NÚMERO: 24 TÍTULO: Neurossífilis AUTOR: Mariana Botelho Dias de Souza INSTITUIÇÃO: Universidade São Francisco Paciente E.A.S., masculino, 32 anos, solteiro, natural e procedente de Bragança Paulista- São Paulo. Atendido no nosso serviço em janeiro de 2014 com queixa de baixa de acuidade visual progressiva bilateral há 4 meses. Ao exame apresenta acuidade visual de 20/200 ambos os olhos, seguimento anterior sem alteração em ambos os olhos. Fundoscopia papila com bordos borrados (edema) bilateral, retina colada, com pontos hipocrômicos em periferia e vasculite periférica. Edema macular bilateral. Referia avaliação em outro serviço em outubro de 2013, no início do quadro, com diagnóstico de toxoplasmose ocular bilateral, medicado via oral com Bactrim F de 12/12 horas e meticorten (não soube informar a dose), as quais fez uso por 30 dias sem melhora. Referia nos antecedentes patológicos diagnóstico de sífilis há 1 ano, com exames VDRL 1/512, e indicação de tratamento, mas o paciente não realizou o mesmo. Pelo antecedente, foi encaminhado para internação com hipótese diagnóstica de neurossífilis e investigação de reação cruzada. Na internação realizou ressonância nuclear magnética de crânio, estando a mesma normal. Avaliação do perfil reumatológico negativo. VDRL 1/512. FTABS positivo. O paciente se recusou a realizar angiografia. Iniciou tratamento com penicilina cristalina venosa porém, com 3 dias de tratamento, teve alta a pedido. Retorna ao serviço em abril de 2014 referindo melhora parcial da visão, acuidade visual de 20/30 bilateral. À fundoscopia: Papila sem edema em AO, opacidades móveis antigas vítreas, sem celularidade, membrana epiretiniana macular AO e vasculite discreta em AO. Reencaminhado para infectologia para tratamento de neurossífilis. Segue em anexo os exames de retinografia e OCT realizados. Discussão A sífilis é uma doença infecciosa crônica, sexualmente transmissível, causada pelo espiroqueta Treponema pallidum. Embora a doença seja sistêmica no início, em alguns casos as manifestações clínicas podem ser mínimas ou ausentes. A história natural da sífilis não tratada é variável e pode permanecer latente ao longo dos anos, embora a doença manifesta possa se desenvolver em qualquer momento. Ela acomete praticamente todos os órgãos e sistemas, e apesar de existir tratamento eficaz e de baixo custo, vem-se mantendo como problema de saúde público até os dias de hoje. Sua historia natural se divide em: Sífilis primária, sífilis secundária, sífilis latente e sífilis terciária ou neurossífilis . A sífilis primária ocorre após um período de incubação que, dura de duas a quatro semanas e é caracterizada por úlcera indolor (cancro) no local da infecção. O cancro está associado a linfonodos inguinais discretos, móveis e aumentados. Sem tratamento, o cancro se resolve dentro de duas a seis semanas, levando a uma cicatriz atrófica. A sífilis secundária normalmente se desenvolve em seis a oito semanas após o cancro e é caracterizada por linfadenopatia generalizada, erupção maculopapular simétrica no tronco, palmar e plantar, condiloma lata em vulva, escroto e região anal, macula em mucosa oral, faringe e genitália. A sífilis latente se segue à resolução da sífilis secundária, pode durar por anos e ser detectada somente por testes sorológicos. A sífilis terciária ocorre em cerca de 40%dos casos não tratados e é caracterizada por: Manifestações cardiovasculares: aortite com formação de aneurisma e regurgitação aórtica; Neurossífilis: caracterizada por tabes dorsalis, articulações de Charcot e paresia geral do insano; Infiltração gomosa de ossos e vísceras: a infiltração gomosa da língua pode levar à leucoplasia e a um risco aumentado de carcinoma. Pode ocorrer também a Uveíte sifilítica: A UAA a qual afeta cerca de 4% dos pacientes com sífilis secundária e é bilateral em 50% dos casos. Em alguns casos, a irite está primariamente associada à dilatação dos capilares irianos (roséola), que pode progredir para pápulas mais localizadas e subsequentemente evoluir para grandes nódulos amarelados. Vários tipos de atrofia iriana pósinflamatória podem ocorrer. Uveíte posterior: a coriorretinite é frequentemente multifocal e bilateral; A coriorretinite placoide posterior aguda