Teorias sobre os movimentos sociais: o debate contemporâneo

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Teorias sobre os movimentos sociais: o debate contemporâneo
Autora: Maria da Glória Gohn- Unicamp/CNPq
E-mail: [email protected]
Resumo
O trabalho apresenta o debate contemporâneo sobre as teorias dos
movimentos sociais, destacando-se os conceitos e as categorias utilizadas, assim
como os paradigmas teóricos que lhes dão suporte. A partir de um panorama geral
sobre movimentos e publicações recentes destacam-se cinco eixos teóricos, a saber:
culturais, o tema da justiça social, resistência como foco básico, teorias pós coloniais e
teorias com ênfase nos aspectos institucionais das ações coletivas.
Palavras chaves: movimentos sociais-teorias- associativismo-produção de
conhecimento.
A produção do conhecimento sobre
os movimentos sociais e o
associativismo no século XXI na América Latina
Sabe-se que o processo de produção de conhecimento pode ser analisado
segundo múltiplos olhares. A trajetória histórica do tema ou objeto ou sujeito
em tela, seus conteúdos, a relação entre os agentes envolvidos no processo, a
posição dos diferentes sujeitos atuantes no processo etc. Qualquer que seja o
recorte, sempre nos defrontamos com os mediadores-professores, assessores,
militantes, ou simplesmente como os denominaremos neste texto- intelectuais.
Sabe-se que a categoria dos intelectuais é um tema complicado porque tem
diferentes
conotações
orgânico(Gramsci),
e
intelectual
sujeitos/alvos,
colectivo
tais
(Bordieu),
como:
o
intelectual
intelectual
específico
(Foucault), intelectual anfíbio (Svampa),etc.Neste texto utilizaremos o termo
intelectual para os pesquisadores, produtores de pesquisas, análises e textos
sobre a temática dos movimentos sociais, independente de sua filiação
profissional (universidade, academias, centros de pesquisa, ONGs, ou
2
assessores de movimentos). Faremos citações de nomes e obras, sem nos
deter em suas análises, dado a falta de espaço neste texto.
A observação que tomamos como ponto de partida é: neste milênio o
tema dos movimentos sociais retomou um lugar central no plano internacional
como objeto de investigação, especialmente devido
a emergência do
movimento antiglobalização, sob novas perspectivas - global ou transnacionais,
como resposta ao avanço do neoliberalismo dos anos de 1990; lutas locais,
comunitárias, e identitárias, a exemplo dos povos indígenas; e o ressurgimento
de inúmeras ações cidadãs impulsionadas pelas novas políticas sociais
públicas .No primeiro caso citamos o movimento antiglobalização e a ênfase
analítica está nas redes que constroem, sendo os Fóruns que realizam seus
principais momentos de visibilidade (vide Farro, 2003; Farro e Talher 2007;
MacDonald, 2006; Gohn 2003, Della Porta, 2007, Della Porta e S. Tarrow ,
2005; Munõz, 2008; Massiah, 2011; Pleyers, 2011 ).No segundo caso, ações
comunitárias locais também ganham destaque, tanto no plano internacional
como no Brasil (Hamel, 2003; Putnam, 2000; Martins, 2004; Gohn, 2004, 2010,
Quijano, 2006 e outros) . A terceira forma é a mais carente de pesquisas (vide
Gohn, 2010). Registre-se ainda que organizações terroristas e movimentos de
fanatismo religioso também passam a ocupar a atenção dos pesquisadores
(Goodwin, 2003).
Na primeira década deste milênio registra-se, no Brasil, uma série de
publicações demonstrando que a temática voltou à pauta, especialmente com
uma preocupação que pouca atenção recebeu no passado: a questão teórica.
