UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências WITTGENSTEIN E O BEHAVIORISMO Danilo Hoth Cerqueira – Salvador, 2007 – DANILO HOTH CERQUEIRA WITTGENSTEIN E O BEHAVIORISMO Dissertação submetida ao curso de Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual de Feira de Santana como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. João Carlos Salles Pires da Silva – Salvador, 2007 – 2 C416 Cerqueira, Danilo Hoth Wittgenstein e o behaviorismo / Danilo Hoth Cerqueira . – 2007. 81 f. Orientador: Prof. Dr. João Carlos Salles Pires da Silva. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Instituto de Física; Universidade Estadual de Feira de Santana, 2007. 1. Ciência – Filosofia. 2.Wittgenstein, Ludwig,1889-1951. 3.Behaviorismo(Psicologia).I.Silva, João Carlos Salles Pires da II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Física; Universidade Estadual de Feira de Santana.III. Título. CDU- 101.1(043.3) 3 TERMO DE APROVAÇÃO DANILO HOTH CERQUEIRA WITTGENSTEIN E O BEHAVIORISMO Dissertação aprovada, em 26/03/2007, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ensino, Filosofia e História das Ciências, pela seguinte banca examinadora: Prof. Dr. André Leclerc (UFPB) Prof. Dr. Charbel Nino El-Hani (UFBA) Prof. Dr. João Carlos Salles Pires da Silva (UFBA, orientador) 4 A Caio e Clara, que me possibilitam diariamente a oportunidade de melhor compreender as condições necessárias à significação e também o prazer inenarrável de tê-los como parceiros nos jogos da linguagem. 5 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, professor João Carlos Salles Pires da Silva, meu profundo agradecimento por sua grande paciência quando, por várias vezes, se defrontou com a necessidade de esclarecer pontos tão elementares, por sua dedicação na orientação deste trabalho, assim como na coordenação do nosso Grupo de Estudo e Pesquisa. Em especial, devo assinalar sua generosidade em acompanhar e favorecer a leitura de passagens do espólio de Wittgenstein, debatendo diretamente, quase parágrafo a parágrafo, pontos importantes da relação de Wittgenstein com o behaviorismo. Aos mestres do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências e a vários professores visitantes que, de diversas formas, contribuíram para esta Dissertação. Em especial, agradeço aos professores Antonio Zilhão, Charbel Niño El-Hani, Edgar da Rocha Marques, Eduardo Barra, Júlio Vasconcelos e Olival Freire Júnior pelo privilégio de tê-los nessa trajetória. Aos colegas do Grupo de Estudo e Pesquisa “Empirismo, Fenomenologia e Gramática”, coordenado pelo Prof. João Carlos Salles, pelo convívio harmonioso, prazeroso e, acima de tudo, produtivo nesses últimos três anos, nas manhãs de sábado em Salvador. Ao programa de bolsas da CAPES, tendo sido fundamental a concessão de uma bolsa para a realização deste trabalho. A meus familiares e amigos. Em especial, a minha esposa, Márcia Couto, e a meus filhos, Caio e Clara, pela presença, apoio e paciência em todos os momentos. A meus irmãos, Adriano, Andréa, Douglas e Vânia, sempre à disposição para longos debates e embates pretensamente filosóficos, neste e em outros momentos significativos de nossas vidas. 6 Ao amigo Juarez Lopes Cançado, cuja liderança e competência foram fundamentais a minha formação e segue sendo exemplo permanente em minha. E a meus pais, João Bosco e Vanda, que, com carinho e muita paciência, me iniciaram neste percurso. A todos, pois, meu muito obrigado. 7 SUMÁRIO Resumo 8 Abstract 9 INTRODUÇÃO O Behaviorismo e a obra de Wittgenstein 11 CAPÍTULO 1 O Behaviorismo entre a filosofia e a psicologia. Atores e Cenários. 16 O surgimento da psicologia como ciência 16 O behaviorismo e seus pressupostos 26 Consciência e introspecção 31 Linguagem e Pensamento 33 CAPÍTULO 2 Uma certa herança behaviorista 42 Russell e a Análise da Mente 42 O Círculo de Viena 53 CAPÍTULO 3 Comportamento e Significação 64 Estados Internos e Significação 64 Virtudes e Limites de uma concepção behaviorista 69 CONCLUSÃO Wittgenstein e o Behaviorismo 75 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 78 8 RESUMO Em muitos sentidos, a obra de Wittgenstein dialoga com o behaviorismo, tanto para aceitar benefícios de sua perspectiva quanto para recusar, com palavras fortes, que ele mesmo seja uma espécie de behaviorista disfarçado. O ponto de vista “behaviorista” (como acentua, uma palavra horrorosa) não deixa de ter, muitas vezes, uma função benfazeja, mas é também recusado terminantemente. Sem dúvida, esse diálogo tem grande importância para a determinação de argumentos centrais da obra de Wittgenstein, mas também elucida aspectos relevantes de história da ciência, em especial, da psicologia. Trata-se, afinal, de uma corrente de pensamento do século XX que se mostrou decisiva à filosofia analítica e ao positivismo lógico, bem como a disciplinas como a filosofia da mente. Por exemplo, não cabe negar a importância (sobretudo para a virada lingüística e sua crítica às filosofias da consciência) da crítica behaviorista ao dualismo mentecorpo. Nesta dissertação, procuramos recompor, em linhas gerais e algo vagas, elementos importantes da história do behaviorismo e, por conseguinte, do modo como suas considerações puderam servir de baliza para reflexões de Wittgenstein. Por outro lado, de modo mais específico, nós nos debruçaremos sobre as menções explícitas de Wittgenstein ao behaviorismo, de modo que esse diálogo, deveras ambíguo, possa adquirir relevância filosófica no interior mesmo de sua obra. À luz então de suas próprias anotações, procuraremos mostrar em que sentido ele se aceitava behaviorista, mesmo para decidir, enfim, que jamais o poderia ser. Palavras-chave: Wittgenstein – Psicologia – Behaviorismo – Introspecção – Dualismo 9 ABSTRACT In many regards, the work of Wittgenstein converses with behaviorism, both in order to accept the benefits of its perspective and to refute, in no uncertain terms, that he himself is somewhat of a disguised behaviorist. The “behaviorist” viewpoint (as he points out: a horrible word) frequently has a well-meaning function, but is also bluntly refuted. Without a doubt, this dialogue is of considerable importance for the determination of the central arguments in the work of Wittgenstein, but also elucidates relevant aspects of the history of science, notably psychology. After all, it concerns a school of thought during the 20th century, which proved to be decisive in analytical philosophy and logical positivism, as well as disciplines such as philosophy of the mind. For instance, one cannot deny the importance (above all the linguistic revolution and criticism of philosophies of consciousness) of the behaviorist criticism of the mind-body dualism. In this thesis, we seek to reconstitute, along general and somewhat loose lines, important elements of the history of psychology and behaviorism; and, consequently, of how their considerations were able to serve as a beacon for the reflections of Wittgenstein. On the other hand, more specifically, we shall pore over the explicit mention made by Wittgenstein of behaviorism, in such a way that this dialogue, indeed ambiguous, may acquire philosophical relevance even within his own work. In the light then of his own notes, we shall seek to show how he accepted himself as a behaviorist, only to finally decide that he never could be one. Key words: Wittgenstein – Psychology – Behaviorism – Introspection – Dualism 10 “Não será você um behaviorista disfarçado? Você não diz que, no fundo, tudo é ficção, salvo o comportamento humano?” – Se falo de uma ficção, trata-se então de uma ficção gramatical. Ludwig Wittgenstein1 1 Wittgenstein, Ludwig, Investigações Filosóficas, § 307. As traduções dos textos de Wittgenstein foram muitas vezes modificadas, à luz dos originais. 11 INTRODUÇÃO O Behaviorismo e a obra de Wittgenstein O dualismo entre mente e corpo parece ser uma nota característica da modernidade. Em certo sentido, até correntes opostas, como o empirismo e o racionalismo, parecem coincidir nesse pressuposto, ao tempo que constituem a subjetividade em elemento epistemológico essencial e a tornam em chave para a constituição da experiência, ou mesmo quando a subordinam a esta. Com esse solo comum, abriu-se, sem dúvida, um rico programa de investigação para a filosofia, cifrado então nessa invenção do sujeito. Assim, de certo modo, usando de forma vaga a noção de ‘paradigma’, podemos incluir sob o mesmo campo um conjunto de filosofias da consciência, bastante díspares, mas abrigadas sob um rico paradigma comum. A clivagem se desdobra em diversas outras, como na separação entre o interno e o externo, trazendo consigo diversas imagens, a exemplo da idéia de um acesso privilegiado introspectivo à dimensão subjetiva, um território a ser iluminado por uma luz interior, à qual não resistiria nenhuma região de sombra. Tais pressupostos metodológicos se desdobram em muitos outros, e não se restringiram à filosofia. Em especial, tiveram importância para uma possível e incerta ciência que se lhe mostrava aparentada, a saber, a psicologia. Não por acaso, temas de psicologia pareceram aparentados à lógica, como se tivessem ambas uma função propedêutica aos estudos filosóficos ou fossem parte essencial da filosofia, de sorte que uma fisiologia do conhecimento se reforçaria pela sua anamnese psicológica. 12 De um ponto de vista epistemológico, a separação comprometia assim a própria configuração dos objetos passíveis de uma abordagem científica, uma vez que não pareciam mensuráveis as relações entre objetos intangíveis, a exemplo dos próprios do mundo privado dos fenômenos mentais, separado então de sua expressão corpórea, mas também todo fenômeno que, para além do cálculo, comportasse uma dimensão significativa e, logo, subjetiva. Em sentido estrito, não poderia haver ciência do psíquico nem mesmo do social, cuja matéria distintiva não seria mais que mera consciência, ou melhor, não seria mais que o somatório coletivo de consciências irredutíveis à sua expressão material. Contra esse pano de fundo, podemos apreciar melhor a radicalidade e a importância do behaviorismo, que se configura, no século XX, como uma reação a esse traço característico da modernidade e, por isso mesmo, atraiu bastante a atenção de pensadores de alguma forma envolvidos com a virada lingüística em filosofia, por um lado, e com um projeto científico de tratamento dos dados psíquicos, por outro. De certa forma, também a psicanálise, cujo texto paradigmático, A Interpretação dos Sonhos, data de 1900, voltou-se contra a idéia de um acesso privilegiado do indivíduo à sua inteira subjetividade. E bem sabemos quanto a linguagem tem importância central no empreendimento psicanalítico. Entretanto, em psicologia, o combate à própria essência de uma filosofia da consciência e de um método introspectivo que lhe seja correlato, à luz de um estrito paradigma científico e experimental, só será empreendido pelo behaviorismo. Para o behaviorismo, então, atribuir estados, processos ou eventos mentais a pessoas equivale a fazer afirmações acerca de seu comportamento concreto ou de suas disposições comportamentais. Ora, essa relação plausível e forte entre processos tradicionalmente considerados significativos e 13 comportamentos contrapõe-se ao dualismo típico da modernidade, além de sugerir um novo programa de investigação para uma eventual ciência do comportamento. Se com isso pôde abrirse novo campo científico, as implicações filosóficas não podem ser menos fecundas. Com efeito, por muitas razões, esse traço científico guarda alguma analogia com a obra de Ludwig Wittgenstein, não tendo escapado a ele mesmo a aparente semelhança de família, como o testemunha o parágrafo que tomamos como epígrafe. Com efeito, Wittgenstein esteve muitas vezes sob a suspeita de defender alguma versão de behaviorismo. Segundo Glock2, o behaviorismo se manifesta em três versões: No behaviorismo metafísico, nega-se a existência de fenômenos mentais e, portanto, do sujeito psicológico; No behaviorismo metodológico, insiste-se na idéia de que os psicólogos não deveriam evocar tais fenômenos na explicação do comportamento, pelo fato de não serem intersubjetivamente acessíveis e; No behaviorismo lógico, afirma-se que as proposições acerca do nível mental são semanticamente equivalentes a proposições acerca de disposições comportamentais ou fisicalistas”. Como a suspeita nada tem de infundada e, entretanto, é explicitamente repelida pelo próprio Wittgenstein, a temática tem sabor de enigma, sendo relevante decifrá-lo. Trata-se enfim de um enigma que envolve tanto a história específica de uma corrente científica e sua repercussão, quanto o alcance especificamente filosófico de suas teses. Em especial, o confronto serve-nos para demarcar, como queremos mostrar, a irredutibilidade da perspectiva filosófica, que, no caso de Wittgenstein, obriga-se a recusar a formulação de uma qualquer teoria. Encontramos assim nossa questão e problema de investigação. É possível afirmar que Wittgenstein foi um behaviorista? Ou ainda, em formulação mais tênue, em que medida sua obra 2 . Glock, Hans-Johann, Dicionário Wittgenstein, verbete “Comportamento e behaviorismo”. 14 pode ser tributária ao behaviorismo? É claro que a questão não encontra resposta fácil, não podendo ser reduzida, em seu significado, por alguma resposta sumária, nem mesmo do próprio Wittgenstein, sob pena de não darmos conta inclusive da natureza de sua resposta. Por exemplo, a resposta sumária, quase oracular, não esclarece em que medida uma ficção gramatical não pode ser tributária ou não pode expressar simplesmente um behaviorismo. A questão do behaviorismo, pois, nada tem de irrelevante, nem está superada. Ao contrário, o fato de o filósofo ter se dado ao trabalho de formulá-la e respondê-la em um parágrafo localizado especificamente na seqüência à sua polêmica exposição sobre a impossibilidade da existência de uma linguagem privada e ainda no contexto de suas considerações sobre “jogos de linguagem”, tudo isso torna a questão uma demanda filosófica relevante. Sendo, de resto, inusitada a declaração no contexto da obra, pois Wittgenstein raramente se deu ao trabalho de relacionar ou de opor suas idéias a uma ou outra corrente do pensamento, cabe-nos refletir sobre as motivações do filósofo. Mais ainda, muitas de suas afirmações parecem genuinamente behavioristas. Assim, a simples e aparentemente despretensiosa declaração de “inocência” não pode ser suficientemente elucidativa e suscita pelo menos duas questões instigantes que tentaremos responder: Como elucidações tão próximas de teses defendidas pelo behaviorismo podem não ser behavioristas? Qual o motivo de sua aparente preocupação em não ver suas idéias ligadas ao behaviorismo? Nossa dissertação comporta assim aspectos diversos, fazendo dialogar a obra de Wittgenstein e o behaviorismo. Por um lado, procuraremos recuperar elementos que indicam a importância teórica do behaviorismo no contexto da reflexão filosófica analítica no começo do século XX. 15 Certamente, poderemos apresentar aqui apenas uma moldura para nossa dissertação, necessária mas de segunda mão, uma vez que não poderíamos fazer uma recuperação histórica suficientemente completa das diversas pistas deixadas pelo behaviorismo e que, além de contatos diretos de Wittgenstein, se interpõem à sua obra pelo registro indireto de Russell, do Círculo de Viena e de todo seu ambiente intelectual. Por outro lado, procuraremos, além disso, explicitar o sentido de algumas das analogias aparentemente behavioristas que, a partir de 1929, começam a fazer parte do repertório teórico de Wittgenstein. Como as analogias são muitas, mas difíceis também de agarrar teoricamente, sabemos ser possível demarcar campos de confluência, cabendo registrar que a analogia tem, nesse caso, uma limitação de fundo, a saber, o behaviorismo e a obra de Wittgenstein situam-se em registros teóricos distintos, uma vez que aquela corrente nos apresenta sobretudo o caminho de uma ciência, enquanto a obra de Wittgenstein sempre reitera sua irredutibilidade filosófica. Finalmente, porém, no que consideramos nossa contribuição específica mais importante, procuraremos recuperar metodicamente as referências explícitas de Wittgenstein ao behaviorismo como corrente ou a perspectivas que ele próprio, correta ou incorretamente, julgava behavioristas. Com isso, recuaremos ao solo mesmo de sua elaboração teórica, desviando-nos do jogo das interpretações ou das observações felizes ou desairosas dos comentadores. Esperamos assim, como um resultado desta dissertação, poder apontar em que sentido, para o próprio Wittgenstein, uma adesão qualquer ao behaviorismo se revelaria correta ou apenas, por assim dizer, inspiradora. 