, o assassinato - cometido
seja lá como fosse - era em todo o mundo considerado crime
capital. O apelo à retroação da lei é apenas pretexto, e nada
mais que isso, para confundir e mistificar. Homens que tramam
degradar, torturar e matar devem aprender que a sua vida não é
mais valiosa que a da criatura que pretende eliminar, por mais
insignificante que ela possa a seus olhos parecer. O homem
nascido no seio de uma raça que em certo momento se torna
pouco respeitada oferece menos perigo para o mundo que
aquele que integra uma raça imbuída de uma filosofia de ódio ou
desprezo.
O Tribunal Militar em Nuremberg proporcionou um julgamento e
uma condenação justos aos que foram levados à sua presença.
Talvez algumas das sentenças de prisão fossem demasiado
brandas ou demasiado severas, mas, como o juiz francês,
Donnedieu de Vabres, afirmou com a lógica tradicional - embora
agora talvez um tanto incomum - em seu país: A sentença, no
caso de grandes criminosos de guerra, é a expressão da justiça
humana, portanto, relativa e falível. Ela reflete, como é normal,
a boa-fé, a competência, e talvez também os preconceitos dos
seus autores. Talvez não seja idêntica ao julgamento da História
ou ao julgamento de Deus. Contudo, as distinções e matizes que
contém, e sua moderação relativa, provam que, pelo menos,
não é a expressão de uma justiça empenhada em vingança.
Os que estão dispostos a encontrar apenas falhas nos
julgamentos de Nuremberg deveriam pensar nas alternativas.
Mussolini foi linchado e pendurado pelos calcanhares ao lado de
sua amante relativamente inocente; aviadores aliados foram
vítimas de linchamentos realizados por turbas alemãs durante a
guerra, e mulheres alemãs foram estupradas por soldados
aliados de todas as raças, a pretexto de vingança. Não fosse o
fato de os julgamentos dos culpados terem sido proclamados - e
realizados em Nuremberg com objetividade suficiente para
demonstrar sua integridade - a vingança indiscriminada ter-se-ia
descarregado sobre toda a Europa, com uma resultante de
hostilidades que lembram as da Sicília e que atribulariam o
mundo durante gerações.
Singularmente, os que condenam o que se fez em Nuremberg
não têm apresentado qualquer alternativa para ó que ali se
passou. Limitam-se apenas a criticar.
44
Origens
Durante muitos meses de 1945 e 1946 o julgamento dos
grandes criminosos de guerra em Nuremberg fascinou o mundo
inteiro. Havia um irresistível quê de drama intenso no espetáculo
desses homens, até bem pouco governantes da maior parte da
Europa e senhores de vida e morte de milhões. Lutaram pela
própria existência, sentados no banco dos réus. As pessoas mais
ponderadas viam no julgamento, entretanto, mais que a simples
sensação do momento. Tinham escutado falar na escalada de
crimes cometidos com tal sangue-frio que a mente civilizada só
a muito custo concebia a sua efetivação, mesmo depois de cinco
anos de guerra. Um tribunal internacional, comprometido com
regras rígidas de evidência elaboradas por sistemas jurídicos nacionais durante séculos de experiência e requinte crescentes,
certamente distinguiria a verdade indiscutível do boato infundado, e avaliaria com exatidão a culpa das pessoas,
individualmente. Ao fazer isso, ele iniciaria uma nova era no desenvolvimento da justiça penal internacional e, assim,
promoveria a causa que todos desejavam: o estabelecimento de
um sistema de lei e ordem entre as nações. Na verdade, eram
grandes esperanças; grandes demais para serem inteiramente
cumpridas.
Muito aconteceu desde então, e com rapidez cada vez maior.
Inimigos tornaram-se aliados, e aliados, inimigos; outras
guerras e atrocidades ocorreram. Os vinte e dois acusados de
Nuremberg e seu destino são história passada, para a nova
geração, e apenas um punhado dos seus nomes é lembrado.
Embora acreditemos que o julgamento de Nuremberg tenha pelo
menos lançado as bases para a aplicação internacional da
justiça, temos que admitir que o progresso tem sido excessivamente lento e que os resultados práticos são ainda quase
imperceptíveis.
Quando as esperanças são insensatamente altas, é fatal que o
desapontamento seja igualmente exagerado. Quando hoje se
fala do julgamento de Nuremberg, normalmente é com ar de
constrangimento,
senão
com
declarado
desdém.
"Um
julgamento de exibição, no modelo totalitário", dizem muitos;
"um caso típico de ai dos vencidos!" À primeira vista, a
afirmação parece plausível, porque contém um grão de verdade.
O julgamento, evidentemente, teve um elemento político, na
medida em que muitas das ações a serem julgadas eram, em
sentido amplo, de caráter político. A criação do tribunal e o
45
preparo da sua carta foram o resultado de negociações
realizadas pelos Quatro Grandes entre as nações vitoriosas e,
por certo, considerações políticas também desempenharam seu
papel. Mas os trabalhos em Nuremberg não foram um
julgamento de exibição e jamais pretenderam sê-lo. Ao
contrário, veremos que, embora se fizessem tentativas esporádicas, dentro e fora da sala de julgamento, de transformar o
tribunal num instrumento de política, os juízes afirmaram com
coerência e firmeza sua independência e a supremacia da lei
sobre qualquer conveniência política. Seja o que for que se
possa pensar sobre seus aspectos controvertidos, o julgamento
esteve sempre dentro dos melhores padrões de justiça.
Os fatos principais revelados ou confirmados em seu decorrer
formam agora parte do acervo comum do nosso conhecimento
histórico e os arquivos de Nuremberg são uma fonte adequada
para os estudos eruditos dos detalhes. Mas acreditamos
realmente que valha a pena tornar a contar, hoje, a história do
próprio julgamento. Em primeiro lugar, ele constitui uma
experiência grande e imaginativa, do ponto de vista de
legislação e procedimento penal, e suas lições são ainda muito
apropriadas. Os problemas básicos com os quais o tribunal de
Nuremberg teve de lidar também são problemas presentes e
futuros, e a maneira como ele tentou resolve-los é instrutiva, em
sentido positivo e negativo: em certos pontos, teve êxito; em
outros, falhou. Queremos saber como teve êxito, e por que
falhou. A história que se pode contar tem agora tanto interesse
humano como na época despertaram os relatórios, embora hoje
esse interesse seja de tipo diferente, por estarmos menos
envolvidos emocionalmente, e por haver-se dissipado a atmosfera carregada de dramaticidade. Por outro lado, uma
compreensão muito mais profunda das motivações e reações dos
homens que ocuparam o palco em Nuremberg pode ser captada:
não só dos acusados, como também dos acusadores, defensores
e juízes. Ao contrário do leitor de jornais de vinte e cinco anos
atrás, não precisamos tirar conclusões exclusivamente do que foi
ouvido e visto nas sessões públicas do tribunal. Muitos dos que
estiveram envolvidos, numa ou noutra posição - desde alguns
dos acusados até o carrasco - publicaram suas memórias e
comentários. Sabemos agora muita coisa sobre as atitudes e o
estado de espírito dos prisioneiros quando não estavam no
banco dos réus. Sabemos também das dissensões havidas entre
promotoria, advogados de acusação e magistrados, em virtude
de algumas deliberações dos juízes, tomadas sob a tensão de
uma responsabilidade imensa. São esses vislumbres dos
bastidores que dão à nossa história o fascínio inexistente nos
46
registros oficiais do tribunal.
Levar os principais nazistas ao tribunal não foi, como às vezes se
afirma, uma decisão tomada precipitadamente no primeiro
entusiasmo da vitória; ao contrário, esta se tornara uma das
metas de guerra dos aliados, declarada já nos primeiros estágios
do conflito. Além disso, a maneira como isso deveria ser feito
fora assunto de estudos e debates prolongados.
A cadeia de acontecimentos iniciou-se no outono de 1941,
quando se tornou público que os alemães estavam executando
sistematicamente os reféns inocentes na França, em represália
aos ataques às forças alemães de ocupação. A 25 de outubro, o
Presidente Roosevelt denunciou vigorosamente essa ilegalidade,
e advertiu que os responsáveis pelo estabelecimento dessas
medidas seriam um dia punidos. Winston Churchill, falando na
Câmara dos Comuns, associou imediatamente seu governo à
declaração do presidente. "A punição desses crimes -, disse ele,
"deveria ser agora incluída entre as metas principais da guerra.Pouco mais tarde, o governo da União Soviética lançou um
protesto diplomático, sobre as atrocidades infligidas aos
prisioneiros de guerra e civis russos, onde declarava que o
governo de Hitler seria considerado responsável pelos crimes
cometidos pelas tropas alemães.
À medida que os relatórios sobre o terrorismo alemão
continuaram chegando, essas declarações gerais de intenção
foram seguidas de propostas algo mais concretas. Em Londres,
os representantes dos oito governos exilados, Bélgica,
Tchecoslováquia, Grécia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos,
Polônia e Iugoslávia, e a Comissão Nacional Francesa, formaram
a Conferência Interaliada (mais tarde: Comissão) de Punição por
Crimes de Guerra, que faria a primeira tentativa de esclarecer os
complexos problemas implicados e de criar um programa. Nas
sessões desse organismo já eram evidentes algumas abordagens
fundamentalmente diferentes. Assim, uns delegados insistiam
em que o castigo dos criminosos de guerra deveria ser baseado
na lei do país em que o crime fora cometido; outros, favoreciam
a introdução de novos princípios de direito penal internacional. O
General De Gaulle, falando pelos franceses livres, foi o primeiro
a afirmar que não só os excessos praticados eram crimes
passíveis de punição, mas também as guerras de agressão,
pelos quais os líderes alemães deveriam ser responsabilizados.
Contudo, na época, tal afirmação parece não ter causado muita
impressão. Não se pôde chegar a nenhum acordo final sobre
todos os pontos controvertidos, mas já a 13 de janeiro de 1942
47
a Conferência emitiu uma declaração, conhecida como a
"Declaração de Saint James", que continha algumas diretrizes
importantes. Os criminosos de guerra deveriam ser punidos, não
por ação executiva, mas através de processo judicial. Tanto os
agentes como os que deram as ordens seriam considerados culpados do crime. Era essencial uma solidariedade internacional no
trato do problema, para impedir que a população vitimada
buscasse vingança anárquica.
Os governos do Reino Unido e dos EUA, ao declararem, a 7 de
outubro de 1942, a disposição de criar a "Comissão das Nações
Unidas para Crimes de Guerra", deram passo importante no
estudo do problema. À "Comissão" cabia, precipuamente,
identificar as responsáveis por crimes conhecidos, recolher e
avaliar provas. A declaração dos dois governos desestimulava
represálias em massa, mas garantia que os responsáveis por
assassinatos organizados e outras atrocidades não ficariam
impunes. Ela foi adotada por todas as nações aliadas, com uma
exceção significativa: o governo soviético tentou obter uma
posição preponderante, exigindo que as repúblicas-membros da
União Soviética fossem separadamente representadas na
Comissão. Quando a exigência foi recusada, os russos criaram a
Comissão Extraordinária Estatal Soviética para Investigar Crimes
de Guerra. Na vã esperança de que o governo soviético pudesse
mudar de idéia, a CNUCG ficou no estágio do planejamento por
algum tempo. Entrementes, grupos especiais de estudo
trabalhavam arduamente nos aspectos legais das acusações.
Pelo menos um deles, a Assembléia Internacional de Londres,
fundada pelo Visconde Cecil of Chelmwood, teve considerável
influência sobre as decisões ulteriores, especialmente por
considerar que as guerras de agressão e o genocídio eram
crimes especificados no direito internacional, e que deveriam ser
submetidas a julgamento as pessoas que por eles fossem
responsabilizadas.
Em outubro de 1943, dois outros pontos importantes
relacionados com o problema foram resolvidos. Um deles foi o
estabelecimento oficial da CNUCG, que realizaria o trabalho
preparatório
indispensável
para
futuras
denúncias.
As
oportunidades de adquirir provas documentais e para indicar os
indivíduos suspeitos de crimes de guerra foram, evidentemente,
limitadas enquanto a guerra durou. Não obstante, em março de
1945, a comissão havia compilado cinco dessas listas, com mais
de 2.000 nomes, e os governos representados na ONUCG haviam proporcionado considerável conjunto de fatos detalhados.
Também é evidente que apenas um punhado das pessoas
48
relacionadas estavam em posição de serem classificadas como
"grandes" criminosos de guerra; portanto, o trabalho de
verificação de fatos da comissão teve menor influência sobre o
julgamento principal de Nuremberg do que sobre muitos outros
julgamentos que se seguiram.
O outro acontecimento foi uma declaração, assinada por
Roosevelt, Churchill e Stalin, após uma conferência de ministros
do exterior, realizada de 19 a 30 de outubro em Moscou. Essa
"Declaração de Moscou" é particularmente digna de nota, por ter
sido a primeira declaração básica de política feita conjuntamente
pelas três grandes potências. Segundo afirmava a "Declaração",
os criminosos de guerra seriam divididos em dois grupos:
"grandes" e "pequenos" criminosos. Quanto ao primeiro grupo,
estabelecia que: "Os oficiais alemães e membros do Partido
Nazista que consentem nas atrocidades, massacres ou execuções, ou que ordenem a sua realização, serão devolvidos aos
países onde cometeram tais atos, para que possam ser julgados
e punidos segundo as leis dos países libertados e dos governos
livres neles estabelecidos." Observe-se a palavra "consentem".
No que respeita ao segundo grupo, a declaração ficou
deliberadamente vaga. Ela simplesmente dizia que aqueles cujos
crimes não tinham nenhuma localização geográfica particular
"seriam castigados por decisão conjunta dos governos dos
Aliados", não fazendo qualquer tentativa para definir os crimes
"sem localização geográfica particular". Tampouco os signatários
se comprometeram sobre se as sentenças seriam pronunciadas
por meio de um julgamento formal ou através de algum
procedimento sumário.
Até esse momento, o mundo livre não se mostrara propenso a
culpar a nação alemã, como um todo, pelos horrores da guerra.
A idéia de culpa coletiva, ainda amplamente aceita durante e
depois da Primeira Guerra Mundial, era agora quase que
universalmente
considerada
primitiva
e
injusta;
os
pronunciamentos oficiais a rejeitaram muitas vezes. Mas os
quatro anos de luta desesperada pela sobrevivência, com seu
cortejo de sofrimentos, medos e privações, ensejariam fatalmente o embrutecimento das mentes até mesmo daqueles que
se haviam conservado fiéis às atitudes civilizadas do tempo de
paz. Depois de enfrentarem os rigores da guerra total, na qual
as distinções entre soldados e civis, alvos militares e não
militares, se haviam tornado quase inexpressivas, não é de
espantar que poucos pude sem distinguir cuidadosamente entre
alemães culpados e inocentes ou os diferentes graus de culpa.
49
Havia outro fator cujo impacto moral não deve ser subestimado.
Com repugnância, um mundo relutante foi finalmente obrigado a
aceitar como verdadeiros os relatórios do que os nazistas
chamavam, com cinismo repulsivo, "a Solução Final da Questão
Judia." Era algo para o qual termos como "perseguição" ou
"pogrom" já não eram mais adequados. O extermínio planejado
de todos os judeus na Europa central e oriental evidentemente
exigia dezenas de milhares de carrascos e uma organização
imensa. Só para as pessoas que não têm experiência pessoal de
um regime totalitário é que é difícil crer que pudesse haver, na
Alemanha, alguém que não soubesse disso.
Não foi somente a magnitude do crime que fez da Solução Final
um fenômeno especial. A perseguição implacável de adversários
políticos, a selvageria na busca da vitória, o saque, o estupro e o
assassinato por parte de uma soldadesca brutalizada - todas
estas eram coisas que haviam acontecido antes e tem acontecido depois. É horrível que tivessem que ocorrer no século XX,
e no coração da Europa, mas não estavam fora dos padrões
reconhecidos do comportamento - por demais - humano. Mas o
processo sistemático, prolongado e burocraticamente controlado
de exterminar milhões de vítimas que não ofereciam nenhum
perigo e cuja morte não dava nenhuma vantagem aos
assassinos só podia ser interpretado como a manifestação de
uma mente enferma; e toda a nação alemã parecia estar afetada
pela doença. Esta nação, simplesmente, tinha de ser esmagada
e reduzida à impotência, até curar-se do mal.
O endurecimento temporário das atitudes dos Aliados teve como
expressão o Plano Morgenthau. Num memorando datado de 6 de
setembro de 1944, o Secretário do Tesouro norte-americano,
Henry Morgenthau Jr., propôs que, depois da guerra, a
Alemanha devia ser dividida em pequenas unidades políticas, ter
suas instalações industriais desmanteladas e suas minas
destruídas. Devia ser transformada num país puramente
agrícola, pobre e impotente. Que tal plano irrealista e cruel
pudesse ser sugerido por um homem que, segundo dizem todos
os que o conheceram, era uma pessoa culta e de grande
inteligência, e que ele pudesse ser levado a sério por políticos
responsáveis, é uma indicação do ressentimento manifestado em
muitas partes, na época. O Plano Morgenthau foi inicialmente
aceito, de forma abrandada, por Roosevelt e Churchill na
Conferência de Quebec, realizada no fim daquele mês. Esse fato
transformou-se no prato favorito dos inimigos da Democracia
que, baseados na aprovação de tal Piano, afirmavam que as
democracias praticamente não eram menos bárbaras do que os
50
nazistas mas, evidentemente, isso é absurdo, como veremos. É
compreensável que, por algum tempo, as pessoas voltassem ao
espírito do Tratado de Versalhes, de 1919, e à idéia de castigo
coletivo; fato realmente importante - e muito recomendável sobre o Plano Morgenthau é que ele permaneceu um episódio
sem conseqüências. Foi imediata e vigorosamente combatido
dentro do Gabinete dos Estados Unidos, especialmente pelo
Secretário de Estado, Cordell Hull, e pelo Secretário da Guerra,
Henry L. Stimson. A notícia da sua existência chegou à imprensa
norte-americana e foi amplamente discutida nos Estados Unidos
e na Grã-Bretanha. Logo tornou-se notório que o peso da
opinião pública era-lhe francamente contrário, diante do que o
plano foi para sempre abandonado.
Por último, devemos citar um memorando apresentado por três
membros do Gabinete dos EUA ao Presidente Roosevelt, a 22 de
janeiro de 1945, na véspera da sua conferência com Churchill e
Stalin em Yalta. Esse memorando na realidade não foi discutido
na conferência, mas esclarecia a posição norte-americana sobre
dois pontos que até então só tinham sido considerados
vagamente. O memorando recomendava, em primeiro lugar, que
certas organizações nazistas, como a Gestapo e as SS, deviam
ser acusadas, assim como os líderes nazistas; segundo, que
tanto os líderes como as organizações deveriam ser
responsabilizados não só por delitos específicos, mas também
"por participação conjunta num amplo empreendimento
criminoso que incluía e planejava esses atos, ou fora
relativamente calculado para realizá-los". Isso queria dizer que o
conceito legal anglo-saxônico de "conspiração" deveria ser
aplicado no proposto julgamento dos principais criminosos de
guerra. Como esta acusação de conspiração viria a deempenhar
um papel muito importante, devemos acrescentar aqui algumas
palavras de explicação. Uma regra geralmente aceita é que, se
um homem planeja um crime, mas não o comete nem participa
do seu cometimento, não será criminalmente responsável.
Igualmente também quando ele tenha sido impedido de executar seu plano pelas circunstâncias, ou o tenha reconsiderado.
Tampouco importa se outros adotam seu plano e o executam.
Contudo, se várias pessoas combinam planejar um crime, então,
na Grã-Bretanha e nos EUA, isto talvez baste para tornar cada
uma delas culpada do crime especial de conspiração. Essa lei
tem sido uma arma de sucesso, muito usada na luta contra o
gangsterismo nos Estados Unidos. Sem ela, poucos dos
"chefões" que não aparecem poderiam ter sido condenados.
Naturalmente, de todos os gangsters, os chefes ocultos eram os
mais perigosos, e moralmente os mais culpados.
51
Portanto, essa era a posição quando do fim da guerra. Entre as
Nações Unidas, havia unanimidade quanto à maneira como os
responsáveis por atrocidades localizadas, os criminosos
"menores", deveriam ser tratados. Mas no tocante aos "grandes"
criminosos de guerra, só havia concordância sobre um ponto:
eles teriam de pagar pelos seus crimes e deviam ser punidos de
acordo com princípios internacionalmente aceitos. Somente
desse modo é que se poderia manter dentro de limites
controlados a exigência universal de uma punição justa. Durante
a guerra, fora fácil fazer admoestações solenes e declarações
gerais de intenção; mas agora, confrontados com problemas
políticos e jurídicos de grande complexidade, os vencedores
tinham de tomar decisões práticas. Os vários organismos
consultivos, dos quais já falamos, haviam feito um trabalho
minucioso e de valia, mas a verdade indiscutível que surgiria das
suas discussões é que não existia uma solução ideal; cada um
dos meios sugeridos apresentava vantagens e desvantagens. E
como os princípios da jurisprudência internacional - um ramo
muito pouco desenvolvido do direito - não prescrevia um
procedimento obrigatório e claramente definido ao se aplicar
nesta situação sem precedentes, as primeiras decisões, as
decisões básicas, tinham de ser tomadas no nível político. Sendo
assim, era inevitável que aos Quatro Grandes - as mesmas
potências que compartilhavam do domínio soberano da
Alemanha vencida - caberia o fardo da tomada de decisão.
Deveria haver um julgamento formal dos principais criminosos
de guerra? Esta era a primeira pergunta; sobre ela a opinião
pública estava nitidamente dividida. Para alguns, o princípio da
legalidade estrita era o único digno de nações democráticas.
Outros achavam que os papéis desempenhados pelas principais
personalidades do Terceiro Reich já eram do conhecimento
geral; portanto, parecia desnecessário e até mesmo hipócrita
passar pelo palavrório forense para estabelecer sua culpa. Seria
mais fácil fuzilá-los assim que fossem presos, ou, no máximo,
julgá-los sumariamente no local. Significativamente, onde os
brados por uma justiça improvisada se faziam ouvir com mais
insistência era na Alemanha. As atitudes oficiais também
diferiam. Uma vez abandonado o Plano Morgenthau, o governo
americano passou a favorecer firmemente um julgamento justo
perante um tribunal internacional, como o único meio de
assegurar os efeitos morais que todos desejavam. Por outro
lado, os estadistas britânicos a princípio fizeram vigorosas
objeções. Tanto Churchill como seu Ministro do Exterior,
Anthony Eden, davam mais atenção à necessidade de rapidez. A
52
bem da ordem na Europa, era conveniente que o organismo
político alemão fosse liberado o mais breve possível dos seus
elementos mais sórdidos; mas um julgamento onde as
implicados tivessem todas as oportunidades de se preparar e
apresentar seu caso seria um trabalho prolongado. Além disso,
por mais meticuloso que fosse um julgamento assim conduzido,
eles previam que, em última análise, não poderia fugir à desconfiança que o homem comum tem, compreensivelmente,
quanto a qualquer ação judicial com tonalidades políticas. A
execução, sem pronunciamento de um ribunal, de pequeno
número dos nazistas de cúpula - foram indicados Hitler, Goring,
Himmler, Goebbels, Ribbentrop e Streicher - seria o modo mais
sensato de se lidar com o problema dos principais criminosos de
guerra. Os russos não faziam objeções a um julgamento, mas
logo tornou-se evidente que eles tinham idéias próprias sobre a
forma que o trabalho dos juízes deveria tomar.