é caracterizada por grandes lesões sub-retinianas amarelo-pálidas, placóides, isolada. A neurorretinite não tratada evolui para atrofia óptica secundária, e a substituição dos vasos retinianos por “fios brancos”; A vasculite retiniana pode ser oclusiva e envolve tanto artérias quanto veias. Relato de caso: Paciente E.A.S., masculino, 32 anos, solteiro, natural e procedente de Bragança Paulista- São Paulo. Atendido no nosso serviço em janeiro de 2014 com queixa de baixa de acuidade visual progressiva bilateral há 4 meses. Ao exame apresenta acuidade visual de 20/200 ambos os olhos, seguimento anterior sem alteração em ambos os olhos. Fundoscopia papila com bordos borrados (edema) bilateral, retina colada, com pontos hipocrômicos em periferia e vasculite periférica. Edema macular bilateral. Referia avaliação em outro serviço em outubro de 2013, no início do quadro, com diagnóstico de toxoplasmose ocular bilateral, medicado via oral com Bactrim F de 12/12 horas e meticorten (não soube informar a dose), as quais fez uso por 30 dias sem melhora. Referia nos antecedentes patológicos diagnóstico de sífilis há 1 ano, com exames VDRL 1/512, e indicação de tratamento, mas o paciente não realizou o mesmo. Pelo antecedente, foi encaminhado para internação com hipótese diagnóstica de neurossífilis e investigação de reação cruzada. Na internação realizou ressonância nuclear magnética de crânio, estando a mesma normal. Avaliação do perfil reumatológico negativo. VDRL 1/512. FTABS positivo. O paciente se recusou a realizar angiografia. Iniciou tratamento com penicilina cristalina venosa porém, com 3 dias de tratamento, teve alta a pedido. Retorna ao serviço em abril de 2014 referindo melhora parcial da visão, acuidade visual de 20/30 bilateral. À fundoscopia: Papila sem edema em AO, opacidades móveis antigas vítreas, sem celularidade, membrana epiretiniana macular AO e vasculite discreta em AO. Reencaminhado para infectologia para tratamento de neurossífilis. Segue em anexo os exames de retinografia e OCT realizados. Diagnóstico de sífilis: Para o diagnostico laboratorial da sífilis utiliza-se os testes treponêmicos e os não treponêmicos. Os testes treponêmicos são os testes que empregam como antígeno Treponema pallidum, e detectam anticorpos antitreponêmicos. Estes testes são feitos apenas qualitativamente. Já os testes não treponêmicos, são os que detectam anticorpos não treponêmicos, anteriormente chamados de anticardiolipínicos, reaginícos ou lipídicos. Esses anticorpos não são específicos para treponema pallidum, porém estão presentes na sífilis. O teste não treponêmico pode ser Quantitativo, e são rotineiramente utilizados como testes de triagem para determinar se uma amostra é reagente ou não e os quantitativos, os quais são utilizados para determinar o título dos anticorpos presentes nas amostras que tiveram resultado reagente no teste qualitativo e também para o monitoramento da resposta ao tratamento. Fenômeno de prozona. É a ausência de reatividade em uma amostra que, embora contenha anticorpos não treponêmicos, quando testada sem diluir, ou mesmo em baixas diluições, apresenta resultado não reagente. Esse fenômeno decorre da relação desproporcional entre quantidade dos antígenos e dos anticorpos presentes na reação não treponêmica, gerando resultados falso-negativos. Ocorre nas amostras de doentes com sífilis, em virtude da elevada quantidade de anticorpos presentes. Esse fenômeno não é observado nos testes treponêmicos. É observado principalmente na sífilis secundária, fase em que há produção de grande quantidade de anticorpos. Existe também os resultados falso-positivos presentes, em maior porcentagem, nos testes não treponêmicos que nos treponemicos. Este fato pode ser permanentes ou transitórios nos testes não treponêmico. Tais resultados podem estar presentes nas seguintes situações: Falso-positivos permanentes podem ocorrer: Em portadores de Lupus eritematoso sistêmico; na síndrome antifosfolipídica e em outras colagenoses; na hepatite crônica; em usuários de drogas ilícitas injetáveis; na hanseníase; na malária. Falso-positivos transitórios podem ocorrer: em algumas infecções; após vacinações; uso concomitante de medicamentos; após transfusões de hemoderivados; na