16 CAPÍTULO 1 O Behaviorismo entre a filosofia e a psicologia. Atores e Cenários. A psicologia não é mais aparentada com a filosofia que qualquer outra ciência natural. A teoria do conhecimento é a filosofia da psicologia. Meu estudo da linguagem por sinais não corresponderia ao estudo dos processos de pensar, estudos que os filósofos sustentaram ser tão essencial para a filosofia da lógica? No mais das vezes, eles só se emaranharam em investigações psicológicas irrelevantes, e um perigo análogo existe também no meu método. Ludwig Wittgenstein 3 O Surgimento da Psicologia como Ciência Nesta primeira parte, esboçaremos, em traços rápidos, algumas linhas de força que constituíram a história ou a pré-história da psicologia e do behaviorismo. Esperamos assim compor um quadro vago, quase uma imagem galtoniana, com a qual, todavia, podemos demarcar que sentido e que utilidade o termo ‘behaviorismo’ poderia ter para um filósofo como Wittgenstein. Seria quase impossível alguém com um mínimo interesse na dicotomia corpo-mente no início do século XX (e quase todos os intelectuais e cientistas o tinham!) ficar imune aos apelos da psicologia, tendo em vista a efervescência intelectual e científica provocada pela “jovem ciência” nascente nos laboratórios de Leipzig, onde floresciam estudos sobre os sentidos e a percepção. Nomes como Weber, Fechner, Helmholtz e Wundt constituem uma referência à qual o próprio 3 Tractatus Logico-Philosophicus, 4.1121. 17 Wittgenstein concederá atenção, e uma referência tão forte que mesmo as teses behavioristas de Watson podem parecer uma conseqüência quase que natural dos experimentos lá realizados. Em certa medida, os fisiologistas, médicos e físicos de Leipzig, ao demonstrarem experimentalmente a interdependência e a relação positiva (e, portanto, real e científica) entre mente e corpo, ainda que por meio do estudo dos sentidos e da percepção, abrirão caminho tanto para o behaviorismo como para a psicanálise e para as demais correntes de pensamento da psicologia. Se lançarmos um olhar contextualista sobre a história da filosofia e ainda sobre o surgimento da psicologia, perceberemos a influência direta do positivismo nos experimentos realizados em Leipzig. Mas, se esse é o contexto experimental mais imediatamente importante para sua determinação teórica, o behaviorismo vai encontrar outras bases em épocas ainda mais remotas, como no empirismo de David Hume. Na Parte III do Livro I, Seção XVI do Tratado da Natureza Humana, Hume nos apresenta um pequeno e instigante capítulo, intitulado “Da Razão dos Animais”, que logo afirma: “quase tão ridículo como negar uma verdade evidente é realizar um grande esforço para defendê-la”.4 A suposta verdade a que se refere é a de que os animais seriam dotados de comportamento eficaz, à semelhança do que pode ser eficaz e razoável em seres humanos. Hume estava levando adiante sua cruzada contra a razão, ao fazer tal afirmação com um certo tom irônico que lhe era típico, mas o que nos interessa nesta passagem e que pretendemos realçar são os argumentos utilizados para demonstrar a veracidade de tal assertiva. Hume afirma que “é com base na semelhança entre as ações externas dos animais e as por nós mesmos realizadas que julgamos que também suas ações internas se assemelham as nossas”.5 4 5 Tratado da Natureza Humana, p. 209 Tratado da Natureza Humana, p. 209. 18 Após apresentar exemplos de “raciocínios” ordinários e extraordinários do comportamento dos animais, Hume constata não serem diferentes dos que ocorrem na natureza humana, na medida em que seríamos capazes de fazer inferências, comportando-nos em conformidade com o curso geral da natureza. E, ainda, as inferências feitas pelos animais teriam como fundamento a impressão presente construída sobre a experiência e a observação da conjunção de certos objetos em casos passados: “Se modificarmos essa experiência, ele modificará seu raciocínio”.6 Colocada em outros termos, a expressão talvez pudesse tranqüilamente ser dita da seguinte forma: dado o estímulo, é possível prever a resposta; e, dada a resposta, é possível retrodizer o estímulo, tanto no caso dos animais quanto no dos homens. Idéia que breve terá papel fundamental no behaviorismo. Em outro sentido, a formulação humeana pode ser considerada uma inspiração para o behaviorismo. Como sabemos, segundo Hume, não havendo contradição, a razão não poderia, mesmo após uma experiência constante, decidir sobre eventos futuros à luz de eventos passados. Em sentido estrito, a razão nunca conformaria uma autêntica experiência, e estaríamos sempre como que nascidos de novo diante de possibilidades em aberto, nunca podendo racionalmente decidir se o fogo queima ou se o pão alimenta. Entretanto, como os animais, não ficamos paralisados, tomamos decisões, por assim dizer, sem pensar, ou melhor, sem depender de uma instância interna racional. Ao contrário, nós nos comportamos segundo o que acumulamos em comportamentos, pois não somos como Adão, modelo de homem racional, criado à semelhança de Deus, sem contudo ter alguma experiência. Nosso comportamento anterior, bem como o das coisas, é antes a medida de nosso comportamento futuro, de nossas inclinações não racionais. 6 Tratado da Natureza Humana, p. 209. 19 Não estamos, é óbvio, reivindicando a invenção do behaviorismo para Hume, que não pretendeu estabelecer as bases epistemológicas ou experimentais de uma disciplina, mas antes encontrar as leis da natureza humana, como se fora o Newton das “ciências morais”. Colada à obra de Hume, o projeto experimental de uma disciplina empírica soaria anacrônico, servindo para ilustrar uma diferença fundamental entre seu trabalho e o realizado por Watson dois séculos depois. De qualquer forma, a descrição do comportamento dos animais, feita sob o título de “Da Razão nos Animais”, termina por conceder significado a comportamentos, na verdade, sem qualquer recurso à razão. De um ponto de vista epistemológico, o que se antecipa é a circunscrição do comportamento como objeto por si significativo, dotado de uma “lógica” e de previsibilidade, enquanto a razão se conservaria impotente diante de qualquer salto indutivo. Tentar mostrar uma certa ligação entre o behaviorismo de Watson e o empirismo humeano servenos, então, para apontar certas similaridades epistemológicas, e não propriamente para atribuir ao filósofo empirista qualquer tentativa de construção de uma psicologia, até porque, convenhamos, sua obra tem outro alcance. Prestado o devido tributo à obra de Hume, essencial nessa enfática ligação entre comportamento e experiência, podemos voltar ao surgimento da psicologia como ciência em meados do século XIX, em Leipzig, onde um grupo de pesquisadores deu início a uma série de estudos e experiências, entre cujas conseqüências epistemologicamente relevantes estaria a comprovação experimental de uma relação entre o mundo físico e o mental e, por extensão, entre o interno e o externo – o que, anteriormente, seria casualmente empírico para alguns, ou ainda, para muitos, meramente especulativo. Tal conclusão faculta à psicologia sair do espaço de mera especulação para o campo árido do experimento. 20 Não caberia fazer aqui história da psicologia. Esse viés de recuperação de dados pode, porém, ser útil, ajudando-nos a entender o interesse e mesmo entusiasmo de pesquisadores no início do século XX diante de resultados incipientes, mas indubitavelmente promissores, se considerarmos seu possível alcance filosófico. Dessa ordem são alguns experimentos sobre os dados dos sentidos, em torno dos quais pesquisadores entusiasmados (com poucos recursos experimentais, mas grande sofisticação teórica) obtiveram logo resultados precisos e, mais ainda, mensuráveis. O esforço inicial dessa “psicologia científica” nasce da tentativa de explicar ou entender o papel das sensações e de seus “dados” sobre os processos mentais, tese central do empirismo – obviamente, em outra perspectiva, qual seja, a de dissecar os sentidos com vistas a determinar suas influências na formação possível do mental ou do mental possível. Toda uma linhagem de cientistas pode espalhar laboratórios de baixo custo, sobretudo ao estudarem a visão com lâminas coloridas e recursos assemelhados.7 De qualquer forma, uma cultura experimental centrava-se no estudo das ligações efetivas entre o interno e o externo, como podemos registrar aqui sumariamente.8 As experiências sobre os sentidos do tato de Ernest Heinrich Weber, por exemplo, mostraram uma possível relação matemática entre o mundo físico e o psíquico, por meio da determinação da influência do sentido muscular na definição da sensação do peso, comprovando assim, uma ligação empírica (contingente, mas constante) entre esses dois mundos antes vistos como distintos e possuidores de processos próprios. Fechner, que foi médico e físico, deu continuidade ao trabalho de Weber dando fórmula matemática às suas descobertas a partir de experimentos 7 Como o registra Heinwig Lang, “these investigations did not require expensive experimental equipment, only a number of colored papers. This was a very compelling argument for young scientists like Purkyñe, Fechner, Mach (who mencioned this reason in his autobiography), and Hering, who at the beginning of their careers were without steady income and without the opportunity to work in a laboratory.” (“Color Vision Theories in Nineteenth Century: Between Idealism and Empiricism”, p. 271.) 8 Cf. EDNA, Heidbreder, Psicologias do Século XX. 21 com a percepção da luz – experimentos com as velas acesas que sugeriam um crescimento progressivo das sensações em relação aos estímulos. A sensação não podia ser medida, mas o estímulo sim, estabelecendo-se agora, por essa via, uma relação quantitativa exata entre o mundo físico e o mental. O método experimental, que Fechner denominou de Psicofísico, permitiria enfim medir processos mentais de maneira quantitativa. Em 1860, publicou o livro Elemente der Psychophysik, que, juntamente com a inauguração do laboratório de Wundt em Leipzig, podem ser considerados os marcos iniciais da Psicologia como ciência. Hermann von Helmholtz, também médico e físico, foi talvez um dos mais importante cientista do século XIX, tendo sido assistente de Fechner por 20 anos em Leipzig. Helmholtz praticamente esgotou toda a literatura sobre ótica e sons. Seus trabalhos sobre a visão e a audição são referenciais do trabalho científico e revelaram a enorme complexidade de processos psicológicos considerados simples. Suas pesquisas foram úteis ao desenvolvimento da física, da fisiologia e da psicologia, de sorte que, por elas, em base experimental, Helmholtz fez evoluir sobremaneira o método de seu professor e publicou vários trabalhos científicos importantes, como os de fisiologia ótica, com os quais pôde provar que todos os fenômenos da visão colorida poderiam ser explicados fisicamente em função das três cores primárias (vermelho, verde e azul), opondo-se em plena Alemanha às correntes românticas que ainda então, seguindo a herança “fenomenológica” e subjetivizante de Goethe, resistiam à mecânica de Newton. Por esse viés positivista, o trabalho experimental desenvolvido na Alemanha e a antiga tradição empirista inglesa encontram uma base epistemológica comum.9 9 Helmholtz foi também o primeiro a medir a velocidade da corrente do impulso nervoso no clássico experimento com a perna da rã, que primeiro estabeleceu a velocidade entre o estímulo nervoso e a resposta muscular. As possibilidades psicológicas da experiência foram imediatas, ampliando a utilização de métodos aplicáveis à fisiologia para a observação dos fenômenos psicológicos da sensação e percepção e influenciando toda uma geração futura de pesquisadores, cientistas e intelectuais interessados nas questões referentes ao mental. Não por acaso, as bases laboratoriais de Helmholtz se sofisticaram cada vez mais. 22 Ressaltamos novamente o interesse desses pioneiros nas sensações e percepções, como se pretendessem dar conta ou encontrar explicações científicas para antigas teses empiristas. Wilhelm Wundt, herdeiro dessa tradição, segue para Leipzig em 1879 e inaugura seu famoso laboratório Instituto de Psicologia Experimental. Em seu livro Elementos de Psicologia Fisiológica, formula e elabora definitivamente uma Psicologia Experimental, na qual a experiência psicológica imita claramente a fisiológica. A partir daí, a psicologia deixa de ser um ramo da filosofia ou da própria fisiologia e começa a trilhar seus próprios caminhos. Com rigor intelectual e científico, Wundt ocupou-se em organizar e sistematizar o conhecimento anterior, fato que lhe valeu o título de “pai da moderna psicologia”. No final do século XIX, aprender a “nova psicologia” significava estudar os processos mentais pelos métodos experimentais e quantitativos. Essa novidade nos meios acadêmicos constituía uma nova “fronteira da ciência”, com a promessa de aliar rigor introspectivo e recursos dos laboratórios de fisiologia na análise minuciosa de sensação e percepção. A Psicologia de Wundt é então a ciência da mente, também denominada por alguns autores como ciência da consciência ou dos conteúdos mentais. Os elementos da mente não teriam uma essência por si só, devendo ser conhecidos os elementos dos sentidos que, associados, formariam a consciência. Em certa medida, é como se a mente, organizada pela experiência passada, fosse um reservatório de experiências acumuladas e associadas umas às outras – experiências que, de maneira isolada, não permitiriam o conhecimento do todo. Em que pese o método utilizado ser o das ciências positivas, estão presentes em Wundt as idéias de consciência e de fenômenos mentais, mesmo que passíveis de observações e medições por meio de experiências reproduzidas em laboratórios, de sorte que para Watson a psicologia experimental, conquanto apresentasse um bom caminho, só poderia ser repudiada em sua fundamentação teórica. A herança será recolhida com cautela, como 23 se uma ganga bruta metafísica devesse ser purgada dos bons resultados empíricos. Como veremos, laboratório e metafísica parecer-lhe-iam incompatíveis, como se a mera prática experimental não pudesse conjugar-se com pressupostos metafísicos. Dessa forma, essa história rápida, deveras manualesca, não nos impede de flagrar uma tensão constitutiva, bastante semelhante à que constituirá a tarefa de um empirismo lógico. A história da psicologia, mesmo sob influxo experimental, nada tem de linear e pode seguir caminhos inusitados. Contemporâneo da geração erudita a que pertencera Wundt, Franz Brentano postulou, por exemplo, uma “Psicologia do Ato”, que afirmaria serem os processos psíquicos atos que dizem respeito a ou são orientados pelos objetos. Ou seja, não haveria consciência em sentido estrito, uma vez que seus atos, em vez de desdobrados sobre si, seriam necessariamente relacionais – com o que alguma reflexão filosófica, mesmo apontando para uma nova direção, parece ainda condicionar o trabalho experimental. Um processo psicológico é um ato e não um conteúdo. Enquanto tais, os atos não podem ser estudados a partir da introspecção. O ato de ouvir um som é um processo psicológico, o som ouvido é o conteúdo do ato. Observar os atos, sem recorrer à introspecção analítica ou ainda às medições da ciência positiva, inauguraria um ponto de vista estritamente empírico, a um só tempo fenomenológico e empírico. Vale notar que, mesmo nessa vereda, uma cientificidade qualquer deve recusar o simples caminho da introspecção, não se retornando com Brentano a uma psicologia meramente especulativa. Uma desconfiança sobre a consciência e uma crítica à singularidade do humano, ao menos, à uma possível postulação de uma singularidade que o torne infenso a um tratamento experimental. 24 Esses traços são comuns nessa época a correntes muito afastadas. Segundo Peter Gay10, na biografia que escreveu sobre Freud, este se interessou por filosofia sob a influência direta de Brentano, que o levou inclusive a fazer uma tradução da lógica de Stuart Mill. Temos projetos claros nesse tempo de subordinação do psíquico ao experimental, de leitura sistemática de seus traços mensuráveis, de seus índices, disso que, é claro, se manifesta. A menção a Brentano, filósofo e cientista tão marcado pela tradição aristotélica, mas também pela psicologia empírica,11 deve ser compreendida aqui como reposição de um sistema de referências, em meio às quais até as correntes divergentes encontram linhas comuns. Aliás, em sentido lato, o próprio Freud pode ser considerado herdeiro dessa corrente que marca o surgimento da psicologia, pois sabemos o quanto suas pesquisas iniciais giravam em torno dos laboratórios de fisiologia, em detrimento a prática da medicina, pois, como ele próprio enuncia, havia escolhido “maltratar os animais ao invés de torturar os humanos”.12 Reforçando essa idéia, Freud afirma, em carta ao seu amigo Silberstein, em 1874, “não sou mais um materialista e também não sou um teísta. Sou um estudante de medicina ateu e um empirista”.13 Enquanto isso, em 1890, nos Estados Unidos, William James publicava seu livro Princípios de Psicologia, um dos maiores e mais completos tratados sobre o tema escritos até aquela época. De certa forma, a obra meio filosófica e meio científica de James parece favorecer uma transição. O 10 Freud, Uma vida para nosso tempo, p. 44 e seguintes Brentano é, em sentido forte, um homem de seu tempo, capaz de ser eloqüente interprete de Aristóteles e da psicologia empírica, tendo comentado Freud certa feita: “sujeito danado de esperto e intrigante esse Brentano, pois acreditava em Deus e em Darwin ao mesmo tempo” (Freud, Uma vida para nosso tempo: p. 44 e seguintes). 