Em maio de 1945, a questão principal foi debatida em reuniões
especiais entre os ministros do exterior dos Quatro Grandes,
durante a conferência de criação da Organização das Nações
Unidas, em São Francisco. Pouco antes, Hitler se suicidara em
seu abrigo em Berlim e, se conhecido, este fato teria oferecido
um argumento de peso em favor da atitude britânica. Mas os
negociadores não sabiam que Hitler estava morto. Mais precisamente, apenas os russos sabiam, mas nada contaram. Dessa
forma, a opinião norte-americana prevaleceu e se decidiu
realizar um julgamento formal perante um tribunal militar
internacional. Na verdade, ele agora seria apenas um
julgamento dos principais criminosos de guerra - sem o principal
criminoso de guerra; uma falha para a qual não havia remédio.
Contudo, aceitando todas as conseqüências, estabelecera-se que
cada um dos quatro governos indicaria um representante e que
esses se reuniriam o mais breve possível, em Londres, para
elaborar os detalhes. A Conferência de Londres iniciou-se
formalmente a 26 de junho. O representante nomeado pelo
Presidente Truman (Roosevelt falecera a 12 de abril de 1945)
era Robert H. Jackson, Juiz Adjunto do Supremo Tribunal, cuja
energia dominou toda a conferência. Jackson era um idealista,
com crença firme na justiça natural e na eficácia do processo
judicial. Jamais transigiu em questões de princípio e tinha
dificuldades em ceder até mesmo em questões relativamente
corriqueiras. Seu zelo moral e seu espírito combativo lhe foram
proveitosos em Londres, onde teve de superar considerável
resistência sobre várias questões.
Antes de partir para Londres, Jackson definira seus objetivos no
53
relatório minucioso dirigido ao Presidente, onde encontramos o
seguinte trecho:
"Nosso processo contra os principais acusados refere-se ao plano
diretor nazista, não às barbaridades e perversões individuais que
ocorreram independentemente de qualquer plano central. A base
do nosso processo deve ser realmente autêntica e constituir uma
história bem documentada do que estamos convencidos ter sido
um plano amplo e concertado para incitar e cometer as
agressões e barbaridades que chocaram o mundo. Não nos
devemos esquecer de que, quando os planos nazistas foram
proclamados de maneira tão audaciosa, eram de tal modo
extravagantes, que o mundo se recusou a levá-los a sério. A
menos que escrevamos a história desse movimento com clareza
e precisão, não poderemos culpar o futuro se, nos dias de paz,
ele
considerar
incríveis
as
generalidades
acusatórias
pronunciadas
durante
a
guerra
Devemos
confirmar
acontecimentos incríveis por meio de provas críveis."
O raciocínio em que se baseiam essas palavras é impecável, mas
devemos compreender claramente o que elas subentendem.
Primeiro, podia-se muito bem confiar em que os juizes
avaliariam, com imparcialidade profissional, a evidência de
"barbaridades individuais", tarefa para a qual estavam
preparados pela sua educação e experiência; mas a redação da
histeria de toda a conspiração, "do plano grande e concertado" na verdade a revisão de grande parte da história européia:
durante duas décadas - estaria muito além das funções normais
de um tribunal. Segundo, já observamos que o conceito de
conspiração criminosa é peculiar ao direito consuetudinário
anglosaxônico; seria correto aplicá-lo num julgamento de
alemães por crimes cometidos na Europa Continental? Além
disso, há certa imprecisão inerente ao conceito. Se interpretado
de maneira ampla, quase toda personalidade pública do Terceiro
Reich poderia ser considerada participante. Seria difícil traçar
uma linha sem ser arbitrário. Além disso, não é verdade que os
estadistas soviéticos haviam ajudado e secundado o plano
diretor nazista, assinando o pacto de não agressão e partilha da
Polônia em 1939? Não se poderia dizer que os pacificadores
franceses e britânicos, ou pelo menos alguns deles,
"conspiraram" com os nazistas?
Para Jackson, foi muito fácil conquistar o apoio do representante
britânico. Naquele momento, era Sir David Maxwell-Fyfe, mais
tarde Conde de Kilmuir. Quando o governo Churchill caiu, em
fins de julho, Maxwell-Fyfe foi substituído por Sir William Jowitt.
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Fyfe era de espírito bastante convencional, embora um
advogado militante muito hábil nos tribunais e político
experiente, cujas preocupações principais eram a preservação
da unidade aliada e que o início dos processos não deveria ser
atrasado indevidamente. Ele não era inclinado ao dogmatismo
jurídico nem às considerações, a longo prazo, de posição política
que atrapalhassem esses objetivos. Contudo, assim que o VicePresidente do Supremo Tribunal da União Soviética, General I. T.
Nikitchenko, e o Professor Trainin se juntaram aos debates em
Londres, a finalidade básica dos trabalhos voltou a ser motivo de
discussão. Na opinião russa, um julgamento justo significava que
a evidência seria apresentada correta e totalmente, não para
estabelecer a culpa dos acusados, pois esta já estava confirmada, mas para o julgamento da posteridade. Citamos abaixo
um trecho das proposições de Nikitchenko, apresentadas a 29 de
junho:
"Não estamos tratando aqui de um caso de crime comum, de
roubo, de furto ou crimes menores. Iremos julgar os principais
criminosos de guerra, que já foram condenados e cuja
condenação já foi anunciada, nas declarações de Moscou e da
Criméia, pelos chefes dos governos... Com relação à posição do
juiz, a delegação soviética acha irrelevante, considerando-se a
natureza do caso, o princípio de que ele deva ser parte completamente desinteressada, sem nenhum conhecimento prévio do
caso... As alegações da acusação são indubitavelmente do
conhecimento do juiz antes do início do julgamento; portanto,
não há por que criar uma espécie de ficção... Se o procedimento
a ser adotado impõe que o julgador deva ser absolutamente
imparcial, isto só levará a atrasos desnecessários... O que se
pretende é assegurar um castigo justo e rápido pelo crime
cometido."
Nikitchenko dificilmente esperava que tal proposta fosse aceita
pelos delegados dos países ocidentais, e, tendo expressado o
ponto de vista soviético apenas para vê-lo registrado, não
insistiu mais. Porém - embora afirmasse categoricamente que,
se se queria fazer um julgamento, este teria de ser genuíno Jackson concordava com o fato de que, quanto às condenações,
senão às sentenças, o resultado teria que ser o que todos
esperavam. "Na declaração do Sr. Nikitchenko há muito de
verdade. Neste caso só pode haver uma decisão - a qual somos
obrigados a admitir. Mas o que deve prevalecer é a evidência,
não as declarações feitas por chefes de estado com relação a
esses casos."
55
Dever-se-ia incluir "crimes contra a paz" nas acusações? Esta
questão incomodou muito mais. Os delegados franceses, Juiz
Robert Falco e o Professor André Gros, achavam que não.
Mesmo que as guerras de agressão fossem ilegais - os peritos
em direito internacional não concordavam com isso - o erro foi
cometido por um estado; ainda não havia nenhuma regra
jurídica reconhecida que tornasse alguém pessoalmente
responsável, por mais lamentável que esta posição legal pudesse
ser. Na opinião dos franceses, as cláusulas indisputáveis do
direito internacional bastariam, contudo, para se alcançar os
objetivos essenciais do julgamento.
"Creio", disse o Professor Gros, "que nossas diferenças são mais
ou menos as seguintes: os americanos querem ganhar o
julgamento alegando que a guerra nazista era ilegal; o povo
francês e o dos vários países ocupados querem apenas mostrar
que os nazistas eram bandidos. Esta demonstração não é difícil.
Há muitos anos vem grassando o banditismo organizado na
Europa, e, como resultado disso, muitos crimes foram
cometidos. Queremos mostrar que esses crimes se deram
segundo um plano comum".
Os russos não estavam preocupados com tais considerações
legais. Estavam tão ansiosos quanto os americanos por verem
os líderes nazistas castigados pelo crime de iniciarem guerras de
agressão. Mas estipularam uma condição: qualquer definição do
crime deve ser explicitamente restrita aos atos agressivos cometidos pelos nazistas e seus aliados. Não é de surpreender que os
russos considerassem vital este ponto, considerando a própria
história de agressões desse povo, contra a Finlândia e a Polônia.
Para Jackson, os crimes contra a paz haviam-se tornado a
questão crucial do julgamento. Ele compreendia os escrúpulos
legais dos franceses, mas o próprio fato de que o direito
internacional não era claro a este respeito tornava, na sua
opinião, ainda mais conveniente que um tribunal internacional
pudesse decidir com firmeza segundo os conceitos modernos de
justiça. Observou que os Estados Unidos haviam ajudado as
nações atacadas, antes de entrarem na guerra, o que leva à
convicção de que, para os EUA, as guerras de Hitler haviam sido
ilegais desde o início. Quanto à definição restritiva exigida pelos
russos, estas eram totalmente inadmissíveis:
"Achamos que a restrição não procede, porque faz uma
declaração muito unilateral de direito. Se certos atos que violam
tratados são crimes, terão que ser entendidos como crimes, quer
56
sejam cometidos pelos Estados Unidos, quer pela Alemanha. Não
estamos na disposição de considerar criminosas certas regras de
conduta, por parte de outros países, se estas mesmas regras
são também seguidas por nós."
Maxwell-Fyfe, embora ciente das dificuldades que deveriam
surgir no julgamento, devido à falta de uma definição legal clara
de "crimes contra a paz", ficou do lado de Jackson. Dificilmente
poderia agir de outro modo, já que aceitara os princípios
americanos antes do início formal das negociações de Londres.
Entretanto, ainda insistia em que o julgamento não deveria
demorar mais de três semanas - uma impossibilidade óbvia, se
as questões a serem julgadas fossem tão amplamente
examinadas e debatidas como Jackson queria.
Também houve vários pontos menos importantes em debate.
Um deles referia-se à proposta de se julgar certas organizações
nazistas; naturalmente, o tribunal não pronunciaria qualquer
sentença de castigo nesse caso, mas simplesmente as declararia
organizações criminosas. Os russos, de acordo com sua teoria
geral sobre o julgamento, fizeram objeções aos trabalhos contra
as organizações, alegando que os governos aliados já as haviam
declarado como tais.
Durante muito tempo se mantiveram teimosamente as atitudes
antagônicas, e na última semana de julho não parecia haver
nenhum acordo em vista. Foi então que Jackson pronunciou o
equivalente a um ultimato: disse não ter autoridade para
abandonar a posição americana e mesmo que isto estivesse a
seu critério, não estaria disposto a fazê-lo. Preferia abandonar,
de todo, o plano de um julgamento internacional, caso em que
os americanos julgariam todos os principais criminosos de
guerra que viessem a cair em suas mãos. Estivesse ele falando
sério ou blefando, a verdade é que a ameaça foi eficaz sobretudo porque a maioria dos principais nazistas estava sob
custódia americana ou britânica. Assim, no começo de agosto,
todas as questões importantes existentes entre os delegados
foram solucionadas segundo as propostas americanas. A 8 de
agosto os delegados assinaram o "Acordo de Londres", que os
outros governos das Nações Unidas foram convidados a apoiar
(o que fizeram subseqüentemente). A jurisdição, constituição e
as funções do Tribunal Militar Internacional a ser criado foram
definidas na carta anexada ao acordo. Esta carta contém trinta
artigos e somente os mais importantes serão resumidos aqui.
O Artigo 2º estipulava que deveria haver quatro juízes, a serem
57
indicados por cada um dos quatro partícipes do acoordo. Para
cada um desses juízes titulares seria nomeado um juiz
substituto, da mesma forma. Não se adotou uma sugestão
anterior, de que os substitutos deveriam ser escolhidos entre
outras nacionalidades; se aceita, poderia ter sido de grande
utilidade, salientando o caráter internacional do tribunal, mas
não há razão para se crer que viesse a alterar os rumos do
julgamento.
O Artigo 3º estabelecia a regra vital de que a competência,
jurisdição e composição do tribunal não podiam ser contestadas
pela acusação ou pela defesa.
Segundo o Artigo 6º, as categorias de crimes a serem julgados
seriam as seguintes:
Crimes contra a paz: o preparo, iniciação e empreendimento
de guerras de agressão, em violação de tratados ou garantias
internacionais, e a participação num plano comum, ou
conspiração, para essa finalidade. A Carta não definia com
precisão o termo "guerra de agresssão".
Crimes de guerra: violações de leis, isto é, convenções
internacionais e costumes de guerra, incluindo maltratos e
deportações de populações civis, assassinato ou tratamento
desumano de prisioneiros de guerra ou pessoas no mar, e o
assassinato de reféns, saque e destruição desenfreada.
Crimes contra a humanidade: assassinato, extermínio,
escravização, deportações e outros atos desumanos cometidos
por motivos políticos, raciais ou religiosos. Ao contrário dos
crimes de guerra, tais atos não precisariam ter sido cometidos
em território inimigo ocupado ou contra naturais do país inimigo.
Todavia, eles devem estar "dentro da jurisdição do Tribunal", o
que mais tarde foi interpretado como significando que a perseguição de oponentes políticos e judeus, realizada pelos nazistas
na Alemanha antes da guerra, estava excluída.
O Artigo 8º tratava da defesa por alegação de "ordens
superiores": um acusado não estava isento de responsabilidade
por um crime, mesmo que pudesse provar ter agido por ordens
de um superior, embora o fato pudesse ser considerado
atenuante.
O Artigo 9º adotava a proposta de que o tribunal devia ter
poderes de declarar que certos grupos ou certas organizações
58
tinham caráter criminoso.
As regras estipuladas para a realização do julgamento
obedeciam ao sistema anglo-saxão de procedimento penal.
Embora isto colocasse os advogados de defesa em
desvantagem, porquanto teriam de se adaptar a um
procedimento para o qual não dispunham de qualquer
experiência,
compreendeu-se
claramente
que,
comparativamente, este procedimento era uma salvaguarda
para uma realização justa do julgamento. As regras da evidência
tinham de ser menos formais do que nos casos comuns, mas os
direitos básicos dos acusados eram explicitamente garantidos
pelo Artigo 16 da Carta.
Nos termos dos Artigos 26 e 27, o tribunal era obrigado a dar
suas razões para condenar um acusado, mas não para o grau do
castigo, ou seja, a pena. Ele recebeu o direito de pronunciar
sentenças de morte.
Acumulando provas
Finalmente, chegou-se a uma base estatutária para o
julgamento dos principais criminosos de guerra. Tal base
professava ser apenas uma aplicação concreta das regras
existentes do direito internacional, mas por certo esta afirmação
não era indisputável. Também é verdade que algumas das
cláusulas eram menos precisas do que se poderia desejar.
Tentamos mostrar que em grande parte este problema era
inevitável e que os que haviam redigido a Carta estavam
perfeitamente cônscios dos seus pontos controvertidos. Restava
saber se as fraquezas reconhecidas da Carta se revelariam
apenas defeitos de natureza mais ou menos técnica, ou se se
tornariam obstáculos incontornáveis no caminho da justiça. Teria
o tribunal a integridade e a capacidade de manter os elementos
políticos do julgamento dentro dos seus limites e de esclarecer
os pontos jurídicos duvidosos? Somente o decorrer do
julgamento poderia responder. E seria possível reduzir o
conhecimento geral dos crimes cometidos a provas concretas,
mostrando o envolvimento do acusado "sem sombra de dúvida"?
Mesmo antes de iniciados os trabalhos, estava claro que, sob
este aspecto, a acusação seria realmente capaz de apresentar
alegações muito convincentes.
A busca de provas documentais trouxe resultados muito além
das expectativas mais otimistas. Seria de esperar que, pelo
59
menos no tocante às atrocidades mais grosseiras, poucos seriam
os registros mantidos. Mas não; os agentes do crime
orgulhavam-se da eficiência com que realizavam o crime, e o
registravam pormenorizadamente e de modo quase pedante. Na
confusão do colapso do Terceiro Reich, nenhuma ordem foi dada
no sentido da destruição dos arquivos. Grande número de
pessoas envolvidas havia perecido nos acidentes de guerra, mas
milhares de documentos foram recuperados nos escritórios
locais do partido ou do governo, ou em esconderijos para onde
haviam sido removidos apressadamente. Assim, os arquivos de
Alfred Rosenberg, o "filósofo" nazista e ex-Ministro do Reich para
os Territórios Orientais Ocupados, foram encontrados ocultos em
uma parede falsa num castelo abandonado. Em outro castelo
abandonado, uma equipe de buscas encontrou os arquivos
quase completos do Ministério do Exterior Alemão, perto de
cinco toneladas de papéis. O ex-Governador-Geral nazista da
Polônia, que angariara o apelido de Polsenschlächter (Carniceiro
dos Poloneses), entregou seu substancioso diário, intato, quando
da sua prisão. Uma descoberta particularmente valiosa foi a dos
arquivos pessoais do Chefe das SS, Heinrich Himmler; muitos
outros foram encontrados. Toda esta evidência escrita foi reunida em centros de documentação especialmente criados, onde
os itens foram separados, selecionados, registrados, traduzidos
e reproduzidos antes de serem submetidos às equipes de
acusação para avaliação e seleção finais. Portanto, a acusação
estava em posição de construir seu libelo basicamente sobre
provas oferecidas pelos arquivos alemães, mas as equipes de
investigação também conseguiram reunir grande número de
testemunhas importantes. Era natural que os sobreviventes do
terror nazista e os adversários secretos do regime de Hitler estivessem dispostos a prestar testemunho. Mas o surpreendente foi
que muitos dos nazistas do alto escalão, eles próprios
enfrentando a possibilidade de serem levados a julgamento, nos
processos projetados contra criminosos de guerra "menores",
estivessem dispostos a contar tudo nos interrogatórios
preliminares. Trinta e três testemunhas importantes foram chamadas a depor pela acusação, no julgamento dos principais
criminosos de guerra. A coleta das provas foi um impressionante
feito de organização, e a força motriz desse grande esforço foi o
Juiz Jackson, com seu zelo inquebrantável.
Jackson também encontrou o local certo para o Julgamento, o
que não fora muito fácil, dadas as condições caóticas
predominantes na Alemanha, na época. Era o Palácio da Justiça
em Nuremberg, um edifício imenso que oferecia espaço
suficiente para acomodar não so o próprio tribunal, mas também
60
os incontáveis escritórios necessários ao julgamento. Os russos
teriam preferido Berlim, conjuntamente ocupada pelos Quatro
Grandes, a um lugar na zona americana de ocupação, mas não
restava um só prédio adequando, nos montes de escombros da
antiga capital alemã. Talvez a decisão de Jackson e seus colegas
também fosse influenciada por certas razões sentimentais.
Nuremberg é uma cidade histórica; suas antigas belezas haviam
sido carinhosamente conservadas por muitos séculos. Na Idade
Média, fora um dos grandes centros europeus de comércio e
cultura artesanal; fora o berço do maior artista da Alemanha,
Albrecht Dürer, e de muitos outros artistas e artesãos famosos.
Os amantes da música a conhecem como o cenário da ópera "Os
Mestres Cantores", de Wagner. E os nazistas haviam pervertido
a grande tradição da cidade, como haviam feito com tantas
tradições alemães. Nuremberg tornara-se a "Cidade do Movimento", onde o Partido realizava suas reuniões anuais. Dali,
Hitler promulgara suas infames leis raciais as Leis de Nuremberg
- em 1935. Ali, o espírito que levou à guerra total e ao genocídio
ficou demonstrado da maneira mais flagrante. Ali também a
destruição chegou. A cidade fora grandemente danificada pelos
bombardeios aliados maciços. Pode-se , dizer que Nuremberg
simbolizava ao mesmo tempo o melhor e o pior do caráter
nacional alemão, e também isto fazia dela uma escolha
adequada.
O Palácio da Justiça também sofrera seriamente com os
bombardeios e teve de ser reparado e redecorado às pressas.
Preparou-se um amplo tribunal demolindo-se uma parede que
dividia dois tribunais contíguos de tamanho normal. O banco do
juiz estava na extremidade oeste. O banco dos réus ficava ao
longo da parede oposta, atrás das mesas dos advogados de
defesa. Instalou-se um elevador para ligar os bancos dos réus à
prisão. Na parte norte da sala havia quatro grandes mesas para
as equipes da acusação, diante de uma galeria especialmente
montada para a imprensa, e, acima desta, uma galeria para
visitantes. Tratava-se de um julgamento para o qual se desejava
a maior publicidade possível.
O problema de interpretação foi solucionado, depois de muita
discussão, com a adoção do sistema de tradução simultânea, por
sugestão do Juiz Jackson.
O sistema, na época bastante novo e não experimentado, é
agora usado com freqüência e não precisa ser descrito em
detalhes. Ele requer habilidade e concentração excepcionais por
parte do intérprete e, no todo, é mais adequado para a
61
interpretação de discursos previamente preparados do que para
uma rápida sucessão de perguntas e respostas. Nos primeiros
momentos do julgamento houve muitas queixas, mas logo que
as pessoas se acostumaram a manipular seus audiofones, e que
os intérpretes adquiriram experiência, o sistema passou a
funcionar relativamente bem. De qualquer modo, era preferível
ao método tradicional, que teria sido intoleravelmente lento num
trabalho onde todas as provas e todos os argumentos tinham de
ser traduzidos em três das quatro línguas oficiais: alemão,
inglês, francês e russo.
A denúncia, preparada de acordo com o Artigo 6º da Carta do
Tribunal, era dividida em quatro pontos de acusação; os dois
primeiros cobriam os "crimes contra a paz": 1º - conspiração
para cometer guerra de agressão; 2º - o próprio crime da guerra
de agressão; 3º - crimes de guerra; e 4º - "crimes contra a
humanidade". Já explicamos a distinção entre essas duas
categorias. O crime de conspiração para cometer crimes de
guerra, e crimes contra a humanidade também foram incluídos
na 1ª Cláusula, mas, no seu julgamento, o tribunal declarou que
essa acusação não era sancionada pela Carta. Em conseqüência,
grande parte das provas apresentadas pela acusação revelou-se
legalmente impertinente.
Dos pontos específicos a serem incluídos nas acusações, apenas
um provocou forte discordância entre as equipes da acusação.
