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ALMA NUA
O DESNUDAMENTO DA ALMA ATRAVÉS DE UMA
ABORDAGEM PSICO-TEOLÓGICA DO SERMÃO DO MONTE
IVÊNIO DOS SANTOS
ALMA NUA
O DESNUDAMENTO DA ALMA ATRAVÉS DE UMA
ABORDAGEM PSICO-TEOLÓGICA DO SERMÃO DO MONTE
Digitalização: Argonauta
SUMÁRIO
Dedicatória ................................................................ 07
Prefácio ..................................................................... 09
Nota do Autor............................................................ 11
Apresentação............................................................. 13
Introdução................................................................. 17
Capítulo I
O Evangelho do Reino.............................................. 25
Capítulo 2
Um Outro Evangelho................................................ 41
Capítulo 3
O Voto da Simplicidade............................................ 47
Capítulo 4
A Constituição do Reino........................................... 57
5
Alma Nua
Capítulo 5
O Princípio da Adoração........................................... 61
Capítulo 6
O Princípio de Servir................................................. 85
Capítulo 7
O Princípio da Submissão..........................................103
Capítulo 8
O Princípio da santidade............................................ 119
Capítulo 9
O Princípio do Perdão................................................131
Capítulo 10
O Princípio da Reconciliação.....................................153
Capítulo 11
O Princípio da Integridade......................................... 167
Capítulo 12
O Princípio do Testemunho....................................... 195
Capítulo 13
A Terapia de Deus..................................................... 221
Conclusão...................................................................237
Notas.......................................................................... 244
Referências bibliográficas..........................................249
6
DEDICATÓRIA
Dedico este livro a um amigo do coração, Luiz Gustavo Lança,
por ter sido quem mais me estimulou a escrevê-lo.
Obrigado Gustavo por ter ouvido as minhas pregações no Sermão do Monte com um ouvido tão atento e um senso crítico tão
aguçado. Foi certamente as suas anotações, tão minuciosas, enviadas a mim, que deram a partida para eu colocar-me diante do
computador e transformar o Seminário Diagnóstico e Terapia Espiritual em Alma Nua.
7
Alma Nua
8
PREFÁCIO
Apresentar um livro é, na verdade, antes de tudo, apresentar
um autor. Apresentar um autor é, na verdade, antes de tudo, apresentar uma pessoa. Por esta razão, tenho extremo conforto e alegria com o privilégio que me foi concedido de apresentar Alma
Nua, e por trás das palavras, Ivênio dos Santos.
Coincidentemente, meu primeiro contato com Ivênio foi através de um texto: a sinopse publicada de suas mensagens baseadas
em Isaías 6 no jornal Liderança Pastoral, publicado pela SEPAL.
Naquela época, início da década de 80, Ivênio já era uma figura
lendária em meu coração. As muitas histórias que ouvia a seu respeito e de seu ministério despertavam a cada dia o desejo de conhecê-lo pessoalmente, o que imaginava quase impossível, tamanha a idealização que fazemos dos nossos heróis.
Nosso contato pessoal foi numa conferência de aniversário da
Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, início do meu ministério pastoral. Ali ouvi Ivênio pregar e cantar, e também o vi
fazer o povo rir e chorar. Naqueles dias descobri o quê de mais belo há nos sábios e santos: são vasos de barro, homens de dores, em
quem repousa a glória de Deus de maneira graciosa e singular.
O título de seu livro é coerente com sua maneira de viver: Ivênio é um homem de alma nua. A abordagem do seu livro é pas9
Alma Nua
toral, muito coerente com seu jeito de ser. A linguagem de seu livro é teológica, muito adequada a um amante das Escrituras Sagradas. Suas ilustrações são experienciais e vivenciais, próprias
para quem deseja falar de coração para coração.
Sua abordagem é original: tratar o Sermão do Monte como "a
Constituição do Reino de Deus" e explicá-lo a partir das bemaventuranças, transformando cada uma delas em princípios explodidos no corpo do famoso Sermão de Jesus: os pobres de espírito
adoram; os que choram servem; os mansos vivem sem ansiedade;
os que têm fome e sede de justiça se santificam; os misericordiosos perdoam; os pacificadores promovem reconciliação; os puros
de coração são coerentes; os perseguidos se posicionam.
O objetivo do seu livro é relevante: ajudar cada leitor a "detectar aqueles males da alma que se alojam nos cantos escuros da
personalidade". A proposta do seu livro é uma santa pretensão: "apresentar a Terapia de Deus para os males da nossa alma".
No contexto religioso e evangélico brasileiro, o livro chega em
boa hora. Diante da superficialidade das conversões, da irresponsabilidade de tantas lideranças espirituais, do analfabetismo bíblico de incontáveis crentes, e das doenças de alma do povo da fé,
Alma Nua é uma palavra que merece e precisa ser ouvida por todos aqueles que desejam trilhar os caminhos do discipulado de Jesus. livres dos pesos da religião e comprometidos com os elevadíssimos ideais da verdade revelada.
Para o leitor interessado em ser curado na alma, o texto é óleo
puro, pronto para a unção das feridas; para os pastores e líderes interessados em subsídios pastorais, o texto é "uma carta do céu".
Para todos, uma estaca segura que aponta a essência da fé em Cristo e o Cristo da fé.
Com alegria recomendo às suas mãos Alma Nua, na esperança
e oração que lhe seja ajuda para despir a alma diante de Deus e receber a cura que existe apenas no evangelho da graça de Deus.
Ed René Kivitz
10
NOTA DO AUTOR
(EXPLICANDO O CONCEITO)
Esta abordagem psico-teológica do Sermão do Monte visa demonstrar que Teologia e Psicologia .não podem andar dissociadas,
pois somente através de um conhecimento real de Deus é que se
pode ter um conhecimento real do homem.
A psicologia humanista que tem dominado quase todas as propostas terapêuticas conduz inevitavelmente o pensamento do homem moderno a crer na auto-ajuda e não na ajuda do alto.
Os pastores têm ficado reféns da idéia de que quanto ao aconselhamento eles devem ceder lugar a um profissional da área de
psicologia, pois estes estão mais preparados para tratar dos males
da alma.
Os psicólogos cristãos têm uma grande contribuição a fazer
desde que usem a psicologia sob a ótica da Teologia e não o contrário. Mas, a bem da verdade, um grande número de psicólogos
cristãos entendem que não podem fazer qualquer tipo de infração
espiritual com os seus pacientes pois não estariam agindo com as
ferramentas de uma "psicologia científica".
O que muitos chamam de "psicologia científica" é a abordagem
humanista que exclui totalmente Deus, crendo somente na capacidade e bondade inerentes ao ser humano, entendendo como escapismo qualquer busca de solução em Deus.
11
Alma Nua
Temos de concordar que existem formas simplistas e escapistas
de muitos que espiritualizam excessivamente tudo. No entanto, isto não pode e não deve nos levar ao ceticismo que não confere
qualquer valor à oração e à intervenção sobrenatural de Deus.
Outrossim, é somente na Bíblia, como nosso espelho, que aprendemos a lidar com as culpas certas e a ficar livres do domínio
das falsas culpas.
Esta abordagem do Sermão do Monte pretende ser uma ajuda
real na cura da alma profundamente maculada pelo pecado.
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APRESENTAÇÃO
Nós tivemos no meio evangélico, na década de 70. uma influência muito benéfica do Seminário "Conflitos da Vida", ministrado por Larrv Cov. Tive o privilégio de participar do primeiro,
que foi realizado em São Paulo, na Catedral Presbiteriana da Rua
Nestor Pestana.
Antes de Larry Coy, Bill Gothard, seu discipulador, havia ministrado, num encontro da MIB (Missão Informadora do Brasil),
os princípios que deram origem ao Seminário "Conflitos da Vida".
Dr. Russel Shedd esteve naquele encontro e passou para nós - um
grupo de pastores que se reunia com ele semanalmente para estudar a Bíblia - os princípios aprendidos com Bill Gothard. Foi um
grande impacto em nossas vidas.
Quando Larry Coy ministrou pela primeira vez em São Paulo,
os seus ensinos, exemplificados principalmente por sua vida, atingiram-nos em cheio. Lembro-me que muitos teceram severas críticas ao que achavam ser uma imposição cultural do "american way
of life". No entanto, não podíamos esperar que um pastor americano, que nunca viveu no Brasil, apresentasse as suas propostas contextualizadas à nossa realidade brasileira. Nós é que teríamos a tarefa de contextualizar os seus ensinos. E, realmente foi o que passei a fazer dali para frente.
13
Alma Nua
Tive oportunidade de conversar com Larry Coy e fazer-lhe
uma observação que julgava ser de grande relevância.O Seminário
"Conflitos da Vida" precisava dar um enfoque mais claro à graça,
caso contrário, ele poderia produzir três frutos indesejáveis: Desespero - naqueles que tentassem viver os princípios do Sermão do
Monte na sua própria suficiência; exacerbado legalismo, por parte
daqueles que tentassem impor aos outros os padrões de excelência
do Sermão do Monte; e descrédito para com a mensagem central
dos ensinos de Jesus vendo-os como utópicos ou não aplicáveis
aos dias de hoje.
Naquela mesma ocasião esteve ministrando em São Paulo o
abençoado avivalista inglês Roy Hession, autor de Senda do Calvário, Queremos ver a Jesus e Enchei-vos Agora, da Editora Betânia. Tive o privilégio de recebê-lo na Igreja Batista Unida do Brás,
onde eu era pastor. Numa daquelas memoráveis noites ele nos
trouxe uma mensagem muito esclarecedora que mudou os rumos
de minha percepção teológica. O seu tema foi: "Como entrar na
posse das bem-aventuranças pela porta dos fundos", pregando sobre "bem-aventurados os perdoados"1.
Dali para frente comecei a ministrar o Sermão do Monte unindo o que havia recebido do Seminário "Conflitos da Vida" com o
que havia compreendido da graça através de Roy Hession. De lá
para cá, tenho me aprofundado na compreensão do maior sermão
jamais pregado até hoje, entendendo-o como "aio"2 que nos conduz para Cristo, não apenas para a nossa justificação, mas também
para a nossa santificação.
O Seminário de Larry Coy ajudou-me a perceber os conflitos
resultantes da violação dos princípios do Reino de Deus. Mas, foi
a visão da graça que me possibilitou reconhecer o objetivo principal de Jesus no Sermão do Monte, que é levar-nos a descobir a
nossa total incapacidade de nos melhorarmos a nós mesmos, ou de
nos santificarmos a nós mesmos através dos nossos esforços. Assim sendo, passei a conjugar os princípios do Sermão do Monte
com a mensagem da graça capacitadora de Deus, vendo no Sermão do Monte a Lei Superior de Jesus, que, qual espelho cristalino, realça a nossa fealdade, provocando assim um desnudamento
14
Apresentação
da nossa alma. Daí surgiu o conceito que transformei em livro:
Santidade ao Seu Alcance3.
Há esperança para nós, pecadores fracos que, justificados por
Jesus, não fomos deixados à nossa própria sorte para tentarmos ser
santos na "marra", através de autodisciplina e coisas tais. Este é o
enfoque do Seminário "Diagnóstico e Terapia Espiritual" que venho ministrando há quase 30 anos. Alma Nua é o Seminário transformado em livro que passo agora às suas mãos, desejando sinceramente descortinar diante de seus olhos uma vida de real Santidade, possível de ser vivida por aqueles que já descobriram o "...
já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver
que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me
amou e a si mesmo se entregou por mim."4.
Que você possa ser tomado pelo maravilhoso sentimento de
que Deus tornou-se acessível a nós, não somente para a nossa justificação, mas também para a nossa santificação. Para tanto quero
sugerir-lhe, depois de ler Alma Nua, a leitura de Santidade ao Seu
Alcance onde procuro apresentar de forma mais distendida a a operação da graça na nossa santificação. Assim sendo Alma Nua é a
Lei, e Santidade ao Seu Alcance é a Graça.