12 A propósito dos trabalhos experimentais em laboratórios, os primeiros trabalhos científicos de Freud foram sobre fisiologia (o possível hermafroditismo das enguias), realizados ainda na condição pesquisador bolsista. 13 Gay, Peter , Freud, Uma vida para nosso tempo: p. 44 e seguintes. Nessa época Freud era um admirador de Darwin e Helmholtz e um entusiasta do positivismo médico que, assim como a psicanálise, diria mais tarde, dedicam-se à busca da verdade e ao desmascaramento das ilusões. Ou seja, nem a própria psicanálise, que postula um estatuto próprio, ficou isenta e imune aos apelos dos empiristas e positivistas presentes de maneira evidente nos primórdios da psicologia. 11 25 próprio Watson a considera uma psicologia de transição, pois ainda mostraria sinais de metafísica, embora já fosse um movimento orientado para a ciência.14 James, antes mesmo de Freud, estabelece a primeira concepção da psicologia moderna que considera a dinâmica dos processos mentais e recusa, em certa medida, a dicotomia mente-corpo: O todo não pode ser reduzido à soma de seus elementos, ele possui características de todo, enquanto todo. E, assim sendo, a psicologia é a ciência da vida mental, tanto em seus fenômenos quanto em suas condições.15 Por divergentes que sejam essas posições, parecem estar em diálogo, como se constituíssem uma comunidade de cientistas ainda sem ciência. Não por acaso, esse amálgama de posições tem, além de relações de continuidade histórica e de relações internas de dependência e diálogo, um traço unificador externo, mas especialmente importante para nosso trabalho. Esse conjunto de referências constitui o meio intelectual em que se elabora enfim o behaviorismo, mas também todo ele é composto de autores e obras conhecidos de Wittgenstein, como se fora um pano de fundo contra o qual ele pode realizar sua reflexão sobre comportamento e significação, mas também se trata de um manancial de exemplos e de peças do vocabulário com que articula sua reflexão. Acreditamos, assim, após esse breve resumo sobre os primórdios históricos da 14 Alguns historiadores da psicologia afirmam que o interesse de James era mais do que fazer da nova psicologia uma ciência. Era fazer com que a nova ciência fosse a psicologia. Se não vejamos: James iniciou sua carreira acadêmica como biólogo em Harvard, onde ensinava anatomia. Foi parar nos laboratórios de psicologia experimental. Ao iniciar os Princípios, que levou 12 anos para ser escrito, declarava-se empirista e acreditava que a experiência é o ponto de partida para a verificação do pensamento, mas recusava o determinismo da mesma, na medida em que não concordava com os conceitos de sensações e idéias simples postulados pelo empirismo, acreditando ser certo que o ponto de partida é a experiência, mas que esta se apresenta como uma torrente e não como uma simples sensação. Ressaltou a importância da consciência, embora lhe atribua algumas características, como ter caráter pessoal, dinâmico e mutável, ser sensivelmente contínua e seletiva, e tratar de objetos externos a ela. Posteriormente, James interessou-se cada vez mais pela filosofia, disciplina que também lecionou, pois, segundo ele, “todas as perguntas merecedoras de respostas estão na filosofia”. 15 As posições de James a respeito do conhecimento apontam para uma postura empirista, pois sempre deixou muito claro ser a experiência o ponto de partida para a verificação do pensamento, embora, em certa medida, recusasse o determinismo, aceitando a produção de conteúdos mentais com independência de seus correspondentes empíricos. 26 psicologia, estar preparado o terreno sobre o qual Wittgenstein pisará, quando, retornando à filosofia em 1929, diz estar interessado no campo visual e em problemas semelhantes, mas também esse solo apresenta um conjunto de referências próprias do surgimento do behaviorismo, que virá a propor uma visão divergente dos movimentos iniciados em Leipzig e também nos Estados Unidos, mas uma visão que também parece comportar extrema semelhança de família. O Behaviorismo e seus Pressupostos Se Deus tivesse olhado em nossas almas, não poderia ter visto lá, de quem falávamos. Ludwig Wittgenstein 16 O Behaviorismo surgiu no começo do século XX. Reação ao dualismo e, ao mesmo tempo, programa de investigação, ele se oferecia como a melhor realização científica para uma psicologia. Com ele, a psicologia encontraria seu objeto de estudo mais preciso e mensurável, de modo que o comportamento passaria a valer por ele próprio, e não como indicador de alguma outra coisa, como indício da existência de alguma outra dimensão, essa sim significativa. A nova postura permite descartar indesejáveis pressupostos metafísicos, mediante ademais uma postura epistemológica completamente alinhada ao positivismo vigente. O Behaviorismo configura-se então contra dois alvos, o mentalismo e o introspeccionismo. Um mentalismo que faria toda 16 Investigações Filosóficas, p. 210 27 significação residir em uma dimensão etérea e íntima, ao qual o introspeccionismo se voltaria como o mais natural correlato e como a mais forte exigência metodológica. Em 1912, Watson postula: Por que não fazemos aquilo que podemos observar, o corpo, de objeto de estudo da Psicologia? Com isso, caberia ao cientista opor-se a quaisquer tentativas de aceitar explicações com origem interna ou mental ao comportamento humano, passando a estudá-lo por si mesmo. A proposta metodológica envolvia o uso de procedimentos objetivos na coleta de dados, a rejeição à introspecção e a realização de experimentos cujos resultados seriam relatados por observadores treinados. Observação, pois, tornou-se uma operação fundamental para o Behaviorismo, com a qual se decanta seu objeto, expurgado enfim de uma coloração subjetiva. No que importa à explicação científica, todo essencial se resolveria na observação, em contraponto à qual se define a categoria comportamento, seu objeto de estudo. Comportamento é, pois, o observável e, por definição, o observável pelo outro, isto é, o externamente observável. O comportamento pode comportar ainda muita ganga metafísica, é preciso ainda determiná-lo, sem o que uma psicologia comportamental pouco mais seria que uma carta de boas intenções. Para ser objeto de estudo do behaviorista, deve ocorrer afetando os sentidos do outro e, sobretudo, deve poder ser contado e medido pelo outro, com o que ganha visibilidade autenticamente científica. Não por acaso, em observação, importa sobretudo a concordância entre os observadores e, portanto, a necessidade de um treino rigoroso nos procedimentos de registro e análise. A visão, por assim dizer, signo máximo da interioridade, do olhar que tradicionalmente escrutina o mundo a separar semelhantes e diferentes, é agora redefinida, devendo ela mesmo ser objetiva. Por isso, a ênfase no procedimento de medida, com o que, para o Behaviorismo, tem pouco sentido separar procedimentos metodológicos que singularizam a objetividade do ver e a secreção ontológica decorrente desse visto, no caso, a eliminação de alguma espessura 28 ontológica, de qualquer dimensão que, por alguma arte íntima, pudesse furtar-se à visão. O behaviorista metodológico não nega a existência da mente, mas lhe recusa status científico, ao afirmar que não podemos estudá-la pela sua inacessibilidade. O silêncio, porém, nada tem de inocente nesse caso, e dificilmente a separação pode ser mantida coerentemente de um ponto de vista behaviorista, devendo resultar a restrição no poder ver na prescrição limitativa do que pode ser visto. O behaviorismo conviveria aqui dificilmente com uma metafísica mínima. As primeiras propostas de Watson, apresentadas à comunidade formalmente em um texto de 1913, já tratavam a psicologia anterior como uma ciência discutível pelo fato de seus métodos de investigação, ao contrário dos métodos da física e da química, se servirem de algum tipo de esoterismo, uma vez que o recurso à introspecção parecia dotar o observador de um certo poder para “ver” os processos mentais do outro: Acredito que podemos escrever uma psicologia e nunca empregar os termos consciência, estados mentais, mente, conteúdo introspectivamente verificável, imagens, e assim por diante. Isso pode ser feito através de estímulo e resposta, através de formação de hábito, 17 integração de hábito, e assim por diante. Ou seja, num sistema de psicologia inteiramente desenvolvido, dada a resposta, é possível retrodizer o estímulo; dado o estímulo, é possível predizer a resposta. Watson até admite que a proposta apresenta um conjunto de argumentos aparentemente grosseiros, mas não mais grosseiros que os contidos nos manuais de psicologia da época. Parece, com efeito, ter razão Emílio Mira y Lopez na apresentação da obra de Watson (El Conductismo), ao ressaltar que se poderia contar nos dedos de uma mão os livros de psicologia 17 WATSON, John Broadus - publicado em Psychological Review, número 20, pág. 158-177, 1913, sob o título "Psychology as the behaviorist views it" – Esse texto de John Watson é considerado o manifesto de fundação do Behaviorismo 29 escritos até então, no século XX, capazes de competir com a coragem e a clareza de Watson. Justifica tal afirmação por ser a obra completamente antagônica a de Freud, uma vez que agrupa toda a matéria de estudos psicológicos na mesma superfície visível e corpórea do sujeito, em vez de submergi-la no misterioso e insondável abismo dos virtuais espaços inconscientes do universo pessoal, como fez, em suas palavras, o hermético e pessimista gênio austríaco. Mira y Lopez admite textualmente que, em certa medida, tanto Freud quanto Watson, teriam ambos lutado contra a “consciência”, quase a invalidando como fundamento de qualquer explicação científica psicológica. Psicanálise e behaviorismo seriam assim escolas psicológicas que, apesar de suas extraordinárias divergências conceituais e metodológicas, estariam incluídas no marco das chamadas doutrinas naturalistas, contra as quais dirigem seus dardos forças importantes da filosofia e da religião. Mira y Lopez afirma ainda que a psicologia infantil deveria mais às obras de Watson e de Freud do que a maioria dos estudos psicológicos realizados até então por seus opositores sistemáticos. O prefácio de Mira y López é importante. Afinal, ao comparar o behaviorismo com a psicanálise, ele confere ao primeiro estatuto, prestígio e importância equivalentes aos que a segunda já detinha naquele momento. Além disso, associa a obra de Watson ao trabalho dos psicólogos soviéticos, que, naquele momento, realizavam experimentos em laboratórios, propondo uma alternativa a uma psicologia carente de métodos experimentais considerados sérios. Watson, por sua vez, na introdução do livro, já nos chama a atenção para o fato de a história do movimento behaviorista, desde o início em 1912 com suas conferências em Columbia, ser obrigada a suportar tão implacável tempestade de críticas. Julga, então, que o motivo de tais investidas devese ao fato de, naquela época e já em seus primeiros escritos, “ter apresentado o principal objetivo do behaviorismo de modo bastante claro: aplicar ao estudo experimental do homem iguais 30 procedimentos e a mesma linguagem descritiva”18 que muitos investigadores haviam utilizado com êxito durante longos anos apenas no exame de animais inferiores ao homem, por acreditarem que o homem é um animal distinto dos demais unicamente em suas formas de comportamento. Ao enunciar o objetivo do behaviorismo desta maneira, Watson acredita ter provocado uma resistência muito semelhante à que suscitara a primeira edição da Origem das Espécies de Darwin. Coloca-se assim em companhia científica louvável, procurando beneficiar-se até da resistência que eventualmente suscitaria ao classificar os seres humanos junto a outros animais. Os humanos estão sempre dispostos a acreditar que, mesmo sendo também animais, possuiriam algo mais. E é exatamente esse pretenso e inefável algo mais o culpado de todo o transtorno. Esse algo mais encobre ou envolve, segundo Watson, o que se chama de religião, vida futura, moral, amor aos filhos, aos pais, à pátria, etc. Admitir os pressupostos e métodos behavioristas significa então, segundo sua retórica guerreira, renunciar a velhos costumes consagrados e abandonar essa cômoda psicologia introspectiva que se ajusta aos hábitos estabelecidos e utiliza uma linguagem obscura. Com isso, julga Watson, mesmo o behaviorismo não tendo obtido um franco reconhecimento, exerceu uma profunda influência durante seus dezoito anos de existência e orientou toda uma bibliografia, contra ou a favor de suas teses. 18 Talvez tenhamos aqui, na proposta de utilização de uma linguagem descritiva ou fisicalista para os fenômenos da significação, um ponto de tangência entre as teses behaviorista e a filosofia da psicologia de Wittgenstein. Ou seja, Wittgenstein parece chamar-nos a atenção sobre as dificuldades, perigos e armadilhas ao se tentar descrever o que poderia pertencer à consciência, por meio da linguagem, sem recorrer a entidades extralingüísticas, como, por exemplo, o comportamento que, é claro, acompanha concomitantemente a linguagem. A linguagem descritiva chegou mesmo a ser proposta como solução para determinados usos dos pronomes pessoais de primeira e terceira pessoa, no sentido de garantir “condições de verdade” a tais proposições. Tais usos da linguagem descritiva ou fisicalistas são apropriados e utilizados pelos filósofos do Circulo de Viena e seu uso original atribuído a Wittgenstein, como veremos mais adiante. 31 Consciência e Introspecção Tal como Watson o reproduz, o cenário da psicologia nas universidades norte americanas, nos primeiros anos do século XX, seria dominado pela psicologia introspectiva. Esta, porém, com a morte de William James (referência de Harvard) em 1910 e a de Titchener (referência de Cornell) em 1927, teria ficado órfã de um verdadeiro guia espiritual. Seus fundamentos seriam comuns e, apesar de apresentarem diferenças entre si, as visões de James e Titchener eram ambas de origem germânica e, mais importante, proclamavam que o objeto de estudo da psicologia é a consciência. O behaviorismo, ao contrário, sustentaria ser o comportamento humano o objeto de estudo da psicologia, não sendo necessário nem útil o conceito de consciência. E, como recebeu formação experimental, o behaviorista reconheceria na crença em uma consciência camadas de superstição e magia, sendo responsável tal conceito – herança de um temeroso passado selvagem – por retardar o nascimento e o desenvolvimento de uma psicologia científica. A doutrina oposta ao behaviorismo poderia então ser anatematizada como amálgama de conceitos religiosos, como expressão acadêmica, mas nada científica, da crença em que todo indivíduo possui uma alma, separada e distinta do corpo, ou seja, uma expressão do antigo dualismo. Wundt, verdadeiro pai da psicologia experimental, deu início em 1879 ao desenvolvimento da psicologia moderna. Porém, na visão de Watson, essa nova psicologia representa ainda uma transição entre o dualismo filosófico e a psicologia científica e, por essa razão, não teria podido apontar com clareza o caminho para a solução do problema mente-corpo. Isso não significa que nenhum tenha sido dado. Toda ciência está ameaçada se seu objeto não logra uma mínima visibilidade. Assim, algum passo está presente na substituição da alma pela consciência, caso 32 suponhamos que esta, ao contrário daquela, não seria completamente inobservável. Um avanço, portanto – estando a consciência, como que desprevenida, ao alcance da introspecção.19 Esse pretenso avanço, entretanto, é para o behaviorismo um grande equívoco, claramente presente já na definição de psicologia formulada por William James, circunscrita como a descrição e explicação dos estados de consciência enquanto tal. Para o behaviorismo, isso seria pouco mais que uma petição de principio, que, obviamente, suporia dado o que está em questão: Consciência, oh sim! Todos devem saber o que é esta consciência? Somos conscientes quando experimentamos a sensação do vermelho, ou uma percepção, um pensamento, 20 quando queremos fazer algo. Como os que outrora investigavam a alma, seriam igualmente ilógicos os que ora cultuam a introspecção, incapaz de produzir suficiente visibilidade científica. De forma semelhante à concomitante afirmação da sociologia, que pouco acrescenta enquanto não materializa a expressão de uma consciência coletiva em dados objetivos, como os passíveis de registro de variações concomitantes. A “consciência coletiva”, como a individual, só poderia dar-se fora, caso seja objeto de uma ciência. O behaviorismo vai logo questionar a objetividade dessa instância cujo acesso se daria apenas pela introspecção. Caso vejamos nosso interior, cientificamente, ele não nos diria nada. Caso contrário, a postulação da consciência teria como resultado a impossibilidade de aproximação experimental e de observação metódica, sem as quais, todavia, em sentido estrito, não pode haver 19 Cf. Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 22. Wundt fizera uma enorme quantidade de discípulos. Como depois significou muito ir a Viena à procura de Freud, em 1890 era importante ir a Leipzig estudar psicologia experimental com Wundt. Vários discípulos retornaram aos Estados Unidos para fundar os laboratórios de Universidades como a John Hopkins, Pensilvânia, Columbia, Clark e Cornell – todos equipados para lutar com esta coisa esquiva (quase como a alma) chamada consciência. 20 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 22. 33 ciência. Então, para o behaviorismo de Watson, a chamada psicologia introspectiva germânica estaria fundada sobre hipóteses falsas, não podendo alcançar resultados verificáveis nenhuma psicologia que venha a incluir em seu escopo o dualismo religioso mente-corpo. Tomando então como exemplo o progresso alcançado na medicina, na química e na física, Watson procurou delimitar o objeto e uniformizar o método de investigação, varrendo, no seu ponto de vista, todas as “concepções medievais” e retirando do vocabulário científico da psicologia termos subjetivos, como sensação, percepção, imagem, desejo, intenção e, inclusive, pensamento e emoção. Para Watson, respeitando a regra de descrever o que se vê em termos de estímulo e resposta,21 o behaviorista deve perguntar: Por que não fazer do que podemos observar o verdadeiro campo da psicologia? Limitar-se a observar e formular leis relativas somente a essas coisas. E que coisas podemos observar? Somente o comportamento – o que o organismo faz ou diz. E falar é fazer, isto é, comportar-se. Falar de modo explícito a nós mesmos (pensar) representa um tipo de 22 conduta tão objetivo como o beisebol. Linguagem e Pensamento Uma das principais diferenças entre os homens e o animais, segundo Watson, consiste em que os primeiros tiveram a capacidade de desenvolver e utilizar certos dispositivos manuais, que lhes possibilitaram o domínio do mundo. Porém, a destreza manual adquirida não seria privilégio dos homens, uma vez que é perfeitamente possível: 21 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 24. Watson, John Broadus, El Conductismo p. 23. Em certa medida, vale notar, podemos reconhecer aqui outra possível e importante semelhança entre o behaviorismo e o que pensa Wittgenstein, considerando ambos a linguagem um conjunto de práticas regidas por regras específicas (mas não prontamente especificadas), como, por exemplo, num jogo. 22 34 ensinar um elefante a carregar e descarregar pesadas toras de madeira ou até mesmo ensinar um chipanzé a andar de bicicleta com graça, desviando-se de uma série de garrafas 23 colocadas em seu caminho, dentre muitas outras coisas. A diferença reside mesmo no campo dos hábitos da linguagem – hábitos que, quando exercidos por detrás das portas cerradas dos lábios, chamamos de pensamento. Tais hábitos, quando apreendidos pelos homens, não permitem aos animais nenhuma possibilidade de competição. Na visão de Watson, apesar de sua aparente complexidade, a linguagem é apenas um tipo de conduta muito simples, no caso, uma conduta operada graças a um complexo fisiológico existente no interior da garganta, mais especificamente na laringe, denominado cordas vocais. Assim, ao invés de manipularmos com nossas mãos estes instrumento, nós o fazemos por meio de músculos específicos que expulsam o ar de nossos pulmões, produzindo uma vibração nas cordas vocais que emitirá um som, similar ao processo de afinar um violino, por exemplo. Ao som emitido, chamamos de voz. Todo esse complexo aparelho fisiológico entra em ação quando a criança grita pela primeira vez. A tese behaviorista sobre a aquisição da linguagem é a mesma, e não poderia deixar de ser, sobre a aprendizagem de um modo geral, ou seja, aprendemos a falar por meio de estímulos externos apropriados que, num processo mais lento que o do desenvolvimento dos hábitos manuais, nos levam a gradativamente substituir os sons iniciais (que são similares aos dos animais) por palavras específicas. Watson justifica sua tese apresentando um experimento com um bebê que associa um determinado som, repetido diversas vezes, a um comportamento físico desejado, diante de um 23 Watson, John Broadus, El Conductismo, p.214 35 objeto (uma vasilha com água para beber) e, ao final de um determinado período, não só é capaz de reproduzir o som na presença do comportamento físico, como também é capaz de realizar a operação inversa. O procedimento é repetido uma vez por dia durante três semanas, tempo necessário para que a criança associe a palavra estímulo frente ao objeto e ainda manifeste o comportamento de beber água. Após esse período de tempo, a criança já era capaz de apresentar o comportamento de querer beber água ao ouvir a palavra estímulo mesmo quando o objeto correspondente não estava presente (a vasilha com água). Resumindo, para Watson, as palavras são substitutas de objetos e situações, e são aprendidas por meio da fórmula básica do behaviorismo: E..........................................................R 24 Onde: E representa um estímulo externo (que, no caso em questão, é a vasilha com água) e R o som emitido pela criança (dada) que corresponderia ao comportamento de querer beber água. Estão presentes aqui dois importantes operadores, para as quais Watson chama nossa atenção: a imitação e o hábito – que levaram a criança a estabelecer simultaneamente um repertório acumulativo de palavras, frases e orações. Em que pese esses operadores serem fundamentais para a aquisição da linguagem e o esquema estímulo-resposta apresentar a mesma validade e aplicação como no caso dos hábitos manuais, existem ainda as respostas não apreendidas e incondicionadas, cujos estímulos fundamentais ainda nos escapariam: “(...) podemos conseguir fazer um cão latir, mas não sabemos que botão apertar no corpo de uma criança para que a mesma emita os sons da, bu-bu e etc”25. O que deve ser feito é esperar que a criança emita estes sons, aproximá-los de alguma palavra usual e associá-los a algum objeto. 24 25 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 219. Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 219. 36 A criança é, enfim, condicionada a adquirir hábitos verbais por meio do tradicional esquema estímulo-resposta presente no condicionamento, tanto em relação às palavras mesmas, como em relação à pronúncia e inflexão – fato que, para Watson, é evidente quando levamos em conta as diferenças regionais de sotaque, por exemplo. Antecipando-se a questões que obviamente poderiam refutar sua tese, Watson afirma que o que dificulta o condicionamento do adulto a, por exemplo, ter mais dificuldade em aprender outra língua, é o fato de seu “aparelho fonador”, do ponto de vista fisiológico, não ter mais a mesma flexibilidade muscular da criança. De um ponto de vista fisiológico, Watson afirma que, contrariamente ao que ocorre com hábitos manuais de apanhar ou alcançar objetos com as mãos, que se iniciam aproximadamente após 120 dias contados a partir do nascimento e com 150 dias já estão bem desenvolvidos, o hábito vocal começa em idade mais avançada e se desenvolve com maior lentidão. Neste período, deveríamos introduzir a criança nas convenções verbais de seu grupo. Todas as palavras de nosso dicionário seriam formadas a partir dos sons não apreendidos emitidos inicialmente pela criança (unidades de respostas), que, por meio do condicionamento, formariam nosso repertório lingüístico futuro: “Todo discurso com palavras eloqüentes ou fáceis ditas em um discurso apaixonado, não são mais que sons infantis não aprendidos reunidos por paciente condicionamento durante a infância e juventude”.26 Assim sendo, à medida que a criança cresce, vai estabelecendo uma resposta verbal condicionada para cada objeto e situação de seu ambiente externo; porém, este condicionamento não ocorre em relação aos estímulos internos pelo simples fato de os adultos a seu redor carecerem de palavras 26 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 220 37 para nomear tais estímulos, chamados de “inconsciente” (aspas do próprio Watson). Na visão do behaviorista, para que todo esse processo ocorra, é de capital importância que cada objeto e situação do ambiente externo tenha um nome: as palavras não só são suscetíveis de suscitar – e com efeito suscitam – outras palavras, frases e orações no adulto normal, como inclusive podem provocar toda sua atividade manual. E em relação à possibilidade de provocar respostas, as palavras funcionam 27 exatamente como fazem os objetos na medida em que são substitutos desses. Para melhor ilustrar sua tese, Watson cita um personagem de Jonathan Swift que, não podendo ou não querendo falar, levaria consigo uma sacola com todos os objetos de uso comum e, ao invés de falar para influenciar a conduta de alguém, tirava da sacola o objeto correspondente e simplesmente o exibia. Não contendo seu entusiasmo com esta descrição de linguagem, Watson afirma ainda que, teoricamente, todo ser humano adulto ou pronto chega a possuir em si mesmo28 um substituto verbal para todo objeto existente e carrega consigo, portanto, todo o mundo, podendo manejá-lo mesmo no isolamento escuro de seu quarto quando está em sua cama. No caso, dispor de substitutos verbais para os objetos comuns a todos representaria uma grande economia de tempo e vantagem para cooperação social. Todo este processo de substituição dos objetos pelas palavras que os designam, segundo Watson, estará presente da mesma forma quando nos depararmos com um objeto ou um estímulo que há muito tempo não víamos, ou seja, repetiremos as mesmas ações, pronunciaremos as mesmas palavras e exibiremos a mesma conduta visceral-emocional que havíamos adquirido na presença do estímulo pela primeira vez. Esta seria, simplesmente, uma definição de memória. Por sua feita, 27 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 222 Se seguirmos ao pé da letra os postulados behavioristas de Watson, as expressões “possuir em si mesmo” e “carregar consigo” não deveriam fazer sentido, ou melhor, talvez não devessem sequer ser utilizadas, pois parecem carecer de comportamentos externos concomitantes e, portanto, observáveis; mas, como estão no texto do próprio Watson (como se fora um cochilo mentalista), decidimos mantê-las, até para mostrar quão difíceis são a proposta e o empreendimento behaviorista de construir uma psicologia sem recorrer às noções internas de mente e de sujeito. 28 38 o conceito behaviorista de pensamento é quase que uma extensão e, certamente, uma decorrência direta do conceito de linguagem, apresentado em um recanto mais íntimo.29 Se o processo da fala é decorrente de um aparelho fisiológico fonador composto por boca, faringe, laringe etc., que, devidamente estimulado, vai substituindo aos poucos os sons iniciais não apreendidos por palavras, frases e orações, Watson se antecipa a possíveis objeções, avisando que, obviamente, o processo do pensamento não ocorre na laringe, pois, segundo ele, não é difícil comprovar que muitas vezes se pode extrair a laringe sem destruir a atividade de pensar de uma pessoa. Porém, insiste na tese de que os hábitos musculares aprendidos na linguagem explícita são os mesmos que possibilitam o pensamento ou linguagem interior, e que o número, a variedade e a complexidade desses hábitos fisiológicos é tão grande que nenhum psicólogo pode captar – afinal, “cada uma das respostas corporais e todas elas são suscetíveis de converter-se em um substituto verbal”.30 Depois de vários exemplos que pretensamente corroborariam seus postulados sobre o pensamento, Watson indaga: têm os atos, enfim, algum significado? Defronta-se, com isso, com uma das mais importantes críticas dirigidas ao behaviorismo, que, segundo seus opositores, não conseguiria explicar o significado dos atos. Ora, a objeção tão-somente o favorece. Se o behaviorismo não pode fazer afirmações a seu respeito, isso se deveria a não admitir, em suas premissas, que os atos possam significar algo, porquanto essa seria uma idéia pertencente à filosofia ou à psicologia introspectiva, para as quais o significado de uma idéia não pode ser mais que outra idéia. Um absurdo lógico, pelo qual a psicologia introspectiva nos levaria a uma 29 30 Cf. Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 226. Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 227. 39 regressão ao infinito e faria a questão do significado, de que tanto faz o elogio, carecer de qualquer conotação científica. O behaviorismo seria mais apto a lidar com a questão da significação, que exatamente parece desconsiderar. Entretanto, se admitirmos que ‘significado’ é apenas uma das diversas maneiras que o indivíduo tem de reagir frente a um objeto, o behaviorismo pode ser bem sucedido nesse campo outrora enigmático. Por outro lado, se ‘significado’ é somente uma das formas de expressar o que o indivíduo está fazendo, a palavra ‘significado’ deixa de ser necessária, salvo se usada como mera expressão literária. O mesmo raciocínio pode ser utilizado, por exemplo, para a palavra ‘atenção’. Watson propõe ainda outra questão importante para nossa breve análise sobre os pressupostos behavioristas a respeito de linguagem e pensamento. Pensamos sempre com palavras ou pensamos com todo nosso corpo?31 Por todo o exposto, não é difícil apontar com segurança para a segunda parte da pergunta como sendo a resposta correta na visão behaviorista, e a tese é simples. O indivíduo adquiriu simultaneamente três grupos de hábitos e responde aos estímulos sempre de forma integrada, utilizando tais grupos de maneira simultânea. Os três grupos seriam a organização manual, a organização verbal e a organização visceral. “Quando um indivíduo reage frente a um objeto ou uma situação, é seu corpo inteiro que reage a um tempo e toda e cada vez que o corpo reage é como uma função completa e integral”.32 31 32 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 237 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 238 40 Os três sistemas de hábitos funcionam pois separada mas independentemente. Quando um indivíduo joga golfe, é possível verificar e observar as três organizações funcionando simultaneamente. Mãos, pés, tronco, braços e dedos posicionados representam a organização manual. A linguagem explícita, murmurada ou sub-vocal, após cada jogada, representa a organização verbal. E as mudanças na circulação do sangue, no tônus muscular, no funcionamento do coração, dos pulmões etc., representam a organização visceral. Nesse caso, em perspectiva científica, é difícil separar a significação (no que pode ter de relevante para o fechamento de um ato, para sua identidade) de sua coincidência com comportamentos. Reagiríamos verbalmente, de forma implícita ou explicita, de modo inicial, frente a quase todas as situações (um certo domínio das reações verbais). Porém, logo se seguem as reações manuais e viscerais, podendo ser separadas, de modo consecutivo, em condicionamentos primários e secundários de reações frente a determinadas situações ou estímulos: “a organização verbal constitui uma parte íntima da organização total que intervém na aprendizagem do jogo”.33 Watson conclui então que, se aceitarmos a opinião de que verbalizamos nossos atos manuais, teremos um novo critério para conceber a memória, sendo esta o funcionamento da parte verbal de um hábito completo. Tomemos o exemplo de uma música executada ao piano. Na medida em que tocamos várias vezes uma seqüência de notas (hábito estabelecido), será bastante a nota inicial para pôr em funcionamento a resposta manual aos estímulos visuais. Enquanto se vêem as notas (numa partitura, por exemplo), elas funcionam como estímulo a uma resposta manual; porém, após o estabelecimento do hábito, uma nota sozinha servirá de estímulo, não só para uma resposta 33 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 240 41 manual, mas também para a próxima nota, como se a solicitasse. Uma próxima nota que terá, nesse momento, não mais o caráter de estímulo, mas sim de resposta visceral, como se, fazendo funcionar a organização de forma integral, o corpo inteiro perfizesse um ato significativo. Em suma, seguindo de perto a descrição de Watson, uma enorme quantidade de hábitos manuais se forma durante a infância sem seus paralelos hábitos verbais. Uma quantidade muito maior de organizações viscerais está em constante formação sem organização verbal na infância e por toda a vida, organizações não verbalizadas que correspondem ao suposto “inconsciente” freudiano ou aos “processos afetivos” dos que pregam a introspecção. Segundo a regra evolutiva, uma vez alcançada a idade correspondente, a organização verbal, a manual e a visceral se formam simultaneamente. Uma vez estabelecida a partir da verbalização do manual, a organização verbal se torna dominante pois o homem tem que resolver seus problemas verbalmente. A partir daí, um estímulo verbal poderá provocar qualquer resposta organizada do organismo ou modificar qualquer atividade em marcha. A memória é qualquer exibição de uma organização manual, verbal ou visceral estabelecida antes do momento atual em que ocorre. Assim sendo, ser consciente é apenas uma frase popular ou literária descritiva do ato de nomear nosso universo de objetos internos ou externos, e a introspecção é apenas uma frase menos popular descritiva do ato de nomear as trocas que têm lugar nos tecidos, músculos, tendões, circulação, coração, etc., de modo que devem ser consideradas meras formas 34 literárias de expressão. 