No último instante, os russos insistiram em incluir o fato de os
nazistas haverem assassinado milhares de oficiais poloneses,
prisioneiros de guerra, cujos corpos foram encontrados na Floresta de Katyn. Os norte-americanos objetaram vigorosamente,
pois estavam impressionados pela afirmação polonesa de que
esse massacre específico na verdade fora perpetrado por forças
soviéticas.
Desta feita os russos conseguiram seu intento e, no devido
tempo, apresentaram a questão ao tribunal, causando muito
constrangimento, sobretudo para eles próprios. O tribunal
apreciou a acusação em silêncio e a prova apresentada no julgamento por certo não era conclusiva em qualquer sentido. A
verdade histórica do massacre de Katyn nunca foi plenamente
apurada.
A denúncia, um documento de 66 paginas impressas, foi
finalmente assinada em Berlim, a 6 de outubro de 1945, e indicava os seguintes acusados:
1. Hermann Göring, até abril de 1945 o sucessor eventual de
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Hitler. Comandante-Chefe da Luftwaffe e Plenipotenciário para o
Plano Quadrienal, o organismo controlador da economia de
guerra alemã.
Durante a luta do movimento nazista para a tomada do poder,
ele comandou as SA e, tomado o poder, foi encarregado da
Gestapo e do sistema de campos de concentração até que
Heinrich Himmler assumiu essa função, em 1934. Depois de
Hitler, ele em geral era considerado o mais importante líder
nazista, embora, na verdade, sua influência declinasse gradativamente a partir de 1941.
2. Rudolf Hess, ex-Ministro sem Pasta do Reich, Representante
do Führer e seu sucessor eventual, depois de Göring.
Compartilhara da prisão de Hitler na fortaleza de Landsberg, em
1924, e o ajudara na redação do livro Mein Kampf continuou
sendo o mais íntimo confidente de Hitler até 10 de maio de
1941, quando partiu no seu famoso vôo solitário ate a Escócia,
aparentemente numa missão de paz que se impusera - ação
cuja origem e motivo precisos ainda estão envoltos em mistério.
3. Joachim von Ribbentrop, que, entre 1933 e 1945, fora
sucessivamente Conselheiro de Hitler para a Política Externa,
Plenipotenciário, Embaixador no Reino Unido e, a partir de
fevereiro de 1938, Ministro das Relações Exteriores do Reich.
4. Robert Ley, ex-Líder da Frente Trabalhista Alemã, Diretor da
Organização do Partido Nazista e Co-Organizador da Inspeção
Central para o Cuidado dos Trabalhadores Estrangeiros.
5. Feldmarechal Wilhelm Keitel, que fora nomeado Chefe do
Estado-Maior do Alto Comando das Forças Armadas (OKW)
quando Hitler assumiu o comando supremo da Wehrmacht, em
fevereiro de 1938.
6. Ernst Kaltenbrunner, o sucessor de Reinhard Heydrich
(assassinado por patriotas tchecos em junho de 1942) como
Chefe das organizações de segurança internas e externas de
Himmler, isto é, o Departamento Nacional de Segurança (RSHA),
a Polícia de Segurança (Sipo) e o Serviço de Segurança (SD),
dentro das SS. Estes eram os principais organismos ligados à
execução dos "crimes contra a humanidade".
7. Alfred Rosenberg, o principal expoente da "filosofia" nazista e
que também exercera importantes funções políticas e
administrativas como Diretor do Departamento de Assuntos
63
Exteriores do NSDAP e, de julho de 1941 até o fim da guerra,
como Ministro do Reich para os Territórios Orientais Ocupados. O
Einsatzstab Rosenberg fora uma força-tarefa especial para o
saque de tesouros artísticos e certos tipos de propriedade nos
Territórios Ocupados, tanto do Leste como do Oeste.
8. Hans Frank, ocupou altos cargos nos departamentos
governamentais e do partido como assessor jurídico de Hitler;
nomeado Governador-Geral dos territórios poloneses anexados
em outubro de 1939.
9. Wilhelm Frick, Ministro do Interior do Reich de começos de
1933 a agosto de 1943, posteriormente Protetor da Boêmia Morávia. Como principal perito nazista em administração, foi
também Plenipotenciário-Geral da Administração do Reich, em
cujo cargo tratara, em particular, dos detalhes técnicos da
incorporação ao Reich dos territórios conquistados.
10. Julius Streicher, conhecido como "Perseguidor Número Um
dos Judeus". Nunca ocupou cargo no governo e fora demitido da
Liderança Partidária, como Gauleiter da Francônia em 1940, por
má conduta, mas até certo ponto conservou a estima pessoal de
Hitler. Continuou como editor do notório jornal Der Stürmer, que
publicava propaganda anti-semita do tipo mais grosseiro, e com
grande dose de pornografia vulgar.
11. Wilhelm Funk: substituiu a Hjalmar Schacht como Ministro
da Economia e Plenipotenciário para a Economia de Guerra, no
começo de 1938 e, um ano depois, como Presidente do
Reichsbank.
12. Hjalmar Schacht, um dos mais eminentes peritos em
finanças da Alemanha, que fora Presidente (com uma interrupção de 1930 até 1933), do Banco Nacional (Reichsbank)
de 1923 a 1938. Depois da sua demissão dos cargos de Ministro
da Economia e de Plenipotenciário para a Economia de Guerra,
tornou-se Ministro sem Pasta, mas não participou da vida
pública depois de janeiro de 1939.
13. Gustav Krupp von Bohlen und Halbach, diretor da famosa
firma dos Krupp, que produziu o grosso das armas de guerra
alemãs para três grandes guerras. Também foi Presidente da
União da Indústria Alemã do Reich.
14. Grande-Almirante Karl Dönitz, comandante da arma de
submarinos desde 1936 e Comandante-Chefe da Marinha a
64
partir de 1934. No seu "testamento político", escrito antes de
suicidar-se, Hitler nomeou Dönitz seu sucessor como Chefe do
Estado.
15. Grande-Almirante Erich Raeder, Comandante-Chefe da
Marinha durante os últimos cinco anos da "República de Weimar"
e conservou esse comando no governo de Hitler até janeiro de
1943.
16. Baldur von Schirach, ex-Líder da Juventude do Reich,
incluindo a Hitlerjugend, e, como tal, membro do governo do
Reich de 1936 a 1940, quando foi nomeado Gauleiter de Viena;
contudo, permaneceu no controle geral da educação juvenil.
17. Fritz Sauckel, Gauleiter da Turíngia desde 1927 e chefe do
governo turíngio de 1933 a 1942. Em março de 1942, Hitler o
nomeou Plenipotenciário Geral para a Utilização do Potencial Humano. A utilização de trabalhadores recrutados à força no
exterior e de prisioneiros de guerra esteve dentro de suas
funções.
18. General Alfred Jodl, ex-Chefe de Operações do Estado-Maior
no Alto Comando das Forças Armadas (Wehrmacht) que gozava
do direito de acesso direto a Hitler em todas as questões de
operação.
19. Martin Bormann, Diretor da Chancelaria do Partido,
Secretário do Führer durante os últimos anos do Terceiro Reich e
a "Eminência Parda" de Hitler. Não havia sido preso, mas acreditava-se que ainda estivesse vivo, e o tribunal decidiu julgá-lo
in absentia.
20. Franz von Papen, político profissional e Chanceler do Reich
por seis meses durante o último ano da "República de Weimar".
Foi Vice-Chanceler no primeiro Gabinete de Hitler, até 30 de junho de 1934, data do chamado "expurgo de Röhm".
Posteriormente, foi Embaixador na Austria, de 26 de julho de
1933 a 4 de fevereiro de 1938, e Embaixador na Turquia, de
abril de 1939 a agosto de 1944.
21. Arthur Seyss-Inquart, Ministro da Segurança e do Interior da
Áustria durante o último mês da independência austríaca, e
Governador do Reich na Áustria, depois do Anschluss (anexação)
até o outono de 1939, quando se tornou Vice-Governador-Geral
da parte anexada da Polônia, sob Frank. Em maio de 1940, foi
nomeado Comissário do Reich para os Países Baixos ocupados.
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22. Albert Speer, arquiteto de Hitler e, desde fevereiro de 1942,
Ministro dos Armamentos e Munições do Reich (mais tarde
recebeu o novo título de Ministro de Armamentos e Produção de
Guerra do Reich).
23. Constantin von Neurath, diplomata de carreira que serviu
como Ministro das Relações Exteriores nos gabinetes de von
Papen e de Hitler até ser substituído por Ribbentrop. Em março
de 1939, foi nomeado Protetor do Reich na Boêmia-Morávia,
mas retirou-se da vida pública em setembro de 1941.
24. Hans Fritzsche, principal comentarista político de rádio do
regime nazista, chefe da Divisão da Imprensa Interna do
Ministério da Propaganda de Goebbels de dezembro de 1938 a
novembro de 1942, posteriormente chefe da Divisão Radiofônica
do mesmo ministério.
Além desses indivíduos, sete "grupos ou organizações" foram
incluídos como réus nas condições já explicadas: o Gabinete do
Reich; o Corpo de Liderança do Partido Nazista; as SS; o SD; a
Gestapo; as SA; o Estado-Maior-Geral e o Alto-Comando das
Forças Armadas.
Diante desta lista, ficamos impressionados com a estranha
mistura que esses homens formavam. Fica-se cogitando sobre o
critério usado para escolhê-los. Não havia centenas de outros
que, com igual ou melhor justificativa, poderiam ser classificados
como principais criminosos de guerra? Alguns dos acusados,
Göring e Kaltenbrunner, por exemplo, eram escolhas realmente
óbvias, mas dificilmente se pode dizer o mesmo de homens
como Schacht, Funk, von Schirach ou Fritzsche. A escolha foi,
então, tão arbitrária como poderia parecer à primeira vista? A
pergunta é fundamental, se quisermos avaliar a importância do
julgamento, e devemos tentar uma explicação.
Em primeiro lugar, devemos lembrarnos de que, no contexto dos
julgamentos de crimes de guerra, a palavra "principais" referese à posição central que um réu ocupava dentro do regime
nazista, que era essencialmente criminoso; ela se refere ao grau
mais elevado da sua responsabilidade, e não ao grau de
depravação das suas ações. A acusação estava no
convencimento pleno de que os assassinos e torturadores das
massas, que seriam julgados posteriormente em outros
tribunais, eram, na acepção comum do termo, piores criminosos
do que Speer e Dönitz, por exemplo.
66
Outra consideração estava ligada a esta. Jackson e seus colegas
pretendiam salientar sobretudo o plano coletivo, em oposição a
crimes individuais; assim, estavam compreensivelmente
ansiosos por fazer com que cada aspecto importante do regime
nazista fosse representado pelo menos por uma das
personagens levadas ao banco dos réus, especialmente porque
Hitler já não estava presente para responder pela totalidade dos
crimes cometidos sob seu domínio. E dois dos seus três
principais lugares-tenentes também se haviam suicidado:
Himmler, o Reichsführer-SS, e Goebbels, Ministro da Propaganda
nazista e controlador da vida cultural da nação. Como
representante do terror das SS, Kaltenbrunner, por certo, não
passava de uma segunda escolha, à falta de "melhor", mas em
seu caso pelo menos se pode dizer que, segundo quaisquer
padrões, ele era um grande criminoso de guerra e
provavelmente teria sido denunciado, mesmo que Himmler ainda
estivesse vivo para ser trazido ao tribunal. Mas julgar Fritzsche
como substituto de Goebbels era um pouco absurdo, como o
Tribunal mais tarde reconheceu tacitamente ao absolvê-lo. A
inclusão de Fritzsche se deveu em parte à insistência dos russos,
já que ele era um dos poucos nazistas notórios capturados pelas
forças soviéticas. Até que ponto a promotoria foi na aplicação
deste princípio da representação ficou claramente demonstrado
no caso de Krupp. Quando, no começo do julgamento, se
verificou que o velho Gustav Krupp estava doente demais para
comparecer e o Tribunal recusou-se a julgá-lo na sua ausência,
a acusação solicitou aos juizes, espantados, permissão para
denunciar seu filho, Alfred, em seu lugar. E não apenas isto:
também queria que o tribunal abrisse mão, neste caso, da sua
regra, de que cada acusado devia receber uma cópia da
acusação no mínimo trinta dias antes do julgamento. O tribunal
respondeu com uma enérgica e sumária rejeição, sem se
preocupar em dar as razões. Os promotores britânicos não
haviam assinado a moção. Alfred Krupp foi indiciado e
condenado, num julgamento subseqüente.
Embora talvez não seja muito importante em si, este incidente
marcou um momento decisivo na história dos trabalhos em
Nuremberg. Desde a "Conferência de Londres", onde os homens
da lei haviam substituído os políticos, predominou o "espírito de
cruzado" de Robert H. Jackson. A redação da Carta e da
acusação, o preparo das provas e a escolha dos acusados
tinham sido essencialmente obra sua e refletiam suas idéias.
Havia muitos que supunham que, como chefe da equipe
americana de acusação, ele seria capaz de permanecer como en-
67
carregado e que o próprio julgamento seria o "julgamento de
Jackson." Não há dúvida de que ele próprio pensava assim, e
isso poderia realmente ter acontecido se a acusação tivesse tido
permissão de advogar sua causa perante juízes passivos e
complacentes. Mas este não era o caso. O juiz presidente,
Lorde-Juiz Lawrence, era bastante conhecido, entre os juristas
ingleses, como um "Magistrado forte", um homem de autoridade
calma, porém muito firme; qualidade esta que já demonstrara
em sua juventude, quando serviu, com distinção, como oficial na
Primeira Guerra Mundial. Dele, nem mesmo o promotor mais
convincente poderia arrancar o controle dos trabalhos. E, neste
aspecto, podia contar com o apoio dos outros juizes, colegas
seus, sem excluir - deve-se salientar - o dos juízes russos.
Conscientes da importância histórica do julgamento, estavam
decididos a não permitir ênfase indevida em detrimento do
procedimento correto no tribunal, como os advogados de ambos
os lados por certo tentariam fazer. A rejeição ríspida da moção
da promotoria, quanto aos Krupps, foi a primeira indicação clara
da sua atitude.
Em começos de outubro, já todos os acusados haviam sido
levados para a prisão reconstruída do Palácio da Justiça de
Nuremberg, onde cada um recebeu sua cela separada e
mobiliada de modo muito simples. Um pátio da prisão dava-lhes
oportunidade para fazer um mínimo de exercício. Somente
depois do início do julgamento é que os prisioneiros puderam
conversar: quando estavam reunidos no banco dos réus, ou
mais livremente, durante as refeições que faziam juntos, entre
as sessões. No Palace Hotel em Mondorf, Luxemburgo, onde a
maioria ficara detida anteriormente, haviam desfrutado de muito
mais liberdade e conforto. O comandante da prisão de
Nuremberg, o coronel americano C. B. Andrus, fazia questão de
ordem e disciplina. Ele providenciou para que os prisioneiros
recebessem alimentação decente, que tivessem pronta atenção
médica quando necessário e que suas roupas fossem
meticulosamente tratadas, mas os considerava apenas
prisioneiros comuns e recusou-se a fazer quaisquer concessões
ao seu senso de importância. Os prisioneiros o detestavam.
A 24 de outubro, Robert Ley foi encontrado morto em sua cela,
enforcado no cano de descarga do vaso sanitário e, depois disso,
as medidas de precaução foram intensificadas. Os guardas do
bloco de celas foram quadruplicados e receberam ordens de
manter os prisioneiros sob constante observação. Estes tinham
de dormir em posição que permitisse que a luz da portinhola
lhes iluminasse o rosto; se mudassem de posição durante o
68
sono, os guardas tinham ordens de despertá-los. Havia razões
para estas medidas, mas se o Coronel Andrus temia que o
suicídio de Ley provocasse qualquer perturbação mental nos
outros acusados - levando talvez a outros suicídios - estava
enganado. A consternação foi apenas temporária. Aliás, Göring
achava bom que o desmiolado Ley tivesse morrido. Ele temia
que o ex-Líder da Frente Trabalhista Alemã representasse um
papel desagradável no tribunal. "De qualquer modo, ele vinha
morrendo de tanto beber."
A acusação, em sua forma definitiva, foi submetida ao tribunal a
18 de outubro e cópias desta foram distribuídas aos acusados, a
quem foi consignado o prazo de um mês para estudá-la e
preparar sua defesa. Cada acusado recebeu explicações
completas dos seus direitos, nos termos da Carta; em particular,
do seu direito de constituir um advogado alemão de sua escolha.
O problema dos advogados de defesa causou algumas dores de
cabeça aos juízes. Os dois juízes russos eram de opinião que exmembros do partido nazista não deveriam ser aceitos como
defensores e, neste aspecto, estavam de acordo com grande
setor da opinião pública, dentro e fora da Alemanha. Todavia,
eles foram vencidos pela maioria dos juízes, que achavam que
tal restrição na escolha dos defensores não podia ser justificada
e, em última análise, fatalmente criaria má impressão. Posteriormente, alguns dos advogados de defesa sugeriram que
deviam ter permissão de serem auxiliados por colegas americanos ou britânicos, que poderiam ajudá-los nas dificuldades com
o procedimento correto de tribunal adequado para o direito
consuetudinário anglo-saxão. Esta parece ter sido uma das raras
ocasiões em que uma decisão, quanto a procedimento, foi
influenciada por considerações políticas.
Os advogados de defesa estavam numa posição muito delicada.
Somente poucos deles haviam sido membros do partido (o que
não significa, necessariamente, que haviam sido nazistas
convictos) e provavelmente eles mesmos ficaram surpresos e
profundamente chocados com o vulto e com os detalhes
horripilantes dos crimes citados na acusação. É certo que
qualquer advogado, quando uma verdadeira vocação, faz o
máximo pelo cliente, mesmo que deteste a pessoa e tudo o que
ela representa; mas não é fácil adquirir e manter a confiança do
cliente em tal situação. Ademais, não se tratava de um
julgamento comum. A despeito da freqüência e solenidade com
que os juízes e a acusação declaravam que não era a nação
alemã que estava em julgamento, o público não acreditava
muito nisso. Os advogados de defesa, conforme foram
69
informados com muita clareza pelos jornalistas que os assediavam para entrevistas, sabiam que, de modo geral, esperava-se
que eles representassem não só seus clientes como também "o
ponto de vista alemão". Isto era um equívoco, mas que não
podia deixar de ter poderoso efeito psicológico. As circunstancias
exigiam deles bom equilíbrio entre a advocacia firme e o tato político. Se errassem num dos sentidos, os acusados e seus amigos
poderiam recriminá-los por covardia moral; se no outro, haveria
altos brados do público e da imprensa contra sua "desfaçatez".
Quando pediram a Göring que escolhesse seu advogado, sua
primeira resposta foi sintomática: "Simplesmente não posso
imaginar que um advogado alemão tenha a coragem de falar
perante um tribunal aliado". Contudo, em conclusão, a maioria
deles realmente falou, com o estímulo do tribunal, ainda que
após um período inicial de sondagem cautelosa. Um dos seus
opositores em Nuremberg, Lorde Kilmuir, diz o seguinte a
respeito deles em suas memórias:
"Dois deles, que pareciam ser respectivamente o mais velho e o
mais jovem, Dr. Rudolf Dix, que defendeu Schacht, e o
Flottenrichter Otto Kranzbuhler, que defendeu Dönitz, eram os
melhores que se poderia encontrar em qualquer tribunal,
enquanto que os outros estavam à altura da elevada tradição da
profissão, em circunstâncias que lhes devem ter sido
extremamente difíceis."
Ley matou-se; Frank fez duas tentativas infrutíferas de matarse; Göring foi durante muito tempo viciado em drogas e
provavelmente é verdade quando se diz que a estabilidade
mental da maioria dos acusados estava, até certo ponto, prejudicada pela queda do poder, pelo isolamento e humilhações da
prisão e pelas perspectivas sombrias à sua frente. Mas somente
quanto a dois homens é que surgiu o problema de sanidade
mental, no sentido legal e, portanto, quanto à possibilidade de
serem submetidos a julgamento. Ambos foram examinados por
uma comissão de psiquiatras. A inteligência de Streicher,
conforme os testes confirmaram, estava muito aquém da média.
Parecia presa de uma imaginação sexual doentia e seu ódio aos
judeus era claramente obsessivo. Contudo, a comissão concluiu
que, embora fosse altamente neurótico, não era insano e, em
resumo, não há razões para se discutir essa avaliação. O caso de
Hess é bem mais duvidoso. Ele afirmava estar sofrendo de perda
de memória, do tipo conhecido como "amnésia progressiva", isto
é, que em qualquer momento determinado ele só se podia
lembrar do que acontecera até duas semanas atrás. Nessa
conformidade, seu advogado requereu que se adiassem os
70
trabalhos contra seu cliente. Os juízes enfrentaram uma questão
difícil. A amnésia de Hess era verdadeira ou fingida? Eles não
podiam confiar na comissão psiquiátrica, pois o laudo dos
especialistas que a compunham era discordante sobre certos
aspectos do caso. Mas no final da audiência que apreciou a
moção, Hess fez a seguinte declaração:
"Para evitar a possibilidade de ser declarado incapaz de
defender-me - a despeito da minha boa vontade em participar
dos trabalhos e ouvir o veredicto juntamente com meus
camaradas - gostaria de fazer a seguinte declaração perante o
tribunal:
"Daqui em diante, minha memória tornará a reagir ao mundo
exterior; minhas razões para simular a perda de memória eram
de natureza tática. Somente minha capacidade de concentrarme está, de fato, algo reduzida. Mas minha capacidade de
acompanhar o julgamento, de defender-me, de interrogar
testemunhas ou de responder eu mesmo a perguntas, não está
por ela afetada.
"... também fingi perda de memória depois de estar em contato
com meu advogado de defesa, oficialmente nomeado. Portanto,
ele me representou de boa fé."
Esta declaração, que evidentemente fora escrita para ele, não
parece de todo convincente, mas, na época, os juízes não
tinham outra alternativa senão usá-la e rejeitar a moção. Pouco
depois da audiência, Hess tornou a afirmar que só podia
lembrar-se do passado muito recente e ateve-se a esta atitude
durante todo o julgamento, exceto numa ocasião em que tornou
a afirmar dramaticamente que estava fingindo. O Dr. G. M. Gilbert, psicólogo da prisão, que mantinha contato diário com todos
os acusados, chegou à conclusão de que Hess realmente sofria
de
amnésia
histérica,
cujo
grau,
contudo,
variava
consideravelmente de quando em vez. Mas, seja qual for o
diagnóstico certo do estado mental de Hess, toda a sua atitude e
reação estavam tão longe do normal que não nos convenceram
muito quanto à sua habilidade de defender-se.