gravidez e em idoso. Avaliação da resposta ao tratamento da sífilis. A avaliação deve ser feita somente com os testes não treponemicos quantitativos os quais são indicados para avaliar a eficácia do tratamento da sífilis. Negativação dos testes não treponêmicos: quanto mais precoce for o tratamento após a infecção, mais rapidamente haverá desaparecimento dos anticorpos circulantes, com a consequente negativação dos testes não treponemicos ou ainda sua estabilização em títulos baixos. Para a maioria dos usuários tratados, espera-se que haja reversão dos resultados, e que os testes tornem-se não reagentes entre 6 e 30 meses após o tratamento. Entretanto, na sífilis tratada tardiamente os testes podem nunca se negativar, persistindo a detecção de anticorpos em títulos baixos. A sorologia quando se apresenta repetidamente reagente em títulos baixos em usuários corretamente tratados não tem significado clínico. Segundo a literatura, os títulos diminuem cerca de quatro vezes após três meses e oito vezes aos seis meses após o tratamento. Durante o monitoramento do tratamento, o aumento de dois ou mais títulos no teste sugere reinfecção ou tratamento inadequado. Tratamento recomendado. Sífilis primária: Penicilina G benzatina 2,4 milhões U IM dose única. Sífilis secundária: Penicilina G benzatina 2,4 milhões U IM duas doses com intervalo de uma semana entre as aplicações. Sífilis terciária e latente: Penicilina G benzatina 2,4 milhões U IM três doses com intervalo de uma semana entre as aplicações. Neurossífilis: Penicilina cristalina aquosa 3 a 4 milhões U IV a cada 4 horas de 10 a 14 dias. Como alternativa do tratamento pode-se optar por probenecida 500mg VO 4vezes por dia de 10 a 14 dias de tratamento. Caso o paciente apresente alergia a penicilina pode-se optar por tratamento com doxiciclina 100mg de 12/12 horas por 15 dias na sífilis primária e secundaria ou 28 dias na terciária e neurossífilis. Para os casos de sífilis secundária, terciária, latente precoce ou tardia, caso o paciente tenha um intervalo maior que 14 dias entre as doses de penicilina benzatina, recomenda-se reiniciar o tratamento. O Seguimento do tratamento deve ser realizado utilizando o teste não treponêmico e da seguinte forma: Primaria; 3, 6 e 12 meses; Secundária: 3, 6, 12 e 24meses; Terciária:3, 6, 12, 24, 36, 48 e 72 meses. Deve-se considerar retratamento e investigação de acometimento de SNC, se: Persistência ou recorrência dos sintomas; manutenção ou elevação do VDRL no sexto mês de seguimento; VDRL maior ou igual a 1:8 na última dosagem do seguimento de cada fase. Com isso se pode observar que na primeira abordagem recebeu o diagnóstico de sífilis, foi recomendado o tratamento porém o mesmo não o realizou. Após um ano o paciente teve uma hipótese diagnóstica, sendo tratado mas sem melhora e mantendo títulos elevados de VDRL. Em nova consulta o paciente manteve títulos altos do VDRL tendo sido internado para a realização do tratamento porém o paciente abandonou o tratamento com 3 dias de terapia e em abril de 2014 o paciente retorna referindo melhora parcial da visão, acuidade visual de 20/30 bilateral com fundoscopia apresentando papila sem edema em AO, opacidades móveis antigas vítreas, sem celularidade, membrana epiretiniana macular AO e vasculite discreta em AO. Conclusão: Após o acompanhamento do paciente, tendo sido realizado tratamento incompleto e obtendo melhora parcial da visão. Isto gera dúvida se este paciente foi subtratado, se há recidiva da doença ou se a pesquisa diagnóstica não foi conclusiva. Exames realizados: OCT de 24/02/2014 OCT de 01/04/2014 Bibliografia: Kanski Jack J. Oftalmologia Clínica, uma abordagem sistemática. 7ª ed. 2012 Diretrizes Clínicas em Atenção Primária à Saúde (Lange) - 10ed. William F. Arens, David H. Schaefer,Michael F. Weigold Diretrizes de Atendimento de Sífilis em Adultos do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sífilis: Estratégias para diagnostico no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, coordenação de doenças sexualmente transmissíveis e aids. 2010. Diretrizes para o controle da sífilis congênita; manual de bolso; Brasília: Ministério da saúde. 2006 Manifestações oculares das doenças sistêmicas capitulo 10, página 300.