Dentre as novas publicações destacam-se:: Revistas: Sociedade e Estado, (vol
21, no 1,2006), Estudos Históricos (no. 42, 2008), Caderno CRH, (Vol. 21, No
54, 2008); Lua Nova, (no 76, 2009); ECCOS Revista Científica(vol. 10, no 1,
2009); Ciências Sociais Unisinos, (vol. 46, no 1,2010); Revista Brasileira de
Ciência Política, (no 3, 2010); Revista IHU-Humanitas Unisinos, (no 325, 2010);
Revista Política e Sociedade ( no 18, vol 10, 2011), entre outros. Movimentos
anti ou alter-globalização, os escopos das lutas ampliaram-se para dimensões
territoriais transnacionais também ganharam destaque nas novas publicações
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As categorias de análise também se alteram. Se nos anos 90, cidadania e
exclusão dominaram nos trabalhos sobre os movimentos sociais,
no novo
milênio rede social (ver Scherer-Warren, 2006) e inclusão social passam a ter
um papel importante. A questão da emancipação social persiste, mas restrita a
alguns teóricos e não mais sob o crivo exclusivo da abordagem marxista.
Território para a ser uma categoria ressignificada e uma das mais utilizadas
para explicar as ações localizadas. Cada grupo atua em seu espaço –
territorial/geográfico, lingüístico, étnico, sócio-econômico; com seus problemas,
interlocutores, políticas, mediações etc. Alguns movimentos autodenominam-se
como movimentos territoriais. Ou seja, o território torna-se um referente central
para os projetos de agregação das ações coletivas e não mais as ideologias ou
correntes de opiniões políticas.Entretanto, nem sempre a noção de território é
trabalhada em sua totalidade, ou seja - além de seus aspectos físico-espaciais
porque incluem referenciais da ancestralidade dos povos que lá vivem, seus
idiomas, organização social, formas de produção, seus símbolos, signos e sua
cosmovisão de vida. Registre-se ainda que a noção de território tem outra
conotação, que ultrapassam as representações simbólicas e inserem-se no
plano das estratégias da esquerda latinoamericana. As unidades fabris –que
atuam no plano da produção, tem seu curso normal afetado pelas greves dos
operários; mas o território de uma região é também importante para perturbar a
circulação das mercadorias. Por isto as interrupções de rotas, os ―cortes de lãs
rutas‖, bastante comum na Argentina, é uma das estratégias utilizadas quando
se trata da questão da disputas de territórios.
Novos conceitos foram criados para dar suporte às novas ações tais como,
responsabilidade social, compromisso social, desenvolvimento sustentável,
empoderamento, protagonismo social, economia social, capital social, etc.
O universo das categorias: justiça social, igualdade, cidadania, emancipação,
direitos, lutas pelo biopoder etc. passa a conviver com outras categorías como
capital social, inclusão social, mobilização, empoderamento da comunidade,
auto-estima, responsabilidade social, compromisso social, sustentabilidade etc.
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Inclusão social substitui a categoria exclusão, em termos de ênfase que esta
teve nos anos 90, em estudos e pesquisas, num movimento contraditório que
acompanha a ênfase nas novas políticas sociais e buscam dar suporte às
novas ações coletivas. Na realidade, a maioria dos que utilizam estas
categorias não esta preocupada com a análise dos movimentos sociais em si,
mas sim com as ações solidárias, o destaque ao empoderamento social, e,
eventualmente, captar os possíveis conflitos sociais (ver GOHN, 2009).
Disto tudo, conclui-se: o leque das abordagens teóricas dos movimentos
sociais é amplo e diversificado, tanto na América Latina como fora dela. Não há
uma mas várias teorias (ver Gohn,2010 b) . E em cada paradigma interpretativo
podemos encontrar também várias teorias. De forma geral observam-se cinco
eixos analíticos nas teorias, a saber:
1- Teorias construídas a partir de eixos culturais, relativas ao processo de
construção de identidades (atribuídas ou adquiridas), onde diferentes
tipos de pertencimentos são fundamentais-a um dado território, grupo
étnico, religião, faixa etária, comunidade ou grupo de interesses etc.
