1 Mesa Redonda TEORIAS E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS Coordenação Maria da Gloria Gohn Unicamp/UNINOVE/CNPq Título Paper Práticas Movimentos Sociais na América Latina: Teorias e Maria da Glória Gohn-UNICAMP/UNINOVE/CNPq E-mail: [email protected] Resumo O objetivo do texto é investigar sobre os movimentos sociais na atualidade na América Latina e a produção de conhecimento que tem sido publicada a respeito, a partir de exemplos do Brasil, Argentina e Bolívia. O estudo apresenta um mapeamento das categorias e teorias que tem sido utilizadas para analisá-los, destacando alguns pesquisadores e a produção a respeito. Palavras chaves: movimentos sociais-teorias- associativismo-produção de conhecimento. A produção do conhecimento sobre os movimentos sociais e o associativismo no século XXI na América Latina A observação que tomamos como ponto de partida é: neste milênio o tema dos movimentos sociais retomou um lugar central no plano internacional como objeto de investigação, especialmente devido a emergência do movimento antiglobalização, sob novas perspectivas - global ou transnacionais, como resposta ao avanço do neoliberalismo dos anos de 1990; lutas locais, comunitárias, e identitárias, a exemplo dos povos 2 indígenas; e o resurgimento de inúmeras ações cidadãs impulsionadas pelas novas políticas sociais públicas .No primeiro caso citamos o movimento antiglobalização e a ênfase analítica está nas redes que constroem, sendo os Fóruns que realizam seus principais momentos de visibilidade (vide Farro, 2003; Farro e Talher 2007; MacDonald, 2006; Gohn 2003, Della Porta, 2007, Della Porta e S. Tarrow , 2005; Munõz, 2008 ).No segundo caso, ações comunitárias locais também ganham destaque, tanto no plano internacional como no Brasil (Hamel, 2003; Putnam, 2000; Martins, 2004; Gohn, 2004, 2010, Quijano, 2006 e outros) . A terceira forma é a mais carente de pesquisas (vide Gohn, 2010). Registre-se ainda que movimentos de religiosos também passaram a ocupar a atenção dos pesquisadores. Sabe-se que o processo de produção de conhecimento pode ser analisado segundo múltiplos olhares. A trajetória histórica do tema ou objeto ou sujeito em tela, seus conteúdos, a relação entre os agentes envolvidos no processo, a posição dos diferentes sujeitos atuantes no processo etc. Qualquer que seja o recorte, sempre nos defrontamos com os mediadores-professores, assessores, militantes, ou simplesmente como os denominaremos neste texto- intelectuais. Sabe-se que a categoria dos intelectuais é um tema complicado porque tem diferentes conotações e sujeitos/alvos, tais como: o intelectual orgânico(Gramsci), intelectual colectivo (Bordieu), intelectual específico (Foucault), intelectual anfíbio (Svampa),etc.Neste texto utilizaremos o termo intelectual para os pesquisadores, produtores de pesquisas, análises e textos sobre a temática dos movimentos sociais, independente de sua filiação profissional (universidade, academias, centros de pesquisa, ONGs, ou assessores de movimentos). Faremos citações de nomes e obras, sem nos deter em suas análises, dado a falta de espaço neste texto. Neste novo século, para alguns analistas os movimentos sociais são fenômenos-chave. Para outros são parte de uma problemática já equacionada por meio da institucionalização de práticas sociais, um tema do passado e não mais do futuro. Outros, mais idealistas, afirmam que os movimentos não teriam realizado o papel a eles atribuído de transformadores de relações sociais, de agentes do processo de mudanças sociais. E outros ainda os consideram o resultado de construções 3 estratégicas de ações coletivas civis, organizadas para recompor uma certa ―ordem social‖ interrompida. Entre o passado, o presente e o futuro, como podemos analisar de fato os movimentos sociais? De concreto observa-se que vagarosamente o tema tem voltado à agenda dos pesquisadores nesta década, principalmente novos pesquisadores, pautando o debate em eventos e publicações recentes em números temáticos de revistas brasileira ( ver as seguintes Revistas: Sociedade e Estado, (vol 21, no 1,2006), Estudos Históricos (no. 42, 2008), Caderno