Depois da entrega da acusação, o Dr. Gilbert também obteve e
registrou as primeiras reações de cada prisioneiro. Vale a pena
mencioná-las porquanto prenunciam as futuras dissensões entre
os acusados e o fracasso em desenvolver uma estratégia
conjunta de defesa. Alguns nada disseram sobre a verdade ou
falsidade das acusações, mas apenas atacaram a acusação em
71
termos violentos. Göring sentou ignorá-la com um lugar-comum
cínico: "O vencedor será sempre o juiz e o derrotado, o
acusado". Naturalmente, para Streicher o julgamento foi apenas
um "triunfo do Sionismo Mundial." Frick afirmou que -"toda a
acusação se baseava na suposição de uma conspiração fictícia".
No outro extremo da escala, Speer reconheceu francamente a
justiça geral da acusação e não tentou justificar-se: "O
julgamento é necessário. Há uma responsabilidade comum por
crimes tão horríveis, mesmo num sistema autoritário". Frank
reconheceu essencialmente a mesma coisa, embora numa forma
menos racional e de acordo com uma fé religiosa recémencontrada: "Considero o julgamento como um tribunal
determinado por Deus, destinado a examinar e a pôr fim à
terrível era de sofrimentos sob o domínio de Adolf Hitler". Jodl
disse muito cautelosamente que lamentava a "mistura de
acusações justificadas e propaganda política". A maioria dos
acusados estava disposta a condenar, explicitamente ou por
implicação, os crimes cometidos por outros, mas negavam individualmente a própria culpa, dizendo que não haviam estado
envolvidos de modo algum (Schacht: "Não compreendo por que
fui acusado"; Dönitz: "Nenhum desses pontos da acusação me
diz respeito"), ou que haviam simplesmente obedecido o
chamado do dever (Keitel: "Para um soldado, ordens são
ordens"; Kaltenbrunner: "Só cumpri meu dever como órgão de
informação"), ou porque o destino fora demais para eles (Funk:
"Se sou considerado culpado... por erro ou ignorância, então
minha culpa é uma tragédia humana, não um crime"). Os dois
mais jovens, von Schirach e Fritzsche, forçados subitamente a
encarar seu Terceiro Reich como ilusões destroçadas, pareceram
genuinamente abalados, mas mesmo eles não conseguiram
pronunciar uma única palavra espontânea de remorso ou
arrependimento.
Inicia-se o julgamento
Às 10 horas da manhã do dia 20 de novembro, iniciou-se o
julgamento, envolto na atmosfera tensa de uma grande ocasião.
Mas o tribunal tomara o cuidado de manter sob controle os
aspectos emocionais e espetaculares, restando apenas o mínimo
de formalidade que a dignidade do tribunal exigia: não houve
pompa cerimonial e nenhum esforço para se obter efeitos
dramáticos. Os juízes russos estavam fardados, mas não
ostentavam qualquer condecoração. Os outros trajavam simples
togas pretas; no caso dos franceses, seus peitilhos tradicionais
davam um toque de elegância formal. Os advogados da defesa
72
usavam beca, mas os da acusação, não. Apenas a presença dos
guardas militares americanos, com seus vistosos capacetes,
lembrava, visualmente, que não se tratava de um julgamento
comum. As palavras de abertura do Lorde-Juiz Lawrence foram
solenes em conteúdo, mas admiravelmente livres de
pomposidade: "O julgamento que ora se inicia é único na
história da jurisprudência mundial, sendo de suprema importância para milhões de pessoas em todo o globo. Por esta razão,
cabe a todos os que participam deste julgamento a responsabilidade solene de cumprir seus deveres sem temor nem
favor, de acordo com os sagrados princípios da Lei e da Justiça.
Tendo os quatro signatários evocado o processo judicial, é dever
de todos os interessados cuidar para que o julgamento não se
afaste de modo algum desses princípios e tradições que dão à
Justiça a sua autoridade e o lugar que ela deve ocupar nos
assuntos de todos os estados civilizados."
Como se fosse necessária uma demonstração para avisar às
multidões que lotavam as galerias de visitantes e da imprensa
que o julgamento não seria um prolongado festival dramático, o
restante da sessão foi dedicado à leitura de toda a longa
acusação, para fins de registro. Ninguém deu muita atenção,
pois todos sabiam agora o que dizia a acusação, e na tarde do
primeiro dia, como aconteceria com demasiada freqüência nos
meses seguintes, o tédio desalentador dos detalhes técnicos
desceu sobre o tribunal. No dia seguinte, depois que os réus
negaram a acusação (Kaltenbrunner esteve hospitalizado
durante os primeiros 16 dias do julgamento e não admitiu a
veracidade da denúncia, mais tarde. Supôs-se que Borman, que
estava ausente, também teria negado a acusação) e depois que
o Presidente impediu firmemente o impaciente Göring de fazer
um discurso, Jackson iniciou a leitura do libelo acusatório.
A batalha forense que então começava duraria quase um ano, a
despeito dos contínuos esforços do tribunal para eliminar
matérias despropositadas e repetidas. Ninguém queria que tal
acontecesse e, na verdade, a duração do julgamento é uma das
suas desvantagens mais óbvias. A parte todas as considerações
práticas e humanitárias, as questões essenciais ficaram
indistintas e se perdeu grande parte do impacto moral potencial.
Desde o momento em que a "Conferência de Londres" adotou o
conceito de conspiração, ficou claro que o julgamento não
poderia estar concluído dentro das poucas semanas que tinha,
inicialmente, de prazo, mas, mesmo aqueles que conheciam a
extensão e a complexidade dos problemas em exame não
imaginavam que levariam tanto tempo para solvê-los. Então, por
73
que aconteceu isso? Cremos que a razão principal encontra-se
em certos defeitos do estatuto que o Tribunal tinha de obedecer.
Os delegados haviam concordado com o texto da Carta depois
de muita controvérsia, sob a pressão do tempo e antes que
todas as diferenças pendentes sobre questões de política e
jurisprudência tivessem sido plenamente esmiuçadas. Como
resultado, a Carta registrava imprecisões e ambigüidades,
deixando considerável margem para interpretação, sobretudo no
que se refere à definição dos crimes capitulados no Artigo 6º. E,
como era de esperar, a acusação apresentou suas alegações
com base em interpretações muito amplas, algumas das quais o
Tribunal acabou por rejeitar. Dois casos são particularmente
importantes no nosso contexto:
1. A acusação afirmou que se teria iniciado a conspiração no
momento da fundação do Partido Nazista e que, portanto,
qualquer um teria participado desse crime, se tivesse dado apoio
efetivo ao movimento nazista em qualquer momento de sua
existência, entre 1919 e 1945. Se este ponto de vista tivesse
sido aceito, homens como Schacht e von Papen, que tiveram
papel saliente na subida de Hitler ao poder e na consolidação de
seu deplorável governo, não teriam escapado à condenação. Mas
o tribunal verificou que esta não era a lei. Permitam-nos citar a
sentença:
"A Carta não define Conspiração. Mas, na opinião do Tribunal, a
conspiração deve ser claramente delineada em seu propósito.
criminoso. Ela não deve estar muito distante do momento da decisão e ação. Para ser criminoso, o planejamento não deve
apoiar-se apenas nas declarações de um programa partidário,
como os encontrados nos 25 pontos do Partido Nazista,
anunciados em 1920, ou nas afirmações políticas expressas no
Mein Kampf, anos mais tarde. O tribunal deve examinar se havia
um plano concreto para fazer guerra e determinar a posição dos
participantes nesse plano concreto... É evidente que se planejou
fazer guerra, já a 5 de novembro de 1937 e, provavelmente,
antes disso." Mais adiante explicaremos a importância da data
de 5 de novembro de 1937.
2. A acusação admitia que a conspiração para cometer crimes
contra a humanidade também estava coberta pelos termos da
Carta e que o terror exercido pelos nazistas dentro da Alemanha
antes da deflagração da guerra estava dentro da jurisdição do
tribunal. Quando se lê o enunciado do Artigo 6º, é fácil perceber
como a acusação chegou a esta interpretação, mas o tribunal
74
negou a validade das duas hipóteses. Quanto à primeira,
declarou ele que "a Carta não define, como crime separado,
qualquer conspiração exceto a de cometer atos de guerra de
agressão", e quanto à segunda: "Com relação a Crimes contra a
Humanidade, não há dúvida de que, adversários políticos foram
assassinados na Alemanha antes da guerra e que muitos deles
foram confinados em campos de concentração e em
circunstâncias de grande horror e crueldade. Certamente a
política de terror foi levada a cabo em larga escala e, em muitos
casos, foi organizada e sistemática. A política seguida na
Alemanha, antes da guerra de 1939, de perseguição, repressão
e assassinato de civis que poderiam ser hostis ao governo foi
empreendida da maneira mais implacável. A perseguição de
judeus, no mesmo período, está confirmada sem a menor
sombra de dúvida. Para serem admitidos como Crimes contra a
Humanidade, necessário se torna que os atos perpetrados antes
da deflagração da guerra tenham sido realizados na execução
de, ou em conexão com qualquer crime dentro da jurisdição do
tribunal. O tribunal é de opinião de que, ainda que muitos
desses atos fossem crimes revoltantes e horríveis, não está
satisfatoriamente comprovado que tais atos tenham sido
perpetrados na execução de, ou em conexão com qualquer dos
crimes previstos (na Carta do Tribunal). Portanto, o tribunal não
pode fazer uma declaração geral de que os atos cometidos antes
de 1939 foram Crimes contra a Humanidade, segundo o
significado contido na Carta..."
Houve outros exemplos deste tipo, mas o que citamos acima
basta para comprovar nosso argumento. Não é preciso dizer
que, uma vez feita uma acusação específica, a promotoria
obrigava-se a apresentar provas, e os advogados de defesa
tinham de receber a oportunidade de refutá-las; assim,
passavam-se horas incontáveis no exame das provas, na
inquirição e reinquirição de testemunhas e nos argumentos
processuais relativos a questões que nem deveriam ter sido
incluídas nas acusações. Isto não quer dizer que todo esse
tempo foi completamente desperdiçado. De qualquer modo,
dentro de limites razoáveis, era preciso determinar os antecedentes históricos gerais e a história pessoal do acusado. Mas
não deixa de ser verdade que os trabalhos poderiam ter sido
muito abreviados se as definições nas quais os juízes tinham de
basear seus vereditos tivessem sido formuladas com maior
clareza na Carta. Isto também teria impedido boa parcela da
confusão de idéias que ainda existe com relação ao julgamento,
pois grande parte da crítica feita às suas bases legais dirige-se
contra a lei, tal como a acusação a compreendia, não contra a lei
75
realmente aplicada.
Jackson iniciou suas alegações com uma denúncia eloqüente da
tirania nazista e uma declaração da sua crença ardente no
princípio da justiça penal internacional, culminando com as
seguintes palavras: "A civilização pergunta se a Justiça é tão
lenta a ponto de ser completamente incapaz de lidar com delitos
dessa magnitude, cometidos por criminosos dessa ordem de
importância. Ela não espera que torneis impossível, de futuro,
fazer a guerra. Ela espera, sim, que vossa ação jurídica coloque
as forças do direito internacional, seus preceitos, suas proibições
e, acima de tudo, suas sanções do lado da paz, para que
homens e mulheres de boa vontade, em todos os países, possam ter "a liberdade de viver, sem depender da permissão de
ninguém, sob a proteção da lei".
Na frieza da palavra impressa, essa eloqüência soa falso, mas,
se se pode confiar nas testemunhas oculares, a oração foi
impressionante e adequada para as circunstâncias e para a
atmosfera do momento. Jackson tampouco se limitou à
eloqüência esperada da promotoria. Ele era suficientemente
capaz de prever pelo menos algumas das explicações e contraacusações que a defesa poderia apresentar. Não procurou
apresentar um quadro em branco e preto: Os Estados Unidos e
as outras nações, por não reverem o "Tratado de Versalhes"
onde precisava ser revisto, por não lograrem encorajar os
elementos verdadeiramente democratas na Alemanha, por
ignorarem queixas justificadas, não estão isentos de culpa pelas
condições que possibilitaram ao nazismo. E se os alemães foram
os primeiros a demonstrar ao mundo todo os horrores da guerra
total, os aliados mostraram ser bons alunos. Mais de uma vez
ele deixou claro que o propósito dos trabalhos não era incriminar
todo o povo alemão. Ele argumentou que, se o povo alemão tivesse aceito de boa vontade o programa de Hitler, os nazistas
não teriam necessitado de "tropas de assalto", de uma Gestapo
e de campos de concentração para estabelecer e consolidar seu
poder.
Que este argumento equivale a uma simplificação ingênua e
excessiva de um problema, nada simples, de interpretação histórica, é outra questão; no tocante ao julgamento, não passava
da pura verdade dizer que a idéia de uma culpa coletiva "dos
alemães" não encontraria lugar dentro do tribunal, e a
reafirmação dessa verdade por Jackson foi oportuna e eficaz.
Ao mesmo tempo, estava claro que a questão da culpa ou
76
inocência dos vinte e dois indivíduos não era a única questão em
debate. O julgamento seria, acima de tudo, um instrumento de
justiça penal, mas lembramo-nos de que outro dos seus
propósitos reconhecidos era o de pôr a nu e desacreditar
moralmente a realidade do nazismo em todas as suas manifestações, bem como faze-lo de maneira tal que nenhum colorido
histórico jamais conseguisse ocultar a verdade essencial. Havia
mais que simples zelo moralizador nesse objetivo - na prática,
ele fazia sentido, pois se a ascensão e a queda do Terceiro Reich
era, por qualquer avaliação sóbria, um capítulo negro na história
alemã, ele não deixava de ter certo interesse como história de
aventuras, na escala mais ampla. Visto de longe, no tempo, ele
pode muito bem transformar-se num mito nacional perigoso. É
verdade que, imediatamente apos a derrota, a maioria dos
alemães estava desiludida, envergonhada da ignomínia cometida
em seu nome e odiando os líderes que, no fim, a haviam
abandonado. Mas o povo alemão estava enfrentando, ao que parecia, muitos anos, senão décadas, de dificuldades e impotência
política: não seria ele, cedo ou tarde, tentado a olhar para os
anos de poder e conquista, sob o domínio de Hitler, como uma
época de grandeza nacional, e tentar atenuar os crimes e
loucuras que inevitavelmente levaram à catástrofe? Algo
parecido ocorrera depois da Primeira Guerra Mundial, com
desastrosas conseqüências, e não havia razão para supor que tal
não ocorresse novamente. Hermann Göring, cujo nome
encabeçava a lista de acusados, previu com confiança que assim
seria, esperando que essa possibilidade inspirasse seus
companheiros de prisão a fazer uma última defesa do nazismo,
num espírito de solidariedade e desafio. Informa-se ter ele dito a
Funk, certa ocasião: "Você deve aceitar o fato de que sua vida
está perdida. O que resta saber é se está disposto a ficar do
meu lado e morrer como mártir. Não se sinta tão triste; algum
dia, o povo alemão se levantará novamente e nossos ossos
serão trasladados para ataúdes de mármore, num monumento
nacional."
Mas, ao contrário do que a maioria esperava de homens que
eram havidos como discípulos fanáticos de Hitler e do hitlerismo,
não era natural uma atitude de Nibelungéntreue, de fidelidade
até a morte, nos acusados de Nuremberg. O fanatismo
demonstrado durante o fastígio do hitlerismo evanesceu ao
esfumar-se o delírio do insano, senão antes, sobrevivendo
apenas nas crises de exaltação mórbida de Streicher e talvez,
como imagem refletida, no complexo de culpa de Hans Frank,
com seus inequívocos elementos histéricos. De modo geral, os
acusados não demonstraram nem arrependimento profundo pelo
77
seu passado nazista nem muita relutância em renegar suas
antigas lealdades. Não há dúvida de que, neste sentido, eles
foram encorajados pelos seus consultores jurídicos, em virtude
de razões óbvias. Mesmo assim, sentimo-nos um pouco
chocados com a displicência com que um acusado após outro
ignorava o credo nazista, como algo que nunca tivessem levado
a sério: as doutrinas da luta de raça e do "sangue e solo", a glorificação da guerra e do poder, toda a ideologia antidemocrática,
anticristã, antilibertária e anti-racional do Mein Kampf. Mesmo
Rosenberg, o filósofo nazista, ao que manifestava então, não
devia ser levado muito a sério sobre o que escreveu. Quanto ao
Führer, não há como negar que todos eles haviam estado sob
seu encanto hipnótico, até que descobriram - alguns mais cedo,
outros mais tarde, mas todos tarde demais para fazer algo - que
ele era um "mentiroso compulsivo", um "neurótico a quem o
sucesso havia transformado num louco", o "destruidor do seu
próprio povo". A famosa magia da personalidade de Hitler não
causara um impacto suficientemente profundo para sobreviver
ao seu fracasso e morte. Os homens que estavam sendo
julgados em Nuremberg pareciam lembrar-se dele sem o menor
afeto ou estima. Uma crença, ardente e compartilhada, numa
causa política, muito embora derrotada, e uma devoção comum
à memória do seu líder morto poderiam ter criado um espírito de
camaradagem, a despeito das disparidades existentes em
caráter, educação e antecedentes sociais. Mas na verdade havia
muito pouca fraternidade. Embora esses homens estivessem na
mesma prisão e fossem processados perante o mesmo tribunal,
enfrentando a mesma acusação, não se podia dizer que estavam
todos no mesmo barco, pois, como observamos mais atrás, a
natureza e o alcance do envolvimento nos supostos crimes diferiam muito de um acusado para outro. Compreendendo isto,
cada um deles estava basicamente interessado no preparo da
sua defesa pessoal e temerosos de que seriam prejudicados com
a associação com companheiros cujos casos pareciam piores que
o seu. Streicher era o pária do grupo, cuja companhia era
sempre evitada por todos. Quanto a Kaltenbrunner, que não
estivera presente nos primeiros dias do julgamento por motivo
de doença, ao regressar do hospital se viu quase que totalmente
isolado: a maioria dos outros achava que a companhia do Chefe
do SD das SS, com sua "cara de cavalo manhoso" (a descrição é
de Rebecca West), era constrangedora. Schacht, com um ar
provocador de afetada respeitabilidade e superioridade
intelectual, deixou claro para todos que se considerava o único
acusado que não tinha nada a temer; talvez um ou dois mais
pudessem alimentar esperança de absolvição, mas o resto não
passava de criminosos comuns. Os generais e almirantes,
78
insistindo que o código de disciplina militar os absolvia
automaticamente de responsabilidade moral e legal, negavam
que, mesmo no contexto de um estado totalitário, pudesse ser
usada a mesma linha de defesa para os "porcos das ST" ou para
os administradores políticos. O que alguns dos outros pensavam
sobre a tentativa das altas patentes de se abrigarem por trás de
"ordens superiores" foi vigorosamente expressado por Speer:
"Eles fizeram grandes discursos heróicos sobre luta e morte pela
pátria, sem se arriscarem. E agora, quando têm a vida em
perigo, tremem e procuram todos os tipos de desculpas. Este é o
tipo de heróis que dirigiram a Alemanha para a destruição."
Seria ilusório tentar tirar proveito deste e de outros indícios de
discórdia entre os acusados. Estamos tratando da primeira parte
do julgamento, quando apenas um ou dois deles já haviam
tomado posições firmes em resposta à acusação. Exceto nos
esboços mais vagos, os acusados ainda ignoravam as inquirições
individuais a que teriam de responder, e as provas que seus
acusadores tinham prontas. O estado de espírito e a atitude podiam
mudar,
rápida
e
radicalmente,
a
cada
novo
desenvolvimento da batalha forense. Não obstante, restava a
impressão predominante de que nenhum dos acusados, com
uma notável exceção, faria questão de "não" implicar seus
companheiros, e, na medida em que a intenção era mostrar o
caráter maléfico e criminoso do nazismo como tal, podia-se
esperar que os acusados deporiam, na verdade, como
testemunhas da acusação. Hermann Goring foi a exceção.
O Nazista Número Um, que sobrevivera, estava em estado
deplorável no fim da guerra. Anos de comodismo indisciplinado,
inclusive vício em drogas, a consciência de ter fracassado como
chefe da Luftwaffe e como ditador da economia de guerra alemã,
a derrota na guerra de intrigas contra Himmler, Goebbels e
Bormann, culminando na humilhação final da rejeição total por
Hitler, tudo isso o arrastara à quase ruína mental e física.
Todavia, a vida disciplinada da prisão, combinada com o
tratamento que lhe ministraram, resultara numa recuperação
extraordinária, de que muito se orgulhava o comandante
americano da prisão. "Quando Göring veio de Mondorf para
minha mão", disse o Coronel Andrus, "era um sujeito lerdo e
atoleimado, com duas maletas cheias de paracodeína. Pensei
que fosse um vendedor de drogas. Mas libertamo-lo do vício e o
transformamos num homem".
Haveria momentos em que o Juiz Jackson e seus colaboradores
79
amaldiçoariam a eficiência do coronel e dos psiquiatras da
prisão, neste caso específico, pois não demorou muito para que
Gõöring fizesse um esforço decidido para reunir seus
companheiros de prisão em torno de si, e transformá-los numa
frente sólida e unida. Tivesse ele conseguido isto e a tarefa da
promotoria teria sido muito mais difícil. Houve momentos em
que parecia ter logrado sucesso. Juntamente com as aptidões
física e mental, Göring recuperara a velha arrogância e combatividade. Depois do doloroso período de declínio e frustração, ele
via no julgamento a sua última chance de desempenhar um
papel importante e de se projetar na admiração de uma platéia
mundial. Não tinha ilusões quanto ao que lhe estava reservado e
não se estava vangloriando, quando proclamava repetidamente
que não lhe importava o desaparecimento mais cedo nas mãos
do carrasco, ou mais tarde de algum outro modo; "jamais
temera a morte". Contudo, estava profundamente preocupado
com sua "reputação na história", conforme disse, e, quando
estava num dos seus estados mais eufóricos, realmente
acreditava que seu sonho do futuro monumento nacional, e do
ataúde de mármore, podia vir a realizar-se. Grande parte
dependeria da maneira como ele e os outros cujas vidas
estavam sendo julgadas se comportassem durante a provação.
Ele compreendia claramente as inferências maiores do lado
político do julgamento. Assim como o aniquilamento moral do
nazismo era, para a promotoria, mais importante do que a
punição de criminosos individuais, o objetivo principal de Göring
era prejudicar a cruzada política liderada por Jackson. E, como
nada tinha a perder, Göring podia lançar-se à tentativa com todo
o entusiasmo.
Göring não só conseguiu tornar-se o foco da atenção pública,
mas também, no processo, criou para si uma grande dose de
respeito e simpatia, ainda que mais ou menos relutantes.
Jornalistas, visitantes, pessoal do tribunal e até mesmo alguns
dos juízes e advogados ficaram impressionados; e mais ainda
porquanto o público em geral o subestimara muito, iludido pela
imprensa, que o havia pintado como um bandido desmiolado,
cuja aparência seria ridícula, quando privado dos seus
esplêndidos uniformes e das medalhas cintilantes. É verdade que
Der Dicke (O Gordo), como os alemães gostavam de chamá-lo,
provavelmente nunca teve um pensamento profundo ou original
em sua vida e seus vangloriados interesses culturais eram uma
grande farsa, mas ele possuía considerável inteligência prática.