Há esperança para pecadores fracos e cansados, pois este é o
convite amoroso de Jesus: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o
meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma, Porque o meu jugo é
suave, e o meu fardo é leve"5.
Ivênio dos Santos
15
Alma Nua
16
INTRODUÇÃO
Voltar ou avançar no tempo sempre foi uma aspiração dos ficcionistas. Seria realmente fantástico poder viajar a um passado
bem distante e vivenciar certos acontecimentos que marcaram a
história da humanidade. Vamos dar asas à nossa imaginação e embarcar num avião do tempo que nos leve à Palestina de dois mil
anos atrás.
Vamos nos imaginar como judeus: vivendo na cidade de Jerusalém nos dias de Jesus. Estamos debaixo do domínio dos romanos, amargando impostos extorsivos e leis coercitivas. Quando saímos à rua e encontramos um romano carregando um fardo pesado
este obriga-nos a levar o seu fardo por mais de um quilômetro. E
assim, de mil maneiras, somos profundamente humilhados todos
os dias. E a vida vai passando sem qualquer possibilidade de
mudança.
No entanto quando chega o sábado somos tomados de um novo
alento, pois, deixaram-nos a possibilidade de adorar livremente em
nosso grande templo. Na área do templo sentimo-nos gente. A
nossa dignidade é reafirmada, e nossa esperança avivada. O rabino
levanta-se para ler o Livro Sagrado1, e sua voz, embargada pela
emoção, demonstra ter um recado do coração de Deus para o seu
povo sofrido:
- Queridos irmãos, quero repartir com vocês algo fantástico
17
Alma Nua
que li durante esta semana no rolo do profeta Isaias. Minh'alma
enchesse de regozijo ao meditar na palavra profética desse homem que a 700 anos atrás foi um instrumento de Deus para falarnos da nossa principal esperança nacional, a vinda do Ungido, o
Messias de Israel. Eis a promessa do Senhor que deverá renovar
em nós hoje a segurança de sermos o povo escolhido de Deus.
- "Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes um
renovo. Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o Espírito de
sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor. Deleitar-seá no temor do Senhor; não julgará segundo a vista dos seus olhos,
nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos; mas julgará
com justiça os pobres, e decidirá com eqüidade a favor dos mansos da terra; ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o sopro
dos seus lábios matará o perverso. A justiça será o cinto dos seus
lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins. O lobo habitará com
o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o
leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os
guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se
deitarão; o leão comerá palha como o boi. A criança de peito
brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão
na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o
meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do
Senhor, como as águas cobrem o mar. Naquele dia recorrerão as
nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos; a
glória lhe será a morada" 2.
- Que promessa tremenda! Da descendência de Jessé, pai do
nosso grande rei Davi surgirá aquele que haverá de trazer justiça
para todos nós. Sacudirá de nossos ombros todo jugo romano, e
não mais "estaremos por cauda, mas por cabeça" 3, pois as nações recorrerão a Ele, o nosso glorioso Messias.
Voltamos para casa com uma disposição nova, o que nos confere força para suportar os romanos por mais uma semana. No
próximo sábado estaremos juntos novamente considerando as fantásticas promessas de Deus.
A semana passa sem maiores novidades, fora o ato humilhante
a que fomos expostos quando vimos um romano espancando um
irmão nosso pelo simples fato deste tê-lo atrapalhado a transitar
18
Introdução
com a sua biga4 numa passagem estreita que dá acesso à via principal. A sensação de impotência diante da injustiça é horrível e
corrói-nos as forças.
Mesmo assim vamos levando as coisas, pois nossa alma ainda
degusta a palavra profética que encheu-nos de regozijo, e pensamos: "Certamente teremos no próximo sábado a continuação do
que vimos no sábado passado".
Assim, quase não vemos o tempo passar, pois estamos, como
que encharcados de esperança.
Eis que hoje novamente é sábado solene. Aprontamo-nos com
alegria e expectativa, pois vamos, como povo de Deus, adorar no
Seu Santo Templo. Tudo em nós vibra de emoção e entusiasmo. A
Palavra de Deus será ministrada de uma forma objetiva e clara,
pois o nosso líder espiritual é um homem cheio do temor de Deus,
e sua alma está em chamas diante daquilo que o Senhor tem revelado em sua bendita Palavra.
No entanto, quando ele se levanta para falar o seu semblante
parece turbado. Não percebemos nele aquela mesma alegria e entusiasmo da semana passada. O que será que o está perturbando?
- Queridos irmãos, encontro-me hoje perplexo diante da Palavra de Deus. Passei uma semana de profundas lutas íntimas, pois
não consegui discernir o que o profeta Isaias prosseguiu falando
sobre o nosso glorioso Messias. Depois da benção que tivemos
aqui no sábado passado, continuei analisando acuradamente as
profecias seguintes e deparei-me com algo inusitado que passarei
a lhes expor:
- "Eis que o meu Servo procederá com prudência; será exaltado e elevado, e será mui sublime. Como pasmaram muitos à vista
dele, pois o seu aspecto estava mui desfigurado, mais do que de
outro qualquer, e a sua aparência mais do que a dos outros filhos
dos homens, assim causará admiração às nações, e os reis fecharão as suas bocas por causa dele; porque aquilo que não lhes foi
anunciado verão, e aquilo que não ouviram entenderão. Quem
creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor! Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de
uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo,
mas nenhuma beleza havia que nos agradasse. Era desprezado, e
o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o
19
Alma Nua
que é padecer; e como um de quem os homens escondem o rosto
era desprezado, e dele não fizemos caso. Certamente ele tomou
sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si;
e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas
ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e
pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o
Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha, muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a sua boca. Por juízo opressor foi arrebatado, e de sua linhagem quem dela cogitou? Porquanto foi cortado
da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo foi
ele ferido. Designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com
o rico esteve na sua morte, posto que nunca fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca. Todavia, ao Senhor agradou moêlo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta
pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a
vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do
penoso trabalho de sua alma, e ficará satisfeito; o meu Servo, o
Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si. Por isso eu lhe darei muitos como a sua parte e com os poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os transgressores, contudo levou sobre si o pecado de muitos, e pelos
transgressores intercedeu. "5
Palavra? A quem o profeta está se referindo? Por tudo que
analisei só pode ser uma referência ao Messias, pois a expressão
"meu servo", que aparece aqui, é empregada em todo o livro de
Isaias referindo-se ao Messias. Mas, como conciliar essas duas
profecias? No sábado passado vimos um Messias glorioso que
vem para governar com sabedoria e justiça, cuja atuação afetará
até a natureza, pois as feras e os répteis peçonhentos viverão em
paz e harmonia com o homem e entre si. O texto é claríssimo ao
afirmar que "não se fará mal nem dano algum, porque a terra se
encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o
20
Introdução
mar". É de impressionar também a declaração: "naquele dia recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte
dos povos". Tudo aponta para um tempo maravilhoso em que o
nosso Messias haverá de reinar sobre toda a terra. Como entender então este texto de hoje no qual O vemos sendo levado como
ovelha para o matadouro?O que pode significar ser ele "traspassado pelas nossas transgressões?" Como entender também: "Era
desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e
que sabe o que é padecer; e como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso"?
- Sendo bem honesto não sei o que esta profecia quer nos comunicar. Será que a Palavra de Deus está falando de dois Messias, um glorioso e outro sofredor? Será que não faremos caso d'Ele quando surgir no cenário histórico do nosso povo?
Era este o sentimento que dominava os judeus da Palestina nos
dias de Jesus. A esperança messiânica estava no seu auge. As circunstâncias históricas de dominação e opressão mantinham-nos
continuamente ligados nas promessas bíblicas de libertação pela
vinda do Messias glorioso, prometido em Isaías 11. Por isso foram
incapazes de reconhecê-lo ("... e d'Ele não fizemos caso"). Jesus, o
Servo Sofredor de Isaías não se encaixava nos seus paradigmas de
Messias glorioso e por isso O rejeitaram6.
Se os judeus daqueles dias tivessem a Palavra de Deus escrita
num volume, como a temos hoje, certamente grifariam Isaias 11.110 e passariam por cima de Isaias 52.13-53.12, deixando-o de lado
como texto incompreensível. Não é exatamente isso que fazemos
em nossas Bíblias?
O que hoje, depois de mais de dois milênios de história, podemos saber, com segurança, é que as profecias da Palavra de
Deus não estão falando de dois Messias, mas de duas vindas do
Messias. Na sua primeira vinda, em cumprimento de Isaias
52.13;53.12, Ele veio para destronar, não o império romano, como esperavam os judeus, mas o império satânico, e estabelecer o
Seu Reino dentro de nós7. Na Sua segunda vinda, Ele virá em
glória, para reinar sobre toda a terra, em cumprimento de Isaias
11, que certamente terá o seu cumprimento literal como teve Isaias 53. Nós estamos, nesse momento da história, entre Isaias 53
21
Alma Nua
e Isaias 11, em que o Reino de Deus já está em nós e entre nós
mas não ainda na sua plenitude.
Somente de posse desta compreensão é que poderemos entender, de fato, o Reino de Deus, como entrar nele e também como
buscá-lo em primeiro lugar conforme ordenou Jesus em Mateus
6.33. Buscá-lo em primeiro lugar é orar diariamente pedindo "Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade"8 , não no sentido do
Reino Milenar futuro, mas desejando de fato o seu governo sobre
todas as situações do nosso dia a dia.
É também através do entendimento do "Reino já e ainda não"
que poderemos perceber porque Deus não cura sempre. Os que
pregam que é da vontade de Deus curar sempre se baseiam em Isaías 53.4 — "Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades". No entanto não foram apenas as nossas enfermidades que
Ele levou sobre si, mas todas as mazelas conseqüentes da queda.
Isaías 53.4 está se referindo apenas a uma dessas mazelas. Ele levou sobre si também a nossa morte e nós ainda morremos. Ele levou sobre si também os males que afetam a ecologia e esses continuam ainda a nos assolar. Paulo afirma em Romanos 8.18-25 que
a criação geme e suporta angústias até agora aguardando a sua redenção.
Neste período da história entre Isaías 11 e 53 Deus faz intervenções sobrenaturais neste mundo para demonstrar que o Reino
já chegou entre nós, mas não ainda na sua plenitude. No entanto
Ele não faz sempre. Não podemos afirmar que é sempre da vontade de Deus curar. Teríamos que afirmar também que é sempre da
vontade d'Ele ressuscitar mortos. Somente na plenitude do Reino,
conforme Isaías 11 é que não se fará mais nenhum mal ou dano,
porque a terra se encherá com o conhecimento do Senhor como as
águas cobrem o mar.9
Por outro lado àqueles que pensam no Reino só em termos
de futuro acabam tendo uma visão muito limitada do Sermão do
Monte e sua aplicabilidade em nossa vida diária, pois raciocinam tratar-se da ética do Reino Milenar que virá com a segunda
vinda de Jesus. Tal postura tem gerado um baixo padrão ético
na igreja contemporânea. Por isso John Stott analisa o Sermão
22
Introdução
do Monte como uma contracultura demonstrando ser o Reino
de Deus exatamente o oposto do que observamos na sociedade
em que vivemos.
23
Alma Nua
24
Capítulo 1
O EVANGELHO
DO REINO
(A PORTA DO REINO)
"Percorria Jesus toda a Galiléia ensinando nas sinagogas,
pregando o evangelho do reino...". (Mt 4.23)
Seguramente, todos os que estão lendo este livro, devem conhecer um número bem grande de diferentes religiões. São tantos
os nomes e alguns tão esquisitos, que ficamos a pensar que a questão religiosa mais se parece com um mercado, onde se encontra de
tudo, a gosto do freguês.
No entanto pretendo demonstrar, através deste texto, que só existem e, sempre, só existiu, de Adão até hoje, duas religiões no
mundo, e que todos os diferentes grupos enquadram-se numa de
duas diferentes filosofias religiosas.