34 Watson, John Broadus, El Conductismo, p. 248 42 CAPÍTULO 2 Uma certa herança behaviorista Como se chega ao problema filosófico dos processos e estados anímicos e do behaviorismo? – O primeiro passo é inteiramente imperceptível. Falamos de processos e estados anímicos e deixamos indecisa sua natureza! Talvez venhamos a saber mais sobre ela – achamos. Mas, exatamente por isso, nós nos aferramos a um determinado modo de ver. Pois temos um conceito preciso do que quer dizer: conhecer mais de perto um processo. (O passo decisivo na arte do prestidigitador está dado, e nos pareceu mesmo inocente.) – E então se quebra a comparação que deveria fazer compreensíveis nossos pensamentos. Precisamos, pois, negar o processo ainda incompreendido em um meio ainda inexplorado. E assim, portanto, parecemos ter negado os processos mentais. E é claro que naturalmente não queremos negá-los! Ludwig Wittgenstein 35 Russell e a Análise da Mente Bertrand Russell deixou-se impressionar vivamente pelo behaviorismo, que chegou a colocar ao lado da teoria da relatividade, como se ambos, em alguma espécie de articulação, fornecessem um novo modelo para a abordagem científica do sujeito e do mundo. Talvez fosse um novo caminho para sua teoria do conhecimento, que antes experimentara um fracasso.36 Por esse caminho exótico, o behaviorismo encontra em Russell um canal de divulgação, sendo claro que esse pequeno livro de Russell (talvez o último texto importante de seu período verdadeiramente 35 Wittgenstein, Ludwig, Investigações Filosóficas, p. 108. Em 1921, publica The Analysis of Mind, cujo manuscrito inicial, aliás, como o registra em seu prefácio, fora lido e comentado pelo próprio Watson. Nesse mesmo prefácio, afirma ser seu objetivo “harmonizar duas tendências diferentes, uma no campo da psicologia, outra no campo da física, com ambas as quais – reitera – eu concordo” (Russell, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 1). 36 43 criativo) é uma das fontes fundamentais das futuras reflexões críticas de Wittgenstein acerca da filosofia da psicologia. Segundo Russell, os behavioristas tornaram a psicologia cada vez mais dependente da fisiologia e da observação externa e tendem a considerar a matéria como alguma coisa muito mais digna de crédito e indubitável do que a mente, adotando posições essencialmente materialistas, no que diz respeito ao método. O plano de seu texto é refutar a teoria largamente defendida (e, admite Russell, também aceita por ele durante muito tempo) de que a essência de tudo que é mental é alguma coisa estritamente peculiar chamada consciência.37 Sua análise inicial do que tradicionalmente é classificado como “mental” parte da tentativa de entendimento do que acontece quando cremos e desejamos, mas admite que sua posição a respeito do dualismo matéria-espírito, naquele momento, era similar à de William James, ou seja, de considerar que a substância do mundo não é nem espiritual nem material, e sim uma substancia neutra e mais primitiva que ambas. Nesse contexto, inicia seu exame da consciência, opondo psicologia convencional e behaviorismo. Na psicologia convencional, a consciência percorre o caminho já indicado pelo empirismo clássico, partindo da sensação ao pensamento, com mediações variáveis nos diversos autores de impressão, percepção, memória, idéias. Nesses casos, o pensamento, em seu sentido mais estrito, é a forma de consciência que consiste de idéias, enquanto opostas à impressão ou à simples memória, sendo a crença aquele tipo de consciência do que tanto pode ser verdadeiro como falso. Em meio a esse trajeto estaria, pois, a possibilidade de distinção entre conhecimento e erro. 37 Russell, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 5. 44 Uma forma de intencionalidade se afirma nesse momento. Se existem modos diversos de consciência, se múltiplo o mental, em formas até opostas como o prazer e a dor, todas as formas de consciência têm algo em comum, a saber, o fato de todas elas se dirigirem a objetos. “Somos conscientes de alguma coisa.”38 Ou seja, na psicologia tradicional, cujo representante mais sofisticado e puro seria Brentano, parece que a consciência é uma coisa e aquilo de que somos conscientes é outra. Neste caso, o objeto da consciência não necessita ser estritamente mental, embora a própria consciência deva necessariamente sê-lo.39 Os fenômenos psíquicos são, então, fenômenos que intencionalmente contêm um objeto em si mesmos – exceto, possivelmente, no caso do prazer e da dor. As teses de Brentano e da psicologia tradicional não se sustentariam, porém, contra a luz da psicanálise e da psicologia animal. O tripé ato-conteúdo-objeto, característico da psicologia tradicional, obrigar-nos-ia a admitir que não pode haver pensamento sem objetos. O objeto pode existir sem o pensamento, mas este não poderia existir sem o objeto. Ou seja, a relação a um objeto é a última e irredutível característica dos fenômenos mentais. A idéia expressa aqui é a de que o ato de pensar requeria, necessariamente, a existência de um conteúdo sobre o qual se pensa e que este conteúdo é formado por objetos que podem ser alguma coisa passada ou futura, imaginária ou real, ou até autocontraditória, como um quadrado circular. Porém, a conexão entre conteúdo e objeto seria sempre necessária para que o ato de pensar ocorra. 38 39 Russell, Bertrand. A Análise do Espírito, p. 5. Russell, Bertrand. A Análise do Espírito,, pg 7 45 Certamente, o interesse de Russell não é o de um simples cientista, sendo sua relação com a psicologia das mais enviesadas. Na verdade, essa ciência nova lhe interessa na exata medida de que pode projetar alguma luz sobre a natureza e a possibilidade do conhecimento. Assim sendo, inicialmente contrapõe-se ao que Brentano e Meinong denominam ato de pensar pelo fato de não se poder descobrir empiricamente nele ou dele deduzir logicamente aquilo que podemos observar. Sugere haver aqui uma certa ilusão gramatical nas proposições “Eu penso”, “Tu pensas” e “Fulano pensa”, na medida em que as consideremos como indicativas da análise de um só pensamento. Nestes casos, seria melhor afirmar um pensamento em mim da mesma forma que se pode afirmar chuva em algum lugar. O ato de Meinong seria a imagem do sujeito, de uma alma cheia de vida, na qual todavia, empiricamente, nada podemos observar que corresponda ao suposto ato. É claro que, mais uma vez, Russell precisa retornar à teoria do juízo, mesmo que este seja seu abismo, o ponto em que sua teoria não consegue libertar-se de seus fundamentos, sempre procurando corrigir os impasses de seu empirismo com mais empirismo. A tecla é a mesma. A descrição de pensamento só pode ser adequada se der conta de uma teoria do conhecimento (em especial, uma teoria do juízo) que permita mostrar as condições de possibilidade de dizer o verdadeiro, mas também o falso. É preciso recompor um modo pelo qual seja possível enunciar a inexistência de quadrados circulares, bem como a eventual falsidade de ser calvo o já inexistente rei da França. Em outras palavras, e tendo em conta mais especificamente seu texto de diálogo com o behaviorismo, é preciso fazer dialogar a psicologia com a explicação lógica da constituição dos juízos como ligação do pensamento a vários outros elementos que, juntos, lhe conformariam um 46 objeto, retornando aqui esse desafio apenas próprio da teoria do conhecimento e não da psicologia, qual seja, o ser possível, na pura imaginação, tecer pensamentos aparentemente sem objetos correspondentes. O ato de pensar um objeto sem conteúdo correspondente envolve dificuldades, uma vez que o conceito de objeto esteja estritamente ligado ao de matéria física. Nesse caso, teríamos o exemplo da imagem da audição, em que o som, embora realmente exista enquanto percepção com conteúdo, não se nos apresenta como um objeto empírico correspondente. Ao definir, no sentido popular, os termos objeto e conteúdo, Russell deixa mais claro seus exemplos: O conteúdo de um pensamento é o que se supõe existir em nossa mente quando, com o perdão do pleonasmo, pensamos o pensamento, enquanto que o objeto é, em geral, alguma coisa existente no mundo externo. A definição nos põe em meio ao embate clássico entre as teses idealistas e realistas a respeito da aquisição do conhecimento, com a indicação de que os idealistas tenderiam a suprimir o objeto, e os realistas a suprimir o conteúdo.40 Russell, entretanto, dá um passo no debate, aproximando-se de um James, cuja psicologia introspectiva não fora, segundo ele, voluntariamente paradoxal: Nos últimos vinte anos, desconfiei da “consciência” como entidade; de sete a oito anos tenho sugerido sua inexistência a meus alunos, e tentei dar-lhes seu equivalente pragmático em realidades de experiência. Parece-me que é chegada a hora para que seja 41 aberta e universalmente banida. 40 Na solução de William James, considerada revolucionária por Russell, o que foi denominado um dia como alma teria sido gradualmente refinado até chegar ao “eu transcendental”, que apresenta uma condição inteiramente espectral, sendo apenas um nome para o fato de que o conteúdo da experiência é conhecido. James afirma ainda: “a consciência, uma vez evaporada até este estado de diafaneidade pura, está a ponto de desaparecer completamente. É o nome de uma não entidade e não tem direito a um lugar entre os princípios primeiros. Os que se apegam a ela apegam-se, então, a um simples eco, ao leve rumor deixado pela alma fugitiva na atmosfera da filosofia”. James, William, “Does consciousness exist?”, p. 1. 41 Russell, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 14 47 Com isso, revela-se bastante interessado no conceito de “experiência pura”, cunhado por James para explicar a substância ou matéria-prima do mundo. Com efeito, ao admitir que os pensamentos existem, James afirma que a palavra pensamento não representa apenas uma entidade ou um conteúdo, mas uma “função”. Haveria, portanto, uma função na experiência que os pensamentos executam e para cuja execução se invoca esta qualidade do ser (pensar). Esta função é o conhecer. A matéria-prima do mundo não seria então de duas espécies, uma material e outra espiritual, mas a disposição e a inter-relação entre elas irão constituir a verdadeira substância do mundo (a experiência pura), embora classifiquemos algumas dessas disposições como mentais e outras como físicas. Desse modo, para James, o conhecimento poderia ser facilmente explicado como uma “espécie particular” da disposição ou da relação entre o mental e o físico para constituir a experiência pura, quando um de seus termos torna-se o sujeito ou portador do conhecimento e o outro o objeto conhecido. Entretanto, internamente, a experiência não possui tal duplicidade e sua separação em consciência e conteúdo “não se dá por meio de subtração e sim por adição”.42 E, dispostos em proporções diferentes esses termos não dariam origem a nada que se possa chamar de consciência, sendo esta antes um produto (quiçá, um resíduo meramente semântico), e não parte da substância mestra do mundo. Após a derrocada da consciência como lugar ou morada do sujeito ou depositária de sua suposta substância, abrem-se as portas para outras tendências modernas da psicologia, ainda mais hostis à consciência, do que o fora James. Nesse contexto de hostilidade, o behaviorismo se destaca, 42 Russel, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 15 48 tendo Russell clareza do papel atribuído ao pensamento por esta corrente, da qual se torna um especial divulgador em meios mais estritamente filosóficos. Se o que interessa aos behavioristas para constituir ou construir uma psicologia verdadeiramente científica é apenas o comportamento observável, com a conseqüência de só podermos conhecer o que de fato observamos externamente, a introspecção não pode constituir-se em fonte de conhecimento a respeito de nada, muito menos ou principalmente de nós mesmos. O que, então, seria o pensamento e qual o seu papel? Se eventualmente pensamos, diriam os behavioristas, não temos disso qualquer evidência, uma vez que uma evidência qualquer só poderia ser flagrada no comportamento. O fato de objetivamente conversarmos não garante ao observador behaviorista a existência de processos internos de pensamentos, pois, segundo os behavioristas, as conversas que de fato ouvem podem bem ser explicadas sem a suposição de que as pessoas pensam. Diante dessa afirmação metafísica, Russell admite que, onde esperava encontrar maiores explicações sobre os processos do pensamento, os behavioristas o surpreendem com um capítulo sobre “O hábito da linguagem”, sendo levado a admitir como “humilhante ver quão terrivelmente adequada esta hipótese se apresenta”.43 É como se, nesse caso, avanços filosóficos se deram fora da filosofia, em uma disciplina tão-somente científica. Entretanto, as hipóteses científicas têm aqui curioso e profundo impacto filosófico. A força experimental da hipótese não adviria da observação das tolices dos homens, mas sim da sabedoria dos animais. Foi a partir da observação do comportamento dos animais (admitindo obviamente que estes não “pensam”, mas reagem a estímulos internos e externos sob a tutela de 43 Russell, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 17 49 seus instintos) que os behavioristas foram abandonando as tentativas de interpretação introspectiva do mental e se fixando cada vez mais naquilo que, para eles, deve ser o objeto de estudo da psicologia, a saber, o comportamento. Pareceu possível aos behavioristas explicar as ações dos animais sem pressupor o que chamamos de “consciência”: um salto científico carregado de conseqüências filosóficas. Assim, poderiam aplicar o mesmo método ao comportamento humano, sem admitir para tais explicações nada que não fosse evidente a observações externas. Um exemplo rudimentar daria uma idéia aproximada de seu significado, o modo como um salto indutivo pode ser dispensado do observável ao inobservável, contornando o tradicional modo por que se afirma a identidade da consciência por semelhança suposta com a nossa. Se o behaviorismo é fecundo, os lances de significado que analisa se decidem na linguagem: Imaginemos duas crianças numa escola às quais se pergunta: quanto é seis vezes nove? Uma diz cinqüenta e quatro, a outra diz cinqüenta e seis. Dizemos que uma sabe quanto é seis vezes nove e a outra não. Mas tudo que podemos observar é um certo hábito de 44 linguagem. Segundo Russell, uma das crianças adquiriu o hábito de dizer seis vezes nove são cinqüenta e quatro, enquanto a outra não, e não haveria maior necessidade de pensamento nesse caso do que existe quando um cavalo retorna sozinho ao seu estábulo. Haveria apenas “hábitos mais numerosos e complicados”.45 Do mesmo modo, o “conhecer” pode ser observado externamente sem a necessidade de se recorrer à noção interna de pensamento, mesmo quando, por exemplo, um aluno realiza seus exames escolares. Tudo o que é observado e descoberto a respeito de seu conhecimento é um conjunto de hábitos no uso de palavras aplicadas ao responder as questões 44 45 Russell, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 18 Russell, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 18 50 dos exames; e os pensamentos, se existem na mente do examinando, não interessam ao examinador. Nesse caso, portanto, o que se chama “pensar” ou “conhecer” pode perfeitamente ser observado externamente por meio do comportamento físico, incluindo palavras escritas e faladas. A apresentação de Russell destaca exatamente o componente causal da relação entre comportamento e significado. Sabemos bem que esse laço externo, não sendo desprezível nem deixando de alimentar uma fecunda pesquisa científica específica