Nos testes de inteligência aplicados pelo Dr. Gilbert aos
prisioneiros, Göring foi o segundo, sendo superado apenas por
Schacht. Tinha excelente memória para fatos e números,
80
normalmente captava o ponto essencial de um argumento
aparentemente complexo, e era em geral muito arguto ao jogar
com as fraquezas de outros: em suma, teria sido um bom advogado. Também era um ator nato. O papel que decidiu
desempenhar no palco de Nuremberg era o do veterano, de fala
rude, com um coração de ouro; um combatente violento que não
guarda rancor, terminada a luta; um realista lúcido e um amante
das boas coisas da vida, que despreza as ilusões e a simulação;
um homem que tudo arrisca, e um bom perdedor; um patriota
simples, que desconfia de todas as ideologias políticas. Quando
uma testemunha o descreveu como "a última personalidade da
Renascença", Göring ficou encantado. Era exatamente este o
efeito que procurava causar, e o homem realmente esforçava-se
bastante, em seu desempenho, para tornar o papel convincente,
pelo menos para os que não o observavam com muito cuidado.
Confundir expansividade com boa índole e cinismo com
honestidade intelectual é um erro muito comum. Na realidade,
Göring nem tinha boa índole nem era honesto. Ele diferia do
resto do círculo de Hitler na medida em que os atos de
destruição e o espetáculo de sofrimentos não lhe davam um
prazer perverso; neste sentido, ele não era de natureza má.
Porém, para satisfação da sua vaidade e cobiça, ele mentiria e
mataria com a máxima impiedade. Seu senso de humor - ele
tinha realmente certo senso de humor - era grosseiro e
destituído de calor humano. Ainda assim, à medida que a
atmosfera do julgamento se tornava cada vez mais opressiva,
suas gargalhadas freqüentes e sua linguagem obscena traziam
um ligeiro alívio, sempre bem-vindo no ambiente tenso do
tribunal.
Outros réus seguiram caminho mais consentâneo, e tentaram
explicar sua conduta passada afirmando terem sido instrumentos
relutantes do ditador, sem poderes de decisão próprios; mas,
para Góöring, esse tipo de defesa era inconcebível; teria sido
contrário à sua natureza truculenta, e totalmente incompatível
com seu desejo de ser reconhecido como homem de estatura
histórica. Naturalmente, o seu bom senso deve ter-lhe feito crer
que não teria a menor chance de que acreditassem nele, por ter
estado ativa e proeminentemente envolvido em todos os
aspectos do nazismo. Sua orgulhosa declaração, repetida
sempre que se oferecia oportunidade, de que estava preparado
"para assumir toda a responsabilidade" de qualquer ato que
tivesse cometido ou de que tivesse conhecimento, pareceu
impressionante, mas o que isto queria dizer? Na realidade, ele
não tinha muito que escolher. Onde se podia provar sua
participação num crime, não fazia diferença se ele "aceitava a
81
responsabilidade" ou não; onde não havia prova suficiente em
contrário, ele podia afirmar ignorância do crime cometido - como
todos os outros.
Idênticas ponderações se aplicam às expressões de lealdade de
Göring a Hitler. Num momento em que o nome de Adolf Hitler
estava sendo execrado por milhares de ex-seguidores, que
agora procuravam bajular os vencedores, Göring mostrou um
instinto mais lógico, ao se recusar a falar em termos
depreciativos do falecido Führer. Todavia, examinando-se mais
atentamente suas palavras de louvor a Hitler, essas parecem
bastante indiferentes, havendo nelas mais do que simples
sugestão de críticas mantidas em reserva. Sente-se que Göring
estava convidando os ouvintes a apreciar, não tanto o caráter e
gênio de Hitler, mas a virtude dele, Göring, em conservar sua
lealdade. Nesse ponto ele não corria nenhum perigo; uma
declaração geral de lealdade só lhe podia acentuar o prestígio.
Restava ver se ele teria a força de manter a atitude no banco
das testemunhas, sob a pressão da reinquirição.
Contudo, somente um observador particularmente arguto, ou
alguém que conhecesse Göring muito bem, poderia reconhecer a
insinceridade das suas admiráveis atitudes. De modo geral,
durante os três meses e meio que a promotoria precisou para a
apresentação das provas, sua truculência espirituosa, ainda que
desavergonhada, parecia quase admirável, se comparada com a
exibição - patética - de medo evidente e abjeto de Ribbentrop,
por exemplo, ou a falta de dignidade por parte do Feldmarechal
von Keitel, que ficava logo em posição de sentido toda vez que
um simples soldado em uniforme aliado lhe dirigia a palavra; ou
o ar de desumana impiedade de Kaltenbrunner e Frick.
Quaisquer que fossem os malefícios passados do "Gordo", grandes parcelas do público estavam começando a considera-lo ingenuamente, se quiserem, mas compreensivelmente - como
um "sujeito e tanto"; reputação esta que até certo ponto ainda
perdura, e que sem dúvida se deve, em parte, ao fato de, no
final, ter escapado ao carrasco. O aparecimento de uma legenda
de Göring, que não podia deixar de ter seus efeitos sobre todos
os acusados, era a última coisa que Jackson queria ou esperava;
mas permitam-nos observar que Göring não poderia ter
desempenhado seu papel com sucesso, durante qualquer
período de tempo, se os objetivos da acusação tivessem sido
menos ambiciosos. A acusação, formulada em termos amplos e
muito imprecisos, por "crimes contra a paz" permitiu a Göring
dirigir seus ataques verbais contra as partes políticas, portanto,
mais vulneráveis, das alegações da acusação, ao mesmo tempo
82
que evitava enfrentar o tópico fatal, isto é, da sua
responsabilidade por atrocidades sistemáticas. Crente firme do
princípio do qui s'excuse, s'accuse, ele enfrentou a acusação de
"fomentador de guerra" com a contra-acusação de "hipocrisia".
Não era o planejamento e o preparativo de guerra um crime
internacional? Como se as nações vencedoras já não estivessem
afiando suas armas para futuros conflitos sangrentos entre si. (O
discurso de Churchill em Fulton, a 2 de março de 1946, o
primeiro reconhecimento público, por parte de importante
estadista, de que havia um estado de "guerra fria", provocou
viva satisfação entre os prisioneiros de Nuremberg.) E não era a
mais pura mistificação o fato de os representantes da União
Soviética estarem julgando outros pelo crime de planejar um
ataque à Polônia? Todos os acusados haviam pensado nesses
pontos óbvios, mas Göring foi o primeiro a proclamá-los em
altos brados.
Usando habilmente ora a lisonja, ora a intimidação, Göring fez
um esforço sistemático para reunir sob sua bandeira tantos dos
seus companheiros de prisão quanto possível. Para ele foi uma
luta difícil. Mas, embora seja verdade que nenhum dos outros
acusados se revelasse disposto a identificar-se com o derrotado
regime nazista tanto quanto Göring, somente dois deles
resistiram-no firme e sistematicamente até o fim. Um era o
velho inimigo de Göring, Schacht, cuja posição era muito forte,
porquanto havia rompido com o nazismo relativamente bem
cedo; no seu caso, a escolha natural era uma política de
"esplêndido isolamento". Albert Speer, como se tornou evidente
depois de algum tempo, era um antagonista mais eficaz ainda o que foi inesperado por ter sido ele, a princípio, uma figura
fechada e obscura. Sua violenta condenação da liderança nazista
em geral, e de Göring, seu sobrevivente mais importante, em
particular, teve muito mais peso, pois Speer a ligou ao
reconhecimento irrestrito da sua própria responsabilidade.
Contudo, os outros vacilaram, submetendo-se ao domínio de
Göring em diferentes graus e por períodos de variada extensão.
Esse comportamento é perfeitamente compreensível, pois lhes
teria sido extremamente difícil permanecer insensíveis aos
apelos que Göring fez à sua lealdade e ao seu orgulho viril. A
proposta estratégia de defesa agressiva tinha seus atrativos.
Ademais, eles ainda temiam bastante este homem, outrora
enormemente poderoso e formidável. Embora estivessem
cônscios de que Göring não tinha mais o direito de comandar, e
nenhum meio de lhes impor sua vontade, sentiram dificuldades
em livrar-se do hábito da obediência. Muitas vezes, sua
intromissão na consulta dos outros com seus advogados era
83
humildemente tolerada. Houve casos em que um acusado,
prestes a tomar uma atitude aconselhada por seu advogado,
voltava atrás ao confrontar o furioso veto de Göring. Em meados
de fevereiro de 1946, as autoridades estavam preocupadas com
esta situação a ponto de emitirem novos regulamentos para
dominar a influência de Göring sobre os outros prisioneiros. Na
prisão, os acusados deviam ser mantidos em estrito isolamento,
inclusive durante o período de exercícios; também não lhes
permitiram mais as refeições em conjunto, como antes, na
mesma sala, e sim em seis salas diferentes - Göring, sozinho; os
outros vinte indiciados em grupos de quatro.
Tais medidas nos parecem agora um modo canhestro e
mesquinho de enfrentar as ameaças do "Gordo"; elas eram o
sintoma de uma atmosfera progressivamente claustrofóbica.
Em seu Diário de Nuremberg, o Dr. G. M. Gilbert nos deu um
relato detalhado e, em certas partes, divertido desta batalha
travada nos bastidores, mas, embora a história esteja cheia de
interesse psicológico, ela tem pouca importância, no que se
refere ao julgamento. A frente unida, exigida por Göring (que,
repetimos, sabia que nada tinha a perder), não foi, em tempo
algum, uma possibilidade prática. Não era possível transformar
os prisioneiros de Nuremberg em heróis. A maioria deles
imaginava, acertada ou erroneamente, que podia melhorar suas
chances no tribunal, repudiando a antiga lealdade e, portanto, a
repudiariam totalmente, no fim. Na linguagem grosseira de
Göring, "eles venderiam a alma para salvar seus pescoços
imundos". Na verdade, não tinha importância. Desafio ou
arrependimento, negativas ou confissão, solidariedade ou o
egoísmo do cada um por si, em última análise, só duas coisas
contavam realmente: o peso das provas e a interpretação da lei
pelos juízes.
Documentos importantes
Muita gente - lamentavelmente, também alguns historiadores
eminentes - parece ter idéias muito curiosas sobre o que foi
provado ou refutado, ou que restou de duvidoso das provas
examinadas em Nuremberg. Mas devemos reconhecer que não é
fácil extrair-se uma idéia geral e clara das provas. Até agora
ninguém conseguiu escrever um sumário do caso relativamente
conciso e correto (a tentativa mais útil, feita pelo Professor
Whitney R. Harris, em Tyranny on Trial, omite quase que
totalmente as alegações da defesa - e, mesmo assim, atinge a
84
mais de 400 páginas). Somente uns poucos especialistas se
animariam a enfrentar a tarefa, sem dúvida gigantesca, de
examinar os quarenta volumes do relatório do julgamento. Os
juízes já estavam no conhecimento do problema quando deram
seus vereditos, conforme mostra este trecho:
"As provas têm sido esmagadoras, em volume e detalhes. É
impossível para este tribunal examiná-las adequadamente, ou
registrar a quantidade de provas documentais e orais que têm
sido apresentadas."
Não é apenas o simples volume do material que torna
extremamente difícil separar os pontos essenciais da evidência
do que é inadequado, ou relativamente comum. Outros fatores
são a grande disparidade na natureza dos pretensos crimes, a
incerteza de alguns dos conceitos legais básicos e as deficiências
da processualística do tribunal, que teve de ser em grande parte
improvisada para um tipo novo de julgamento. Se tentarmos ler
as transcrições do julgamento em ordem cronológica, sessão por
sessão, logo nos perderemos no labirinto de detalhes
aparentemente desconexos. Somente depois de demoradíssimo
estudo é que se começa a discernir os contornos de um padrão
subjacente, ou melhor, de vários padrões sobrepostos.
No começo, os quatro grupos da acusação concordaram numa
divisão de trabalho, separando o assunto do julgamento em
categorias definidas de modo geral, correspondendo em parte
aos quatro pontos da denúncia e, em parte, à localização
geográfica dos crimes. Os americanos, que eram a equipe maior,
tratariam do Plano Comum e da Guerra de Agressão; os
britânicos (dirigidos por Sir Hartley Shawcross - como líder oficial da delegação britânica, Shawcross pronunciou as orações de
abertura e encerramento, mas seu adjunto, Maxwell-Fyfe, dirigiu
as alegações britânicas no tocante às provas), cuidariam dos
crimes em alto mar e das violações dos tratados; os soviéticos
(dirigidos pelo General Rudenko) tratariam dos Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade no Leste; e os franceses (no
início dirigidos por M. de Menthon e, depois, por M. Champetière
de Ribon), tratariam de crimes idênticos no Oeste. Evidentemente, este plano de trabalho não podia ser obedecido muito
rigorosamente ainda que no primeiro estágio, quando as provas
estavam sendo preparadas, e muito menos durante os trabalhos
nas sessões do tribunal. Era inevitável que houvesse excessiva
superposição e repetição, por mais que os magistrados
tentassem evitá-las. Lorde Kilmuir chamou a atenção para outro
fator que causava complicação: "Tendo apresentado as provas
85
horizontalmente, por assim dizer, para abranger a acusação,
elas tinham de ser resumidas verticalmente para mostrar como
cada acusado estava implicado." Por último, para facilitar as
coisas, as provas contra as organizações acusadas foram
abordadas em audiências separadas, perante comissários,
embora abrangessem em grande parte o mesmo terreno coberto
pelas provas apresentadas diretamente ao tribunal. "
Se o tribunal não podia examinar adequadamente a prova
durante a audiência, por certo não podemos faze-lo no espaço
deste livro. O que nos propomos é indicar as linhas gerais
segundo as quais se conduziram as alegações da defesa e da
acusação, citar alguns itens importantes das provas nas quais o
tribunal depositava particular confiança e, assim, talvez eliminar
alguns equívocos que se popularizaram. Mas, embora não
possamos fazer um sumário das provas, podemos afirmar que o
conjunto de provas aceito pelo tribunal tem resistido aos testes
de pesquisa histórica, que tem sido intensa e muitas vezes
hostil, e que, por mais controvertidas que algumas conclusões
possam ser, há muito pouca coisa, em suas descobertas
concretas, das quais se possa duvidar seriamente.
Como explicamos mais atrás, a acusação continha muitos pontos
sobre os quais, no final, os juízes se recusaram a decidir, não
porque a acusação falhasse em "provar" sua veracidade sem
qualquer dúvida razoável, mas porque os atos em questão não
estavam suficientemente ligados com a guerra e, portanto, na
opinião do Tribunal Militar Internacional, não eram crimes a
serem julgados nos termos da Carta do TMI. Assim, grande
parte dos trabalhos realizados na sala do tribunal - podemos
dizer que em proporção grande demais - foi dedicada a questões
sem nenhuma importância legal, ou de importância indireta para
esse julgamento, embora algumas delas constituíssem crimes
que um tribunal alemão poderia julgar adequadamente. As primeiras tentativas nazistas de derrubar a "República de Weimar"
pela força; a subversão subseqüente da democracia alemã; o
fluxo interminável de propaganda racial e chauvinista; a tomada
do poder por fraude e logro, e a consolidação do poder por meio
do terror; o tormento das igrejas cristãs; a perseguição aos
judeus antes da guerra - a história desses acontecimentos enche
centenas de páginas dos registros do julgamento, mas nenhum
dos acusados em Nuremberg foi punido por qualquer desses
crimes. Tampouco, ao contrário do que muita gente ainda crê, o
rearmamento da Alemanha ou outros preparativos gerais para a
guerra como tal foram considerados crimes contra a paz, quer
tenham constituído ou não infrações do "Tratado de Versalhes",
86
e isto inclui as tomadas da Áustria e da Tchecoslováquia que,
tendo sido realizadas por ameaça de força, foram classificadas
como "ações agressivas", não como guerras de agressão. Mas
devemos observar uma vez mais que a promotoria não podia ter
evitado a introdução de todas essas questões até certo ponto,
mesmo que tivesse interpretado os artigos da Carta de maneira
tão restrita como o fizeram os juízes posteriormente. Os juízes,
que durante todo o julgamento mostraram-se ansiosos por
excluir ao máximo possível questões legalmente inadequadas,
reconheceram expressamente isto na sentença. Um trecho
característico reza o seguinte:
"A guerra contra a Polônia não ocorreu subitamente... Pois os
desígnios agressivos do governo nazista não foram acidentes
resultantes da situação política imediata da Europa e do mundo;
eles foram parte deliberada e essencial da política externa
nazista."
De igual modo, as piores atrocidades e atos de genocídio
tiveram muito pouco que ver com as exigências da guerra ou
com o enfraquecimento das inibições morais que é inseparável
de uma luta prolongada e amarga: elas só podiam ocorrer tal
como ocorreram porque o veneno do ódio racial fora um
elemento essencial da doutrinação nazista, desde o começo do
movimento. Para o tribunal, era nitidamente importante avaliar
os fatos à luz da significação histórica dos crimes imputados, e
devemos lembrar-nos de que o registro nazista ainda não havia
sido divulgado ao mundo, na forma de um relato coerente e
documentado. Entretanto, como suas características notáveis
devem agora ser consideradas como conhecimento comum,
podemos limitar aqui os nossos comentários à prova direta dos
crimes de que foram os réus acusados.
Comecemos com os crimes contra a paz, definidos no Artigo da
Acusação sob n° 2 como participação no planejamento,
preparativo, iniciação e empreendimento de guerras de
agressão. (O n° 1 da denúncia não precisa ser examinado em
separado, pois, em vista da decisão do tribunal de que "a
conspiração não deve estar muito distante do momento da
decisão e ação", não parece haver distinção real entre
"conspiração" e "participação no planejamento e preparativo.")
Naturalmente, foi muito fácil para a promotoria mostrar que a
Alemanha nazista era culpada daquilo que a denúncia chamara
"guerras de agressão, que também eram guerras que infringiam
tratados, acordos e garantias internacionais." Neste contexto,
87
não importava muito que a Carta do TMI deixasse de formular
com precisão o que queria dizer por "guerras de agressão", pois
qualquer que fosse a definição de "agressivo" que se pudesse
adotar, ela se aplicaria ao caso; incontestavelmente a Alemanha
atacou a Polônia, Dinamarca, Noruega, os Países Baixos, Bélgica,
Luxemburgo, Iugoslávia, Grécia e a URSS, embora nenhum
desses países tivesse cometido, ou ameaçado cometer, qualquer
ato de hostilidade contra a Alemanha. A promotoria não precisou
referir-se ao Tratado de Versalhes ou a outras obrigações legais
que o regime de Hitler herdara da "Repmblica de Weimar", e que
o Führer alegava estar moralmente justificado em repudiar. O
governo nazista, ao cometer as agressões de que foi acusado,
rompeu indubitavelmente as garantias formais e voluntárias de
que respeitaria a inviolabilidade dos países que agrediu.
Contudo, parecia menos fácil fixar com razoável exatidão o
momento, no tempo, em que as tendências geralmente
agressivas do nazismo se transformaram em objetivos
expansionistas concretos, a serem alcançados, assim que a
chantagem política deixasse de ser eficaz, pela força das armas.
Entretanto, era preciso determinar este momento decisivo - do
contrário, de que maneira o tribunal poderia determinar quais
dos acusados - se houvesse algum - estavam implicados na
acusação de "conspiração" ou planejamento de guerra de
agressão? Para a promotoria, foi um golpe de sorte a descoberta, no meio de arquivos alemães capturados, de quatro
documentos importantes que, lidos contra o pano de fundo dos
acontecimentos reais, proporcionaram uma prova realmente
formidável de três fatos fundamentais: primeiro, que em
novembro de 1937, senão antes, as intenções de Hitler se
haviam transformado em decisão; segundo, que daí em diante o
planejamento da agressão foi definido e coerente em todos os
detalhes, deixando apenas a sincronização precisa e outros
detalhes para serem determinados por oportunidades e contingências futuras; terceiro, que num ou noutro momento, durante
esse período, os elementos de cúpula dos setores militar e civil
foram informados da decisão de Hitler. Com esta prova
documental, já não era mais uma questão de simples conjetura
o fato de que havia um plano diretor de agressão, ajudado e
favorecido pelo menos por alguns dos acusados.
O mais antigo desses quatro documentos tornou-se famoso
como o chamado Memorando de Hossbach. Ele consiste de uma
nota longa e cuidadosa (embora não literal), compilada pelo
ajudante-de-ordens pessoal de Hitler, Hossbach, de uma reunião
realizada na Chancelaria do Reich a 5 de novembro de 1937.
88
Além de Hitler e Hossbach, estavam presentes: o General von
Blomberg, então Ministro da Guerra; o General von Fritsch, Comandante-Chefe do Exército, e três dos acusados de
Nuremberg, a saber: Göring, Raeder e von Neurath, representando a Força Aérea, a Marinha e o Ministério das Relações
Exteriores.
Hitler convocara a reunião para fazer uma declaração
programática de importância tão básica, que pediu aos presentes que a encarassem como seu testamento político, na
eventualidade de sua morte. Começou com a suposição de que a
falta de espaço vital adequado era o problema básico da
Alemanha; problema cuja solução estava na Europa e não podia
ser resolvido por meios pacíficos. Alguns excertos breves da
nota de Hossbach falarão por si:
"Não se trata de conquistar povos, mas de conquistar espaço
agricolamente útil. Também seria mais conveniente procurar
território produtor de matérias-primas na Europa, diretamente
adjacente ao Reich, não além-mar... A história de todos os
tempos - o Império Romano, o Império Britânico - prova que
toda expansão territorial só pode ser realizada rompendo a
resistência e correndo riscos. Para a Alemanha, a questão está
em saber onde se pode fazer a maior conquista possível pelo
menor custo."
Que o território a ser conquistado teria de ser encontrado em
algum lugar da Europa era evidente, mas, como Hitler observou,
isto não queria dizer que se podia evitar conflito com as
potências ocidentais.
"A política alemã deve levar em conta seus dois odiosos
inimigos, Inglaterra e França, para quem um poderoso colosso
alemão no centro da Europa seria intolerável. Esses dois estados
se oporiam a um fortalecimento ulterior da Alemanha, tanto na
Europa como além-mar, e eles teriam apoio de todas as partes,
nessa oposição... A questão alemã só pode ser resolvida pela
força, e esta nunca é destituída de riscos. Se colocarmos a
decisão - de aplicar força com risco - no alto das seguintes
exposições, então resta-nos responder as perguntas "quando" e
"como"...