CRH, (Vol. 21No 54, 2008); Lua Nova, (no 76, 2009); ECCOS Revista Científica(vol. 10, no 1, 2009); Ciências Sociais Unisinos, (vol. 46, no 1,2010); Revista Brasileira de Ciência Política, (no 3, 2010); Revista IHU-Humanitas Unisinos, (no 325, 2010); Anais do I Seminário Internacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia, (Florianópolis, 2010), entre outros. O universo das categorias utilizadas nas últimas décadas do século XX, na análise dos movimentos sociais, se altera e passa a conviver com outras categorias. Assim, justiça social, igualdade, cidadania, emancipação, direitos, exclusão social, lutas pelo biopoder etc. disputam espaços ou convivem com responsabilidade social, compromisso social, redes sociais, inclusão social, mobilização social, desenvolvimento sustentável, empoderamento, auto-estima, protagonismo social, economia social, capital social, etc. utilizadas por diferentes autores, com outros referenciais e matrizes teóricas. Se nos anos 90, cidadania e exclusão dominaram nos trabalhos sobre os movimentos sociais, no novo milênio rede social (ver Scherer-Warren, 2006) e inclusão social passam a ter um papel importante. A categoria inclusão social chega a substituir a categoria exclusão, em termos de ênfase que esta última teve nos anos 90, em estudos e pesquisas, num movimento contraditório que acompanha a ênfase nas novas políticas sociais e buscam dar suporte às novas ações coletivas.Rede – de diferentes naturezas e sentidos aos pouco deixa de ser um instrumento de mediação e organização para ganhar estatuto próprio, a exemplo das redes transnacionais, como a CLOC-Coordinadora Latino Americana de Organizaciones Del Campo de, que não tem território pátrio, grupo dirigente ou uma diretoria. È uma rede virtual, como muitas outras que atuam junto ao Fórum Social Mundial. Na realidade, a maioria dos que utilizam estas 4 categorias esta mais preocupada apenas com as ações solidárias, o destaque ao empoderamento social, com a gestão de processos colaborativos, do que com análises críticas sobre as ações coletivas (ver GOHN, 2009, 2010). A questão da emancipação social persiste, mas restrita a alguns teóricos e não mais sob o crivo exclusivo da abordagem marxista. Outra categoria básica na atualidade é território - ela para a ser uma categoria ressignificada e uma das mais utilizadas para explicar as ações localizadas. Cada grupo atua em seu espaço – territorial/geográfico, lingüístico, étnico, sócioeconômico; com seus problemas, interlocutores, políticas, mediações etc. Alguns movimentos autodenominam-se como movimentos territoriais. Ou seja, o território torna-se um referente central para os projetos de agregação das ações coletivas e não mais as ideologias ou correntes de opiniões políticas.Entretanto, nem sempre a noção de território é trabalhada em sua totalidade, ou seja - além de seus aspectos físico-espaciais porque incluem referenciais da ancestralidade dos povos que lá vivem, seus idiomas, organização social, formas de produção, seus símbolos, signos e sua cosmovisão de vida. Registre-se ainda que a noção de território tem outra conotação, que ultrapassam as representações simbólicas e inserem-se no plano das estratégias da esquerda latinoamericana. As unidades fabris –que atuam no plano da produção, tem seu curso normal afetado pelas greves dos operários; mas o território de uma região é também importante para perturbar a circulação das mercadorias. Por isto as interrupções de rotas, os ―cortes de lãs rutas‖, bastante comum na Argentina, é uma das estratégias utilizadas quando se trata da questão da disputas de territórios. Disto tudo, conclui-se: o leque das abordagens teóricas dos movimentos sociais é amplo e diversificado, tanto na América Latina como fora dela. Não há uma mas várias teorias (ver Gohn,2010 b) . E em cada paradigma interpretativo podemos encontrar também várias teorias. De forma geral observam-se cinco eixos analíticos nas teorias, a saber: 1- Teorias construídas a partir de eixos culturais, relativas ao processo de construção de identidades (atribuídas ou adquiridas), onde diferentes tipos de pertencimentos são fundamentais- em um dado território, grupo étnico, religião, faixa etária, comunidade ou grupo de 5 interesses etc. Criam-se vínculos e as ações são frutos de processos de reflexividade- os sujeitos participantes constroem sentidos e significados para suas ações a partir do próprio agir coletivo.