Criam-se vínculos e as ações são frutos de processos de reflexividadeos sujeitos participantes constroem sentidos e significados para suas
ações a partir do próprio agir coletivo.( Ver Melucci, Touraine, entre
outros ) . A abordagem cultural sobre os movimentos sociais cresceu
neste novo milênio. Fora da América Latina, Johnston e Klandermans já
anunciavam esta tendência em 1995, quando publicaram ― Social
Movements and Culture‖.
Ann Swidler, uma das autoras daquela
coletânea associou os movimentos sociais ao desenvolvimento de
inovações culturais, e depois a questão de gênero. Aspectos da
subjetividade, e dimensões da cultura de um grupo ou das pessoas têm
sido os eixos analíticos predominantes neste século. Ou seja- o pós
modernismo tornou-se a abordagem abrangente.
2- Teorias focadas no eixo da Justiça Social que destacam as questões do
reconhecimento (das diferenças, das desigualdades, etc.) e nas
questões da redistribuição (de bens ou direitos, como forma de
compensar as injustiças históricamente acumuladas).As teorias críticas,
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herdeiras da Escola de Frankfurt dão sustentação a estas abordagens.
Exemplos: Axel Honneth, Nancy Fraser (vide Sobotka e Saavedra, 2008)
3- Teorias que destacam a capacidade de resistência dos movimentos
sociais, destacam-se as elaborações sobre o tema da autonomia, das
novas formas de lutas em busca da construção de um novo mundo, de
novas relações sociais não focadas/orientadas pelo mercado, da luta
contra o neoliberalismo. Nesta abordagem critica-se veementemente a
ressigficação das lutas emancipatórias e cidadãs pelas políticas públicas
que buscam apenas a integração social, a construção e produção de
consensos- conclamando para processos participativos mas deixandoos inconclusos, os resultados sendo apropriados por um só lado- que
detêm o controle sobre as ações desenvolvidas. São as cidadanias
tuteladas, geradas nos processos de modernização conservadora..
Troca-se identidades políticas- construídas e tecidas em longas jornadas
de lutas,
por políticas de identidades- tecidas em gabinetes
burocratizados. Na América Latina a CLACSO— Conselho LatinoAmericano de Ciências Sociais — e seus pesquisadores é um bom
exemplo de produção teórica neste eixo, ao fazer o acompanhamento
dos movimentos e políticas sociais e criticar a integração conservadora
em marcha em inúmeros países da América Latina( ver Seoane, Taddei
e Algranati, 2006), Seone (2003), Taddei (2001), Boron e Lechini (2006),
Sader (2005) e Cattani e Cimadamore (2007), Quevedo e Iokoi (2007),
Di Marco e Palomino (2004) . O CLACSO criou um ―Observatório Social
da América Latina‖ (20006 a, 2006b, 2007) para registrar e fazer
avaliações periódicas das lutas e dos movimentos da região. Christian
Adel Mirza (2006), um de seus pesquisadores, analisou os movimentos
sociais da América Latina da perspectiva de novas formas de
dependência que foram construídas com e pelos Estados Unidos, e das
novas relações dos movimentos sociais com o sistema político vigente.
O autor destaca a questão da autonomia como um problema-chave — a
debilidade da autonomia em relação às estruturas de poder, porque
existiria, segundo Mirza, um vínculo histórico entre os movimentos
sociais e os partidos políticos. Do ponto de vista metodológico, Mirza faz
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uma importante contribuição ao analisar a relação entre os movimentos
sociais e os sistemas políticos. Ele investiga nos movimentos o grau de
organicidade, capacidade de proposta, capacidade de mobilizar por
meio de suas convocações, discurso político, grau de autonomia e taxa
de afiliação (número de militantes/participantes ou adeptos dos
movimentos). Essas dimensões são analisadas em perspectiva histórica.
Segundo ele, o fortalecimento dos movimentos sociais não tem sido
possível devido a esta cultura política existente, herdada do século XX.