Quero apresentar-lhes assim o âmago das Escrituras. Não irei
tratar das questões periféricas, mas ir ao coração da verdade bíblica. A palavra evangelho significa boa notícia. A boa notícia que
temos a dar a todas as pessoas é que, através da vida, morte e ressurreição de Jesus, abriu-se à oportunidade do ser humano colocar-se novamente debaixo do governo de Deus. Esta foi à definição dada para Evangelho pelo Congresso de Lausanne, na Suíça,
em 1974, quando as principais lideranças da Igreja Evangélica no
mundo debruçaram-se sobre a caminhada da Igreja Reformada.
Este é o Evangelho do Reino, ou seja, do governo de Jesus sobre
todas as áreas da vida.
Ao falarmos em Reino de Deus, não estamos pensando em
25
Alma Nua
termos escatológicos ou futurísticos1, quando então o Reino se
consolidará plenamente sobre a terra e a sociedade humana, por
ocasião da segunda vinda de Jesus, mas no Reino que já foi inaugurado na sua primeira vinda2 – o Reino que Ele veio plantar dentro de nós. Portanto, quando falamos em Reino de Deus, estamos
pensando no Reino que já chegou. Todos os que se submetem ao
governo de Jesus tornam-se súditos desse Reino.
Quando Deus criou o homem Ele o criou em três partes. Vida
física, vida mental e vida espiritual 3. Alguns advogam que alma e
espírito aparecem nas Escrituras como sinônimos4. Usarei a tricotomia mais por uma questão didática do que propriamente teológica, para demonstrar o que foi que morreu na queda do homem.
Em Gênesis 1.26 e 27 está registrado que Deus criou o homem
à sua imagem e semelhança. O que vem a ser essa imagem e semelhança? Teria Deus um corpo parecido com o do homem? Isto
não é possível, pois o próprio Jesus afirmou que Deus é Espírito5.
Por isso Deus não pode estar confinado num corpo que o limitaria
no espaço. Ele é Onipresente.
O que vem a ser, portanto, essa imagem e semelhança? Um dos
principais atributos do homem, que o assemelha a Deus, é a sua
Liberdade. Deus desejou criar um ser livre que correspondesse a
Ele. Existem outros aspectos dessa imagem e semelhança, tais
como: Pessoalidade (Deus é um ser pessoal e não uma força impessoal), Moralidade (Deus tem valores morais), Vontade (Deus
tem uma vontade que é sempre "boa, perfeita e agradável"6, Consciência (Deus é um ser que tem consciência de Si), Comunicação
verbalizada (Deus é um ser que se comunica), etc.
Algumas pessoas às vezes perguntam, como se estivessem fazendo uma grande descoberta: "Se Deus é tão sábio, poderoso e
bom, por que Ele não criou o homem só para o bem?"
Imaginemos o homem criado com apenas um caminho para trilhar. Eu pergunto: Ele seria livre? Quem gostaria de casar-se com
uma pessoa maravilhosa, mas que tivesse debaixo da sua blusa vários botões para ser programada? Um robô perfeito que ninguém
jamais poderia imaginar ser uma máquina. E ali está ela para ser
programada a fim de corresponder a todas as expectativas do noi26
O Evangelho do Reino
vo. Será que teria sentido casar-se com uma máquina?
Deus poderia ter criado um boneco assim, que Lhe repetisse o
dia inteiro: "Eu te amo, eu te amo, eu te amo..."
Na realidade Ele seria um grande tolo brincando com bonecos
perfeitos. Como fator obrigatório, de querer um ser semelhante a
Si, Deus tinha que dar a esse ser a possibilidade de escolher, mesmo sabendo que não O escolheriam.
O que torna uma pessoa livre é a possibilidade de escolher. Os
homens distinguem-se basicamente dos animais por esta característica. Os animais agem por instinto, uma espécie de programação, enquanto que nós, seres humanos fazemos escolhas continuamente. Ao colocar o primeiro casal ali no Éden, Deus confrontou-os com uma escolha: Obedecer-lhe ou não. Qual foi o fator escolha? Aquela árvore colocada no meio do jardim. A árvore do
conhecimento do bem e do mal.
Muita gente pensa que o relato de Gênesis é um tanto fantasioso. Tais pessoas simplesmente não atinaram para a singularidade
do que estava acontecendo ali. Aquela árvore era um teste. Era o
fator obrigatório de Deus querer um ser livre que correspondesse a
Ele livremente. O fruto proibido não tem nada a ver com sexo como geralmente se pensa na teologia popular. Às vezes mostra-se
uma maçã mordida com a insinuação de que o pecado original tenha sido o ato sexual. Deus já havia ordenado ao casal para crescer
e multiplicar-se, e, obviamente, ninguém iria nascer dependurado
como fruto de uma árvore.
A ordem de Deus ao homem foi muito clara: "De toda árvore
do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do
bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres,
certamente morrerás"7.
Isto nos revela a existência de uma liberdade, mas uma liberdade com responsabilidade. E ali, naquele paraíso, no pleno uso de
suas faculdades mentais, aquele primeiro casal disse não a Deus.
Ao comer do fruto estavam dizendo: "Não queremos o teu governo sobre nossas vidas. Queremos ser os donos do nosso próprio
nariz".
Mas aí cometeram um sério e terrível engano, pois o homem
27
Alma Nua
não é um ser absolutamente livre. Ele é livre tão somente para escolher uma dependência. Em outras palavras, o homem é livre para escolher quem vai governá-lo. O homem só seria um ser absolutamente livre, se tivesse o controle de todas as circunstâncias. No
entanto sabemos que somos finitos e dependentes. Nenhum de nós
tem qualquer garantia de que viveremos mais uma dia sequer. Portanto, se somos assim dependentes, não somos livres. Eu pergunto:
O Brasil é um país livre? Logicamente que não, pois devemos até
as meias. E, quem deve é escravo8. Mas num certo sentido somos
livres. Somos livres para escolher a quem dever. Isto ilustra perfeitamente a situação do ser humano. Um homem é livre tão somente
para escolher uma dependência.
Portanto, ali no Éden, ao dizer não para Deus, o homem estava
dizendo sim para alguém. Para quem ele estava dizendo sim? A
quem estava ele se submetendo? A Palavra de Deus afirma com
todas as letras que o homem estava colocando-se debaixo do jugo
do tirano Satanás9. E, ao comer daquele fruto o homem morreu.
Ele não morreu nem física, nem mentalmente. Não caiu um raio
sobre a sua cabeça aniquilando-o por completo. Em que sentido
então ele morreu? Ele morreu espiritualmente. Ele foi cortado da
vida de Deus. Aquela árvore pode ser chamada também de árvore
da autonomia. Ao comer daquele fruto o homem estava desligando-se de Deus, e isto é morte.
Como via de conseqüência todos nós nascemos mortos. Não
nascemos como Adão, e tivemos uma árvore pela frente, pois já
nascemos cortados da vida de Deus. Nascemos separados de Deus,
e, no dizer do apóstolo Paulo aos Efésios, nascemos mortos10.
Agora pasmem com as palavras de Jesus em João 8.44. É importante perceber que Jesus está tendo um diálogo com gente boa
da sociedade. Gente honesta que pagava as suas contas, que tinha
boa reputação, que eram bons pais de família. Em outras palavras,
gente honrada. Ouçamos as palavras contundentes de Jesus: "Vós
sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos.
Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade,
porque nele não há verdade. Quando ele profere a mentira, fala do
que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira".
28
O Evangelho do Reino
Jesus não dirigiu essas palavras a bandidos e prostitutas. Ele dirigiu-as a gente comum, como nós, que vivemos de forma honrada. Portanto essas palavras de Jesus não diziam respeito apenas
àqueles com quem falava, mas a todas as pessoas que já viveram
até hoje. Isto inclui a você e a mim. Isto é muito diferente daquilo
que as pessoas naturalmente pensam. É corrente entre as pessoas,
que todo mundo é filho de Deus, e que todos nascem do lado de
Deus. Só os facínoras e desclassificados é que são alinhados com
Satanás. No entanto Jesus contesta claramente esta idéia popular, e
coloca todos os seres humanos na posição de filhos do Diabo,
submetidos assim ao seu governo tirano. Este é o problema crucial
da humanidade caída. A história da humanidade é, de fato, a história de uma dominação maligna sobre a raça humana.
Quero destacar agora a importância da palavra religião. Vem
do latim religare, que significa religar. Portanto a palavra religião
traz implícita a idéia de que o homem estava ligado a Deus, mas
agora, depois de sua rebelião, ele foi desligado. Religião tem por,
objetivo promover essa religação. São centenas e talvez milhares
os nomes das religiões, mas pretendo defender a seguinte tese: O
homem nasce neste mundo espiritualmente morto ou separado de
Deus, existindo apenas duas religiões ou duas filosofias religiosas
que procuram apresentar uma solução para o problema.
Para ilustrar este fato imaginemos a seguinte cena: Um rio muito largo e traiçoeiro que nunca foi vencido por ninguém. Carlos,
medalha de ouro em nado livre nas Olimpíadas aceita o desafio de
atravessá-lo, querendo com isto entrar para o livro dos recordes.
No dia marcado está ali, à beira do rio, uma verdadeira multidão
de repórteres de várias partes do mundo, por ser Carlos o grande
campeão mundial. O pai de Carlos leva um barco a motor, bem
possante, e fica da margem torcendo pelo filho. No momento aprazado Carlos começa a travessia, com muita segurança, debaixo
do aplauso de todos. Mas em chegando bem no meio da travessia
algo inusitado lhe acontece: começa a sentir terríveis câimbras nos
braços e nas pernas. Quem já teve câimbras sabe o que isto significa. Os músculos embolam-se produzindo uma dor lancinante que
impede uma livre movimentação. Agora imaginemos Carlos com
29
Alma Nua
câimbras nos braços e nas pernas dentro de um abismo de águas.
Em outras palavras ele está morto. Ele começa a afundar em desespero. E é neste momento de desespero que ouve os gritos de
seu pai lá da margem:
- Meu filho não se afogue, bata as pernas e os braços, coragem!
Será que os conselhos de seu pai irão ajudá-lo de alguma maneira? Parece-me que não. Pelo contrário, irão deixá-lo mais desesperado ainda. Os conselhos do pai levam-no a entrar em maior
pânico, pois percebe que seu pai está esperando que ele consiga
salvar a si mesmo, e ele sabe que as pernas não lhe valem para nada nem tampouco os braços. O único recurso que lhe resta é a voz
pra gritar:
- Socorro meu pai!
O que ele está esperando que o pai faça? Que pegue a sua possante lancha e venha em seu socorro. E o pai faz exatamente isto,
retirando-o da morte certa, colocando-o dentro do barco.
Carlos está salvo e agora chegam em terra firme. Repórteres de
todos os lados querendo saber o que aconteceu. Será que Carlos
vai sair todo orgulhoso dizendo:
- Eu sou o maior nadador do mundo, eu me salvei!
Seria esta a sua postura? Certamente que não. Penso que ele sairia muito humilde afirmando:
- Gente, eu estava morto, meu pai me salvou!
Aqui está a diferença entre a religião de Deus e a religião dos
homens. A religião dos homens é ilustrada pelo pai, lá da margem,
dando conselhos para o filho, esperando que ele salvasse a si
mesmo. É por isso chamada também de auto-soterismo, que ensina ser a salvação uma conquista do próprio homem. Existem muitos grupos que se intitulam cristãos, e que esposam esta filosofia.
Para esses, Jesus não é Salvador, mas exemplo a ser seguido.
Salvador é o próprio homem
Agora eu lhe pergunto: Se você estivesse morrendo afogado,
numa situação como a que foi descrita você precisaria que um
grande nadador pulasse na água e começasse a lhe dizer: "Olhe para mim, veja como eu faço, siga o meu exemplo!"
