Carrossel dos sentidos - Instituto UFC Virtual

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Carrossel dos sentidos
Para que possamos perceber o mundo como um todo, os cinco sentidos
precisam cooperar entre si de forma inteligente e, muitas vezes, praticamente
fundir-se uns nos outros
por Christoph Kayser
Da esquerda soa, no último volume, uma música antiga e famosa. “Vamos entrando!”, grita
alguém do outro lado. Atrás, um grupo de jovens dá risada e, em algum lugar, uma criança berra.
Simultaneamente, brilham e reluzem por toda parte luzes coloridas, enquanto nossos olhos tentam
acompanhar os loopings da montanha-russa. O tumulto de um parque de diversões inunda nossos
sentidos. E talvez o programa não fosse tão bom sem essa multiplicidade de estímulos, sem a
concentração de pessoas, o empurra-empurra e o acotovelamento, sem o sorvete na mão ou o
cheiro de algodão-doce e pipoca.
O exemplo mostra quantos sinais vindos do mundo exterior nos atingem ao mesmo tempo.
Somente pela combinação deles surge a complexa impressão geral, típica de situações como essa.
Nessas circunstâncias, o cérebro é exigido ao máximo – o que evidentemente atrai a curiosidade
de neurocientistas.
A inundação de estímulos no parque, no entanto, não se ajusta ao exame mais detalhado da
maravilhosa mistura de variadas impressões de sentidos – a integração sensorial. Os
pesquisadores preferem condições claras e controláveis. Têm interesse especial por situações em
que nosso cérebro se ludibria quase sozinho e produz falsas imagens do ambiente. Um exemplo
conhecido desses enganos é o efeito de ventríloquo. Embora a voz que se ouve não seja originada
pela boca em movimento do boneco, a impressão que temos é exatamente essa. Também no
cinema nos entregamos à ilusão de que os heróis na tela falam, embora na realidade suas vozes
ecoem dos alto-falantes espalhados pela sala de espetáculos. Nosso cérebro parte
imperturbavelmente da premissa de que a fonte do que é dito se encontra onde os lábios se
movem no ritmo adequado – ele combina, portanto, de forma significativa e entre si, a impressão
de audição e de visão.
É fácil nos enganarmos não apenas com a origem de um estímulo sensorial, mas também com sua
qualidade. Em meados dos anos 70, os psicólogos Harry McGurk e John MacDonald, da
Universidade de Surrey, na Grã-Bretanha, descobriram um fenômeno interessante: apresentavam
a voluntários uma seqüência de filme, na qual um ator articulava a sílaba “ga”, e sincronizavam a
cena com o som “ba”; as pessoas informavam posteriormente que não percebiam nem uma nem
outra, mas a sílaba “da”! Ambas as informações sensoriais se dissolviam, portanto, em um terceiro
som, totalmente novo.
Várias peças
Os sentidos de audição e tato também se prestam, por vezes, a alianças enganosas: normalmente,
quando esfregamos as palmas de nossas mãos uma na outra, conseguimos avaliar bem a umidade
da pele. Mas se, ao fazer isso, ouvimos um forte rumor, a pele parece repentinamente seca; se o
ruído perde sua intensidade ou a sonoridade sobe a uma escala mais alta, então as palmas das
mãos nos parecem outra vez úmidas.
http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/carrossel_dos_sentidos.html
Carrossel dos sentidos
Tais ilusões mostram que nosso cérebro combina constantemente as informações dos diversos
órgãos do sentido, a fim de delinear uma imagem mais ou menos correta do ambiente. Para os
pesquisadores da percepção colocam-se duas questões: como os sentidos se fundem no cérebro e
onde ocorre esse processo?
Impulsos sensoriais produzidos no ouvido interno atingem o
tálamo e em seguida, os córtex auditivos primário e secundário.
Neste último os sinais são processados e unificados
Em princípio, várias possibilidades são presumíveis. Número 1: cada sistema neurossensorial
analisa seus estímulos, inicialmente sozinho, e produz uma “imagem” pronta do ambiente. O
sistema responsável pela visão, por exemplo, fornece o aspecto de um cão pastor alemão que late
atrás de uma cerca branca, ao passo que o aparato auditivo informa simultaneamente o latido e o
som de um carro que passa na rua. Somente depois disso as várias impressões sensoriais são
integradas e formam uma imagem completa: um cão latindo no jardim em frente à casa.
Número 2: o sistema visual descobre, de início, uma superfície manchada, de tamanho médio, em
meio a muito verde. Simultaneamente, o sistema auditivo percebe um ruído alto que se repete
ritmicamente, proveniente daquela área. Em seguida, o sistema visual registra que a superfície se
modifica sempre que o sistema auditivo informa o ruído. Dessa maneira os diversos sentidos se
complementam em frações de segundo, até que seja formada a impressão total do pastor alemão
latindo. Nesse caso, a integração sensorial já ocorre em uma fase bastante precoce do processo.
O primeiro modelo concebe os diversos sistemas sensoriais como departamentos isolados, unidos
apenas ao final do processo. Já o segundo considera que cada sentido consegue co-interpretar
precocemente os objetos percebidos com base em outras informações sensoriais. Entre tais
variantes extremas podem-se considerar, naturalmente, tantas etapas intermediárias quantas se
queira. O caminho pelo qual o cérebro envereda encontra-se provavelmente em meio a essas duas
abordagens. A questão é: onde?