para a psicologia, parecerá contudo a Wittgenstein insuficiente para dar conta dos laços internos constitutivos da relação entre linguagem e mundo. Em especial, reduzindo a significação ao comportamento, escapa ao gesto toda dimensão normativa e criterial, de modo que, em última instância, aplicado estritamente esse traço behaviorista, o professor não poderia decidir qual o aluno que acertou ou mesmo se há acerto em uma simples multiplicação. Aplicado a outrem, tal analogia parece em conformidade com o resultado da observação, embora desde logo pareça estranha, caso aplicada a nós próprios. De alguma forma, parece fazer parte da significação, mesmo que não a constitua, a idéia de um acesso privilegiado a nosso próprio pensamento, como se o pudéssemos perceber. Porém, os primeiros behavioristas negam tal assertiva, concluindo que, aplicado ao próprio sujeito, o que acontece e está em jogo é tãosomente que nosso próprio corpo é mais fácil de ser observado que o dos outros. A tese é forte. Mesmo tentado pelo sucesso experimental, Russell resiste ao que considera um exagero dos behavioristas, embora reconheça haver “um importante elemento de verdade, dado que as coisas que podemos descobrir pela introspecção não parecem diferir de modo fundamental 51 das que descobrimos pela observação externa”.46 A Russell parece escapar, vez por outra, o que pode ser essencial, ora recorrendo ao empirismo para curar mazelas do empirismo, ora recorrendo ao simples bom senso. De qualquer forma, segundo ele, está análise geral do espírito remove a atmosfera de mistérios dos fenômenos mentais trazidos à luz pela psicanálise: “O mistério é agradável, mas anticientífico, uma vez que depende da ignorância”. Desfeito o mistério da consciência, a palavra ‘consciência’ reaparecerá como resultado banal e sem importância dos hábitos lingüísticos. Por meio da obra de Russell, as teses behavioristas ampliam seu alcance filosófico, embora talvez não sua solidez. O impacto é claro. São amplamente utilizadas e, em grande medida, aceitas por Russell em seu empreendimento filosófico da análise do mental. Além disso, fica claro como Russell pôde contribuir para disseminar um contexto, para tornar o behaviorismo um interlocutor no debate sobre a significação – e isso especialmente para um leitor atento como Wittgenstein. Mais ainda, nesse seu pequeno último grande livro, Russell arrisca ele próprio uma teoria do significado, em cujas bases se assentam três teses fundamentais. Primeira, que as palavras significam objetos e que, portanto, deve haver, necessariamente, uma relação entre a palavra e o objeto designado; as palavras substituem ou significam objetos tangíveis e devem manter com estes um certo paralelismo ou uma certa correlação. Segunda, que uma pessoa compreende uma palavra quando circunstâncias a levam a usá-la e, além disso, quando ouvi-la lhe causa um comportamento adequado. O uso de uma palavra (e, conseqüentemente, sua compreensão) depende do contexto em que é utilizada e a verificabilidade de sua correta utilização se dá a partir do comportamento que suscita no ouvinte. Terceira, que a teoria do significado de uma palavra 46 Russel, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 19. 52 deve ser diferente da teoria do significado de uma imagem, mas não podem ser muito distantes, na medida em que o pensamento é, por vezes, conduzido por imagens. Certamente, Wittgenstein tem em conta esse conjunto de teses, confrontando-se vez por outra com elas. Nessa nossa perspectiva de recomposição da específica herança behaviorista, importa destacar a segunda delas. Associar uma palavra a um comportamento resultante tem o inconveniente de ter como critério da significação seu resultado. Com isso, afirma-se a exterioridade entre palavra e comportamento. Nesse caso, uma pessoa não necessita conhecer o significado de uma palavra para “compreendê-la” no sentido em que possa dizer “esta palavra significa isto”.47 Recorrendo a uma metáfora de Watson, que talvez tenha também ressoado fortemente em Wittgenstein, Russell afirma: “compreender a linguagem é antes como compreender o beisebol”. Temos, portanto, uma questão de hábitos adquiridos por alguém e pressupostos nos outros. Compreender as palavras não consiste em conhecer-lhes a definição ou em ser capaz de especificar os objetos aos quais são apropriadas. O uso de uma palavra vem primeiro e o significado é destilado dele por observação e análise. “Uma palavra é usada corretamente quando o ouvinte é afetado por ela de maneira pretendida. Trata-se de uma definição psicológica e não literária de correção”.48 Aqui Russell subordina a lógica à psicologia, como outrora já o fizera subordinando-a a epistemologia. Todos os usos das palavras podem ser explicados agora através do behaviorismo de Watson, sendo a relação entre uma palavra e seu significado da natureza de uma lei causal que governa o nosso uso da palavra e as ações que praticamos quando a ouvimos ser pronunciada. 47 48 Russel, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 154. Russell, Bertrand, A Análise do Espírito, p. 155 53 Não existiria assim maior razão para que uma pessoa que usa corretamente uma palavra lhe saiba seu significado, do que haveria para que um planeta que se move corretamente conheça as leis de Kepler. A exterioridade tem na analogia com a física seu exemplo mais eloqüente. Pode-se então dizer que o compreender pertence redutivelmente aos nervos e ao cérebro, ou seja, a significação não tem qualquer dimensão lógica própria e interna, podendo reduzir-se a meras leis psicológicas causais. De modo mais claro, podemos julgar o processo da compreensão como dado exteriormente ao sujeito e mesmo fora da esfera do mental.49 O Círculo de Viena Wittgenstein é uma referência fundamental do Círculo de Viena. Seria, entretanto, improvável imaginar uma relação unilateral. Apesar de Wittgenstein normalmente construir a própria atmosfera que respirava, foi submetido a diversas influências do Círculo, sendo chamado a debater de forma constante com alguns de seus membros, em especial, com Schlick e com Waismann. O tema compreensão e do comportamento são então freqüentes, de sorte que podemos considerar a reflexão do Círculo uma das linhas pela qual a herança behaviorista pôde servir à determinação da obra de Wittgenstein. 49 Também a separação entre teoria do significado de uma palavra e a de uma imagem importa à obra de Wittgenstein. Aqui, em Russell, entretanto, ela tem o sabor de um retrocesso teórico, como se as imagens, uma vida interior do espírito, estivessem traduzidas utilmente em palavras, a ponto de ter sentido a prescrição: “de quando em quando, dispensar as palavras por um momento e contemplar os fatos mais diretamente, através das imagens. Os mais sérios progressos do pensamento filosófico resultam de tal contemplação relativamente direta dos fatos. O resultado, porém, deve ser expresso em palavras, se quisermos que seja comunicável. Os que têm uma visão relativamente direta dos fatos, são, amiúde, incapazes de traduzi-las em palavras, enquanto os que possuem as palavras, amiúde, perderam a visão.” (Russell, Bertrand , A Análise do Espírito, p. 167.) A pauta filosófica remonta a um debate antes próprio do empirismo clássico, anterior ainda à virada lingüística. 54 A expressão “behaviorismo Lógico” surgiu nos anos 30 do século XX para designar as teses defendidas pelos mais prestigiados membros do Círculo de Viena no campo da “filosofia da consciência”. Segundo Zilhão,50 seu propósito fundamental era reformular os pontos de vista do empirismo tradicional sobre o uso do raciocínio por analogia para justificar as asserções de caráter cognitivo acerca das experiências interiores de terceiros. Seguindo a sugestão de Giegel, citado por Zilhão, podemos considerar que o modelo analógico se constitui em torno de cinco proposições: 1. “Eu tenho dores” e “Ele tem dores” são valores da mesma função proposicional “X tem dores”. 2. A minha identificação das minhas experiências interiores (dores, por exemplo) é feita de modo direto e imediato, isto é, eu tenho um acesso privilegiado à minha experiência interior. 3. À experiência interior de outrem, não tenho qualquer acesso direto ou imediato. Apenas o seu comportamento me é acessível. 4. As proposições acerca das experiências interiores não se encontram numa relação logicamente necessária com proposições acerca do comportamento (isto é, não são considerações de caráter lógico ou analítico que justificam a dedução da existência de uma dada experiência interior a partir da observação de um determinado comportamento). 5. A relação entre a experiência interior e o comportamento é estabelecida na base de leis empíricas. 50 Cf. Zilhão, Antonio, Filosofia da Linguagem e Linguagem da Filosofia, p. 108 55 Podemos notar que sobretudo a quinta proposição (precisamente a que legitima o conhecimento que o empirista tradicional afirma ter acerca das experiências interiores de terceiros) tem uma característica peculiar: “a afirmação da existência de determinadas leis empíricas, as quais, após análise, se revelam ter um estatuto algo bizarro”.51 Se a condição de verificabilidade é precisamente um dos critérios reivindicados pelo Círculo de Viena para o reconhecimento de um conteúdo cognitivo em uma determinada proposição e é precisamente este critério que delimita as atividades humanas científicas das não científicas, como então resolver o problema ou, dito de outra maneira, como conferir sentido a proposições desta natureza? O novo empirismo lógico do Círculo de Viena, para se manter fiel aos seus próprios pressupostos, necessitava rever o empirismo clássico e, em particular, o modelo analógico veiculado por este na sua filosofia da consciência. Os vienenses teriam duas opções. Considerar sem sentido as expressões que se referissem a estados psicológicos por não preencherem as condições necessárias para uma verificabilidade intersubjetiva; ou reformular a interpretação desse tipo de proposições, de modo que pudessem ser integradas no quadro de uma linguagem onde o princípio de verificação fosse aplicável, isto é, em uma linguagem ao modo da física. O desenvolvimento da interpretação “fisicalista da psicologia” é precisamente o resultado da escolha da segunda opção, que permitiu aos filósofos do Círculo de Viena evitar considerar como sem sentido todo um conjunto de asserções amplamente usadas na linguagem cotidiana e que, por sua feita, constituíam o sustentáculo de grande parte das proposições da Psicologia. Grosso modo, a proposta dos filósofos do Círculo é então considerar como “simplificações lingüísticas” as proposições utilizadas cotidianamente para expressar experiências ou fenômenos interiores. 51 Zilhão, António, Linguagem da Filosofia e Filosofia da Linguagem, p. 109. 56 Uma espécie de condensamento, que não lhes retiraria as condições de verificabilidade, após a devida tradução em linguagem fisicalista. Usando extensamente um exemplo do próprio Carnap: A proposição P1: O senhor A está neste momento excitado, pronunciado por um indivíduo B é para ser considerada completamente equivalente à proposição P2: O corpo do senhor A, em particular o seu sistema nervoso, está neste momento num determinado estado físico que se deixa reconhecer pelo fato de que a freqüência da respiração e da pulsação está acima do normal, podendo o ritmo destas ainda aumentar de intensidade com o 52 aumento da intensidade de certos estímulos. Etc. Muitos psicólogos rejeitariam uma tal tradução objetivante e comportamentalista. Muitos de nós também sentiríamos que algo se perde nesse processo, que essa reinterpretação, como antecipa Carnap, “ignora o estado mental interior do qual o estado físico mencionado em P2 não seria senão um sintoma”. Tal objeção pode, entretanto, ser como uma mera pretensão essencialista de caráter aristotélico, que tenderia a procurar nos fenômenos uma qualitas occulta, em que residiria sua verdadeira natureza. Da mesma forma, Carl Hempel recusa tais atribuições pneumáticas, tendentes a uma hipostasiação dos fenômenos psicológicos, como próprias de quem afirmasse o movimento dos ponteiros de um relógio como mero sintoma de algo inapreensível por meios físicos. O relógio seria, assim, a manifestação precária de um andamento ou, quem sabe, do tempo. O raciocínio expresso nos exemplos de Carnap e Hempel deve ser estendido a todas as proposições psicológicas, inclusive àquelas que, ao contrário das que se referem a dores ou à excitação, podem parecer estar menos associadas a sintomas corporais, como as relativas, por exemplo, a um complexo de inferioridade, do qual seu corpo jamais seria uma síntese. 52 Carnap, Rudolf, “Psicologia em Lenguaje Fisicalista”, in Ayer, Afred, El Positivismo Lógico, p.176 a 180. 57 Então, podemos supor que, para o behaviorismo lógico, as expressões que se referem a experiências psicológicas interiores são abreviaturas de descrições de processos físicos complexos que têm lugar no corpo humano. Por meio da utilização de proposições de uma linguagem protocolar,53 nas quais seriam expressas as percepções sensoriais do comportamento de um indivíduo, seria possível satisfazer o critério da verificação das proposições psicológicas, pois, dessa maneira, as mesmas estariam em conformidade com o princípio semântico segundo o qual o sentido de uma proposição seria dado pelo seu método de verificação. Uma linguagem protocolar que expresse por meio da descrição do comportamento observável as proposições psicológicas, supostamente estabeleceria uma relação lógica e necessária entre linguagem e comportamento, e tais proposições não mais se refeririam a algo a que outrem não tenha acesso. De acordo com Carnap, uma proposição do tipo “Eu agora estou excitado” não exprime (ao contrário do que seria hipoteticamente de se esperar) a atribuição de qualquer predicado a qualquer sujeito, isto é, o Eu da referida proposição não desempenha nela o papel de pronome pessoal identificador de um indivíduo, uma vez que essa proposição poderia ser substituída por uma outra em que o pronome não ocorra, como, por exemplo, “Agora há excitação”, a qual transmitirá de forma mais apropriada e sem dar margem ao surgimento de confusões a experiência interior que se está a relatar. Em relação à introspecção, Carnap afirma que, se as proposições psicológicas na primeira pessoa do singular não fossem susceptíveis de ser traduzidas em termos fisicalistas, elas seriam 53 As teses verificacionistas de Carnap distinguem dois tipos de linguagem: a linguagem sistema e a linguagem protocolar. Na primeira, devem formuladas as proposições do sistema da ciência e, na segunda, as proposições acerca dos dados da experiência imediata. Todas as proposições sistemas e todas as proposições protocolares (em conformidade com o protocolo da experiência) de qualquer indivíduo poderiam ser traduzidas numa linguagem puramente fisicalista. 58 incompreensíveis para terceiros, isto é, constituiriam uma linguagem privada, uma que apenas o portador da experiência em causa poderia entender e, portanto, não poderia ter qualquer sentido, na medida em não atenderia ao critério de verificação. Resumindo, a linguagem da psicologia pode e deve ser traduzida numa linguagem puramente fisicalista. Com uma tal tradução, não haveria qualquer perda de sentido de uma linguagem para a outra, nem subsistiria um resíduo que merecesse ser hipostasiado. A psicologia poderia, desse modo e com orgulho, ser um ramo particular da física, considerada como a ciência universal, enquanto a linguagem fisicalista se mostra universal e intersubjetiva.54 O psicólogo ou a psicologia não necessitaria, porém, formular cada uma de suas proposições em terminologia física. Ou seja, a psicologia pode, como o fez até agora, utilizar sua própria terminologia em suas investigações. Entretanto, para pleitear o status de ciência, ao demonstrar seus resultados e suas leis, tal terminologia deve ser substituída (ou, no mínimo, poder ser substituída) por um tipo de linguagem universal próprio da ciência, a saber, a linguagem física.55 O pensamento de Wittgenstein pode bem ser reconhecido nesse ambiente. Suas posições não coincidem decerto com as do Círculo, mas compartilham problemas e mesmo um vocabulário. 