Red Econolatin www.econolatin.com Expertos Económicos de Universidades Latinoamericanas BRASIL EneroMarzo 2017 Prof. Dr. Rubens R. Sawaya Profa. Dra. Claudia Satie Hamasaki PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PROGRAMA DE ESTUDOS PÓSGRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA. Com um Congresso submisso ao Governo, aprova-se sem debate o pacote de reformas de cortes em direitos sociais e trabalhistas. O Governo aposta que isso levará ao crescimento. Dado o viés recessivo do pacote, o provável resultado será crescimento zero ou menos em 2017. Não é uma reversão, mas uma estagnação depois da queda de 7,5% no PIB acumulado 2015-16. 1. SITUAÇÃO ECONÔMICA ATIVIDADE ECONÔMICA Desde 2015, ano em que se iniciaram as políticas recessivas de elevação das taxas de juros e cortes de gastos públicos, ainda no governo anterior (antes do impeachment), a atividade econômica desabou como nunca visto na história do Brasil. Considerando-se 2015 e 2016, a queda do PIB acumulou 7,5%, a taxa de desemprego saltou de 7% para 13%, a produção industrial caiu quase 20%, e a capacidade utilizada média da indústria caiu de 82% para 73% (em alguns setores está em 40%). A taxa de variação do PIB ainda não modificou sua trajetória descendente. Apenas está menos negativa, sugerindo uma possível estagnação em 2017. O Governo chamou esse movimento violento sobre a atividade econômica de política de ajuste. O objetivo anunciado da política era conter a inflação que girava em torno de 6,5% ao ano em 2014, teto da meta. Ao contrário do previsto, a inflação superou 10% em 2015. Mas, diante da brutal recessão e da valorização cambial real de quase 30%, termina o ano de 2016 pouco superior a 4,6%, nível atual. O sucesso na contenção inflacionária reflete-se na quase destruição da economia, emprego e renda. Neste cenário, o governo tenta convencer o público de que há condições para retomada. De outro lado, sem sinais reais de crescimento de vendas, os empresários apenas tentam 1 sobreviver em meio ao pior maremoto da história do país. A taxa de câmbio desvalorizada em 2015 reverteu-se em valorização em 2016 prejudicando os exportadores, setor que ainda mostrava algum sinal positivo. Neste cenário, 2017 promete ser um ano muito difícil. Se houver crescimento zero o país terá apenas estagnado quase no fundo do poço depois de uma brutal queda. Motivos concretos para retomar o crescimento, diante das reformas recessivas, do corte nos créditos públicos, da queda na renda dos trabalhadores por conta da reforma trabalhista e do contínuo corte de gastos públicos, não existem. A valorização cambial que trouxe a inflação para baixo não ajuda os exportadores. De onde aparecerão os sinais que reverteriam as expectativas concretas como a elevação das vendas dos empresários? SETOR EXTERNO Em um cenário de valorização cambial da ordem de 25% nominal ou quase 30% em termos reais ao longo de 2016, e que levou a taxa de câmbio deflacionada aos níveis da década de 1990, grande parte dos exportadores, principalmente setor manufatureiro que haviam se mobilizado para elevar sua participação em outros mercados dada a recessão no Brasil, frustrou-se. Sem esse movimento do setor manufatureiro, as exportações teriam caído mais em 2016 do que os 3,5%, puxadas pela queda nos preços das commodities. O crescimento das exportações em fevereiro de 2017 deve-se à elevação internacional dos preços das commodities ao sabor do mercado internacional. É bom lembrar que o volume em commodities exportado pelo Brasil só apresenta crescimento há anos. De outro lado, a mesma valorização cambial que impactou negativamente a exportações industriais, prejudica ainda mais a produção nacional. Elevaram-se as importações de bens intermediários para a produção em 19,5% na comparação do acumulado de jan-fev de 2017 contra 2016 em substituindo a produção nacional. Já a queda de 28% nas importações de bens de capital no mesmo período demonstra o baixo investimento. Esses dados demonstram que a indústria brasileira está substituindo produção por montagem com partes e peças importadas. De outro lado frustra-se a possibilidade de substituição de mercado interno por externo para a indústria exportadora, por conta da valorização cambial. Isso significa que o alento ao crescimento não virá mais do mercado externo. Como resultado, o saldo da Balança Comercial ainda permanece positivo, puxado primordialmente pela queda nas importações em termos relativos. Em se mantendo a tendência de valorização cambial, sem um crescimento dos preços