Concordando com Mirza, citamos o caso da herança do populismo nas
Sociedades de Amigos de Bairros, no Brasil, e o caso do Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e suas relações com o PT, na
contemporaneidade, assim como os piqueteiros e seus ―panelaços‖ na
Argentina, na atualidade. Acreditamos, entretanto, que esta cultura
política de ―dependência‖ dos sistemas políticos existentes vem desde o
tempo colonial. Touraine já afirmava nos anos de 1980 que ―a
subordinação dos movimentos sociais à ação do Estado constitui a
limitação mais grave de sua capacidade de ação coletiva autônoma‖
(TOURAINE 1989).
4- Teorias Pós Colonial também denominada por alguns como das
racionalidades alternativas. Este grupo inclui autores e pontos de vista da
abordagem anterior. Ele se destaca porque inclui outros autores da Europa,
Estados Unidos etc. Na América Latina ele tem se constituído em um novo
eixo paradigmático. O leque de autores é vasto que vai de Boaventura de
Souza Santos (2006, 2009), Aníbal Quijano (2004), Enrique Dussel (2002,
2005), Walter Mignolo (2003, 2009),Franzé (2009), Spivak et alli(2008),
S.
Hall( 2003), P. Gilroy (2004) etc., além de precursores como F. Fanon (1968),
Orlando Fals Borda (1986), H. Bhabha (1994), E. Said etc. além de
formuladores da teoria da dependência, como André Gunder Frank, Enzo
Faletto, F.H.Cardoso etc.. Este enfoque recupera na formação histórica da
América Latina a matriz do poder
colonial no século XVI. Destaca que a
fundamentação deste poder está no controle do conhecimento , fazendo deste
controle as bases do domínio político, econômico, cultural e social. Com isto, o
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saber dominante, colonial, desqualificou-se outros conhecimentos e saberes
que não o do colonizador, europeu, do hemisfério Norte, advindo dos brancos
etc. Com isto, o problema central da América Latina seria a descolonização
do saber e do ser (enquanto repositório de práticas e valores que mantém e
reproduzem subjetividades e conhecimentos), saberes estes que ―são mantidos
por um tipo de economia que alimenta as instituições, os argumentos e os
consumidores (Mignolo, 2009:254). Na mesma linha de argumentos Sirvent
(2008) afirma que um dos grandes problemas sociais contemporâneos é: o
fenômeno da naturalização da injustiça, a exploração e a pobreza nas mentes
da população, inibindo o desenvolvimento do pensamento crítico. Com isto, o
poder dominante foi se transformando em nosso sentido comum.Sirvent
preconiza a necessidade de se construir poder por meio do conhecimento e
isto implica em ‗construir categorias para pensar a realidade que possam gerar
ações de mobilização coletiva em confrontação com os significados que
desmobilizam e paralizam ―(Sirvent, 2008:22). Dussel (2002), contribui para
novos olhares sobre os movimentos sociais ao analisar uma pedagogia crítica
que contribui para a emancipação dos oprimidos, numa abordagem que une
Paulo Freire, a Escola de Frankfurt-especialmente Marcuse, análises de Freud,
Nietzsche e Lévinas, etc. para criar uma Ética da Libertação a partir da
construção da identidade das vítimas. A ética da libertação realiza-se com a
consciência ética de ser vítima, ela se transforma em sujeito pela comunidade
O comunitarismo e o neocomunitarismo é um veio analítico
utilizado em
algumas vertentes das teorias da descolonização.