30
O Evangelho do Reino
Naquele momento você estaria precisando de um exemplo ou
de um salvador? Antes de Jesus ser nosso exemplo Ele veio para
ser o nosso Salvador.
O que é crer em Jesus? Não é meramente acreditar na sua existência. Apanhemos uma cadeira. Quando eu estou de pé todo o
meu corpo está apoiado nas minhas pernas, mas quando me assento na cadeira, todo o meu peso passa para a cadeira e, então, eu
posso descansar. Agora suponhamos que eu não confie na cadeira,
e apenas finja estar sentado, continuando a sustentar todo o meu
peso. Aparentemente estou sentado, mas as minhas pernas sentem
a tensão do esforço de estar segurando o meu peso, de uma forma
ainda mais desconfortável.
Existem muitas pessoas que crêem em Jesus assim. Na realidade aparentam ser boas pessoas, que se dizem possuidoras de muita
fé, mas quando se verifica, a fé dos tais é em si mesmos. "Olha, eu
sou uma boa pessoa! Eu não desejo mal nem para uma formiga!
Eu só me apego com Deus! Eu faço o melhor que posso!"
Qual é o centro de confiança dessas pessoas? Elas próprias. Estão confiadas nas próprias pernas, isto é, na sua integridade, na sua
bondade, na sua justiça. Foi para esses que Jesus declarou: "... pois
não vim chamar justos (ou seja, aqueles que pensam ser justos)11 e
sim pecadores [ao arrependimento]"12.
Esta é a filosofia básica da religião dos homens. O homem é o
seu próprio salvador. A salvação é o fruto de suas boas obras. Não
existe perdão de pecados. A tese esposada é: aqui se faz aqui se
paga. É a chamada: Lei do Karma. Daí a necessidade das reencarnações ou de purgar-se os pecados num determinado lugar. Conseqüentemente aqueles que assim pensam nunca podem usufruir a
segurança da salvação, pois nunca fizeram o suficiente. Estão
confiados nas próprias pernas e não podem assim experimentar o
descanso n'aquele que veio para levar sobre si todos os nossos
fardos.
E a religião de Deus? Eis a verdade central das Escrituras.
Nunca é o homem que se volta para Deus para buscá-lo, mas é
sempre Deus quem busca o homem. Esta é a gloriosa verdade que
permeia toda a Bíblia: "Porque Deus amou ao mundo de tal ma31
Alma Nua
neira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê
não pereça, mas tenha a vida eterna"13.
Jesus é a lancha de Deus. Jesus é Deus que veio aqui, porque o
homem jamais poderia ir para Ele. O homem está com câimbras
nas pernas e nos braços. No dizer de Paulo aos Efésios 2.1 "...
mortos nos vossos delitos e pecados...".
Deus não ficou do Céu gritando ao homem: "Seja bom, seja
honesto! Faça o melhor possível! Faça boas obras! Faça penitências! Faça tudo o que puder para chegar aqui".
Jesus não está no cimo de uma escada bem íngreme dizendo:
"Se você quer a salvação, então se esforce para subir cada degrau.
O primeiro degrau é o domínio do seu gênio, o segundo, o domínio dos seus desejos carnais, o terceiro, a vitória sobre o seu egoísmo, e assim centenas de degraus estão à sua frente, vá subindo
até estar preparado para chegar a mim. São muitos os degraus, mas
se você esforçar-se bastante, quem sabe um dia, daqui a milhares
de anos, você estará apto. Agora, se você tropeçar e falhar terá que
começar tudo de novo".
Qual é a gloriosa notícia que temos a dar a todos os homens? É
que Deus tornou-se acessível ao maior pecador. Ele não esta lá no
topo de uma escada, mas ao rés-do-chão chamando os pecadores:
"Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e
eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim,
porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para
a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve"14.
Jesus é o pai, na parábola do nadador, vindo em direção do
homem para tirá-lo da morte. A religião de Deus é a religião do
perdão comprado na cruz por Jesus. É a verdade bíblica de que ao
homem era impossível redimir-se e então Deus o redimiu do jugo
do tirano Satanás.
Agora, há um detalhe muito importante:.A vinda de Jesus não
salvou automaticamente todas, as pessoas. A vinda de Jesus para
morrer naquela cruz é o sim de Deus ao homem. A semelhança de
um casamento. O celebrante dirige-se ao noivo e pergunta:
- João, você aceita Maria para ser sua esposa, para amá-la,
ser-lhe fiel em todo o tempo, etc, etc?
32
O Evangelho do Reino
- Sim! Responde João.
Será que o celebrante contentar-se-á apenas com o sim do noivo? Será que declará-los-á casados sem dirigir-se à noiva? Se ele
fizesse, qual seria a reação natural da noiva?
- O senhor não vai perguntar pra mim? Eu sou uma pessoa e
não um objeto!
Isto mostra-nos que o sim do noivo não consuma o casamento.
De igual maneira a morte de Jesus é o sim de Deus ao ser humano.
Ele, o noivo, já disse sim. Ele é a Árvore da Vida, diante da qual,
agora, nos encontramos numa situação contrária à de Adão e Eva.
Eles nasceram no sim, na comunhão com Deus e disseram-Lhe
não. Nós já nascemos no não. Nascemos mortos espiritualmente.
Nascemos cortados da vida de Deus. Nascemos debaixo do jugo
satânico. E agora estamos diante do amor do Deus revelado em
"Cristo Jesus. Estamos agora diante da Cruz. A Cruz é a "Arvore
da Vida". E diante dessa outra árvore nós temos que responder a
uma célebre pergunta:
- Que farei de Jesus]
Esta pergunta foi feita pela primeira vez por Pôncio Pilatos
quando os judeus lhe trouxeram Jesus para que ele o condenasse a
morte.
- Tens que crucificá-lo porque ele se diz Rei, e não há rei senão César! - Esbravejaram os judeus enraivecidos15.
Quem era Pôncio Pilatos? Era o governador romano colocado
ali na Palestina pelo Imperador do mundo, o poderoso César Augusto. Os judeus, à semelhança de todos os outros povos conquistados, estavam debaixo do tacão dos romanos, amargando uma
dominação escravocrata. Anelavam pela vinda do Messias prometido a Israel, pois queriam se ver livres daquele jugo.
Quando Jesus iniciou o seu ministério, os líderes de Israel ficaram sobressaltados, pois não conseguiram entender a sua mensagem. Jesus pregava amor aos inimigos, referindo-se aos romanos.
Numa certa ocasião chegaram a Ele com uma pergunta de conotação política:
- Mestre, devemos pagar esses impostos a César?16
Quanta revolta havia naquela pergunta. Então, Jesus lhes pede
33
Alma Nua
uma moeda:
- De quem é esta efígie gravada aqui nesta moeda?17
Imagino que a contragosto e com muita raiva, responderam:
- E de César!
- Então dêem a César o que é de César, e a Deus o que é de
Deus! - foi a resposta de Jesus.
Os líderes de Israel passaram a ver nele uma ameaça às suas
aspirações políticas imediatas, e decidiram então matá-lo.18
Quando liam o profeta Isaías maravilhavam-se diante da profecia do cap. 11 que fala do Reino Milena do Messias. Por isso O
esperavam, para que os livrasse de todo o jugo opressor dos romanos, mas não conseguiam entender a profecia do cap. 53, que fala
do Messias Sofredor. E, eles, sem o perceber, cumpriram a profecia do cap. 53. O cap. 11 não se cumpriu ainda, e nós aguardamos
aquele dia glorioso quando Jesus haverá de reinar sobre toda a terra. Na sua primeira vinda Jesus veio libertar-nos de um jugo muito
mais terrível do que o jugo dos romanos sobre os judeus. Jesus
veio libertar-nos do jugo de Satanás. Mas os líderes de Israel não o
reconheceram ("e d'Ele não fizemos caso"), e decidiram matá-lo.
No entanto, eles não tinham autoridade política para fazê-lo19 e,
por isso, foram a Pilatos exigir a sua condenação:
- Tens de crucificá-lo, pois Ele se diz rei, e não há rei senão
César.
Os Judeus, não queriam saber do governo de César. Na realidade estavam colocando Pilatos "contra a parede".
- Se soltas a este, não és amigo de César20.
E Pilatos então, tentando agradá-los e ao mesmo tempo querendo soltar a Jesus propõe uma anistia. Era seu costume soltarlhes anualmente um preso político, e assim ele traz diante da multidão Barrabás e Jesus21.
Quem era Barrabás? Era um zelote. Zelotes eram aqueles ferrenhos nacionalistas, bem extremados, que queriam derrubar o
Império romano. Barrabás havia sido preso numa.sedição contra
os romanos, e era bem popular entre o povo22. Pilatos tem a esperança que o povão que usufruiu dos milagres de Jesus o escolha.
Então, ele propõe:
34
O Evangelho do Reino
- Quem vocês querem que eu lhes solte, a Jesus chamado o
Cristo (Messias), ou a Barrabás?23
A massa humana, ali reunida foi facilmente manipulada pelos
líderes de Israel a gritar:
- Queremos Barrabás! Queremos Barrabás!24
Pilatos não esperava por essa reação do povo, e então faz a célebre pergunta que tem atravessado os séculos e gerações:
- Que farei então de Jesus chamado o Cristo?25 (Messias).
É esta a pergunta que cada um de nós tem de responder, mais
dia, menos dia. Você está sendo confrontado agora por esta pergunta, diante da qual só existem três opções:
PRIMEIRA OPÇÃO:
CONTINUAR NO MEIO DA MULTIDÃO
Qual foi a decisão da multidão naquele dia? Gritaram com todas as suas forças:
- Crucifica-o, não queremos que ele reine sobre nós!
Nós nascemos aqui no mundo com a mesma atitude daquela
multidão, por isso afirmei que a primeira opção é continuar no
meio da multidão. Qual foi a atitude de Adão e Eva lá no Éden ao
comer daquele fruto? O que estavam dizendo a Deus? "Não queremos o teu governo sobre nós! Queremos ser os donos do nosso
nariz!".
Todos nós que nascemos aqui neste mundo, depois de Adão,
nascemos com a mesma atitude. Este é o pecado herdado de Adão.
"Não queremos que Tu governes sobre nós!"
Por isso a nossa primeira opção real é permanecer no meio da
multidão gritando: "Não quero o teu governo sobre a minha vida!".
Você é livre para isto. Agora, não se engane; se não é Deus
quem está no governo, então, é Satanás o governador. Não adianta
enganar-se com a idéia romântica de que é Deus quem é o Senhor
de sua vida, desde que você entende-se por gente. Não é isto que a
bíblia diz. Nascemos aqui debaixo do jugo do terrível e tirano de
Satanás, e, nenhum rito religioso, que alguém tenha feito, com a
35
Alma Nua
melhor das intenções, em seu nome, inseriu-o no Reino de Deus. É
tão absurdo alguém dizer-se cristão desde o nascimento, por ter sido batizado em criança, quanto dizer-se casado desde que nasceu.
Vamos imaginar dois casais muito amigos que ganharam um
bebê, mais ou menos na mesma época, um menino e uma menina.
Então resolvem levar seus filhos ao cartório e casá-los. Isto já pode ter sido feito em outros tempos e em outras culturas, mas para
nós hoje é algo inconcebível, uma verdadeira violência à liberdade. Assim também seria a maior violência privar o ser humano de
decidir quem ele quer, de fato, no governo de sua vida. Isto não é
uma mera questão de gosto religioso. Isto é o âmago da questão.
SEGUNDA OPÇÃO:
TENTAR O IMPOSSÍVEL, ISTO É,
"DAR UMA DE PILATOS"
O que foi que Pilatos fez? Pilatos mandou vir água, e lavou as
mãos, num gesto que passou a ser conhecido como tentativa de
neutralidade. Era como se estivesse dizendo: "Nesta questão eu
não tomo partido. Eu fico em cima do muro!".