54 Cf. Carnap, Rudolf, “Psicologia em Lenguaje Fisicalista”, in Ayer, Alfred, El Positivismo Lógico, p. 172. Zilhão resume assim as propostas do behaviorismo lógico: “Agora, as proposições acerca das experiências interiores passam a estar numa relação lógica com as proposições acerca do comportamento e não há mais lugar para a consideração de que as relações empíricas possam estabelecer a ligação entre experiência interior e comportamento. A relação entre os dois tipos de proposições passa assim a ser concebida como meramente lexical e conseqüentemente regulada por definições de caráter analítico. Deste modo, deixa de ser o caso que eu tenha um acesso privilegiado à minha experiência interior, na medida em que as expressões que a referem não são mais que simplificações lingüísticas de expressões complexas que designam aglomerados de fenômenos físicos, o meu comportamento e os meus estados corporais são-me tão acessíveis a mim quanto aos outros. Inversamente , o fato de, no caso dos outros, eu apenas perceber o seu comportamento, deixa de ser considerada uma desvantagem epistêmica; esse comportamento constitui precisamente a denotação das expressões usadas para a referência a tais estados. Era essa situação que permitia ao Wittgenstein do Tractatus afirmar que, uma vez corretamente entendidos, realismo e solipsismo afirmavam basicamente o mesmo.” (Zilhão, António, Linguagem da Filosofia e Filosofia da Linguagem. p. 119.) 55 59 Esse contexto comum é mais um sinal de aproximação com o behaviorismo lógico, tão importante quanto os inúmeros relatos biográficos, nos quais o intercâmbio (as peregrinações, os encontros, etc.) ou o conflito (os desentendimentos, a acusação de plágio,56 etc.) são marcantes. Vale registrar que um dos períodos mais ricos da obra de Wittgenstein, o chamado período intermediário, dá conta do seu progressivo afastamento crítico em relação ao Tractatus, que nunca deixou de ser uma referência central do positivismo lógico. De certa forma, Wittgenstein afastou-se mais de sua obra anterior que os outros vienenses: “O que nem Schlick nem Waismann – e ainda menos os demais membros do Círculo – podiam perceber em 1929 era o quanto as idéias de Wittgenstein estavam se afastando rápida e radicalmente daquelas adiantadas no Tractatus”. 57 Mais tarde, aliás, Wittgenstein negaria que também tivesse alguma vez pretendido que o princípio da verificabilidade por ele proposto se tornasse o fundamento de uma teoria do significado e se distanciou ainda mais de sua aplicação dogmática pelos positivistas lógicos.58 A verificação empírica do conteúdo de uma proposição está longe de ser o único modo de conferir-lhe condições de significação. Dificilmente, Wittgenstein poderia ter sua filosofia diretamente associada ao behaviorismo metodológico de Watson, uma vez que divergem na concepção de linguagem. Mais ainda, se transformado em uma corrente filosófica, o 56 Wittgenstein acredita ter sido plagiado por Carnap, quando este publicou um texto sobre linguagem fisicalista. A troca de correspondência foi áspera, e Wittgenstein foi bastante cáustico, escrevendo para Schlick. Carnap saberia estar copiando, no que seria desonesto. Além disso, ele precisaria ter um pensamento mais rico para ser capaz de escrever aquele texto. 57 Monk, Ray, Wittgenstein: O Dever do Gênio, p. 262 e 263. 58 Como relatou numa reunião do Moral Science Club, em Cambridge: “Eu costumava dizer que, a fim de esclarecer como uma sentença é usada, seria uma boa idéia fazer-se a pergunta: Como se deve tentar verificar tal asserção? Mas esta é apenas uma dentre várias maneiras de esclarecer o uso de uma palavra ou sentença. Por exemplo, outra pergunta que tende a ser muito útil é: Como se aprende esta palavra? O que fazer para ensinar uma criança a usar esta palavra? Mas alguns transformaram essa sugestão de verificação em um dogma – como se eu estivesse propondo uma teoria do significado.” Gaskin e Jackson, Wittgenstein as Teacher, apud Monk, Ray, Wittgenstein: O Dever do Gênio, p. 443. 60 behaviorismo seria bom exemplo de uma dieta unilateral, um modo único de conferir significado à proposições. Da mesma forma, o behaviorismo lógico da filosofia da psicologia do Círculo, mesmo quando alicerçado sobre idéias originalmente wittgensteinianas, não coincide com a múltipla forma de constituição da significação, que passa a alimentar o labor terapêutico de Wittgenstein. Tampouco a filiação entre o behaviorismo e o positivismo pode agradar especialmente a Wittgenstein, uma vez que nem mesmo a constituição do espaço lógico no Tractatus se punha a serviço de uma demarcação entre metafísica e ciência, e menos ainda quando tal demarcação se faz sob uma égide valorativa. Além disso, por analogia, se considerarmos que os filósofos do Círculo, explicitamente Carnap, admitiam uma coincidência apenas parcial com o behaviorismo, ou seja, uma coincidência “sempre que prestamos atenção em seus princípios epistemológicos e não nos seus métodos especiais nem em seus resultados”,59 não poderíamos admitir que as idéias de Wittgenstein corroborassem com tal empreendimento, uma vez que o simples fato de refutar os processos mentais interiores como referência exclusiva e única possibilidade de análise do processo da significação, não pode nem deve ser entendido como apoio irrestrito ao behaviorismo, como o fizeram os filósofos do Círculo. A simples preocupação dos filósofos do Círculo em se ocuparem da psicologia ao tentar alojá-la definitivamente no edifício da ciência, por si só, já os distancia de Wittgenstein, que, em sua filosofia da psicologia, não tinha como objetivo discutir ou analisar os pressupostos epistemológicos e nem sequer a linguagem ou os métodos utilizados pela psicologia. A filosofia 59 Carnap, Rudolf, “Psicologia em Lenguaje Fisicalista”, in Ayer, Alfred, El Positivismo Lógico, p. 186. 61 da psicologia, em seu caso, continua sendo uma interrogação gramatical, no caso, uma investigação sobre a gramática de palavras como ‘ver’, ‘ver como’, ‘estados’, ‘atividades’, ‘ter emoções’, etc. Em sentido estrito, ele se serve de teses ou exemplos propostos pela psicologia, mas não faz psicologia, cabendo, pois, à filosofia “indicar à mosca a saída da garrafa”. Evidentemente, seu interesse recai sobre o problema da significação, que envolve, necessariamente, componentes externos e internos ao sujeito. Por isso mesmo, não deixa de ser essencial a ligação entre significação e comportamento, com um volume privilegiado de exemplos behavioristas. Como sua análise parte da análise da linguagem, e não do sujeito, parece-nos óbvio que, exatamente para tentar evitar o pseudoproblema do embate filosófico interno-externo, o foco de suas idéias incide sobre algo que, em tese, é exterior ao sujeito, embora seja condição necessária para sua determinação. Porém, não podemos deixar de admitir que Wittgenstein, parece, absorveu uma certa herança behaviorista, do mesmo modo que absorveu também uma herança da fenomenologia e, como ele próprio comentou em diversas ocasiões, da própria psicanálise. Ao utilizar conceitos e métodos de tais correntes de pensamento no desenvolvimento de suas idéias, certamente seus propósitos se mostram diversos dos de outros filósofos de sua época, para os quais esta nova ciência talvez tenha servido para resolver velhos problema (ou pseudoproblemas) metafísicos, transferindo para uma nova ciência tarefas que, todavia, para Wittgenstein, continuam próprias da filosofia, como o exame das condições de possibilidade de um qualquer discurso significativo ou mesmo o entendimento da natureza humana, sem interferência de dogmas metafísicos, mas também de qualquer unilateralidade científica. 62 Em toda sua obra, Wittgenstein propõe um deslocamento filosófico da pergunta pela verdade, que caberia à ciência formular e responder (e aqui entenderemos a psicologia como ciência), para a pergunta pelo sentido, esta sim uma proposição a ser formulada pela filosofia. O que a gramática nos permite dizer? O que é lícito dizer ou enunciar? Estas perguntas são próprias à filosofia e é disso que Wittgenstein trata em sua obra. Por sua vez, a procura pela verdade dos fatos e objetos, internos ou externos, parece-nos, na visão do filósofo, trabalho de cientista, mesmo sendo ele um psicólogo. De certa forma, o retorno à filosofia e a crítica explícita ao Tractatus podem gerar a ilusão de descontinuidade na obra, quando, ao menos sob um aspecto, seu labor continua a ser o de procurar relações internas entre linguagem e mundo, ou seja, constituições do que no Tractatus fora um espaçamento único e definitivo de possibilidades, mas que pode assumir diversas formas gramaticais de separação da lógica e da empiria. Temos elementos suficientes para indicar que as idéias de Wittgenstein jamais estiveram associadas ao behaviorismo metafísico, uma vez que seria absurda a idéia de considerar que ele tenha, em algum momento de sua obra, negado a existência ou importância de fenômenos mentais ou do próprio sujeito, como vimos anteriormente. Porém, tampouco foi absurda a análise da possibilidade de sua filosofia ou seu método de trabalho terem sido associados, nem tanto por ele, mas por seus comentadores, ao behaviorismo metodológico e lógico. Com efeito, a partir da análise dos diversos usos possíveis da linguagem, Wittgenstein nos apresenta um conjunto de idéias, imagens e exemplos que abordam a questão da significação sem recorrer às noções internas de mente e sujeito, procedimento que, em alguns momentos, sugerem 63 uma aproximação com certas teses behavioristas. A noção e as explicações de “Jogos de Linguagem” se baseiam fortemente na ligação entre linguagem e comportamento. Têm assim um sabor claramente behaviorista, sem todavia o serem. Ou seja, ao introduzir o conceito de Jogos de Linguagem, Wittgenstein parece falar a “linguagem dos behavioristas” ou, na melhor das hipóteses, estar jogando o jogo de linguagem proposto por eles. Se, por um lado, Wittgenstein parece conseguir justificar a significação sem recorrer à introspecção, que é extralingüística, por outro, ele não se ocupa em invalidar ou rejeitar a existência do sujeito psicológico, como aparentemente sugerem os behavioristas na medida em que consideram este sujeito destituído de um status científico, pois sua inacessibilidade impede as possibilidades de seu entendimento ou estudo. Ele simplesmente não o utiliza como referência por parecer não estar interessado em reforçar o embate filosófico entre o interno e o externo. Afinal, em que pese tratar também de psicologia, o seu interesse, como veremos, se situa no campo da lógica, ou seja, nas condições necessárias à própria significação. No entanto, mais ainda, Wittgenstein parece se afastar e até mesmo criticar o behaviorismo, já que este se volta a conferir explicações causais para os fenômenos da significação por meio da análise do comportamento e dos estados ou fenômenos anímicos concomitantes. Ou seja, o foco central do behaviorismo recai sobre as relações externas que, de certa maneira, são também recusadas por Wittgenstein, caso ultrapassem seu lugar próprio e pretendam substituir o que realmente interessa à significação, ou seja, as relações lógicas, necessariamente internas. 64 CAPÍTULO 3 Comportamento e Significação O behaviorístico em minha concepção consiste apenas em que não faço nenhuma distinção entre ‘externo’ e ‘interno’. Porque a psicologia em nada me interessa. Ludwig Wittgenstein 60 Estados internos e significação De todos os caminhos possíveis para tratar a relação entre Wittgenstein e o behaviorismo, escolhemos um pouco usitado. Também é um caminho apenas possível há pouco tempo, quando o espólio se tornou acessível aos pesquisadores.61 Optamos, então, por trabalhar preferentemente as menções explícitas de Wittgenstein, o modo como ele (com o perdão da palavra) “conscientemente” se posicionou sobre o behaviorismo. Sem dúvida, a temática prioritária das menções explícitas incide sobre a separação entre o interno e o externo, à luz da qual se subordina a temática da relação entre significação e comportamento. O interno parece uma dimensão essencial à significação. Essa é uma imagem corrente, contra a 60 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, TS 211, p. 310. Cumpre registrar que, para esse acesso, foi fundamental o acompanhamento do orientador, que, ao longo desses anos, ajudou na seleção e mesmo na tradução das passagens essenciais do espólio em que o behaviorismo é mencionado explicitamente. Não descuidamos das menções implícitas, que, de resto, poderiam ser reconhecidas, devida ou indevidamente, por toda obra. Preferimos, porém, destacar o movimento explícito de diálogo. Com isso, o trabalho se restringe tematicamente, mas pode eventualmente, se bem sucedido, ganhar em rigor e em interesse. 61 65 qual, exatamente, o behaviorismo fornecerá uma série de exemplos estranhos, pouco convencionais, que ultrapassam ou ampliam o território das coisas possíveis. Talvez aí esteja o sentido de serem gramaticais as suas ficções. No MS 107, cuja redação é de 1930 e faz parte daquelas reflexões de um Wittgenstein preocupado com o campo visual e temas assemelhados, ou seja, de um Wittgenstein que não deixa de levar em conta experimentos de psicologia da percepção, encontramos uma primeira menção explícita ao behaviorismo. O behaviorismo começa a interessar sobretudo nesse ponto, quando retorna à filosofia, tendo constatado que, contra sua opinião anterior, o Tractatus não resolvera definitivamente todos os problemas filosóficos. Quando ocorre a temática do behaviorismo, a questão de fundo é saber se a representação, a capacidade de representar-se, seria uma nota característica de sistemas exclusivamente humanos, de sorte que comportaria algo que não se traduziria em comportamento. Algumas perguntas mostram já o recurso tipicamente wittgensteiniano a exemplos de ficção. É possível discernir o silêncio absoluto da mudez interior, ou seja, da não-familiaridade com os sons? Pode ser estritamente interna, no que importa para a significação, a experiência da dor de dentes? Já nessa reflexão, o comportamento parece sugerir que uma experiência qualquer não seria algo interno, sendo o comportamento um critério da significação. Nesse momento teórico ainda impreciso, o comportamento seria o controle que permitiria a uma proposição “funcionar” como tal.62 Mais que isso, porém, o comportamento não poderia ele mesmo se tornar um critério fora da lógica de nossa linguagem, de sorte que são interdições dessa lógica (futuramente, ditas 62 Cf. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 107, p. 269-270. 66 gramaticais) que retirariam significado das expressões “Eu sinto minhas dores” ou “Eu sinto suas dores”, embora tenham sentido as expressões “minhas dores”, “suas dores”, “Eu sinto dores” e “Ele sente dores”.63 O comportamento, lugar do uso, depende da lógica da linguagem, que ainda separa o significativo do não-significativo. E nisso, pensa Wittgenstein então, estaria assentada toda controvérsia sobre o behaviorismo.64 É, pois, na lógica da linguagem, na separação entre combinações significativas e não significativas, que se demarca o próprio comportamento significativo, e não causalmente o contrário. Os critérios da significação estritamente determinada pelo uso já começam a se firmar, mesmo quando o contexto teórico ainda é marcadamente verificacionista e supõe, em última instância, isomorfismo entre linguagem e mundo. Nesse caso, o comportamento seria separável em função das condições de verificação, cabendo decidir quais comportamentos satisfazem as regras da linguagem, quais têm multiplicidade lógica passível de cotejo com o mundo e, portanto, quais podem fazer funcionar como tais as proposições. O behaviorismo é localizado então em campo de estrita relevância filosófica, já nesse primeiro tratamento, embora nesse momento parece exemplificar o lugar de uma situação teórica confusa e não exatamente uma resposta a tal situação. De qualquer forma, o behaviorismo pode indicar que estados íntimos não podem conter os outros elementos da significação. Como estados, seriam amorfos, aproximando-se mais do campo do ‘ver’ do que do ‘ver como’. 63 Cf. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 107, p. 271. “Und darauf scheint mir am Ende die ganze Kontroverse über den Behaviourism zu beruhen.” (Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 107, p. 271.) 64 67 O ver amorfo não é porém um ver significativo, assim como não faz parte da representação da crença na vinda de alguém o estado íntimo, que não quem se espera nem os demais elementos da representação. E, se o ver não é amorfo, é cifrado na proposição que enuncia o que se espera, deseja, etc. O amorfo é o que não está no símbolo, mas tudo de essencial está no símbolo. Se o deixo tal ver amorfo se representar (como também expectativas, desejos), não o posso fazer segundo regras, uma vez que tal ver é antes condição da representação. Esse amorfo, contudo, não está no símbolo que condiciona, o que bem mostrariam as considerações do behaviorismo, a esse respeito apropriadas.65 O comportamento pode servir de prova de uma compreensão dada fora dele, como se do amorfo se pudesse concluir uma significação? Não é o comportamento toda compreensão? Em perguntas como essas, diz Wittgenstein, “é oportuno em algum ponto um behaviorismo”.66 O behaviorismo aparece-lhe então como artifício benfazejo, ajuda a ver melhor, é oportuno, sem ser por isso verdadeiro. Como ângulo oportuno, faz bom serviço à filosofia, na qual, muitas vezes, é oportuno se colocar de modo mais aparvoado que o costumeiro.67 Assim, com o behaviorismo, é possível ver esse fenômeno da compreensão de fora, sendo mais fácil separar o que é próprio da lógica, o que é objetivo, do que pode ser psicológica ou fisiologicamente interessante. Afinal, seria preciso, vendo de fora, separar o psicológico do que pertence à própria coisa, de modo que, assim, fica evidente que a “compreensão, para nós, não é essencialmente um processo interno, pois na medida que o fosse não nos interessaria”.68 Ver de modo aparvoado, criar uma ficção 65 Cf. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 108, p. 217. “In diesen Fragen ist irgendwo ein Behaviourism am Platz.” (Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 108, p. 260.) 67 Cf. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 108, p. 260. 68 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 108, p. 261. 66 68 gramatical, equivale aqui a recusar-se a reconhecer como essencial qualquer fenômeno interno que não pudesse tornar-se visível para os outros. Onde estaria um indício de behaviorismo benfazejo? Digamos assim, exatamente nesse modo de tratar as questões “de fora”, separando o lógico do psicológico. Eis um modo filosófico de “voltar às coisas mesmas”, ou seja, à significação, ao que pertence a próprias coisas, no que podem ter de essencial. Com isso, separam-se as relações externas (o causal, mesmo de processos internos) das relações internas à significação, o lógico (futuramente, o gramatical). O essencial é um processo de compreensão poder traduzir-se para o outro, e não ser interno. A perspectiva filosófica alimenta-se de um behaviorismo aqui, sem confundir-se com ele. Para perceber melhor a diferença, basta enfatizar um desnível na modalidade. Nesse precisar poder ser externo (e não simplesmente ser externo) está a distinção entre a filosofia de Wittgenstein e o behaviorismo. Se ler, por exemplo, é um processo, não é essencialmente uma questão íntima. Podemos ler em silêncio. Entretanto, sendo ler um processo, “é preciso também poder ser um processo visível”.69 É claro então que a analogia benfazeja se dissolve se levada muito a sério. Ela é bem mais fecunda caso não se reduza à simples identificação do behaviorismo com uma inferência causal do comportamento ao estado interno, embora essa identificação também seja feita, vez por outra, por Wittgenstein: “Behaviorismo. Parece-me que estou triste, [pois] deixo a cabeça inclinar-se assim”.70 69 70 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 110, p. 25. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 114, p. 14r. 69 Virtudes e limites de uma concepção behaviorista Em um sentido preciso, a perspectiva de Wittgenstein pode ser chamada de behaviorista, a saber, ao insistir em que o pensamento como processo psíquico, como algo oculto e irredutível a uma linguagem, não lhe interessa. “Se o pensamento é uma seqüência de representações, então o substituiremos por uma seqüência de quadros pintados.”71 Por trás da cortina, não há nada, não há um algo por detrás da proposição, salvo o cálculo, a linguagem em que a própria proposição é usada. Tampouco há uma ordem mais pura, da qual os signos seriam uma queda, não havendo uma ordem do pensamento que não seja a mesma da linguagem, ao contrário do que queria aquele político francês que advogou a superioridade da língua francesa, “na qual as palavras seguiriam exatamente a ordem em que se as pensa”.72 Em alguns casos, o behaviorismo, por assim dizer, não tem preço, pois ajuda a combater uma tentação natural, a de falar em processos ocultos, extraordinários, processos que nunca estão aí, mas que seriam a razão extraordinária dos mecanismos efetivos, corriqueiros, conhecidos de todos. Um certo behaviorismo (certamente, não todo nem o simples behaviorismo), mas apenas um certo viés behaviorista é valioso “porque nos ensina a pensar no que já temos familiaridade, em vez de nos voltarmos a ficções de nossa linguagem”.73 Em vez de conduzidos ao raro, ao inusitado, voltamo-nos ao solo do conhecido, como se nossa atenção se concentrasse nos relógios e não, misteriosa ou filosoficamente, no tempo. 71 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, TS 302, p. 11. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, TS 302, p. 12. 73 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 119, p. 80. 72 70 O behaviorismo é assim uma parcialidade útil, ajudando a separar dois modos de dizer que costumamos confundir. A forma da evidência e a forma dos dados dos sentidos (a linguagem ao modo da física e a linguagem fenomenológica), e ambas têm igual valor. Ou seja, os dois modos estão em ordem, sobretudo se não pretendem dizer o real. Afinal, em um contexto pragmático, sem especulação abstrata, sem que a linguagem feiert, a frase “Eu vejo...” está em ordem. Entretanto, o behaviorismo talvez não se dê conta disso mesmo que ajuda a ver. Ou melhor, certamente não o percebe. Sua parcialidade é útil, mas não é cura. O behaviorismo, tendo duas possibilidades de narrar o percebido, opta quando não precisa haver opção. Assim, como outras correntes, o behaviorismo termina por acreditar em uma descrição pura, quando nada é puro em solo pragmático. O behaviorismo, como o finitismo em matemática, apesar de seus méritos, termina por negar a existência de algo, diz haver apenas isso, mas essa afirmação ou negação acaba por se transformar em seu objetivo e a ele se reduz. Wittgenstein, ao contrário, não pára sua investigação, é terapia (e não ciência), e, por isso, pode afirmar: “eu me exorto sempre de novo a uma tal investigação”.74 Transformado em teoria, o behaviorismo perde seu interesse terapêutico e poderia mesmo ser objeto de terapia, cabendo lembrar que temos critérios determinados para separar um robô de um homem ou a simulação da dor efetiva.75 Vale notar que, especialmente contra o behaviorismo ontológico, a indiferença quanto à referência na constituição da significação não reduz a sensação a um nada. “Ela não é um algo, 74 75 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 121, p. 89r. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, TS 213, p. 509. 71 mas também não é um nada!”.76 Não se negam estados internos, mas sim que deles dependam o emprego correto, por exemplo, da palavra ‘lembrar-se’.77 Nesse sentido, Wittgenstein realmente, ao afirmar os comportamentos como critérios da significação, antes aponta o uso como o oxigênio da significação, servindo o behaviorismo para tecer bons exemplos que, entretanto, não podem deixar de ser ficções gramaticais. O problema do behaviorismo está em dar um passo em falso, aparentemente inocente, de querer conhecer mais de perto um processo, ou seja, de querer conhecer o que não pode ser fixado e que, com esta fixação, parece conduzir a negá-lo. Não há dúvida que o combate à introspecção e também ao etéreo dos fenômenos psicológicos alimenta as simpatias de Wittgenstein pelo behaviorismo. Nesse sentido, o behaviorismo apresenta bons exemplos, boas ficções, que ajudam a separar o lógico do psicológico. Estamos nos detendo, é claro, em utilizações explícitas de Wittgenstein da idéia de um behaviorismo, seja como perspectiva, seja como teoria. Um outro exemplo de utilização é o que serve à separação entre processos e estados, formulado como o “problema filosófico dos processos anímicos e do behaviorismo”,78 quando um passo indevido, por excesso de atenção, pode estar sendo dado. Interessante é notar que nesse caso, como em outros, a formulação do próprio problema pode não ser saudável, pode ser sintoma de que a linguagem entrou em férias. O passo em falso, que acaba por destruir a analogia plausível, consiste nessa aproximação em negar o processo ininteligido nesse meio inexplorado. Cada sinal parece isoladamente morto. Se vive no uso, parece que o uso guarda em si essa respiração viva, quando o uso é ele próprio essa respiração. 76 Wittgenstein, Ludwig, Investigações Filosóficas, § 303. Cf. Wittgenstein, Ludwig, Investigações Filosóficas, § 304. 78 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 116, p. 336. 77 72 Um traço teórico indesejável é apontado por Wittgenstein. A ênfase teórica no comportamento termina por favorecer a idéia de que o sentido só se fecha após o uso, com o seu término e, logo, por seu resultado. Seria como acreditar que “só saberia o que procuro após tê-lo encontrado”, o que só poderia conduzir a um “absurdo ‘behaviorismo’”.79 Afinal, como já dissera combatendo Russell, se acaso temos fome e um soco no estômago a faz cessar, não é tal soco que antes almejávamos. Olhando por um ângulo intralingüístico, o significado de ‘flor amarela’ não está mais determinado em “Achei uma flor amarela” que em “Eu procuro uma flor amarela”. Nem tudo, portanto, se resolve ou se completa ao término do comportamento, uma vez que em seu início já temos critérios para seu fechamento. Mas, certamente, a oposição valeria sobretudo contra um behaviorismo tosco, incapaz de discernir entre um sintoma da expectativa e a expressão da expectativa.80 Há três versões que indicariam ser ele um behaviorista disfarçado. A que se preserva nas Investigações Filosóficas, afirmando que, salvo o comportamento humano, tudo seria ficção. Uma outra que registra simplesmente o comportamento. E, também, a que afirmaria nada haver por detrás da exteriorização da sensação.81 Cumpre notar porém que a ficção que o behaviorismo ajuda a denunciar, a ilusão referencialista que nos faz supor um objeto por detrás da exteriorização lingüística, é apontada enfim como uma visão estreita do funcionamento da linguagem e não uma falsa em qualquer contexto.82 Com efeito, concordando com um ponto de 79 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, TS 211, p. 301. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, TS 212, p. 1024. 81 Cf., e. g., Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 124, p. 5; MS 129, p. 114; MS 161, p. 40r. 82 Cf. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 161, p. 40v. Se ficções podem ser denunciadas, outras podem ser úteis, sendo algumas behavioristas – ficções que ele nomeia de materiais. No caso, ficções que podem ser encenadas no palco, porque se traduzem em comportamentos. Cf. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 117, p. 265. 80 73 vista behaviorista, ele pode afirmar que no pensamento não há nada essencialmente privado, mesmo que o possa haver efetivamente – o que contraria, ao menos, o behaviorismo ontológico.83 O que então haveria de behaviorista em sua concepção (“Das behaviouristische an meiner Auffassung”) consistiria então, como já dissemos, em não separar interno e externo, no que importa para a significação. Isso vale para a lógica na medida em que pode distinguir-se de uma qualquer psicologia, pois “na lógica sempre podemos falar ao modo do behaviorismo, uma vez que então não nos interessa a diferença entre externo e interno”.84 Nesse sentido, sempre é possível falar de um ponto de vista “behaviorista” – embora essa palavra lhe pareça verdadeiramente horrorosa.85 Também, essa forma de traduzir estados anímicos em comportamentos, tendo a vantagem de separar o lógico do psicológico, de destacar o que é essencial para a significação, essa forma de apresentação se afigura “como que behaviorista” (gleichsam behaviouristischen), sem estritamente o ser. É uma forma um tanto rude, admite, mas não há melhor. Entretanto, também afirma, a depender do contexto, é tão boa quanto outras, pois tampouco o “pensar” pode ser reduzido ao “comportar-se”.86 Wittgenstein concebe a compreensão, em algum sentido, de maneira behaviorista.87 Mas, por quê? Primeiro, porque a compreensão não se reduz a um átimo, um agarrar não discursivo da gramática. Segundo, porque, devolvendo o sentido de uma proposição a sua inserção na linguagem ou em um cálculo, não pensa a linguagem ou a tabuada inteira compactadas internamente. Wittgenstein só pode parecer behaviorista quando combate a concepção 83 Cf. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, TS 302, p. 12. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 112, p. 75v. 85 “Scheußliches Wort.” Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS110, p. 53. 86 Cf. Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 114, p. 81. 87 “Ich fasse das Verstehen also, in irgendeinem Sinne, behaviouristisch auf.” Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 110, p. 296. 84 74 pneumática, contra a qual, com efeito, ele dirige suas baterias, uma vez que comporta a imagem de condição etérea da alma. Entretanto, se a behaviorista é o oposto da concepção pneumática, não hesita em afirmar: “ambas são ruins”!88 88 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 130, p. 3. 75 CONCLUSÃO Wittgenstein e o behaviorismo Podemos compreender tudo que queremos de um ponto de vista behaviorista (palavra horrorosa)... Ludwig Wittgenstein 89 Muitos são os caminhos que podem tornar rico o diálogo entre a obra de Wittgenstein e uma específica proposta científica. Em especial, considerando a radicalidade do behaviorismo, seu confronto específico com aspectos centrais da filosofia moderna, ele se torna mais que um simples empreendimento científico, estando eivado de ricas sugestões filosóficas. Além disso, o behaviorismo pode contemplar mais de um aspecto. Tanto pode afirmar certas teses sobre o mental, quanto, de modo mais tênue, pode sugerir um recorte metodológico para uma ciência específica. Mesmo pela breve reconstrução de sua inserção nos primórdios da psicologia como ciência, bem como na indicação sumária de dois caminhos por meio dos quais sua herança pode ter tocado mais diretamente Wittgenstein, temos muitas possibilidades de abordagem acerca das suas relações. Enfim, considerando a recepção da obra, podemos notar que a temática foi associada em demasia ao célebre argumento da linguagem privada, que, sozinho, já consumiu bastante tinta, tendo gerado um volume enorme de papers e dissertações. Somente o argumento da linguagem 89 Wittgenstein, Ludwig, Wittgenstein’s Nachlass, MS 110, p. 53. 76 privada bastaria para mais uma dissertação, ou ainda para uma tese. Não negamos que seja esse um passo elegante, pelo qual poderíamos mostrar como necessariamente se dá fora a linguagem, não havendo qualquer acesso privilegiado a ela que não se traduza em comportamentos. Não foi esse, porém, o caminho que escolhemos. Embora não tenhamos limitado a abordagem, embora tenhamos multiplicado sugestões sem a devida resposta completa, nosso objetivo foi bem mais restrito. Procuramos, enfim, indicar em que medida Wittgenstein tematizou explicitamente sua relação com o behaviorismo. Assim, elencamos suas diversas referências, quase todas relativas ao combate à visão pneumática da significação, mas sobretudo à separação entre interno e externo. Não deixamos assim de registrar a própria ambigüidade de Wittgenstein, que ora reconhece alguma similaridade com o behaviorismo, ora chega a rejeitar até mesmo o termo, que diz ser horroroso. De certa forma, podemos considerar que esta dissertação oferece-nos apenas um estágio preparatório para outros vôos, tendo conseguido indicar suficientemente: (1) a clara relevância da temática do behaviorismo para um estudo qualquer sobre a significação em Wittgenstein; (2) a efetiva ligação de Wittgenstein com a temática, documentada em diversos documentos e reiteradas enunciações; (3) a ambigüidade constitutiva de seu tratamento, uma vez que, com o behaviorismo, temos um ângulo inusitado, capaz de dar nova luz ao problema, mas um ângulo que não pode se tornar definitivo, sob pena de uma generalização unilateral da experiência. São resultados modestos. Talvez não tenham sido cumpridos de todo, mas também outros pequenos passos, não sumarizados acima, foram dados. De qualquer forma, podemos identificar a fonte da ambigüidade em uma irredutível diferença conceitual. É mais uma sugestão de nosso 77 trabalho. Em Wittgenstein, diferentemente de Quine, filosofia e ciência, conquanto dialoguem, se apresentam em registros distintos e irredutíveis. Por isso mesmo, não poderia Wittgenstein estar fazendo uma ciência específica, nem renunciando à natureza filosófica de sua empreitada. 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AYER, A. J. El Positivismo Logico: Introducción del compilador. México: Fondo de Cultura Econômica, S.A. de C.V, 1965. ____. El Positivismo Logico: Verificacón y experiencia. México: Fondo de Cultura Econômica, S.A. de C.V, 1965. BOUVERESSE, Jacques. Le Mythe de L’Intériorité: Expérience, signification et langage privé chez Wittgenstein. Paris: Lês Éditions de Minuit, 1987. ____. La force de la Régle: Wittgenstein et l’invention de la necessité. Paris: Lês Éditions de Minuit, 1987. BUDD, Malcon. Wittgenstein’s Philosophy of Psychology. Londres: Routledge, 1989. CARNAP, R. El Positivismo Logico: Psicología em lenguage fisicalista. México: Fondo de Cultura Econômica, S.A. de C.V, 1965. 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