5- Teorias que canalizam todas as atenções para os processos de
institucionalização das ações coletivas. Preocupam-se com os vínculos e redes
de sociabilidade das pessoas, assim como o desempenho das pessoas em
instituições, organizações, espaços segregados, associações etc. O paradigma
teórico que embasa toda a elaboração / construção e desenvolvimento desta
abordagem
baseia-se
nas
teorias
da
privação
social,
desenvolvidas
inicialmente, entre outros, pelos interacionistas simbólicos no início do século
XX. Na atualidade são influenciados por Tarrow (1994,2005, 2007), MacAdam,
McCarth e Zald(1996) etc. Observa-se também a utilização da abordagem
desenvolvida por Charles Tilly (2005, 2007) , nos Estados Unidos, e muito
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difundida também na Inglaterra, sobre as disputas políticas-
“contentious
politics”.
O uso destas teorias esta presente, de forma explícita ou não, nas redes
temáticas de pesquisas que se formaram ou se adensam na última década.
Entretanto, o tema dos movimentos sociais deixa de ser objeto de pesquisa
apenas da academia. ONGs e outras entidades do terceiro setor, assim como
entidades do poder público administrativo, iniciam pesquisas empíricas sobre
alguns movimentos sociais a fim de obter dados para seus planos e projetos de
intervenção na realidade social. Elas também patrocinam cursos, seminários e
encontros de movimentos sociais com estudiosos e pesquisadores. Vários
estudos desta
produção é de natureza estratégica instrumental — visa,
prioritariamente, informar as ações de intervenção junto a grupos organizados
(ver TORO 2007), mas se constitui numa grande fonte de dados para a
pesquisa. A revisão ou retomada de uma reflexão sobre os movimentos
populares das décadas de 1970 e 1980 aparece em estudos de intelectuais e
assessores dos movimentos naquele período, sendo também uma grande fonte
de memória e registro histórico, a exemplo de Wanderley (2007).
No campo das ferramentas teórico-metodológicas do trabalho empírico, de
campo, uma das tendências que está ganhando corpo nesta década é a de
realizar estudos sobre trajetórias de lideranças-especialmente de movimentos
com maioria de mulheres. O único problema neste tipo de investigação, que é
relevante e há grandes lacunas a respeito, é que as teorias que tem
fundamentado estas investigações tomam os indivíduos, com suas trajetórias e
histórias de vida, como unidades isoladas, preocupando-se pouco ou quase
nada, com o movimento ou ação coletiva do qual fazem parte. Não há também
contextualização histórica do período em análise. Resultam estudos que
glorificam as histórias de vida, os personagens, caracterizados como grandes
líderes, transformam-se em heróis e heroínas, que venceram as adversidades
da vida e ―chegaram lá‖ . Empoderaram-se é o termo mais utilizado, usando
uma categoria típica das novas políticas sociais neoliberais. A moral é que
qualifica estas lideranças, são consideradas virtuosas por qualidades pessoaisvai lá, faz, etc. A formação ou erudição em uma área do conhecimento-não
importa. O individualismo pragmatista é o que se destaca. A identificação entre
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os membros da comunidade local com estas lideranças é feita por esta teia de
sentimentos e interesses concretos imediatos- continuar na lista dos cartões ou
bolsas, por exemplo, e não por alguma causa ou ideal coletivo. Não há
deliberações conscientes. Há tomadas de posições estratégicas e utilitaristas.O
uso da metodologia dos grupos focais também passa a ser bastante
preconizado, nas pesquisas que destacam mais as trajetórias dos indivíduos,
do que a história da ação coletiva dos grupos , associações e movimentos
sociais.
O mexicano Rafael R. Alvarez (2000), na contramão da grande maioria
dos pesquisadores, que deixam de lado a dimensão do político em seus
estudos, irá analisá-la constituição da identidade do sujeito. Para ele, a
constituição do sujeito social se dá a partir do lugar que ele ocupa no social, no
político, no cultural e no espaço simbólico de outros sujeitos. Ele destaca a
importância dos projetos sociais na constituição do sujeito, não como algo
pronto, mas sim processual e tensionado pelas diferenças entre os atores de
uma ação coletiva organizada como movimento social. Projeto social é
entendido aqui como o projeto político-ideológico de um grupo, explicitado ou
não.