Mas Hitler ainda não estava pronto para decidir sobre o
"quando" e o "como". Diferentes situações internacionais que
poderiam surgir - em seu discurso, Hitler distinguiu três "casos"
igualmente prováveis - exigiriam diferentes táticas. Contudo, em
89
nenhuma circunstância a Alemanha poderia permitir-se adiar sua
iniciativa por muito tempo:
"Se o Führer ainda estiver vivo, então será sua decisão
irrevogável resolver o problema do espaço alemão o mais tardar
entre 1943 e 1945. A necessidade de ação antes de 1943-1945
será examinada nos Casos 2 e 3."
Mas, embora ainda não estivesse certo sobre se esmagaria a
oposição das potências ocidentais "antes" de iniciar uma guerra
de conquista no Leste, ou o contrário, Hitler não tinha dúvidas
de que, como medida estratégica preliminar, a primeira
oportunidade favorável deveria ser usada para tomar a Áustria e
a Tchecoslováquia:
"Para robustecer nossa posição politico-militar, o primeiro
objetivo, no caso de complicação bélica, será conquistar a
Tchecoslováquia e a Áustria simultaneamente, para eliminar
qualquer ameaça dos flancos, no caso de nosso possível avanço
para o Oeste... A anexação dos dois países à Alemanha seria, do
ponto de vista militar e político, de grande utilidade, porque
melhoraria o problema das fronteiras, facilitaria o deslocamento
de combatentes para todos os fins necessários, e nos
possibilitaria a formação (com o pessoal das nações anexadas)
de novos exércitos, até alcançarmos um efetivo de cerca de doze
divisões."
Se nos primeiros discursos e escritos de Hitler já houvesse
referência a conquistas extraordinárias e ao domínio do mundo,
teria sido possível encará-los como simples transportes de
imaginação, destinados a satisfazer instintos nacionalistas
demagógicos. Entrementes, Hitler adquirira poder e, com ele,
responsabilidades. Na "Conferência de Hossbach" ele não se
dirigiu a uma multidão emotiva, mas a uns poucos, aos seus
principais lugares-tenentes; tampouco se referia a um futuro
distante. Será crível que aqueles que o ouviram ainda
estivessem céticos quanto à seriedade das suas intenções, como
alguns deles pretenderam fazer acreditar, mais tarde?
O outro documento importante foi um registro, feito pelo Major
Schmundt, também ajudante-de-ordens de Hitler, de uma
conferência militar realizada no gabinete do Führer, na
Chancelaria do Reich, a 23 de maio de 1939. Entre os líderes
militares presentes estavam Göring, Keitel e Raeder. Já então a
Alemanha nazista havia anexado a Áustria e a Tchecoslováquia,
em três momentos, sem ser obrigada a fazer guerra; a ameaça
90
de guerra, ajudada pela política de pacificação da França e GrãBretanha, bastou para assegurar esses sucessos preliminares.
Hitler solenemente renunciara então a todas as ambições
territoriais ulteriores e, a 28 de abril de 1939, declarara que as
intenções hostis da Alemanha para com a Polônia em particular
"não passavam de invenção da imprensa internacional". Menos
de um mês depois, a 23 de maio, é que ele notificou oficialmente, pela primeira vez, aos seus Comandantes-Chefes e ao
Estado-Maior Geral da Wehrmacht sobre sua decisão de atacar a
Polônia, deixando claro que a decisão não era uma conseqüência
da Questão de Danzig ou de qualquer outro litígio diplomático
entre a Alemanha e a Polônia:
"Danzig não é de modo algum o motivo do litígio. Trata-se de
expandir nosso espaço vital no Leste, de assegurar nossos
suprimentos de alimentos e da solução do problema báltico. Só
podemos esperar suprimentos de alimentos vindos de áreas
esparsamente populadas. Além disso, a fertilidade natural e
técnica alemã aumentarão enormemente o excedente. Não há
nenhuma outra possibilidade na Europa... A solução do problema
requer coragem. Fugir a esta solução, procurando uma
adaptação às circunstâncias, é inadmissível. As circunstâncias
devem ser adaptadas às necessidades. Isto é impossível sem a
invasão de estados estrangeiros ou ataques às propriedades
estrangeiras.. .
"Portanto, não há como poupar a Polônia, restando-nos a
decisão de atacá-la na primeira oportunidade apropriada. Não
podemos esperar uma repetição do caso tcheco (conquista
pacífica, à custa de ameaças). Haverá guerra. É imperioso que
se isole a Polônia. O êxito do isolamento será decisivo ... O seu
isolamento é uma questão de habilidade política."
E se, afinal, a habilidade política fosse incapaz de impedir que
Grã-Bretanha e França corressem em auxílio da Polônia, então a
Alemanha deveria concentrar-se primeiramente na guerra no
Oeste: "A guerra com a Inglaterra e a França será uma luta de
vida ou morte".
Embora a política de isolamento da Polônia não obtivesse êxito
total, parte importante dela completou-se a 22 de agosto de
1939, quando da assinatura do pacto de não-agressão entre a
Alemanha e a União Soviética. No mesmo dia, Hitler tornou a
convocar seus Comandantes-Chefes para dizer-lhes que era chegado o momento de agir. Existem três versões do sumário do
discurso que ele fez nessa ocasião (um desses documentos
91
referia-se a um segundo discurso, que Hitler teria pronunciado
no mesmo dia, para outra platéia e essencialmente sobre os
mesmos pontos), diferindo em extensão e nos detalhes da
redação, embora não em conteúdo. Citamos uma das versões:
"Para mim, sempre foi evidente que, cedo ou tarde, teremos um
conflito com a Polônia. Já tomara esta decisão na primavera...
Queria estabelecer uma relação aceitável com a Polônia, a fim
de lutar primeiro contra o Oeste. Mas este plano, que me era
agradável, não pode ser realizado, já que pontos essenciais
mudaram. Tornou-se-me claro que a Polônia nos atacará, em
caso de conflito com o Oeste...
"Agora a Polônia está na posição que eu queria... Só temo que
no último momento algum porco imundo (Schweinehund) faça
uma proposta de mediação... Já começamos a destruir a hegemonia da Inglaterra."
E este trecho é de uma das outras versões:
"O objetivo é eliminar forças vivas, e não chegar só a certa
linha... Mesmo que tenhamos guerra no Oeste, a destruição da
Polônia será o primeiro objetivo. Apresentarei uma causa
propagandística para iniciar a guerra - não importa que seja, ou
não, plausível. Depois não se perguntará ao vencedor se ele
disse a verdade ou não. No começar e fazer uma guerra, o que
conta não é o direito de faze-la, mas a vitória...
"A ordem para iniciar será dada provavelmente no sábado, pela
manhã [26 de agosto de 1939]."
O quarto documento importante é também o registro, desta vez
literal, de um discurso de Hitler, examinando, como frisa a
Sentença do TMI, acontecimentos passados e reafirmando
intenções agressivas. A reunião teve lugar a 23 de novembro de
1939, com a Polônia já conquistada e a guerra no Oeste em
comppasso de espera. Hitler queria conscientizar a todos de que
os triunfos obtidos se deviam não a uma sucessão bem
explorada de acidentes históricos, mas à firmeza com que ele, o
Führer, se tinha apegado aos elementos essenciais do seu
grande plano, embora as medidas tomadas para a sua conclusão
variassem com as circunstâncias. Eis como ele sintetiza as
origens imediatas da guerra:
"Um ano depois, veio a Áustria; este passo também foi
considerado duvidoso. Ele trouxe considerável reforço para o
Reich. A etapa seguinte foram a Boêmia, a Morávia e a Polônia.
92
Também não foi possível realizar essa etapa numa única
campanha. Primeiramente era preciso terminar as fortificações
ocidentais (a "Linha Siegfried"). Não era possível atingir o
objetivo num único esforço. Desde o começo, tornou-se-me
evidente que não podia ficar satisfeito com o território dos
Sudetos Alemães. Esta solução era apenas parcial. Tomou-se a
decisão de invadir a Boêmia. Seguiu-se então a criação do
Protetorado e com isto lançou-se a base para a ação contra a
Polônia, mas para mim, na época, não estava muito claro se eu
devia começar primeiro contra o Leste e depois contra o Oeste,
ou vice versa...
"Basicamente, não organizei as Forças Armadas para não atacar.
Sempre tive a decisão de atacar. Queria resolver o problema,
mais cedo ou mais tarde. Sob pressão, decidiu-se que o Leste
deveria ser atacado em primeiro lugar."
Esses registros reveladores estavam acompanhados de provas
muito convincentes, como uma grande pasta de diretivas
militares sobre o "Caso Verde" (operações contra a
Tchecoslováquia), outra pasta sobre o "Caso Branco" (operações
contra a Polônia), os diários do Ministro do Exterior italiano,
Ciano, e as notas feitas pelo Embaixador Schmidt, o intérprete
de Hitler.
Este material; de cuja importância ninguém duvida, não estivera
entre os poucos instrumentos de prova que a acusação
apresentara juntamente com a denúncia. Portanto, quando, a 24
de novembro de 1945, as traduções alemães dos documentos
importantes foram entregues aos advogados de defesa, o
choque foi grande. A afirmação da acusação de que a guerra
fora sistematicamente planejada e deliberadamente iniciada,
parecera, inicialmente, apoiar-se em provas muito fracas,
especialmente no tocante a um conhecimento culposo dos
generais e almirantes. Só agora é que a maioria dos advogados
de defesa começava a compreender que a acusação de uma
conspiração contra a paz seria levada tão a sério quanto a
denúncia de atrocidades.
Nas notas publicadas do seu diário, o Dr. von der Lippe,
assistente dos advogados de defesa de Raeder, registrou sua
reação imediata ao primeiro exame que fez dos documentos
importantes:
"O menos que se pode dizer dos discursos de Hitler é que são
extraordinariamente
agressivos,
arrogantes
e
auto-
93
contraditórios... Existem três versões do discurso de 22 de
agosto de 1939. A pior delas é uma mixórdia de linguagem
injuriosa e da mais selvagem provocação de guerra. Se essa
versão fosse autêntica, as personalidades militares de alto escalão que o ouviram, inclusive Raeder, não poderiam ter deixado
de reconhecer imediatamente que o orador era um criminoso. Se
essa versão fosse correta, poderse-ia abrir mão imediatamente
do sumário da defesa. Raeder e outros acusados, que estiveram
presentes àquela reunião, afirmam que a versão é incorreta. Mas
é de se reconhecer que é muito difícil tragar mesmo a versão
mais branda do discurso. E as coisas não parecem melhores
quanto aos outros documentos. E aqui surge claramente a
questão de saber-se como os líderes militares puderam aceitar
tais exposições e planos de Hitler, sem objeções."
O que dissemos talvez baste para indicar a natureza das provas
à disposição da promotoria, em conexão com os crimes contra a
paz. A invasão da Polônia - o ato que iniciou a Segunda Guerra
Mundial - foi evidentemente a agressão de maior importância,
mas os documentos alemães capturados ofereceram provas
idênticas e claras de agressão (seja como for que a definamos)
também nos casos da Dinamarca, Noruega e todos os outros
países vítimas. Os fatos comprovados por certo justificam a
conclusão do tribunal de que o "planejamento e preparativo
foram efetuados da maneira mais sistemática em todos os estágios". Mas efetuados por quem? Legalmente falando, disse a
defesa, por Hitler e somente por Hitler, pois eram exclusivamente seus a iniciativa e o poder de decisão no Terceiro Reich
totalitário. Este argumento, assim como a defesa correlata de
"ordens superiores" (sobre a qual falaremos mais adiante), traz
consigo uma plausibilidade superficial, embora um exame mais
atento mostre que ela só é aceitável dentro de limites estritos. O
Tribunal de Nuremberg assim explicou os critérios a serem
aplicados:
" O argumento de que tal planejamento comum não pode existir
onde há uma ditadura completa é infundado... Hitler não poderia
fazer guerra sozinho, Ele tinha de ter a cooperação de
estadistas, líderes militares, diplomatas e homens de negócios.
Quando estes, com o conhecimento dos seus objetivos, lhe
deram cooperação, tornaram-se parte dos planos de Hitler. Eles
não devem ser considerados inocentes porque Hitler os usou, se
sabiam o que estavam fazendo. O fato de terem recebido suas
tarefas de um ditador não os absolve da responsabilidade de
seus atos. A relação entre líder e seguidor não exclui a
responsabilidade neste caso, como não a exclui na tirania
94
comparável do crime interno organizado."
As frases: "com o conhecimento dos seus objetivos, lhe deram
cooperação" e "se sabiam o que estavam fazendo" são
claramente criticas.
Portanto, além de provar o fato da agressão planejada, a
promotoria foi chamada a mostrar como os denunciados nos
termos dos Artigos de Acusação Um ou Dois estavam cientes dos
objetivos de Hitler e o que se subentende por "cooperação".
Mas, neste aspecto, havia, no mínimo, uma alegação poderosa
contra todos os que tinham conhecimento dos assuntos
registrados nos documentos importantes. Já citamos o
registrado pelo advogado de defesa, von der Lippe; e outro
alemão, o Embaixador Paul Schmidt, o extraordinário intérprete
cujo depoimento é considerado valioso, porque seu trabalho lhe
permitia inclusive observar de perto as reações dos participantes
de importantes reuniões, declarou "conhecer, de modo geral, os
objetivos dos líderes da Alemanha. Eram evidentes, desde o
início, a saber, o domínio do Continente Europeu, a ser obtido
primeiro pela incorporação de todos os grupos de língua alemã
ao Reich e, segundo, pela expansão territorial de acordo com o
lema do Lebensraum (espaço vital)."
Provas abundantes
Ao passarmos à análise das provas sobre atrocidades, não
vemos como sustentar distinção entre os Artigos de Acusação
Três e Quatro. Assim como, na opinião do tribunal, a
conspiração, de que fala o Artigo de Acusação Um, e o
planejamento e preparativo para guerra, de Artigo de Acusação
Dois, equivaliam a crimes contra a paz", por serem virtualmente
idênticos, também restava apenas uma distinção puramente
técnica entre "crimes de guerra", por um lado, e, por outro,
crimes cometidos em conexão com a guerra ou crimes contra a
paz. Também só queremos referir-nos superficialmente à
história de horrores que, narrada em Nuremberg pela primeira
vez, tem sido muito comentada e repisada no mundo inteiro.
O assassinato e os maltratos de prisioneiros de guerra, a
espoliação de territórios ocupados, o terror exercido contra
populações civis, o genocídio de judeus e ciganos, o uso de
trabalho escravo - havia provas abundantes de que tais atos
abomináveis foram perpetrados em escala gigantesca. Mas a
determinação dos detalhes desses crimes caberia aos futuros
95
julgamentos de criminosos de guerra "menores". Na sessão
principal em Nuremberg, a finalidade era mostrar que quase
todos os ultrajes, por mais distantes que estivessem entre si, no
tempo e no espaço, haviam sido cometidos em obediência a um
plano central que os acusados seguiram de muito boa vontade.
Também para isto houve provas abundantes. Neste ponto a
promotoria beneficiou-se da paixão alemã pelo procedimento
organizado, que exigia que o andamento de qualquer ordem
fosse rigorosamente registrado, em todos os estágios de
tramitação, desde a fonte emanadora - com mais freqüência o
próprio Führer - até aos executivos finais, e que a execução de
tal ordem fosse devidamente confirmada por relatórios escritos.
Na verdade, os registros dos atos mais clamorosamente
criminosos foram minuciosamente feitos, inclusive durante as
últimas semanas da guerra, quando as forças aliadas se
aproximavam de todos os lados. Já mencionamos o fato de que
a prova documental era suplementada pelo depoimento de
testemunhas oculares, muitas das quais profundamente
implicadas. É importante que se diga que ninguém, em
Nuremberg, conseguia "comprar" imunidades - se tivesse
implicações com os crimes ali apurados - pela simples
apresentação, voluntária ou não, para depor contra quem quer
que seja. A profusão de indícios e provas era grande, mesmo
que ignoremos todos os itens que não são inteiramente
concludentes, mas não podemos reproduzir aqui o efeito
cumulativo irresistível. Infrações imprudentes ou deliberadas das
leis que protegem prisioneiros de guerra podem ser cometidas
por todos os beligerantes, em todas as guerras, embora apenas
em casos isolados. Mas, para o nazistas, era uma questão de
princípio ignorar a lei internacionalmente aceita, sempre que isto
parecesse servir às suas finalidades. Os soldados russos foram
as primeiras vítimas dessa atitude. Foi a 17 de julho de 1941,
menos de um mês do início do ataque alemão contra a União
Soviética, que a Gestapo emitiu a notória "Ordem dos Comissários", dispondo sobre o assassinato de certas categorias de
prisioneiros soviéticos. Ela foi dirigida aos comandantes da Sipo
e do SD, ligados a campos de prisioneiros de guerra (Stalags).
Segundo o depoimento do Chefe do SD, Otto Ohlendorf, os
poderes que os oficiais da Sipo e do SD usavam nos campos resultaram de acordo entre Himmler e os Comandos Supremos da
Wehrmacht e do Exército. A ordem continha as seguintes
instruções:
"A missão dos Comandantes dos Sipo e SD nos Stalags é a
investigação política de todos os internos no campo, a eliminação e "tratamento ulterior": (a) de todos os elementos
96
políticos, criminosos ou, de algum outro modo, insuportáveis,
existentes entre eles; (b) das pessoas que poderiam ser usadas
para a reconstrução dos territórios ocupados.
"Sobretudo, deve-se descobrir o seguinte: todos os funcionários
importantes do estado e do Partido, especialmente os
revolucionários profissionais; funcionários do Comintern; todos
os funcuinários que fazem a política do Partido Comunista da
União Soviética e suas organizações correlatas nos comitês
centrais e nos comitês regionais e distritais; todos os
Comissários do Povo e seus adjuntos; todos os ex-comissários
políticos no Exército Vermelho; personalidades importantes das
autoridades estatais regionais; importantes personalidades do
mundo dos negócios; membros da Inteligência Soviética; todos
os judeus; todos os agitadores ou comunistas fanáticos...
As execuções não devem ser feitas no campo ou nas suas
vizinhanças... Os prisioneiros devem ser levados para
tratamento especial (apurou-se que a expressão "tratamento
especial" significava "execução", no código dos comandantes dos
campos de concentração), se possível no território tomado ao
inimigo".
A certa altura do julgamento, a defesa afirmou que a "Ordem
dos Comissários" fora emitida em represália aos métodos brutais
supostamente empregados pelo exército russo. Contudo, o
general Walter Warlimont, Subchefe do Estado-Maior de
Operações da Wehmacht, declarou em seu depoimento que as
medidas preconizadas pela "Ordem dos Comissários" já haviam
sido anunciadas por Hitler aos líderes da guerra, pouco antes da
invasão da Rússia. Keitel admitiu, na reinquirição, ser verdadeira
a declaração de Warlimont. Várias testemunhas afirmaram que a
ordem foi cumprida com eficiência durante toda a guerra,
embora se desconheça o número dos que morreram em virtude
do seu cumprimento. Só em Auschwitz morreram asfixiados,
sendo a seguir cremados, 20.000 prisioneiros de guerra russos declarou, em depoimento, o comandante daquele campo de
concentração, Rudolf Hoess.
A intenção de tratar os prisioneiros de guerra russos com
desrespeito das leis e dos costumes da guerra foi expressada
numa forma ainda mais geral nos regulamentos do OKW
emitidos a 8 de setembro de 1941, pelo general Reinecke, Chefe
do Departamento de Prisioneiros de Guerra do Alto Comando:
"O bolchevismo é o inimigo mortífero da Alemanha Nacional
97
Socialista. O exército alemão está enfrentando na Rússia não
apenas um oponente militar, mas um soldado fanatizado pelas
idéias do bolchevismo, tão perniciosas para o povo. A luta contra
o Nacional-Socialismo tornou-se parte do seu sistema...
Portanto, o soldado bolchevista perdeu o direito ao tratamento
dispensado ao adversário honrado, de acordo com a Convenção
de Genebra...
"A ordem para ação implacável e enérgica tem aplicação sempre
que houver a mais ligeira indicação de insubordinação,
especialmente
no
caso
de
fanáticos
bolchevistas.
Insubordinação, resistência ativa ou passiva, devem ser
destruídas pela força das armas (baionetas, coronhas e armas
de fogo)... Os prisioneiros de guerra que tentarem fugir devem
ser abatidos a tiro sem advertência prévia... O uso de arma
contra prisioneiros de guerra é, em regra, legal."
Quando o Almirante Canaris, como chefe da Inteligência Militar,
apresentou um protesto escrito contra a ordem de Reinecke,
Keitel comentou na margem que as objeções se originavam do
conceito militar de guerra cavalheiresca, mas como as medidas
se referiam à destruição de uma ideologia, elas tinham sua
aprovação e apoio.
A Iugoslávia foi outro país onde os alemães condenaram os
soldados inimigos de maneira idêntica. Segundo uma ordem do
exército, datada de 12 de maio de 1943, todo soldado iugoslavo
aprisionado devia ser considerado como bandido e "fuzilado após
interrogatório". Por outro lado, no Oeste, o maltrato e assassinato de prisioneiros não ocorreram na mesma escala.
Certamente houve excessos, entre os quais o massacre de 129
norte-americanos desarmados, em Malmedy, na Bélgica,
durante a Batalha do Bolsão, em dezembro de 1944, foi um dos
piores, mas houve apenas três categorias específicas de casos
em que o assassinato de prisioneiros foi realizado com a sanção
da cúpula.
A primeira dessas categorias foi criada pela "Ordem de
Comando", altamente secreta, de Hitler, de 18 de outubro de
1942:
"Doravante, todos os inimigos em chamadas missões de
comando na Europa ou na África, encontrados por tropas alemães, mesmo que tenham aparência de soldados em uniforme
ou tropas de demolição, estejam armados ou não, em batalha
ou em fuga, deverão ser mortos até o último homem... Mesmo
98
que demonstrem estarem dispostos a entregar-se, por princípio
não devem ser poupados...
"Se membros individuais desses comandos... caírem nas mãos
das forças armadas por algum outro meio, por exemplo, pela
polícia nos territórios ocupados, devem ser imediatamente
entregues ao SD. O aprisionamento sob guarda militar, em
campos de prisioneiros de guerra, por exemplo, etc., está
estritamente proibido...
"Para que a conduta da guerra pela Alemanha não sofra danos
graves, deve-se deixar claro para o adversário que todas as
tropas de sabotagem serão exterminadas, sem exceção, até o
último homem."
A fuga e recuperação de prisioneiros formou a segunda categoria
de casos, no período final da guerra, abrangidos pelo "Decreto
da Bala" (Kugel-Erlass), emitido pelo Supremo Comando do
Exército em março de 1944: "Os prisioneiros de guerra fugidos
que tenham sido recuperados, e que sejam oficiais ou suboficiais, sargentos ou cabos, exceto os prisioneiros de guerra
britânicos e norteamericanos, devem ser entregues ao Chefe da
Sipo e do SD nos termos da denominada "Etapa III", quer a fuga
tenha ocorrido durante o transporte, quer tenha sido uma fuga
em massa ou individual...