E, isto, é impossível, pois Jesus afirmou categoricamente:
"Quem não é por mim é contra mim: e quem comigo não ajunta
espalha."26
Voltemos a pensar na ilustração do casamento. Depois do noivo dizer sim, o celebrante dirige-se agora à noiva:
- Maria você aceita João para ser seu marido, etc, etc...
Imagine que a noiva fique quieta. Não abre a boca para dizer
nada, nem faz qualquer movimento com a cabeça. Penso que o celebrante irá estranhar bastante e, sem dúvida, irá repetir a pergunta. Se a noiva permanecer em silêncio, ele poderá realizar o casamento? Claro que não! Mesmo que os pais, os padrinhos, os convidados, ou quem quer que seja, argumentem com ele. O silêncio
da noiva será tomado pelo celebrante como não, e não como sim,
pois neste caso "quem cala não consente". Eis uma situação em
que é impossível manter-se na neutralidade.
Contudo, há muita gente "em cima do muro'' com relação a Je36
O Evangelho do Reino
sus. As igrejas de um modo geral estão abarrotadas de pessoas
que, embora freqüentadoras assíduas, estão tentando uma posição
de neutralidade com relação a Jesus. Querem um Jesus à sua moda. Querem o Céu, o perdão, a paz, a prosperidade, mas não querem o governo de Jesus sobre elas. Querem ser seus próprios senhores. Senhores dos seus negócios, do seu lar, do seu namoro, do
seu lazer, etc. Jesus não entra nessas questões. Jesus é coisa religiosa de domingo.
Na realidade, ao lavar as mãos, Pilatos estava dizendo não a Jesus. Ele não queria deixar o trono, pois este lhe trazia muitas vantagens. Ele, aparentemente, não queria dizer não a Jesus, mas o
seu gesto acabou redundando num estrondoso não. Da mesma
forma, aqueles que, aparentemente são cristãos, estão aí todo domingo, mas, na realidade, não querem o governo de Jesus sobre
suas vidas, portanto estão também dando um sonoro não a Jesus.
Lembro-me de um jovem que me disse em certa ocasião:
- Eu não quero dizer sim para Jesus, mas também não quero
dizer sim ao Diabo. Eu quero ficar neutro nessa questão. Eu não
quero que Jesus nem o Diabo controlem a minha vida. Eu mesmo
é que quero controlá-la.
Aí está o engano de muitos, pois isto é impossível. Ou nos
submetemos ao governo de Jesus, ou permaneceremos debaixo do
governo do terrível e tirano Satanás.
TERCEIRA OPÇÃO:
FAZER DE JESUS O REI
"Sim, Jesus, reina em mim! Eu me submeto ao teu comando!
Eu desfaço agora todo compromisso com o reino das trevas e
submeto-me incondicionalmente a ti para que me governes! Eu me
arrependo agora de todos os meus pecados, ou seja, de toda a minha vida vivida fora da tua vontade, tentando eu mesmo governarme, mas sendo governado pelo reino das trevas. Tentando ser autônomo ou independente de ti, mas vivendo debaixo do jugo do tirano Satanás. Até hoje predominavam as minhas idéias, agora
quero a tua Palavra. Até hoje era a minha vontade, agora eu quero
37
Alma Nua
fazer da tua vontade o meu alimento diário"27.
Isso é como se assentar na cadeira. É uma rendição total, mudando o centro de confiança de si mesmo para Ele. Isso é crer em
Jesus e não meramente acreditar n'Ele.
O que foi que o apóstolo Pedro disse à multidão no dia de Pentecostes quando tiveram seus olhos abertos para ver que haviam
crucificado o Messias? A pergunta crucial da multidão foi: "Que
faremos, irmãos?".28
E a resposta de Pedro foi clara e incisiva: "Arrependei-vos, e
cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a
remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito
Santo".29
Esta é a porta de entrada do Reino de Jesus. Arrependimento é
meia volta. É deixar de ser independente para ser dependente de
Deus. Ser batizado é ser sepultado com Cristo. É morrer para o
reino das trevas e levantar-se para uma nova vida no Reino de Jesus. E o resultado será: "... e recebereis o dom do Espírito Santo".
Deus virá morar no seu corpo. Seu corpo passará a ser templo
do Espírito Santo30. Você tornar-se-á um transportador de Deus.
Todos os seus pecados serão perdoados31. Você passará da morte
para a vida32. Seu nome irá para o Livro da Vida do Cordeiro33.
Aleluia! Eis a tremenda notícia que eu queria lhe dar: Através da
vida, da morte e da ressurreição de Jesus você pode colocar-se debaixo do governo de Deus. Deponha suas armas e renda-se incondicionalmente a Ele.
Nunca irei esquecer-me daquele jovem a quem batizei, por volta da meia noite, na banheira de minha casa. Ele vinha sendo evangelizado a um bom tempo. Ele entrou porta adentro declarando:
- Quero batizar-me pois estou convertendo-me agora. Eu entendi que Jesus é a única solução e quero dar a Ele toda a minha
vida.
Enchi a banheira e o batizei naquela madrugada mesmo, depois
de uma avaliação bem criteriosa do seu posicionamento. Ao sair
do batismo ele falou com muita convicção:
- Agora eu preciso pregar para a minha namorada, pois se ela
38
O Evangelho do Reino
não se converter vou ter que deixá-la.
- Mas, por que você terá que deixá-la? Perguntei a ele.
- É porque, se ela não se converter irá querer transar comigo,
e de agora em diante não transarei mais com ela.
Aquele jovem havia compreendido claramente as implicações
de render-se inteiramente ao governo de Jesus. Ele sabia que agora, no Reino de Jesus namorar era diferente da maneira como namorava antes no reino das trevas. No reino das trevas o namoro
era pela via da intimidade sexual, mas agora, no Reino de Deus,
não. Agora, namoro era pela vida da santidade.
Depois de alguns meses sua namorada também se rendeu a Jesus e passaram a ter um namoro lindo, segundo os padrões do Reino de Deus. Depois de três anos de um abençoado namoro tive o
privilégio de celebrar o casamento deles com uma alegria muito
grande, pois sabia que ali estava um casal firmando os alicerces da
sua vida conjugal sobre os valores do Reino de Deus.
Este era o evangelho que Jesus pregava: "Vinde a mim, todos
os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai
sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o
meu jugo é suave, e o meu fardo é leve".34
O que é jugo? É o mesmo que "canga", aquela pesada peça de
madeira que se coloca numa parelha de bois para arar a terra. Nós
somos livres para escolher um jugo, ou uma canga. Nascemos aqui, debaixo do jugo do tirano Satanás e somos convidados a trocar de jugo; "Vinde a mim... Tomai... o meu jugo... Porque o meu
jugo é suave, e o meu fardo é leve". O jugo de Jesus é suave porque o Seu pescoço é que está colocado nessa parelha conosco.
Portanto, aceitar o Evangelho do Reino é receber o jugo de Jesus,
é submeter-se incondicionalmente, ao Seu governo, em todas as
áreas da vida, é "negar-se a si mesmo", é "tomar a cruz" cada dia,
é "segui-Lo". Não existe a possibilidade de aceitá-lo apenas como
Salvador dos seus pecados e não como senhor de sua vida.
39
Alma Nua
40
Capítulo 2
UM OUTRO
EVANGELHO
Foi Juan Carlos Ortiz, na década de 80, através do seu livro O
Discípulo que alertou-nos para um outro evangelho que vem sendo
espalhado à larga e que tem dominado a maneira de pensar de
muitas igrejas evangélicas. Ortiz o chama de "evangelho das ofertas" ou "evangelho segundo os santos evangélicos", que nada mais
é do que o alardeado e aparentemente combatido "evangelho da
prosperidade". Evangelho este praticado por vários e importantes
segmentos do meio evangélico, que faz do homem o centro de tudo, por isso designado também de "evangelho antropocêntrico".
Tal evangelho faz de Deus um servo do homem. É como se Deus
existisse em função de fazer-nos felizes. Eis algumas falas bem características daqueles que esposam este "outro evangelho":
• "Entregue sua vida a Jesus e a prosperidade baterá a sua
porta";
• "Enfermidades não mais poderão vir sobre você, pois Jesus levou sobre Si todas as enfermidades";
• "Aquele que crê, de fato, em Jesus não mais tem de andar de carro velho, pois como filho do Rei, passa a ter direito a um
zero quilômetro";
• "Deus não quer que nenhum de seus filhos seja pobre,
41
Alma Nua
por isso reivindique d'Ele os seus direitos de filho. Pobreza material é sinal de pobreza espiritual";
• "Qualquer enfermidade na vida de um crente é evidência
de pecado, pois aquele que realmente anda em obediência a Deus
nenhum mal chegará a sua tenda";
• "Pense e fale positivamente, pois há poder em suas palavras. Aquilo que você fala lhe acontecerá'".
Repudiamos essas propostas sedutoras, e, aparentemente bíblicas, mas são muitos os que têm embarcado nessa pregação que atrai as multidões.
Basta, a qualquer pregador que quiser hoje ser popular e ver
sua igreja crescer, entrar para essa corrente do pensamento positivo. Num momento de crise econômica, com taxas elevadíssimas
de desemprego, tal pregação soa como bálsamo para muitos, e as
multidões são atraídas pelos "pães e peixes". No entanto percebemos ser tal pregação um outro evangelho.
Paulo disse aos Galatas:
"Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos
chamou na graça de Cristo, para outro evangelho; o qual não é outro,
senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu
vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja
anátema. Assim como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema"
(Gl 1.6-9).
Esse "outro evangelho" denunciado por Paulo, e que estava cativando o coração dos crentes da Galácia era o "evangelho da justificação pela guarda da lei", incluindo a necessidade da circuncisão dos gentios, tornando-os assim parte do povo de Israel. Não é
exatamente o que hoje estão pregando os adeptos da "teologia da
prosperidade", mas Paulo deixou em aberto que qualquer "outro
evangelho" que fosse pregado deveria ser anatematizado.
Qual foi o evangelho que Paulo apresentou aos Gálatas? Segu42
Um Outro Evangelho
ramente o "Evangelho do Reino"', ou seja, do governo de Jesus
sobre todas as áreas da vida. Na pregação do Evangelho do Reino
fica evidente o "negar-se a si mesmo", o "tomar a cruz", o "buscar
em primeiro lugar o Reino de Deus", o "abrir mão dos seus direitos", o "servir ao invés de ser servido". Nesse "outro evangelho" o
que se percebe claramente é a busca dos seus interesses egoístas, a
defesa e reivindicação dos seus direitos, a cura e a prosperidade
material como direitos adquiridos dos filhos do Rei, ou seja, as
benesses do Reino já. Daí a fala estranha: "Eu exijo", "Eu reivindico", "Eu ordeno", etc.
Agora, é muito importante perceber que fomos nós mesmo os
pregadores do evangelho, que criamos tal excrescência, pois fomos nós que geramos esse "falso evangelho".
Como foi que ele nasceu? Certamente como resultado das
nossas famosas "séries de conferências evangelísticas". A maior
parte das igrejas evangélicas desenvolveu, durante muito tempo,
como sua principal estratégia evangelística, eventos em que os
crentes esforçavam-se para trazer convidados a fim de ouvirem o
evangelho através de um renomado pregador. Durante muitos
anos de minha vida participei de conferências deste tipo. Numa
conferência evangelística o pregador será avaliado pela quantidade de pessoas que conseguir trazer à frente no apelo. Daí é que
começou a surgir o barateamento do evangelho. O apelo virou
apelação. Quanta apelação temos presenciado. Já ouvi apelações
incríveis. Lembro-me até de um pregador famoso do passado, já
promovido à glória, que fez um apelo evangelístico nos seguintes
termos:
- Quem quer ir para o céu levante a mão.
Diante das mãos levantadas, continuou apelando:
- Agora, todos os que levantaram suas mãos, venham para
frente, pois quero orar por vocês.