A apropriação de conhecimentos e a experiência dos sujeitos são à base
da prática política que irá nos explicar a construção dos projetos. Da mesma
forma, a cultura política vigente não é dada pronta ou preexiste, bastando
encaixar-se na realidade de um grupo. Ela também é gerada no processo a
partir dos valores que vão sendo assumidos como básicos do grupo e pelo
grupo. Não há, portanto, nada intrínseco, pré-dado. As construções são
relacionais, ainda que as estruturas maiores existam a priori, antes das ações.
Mas elas vão se modificando com as ações. Um movimento social com certa
permanência é aquele que cria sua própria identidade a partir de suas
necessidades e seus desejos, tomando referentes com os quais se identifica.
Ele não assume ou ―veste‖ uma identidade pré-construída apenas porque tem
uma etnia, um gênero ou uma idade. Este ato configura uma política de
identidade e não uma identidade política. O reconhecimento da identidade
política se faz no processo de luta, perante a sociedade civil e política; não se
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trata de um reconhecimento outorgado, doado, uma inclusão de cima para
baixo. O reconhecimento jurídico, a construção formal de um direito, para que
tenha legitimidade, deve ser uma resposta do Estado à demanda organizada.
Deve-se tratar a questão da identidade em termos de um campo relacional, de
disputas e tensões, um processo de reconhecimento da institucionalidade da
ação, e não como um processo de institucionalização da ação coletiva, de
forma normativa, com regras e enquadramentos, como temos observado nas
políticas públicas no Brasil na atualidade.
O movimento social, enquanto um sujeito social coletivo, não pode ser
pensado fora de seu contexto histórico e conjuntural. As identidades são
móveis, variam segundo a conjuntura. Há um processo de socialização da
identidade que vai sendo construída. Compartilhamos a idéia de Hobsbawm
quando
afirma
que
as
identidades
são
múltiplas,
combinadas
e
intercambiáveis. Ao contrário da política de identidades construídas pelo alto,
usualmente de forma homogênea (nos termos criticados por Fraser, 2001), a
identidade política dos movimentos sociais não é única, ela pode variar em
contextos e conjunturas diferentes. E muda porque há aprendizagens, que
geram consciência de interesses. Os sujeitos dos movimentos sociais saberão
fazer leituras de mundo, identificar projetos diferentes ou convergentes se
participarem integralmente das ações coletivas, desde seu início, geradas por
uma demanda socioeconômica ou cultural- relativa ao não pelo simples
reconhecimento no plano dos valores ou da moral.
A grande mudança observada nos estudos sobre as políticas de parceria do
Estado com a sociedade civil organizada está na direção do foco central da
análise: do agente para a demanda a ser atendida. Reconhecem-se as
carências e busca-se superá-las de forma holística. Olhares multifocais que
contemplam raça, etnia, gênero, idade etc. passam a ser privilegiados. O
sujeito coletivo se dilacera, fragmenta-se em múltiplos campos isolados.
Sozinhos, estes múltiplos sujeitos não têm força coletiva, e o ponto de
convergência entre eles é o próprio Estado. A interação do Estado por meio da
ação de seus governos se faz mediante uma retórica que retira dos
movimentos a ação propriamente dita (ver também Burity, 2006). Ela se
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transforma em execução de tarefas programadas, tarefas que serão
monitoradas
e
avaliadas
para
que
possam
continuar
a
existir.
A
institucionalização das ações coletivas impera no sentido já assinalado-como
regulação normativa, com regras e espaços demarcados e não como um
campo relacional de reconhecimento. A possibilidade da emancipação fica
confinada aos espaços de resistência existentes. Há uma disputa no processo
de construção da democracia, em seu sentido-integrador versus emancipador.
