Entrevista sobre o Programa Pica Ficha de Identificação Nome: Tiago R. Santos Cargo/Função: Guionista Programa: Pica Questões 1. Qualidade - Na sua opinião, o que pode ser considerado qualidade em televisão em referência aos programas dedicados ao público infanto-juvenil? Indique 3 atributos relevantes: Como guionista, considero que a qualidade audio-visual, seja ela para um público infanto-juvenil ou para idosos, se caracteriza pela originalidade, qualidade dos textos e boas condições de produção. Sei que há a tendência de incluir factores educativos e de formação de personalidade quando se fala de programas dirigidos aos adolescentes, e concordo que deve haver um cuidado extra nas mensagens que se transmite, mas a minha principal preocupação, como guionista do Pica, foi tentar mostrar que o nosso público merece mais do que linhas narrativas óbvias e personagens que são muito boazinhas ou muito más. Ou seja, a melhor qualidade que um programa dedicado ao público infanto-juvenil pode ter, na minha opinião, é não tratar os seus espectadores como idiotas, como muitas vezes acontece. - Considera que a A:2, actual RTP 2, emite uma programação de qualidade? Se sim, por quê? Penso que não. Não sou um assídio espectador de televisão, mas parece-me que a produção nacional na A:2 está perto de não existir. E o que é feito, tenho esta sensação, é básico, elementar e limita-se a seguir formatos cansados. - A produção do programa Pica tem por base parâmetros de qualidade? Se sim, poderia explicar brevemente quais são eles? Como referi anteriormente, e falando unicamente da parte ficcionada do Pica, tentámos ter sempre textos com qualidade dramática e actualidade, tocando em temas sensíveis da nossa sociedade, até desmistificando questões que são consideradas sensíveis. Claro que o que é qualidade na minha perspectiva, pode ser pobre na perspectiva de outro. Qualidade é um termo demasiado subjectivo. - Considera que o Pica consegue cumprir com a qualidade que se espera de um programa de uma estação de serviço público? Se sim, por quê? Bem, para começar, acho que já ninguém espera qualidade vinda de um programa de uma estação de serviço público. Mas tenho a sensação de dever cumprido no que diz respeito ao Pica. Apesar das baixas audiências, nunca nos limitámos a menor denominador comum, procurámos sempre coisas diferentes, escrever e produzir um tipo de programa que desafiava os espectadores a pensar, explorámos temas em que mais ninguém toca, com uma linguagem bastante mais moderna e urbana do que é costume. Por isso, acho que o Pica cumprir com a qualidade que ninguém esperaria de uma estação de serviço público. 2. Temas - Como são seleccionados e tratados os temas a serem abordados no programa? Na parte ficcional, foram seleccionados e tratados de acordo com a disposição dos guionistas (Eu e Artur Ribeiro). Tentámos um pouco de tudo, desde temas actuais até ao nonsense, sempre tendo em conta que estávamos a escrever uma comédia. Quanto às reportagens, essa é uma excelente pergunta para se fazer à equipa de jornalistas que as fazia. - A equipa de produção tem algum tipo de preocupação em contribuir para gerar a reflexão e, consequentemente, o debate de ideias quando da escolha e abordagem dos temas? Estas questões são pensadas quando da escolha dos temas e das reportagens, ou é apenas uma consideração teórica que não se efectiva na prática? Como referi, nunca escrevi a pensar ‘epá, isto vai dar polémica’ ou ‘precisamos de explorar este tema porque ele precisa de ser pensado. Não. Escrevi sobre coisas que achava piada. Tão simples como isso. 3. Informação - Quais os critérios utilizados na selecção e na preparação das reportagens? Está a perguntar à pessoa errada. 4. Personagens - O perfil dos personagens está muito bem trabalhado na página na Internet, porém no programa o contacto que temos se limita às reportagens. Os guionistas não têm a intenção de trabalhar mais com a parte ficcional do programa? Ou esta escolha, quero dizer, a intervenção dos personagens por meio das reportagens é mesmo a base da proposta do programa? Há aqui algum engano. O Pica era composto por duas partes. A das reportagens (na rua, no local, etc) e a parte ficcional (em casa). Penso que as personagens foram sendo exploradas nos dois contextos. A base da proposta do programa foi sempre a de explorar situações ficcionadas (o que implica o crescimento das personagens) ao mesmo tempo que se incorporava uma vertente informativa e cultural. 5. Público O programa tenta atrair um público diferenciado daquele que assiste às novelas dos canais generalistas. - Em termos da escrita do guião, são utilizados alguns mecanismos para gerar o interesse deste público? Tentámos sempre fugir aos mecanismos mais óbvios para atrair o público (talvez por isso o programa tenha sido menos bem sucedido). Ao contrário das novelas, raramente utilizámos ‘ganchos’ que levassem as pessoas a ter que ver o episódio seguinte, algo que sempre me pareceu artificial. Na minha óptica, tentei que o PICA fosse mais como um episódio dos The Simpsons, algo a que o espectador pudesse regressar sempre que quisesse sem se sentir perdido ou deslocado da história. Ou seja, queria que o espectador regressasse ao Pica pela sua qualidade, não através da manipulação dramática do espectador. - O programa promove a participação do público por meio do jogo BeCool. Há alguma outra estratégia? Essa é uma boa pergunta para a produção, mas temos também um fórum bastante activo onde tentámos manter o interesse dos nossos espectadores, e no qual eu próprio tinha voz activa. Ao analisarmos o programa Pica, percebemos o trabalho com a linguagem televisiva, isto é, principalmente o imbricamento entre ficção e informação e o uso da metalinguagem. - Neste sentido, a equipa de produção tem algum tipo de preocupação em educar para os media, considerando que a televisão tem a possibilidade de ser educativa sem ser “didáctica” no sentido pejorativo do termo? Antes de mais, confesso que tive que ir ver à Wikipédia o que quer dizer ‘metalinguagem’. E mesmo assim ainda estou confuso. E quando dizes ‘educar para os media’, estás a referir-te à educação dos próprios media? Porque esses são demasiado casmurros e teimosos para aprenderem. Em Portugal, investe-se apenas em formatos pré-formatados e de sucesso certo, se é que isso pode existir. Eu acho que a televisão pode ser educativa, sem dúvida, mas essa é uma ambição da qual a televisão portuguesa se demitiu há muito tempo. Mais uma vez, a minha única preocupação educativa foi tentar que os nossos espectadores percebessem que há outras maneiras de fazer televisão, mais interessantes, inteligentes e originais. E, com um pouco de sorte, talvez isso os torne mais exigentes com o resto dos programas que vêem na televisão. 6. Serviço Público - Na sua opinião, como a RTP2 poderia agir para alcançar maiores parcelas do público infanto-juvenil? Porque, sendo um canal de serviço público, seria interessante se conseguisse contribuir ainda mais no desenvolvimento da consciência crítica das crianças e adolescentes. Mudar de direcção, de quadros e de responsáveis. Arriscar mais em formatos originais e irreverentes e assim habituar os seus espectadores a padrões de qualidade. Aumentar os níveis de exigência, mesmo que isso implique audiências reduzidas.