( Ver Melucci, Touraine, entre outros ) . A abordagem cultural sobre os movimentos sociais cresceu neste novo milênio. Fora da América Latina, Johnston e Klandermans já anunciavam esta tendência em 1995, quando publicaram ― Social Movements and Culture‖. Ann Swidler, uma das autoras daquela coletânea associou os movimentos sociais ao desenvolvimento de inovações culturais, e depois a questão de gênero. Aspectos da subjetividade, e dimensões da cultura de um grupo ou das pessoas têm sido os eixos analíticos predominantes neste século. Ou seja, esta abordagem, com grandes diferenças entre seus autores, tem um ponto comum- a ênfase na identidade e na cultura dos movimentos sociais.. 2- Teorias focadas no eixo da Justiça Social que destacam as questões do reconhecimento (das diferenças, das desigualdades, etc.) e nas questões da redistribuição (de bens ou direitos, como forma de compensar as injustiças historicamente acumuladas. As teorias críticas, herdeiras da Escola de Frankfurt dão sustentação a estas abordagens. Exemplos: Axel Honneth (2003), Nancy Fraser (2001) ,Sobotka e Saavedra,( 2008) 3- Teorias que destacam a capacidade de resistência dos movimentos sociais, destacam-se as elaborações sobre o tema da autonomia, das novas formas de lutas em busca da construção de um novo mundo, de novas relações sociais não focadas/orientadas pelo mercado, da luta contra o neoliberalismo. Nesta abordagem critica-se veementemente a ressigficação das lutas emancipatórias e cidadãs pelas políticas públicas que buscam apenas a integração social, a construção e produção de consensos- conclamando para processos participativos mas deixando- os inconclusos, os resultados sendo apropriados por um só lado- que detêm o controle sobre as ações desenvolvidas. São as cidadanias tuteladas, geradas nos processos de modernização conservadora.. Troca-se identidades políticasconstruídas e tecidas em longas jornadas de lutas, por políticas de 6 identidades- tecidas em gabinetes burocratizados. Na América Latina a CLACSO— Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais — e seus pesquisadores é um bom exemplo de produção teórica neste eixo, ao fazer o acompanhamento dos movimentos e políticas sociais e criticar a integração conservadora em marcha em inúmeros países da América Latina a exemplo de Seoane, Taddei e Algranati,( 2006), Seone (2003), Taddei (2001), Boron e Lechini (2006), Sader (2005) e Cattani e Cimadamore (2007), Quevedo e Iokoi (2007), Di Marco e Palomino (2004) . O CLACSO criou um ―Observatório Social da América Latina‖ (20006 a, 2006b, 2007) para registrar e fazer avaliações periódicas das lutas e dos movimentos da região. Christian Adel Mirza (2006), um de seus pesquisadores, analisou os movimentos sociais da América Latina da perspectiva de novas formas de dependência que foram construídas com e pelos Estados Unidos, e das novas relações dos movimentos sociais com o sistema político vigente. O autor destaca a questão da autonomia como um problema-chave — a debilidade da autonomia em relação às estruturas de poder, porque existiria, segundo Mirza, um vínculo histórico entre os movimentos sociais e os partidos políticos. Do ponto de vista metodológico, Mirza faz uma importante contribuição ao analisar a relação entre os movimentos sociais e os sistemas políticos. Ele investiga nos movimentos o grau de organicidade, capacidade de proposta, capacidade de mobilizar por meio de suas convocações, discurso político, grau de autonomia e taxa de afiliação (número de militantes/participantes ou adeptos dos movimentos). Essas dimensões são analisadas em perspectiva histórica. Segundo ele, o fortalecimento dos movimentos sociais não tem sido possível devido a esta cultura política existente, herdada do século XX. Concordando com Mirza, citamos o caso da herança do populismo nas Sociedades de Amigos de Bairros, no Brasil, e o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e suas relações com o PT, na contemporaneidade, assim como piqueteiros os e seus ―panelaços‖ na Argentina, na atualidade. Acreditamos, entretanto, que esta cultura política de ―dependência‖ 7 dos sistemas políticos existentes vem desde o tempo colonial. Touraine já afirmava nos anos de 1980 que ―a subordinação dos movimentos sociais à ação do Estado constitui a limitação mais grave de sua capacidade de ação coletiva autônoma‖ (TOURAINE 1989). 