"Os prisioneiros de guerra britânicos e norte-americanos,
oficiais, suboficiais, sargentos e cabos, que forem recapturados,
devem ser detidos primeiramente fora do alcance da visão dos
internados em campos de prisioneiros de guerra... Em todos os
casos, o Comando do Corpo da Area solicitará imediatamente ao
Supremo Comando do Exército (Chefe do Departamento de
Prisioneiros de Guerra) uma decisão sobre se eles devem ser
entregues ao Chefe da Sipo e do SD."
O Chefe da Gestapo emitiu as seguintes instruções
suplementares:
"Os Diretórios da Polícia Secreta do Estado aceitarão os
prisioneiros de guerra que forem oficiais e tenham fugido e sido
recuperados, entregues pelos comandantes do campo, e os
transportarão até o campo de concentração de Mauthausen... Os
prisioneiros de guerra devem ser acorrentados durante o transporte - não a caminho da estação se puderem ser vistos pelo
público. O comandante do campo em Mauthausen deve ser
notificado de que a transferência é feita dentro do campo de
ação da Kugel."
99
Dois oficiais franceses, que tinham sido internados em
Mauthausen, descreveram para o tribunal como a ação Kugel era
completada naquele campo:
"Os prisioneiros K eram levados diretamente para a prisão, onde
eram despidos e dirigidos ao "banheiro". Este banheiro, situado
nos porões do prédio da prisão, próximo do crematório, era
projetado especialmente para execução [fuzilamento e asfixia].
"O fuzilamento era feito por meio de um aparelho de medição - o
prisioneiro era colocado de costas contra a escala métrica, que
era dotada de um dispositivo automático que disparava uma
bala no seu pescoço, assim que a prancha móvel que
determinava sua altura tocava o topo da sua cabeça. Se um
transporte consistia de número muito grande de prisioneiros K...
eram exterminados por gás que os chuveiros deixavam sair em
lugar de água."
O "Caso Sagan", tantas vezes comentado, em que cinqüenta
oficiais da Real Força Aérea, que haviam fugido do campo de
prisioneiros em Sagan, foram fuzilados pela Gestapo ao serem
recuperados, foi, portanto, apenas um dos muitos assassinatos
do mesmo tipo, exceto pelo detalhe de a execução desses
oficiais britânicos ter sido efetuada por ordens diretas de Hitler.
A terceira categoria: o "terror aéreo" aliado, isto é, ataques que
os alemães pretendem terem sido dirigidos contra a população
civil. Depois de vários linchamentos feitos por civis contra
aviadores aliados que haviam sido derrubados, Himmler deu
instruções, datadas de 10 de agosto de 1943, de que "não era
tarefa da polícia intervir nos choques entre alemães e aviadores
terroristas ingleses ou norte-americanos que tenham saltado de
seus aviões". Pouco mais tarde, Kaltenbrunner ampliou essas
instruções:
"Todos os oficiais do SD e da Polícia de Segurança devem ser
informados para que não interfiram nos ataques do povo contra
aviadores terroristas ingleses e norte-americanos. Ao contrário,
deve-se estimular este estado de espírito."
Esse encorajamento à "Lei de Lynch" teve algum efeito, mas
aparentemente não bastou para satisfazer a liderança nazista,
pois numa ordem datada de 21 de maio de 1944, Hitler
estipulou que "os aviadores anglo-americanos que descessem
em solo alemão deviam ser fuzilados sem serem submetidos a
100
conselho de
terroristas".
guerra,
se
considerados
culpados
de
atos
Nos termos das regras de guerra, conforme definidas na
Convenção de Haia, uma potência ocupante pode obrigar a
economia de um país ocupado a arcar com o custo real da
ocupação, contanto que este seja compatibilizado com a economia do país em apreço. Os alemães excederam
implacavelmente esse direito limitado, a ponto de produzir fome
generalizada no seio do povo do território ocupado, mas os
métodos empregados variavam de país para país, e de um momento para outro. Às vezes, especialmente no caso dos países
ocidentais, os nazistas afetavam certa inclinação para a
legalidade, pagando pelas mercadorias enviadas para a
Alemanha, fosse por meio de empréstimos forçados, para os
quais abriam créditos em "contas de compensação" espúrias, ou
simplesmente contrabalançando o preço que deviam pagar com
os custos de ocupação, avaliados de maneira arbitrária. Em
outros casos, achavam que não havia necessidade de fingir. A
pequena seleção de trechos que se segue, extraídos das provas
apresentadas em Nuremberg, dissipará qualquer dúvida
daqueles que pensam que o que se fazia eram transgressões
esporádicas, e não uma política planejada e do conhecimento de
grande número de pessoas.
De um decreto das autoridades militares alemães na Polônia,
datado de 27 de setembro de 1939:
"A propriedade do estado polonês, das instituições públicas,
municipalidades e sindicatos, de indivíduos e empresas poloneses, pode ser seqüestrada e confiscada."
De uma diretiva de Göring, datada de 19 de outubro de 1939:
"A sistemática do tratamento econômico das várias regiões
administrativas é diferente, dependendo de se o país implicado
será politicamente incorporado ao Reich Alemão, ou se lidamos
com o Governo-Geral (da Polônia), que com toda probabilidade
não fará parte da Alemanha... Deve-se retirar dos territórios do
Governo-Geral todas as matérias-primas, sucatas, máquinas etc.
que sejam de utilidade para a economia de guerra alemã. Tudo
aquilo que não for absolutamente necessário para uma escassa
manutenção da simples existência da população deve ser
transferido para a Alemanha..."
De uma ordem dada por Keitel a 16 de junho de 1941:
A exploração [da União Soviética] deve ser realizada em larga
escala, com a ajuda das sedes de campo e de locais, nos
101
distritos agrícolas e petrolíferos mais importantes."
De um discurso pronunciado por Rosenberg a 20 de junho de
1941:
"O problema da alimentação dos alemães inegavelmente é
prioritário na lista das exigências alemães no Leste, neste instante, e nisto as regiões do sul da Rússia e do norte do Cáucaso
devem ajudar a equilibrar a situação de alimentos alemã. Por
certo não nos sentimos obrigados a alimentar também o povo
russo com os produtos dessas regiões. Sabemos que esta é uma
necessidade cruel, que nada tem que ver com sentimentos
humanitários."
De um discurso pronunciado por Göring e dirigido aos
Comissários do Reich para os Territórios Ocupados, a 6 de
agosto de 1942:
"Antigamente a questão era relativamente simples: costumavase chamar de saque. Cabia à parte vencedora levar consigo o
que tinha sido conquistado. Mas, atualmente, as coisas, parece,
tornaram-se mais humanas. A despeito disso, voltaremos aos
tempos antigos, para saquear, e saquear de maneira completa...
"Neste momento a Alemanha controla os mais ricos celeiros que
já existiram na área européia, e que vão desde o Atlântico até o
Volga e o Cáucaso, terras hoje mais desenvolvidas e férteis que
nunca, mesmo que algumas delas não possam ser descritas
como celeiros...
"Sabe Deus porque vocês não são enviados para lá, para
trabalhar pelo bem-estar do povo sob sua responsabilidade. Vão
para arrancar-lhes o máximo, para que o povo alemão possa
viver... Esta eterna preocupação com o bem-estar do próximo
deve acabar agora, e para sempre... Para mim é indiferente se,
com relação a isto, vocês me disserem que o povo de lá passará
fome."
De uma anotação feita, a 7 de dezembro de 1942, no diário de
Frank:
"Se o novo plano de alimentação for levado a cabo, isto significa
que só em Varsóvia e seus subúrbios 500.000 pessoas serão
privadas de alimentos...
"Eu me esforçarei para arrancar das reservas dessa província
tudo o que for possível arrancar..."
De um relatório, datado de 12 de fevereiro de 1944, feito por
102
um oficial alemão na Iugoslávia ocupada, sobre o confisco de
gado para a Wehrmacht:
"1. Se forem privados de tanto gado, os camponeses não
poderão cultivar seus campos. Por um lado, eles receberam
ordens de cultivar cada centímetro de solo e, por outro, o gado
lhes é rudemente confiscado. 2. O gado é comprado por preço
tão baixo que os camponeses acham que não são compensados
pela perda do mesmo".
Numa categoria especial estava o saque sistemático de obras de
arte, bibliotecas e arquivos; para justificar isto, nem a desculpa
de estarem servindo ao esforço de guerra alemão servia. Quase
um mês depois de iniciada a guerra, Göring (que se vangloriava
de ser "Amante das Artes") deu ordens para registrar e confiscar
todos os tesouros artísticos poloneses; e dois meses mais tarde
seguiu-se uma ordem de rapina, assinada por Frank, "para
benefício do Reich Alemão". Segundo um relatório oficial, "quase
todo o tesouro artístico do país" foi tomado dentro de seis
meses.
Depois da bem sucedida invasão alemã no Ocidente, Rosenberg,
além das suas outras funções, foi nomeado Chefe do Centro
para Pesquisa Ideológica Nacional Socialista, criando-se uma
organização,
o
Einsatzstab
Rosenberg,
ostensivamente
destinada a recolher material para o Centro. Na verdade seu
propósito era levar a cabo o saque de tesouros culturais numa
operação coordenada. Em novembro de 1940, Göring deu instruções a Rosenberg, relacionando as diferentes maneiras como os
espólios reunidos na França deviam ser distribuídos. Os dois
primeiros itens da lista rezavam:
"1. Os objetos de arte cujo uso será decidido pelo próprio
Führer;
2. Os objetos de arte destinados a completar a coleção do
Marechal do Reich".
"Marechal do Reich" era o título favorito de Göring. Num decreto
datado de 1º de março de 1942, Hitler ordenou que a
Wehrmacht devia apoiar inteiramente as atividades do
Einsatzstab. A operação foi coroada de êxito, conforme o Chefe
da Seção de Arte Pictórica deixou claro em seu relatório final:
"Durante o período de março de 1941 a julho de 1944, a equipe
especial da Arte Pictórica realizou para o Reich 29 grandes
embarques, incluindo 137 caminhões de carga, com 4.174
caixas de obras de arte".
103
Que a população de um território ocupado seria responsabilizada
pelos atos de indivíduos "que criassem dificuldade à ocupação
alemã" foi anunciado cinco meses depois da invasão da França,
por um decreto do Estado-Maior Geral, autorizando "quaisquer
medidas que se possam levar a cabo". Uma dessas medidas era
a guarda de reféns, oficialmente introduzida no Leste e no Oeste
no outono de 1941. O fuzilamento de reféns foi em grande parte
contraproducente, conforme o relatório de comandante militar
alemão na Bélgica e Norte da França observou, depois de um
ano de experiência:
"Não há dúvida de que o resultado é muito insatisfatório. O
efeito é menos repressivo do que destrutivo da sensação de
direito e segurança da população; o abismo entre as pessoas
influenciadas pelo comunismo e o restante da população está
sendo transposto; tod os círculos estão-se enchendo de
sentimento de ódio pelas forças de ocupação... "
Todavia, à medida que crescia o movimento dos partisans, o
sistema de reféns começou a ser aplicado com severidade cada
vez maior, menos como um meio de combater a Resistência do
que como expressão de fúria desconcertada. O acusado Frank
estava na lista, com uma declaração pública de que "Não hesitei
em declarar que quando um alemão for fuzilado, até cem
poloneses também o serão", e depois de um "complô da
bomba", em Roma (março de 1944), Hitler ordenou
pessoalmente que de dez a vinte italianos deviam ser executados para cada alemão morto.
Não é preciso fazer referência ao volume do conjunto de provas
conseguidas sobre os atos de represália em larga escala
cometidos contra populações civis, como a destruição das
cidades de Lídice, Oradour-sur-Glane, ou Varsóvia, como
também abundantemente provados estão os métodos terroristas
mais comuns dos nazistas, remoção de pessoas, sem julgamento, para campos de concentração. Não precisamos citar
amostras das centenas de documentos disponíveis a este
respeito. Mas talvez devêssemos mencienar, como uma
tentativa particularmente diabólica de solapar o moral dos países
ocupados, o chamado "Decreto da Noite e do Nevoeiro" (Nacht
und Nebel), de 7 de dezembro de 1941, assinado Keitel.
Segundo esse decreto, todos os suspeitos de infração das leis de
ocupação ou dos interesses do Reich, para quem a sentença de
morte não estivesse declarada, deviam ser levados secretamente para a Alemanha e entregues à Sipo e SD de Himmler.
Suas famílias jamais receberiam notícia alguma sobre seu
104
destino. Arrancados de suas casas à noite, eles desapareceriam
no nevoeiro do ignorado. Na época, a finalidade foi expressamente exposta por Keitel:
"Em tais casas a servidão penal ou mesmo uma sentença de
prisão perpétua, com trabalhos forçados serão consideradas
sinal de fraqueza. A repressão eficaz e duradoura só pode ser
obtida por meio da sentença de morte, ou tomando-se providências que deixarão a família e a população incertas quanto
ao destino do infrator. A deportação para a Alemanha serve a
esta finalidade".
O fato de milhões de homens e mulheres terem sido arrastados
para cumprir longos horários de trabalho na Alemanha não foi
discutido no julgamento, mas alguns dos acusados tentaram
manter a ficção de que todos ou a maioria desses operários se
tinham apresentado como voluntários, Uma vez mais, a
promotoria estabeleceu facilmente a verdade, com provas
documentais obtidas de fontes alemães. No Governo-Geral da
Polônia, uma ordem para deportação de trabalhadores para o
Reich foi emitida em abril de 1940, e regulamentos idênticos
foram feitos em todos os outros distritos orientais, tão logo
conquistados. Sob a direção de Fritz Sauckel, que se tornou
Plenipotenciário-Geral para a Utilização de Mão-de-Obra, em
março de 1942, a mobilização de mão-de-obra estrangeira
tornou-se tarefa de suma prioridade, a ser realizada com
implacável eficiência. Vários administradores alemães, no desejo
de não aumentar, o desespero da população, já bastante exacerbado, com a prepotência do ocupante, protestaram contra a
brutalidade com que os homens de Sauckel agiam. Encontramos
a seguinte descrição num desses documentos:
"No ilimitado menosprezo pelo povo eslavo, usaram-se métodos
de recrutamento que provavelmente só têm precedentes nos
períodos mais negros do comércio negreiro. Iniciou-se uma
caçada humana sistemática. Sem consideração por saúde ou
idade, as pessoas eram embarcadas para a Alemanha, onde de
imediato se verificou que mais de 100.000 tiveram de ser
recambiadas devido a doenças graves ou outras incapacidades
para o trabalho".
Nos territórios ocidentais acupados, de início houve alguma
resposta aos apelos alemães para que operários se dispusessem
a trabalhar no Reich, embora não atingisse o suficiente para
satisfazer a procura, e quando as pessoas souberam, por boatos,
como eram realmente miseráveis e humilhantes as condições de
105
trabalho dos operários estrangeiros na Alemanha, praticamente
cessou o suprimento de voluntários. Daí em diante, aplicou-se a
coação. Na melhor das hipóteses, o recrutamento tomava a
forma que o próprio Sauckel descreveu aos seus companheiros
da Junta Central de Planejamento, quando se discutiu a procura
urgente e contínua de operários italianos, franceses e belgas:
"... Passei mesmo a empregar e treinar toda uma equipe de
agentes franceses e italianos, de ambos os sexos, que, mediante
bom pagamento, tal como se fazia, antigamente, para
'seqüestrar', saíam à procura de homens e os dopavam, usando
bebida, para despachá-los para a Alemanha".
Na mesma reunião de 1º de março de 1944, Sauckel declarou
que "dos cinco milhões de operários estrangeiros chegados à
Alemanha, menos de 200.000 eram voluntários".
O tratamento que os trabalhadores estrangeiros recebiam na
Alemanha variava muito de lugar para lugar. A orientação oficial
era para que "todos os homens fossem alimentados,
acomodados e tratados de modo a produzirem o máximo
possível com o mínimo concebível de despesa". Um memorando
interno dos arquivos de uma fábrica da Krupp, em Essen, datado
de março de 1942, reza:
"Durante os últimos dias, verificou-se que a comida servida aos
russos empregados aqui é tão pobre, que eles estão ficando
cada dia mais fracos... Alguns russos são incapazes de colocar
uma peça de metal no torno, por carecerem de força física. As
mesmas condições existem em outros locais de trabalho que
empregam russos".
Como inúmeros elementos de prova testificam, este caso não
era excepcional; o maltrato sério, especialmente de
trabalhadores poloneses e russos, era generalizado. A acusação
não negou a existencia de casos de tratamento bom, ou, pelo
menos, relativamente humano. O importante é que o órgão que
recebesse trabalhadores estrangeiros podia explorá-los como
quisesse e dispor de sua vida como lhe aprouvesse. Era-lhe
permitido empregar os mais rígidos métodos disciplinares,
inclusive o castigo corporal. Acusado um trabalhador
estrangeiro, na Gestapo, por desobediência, negligência ou
impertinência", era o miserável levado para um campo de
concentração, ficando o empregador com a prioridade no pedido
de um substituto. Os trabalhadores estrangeiros não tinham
direito de recorrer à lei ou a qualquer autoridade superior; na
106
realidade, sua posição não era melhor que a de escravo.
Por último, chegamos à "Solução Final da Questão Judia", um
dos acontecimentos mais horríveis em toda a história e cuja
motivação subjacente ainda está em grande parte inexplicada.
Todavia, a maioria das pessoas conhece certos detalhes da
história, e sua documentação, baseada nas provas apresentadas
em Nuremberg, mas grandemente ampliada desde então, tem
sido reproduzida e analisada em dezenas de livros de fácil
obtenção. Aqui, citaremos, sucintamente, apenas trechos de três
provas importantes, sendo uma delas um documento
contemporâneo, e as outras, depoimentos feitos durante o
julgamento. Elas dispensam comentários.
1. De um relatório do Brigadeführer da SS, Stroop, feito pouco
depois da destruição do Gueto de Varsóvia:
"Cheguei a Varsóvia a 17 de abril de 1943 e assumi o comando
das ações a 19 de abril, às 8,00 horas, ações essas que tiveram
início, naquele mesmo dia, às 6,00 horas... Quando invadimos o
gueto pela primeira vez, os judeus e os bandidos poloneses
conseguiram repelir as unidades participantes, inclusive tanques
e carros blindados, por meio de uma concentração bem
preparada de fogo... A resistência dos judeus e bandidos só podia ser reprimida por ações enérgicas das nossas tropas, dia e
noite... Portanto, decidi destruir e incendiar todo o gueto... Os
judeus normalmente abandonavam seus esconderijos, mas
muitas vezes permaneciam nos prédios em chamas e só
saltavam pelas janelas quando o calor se tornava insuportável.
Então, com os ossos partidos, tentavam atravessar as ruas
rastejando, indo para os prédios ainda intactos... Depois da
primeira semana, a vida nos esgotos não era agradável. Muitas
vezes, ouvíamos gritos vindos de onde estavam... Bombas de
gás lacrimogêneo foram lançadas nos bueiros e os judeus
expulsos dos esgotos foram capturados. Grupos numerosos de
judeus foram liquidados nos esgotos e nos abrigos com
explosões. Quanto mais demorava a resistência, mais violentos
se tornavam os elementos das Waffen-SS, da Polícia e da
Wehrmacht, que sempre cumpriram seu dever de modo
exemplar... Somente pelo trabalho contínuo e incansável de
todos os envolvidos é que conseguimos desentocar 56.065
judeus, cujo extermínio pode ser comprovado. Este total elevase bastante, acrescentando-lhe os que perderam a vida nas
explosões e incêndios, montante difícil de se precisar... A ação
em grande escala terminou a 16 de maio de 1943, com a
destruição da sinagoga de Varsóvia, às 20,15 horas".
107
2. De um depoimento de Rudolf Hoess, comandante do campo
de concentração de Auschwitz de 1940 a 1943:
"Recebi ordens para construir instalações de extermínio em
Auschwitz em junho de 1941... Visitei Treblinka para ver a
maneira como se efetuavam os extermínios... Outra coisa que
fizemos melhor que Treblinka foi a construção de câmaras de
gás, capazes de acomodar 2.000 pessoas cada uma, ao passo
que, em Treblinka, as 10 câmaras de gás só comportavam 200
pessoas cada uma... Os que serviam para trabalhar eram mandados para o campo; os outros eram imediatamente enviados às
câmaras da morte.
As crianças em tenra idade eram invariavelmente exterminadas,
pois eram incapazes de trabalhar, devido à pouca idade... Em
Auschwitz enganávamos as vítimas, fazendo-as pensar que iam
passar por um processo de despiolhamento. Elas naturalmente
muitas vezes compreendiam nossas verdadeiras intenções, e às
vezes tínhamos tumultos e dificuldades. Com freqüência as
mulheres ocultavam os filhos sob as roupas, mas quando os
descobríamos, mandávamos exterminá-los".
3. Da inquirição da testemunha Otto Ohlendorf, ex-Chefe de um
dos Grupos-Tarefa Especiais (Einsatzgruppen) da Sipo e do SD:
"Pergunta:
Em
seu testemunho,
você
disse
que
o
Einsatzgruppen tinha o objetivo de aniquilar os judeus e os
comissários, correto? Resposta: Sim. Pergunta: E em que
categoria vocês colocavam as crianças? Por que razão as
crianças eram massacradas? Resposta: A ordem era no sentido
de exterminar toda a população judia. Pergunta: Incluindo as
crianças? Resposta: Sim. Pergunta: Todas as crianças foram
assassinadas? Resposta: Sim".
A questão da responsabilidade
A promotoria trabalhou quatro meses na elaboração do libelo
acusatório, mas, quando este se completou, os acusados e seus
advogados se inteiraram que tinham de enfrentar um conjunto
de provas muito mais amplo e concreto do que haviam julgado
possível no começo do julgamento. Uma negativa dos fatos
mencionados na denúncia seria claramente inútil, o mesmo
acontecendo com qualquer tentativa para diminuir sua
gravidade. Só havia um campo de ação limitado para a
estratégia defensiva, e dentro desses limites a defesa bateu-se
tenazmente.
108
Logo no início do julgamento, a 19 de novembro de 1945, os
advogados da defesa aprovaram uma moção que esvaziava de
valor a Carta do TMI na medida em que ela responsabilizava
indivíduos por "crimes contra a paz": afirmavam eles que ela
vulnerava o antigo princípio de que não deve ser tratado como
crime, e por ele ninguém deve ser punido, o cometimento de
qualquer ato que não tenha sido declarado criminoso por lei já
existente quando de sua realização - nullum crimen sine lege,
nulla poena sine lege, em sua fórmula latina convencional.
Lembremo-nos de que o problema fora motivo de debates na
Conferência de Londres. Pela complexidade que envolve, não
pode ser abordado adequadamente em poucas linhas. O tribunal
rejeitou a moção da defesa, não sem algum arrazoado
complexo, mas, entre os advogados, a decisão do tribunal
causou mais crítica do que aprovação.