das commodities, o país terá problemas nas contas comerciais em futuro próximo. Devido ao déficit na conta serviços, principalmente por conta de remessa de lucros das empresas transnacionais, a Conta Transações apresenta um déficit da ordem de 1,3% do PIB, mas que tem sido facilmente coberto com entrada de investimento direto estrangeiro via Conta Capital da 2 ordem de 4,4% do PIB em 2016. Esta forte entrada de recursos no país devese, principalmente, às elevadas taxas de juros e à recessão que, no jargão do mercado, “torna o país barato”. A esses dois fatores, soma-se a tendência a valorização cambial. Um investidor que entrou no país em janeiro de 2015 ganhou cerca de 30% em dólar apenas com a valorização cambial, sem contar os juros. Têm ainda a garantia do nível de reservas da ordem de US$ 370 bilhões que o Brasil dispõe para saldar o compromisso. SETOR PÚBLICO E DÍVIDA PÚBLICA Como uma ‘profecia’ que se autorrealiza, quanto mais forte é a política recessiva, maior é o desajuste fiscal. A equação é muito simples: com a queda na atividade econômica, a arrecadação é muito mais suscetível à queda do que o gasto. Assim, enquanto a arrecadação caiu em torno de 15% desde o início de 2015 até hoje, as despesas cresceram algo em torno de 3,5%. Não há corte de gastos possível para compensar essa trajetória; não há reformas sociais capazes de reduzir gastos neste nível. Pior, com os níveis atuais das taxas básicas de juros, a trajetória da dívida pública bruta é crescente e deve chegar próxima a 80% do PIB ao final de 2017. Por isso, a única solução para a questão fiscal é o crescimento econômico. Mas não é este o caminho que o governo toma com a contínua aplicação de medidas de contração de gastos que apenas levam a atividade econômica para baixo. O déficit primário (descontado o pagamento de juros) estimado pelo governo para 2017 era de R$139 bilhões, mas em nota recente aponta para um valor 40% superior apontando como justificativa “inesperada” a queda na arrecadação. Assim, no resultado geral, haverá um crescimento do déficit primário da ordem de 27% em relação a 2016. Não há corte de gasto social ou de outros tipos suficiente para fazer frente a isso. O próprio governo fala em elevação dos impostos como solução. A pretendida reforma na previdência não é solução de curto prazo, assim como não o é a PEC aprovada que estabeleceu teto para os gastos públicos. Continuará “enxugando gelo” sem sucesso. Vale destacar que, segundo cálculos do Banco Central, cada 1% de corte nas taxas de juros representa R$26 bilhões a menos de gasto (em um ano). O desajuste fiscal é resultado da política fortemente recessiva e se refletirá ainda em 2017 apenas em elevação da dívida pública. EMPREGO E RENDA 3 O alarde do governo tem sido grande ao comemorar um ligeiro aumento no volume líquido de contratações frente às demissões em fevereiro deste ano, puxado pelas contratações no setor serviços. Depois de dois anos de forte crescimento nas taxas de desemprego, mês após mês sem trégua, fazendo a taxa passar de 5,5% em 2014 para 13% atual, comemora-se um único mês de emprego líquido positivo. Não é claramente possível se falar em reversão da tendência, mas pode-se afirmar que a queda na atividade econômica estaria se arrefecendo, o que está longe de se afirmar que estaria havendo qualquer tendência ao crescimento do emprego. Como apontado, a tendência de 2017, se não for ainda um ano de crescimento negativo do PIB, será de estagnação. Isso significa que talvez fique mantida a taxa de desemprego nos 13% atuais, o que se deve lamentar e não comemorar. Infelizmente, alcançar taxas de desemprego desta ordem faz parte do ajuste sobre a economia proposto pelo governo atual. Trata de cumprir o objetivo de diminuir a renda real média ao pressionar os salários para baixo. A hipótese subjacente é de que, com salários mais baixos, os empresários empregariam automaticamente mais trabalhadores e o crescimento seria retomado. Essa também é a hipótese contida na atual reforma trabalhista recém-aprovada que autoriza a contratação de trabalhadores terceirizados em uma ampla gama de atividades, livrando os empresários de encargos sociais e outros custos associados ao emprego formal. O governo conta com essa medida para a elevação dos empregos, sem considerar que nenhum empresário contratará alguém por conta de custos, mas apenas quando perceberem elevação de suas vendas. Por enquanto, esse ajuste via emprego e salários tem, ao contrário, contribuído para o aprofundamento da recessão dada a queda no consumo