(ver também Dagnino, Olvera e Panfichi, 2006). Resta o consolo de que, a
médio ou longo prazo, isto gera aprendizado sociopolítico para os movimentos
sociais e contribui para a construção de valores, vindo a desenvolver uma
cultura política alternativa ao que está posto. Há indicações a este respeito
quando entidades como a ABONG-Associação Brasileira de ONGs indaga: ―.
1. Conferências e conselhos participativos têm de fato democratizado o
exercício do poder, incluindo mais segmentos sociais e pontos de vista nos
debates e nas decisões sobre temas de interesse público?
2. Conferências e conselhos têm conseguido ampliar os direitos, melhorar a
distribuição dos recursos da sociedade (renda, terra, oportunidades etc.),
melhorar os serviços públicos e proteger o meio ambiente?
3. Será possível estender os processos participativos e de controle social
também para o âmbito das políticas econômicas, que permanecem ainda
bastante impenetráveis, territórios exclusivos de burocratas e especialistas, dos
lobbies dos grandes grupos econômicos privados?
4. Estarão esses espaços de participação se tornando mecanismos
modernizados de retomar velhas práticas clientelistas, de cooptação e controle
de movimentos populares, sindicatos, ONGs ou outros grupos potencialmente
críticos aos governos?
5. A participação em conferências e conselhos vem afastando as ONGs de
suas atividades de mobilização e formação política de grupos e movimentos de
base?
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A ABONG responde no mesmo boletim
“...a mobilização e formação política da sociedade são, de fato, tarefas
importantes que ONGs, sindicatos e movimentos sociais devem realizar de
forma cada vez mais forte. A participação nos espaços institucionais, porém,
não é uma alternativa aos trabalhos na base da sociedade. Pelo contrário,
criam oportunidades excelentes de formação política de grupos de base e da
população em geral, com a discussão de temas relevantes e explicitação
das posições dos vários grupos de interesse. Além disso, as conferências e
os conselhos certamente se fortalecem se há processos de mobilização
social respaldando suas proposições” (Boletim ABONG, no 467, Julho de
2010, grifo nosso).
Notas Finais
No plano da produção de conhecimento sobre os movimentos sociais,
análises fundadas nas narrativas que estabeleciam uma clara conexão entre
classes sociais e movimentos sociais, e a centralidade da classe operária como
sujeito fundamental das transformações sociais, reduziram-se em toda a
América Latina neste novo milênio. O exame da literatura a respeito nos revela
um crescimento das análises que ampliam o espectro dos sujeitos em cena,
antes circunscrito ao movimento operário e aos movimentos sociais das
camadas populares no local de moradia. Alguns autores passam a falar de
sujeitos no plural, a exemplo de Rauber quando afirma ― em Latinoamérica no
existe hoy ningún actor social, sociopolítico que pueda por si solo erigirge em
sujeto de lãs transformación; este resulta necessariamente um plural-articulado
que se configura y expresa como tal sujeto em tanto sea capaz de
interarticularse, constituyéndose em sujeto popular‖ (Isabel Rauber, 2003: 58).
Movimentos sociais de outras camadas- como os ambientalistas ou as
mulheres das camadas médias, focalizam outros atores sociais na cena
pública, como os que atuam nas ONGs. Esta mudança de foco levou muitos
analistas a abraçarem abordagens que se preocupam com as formas de
organizar a participação e a mobilização social, numa linha próxima às teorias
norte-americanas da mobilização política e estruturas de oportunidades
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organizativas. Mas teorias críticas a exemplo das que tem sido elaboradas pela
CLACSO, ou entre os intelectuais que titulam sua produção como ―contra o
neocolonialismo‖ tem se constituído em um novo eixo paradigmático, unindo
pesquisadores de vários países, do Sul e do Norte do globo, originários de
diferentes matrizes teóricas. A grande tarefa destes intelectuais é não ficar nos
desenhos e modelos analíticos e enfrentar os desafios postos pela ação dos
movimentos e organizações sociais concretas, produzindo reflexões que
responda a indagações como as colocadas pela ABONG, citadas logo acima,
neste texto.
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