Mais oxigênio
Pesquisadores buscam a resposta com o auxílio de procedimentos que mostram imagens, como,
por exemplo, a tomografia de ressonância magnética ou a tomografia de spin nuclear. Neste caso,
os cientistas se valem do fato de que, carregada de oxigênio, a molécula de hemoglobina tem um
comportamento diferente em um forte campo magnético. Trabalhando de maneira bastante
intensa, uma região cerebral gasta mais oxigênio do que regiões vizinhas e, por essa razão, tem
um suprimento sangüíneo mais forte. A tomografia de ressonância magnética capta esse
suprimento diverso, podendo fornecer uma imagem momentânea do cérebro em atividade.
Se as informações sensoriais fossem, de fato, analisadas até o mínimo detalhe, separadamente,
por variados sistemas e fossem combinadas somente ao final, deveria haver diversas áreas
cerebrais sensoriais que se ocupariam exclusivamente com um único sentido. No outro caso, no
qual a combinação ocorre bem cedo, poucas dessas regiões especializadas deveriam bastar. Ambos
seriam passíveis de reconhecimento no tomógrafo de spin nuclear.
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Carrossel dos sentidos
De fato, nos últimos anos, uma série de estudos com imagens revelou complexa rede de áreas
cerebrais que se tornam extremamente ativas especialmente quando dados sensoriais diferentes
convergem. Já se sabia que as assim denominadas áreas de associação nos lobos parietal e frontal
do córtex cerebral trabalham informações de canais sensoriais diferentes; mas também áreas até
então tidas como responsáveis por um único sentido mostraram, nesse ínterim, seus talentos
variados: como descrito por Jon Driver, do University College London em 2005, a atividade do
córtex visual de pessoas em teste aumenta ao enxergarem um flash bem próximo de sua mão
quando os dedos percebem estímulos tácteis adicionais. Esta atividade cerebral elevada só se
manifesta, todavia, quando o estímulo visual e o tátil ocorrem simultaneamente e do mesmo lado
do corpo.
Da mesma forma, percebemos cada vez menos um ponto de luz a piscar quando a intensidade
diminui paulatinamente. Se, porém, ouvirmos um som breve durante o piscar, ainda
reconheceremos mesmo o mais fraco luzir. Isso tudo só funciona, entretanto, quando luz e som
ocorrem no mesmo momento.
Um caso especialmente interessante ocorre com a percepção da fala: o som das palavras não é
transmitido apenas acusticamente, também os movimentos dos lábios guardam informações
valiosas. Em 2001, a pesquisadora Gemma Calvert, da Universidade de Oxford, observou que, na
percepção dos fonemas, tanto a atividade do sistema auditivo quanto do visual é reforçada quando
estímulos acústicos e imagens chegam juntos ao cérebro. A visão dos lábios em movimento
influencia precocemente o processamento dos sinais sonoros e também as palavras ouvidas agem
sobre a análise visual do movimento da boca. O efeito sinérgico de ouvir e ver surge em regiões
cerebrais que até então eram consideradas áreas sensoriais isoladas.
Trabalho de equipe
Já a observação da imagem muda de uma pessoa enquanto fala é suficiente para ativar de forma
mensurável o córtex auditivo – mesmo quando ela apenas articula palavras sem sentido. Caretas,
contudo, não têm efeito sobre essa região cerebral. Isso deixa claro que o córtex auditivo reage de
modo bem específico: a integração sensorial de estímulos acústicos e visuais colabora para o
processamento da fala.
O segundo modelo, que parte de uma fusão sensorial bastante precoce, parece ser o válido.
Medidas de ressonância magnética de alta resolução, que executamos em 2005 no Instituto Max
Planck de Cibernética Biológica, em diversas áreas do córtex auditivo de macacos resos, também
apontam para esta direção. Esse córtex subdivide-se em diversas unidades (ver quadro nesta
página): os impulsos elétricos que produzem ondas sonoras que entram no ouvido interno
alcançam o córtex auditivo primário por meio de uma estação intermediária no tálamo. Somente a
partir dessa área os estímulos chegam às regiões superiores, que se cingem o córtex auditivo
primário como um cinto de poucos milímetros.
Durante nossas experiências, quando fazíamos os animais escutarem ruídos com um fone de
ouvido e, simulta-neamente, estimulávamos superfícies de suas patas usando uma escova,
podíamos mensurar a atividade cerebral crescente – a parte posterior do córtex auditivo
secundário apresentava movimento. Aqui parece encontrar-se, portanto, o local da integração
sensorial.
Exatamente por que razão essas regiões fundem as informações dos sentidos não sabemos ainda.
Mas já se afigura a possibilidade de a parte posterior do córtex auditivo ser especializada em
captar informações espaciais – quer dizer, reconhecer de onde um ruído vem. Assim, essa fusão
sensorial poderia colaborar com a ordenação de diferentes impressões de sentido para a mesma
origem espacial.
Uma conclusão parece admissível: a integração sensorial se dá em áreas auditivas superiores.
Dessa forma, ocorre de modo bastante precoce, mas não tanto quanto teoricamente seria possível.
O primeiro modelo, que partia de um processamento separado das impressões sensoriais,
simplesmente mostra-se falso. O segundo, com sua suposição de uma fusão de sentidos, pode
sugerir certo exagero, mas parece corresponder melhor à realidade.
Ao que tudo indica, pelo menos uma grande parte de nosso cérebro está ocupada em combinar
entre si informações de diversos sentidos. Comparativamente, uma área cerebral quase ínfima se
ocupa exclusivamente de um único sentido.
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