e o crescimento inadimplência por parte das famílias endividadas e agora desempregada. POLÍTICA MONETÁRIA Depois de ter elevado a taxa de juros básica no inicio de 2015 para 14,25% ao ano com o fim de provocar a maior recessão da história do Brasil, o Banco Central começa sinalizar quedas suaves. Naquele ano, o então ministro anunciava que a elevaria por um período curto, até a reconstituição da credibilidade da política de metas e, assim, das “expectativas” dos “agentes racionais”, debelando rapidamente a inflação que então estava em 6,7% ao ano. Não foi o que ocorreu. Naquele ano a inflação explodiu a 11% ao ano subvertendo o anunciado. Apenas ao longo de 2016 a inflação começou a ceder, coincidentemente em paralelo com a enorme valorização cambial (de quase 30% real). Claro, não é possível afirmar que a recessão provocada não foi um sucesso em colocar as taxas de inflação próximas ao centro da meta (4,5%) ao final de 2016. Alguns economistas correram para afirmar o sucesso da política recessiva, apesar de não ter sido como o esperado: rápida 4 retomada das expectativas que não melhoraram. O que é certo é o impacto brutal da estratégia sobre as taxas de crescimento do produto e o emprego. As empresas produtivas parecem ter se ajustado a essa realidade ao longo de 2016. Assim, não teriam motivos para repassar custos aos preços: os salários foram arrochados, os custos das matérias-primas importadas diminuíram, as quantidades produzidas foram ajustadas, ficou barato tomar crédito externo para saldar dívidas aqui. Diante da forte queda na inflação, o Banco Central diminuiu a taxa para 12,25% ao ano. Não teria mais motivos para manter a taxa de juros tão elevada. Mesmo assim, ao contrário, as taxas de juros reais elevaram-se bastante, para algo como 7,5% ao ano, em função da queda nas taxas de inflação. O resultado no final não foi uma redução, mas elevação da taxa de juros, com impactos negativos maiores sobre a atividade econômica e dívida pública. Hoje, os mentores da política econômica anunciam uma taxa nominal abaixo de 10% ao ano para o final de 2017 diante de uma inflação esperada de 4,5% ao ano, mas desde logo advertem que isso depende da elevação da taxa de juros dos EUA e do que ocorrerá na economia brasileira. Há dificuldade para o Banco Central alterar a taxa de juros real dado que é obrigado a mantê-la elevada para atrair capital externo com um duplo objetivo: garantir o fechamento do balanço de pagamentos (o Brasil tem déficit em transações) e manter o Real valorizado – a verdadeira âncora anti-inflacionária. Por essas razões está difícil imaginar pela política monetária alguma saída para o crescimento em 2017. Vale ainda completar que o novo governo está trabalhando para afastar os bancos públicos do financiamento ao crescimento imaginando que os bancos privados ocuparão o lugar. Os empresários estão cada vez mais apreensivos com isso. Sem os bancos públicos não haverá crédito para o crescimento. MERCADOS FINANCEIROS Se não fosse pelas elevadas taxas de juros que o Governo paga sobre sua dívida que já atinge 70% do PIB e compõem as carteiras de ativos dos bancos, a crise para eles teria consequências maiores. A crise elevou os níveis de inadimplência e o volume de créditos que os bancos tiveram que provisionar. Dado que os bancos privados pouco financiam investimentos de longo prazo a não ser como repassadores de recursos dos bancos públicos, a maior parte dos problemas de endividamento relaciona-se a créditos imobiliários e, em menor parte, veículos. Não sabem o que fazer com o elevado número de imóveis que estão tomando por dívidas não pagas. Da mesma forma, estudam como se livrar dos ativos denominados “impairment”, ou que não esperam receber, retirando-os de seu balanço ao vender para empresas especializadas. 5 Também para compensar essas perdas, os Bancos elevaram as taxas de juros privadas para níveis superiores a 35% ao ano para empresas e, às vezes, superiores a 400% ao ano para pessoas físicas. Como as pessoas estão com dificuldades financeiras, os bancos aproveitam para pegar o que podem e garantir sua rentabilidade. Ainda, para ajudar no alívio, o Governo liberou um volume significativo de recursos por ele administrados relativos ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviços que ajudarão indivíduos a saldar dívidas e que no final acabarão por elevar o volume líquido no caixa dos bancos sem custo. Dessa forma o sistema financeiro se ajusta sem grandes percalços. A depender da extensão da crise, não se imagina por isso grandes