4- Teorias Pós Colonial também denominada por alguns como das racionalidades alternativas. Este grupo inclui autores e pontos de vista da abordagem anterior. Ele se destaca porque inclui outros autores da Europa, Estados Unidos etc. Na América Latina ele tem se constituído em um novo eixo paradigmático. O leque de autores é vasto que vai de Boaventura de Souza Santos (2006, 2009), Aníbal Quijano (2004), Enrique Dussel (2002, 2005), Walter Mignolo (2003, 2009),Franzé (2009), Spivak et alli(2008), S. Hall( 2003), P. Gilroy (2004) Darcy Ribeiro(1978), Édouard Glissant(2005) ; Serge Gruzinski(2003) etc., além de precursores como F. Fanon (1968), Orlando Fals Borda (1986), H. Bhabha (2004), E. Said (1995) etc. além de formuladores da teoria da dependência, como André Gunder Frank, Enzo Faletto, F.H.Cardoso etc.Segundo Romão (2008) ―De uma forma ou de outra, a maioria dos pensadores que enumeramos como autores de razões alternativas buscam referências no pensamento de Immanuel Wallerstein, que desenvolveu a concepção de ―Sistema-Mundo‖, com sua obra monumental The Modern WorldSystem .― Observa-se que a abordagem dos teóricos desta corrente, críticos ao pós-colonialismo, defensores de razões alternativas, recupera na formação histórica da América Latina a matriz do poder colonial no século XVI. Destaca que a fundamentação deste poder está no controle do conhecimento , fazendo deste controle as bases do domínio político, econômico, cultural e social. Com isto, o saber dominante, colonial, desqualificou-se outros conhecimentos e saberes que não o do colonizador, europeu, do hemisfério Norte, advindo dos brancos etc. Com isto, o problema central da América Latina seria a descolonização do saber e do ser (enquanto repositório de práticas e valores que mantém e reproduzem subjetividades e conhecimentos), 8 saberes estes que ―são mantidos por um tipo de economia que alimenta as instituições, os argumentos e os consumidores (Mignolo, 2009:254). Na mesma linha de argumentos Sirvent (2008) afirma que um dos grandes problemas sociais contemporâneos é: o fenômeno da naturalização da injustiça, a exploração e a pobreza nas mentes da população, inibindo o desenvolvimento do pensamento crítico. Com isto, o poder dominante foi se transformando em nosso sentido comum.Sirvent preconiza a necessidade de se construir poder por meio do conhecimento e isto implica em ‗construir categorias para pensar a realidade que possam gerar ações de mobilização coletiva em confrontação com os significados que desmobilizam e paralizam ―(Sirvent, 2008:22). Dussel (2002), contribui para novos olhares sobre os movimentos sociais ao analisar uma pedagogia crítica que contribui para a emancipação dos oprimidos, numa abordagem que une Paulo Freire, a Escola de Frankfurt-especialmente Marcuse, análises de Freud, Nietzsche e Lévinas, etc. para criar uma Ética da Libertação a partir da construção da identidade das vítimas. A ética da libertação realiza-se com a consciência ética de ser vítima, ela se transforma em sujeito pela comunidade O comunitarismo e o neocomunitarismo é um veio analítico utilizado em algumas vertentes das teorias da descolonização. 5- Teorias que canalizam todas as atenções para os processos de institucionalização das ações coletivas. Preocupam-se com os vínculos e redes de sociabilidade das pessoas, assim como o desempenho das pessoas em instituições, organizações, espaços segregados, associações etc. O paradigma teórico que embasa toda a elaboração / construção e desenvolvimento desta abordagem baseia-se nas teorias da privação social, desenvolvidas inicialmente, entre outros, pelos interacionistas simbólicos no início do século XX. Na atualidade são influenciados por Tarrow (1994,2005, 2007, 2010), MacAdam, McCarth e Zald(1996) etc. Observa-se também a utilização da abordagem desenvolvida por Charles Tilly (2005, 2007) , nos Estados Unidos, e muito difundida também na Inglaterra, sobre as disputas políticas- “contentious politics”. 