não é prático tentar desenvolver apenas um medicamento para a

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NÃO É PRÁTICO TENTAR DESENVOLVER APENAS UM MEDICAMENTO
PARA A ESQUIZOFRENIA, POIS HÁ DIFERENTES TIPOS DE COMPLEXOS DE SINTOMAS
ASSOCIADOS À DOENÇA. TEMOS QUE TENTAR ATACAR CADA SINTOMA INDIVIDUALMENTE,
POIS HÁ DIFERENTES MECANISMOS POR TRÁS DA DOENÇA
Desde que o senhor ganhou o prêmio Nobel por sua pesquisa
sobre a memória, usando a lesma-do-mar Aplysia para experimentos, que outras descobertas foram feitas nessa área
que considera importantes? Na minha pesquisa, tomei
duas direções principais desde 2000. Primeiramente,
nos concentramos no processo pelo qual a memória
é perpetuada – o que faz com que nos lembremos de
algo pelo resto da vida – e nos deparamos com um
mecanismo muito interessante. Mostramos que as
memórias de longo prazo envolvem a expressão de ge­nes específicos a certas sinapses no nosso cérebro.
O modo como as sinapses das memórias de longo pra­zo se mantêm é pela síntese de algumas proteínas.
Já sabíamos que, quando produzimos uma memória
de curto prazo, as sinapses do cérebro são modifica­das, mas sem mudanças anatômicas. Recentemente,
descobrimos que, quando produzimos uma memória
de longo prazo, ocorrem mudanças anatômicas no nos­so cérebro: a expressão de alguns genes é alterada, no­
vas proteínas são sintetizadas transformando as sina­p­­ses e criando outras novas. Isso quer dizer que, quan­do algo impactante acontece na sua vida, gera efeitos
na expressão dos genes do seu cérebro.
Mais tarde observamos outros detalhes surpreen­
dentes nesse processo. Um estudante de doutorado
do meu laboratório descobriu uma molécula, a CPEB,
que regula o mecanismo de formação de memórias
de longo prazo. Mas, essa molécula, que ajuda a man­ter as sinapses em bom estado, surpreendentemente,
tem proteínas semelhantes aos príons. Os príons foram
caracterizados nos anos 1990 como as proteínas res­
ponsáveis pela doença de Creutzfeldt-Jakob, a doença
da vaca louca. Eram conhecidas diferentes proteínas
que podiam se autoperpetuar na forma de príons, mas
sempre como causadoras de doenças, matando as células do cérebro. Nós conseguimos obter o primeiro
exemplo de um príon que é funcional. Quando ele se
perpetua nas células, trabalha normalmente, não as danifica, permite que elas funcionem melhor. A princípio,
observamos isso na Aplysia. Recentemente, vimos que
isso ocorre também em camundongos.
O senhor veio ao Brasil apresentar sua nova linha de pesquisa, sobre a esquizofrenia. Como o senhor entrou nesse novo
campo de estudo e qual a relação dele com a memória? Sou
fascinado pela memória, pois ela é a cola que junta a
nossa mente, é o que faz de você quem você é. Então,
tenho me concentrado em dois tipos de distúrbios
de memória. Um é a perda de memória relacionada à
idade, que independe de uma doença específica e se
dá normalmente com o tempo. O outro é a perda de me­
mória associada às doenças psiquiátricas, como a es­
quizofrenia, que tem como um dos sintomas um déficit
de memória de curto prazo.
O senhor disse uma vez que, nos últimos 40 anos, não houve
avanços na farmacoterapia para doenças mentais, espe­
cialmente para a esquizofrenia. O senhor e sua equipe pretendem desenvolver novos medicamentos para essa doença?
Sim, eu disse isso mesmo, e estamos estudando no­vas
drogas. Acho que não é prático tentar desenvolver apenas um medicamento para a esquizofrenia, pois há
diferentes tipos de complexos de sintomas associados
à doença. Temos que tentar atacar cada sintoma indi­
vidualmente, pois há diferentes mecanismos por trás
da doença.
Qual seria a diferença entre as drogas que vocês estão desenvolvendo e as que são usadas hoje? Como elas atuariam
nesses outros sintomas? As drogas que temos hoje só
tratam um dos complexos de sintomas da esquizofrenia,
os chamados sintomas positivos, como as alucinações,
e não miram nos sintomas negativos, como a falta de
motivação, nem nos cognitivos, como o déficit de me­
mória de curto prazo. Acho que precisamos desenvol­ver abordagens completamente novas para os pacien­tes, focando esses últimos dois sintomas, e também terapias para as pessoas que não respondem aos anti­
psicóticos, que tratam apenas os sintomas positivos.
O senhor já chegou a algum resultado concreto em termos de
medicamentos? Ainda estamos trabalhando nessa nova
abordagem, usando camundongos geneticamente mo-
288 | DEZEMBRO 2011 | CIÊNCIAHOJE | 9
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