problemas ainda em 2017, embora o ajuste dos bancos ainda esteja em andamento. TAXA DE CÂMBIO Apesar de ser difícil separar a política de juros elevados (“âncora monetária”) e de valorização cambial (“âncora cambial”), dado o grau de valorização sofrida pelo Real de quase 30% real em 2016, parece claro que esta última tem sido central. A taxa de câmbio real (deflacionada) atual equipara-se aos níveis da década de 1990 (quando era R$1,2 para US$1). Na verdade, parece que as taxas de juros elevadas funcionam muito bem para atrair capital especulativo para o país, o que no final pressiona a valorização cambial. O problema dessa política é a tendência a elevar o problema na Conta de Transações como ocorreu nos anos 1990, quando ao final, o Brasil literalmente não conseguiu honrar o capital especulativo que havia atraído com o mesmo propósito de hoje, e teve que recorrer ao FMI em 1999. Portanto, a política atual só pode se sustentar se houver uma nova elevação dos preços das commodities como ocorreu nos anos 2000. Outra alternativa esperada pelo governo é, como nos anos 1990, atrair capital externo via novo programa de privatizações. Só assim conseguiria sustentar por mais tempo a taxa de câmbio valorizada para evitar que uma desvalorização eleve as taxas de inflação acima da meta, o que demonstraria a total fragilidade do projeto recessivo – aliás, como ocorreu nos anos 1990. A diferença é que hoje o Brasil possui US$370 bilhões em reservas, o que evitaria uma fuga de capitais como a de 1999. A taxa de câmbio acaba sendo assim o nó da estratégia atual. 2. PERSPECTIVAS GERAIS Apesar de o Governo, junto com os meios de comunicação de massa e mesmo os diários especializados, tentar o tempo todo afirmar que o Brasil estaria saindo da recessão rumo a um crescimento que espera atingir 3% em 2018, 6 não há no quadro real atual condições para tal. Claro que o Governo pode modificar as bases da estratégia ao longo de 2017 ao perceber a piora das tendências, mas isso é difícil de ocorrer. Parece estar esperando o milagre da “fada da credibilidade”, imaginando que numa manhã qualquer, mesmo neste cenário terrível, os empresários acordarão cheios de esperança e apostarão no futuro, independente dos números apurados em seus departamentos de vendas. Por outro lado, é bom lembrar que de fato a economia brasileira atingiu quase o fundo do poço. Setores importantes da indústria operam com 40% da capacidade produtiva. Cair ainda mais se torna concreta e estatisticamente difícil, como se a produção se aproximasse assintoticamente de zero. Por essa razão o crescimento em 2017 não deve ser tão negativo como foi em 2015 e 2016. Mesmo assim, mesmo se a taxa de crescimento for zero, a economia estará estagnada em um nível muito baixo. Soma-se a isso o grau de impopularidade da estratégia, acabando, da noite para o dia, com todo o aparato de políticas e direitos sociais básicos que hoje garantem o mínimo em termos de dignidade social. Conseguirá esse Governo se segurar neste cenário? 3. SITUAÇÃO POLÍTICA A essa altura, praticamente todos os políticos em diversos níveis de governos estão envolvidos em denúncias de corrupção investigadas pela Polícia Federal. Isso não é novidade dado que se trata de como o jogo político se organiza no Brasil há muitas décadas. O problema é que as denúncias se tornaram armas políticas para desagregar partidos específicos ou colocar políticos uns contra os outros. Pior, a essa altura nem se sabe em que âmbito e se os Três Poderes têm pessoas de alto escalão envolvidos. Parece certo que uma das funções do impeachment era bloquear esse processo, pelo menos para aqueles que ocupam o poder em detrimento dos que foram retirados. Embora a opinião pública ainda não tenha entendido o que vem ocorrendo por culpa da imprensa que não deseja esclarecer. Enquanto isso, os ministros da economia ligados aos bancos executam o ajuste que lhes interessa. As grandes empresas estrangeiras que desejam ocupar o lugar das grandes construtoras e esperam pela política de privatização para realizarem suas compras com taxa de câmbio favorável. Os grandes empresários esperam se beneficiar do “afrouxamento” dos direitos trabalhistas, já em andamento. Exceto pelo episódio das fraudes de fiscalização na carne brasileira (já encaminhadas as soluções – casos pontuais), o setor agropecuário e mineral exportador também se beneficia da situação na medida em que se torna central em uma economia na qual a indústria perde participação. Nesse sentido, talvez 2017 venha a ser um ano conturbado. 7