9 O uso destas teorias esta presente, de forma explícita ou não, nas redes temáticas de pesquisas que se formaram ou se adensam na última década. Entretanto, o tema dos movimentos sociais deixa de ser objeto de pesquisa apenas da academia. ONGs e outras entidades do terceiro setor, assim como entidades do poder público administrativo, iniciam pesquisas empíricas sobre alguns movimentos sociais a fim de obter dados para seus planos e projetos de intervenção na realidade social. Elas também patrocinam cursos, seminários e encontros de movimentos sociais com estudiosos e pesquisadores. Vários estudos desta produção é de natureza estratégica instrumental — visa, prioritariamente, informar as ações de intervenção junto a grupos organizados (ver TORO 2007), mas se constitui numa grande fonte de dados para a pesquisa. A revisão ou retomada de uma reflexão sobre os movimentos populares das décadas de 1970 e 1980 aparece em estudos de intelectuais e assessores dos movimentos naquele período, sendo também uma grande fonte de memória e registro histórico, a exemplo de Wanderley (2007). No campo das ferramentas teórico-metodológicas do trabalho empírico, de campo, uma das tendências que está ganhando corpo nesta década é a de realizar estudos sobre trajetórias de lideranças-especialmente de movimentos com maioria de mulheres. O único problema neste tipo de investigação, que é relevante e há grandes lacunas a respeito, é que as teorias que tem fundamentado estas investigações tomam os indivíduos, com suas trajetórias e histórias de vida, como unidades isoladas, preocupando-se pouco ou quase nada, com o movimento ou ação coletiva do qual fazem parte. Não há também contextualização histórica do período em análise. Resultam estudos que glorificam as histórias de vida, os personagens, caracterizados como grandes líderes, transformam-se em heróis e heroínas, que venceram as adversidades da vida e ―chegaram lá‖ . Empoderaram-se é o termo mais utilizado, usando uma categoria típica das novas políticas sociais neoliberais.A moral é que qualifica estas lideranças, são consideradas virtuosas por qualidades pessoais-vai lá, faz, etc. A formação ou erudição em uma área do conhecimento-não importa. O individualismo pragmatista é o que se destaca. A identificação entre os membros da comunidade local com estas lideranças é feita por esta teia de 10 sentimentos e interesses concretos imediatos- continuar na lista dos cartões ou bolsas, por exemplo, e não por alguma causa ou ideal coletivo. Não há deliberações conscientes. Há tomadas de posições estratégicas e utilitaristas.O uso da metodologia dos grupos focais também passa a ser bastante preconizado, nas pesquisas que destacam mais as trajetórias dos indivíduos, do que a história da ação coletiva dos grupos , associações e movimentos sociais. O mexicano Rafael R. Alvarez (2000), na contramão da grande maioria dos pesquisadores, que deixam de lado a dimensão do político em seus estudos, irá analisá-la constituição da identidade do sujeito. Para ele, a constituição do sujeito social se dá a partir do lugar que ele ocupa no social, no político, no cultural e no espaço simbólico de outros sujeitos. Ele destaca a importância dos projetos sociais na constituição do sujeito, não como algo pronto, mas sim processual e tensionado pelas diferenças entre os atores de uma ação coletiva organizada como movimento social. Projeto social é entendido aqui como o projeto político-ideológico de um grupo, explicitado ou não. A apropriação de conhecimentos e a experiência dos sujeitos são à base da prática política que irá nos explicar a construção dos projetos. Da mesma forma, a cultura política vigente não é dada pronta ou preexiste, bastando encaixar-se na realidade de um grupo. Ela também é gerada