Todos os que vieram à frente foram computados como convertidos, ou decididos. Isto para mim é pura manipulação. Isto não é
pregar o evangelho.
Outros, diante da falta de decisões, começam a baratear o custo:
- Não estou convidando ninguém a fazer qualquer compromisso.
43
Alma Nua
(Isto é falso, pois a conversão a Cristo é um tremendo compromisso com Ele e com seu povo.)
- Agora abaixem suas cabeças, fechem os olhos, ninguém está
olhando, enquanto ouvimos os instrumentos tocando, você pode
tomar a sua decisão.
Outros mandam os crentes falarem com as pessoas não convertidas, convidando-as a vir à frente.
Daí foi mudando-se para os mais diferentes tipos de apelo:
- Aqueles que estão com problemas no relacionamento conjugal venham à frente, pois vamos orar para Deus curar o seu casamento.
- Aqueles que estão enfermos venham à frente.
"Os que estão desempregados", "os deprimidos", "os solitários", "os gordos". E assim vai se ampliando o leque para se ter
pessoas na frente.
Não vejo nenhum problema de orarmos pelos enfermos, aliás,
devemos fazê-lo regularmente, mas não como proposta evangelística, pois nem Jesus nem os apóstolos agiram assim. Na proclamação do Evangelho do Reino o que devemos colocar é a renúncia de
tudo e a rendição ao governo de Jesus. É o arrependimento e o
rompimento com o reino das trevas. A salvação, a paz, a alegria,
são conseqüência da rendição total ao governo de Jesus. Cura e
prosperidade podem ser ou não bênçãos decorrentes de uma real
entrega. No entanto, não se pode colocá-las como atrativos para as
pessoas virem a Jesus, pois tal tipo de proposta torna-se manipulação grosseira e não paixão pelas almas perdidas. Se a motivação
fosse a paixão pelas almas, mesmo assim não deveríamos tolerar
tais práticas; mas, a bem da verdade, muitas vezes, o que está em
jogo é a reputação do pregador que tem de apresentar resultados.
Tais práticas acabaram gerando esse evangelho adocicado a gosto do freguês, cheio de promessas mirabolantes. Tal evangelho acaba reduzindo Jesus ao "meigo nazareno" que está do lado de fora
do seu coração, ansioso para ter um lugarzinho em sua vida. "Dê
uma chance a Jesus!" Quase que completamos automaticamente:
- Coitadinho, não o deixe do lado de fora, sentindo frio e fome.
Abra-lhe agora mesmo o coração, pois Ele o ama tanto!
44
Um Outro Evangelho
Quase que se diz:
- Faca este favor a Jesus, pois ele precisa tanto de você!
Jesus acabou tornando-se um produto a ser vendido:
- Use Jesus e sua pele terá a beleza da noiva do Cordeiro.
- Jesus é a resposta para a sua insônia.
- Com Jesus em sua vida você consegue até emagrecer.
Percebo que muitos se convertem "ao céu^', "à paz", "à prosperidade", mas não ao governo de Jesus. Tem sido também muito
comum a idéia de que é possível aceitar a Jesus apenas como Salvador e não como Senhor. É como se estivéssemos dizendo que a
graça elimina o padrão de excelência. Confunde-se assim a graça
preciosa, tornando-a no que denunciou Dietrich Bonhoffer em
"graça barata"1. Seria, mais ou menos, semelhante a um casamento
onde a noiva depois da cerimônia se dirigisse ao noivo nos seguintes termos:
- Meu amor, eu estou tão feliz de estar agora casada com você,
mas você precisa entender que eu gosto ainda de outros rapazes e
quero continuar namorando-os também. Mas, você não deve ficar
triste, pois você é o principal!
Muita gente pensa que Jesus é tão bom que Ele aceita o pecador de qualquer jeito, até mesmo com esse tipo de proposta indecente:
- Jesus! Eu o aceitei como meu Salvador. Eu estou muito feliz
por ter certeza de um dia ir morar contigo no céu, mas agora Jesus, enquanto ainda estamos por aqui na terra, eu quero que saiba que tenho outros interesses importantes. Espero que me entenda que não posso ser exclusivo do Senhor. Mas não fique triste,
pois o Senhor é o principal!
É a isto que chamamos de "graça barata". É à luz de tal barateamento do evangelho que precisamos, mais do que nunca, proclamar o evangelho que Jesus e os apóstolos proclamaram: o Evangelho do Reino. Somente a proclamação do "Evangelho do Reino" é
que gera discípulos e não meros convertidos.
45
Alma Nua
46
Capítulo 3
O VOTO DA
SIMPLICIDADE
Não haveria uma promessa clara de prosperidade aos que se
colocam debaixo do Senhorio de Cristo? Será que o combate à
pregação da prosperidade não pode levar-nos para o desequilíbrio
da pregação do "evangelho da miséria" como sendo o Evangelho
do Reino? Estaria a palavra de Deus condenando a prosperidade e
valorizando a pobreza? Será que inconscientemente não estamos
defendendo o voto de pobreza? Haveria uma virtude intrínseca em
ser pobre de recursos materiais? Na parábola dos talentos Jesus
não está ensinando a virtude do progresso? Quando Paulo exorta
os crentes de Corinto1 a semear muito para colher muito ele não
está falando em termos materiais?
À luz destas questões quero propor-lhes um paradoxo. Paradoxo, segundo os dicionários, é uma afirmação, na mesma frase, de
um conceito, mediante contradições aparentes ou termos incompatíveis.
Como a definição já diz, o paradoxo é apenas uma afirmação,
aparentemente contraditória, pois depois de esclarecida deve trazer
grandes ensinamentos. Eis o paradoxo: "Contentai-vos com o que
tendes e progredi o máximo que puderdes". Vamos analisar este
paradoxo refletindo sobre três importantes conceitos.
47
Alma Nua
O primeiro é o conceito de CONTENTAMENTO.
"Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as cousas que
tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei nunca jamais te abandonarei. Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o
meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?"
(Hb 13.5).
O autor de Hebreus está simplesmente dizendo que devemos
deixar que o senhor seja, de fato, o nosso Deus. Não coloquemos
nossa confiança no dinheiro, pois avareza é adoração a Mamom. O
deus-dinheiro é muito atraente por dar-nos, aparentemente, a sensação de segurança quanto ao futuro. O que a Palavra de Deus está
nos exortando a fazer é colocar nossa confiança total no Senhor e
não nas posses materiais.
Tudo o que vier a se constituir em nossa fonte de segurança, de
significado, ou de contentamento, torna-se o nosso deus. A Palavra, em Hb 13.5, está nos ordenando a deixar que Deus, Pai de
Nosso Senhor Jesus Cristo, seja, de fato, o nosso Deus. Através do
profeta Jeremias, Ele fala a seu povo Israel: "Espantai-vos disto, ó
céus, e horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o Senhor. Porque dois
males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de
águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as
águas"2.
Se Deus não for nossa fonte de contentamento, segurança e
significado, estaremos sempre "cavando cisternas rotas" que não
conseguem reter as águas, ou seja, estaremos sempre em busca de
algo que preencha em nós essas necessidades básicas, e assim acabamos curvados em atração diante de outros altares.
Faça uma verificação em seu coração indagando com honestidade: "Quem é, de fato, o meu Deus? Em que altar tenho me curvado em real adoração? Em quê coloco a minha total confiança?
Onde está a minha fonte de genuíno contentamento? O que é que
me dá significado para viver cada dia? Se eu tirasse Deus da minha vida o que mudaria?"
48
O Voto da Simplicidade
O segundo conceito é o de PROGRESSO. Vamos analisar,
cuidadosamente, a famosa parábola dos talentos:
"Pois será como um homem que, ausentando-se do país, chamou os
seus servos e lhes confiou os seus bens. A um deu cinco talentos, a
outro dois e a outro um, a cada um segundo a sua própria capacidade;
e então partiu. O que recebera cinco talentos saiu imediatamente a
negociar com eles e ganhou outros cinco. Do mesmo modo o que recebera dois, ganhou outros dois. Mas o que recebera um, saindo, abriu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor. Depois de muito
tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles.
Então, aproximando-se o que recebera cinco talentos, entregou outros
cinco, dizendo: Senhor, confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros
cinco talentos que ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom
e fiel; foste fiel no pouco, sobre muito te colocarei: entra no gozo do
teu senhor. E, aproximando-se também o que recebera dois talentos,
disse: Senhor, dois talentos me confiaste; aqui tens outros dois que
ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no
pouco, sobre o muito te colocarei: entra no gozo do teu senhor. Chegando, por fim, o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo
que és homem severo, que ceifas onde não semeaste, e ajuntas onde
não espalhaste, receoso, escondi na terra o teu tesouro; aqui tens o
que é teu. Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente,
sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei? Cumpria, portanto, que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros, e eu,
ao voltar, receberia com juros o que é meu. Tirai-lhe, pois, o talento,
e dai-o ao que tem dez. Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em
abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. E o
servo inútil lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger
de dentes." (Mt 25.14-30).
Percebemos claramente nesta parábola o conceito de progresso.
O Rei exige lucro. Ele deu potencialidade a todos e exige progresso de todos. Esta é a lei que rege a vida. Planta-se um grão esperando uma centena. Jesus está ensinando-nos aqui que vida gera
vida. O grande pecado denunciado nesta parábola é o pecado da
49
Alma Nua
anti-vida. Voltar-se para dentro com medo e não crescer evidencia
morte espiritual. Esse medo paralisante tem destruído muitas vidas
e recebe hoje o nome de baixa auto-estima. O que Deus pune é a
negação da vida, das potencialidades que Ele colocou em todos
nós, diferentes sim, um recebeu cinco, outro dois e outro um, mas
capazes de produzir a trinta, sessenta e a cem por um, conforme a
parábola do semeador3. Enterrar o talento significa dizer para
Deus: "Eu tenho medo do Senhor, pois és muito exigente. Eu não
dou conta de agradar-te, por isso eu não me atiro à tarefa de granjear outros talentos pois tenho medo de fracassar e ser rejeitado
por ti. Assim sendo eu fico na minha; não faço nada para o progresso do teu Reino, mas, pelo menos, não dou maiores problemas. Está aqui o que é teu.".
São estes que passam pela vida mas não vivem. "Se o grão de
trigo, caindo em terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, produz muito fruto"4. Para frutificar é preciso morrer. A casca da semente precisa ser rompida para que a vida, que está nela, aflore.
Este é o progresso que Deus espera de cada um de nós.
O terceiro conceito é o de ADMINISTRAÇÃO. Somente entendendo este conceito é que penetraremos no ensino do paradoxo
proposto. Quem é o dono do ouro e da prata? O Salmista afirma:
"Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo
e os que nele habitam"5. Portanto a nós foi entregue a tarefa de
administrar os bens do Senhor.
Um dos textos que mais tive dificuldade de compreender em
toda a Bíblia, e que, durante muitos anos, ficou na prateleira aguardando iluminação do Senhor foi Lucas 16.9, onde Jesus, concluindo a parábola do administrador infiel, afirma: "E eu vos recomendo: das riquezas de origem iníqua fazei amigos; para que,
quando aquelas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos tabernáculos eternos".
Na primeira vez que li este texto fiquei com um verdadeiro nó
na cabeça, que levou muitos anos para ser desatado. Lendo o pequeno e excelente livro Não Ameis o Mundo, de Watchman Nee,
Deus trouxe luz sobre esse texto e o nó foi desfeito. Anos depois,
50
O Voto da Simplicidade
em Dinheiro, Sexo e Poder de Richard Foster, encontrei a mesma
interpretação dada por Nee, que veio solidificar o entendimento da
parábola.
Na parábola, Jesus mostra um administrador que, tomando ciência de que seria despedido, agiu com astúcia com os devedores
do seu patrão, favorecendo-os com descontos especiais em suas
dívidas para que tais credores viessem a favorecê-lo no futuro.