A defesa tentou tirar o máximo partido de uma afirmação
também muito conhecida: tu quoque ("você é outro"),
considerando que, entre os crimes denunciados, havia pelo
menos alguns também cometidos pelos aliados. Estritamente
falando, a culpa semelhante, suposta ou comprovada, de outra
pessoa, nunca pode ser admissível como defesa legal válida,
mas seu efeito moral e psicológico pode ser considerável. Isto
deve ter pesado muito em favor dos Almirantes Dönitz e Raeder.
Ambos tinham sido acusados de "fazer guerra submarina irrestrita", e ambos foram absolvidos dessa acusação, alegandose que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos haviam reconhecidamente feito a mesma coisa. É verdade que os advogados de
defesa de Dönitz traçaram muito habilmente uma distinção
precisa entre o argumento legal que estavam apresentando
neste contexto e a sugestão do tu quoque, mas é de se duvidar
que os juízes teriam aceito seu raciocínio, muito sutil, se não se
tivessem preocupado em evitar a acusação de haver criado "uma
lei para o vencedor e outra para o vencido".
Questão mais importante era a defesa das "ordens superiores",
pois, na maioria dos casos, os acusados poderiam escudar-se no
argumento de que suas ordens e seus decretos obedeciam às diretivas de Hitler, que era o Chefe do Governo e Comandante
Supremo das Forças Armadas. Nos termos do Artigo 8º da Carta
do TMI, este argumento só seria visto como apelo no sentido de
mitigar o castigo, e não se pode dizer que a Carta introduziu um
novo princípio a este respeito. A posição foi a que o tribunal
definiu em sua apreciação:
"As cláusulas deste artigo estão em conformidade com a lei de
109
todas as nações. Que um soldado tenha recebido ordens de
matar e torturar, em violação ao direito internacional da guerra,
nunca foi reconhecido como defesa para tais atos de
brutalidade... O que interessa ao Direito Penal da maioria das
nações não é a existência, ou não, da ordem, mas se ao
executante era deferida uma opção moral".
Essa regra jurídica é mal acolhida pela maioria dos
Estabelecimentos Militares, mas na realidade representa o bom
senso lógico. Um homem sujeito à disciplina militar ou, na
verdade, a qualquer outra disciplina igualmente estrita, não se
torna por isso um autômato sem responsabilidade por atos
criminosos. Por outro lado, não se espera que ele questione uma
ordem que não seja flagrantemente ilegal, tampouco se pede
que ele seja um herói. O que ele pode fazer ou não, depende
das circunstâncias. Ele tem o direito de levar em conta os riscos
da desobediência, mas deve ponderá-los contra a gravidade do
crime que lhe mandam cometer. Deve haver um equilíbrio
razoável entre o dever legal de disciplina e a necessidade moral
de evitar o crime. Quanto mais alta a patente, maior pode ser o
campo de ação para uma "escolha moral" e no julgamento dos
principais criminosos de guerra na realidade a defesa saiu-se
mal com a alegação de "ordens superiores", mas na época isto
não ficou reconhecido com tanta clareza.
A tentativa de Göring de criar uma frente unida dos acusados foi
frustrada, à medida que se tornavam as provas da acusação, em
toda sua força, gradativamente conhecidas. Ninguém queria ser
identificado com os horrores dos campos de concentração, dos
assassinatos em massa e do trabalho escravo. O próprio Göring
fez um último e decidido esforço para defender o regime nazista
e a própria reputação, durante os dez dias em que esteve no
banco dos réus (de 13 a 22 de março de 1946). Como a
acusação fora de um tipo geral e político, os juízes julgaram
correto que pelo menos um dos acusados pudesse responder na
mesma moeda. Eles consideravam Göring o porta-voz mais
adequado para o restante, e, assim, Göring pôde fazer longos
discursos, em vez de responder sucintamente às perguntas dos
advogados. Recorrendo às táticas e recursos que tentamos descrever, ele capitalizou prestígio no começo. No todo, também
saiu-se bem na reinquirição feita por Jackson, que tão seguro
estava da retidão de sua causa, que cometeu o erro fatal de
perder a calma ao enfrentar a resistência esperta e
arrogantemente desafiadora de Göring. Mas a reinquirição de
Maxwell-Fyfe, que veio a seguir, foi fria, paciente e positiva, e
sob seu interrogatório, totalmente profissional, a defesa de
110
Göring logo começou a desmoronar. No final, também ele, tal
como os outros haviam feito, foi reduzido a negar que estivesse
ciente de fatos que, à luz da evidência, deve ter sabido, e a
atribuir a responsabilidade principal dos piores crimes ao falecido
Führer, que "deixou que Bormann e Himmler fizessem o que
quisessem". Não restava dúvida alguma quanto a culpa de
Göring, mas pelo menos ele aliviara o crescente tédio dos
trabalhos pelo seu duelo enérgico com a acusação, de modo que
muita gente não ficou desapontada quando ele conseguiu
suicidar-se, antes de ser entregue ao carrasco.
O material recolhido continha provas abundantes não só de que
os crimes mais graves possíveis haviam sido perpetrados de
maneira sistemática e centralmente controlada, como se
afirmara, mas também que todos os acusados, pelo menos de
modo geral, estavam implicados nesse sistema criminoso:
assim, a acusação, que a princípio dependera de uma ampla interpretação de "conspiração", tinha certeza de que o julgamento
terminaria com a condenação de cada acusado à sentença de
morte. Mas os Juízes logo deixaram claro que não considerariam
o envolvimento geral, qualquer que fosse sua importância moral
ou política, suficiente para uma condenação penal; a acusação
devia mostrar, em cada caso, que o acusado estava específica e
concretamente implicado no crime que lhe era imputado. Difícil
tarefa, pois devemos lembrar-nos de que, exceto em alguns
casos, esses acusados nem haviam iniciado os crimes,
pessoalmente, nem participado da sua execução física: eles
eram acusados de terem proporcionado, consciente e voluntariamente, a ligação necessária entre as intenções de Hitler
e sua realização final. Entretanto, conhecimento e boa vontade
são estados de espírito cuja existência é extremamente difícil de
se provar "sem qualquer dúvida razoável". Às vezes, um
acusado em Nuremberg negava conhecer um acontecimento,
mesmo quando se lhe mostrava a própria assinatura aposta no
documento relativo ao mesmo. Quando isso acontecia, era inevitável a saída de que andava tão ocupado, que não tinha tempo
para ler tudo o que lhe davam para assinar. Ou alegaria, para
mitigar sua situação, que nos bastidores censurara uma ordem
criminosa de Hitler ou tentara suavizar seu impacto, embora
desse mostras de ávida obediência em público. Tais explicações
quase nunca eram convincentes e muitas vezes eram
patentemente absurdas. Ocasionalmente traduziam alguma
realidade. De qualquer modo, deviam ser ouvidas e
meticulosamente examinadas. E o tribunal fez isso durante
outros sete cansativos meses.
111
No fim as sentenças impotas pelo tribunal militar internacional
foram as seguintes:
Göring = morte
Hess = prisão perpétua
Ribbentrop = morte
Keitel = morte
Kaltenbrunner = morte
Rosenberg = morte
Frank = morte
Fick = morte
Streicher = morte
Funk = prisão perpétua
Schacht = absolvição
Dönitz = dez anos de prisão
Raeder = prisão perpétua
Schirach = vinte anos de prisão
Sauckel = morte
Jodl = morte
Bormann = morte (à revelia)
Papen = absolvição
Seyss-Inquart = morte
Speer = vinte anos de prisão
Neurath = quinze anos de prisão
Fritzsche = absolvição
Com dezenove condenações contra apenas três absolvições, a
acusação podia dar-se por satisfeita. Por outro lado, o fato de
que, num julgamento dessa natureza, dez dos vinte e dois
acusados escaparam com vida, parece demonstrar o cuidado
com que as questões legais em seu favor, e todas as
circunstâncias atenuantes, foram levadas em conta.
Sem tentar a tarefa impossível de examinar todas as provas em
detalhe, a sentença dava apenas uma simples indicação do
raciocínio em que se fundaram determinadas decisões; uma
característica insatisfatória, ainda que inevitável do julgamento.
As condenações à morte foram dadas nos doze casos em que
isso era esperado pela maioria das pessoas, face ao
envolvimento dos acusados. Evidentemente, Göring era culpado
sob todos os aspectos, não havendo praticamente nada a dizerse como atenuante. "Göring muitas vezes, aliás quase sempre,
foi a força motriz, só sendo superado pelo seu líder", afirma, na
sentença, o tribunal. Ribbentrop, não satisfeito com seu papel na
provocação da guerra, deu entusiástico apoio à política de
opressão e ao genocídio desencadeados durante o conflito.
112
Ninguém questionou a culpabilidade de Kaltenbrunner, o
segundo homem das SS - o "estado dentro de um estado" - ou
de Bormann, nos últimos anos do Terceiro Reich, provavelmente
o mais poderoso dos lugares-tenentes de Hitler, ou de
Rosenberg, Frank e Seyss-Inquart, os sátrapas de Hitler nos
territórios
ocupados.
Frick
fornecera
os
instrumentos
administrativos para a incorporação e "germanização" dos países
conquistados,
cabendo-lhe
também
a
responsabilidade
administrativa pelo assassinato de vários milhares de
"comedores inúteis", segundo o chamado programa de
"eutanásia". Embora a influência de Streicher tivesse atingido o
ponto culminante na Alemanha antes da guerra, ele esforçou-se
bastante por encorajar o genocídio durante o conflito,
justificando-se, portanto, sua condenação nos termos do item IV
da Acusação. Sauckel encarregou-se de um programa que
"envolveu a deportação para trabalho escravo de mais de cinco
milhões de seres humanos". Com respeito a Keitel e Jodl, já se
tem afirmado que, como soldados profissionais, eles não
pertenciam à mesma categoria, embora se tivessem excedido
muito no cumprimento das ordens superiores. Teriam eles,
realmente, merecido sentença mais branda? Mesmo pelas
poucas provas que temos citado, é evidente que a Wehrmacht
estava profundamente envolvida nos crimes de agressão e
terrorismo. Entre os oficiais alemães, e mesmo entre os
soldados, houve quem, diante da barbaridade das cenas a que
eram obrigados a assistir, protestasse. Mas tal senso de honra e
coragem moral estava tristemente ausente na cúpula - onde
deveria ser mais forte.
Von Papen e Schacht prestaram grandes serviços ao nazismo
durante a última fase da "República de Weimar" e no período
conhecido como de "consolidação do poder". Alegaram,
entretanto, desconhecimento das intenções gerais de Hitler. O
tribunal os absolveu - embora ressaltasse, para verberar, a
responsabilidade dos dois velhacos na implantação do nazismo admitindo que eles já não estavam em posição de influência
durante o período crítico, a partir de 1937. O juiz russo era pela
condenação dos dois.
Por último, alguns comentários sobre as sentenças de prisão. As
de von Neurath (quinze anos) e Funk (perpétua) têm sido
criticadas como relativamente severas. O caso de Neurath não
diferia muito do de Schacht e Papen. Apenas era menos astuto.
Funk não teve participação muita saliente no planejamento de
guerra agressiva, embora fosse considerado culpado de haver
tomado parte nos preparativos econômicos. O que mais pesou
113
contra ele, no quadro das atrocidades, foi o fato de, como
presidente do Reichsbank, haver consentido nos depósitos de
valores que as SS subtraíam das suas vítimas. Dever-se-ia notar
que von Schirach não foi condenado devido às suas atividades
perniciosas como líder da Juventude Hitlerista, mas pela
deportação de judeus de Viena, quando Gauleiter. Speer apoiara
e usara o programa de trabalho escravo, mas é evidente que sua
responsabilidade não foi tão grande como a de Sauckel. Os dois
almirantes, Dönitz e Raeder, foram considerados culpados de
terem sido "ativos na realização de guerra agressiva" (Raeder
também de participar do planejamento). Ambos exigiam dos
subordinados o cumprimento rigoroso das ordens criminosas de
Hitler, mas não estiveram tão implicados nos crimes de guerra
quanto os líderes do exército. Sequer foram indiciados por
"crimes contra a humanidade".
Nesta breve exposição não se focalizou a acusação de sete
organizações, ou grupos, atuantes na Alemanha nazista. Quatro
dos quais foram declarados criminosos pelo tribunal.
Legalmente, essas acusações foram algo estranhas e só tiveram
efeitos práticos nos julgamentos subseqüentes de criminosos de
guerra. A filiação a qualquer das organizações criminosas seria,
de futuro, considerada agravante de delito cometido, embora,
por si só, não fosse classificada como crime. As provas
apresentadas por ambas as partes têm sido importante fonte
histórica, mas, em todos os outros aspectos, o valor dos
trabalhos contra as organizações é duvidoso.
Inferências
Que conclusões podemos tirar de tudo isto, agora que já se
passaram mais de cinquenta anos, desde o julgamento de
Nuremberg? Já se disse o bastante para corrigir qualquer
avaliação fácil e geral das qualidades do julgamento. Deveremos
agora examinar os diferentes aspectos em separado,
perguntando-nos, em cada caso, o que o julgamento pretendia
alcançar e o que, na realidade, alcançou.
A primeira pergunta deve ser: fez-se justiça? Em outras
palavras, os acusados foram julgados imparcialmente e os padrões aplicados pelo tribunal estão em harmonia com o senso
geral de justiça do nosso tempo? Cremos que a resposta é um
Sim.
À
parte
algumas
nódoas,
o
julgamento
foi
escrupulosamente imparcial, como tem sido prontamente admitido mesmo por aqueles de quem se poderia esperar uma
negativa - os acusados, seus advogados, a opinião pública da
114
época na Alemanha. Em qualquer sentido comum da palavra,
cada condenado foi realmente um criminoso, e plenamente
merecedor de castigo. É verdade que um ponto controvertido
ainda continua reaparecendo sempre que se discute o
julgamento: o caráter retroativo das cláusulas da carta sobre
"conspiração" e "guerra agressiva". É um argumento poderoso,
pois a velha doutrina do nullum crimen sine lege não pode ser
posta de lado como simples detalhe técnico legal.
Mas, para os fins que colimamos, a questão não é tão
apropositada como pode parecer à primeira vista. O que poucos
compreendem é que a inclusão de "crimes contra a paz" não fez
muita diferença no resultado do julgamento. Dos vinte e dois
réus acusados de "conspiração", somente oito foram condenados
por isso, mas nenhum deles o foi exclusivamente por esse
motivo. E dos doze condenados nos termos do item II da
Acusação, todos, menos Rudolf Hess, foram também
condenados por participarem nas atrocidades nos termos dos
itens III e IV da Acusação. O leitor se lembrará de que a aptidão
mental de Hess ao se submeter a julgamento fora posta em
dúvida. De qualquer modo, ele se comportou de maneira
estranha durante todo o julgamento e se recusou a apresentar
provas em sua defesa. Teria sido isso, talvez, que induziu os
juízes (com o juiz soviético discordando) a absolver Hess de
acusações bem documentadas de "crimes contra a humanidade",
poupando assim a sua vida?
Sim, o julgamento e as sentenças foram imparciais; mas
naturalmente isso não subentende, necessariamente, que o
veredicto e a sentença, no caso de cada acusado, foram
incontestavelmente certos. Não podemos perder de vista a declaração feita pelo juiz francês, M. Donnedieu de Vabres:
"A sentença, no caso dos grandes criminosos de guerra, é a
expressão da justiça humana, portanto, relativa e falível. Ela
reflete, como é normal, a boa fé, a competência, e talvez
também os preconceitos dos seus autores. Talvez não seja
idêntica ao julgamento da História ou ao julgamento de Deus.
Contudo, as distinções e matizes que contém, e sua moderação
relativa, provam que, pelo menos, não é a expressão de uma
justiça empenhada em vingança".
Esta não é a voz de um obediente agente governamental, mas,
inequivocamente, a de um juiz, no sentido mais lato da palavra.
Com suas sensatas restrições em mente, podemos dizer que o
Julgamento de Nuremberg alcançou sua finalidade imediata: a
115
uma avassaladora e potencialmente perigosa exigência de
castigo ele deu primeiramente o alívio, na forma civilizada de um
processo judicial genuíno.
Graças à insistência no processo de lei adequado, e à manifesta
integridade profissional do tribunal, foi possível "escrever a
história do movimento nazista e confirmar acontecimentos
incríveis com prova crível" com rapidez suficiente para dar o
efeito político desejado. O ímpeto de um grande acontecimento
público era necessário para criar o imenso aparelho pelo qual a
prova fornecida por centenas de testemunhas e dezenas de
milhares de documentos pudesse ser reunida e, analisada. E do
ponto de vista da determinação histórica de fatos, a concepção
ampla das questões do julgamento, por parte da acusação,
ainda que aberta às críticas sob outros aspectos, foi uma
vantagem clara.
Quanto ao povo alemão, o julgamento foi como uma terapia
política de choque. Até que ponto o cidadão alemão médio sabia
dos crimes nazistas enquanto estes eram cometidos? Esta
pergunta é muito controversa e difícil, sendo pouco provável que
as pessoas jamais concordem quanto a uma resposta. Por certo,
muito poucos tinham conhecimento pleno das atividades
criminosas; por outro lado, muitos saberiam mais do que
posteriormente se revelaram dispostos a admitir. Quanto à
maioria, provavelmente pode-se dizer que era menos uma
questão de ignorância do que um caso de não querer saber.
Com os fatos nus expostos, não era mais possível uma fuga
mental e os alemães de boa vontade puderam dedicar-se à
tarefa
de
"enfrentar
o
passado"
(Bewaltigung
der
Vergangenheit), um fator dominante da vida nacional alemã até
hoje. E o Nacional Socialismo foi desacreditado de maneira tão
cabal que as poucas tentativas de revive-lo tiveram de ser feitas
sob bandeiras novas e diferentes. Não se repetiu o padrão da
"República de Weimar", com todas as suas trágicas
conseqüências. Entre os muitos fatores que têm contribuído para
uma reabilitação política aceitável da Alemanha, o Julgamento
de Nuremberg não é o menos influente.
O que dissemos até agora equivale ao reconhecimento de que o
Julgamento de Nuremberg foi muito bem sucedido - apesar de
algumas críticas difíceis de contentar - em satisfazer as
contingências de uma situação particular e única. Porém ele
pretendera realizar mais, e sentimo-nos menos confiantes
quando consideramos se podemos aclamá-lo como um progresso
importante no caminho para o domínio da lei entre as nações.
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Do lado positivo, pode-se observar que o Julgamento de
Nuremberg confirmou ou introduziu alguns princípios legais
básicos que mais tarde foram reformulados pela Comissão de
Direito Internacional da ONU, num "Esboço de Código sobre
Crimes contra a Paz e Segurança da Humanidade." Citaremos
apenas alguns que são de particular importância.
À luz desses princípios, é agora inconteste, como não o era
antes do Julgamento de Nuremberg, que o moderno direito
internacional impede que os indivíduos culpados se abriguem por
trás do conceito abstrato do Estado. "Crimes contra o direito
internacional são cometidos por homens", dissera o tribunal,
"não por entidades abstratas, e somente punindo os indivíduos
que cometem tais crimes é que as normas do direito internacional podem ser aplicadas". A importância dessa decisão vai
além da área da justiça penal; os advogados internacionais
consideram-na um dos mais poderosos precedentes em apoio da
tendência geral para dar direitos e responsabilidades diretas a
indivíduos, bem como a Estados.
O Esboço do Código também afirma o princípio de que os
"grandes" criminosos de guerra, e não apenas a gente
insignificante, devem estar dentro do alcance da lei. "O fato de
uma pessoa que cometeu ato que constitui crime, segundo o
direito internacional, ter agido como Chefe de Estado ou como
oficial responsável do governo não o isenta da responsabilidade,
nos termos do direito internacional". O Esboço do Código reconheceu que os "crimes contra a paz" são crimes internacionais
específicos. Contudo, a definição de conceitos vagos como
"conspiração" e "guerras de agressão" ficou para o futuro.
Até aqui está tudo muito bom. Não há nada de errado nos
Princípios de Nuremberg, exceto que são apenas princípios que
não têm sequer a aparelhagem mais rudimentar destinada a pôlos em vigor. Os mesmos comentários são mais ou menos
aplicáveis à Convenção do Genocídio adotada pela Assembléia
Geral da ONU a 9 de dezembro de 1948. Para obter-se tal
aparelhagem seriam necessárias definições legais viáveis e o
estabelecimento de um tribunal penal internacional como medida
óbvia; e isto fora realmente contemplado na resolução de 1946
da ONU, que dirigira a codificação dos Princípios de Nuremberg.
Mas tentativas de transformar o Esboço do Código de 1950 num
instrumento eficaz de justiça criminal, ainda que modesto, não
tem passado de tragicomédia na qual se passa a
responsabilidade de um para outro, entre a Assembléia da ONU,
as várias Comissões Especiais e os estados membros. Desde
117
1952, sucessivas comissões têm-se esforçado por encontrar um
conceito geralmente aceitável de "guerra de agressão", mas não
há nenhum resultado à vista. Entre 1951 e 1954, duas comissões sucessivas consideraram a criação de um tribunal criminal
internacional, mas a Assembléia decidiu que se adiassem os
trabalhos de sua implantação até que o outro problema, o da
definição de "agressão", fosse resolvido.
Alguns afirmam que, a despeito desses desapontamentos, o
impacto do Julgamento de Nuremberg ainda é perceptível.
Baseiam-se no julgamento de My Lai e na iminente investigação
de outras suspeitas de atrocidades cometidas no Vietnã. Mas
esses trabalhos estão sendo feitos nos termos do direito norteamericano, não do internacional, e envolvem "barbaridades
individuais" e "gente insignificante". Se existe qualquer conexão
com o Julgamento de Nuremberg, é coisa muito remota.
Não há como ignorar o fato de que a lei que foi aplicada aos
alemães e japoneses depois da Segunda Guerra Mundial não o
têm sido aos "grandes" criminosos de guerra de outras nações
desde então, e não é provável que o seja em futuro previsível.
Quando nos lembramos da discussão entre o Juiz Jackson e os
delegados russos, na Conferência de Londres, parece-nos que,
na prática, foram os últimos que saíram vencendo. E não
poderia ser de outro modo. Num mundo tão desunido como o
nosso, não se pode esperar que as nações entreguem seus
líderes à jurisdição criminal internacional. O Julgamento de
Nuremberg saiu-se esplendidamente como uma medida
extraordinária em circunstâncias extraordinárias. Ele fez uma
contribuição modesta, mas real, para o desenvolvimento de
idéias progressistas na jurisprudência internacional. Devemos
esperar que um dia tenhamos uma Organização das Nações
Unidas digna do nome, e, quando isso acontecer, o Julgamento
de Nuremberg também aparecerá como um precedente de
importância fundamental.
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