no processo a partir dos valores que vão sendo assumidos como básicos do grupo e pelo grupo. Não há, portanto, nada intrínseco, pré-dado. As construções são relacionais, ainda que as estruturas maiores existam a priori, antes das ações. Mas elas vão se modificando com as ações. Um movimento social com certa permanência é aquele que cria sua própria identidade a partir de suas necessidades e seus desejos, tomando referentes com os quais se identifica. Ele não assume ou ―veste‖ uma identidade pré-construída apenas porque tem uma etnia, um gênero ou uma idade. Este ato configura uma política de identidade e não uma identidade política. O reconhecimento da identidade política se faz no processo de luta, perante a sociedade civil e política; não se trata de um reconhecimento outorgado, doado, uma inclusão de cima para baixo. O reconhecimento jurídico, a construção formal de um direito, para que tenha legitimidade, deve 11 ser uma resposta do Estado à demanda organizada. Deve-se tratar a questão da identidade em termos de um campo relacional, de disputas e tensões, um processo de reconhecimento da institucionalidade da ação, e não como um processo de institucionalização da ação coletiva, de forma normativa, com regras e enquadramentos, como temos observado nas políticas públicas no Brasil na atualidade. O movimento social, enquanto um sujeito social coletivo, não pode ser pensado fora de seu contexto histórico e conjuntural. As identidades são móveis, variam segundo a conjuntura. Há um processo de socialização da identidade que vai sendo construída. Compartilhamos a idéia de Hobsbawm quando afirma que as identidades são múltiplas, combinadas e intercambiáveis. Ao contrário da política de identidades construídas pelo alto, usualmente de forma homogênea (nos termos criticados por Fraser, 2001), a identidade política dos movimentos sociais não é única, ela pode variar em contextos e conjunturas diferentes. E muda porque há aprendizagens, que geram consciência de interesses. Os sujeitos dos movimentos sociais saberão fazer leituras de mundo, identificar projetos diferentes ou convergentes se participarem integralmente das ações coletivas, desde seu início, geradas por uma demanda socioeconômica ou cultural- relativa ao não pelo simples reconhecimento no plano dos valores ou da moral. A grande mudança observada nos estudos sobre as políticas de parceria do Estado com a sociedade civil organizada está na direção do foco central da análise: do agente para a demanda a ser atendida. Reconhecem-se as carências e busca-se superá-las de forma holística. Olhares multifocais que contemplam raça, etnia, gênero, idade etc. passam a ser privilegiados. O sujeito coletivo se dilacera, fragmenta-se em múltiplos campos isolados. Sozinhos, estes múltiplos sujeitos não têm força coletiva, e o ponto de convergência entre eles é o próprio Estado. A interação do Estado por meio da ação de seus governos se faz mediante uma retórica que retira dos movimentos a ação propriamente dita (ver também Burity, 2006). Ela se transforma em execução de tarefas programadas, tarefas que serão monitoradas e avaliadas para que possam continuar a existir. A 12 institucionalização das ações coletivas impera no sentido já assinalado-como regulação normativa, com regras e espaços demarcados e não como um campo relacional de reconhecimento. A possibilidade da emancipação fica confinada aos espaços de resistência existentes. Há uma disputa no processo de construção da democracia, em seu sentido-integrador versus emancipador. (ver também Dagnino, Olvera e Panfichi, 2006). Resta o consolo de que, a médio ou longo prazo, isto gera aprendizado sociopolítico para os movimentos sociais e contribui para a construção de valores, vindo a desenvolver uma cultura política alternativa ao que está posto. Há indicações a este respeito quando entidades como a ABONG-Associação Brasileira de ONGs indaga: ―. 1. Conferências e conselhos participativos têm de fato democratizado o exercício do poder, incluindo mais segmentos sociais e pontos de vista nos debates e nas decisões sobre temas de interesse público? 