Numa parábola não se deve buscar significado em todos os detalhes, mas num ponto focal. Qual o ponto focal dessa parábola? Jesus estava enfatizando a astúcia do administrador infiel, ensinando-nos a ser astutos com a riqueza de origem iníqua que cair em
nossas mãos, para granjearmos com elas, amigos nos tabernáculos
eternos, ou seja, entesourar nos Céus investindo em vidas que levaremos para lá, onde nem traça, nem ferrugem corroem.
Porém, o nó não está aí, mas em Jesus chamar os bens a serem
administrados de riquezas de "origem iníqua". Logo pensamos em
dinheiro sujo, adquirido em trabalhos indignos ou de forma indigna. Mas daí surge uma outra dificuldade intransponível, pois Jesus
jamais apoiaria certas atividades lucrativas que ferem os valores
do Reino. Tanto Watchman Nee como Richard Foster chamam de
"riquezas de origem iníqua" todo o dinheiro circulante, ou todo o
sistema monetário vigente neste mundo. Por isso é que Jesus chama o dinheiro de Mamom, o deus-dinheiro.
Compreendendo então que todo dinheiro circulante é iníquo
por fazer parte de um sistema iníquo, percebemos que o ensino de
Jesus é no sentido de sermos verdadeiros administradores dos bens
que vierem para nossas mãos, transformando o dinheiro iníquo em
dinheiro abençoado. Richard Foster diz que ao cristão é dada a elevada vocação de usar Mamom sem servir a ele.
Quando é que estaremos usando Mamom sem servi-lo?
Quando permitirmos que Deus determine nossas decisões econômicas. Estaremos servindo a Mamom quando permitirmos que
o dinheiro determine nossas decisões econômicas. Compramos
uma casa, um carro, ou qualquer outro bem com base numa orientação clara de Deus ou por termos o dinheiro para fazê-lo? Se
o dinheiro determinar o que fazemos ou deixamos de fazer, então
51
Alma Nua
é ele quem nos governa, mas se for Deus quem determina o que
fazemos ou deixamos de fazer então é Ele quem nos governa.
Simplesmente precisamos decidir quem vai tomar nossas decisões.
Pode ser que o dinheiro me diga: "Você tem o suficiente para
comprar isso". Mas Deus pode estar objetando: "Eu não quero que
você compre isso". A quem vamos obedecer?
Se minha esposa me diz: "Meu bem, vamos comprar isto, pois
o preço está excelente". E eu lhe responder: "Não podemos, pois
não temos dinheiro". O dinheiro decidiu.
Mas se eu disser: "Bem, querida, vamos orar para saber se
Deus quer que façamos essa compra. Se Ele quiser, certamente
nos proverá os recursos!" Nesse caso seria Deus o Senhor, mas no
outro Mamom.
Esta é uma área onde temos errado muito como pais, pois deixamos de ensinar aos nossos filhos a vida dependente. Se um filho
chega pedindo-nos alguma coisa e vamos logo respondendo que
não podemos porque não temos dinheiro, comunicamos claramente que quem decide é o dinheiro. No entanto muitos erram pelo outro lado, principalmente aqueles pais que tiveram uma infância
pobre e agora são bem sucedidos financeiramente. Muitos desses
pais atendem aos mais absurdos desejos dos filhos por acharem
que não devem privá-los de nada. É novamente Mamon decidindo.
Quão valioso é para a vida espiritual dos filhos, se desde pequenos
aprendem com os pais a vida dependente. Talvez seja mais difícil
para quem tem muito dinheiro sob sua guarda do que para quem
tem pouco. Ou, provavelmente, ambos tenham dificuldades próprias.
Richard Foster advoga que, assim como os monastérios com o
seu voto de pobreza e os puritanos com o seu voto de diligência
foram uma reação ao deus-dinheiro, nós precisamos também hoje
de um voto que responda criativa e corajosamente à questão do dinheiro6. Precisa ser um voto, diz ele, que rejeite a mania moderna
de granjear riquezas, sem pender para um ascetismo mórbido. Deve ser um voto que nos conclame a usar o dinheiro sem servi-lo, e,
que, submeta o dinheiro, totalmente, à vontade e aos caminhos de
52
O Voto da Simplicidade
Deus.
Portanto, nós, que seguimos a Jesus Cristo, somos chamados a
um VOTO DE SIMPLICIDADE. Esse voto não é para um punhado de gente dedicada, mas para todos. Não é uma opção, à qual
podemos aceitar ou rejeitar, dependendo de nossa preferência pessoal. Todos os que se intitulam discípulos de Jesus têm a obrigação de seguir o que Ele diz, e o apelo de Jesus, na questão do dinheiro, pode ser reduzido a uma só palavra - SIMPLICIDADE.
Irei apresentar aqui os nove significados de simplicidade dados
por Richard Foster no seu livro acima citado:
1. Simplicidade significa compreensão clara do real sentido da vida
• Temos um só desejo - obedecer a Cristo em todas as coisas;
• Temos um só propósito - glorificar a Cristo em todas as coisas;
• Temos uma só utilidade para o dinheiro - promover o Reino
de Jesus aqui na terra.
2. Simplicidade significa regozijo pela boa criação de Deus.
• Oscar Wilde disse certa vez que as pessoas não dão valor ao
pôr do sol somente por não lhes custar nada. Uma vida de simplicidade dá valor a todas as dádivas graciosas da criação de Deus:
Ao pôr do sol, à beleza do luar, à majestade do mar, à solenidade
das estrelas, etc.
3. Simplicidade significa contentamento e confiança.
• "Não andeis ansiosos..."7 é o conselho de Paulo;
• "...nada tendo, mas possuindo tudo"8;
• "porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação"9;
• Paulo viveu assim pela graça, e nós também podemos viver.
4. Simplicidade significa libertação das garras da cobiça.
• A prisão da cobiça leva-nos a amar as poisas e a usar as pessoas;
—-----------------------*—
• Quem é prisioneiro da cobiça valoriza o ter e não o ser, por
53
Alma Nua
isso não se importa em usar as pessoas para ter o que ama;
• Somente através de uma vida de real simplicidade é que resgatamos o valor das pessoas, e colocamos as coisas no seu devido
lugar, e assim encontramos significado para amar as pessoas e usar
as coisas.
5. Simplicidade significa modéstia e temperança.
• Nossas vidas devem ser marcadas pela abstinência voluntária
em meio ao luxo extravagante;
• Nosso uso dos recursos tem de ser moderado sempre pela necessidade humana;
• E é sempre muito importante lembrar que "a ostentação afasta
o irmão".
6. Simplicidade significa receber a provisão material com gratidão.
• Completa privação não é boa coisa, e o rejeitamos como sinal
de duplicidade e não de simplicidade. Duplicidade no sentido de
mascarar a verdadeira espiritualidade através da negação.
7. Simplicidade significa usar o dinheiro sem abusar dele.
• No poder do Espírito Santo dinheiro conquistamos e capturamos o dinheiro colocando-o a serviço de Cristo;
• Sabemos que o bem-estar não e definido pela riqueza e por isso não nos apegaremos a nada;
• Devemos apossar-nos das coisas sem valorizá-las em demasia;
• Devemos possuí-las sem ser possuídos por elas;
• Devemos usar o dinheiro dentro dos limites de uma vida espiritual corretamente disciplinada;
• Devemos administrá-lo para a glória de Deus e o bem das
pessoas;
• Devemos entregar aquilo que é devido ao ministério da igreja
local, onde estamos comprometidos, e orar para que os responsáveis pelas decisões sejam totalmente guiados pelo Espírito;
• Aquilo que ficar sob nossa guarda não pode ser entendido
54
O Voto da Simplicidade
como nosso mas, igualmente, devemos buscar a orientação do Espírito para usá-lo da maneira de Deus e para Sua glória, pois somos apenas administradores dos bens d'Ele.
8. Simplicidade significa disponibilidade.
• Devemos ficar livres da compulsão de adquirir sempre algo
maior e melhor, dispondo assim de tempo, dinheiro e energia para
responder à necessidade humana;
• "Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo
com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir
ao necessitado"10.
9. Simplicidade significa dar alegre e generosamente.
• "...deram-se a si mesmos..."11, disse Paulo acerca das igrejas
da Macedônia.
A Teologia da prosperidade é arma satânica para escravizar
cristãos nas garras de Mamom através da sutileza do ter como evidência do ser. Somente um voto como o acima proposto pode conduzir-nos, nestes dias de consumismo desenfreado, a viver, no
presente século, sábia, justa e piedosamente. Devemos sempre ter
em mente uma das máximas de John Wesley: "Ganhe o máximo
que puder; economize o máximo que puder, e doe o máximo que
puder".
55
Alma Nua
56
Capítulo 4
A CONSTITUIÇÃO
DO REINO
Durante um bom tempo eu tive certa dificuldade para entender a expressão de Jesus: "Eu sou a porta. Se alguém entrar por
mim, será salvo; entrará e sairá e achará pastagem"1. Como é
possível entrar por essa porta e depois sair? Sair para onde? Percebo assim que a figura da porta condiciona-nos a pensar numa
casa. Por isso fica difícil a compreensão. Acabamos pensando
em entrar na salvação e sair da salvação. No entanto essa porta a
que Jesus se refere é a porta no muro da separação entre Deus e o
homem, e essa porta não se abre para uma sala, ela se abre para
um Caminho. Por isso entrará pela porta, e sairá para o Caminho
e achará pastagem.
Roy Hession em seu livro QueremosVer a Jesus, desenvolve a
percepção de Jesus como o Caminho, mostrando-nos que o mesmo
princípio que operou em nós para entrarmos pela porta operará em
nós para andarmos pelo Caminho. "Ora, como recebestes a Cristo
Jesus, o Senhor, assim andai nele"2.
Como foi que o recebemos? Não por obras de justiça praticadas
por nós, mas pela graça, mediante a fé3. Entramos na porta do
Reino pela graça e andamos no Caminho do Reino pela mesma
graça. Quando fomos tocados pela graça de Deus e nos rendemos
ao governo de Jesus entramos pela porta do Reino, e então passa57
Alma Nua
mos a andar no caminho do Reino, capacitados pela mesma graça,
pois o mesmo que disse"Eu sou a porta", disse também " Eu sou o
caminho".
Em que consiste o Caminho do Reino e como podemos andar
nele? Quando prestamos atenção à ordem de Jesus a seus discípulos antes de partir: "...fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os
a guardar todos as cousas que vos tenho ordenado"4, percebemos
que andar no Caminho do Reino é o mesmo que "guardar todas as
cousas" que Jesus ordenou.
Onde se encontram "todas as cousas que vos tenho ordenado"?
O que Mateus tinha em mente quando registrou estas palavras de
Jesus? Certamente ele não poderia estar pensando no Novo Testamento como o temos hoje, pois jamais imaginaria que um dia
haveria um volume, composto de escritos dos apóstolos, conhecido como Novo Testamento. Creio eu que ele estava pensando nos
ensinos de Jesus que havia colocado de forma sistemática em seu
livro. Obviamente, todo o Novo Testamento e, conseqüentemente,
toda a Escritura contém os ensinos de Jesus que Ele quer que Seus
discípulos guardem. Mas, o que quero enfatizar é que o cerne dos
ensinamentos de Jesus está explicitado no evangelho segundo Mateus, e mais propriamente, no Sermão do Monte. Poderíamos então afirmar, com muita segurança, que o Sermão do Monte é a
Constituição do Reino de Deus. Nele iremos encontrar os princípios que regem a caminhada do verdadeiro discípulo.
O Sermão do Monte pode ser dividido da seguinte maneira:
Introdução: As Bem-aventuranças5
• O enunciado de oito princípios que regem o Reino de Deus
em nós.
O Corpo do Sermão:6
• O desenvolvimento dos oito princípios
Conclusão:
• Dois tipos de construtor7
a) O construtor sábio que edificou sobre a rocha.
b) O construtor tolo que edificou sobre a areia.