2. Conferências e conselhos têm conseguido ampliar os direitos, melhorar a distribuição dos recursos da sociedade (renda, terra, oportunidades etc.), melhorar os serviços públicos e proteger o meio ambiente? 3. Será possível estender os processos participativos e de controle social também para o âmbito das políticas econômicas, que permanecem ainda bastante impenetráveis, territórios exclusivos de burocratas e especialistas, dos lobbies dos grandes grupos econômicos privados? 4. Estarão esses espaços de participação se tornando mecanismos modernizados de retomar velhas práticas clientelistas, de cooptação e controle de movimentos populares, sindicatos, ONGs ou outros grupos potencialmente críticos aos governos? 5. A participação em conferências e conselhos vem afastando as ONGs de suas atividades de mobilização e formação política de grupos e movimentos de base? A ABONG responde no mesmo boletim 13 “...a mobilização e formação política da sociedade são, de fato, tarefas importantes que ONGs, sindicatos e movimentos sociais devem realizar de forma cada vez mais forte. A participação nos espaços institucionais, porém, não é uma alternativa aos trabalhos na base da sociedade. Pelo contrário, criam oportunidades excelentes de formação política de grupos de base e da população em geral, com a discussão de temas relevantes e explicitação das posições dos vários grupos de interesse. Além disso, as conferências e os conselhos certamente se fortalecem se há processos de mobilização social respaldando suas proposições” (Boletim ABONG, no 467, Julho de 2010, grifo nosso). Notas Finais No plano da produção de conhecimento sobre os movimentos sociais, análises fundadas nas narrativas que estabeleciam uma clara conexão entre classes sociais e movimentos sociais, e a centralidade da classe operária como sujeito fundamental das transformações sociais, reduziram-se em toda a América Latina neste novo milênio. O exame da literatura a respeito nos revela um crescimento das análises que ampliam o espectro dos sujeitos em cena, antes circunscrito ao movimento operário e aos movimentos sociais das camadas populares no local de moradia. Alguns autores passam a falar de sujeitos no plural, a exemplo de Rauber quando afirma ― em Latinoamérica no existe hoy ningún actor social, sociopolítico que pueda por si solo erigirge em sujeto de lãs transformación; este resulta necessariamente um plural-articulado que se configura y expresa como tal sujeto em tanto sea capaz de interarticularse, constituyéndose em sujeto popular‖ (Isabel Rauber, 2003: 58). Movimentos sociais de outras camadas- como os ambientalistas ou as mulheres das camadas médias, focalizam outros atores sociais na cena pública, como os que atuam nas ONGs. Esta mudança de foco levou muitos analistas a abraçarem abordagens que se preocupam com as formas de organizar a participação e a mobilização social, numa linha próxima às teorias norte-americanas da mobilização de recursos e oportunidades políticas, onde as disputas políticas configuram as estruturas associativas - 14 que tendem para a institucionalização operacional das demandas e práticas sociais. Teorias críticas, a exemplo das que tem sido elaboradas pela CLACSO, ou entre os intelectuais que titulam sua produção como ―contra o neocolonialismo‖ tem se constituído em um novo eixo paradigmático, unindo pesquisadores de vários países, do Sul e do Norte do globo, originários de diferentes matrizes teóricas.A grande tarefa destes intelectuais é não ficar nos desenhos e modelos analíticos e enfrentar os desafios postos pela ação dos movimentos e organizações sociais concretas, produzindo reflexões que responda a indagações como as colocadas pela ABONG, citadas logo acima, neste texto. Bibliografia de Referência ABERS, Rebecca e von BULOW, Marisa (Orgs). Dossiê: Movimentos sociais e ação coletiva. Revista Brasileira de Ciência Política, no 3, Brasília, janjulho 2010. ABONG. Boletim da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG Informes, De 1° a 14 de julho de 2010 – Nº 467 ALONSO, Angela. 2009. As teorías dos movimentos sociais : um balanço do debate. 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