58
A Constituição do Reino
Na introdução Jesus ressalta a busca universal do ser humano
pela felicidade, pois "bem-aventurado" significa feliz ou saudável,
se assim pudéssemos dizer. São felizes ou saudáveis os que tomam
os princípios do Reino a sério para cumpri-los no seu dia a dia. No
corpo do sermão os princípios são exemplificados através de ensinos claros e objetivos. Na conclusão, Jesus demonstra, de forma
majestosa, que todos nós somos os construtores de nossa história,
havendo somente dois tipos de construtor: o sábio e o tolo.
Construir sobre a Rocha significa construir sobre os princípios
e valores do Reino de Deus tomando-os a sério para praticá-los,
enquanto que construir sobre a areia é não dar ouvidos aos princípios do Reino, construindo a vida sobre conceitos e valores próprios. A "chuva", os "rios" e os "ventos" que dão com ímpeto sobre as casas construídas são os problemas naturais da vida que
vêm de igual maneira sobre o que é fiel a Jesus (o construtor sábio) , e sobre o descrente (o construtor tolo).
É importantíssimo perceber que Jesus não promete ao fiel discípulo tribulações menores. Os problemas e dificuldades vêm de
igual maneira sobre crentes e descrentes. Jesus não nos atrai para o
seu Reino com promessas de livramento dos problemas da vida.
Pelo contrário, Ele enfatiza, em muitos lugares, que passando para
o seu lado iremos arrastar sobre nós as mesmas perseguições que
também vieram sobre Ele.
É, portanto, falsa a pregação que promete ao crente fiel a isenção das tributações. Afirmar que alguém, sendo fiel, está imune a
doenças, desemprego, assalto, acidentes e tantas coisas mais, é afirmar coisa diferente do que Jesus afirmou e, portanto, é ser um
falso profeta. Temos que estar atentos a esse tipo de pregação tão
popular nos dias de hoje e que tem arrastado verdadeiras multidões para o engano e conseqüente apostasia.
Já faz um bom tempo, li a respeito da queda de uma das árvores gigantes do parque das Sequóias na Califórnia. Os botânicos
daquele parque, depois de acurada investigação, descobriram que
aquela árvore, que já era gigante quando Cristóvão Colombo aportou na América, e que havia suportado tantas intempéries, sucumbiu por causa de pequeninos cupins que lhe corroeram as raízes.
59
Alma Nua
Não foram os grandes vendavais ou a erosão do tempo que derrubou aquela Sequóia gigante, mas pequeninos seres, agindo de maneira quase invisível. Assim também se dá com a nossa vida cristã,
pequeninos "cupins" vão corroendo a nossa seiva espiritual, silenciosa e gradativamente.
O principal objetivo deste livro é ajudá-lo a detectar aqueles
males da alma, que se alojam nos cantos escuros de nossa personalidade e passam, muitas vezes, a serem acalentados por nós. São
eles os grandes responsáveis pela perda do nosso vigor espiritual
Perceberemos que a lei mais alta apresentada por Jesus no
Sermão do Monte funcionará como um aparelho de ressonância
magnética, trazendo para a luz as mazelas de nossa alma enferma
pelo pecado. A Lei desnuda-nos por mostrar o padrão de excelência de Deus. A nossa tendência é mirarmo-nos em padrões bem inferiores, tais como, a consciência, ou na comparação com os outros, etc. Mirando-nos numa vitrine de loja temos uma visão bem
inferior daquela que temos ao mirarmo-nos num espelho de cristal.
Quando vemos Jesus levantando a lei do nível da ação para o
nível da intenção, somos jogados por terra. "Ouvistes que foi dito:
Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para
uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com
ela"8; "Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu,
porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te
ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas"9.
É importante lembrar que o objetivo de um aparelho de ressonância magnética não é curar, mas revelar a enfermidade. Depois
da análise dos oito princípios estaremos prontos para entrar na
UTI de Deus. Ao final deste livro estarei apresentando o que entendo ser a terapia de Deus para os males da nossa alma, sugerindo
também a leitura de Santidade ao Seu Alcance onde pude trabalhar
mais detalhadamente na graça operando a nossa santificação.
Passemos, portanto, a uma análise cuidadosa da Constituição
do Reino de Deus reconhecendo em cada bem-aventurança um
princípio que será expandido no corpo do sermão.
60
Capítulo 5
O PRINCÍPIO
DA ADORAÇÃO
"Bem-aventurados os pobres de espírito
porque deles é o Reino dos Céus". (Mt 5.3)
A expressão "pobre de espírito" tem sido muito mal compreendida, e, por que não dizer, muito distorcida. Vejo uma má compreensão naqueles que a usam de forma pejorativa quando querem referir-se a alguém: "Ora, fulano de tal é um pobre de espírito!".
Certamente não foi esse o uso que Jesus fez desta expressão.
Percebo distorção numa nota de margem de uma certa tradução da
Bíblia onde, se aplica a expressão "pobres de espírito" aos deficientes mentais. Por serem irresponsáveis, Jesus estaria afirmando a
felicidade dos tais pela garantia de já possuírem o Reino eterno.
Eis uma forma de distorção que obscurece totalmente o objetivo
de Jesus.
Vejamos, então, o que é "pobre de espírito". É o mesmo que
carente ou dependente A palavra empregada por Mateus é "ptochos", que significa pobreza absoluta. Existe na língua grega outra
palavra para pobre, que é "penês", que significa alguém que precisa trabalhar para viver, diferindo do rico que tem muitas posses.
Penês descreve o homem trabalhador que não é rico, que não temo
que é supérfluo, mas que tem o que é necessário para uma vida
digna. A palavra empregada por Mateus para expressar a afirmação de Jesus não foi "penês", mas "ptochos", que significa alguém
61
Alma Nua
destituído de tudo, em pobreza absoluta. Jesus, de fato está dizendo: "Bem-aventurados os absolutamente carentes de espírito porque deles é o reino de Deus".
Qual a implicação básica desta afirmação de Jesus? São "pobres de espírito" aqueles que têm real percepção de sua absoluta
dependência de Deus, por terem já descoberto que não são possuidores de nada; O apóstolo Paulo estava reconhecendo-se "pobre de
espírito" ao afirmar: "Porque eu sei que em mim, isto é, na minha
carne, não habita bem nenhum..."1. É o mesmo que percebemos
também em Davi: "Eu sou pobre e necessitado, porém o Senhor
cuida de mim..."2.
Dallas Willard em Conspiração Divina3 afirma que é forçar o
texto querer dar às bem-aventuranças a conotação de um padrão
de excelência, "de algo bom que supostamente Deus deseja ou até
exige, e que serve de um fundamento sensato para a bemaventurança que ele confere". Segundo ele não podemos afirmar
que "pobres de espírito" são os que percebem sua real condição de
carência, mas sim aqueles que são espiritualmente empobrecidos,
que não têm nenhuma cultura ou brilho intelectual, que são pobres
espiritualmente no sentido de não terem qualquer profundidade
espiritual. Eles são bem-aventurados porque "o gracioso toque dos
céus desceu gratuitamente sobre eles". Discordo de Dallas Willard, pois isto é contrário a todas as demais bem-aventuranças.
Quando Jesus afirma serem bem-aventurados os que choram, os
que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de
coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça, Ele
os está colocando como um padrão de excelência, sim, que deve
ser buscado por todos nós, assim também os "pobres de espírito".
Eu devo almejar ser um "pobre de espírito", mas não devo almejar
ser uma pessoa destituída de saber, de profundidade espiritual, de
ter percepções agudas. Se não olharmos para as bem-aventuranças
como o padrão de excelência do Reino, de fato, não penetraremos
no seu conteúdo real.
62
O Princípio da Adoração
DEFINIÇÃO DO PRINCÍPIO
"Pobre de espírito" é aquele que já descobriu sua absoluta carência espiritual e que por isso coloca Deus como centro de sua
vida, vivendo em total dependência d'Ele e para sua glória.
Um contraste bem evidente é o que percebemos na atitude dos
cristãos de Laodicéia, aos quais poderíamos chamar de "ricos de
espírito". Jesus enviou através de seu mais íntimo amigo, o apóstolo João, uma carta àquela igreja na qual demonstra sua aversão para com a atitude deles: "Estou a ponto de vomitar-te da minha boca; pois dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma"4.
Esta postura autônoma é o fato gerador de todos os nossos
principais conflitos espirituais. Tal atitude nasceu lá no Éden
quando o primeiro casal rompeu com Deus. Eles estavam, de fato,
dizendo para Deus, através de sua rebelião, que não mais queriam
viver na dependência d'Ele. Pensavam estar assumindo o governo
de suas próprias vidas, mas na realidade estavam submetendo-se a
um outro governo, como já vimos no capítulo dois. O Diabo estava lá insuflando no primeiro casal a busca da primazia ou da autonomia: "Deus sabe que se vocês comerem do fruto serão como
Ele, conhecedores do bem e do mal. E isto, Ele, de fato, não quer,
pois espera mantê-los cativos numa vidinha medíocre de subserviência aos seus caprichos".
A atração do conhecimento foi muito grande. "Se tivermos o
conhecimento, teremos o controle".
Deu certo. O primeiro casal foi fisgado e rompeu com Deus.
Comer daquele fruto significou a busca da autonomia. De lá para
cá, o que chamamos de história da humanidade, nada mais é do
que uma luta desenfreada do ser humano por reconhecimento, ou
busca da divinização. É a isto que devemos chamar de humanismo, ou seja, uma necessidade de provar-se capaz sem Deus. A fala
do diabo foi: "Sereis como Deus, conhecedores do bem e do
mal"5.
Parece-me ser este o foco central da questão. Satanás conseguiu inocular no ser humano a sua doença letal, a busca da divin63
Alma Nua
dade, a sede de ser Deus, o anelo pelo comando. Ser conhecedor
do bem e do mal implica em ter o controle. Se eu tenho o conhecimento, eu tenho o domínio. Se eu tenho o domínio, eu mereço o
reconhecimento e o louvor.
Por que é tão importante para nós, seres humanos, o reconhecimento por outros do nosso valor? Hegel afirmou ser essa, de fato, a principal busca do ser humano. Creio que isto é fruto do Éden, ou seja, o homem no centro, querendo os holofotes sobre ele.
Ser "rico de espírito", portanto, "é a tentativa de autenticar-se pelo
seu valor intrínseco.
Esta tem sido uma das grandes questões filosóficas que vem
sendo debatida através dos séculos. O homem é intrinsecamente
bom e o meio é que o corrompe, ou é intrinsecamente mau e corrompe o meio? Esta foi a grande disputa entre Agostinho e Pelágio (384 a 409 d.C). O Pelagianismo foi anatematizado no Concilio de Éfeso, em 22 de julho de 431 por defender a bondade inerente do ser humano em contraposição com a posição de Agostinho que defendia a depravação total da raça humana através da
queda.
A queda afetou toda a raça. Ninguém mais nasce como Adão
tendo a liberdade de optar entre seguir Deus ou não. Todo ser humano nasce já escravizado ao jugo satânico, foi o pensamento vitorioso dessa disputa teológica. Segundo Pelágio alguém poderia
não cair à semelhança de Adão e Eva e crescer numa vida de piedade sem pecado. Para o Pelagianismo Jesus seria um exemplo a
ser seguido. Para Agostinho e mais tarde para Calvino a depravação do ser humano foi total. Jesus veio para um mundo rebelde e
anti-Deus a fim de resgatar-nos do fútil procedimento herdado dos
nossos pais. A morte de Jesus não foi a de um mártir que serve
como exemplo para nós, foi uma morte substitutiva, na qual levou
sobre si todas as mazelas da natureza humana caída.
Jesus está afirmando, de fato, nesta primeira bem-aventurança,
o princípio da adoração. Somente aqueles que se reconhecem absolutamente carentes de Deus é que o buscam em total dependência e reconhecimento de que só Ele é digno de toda glória e louvor. Como diz o salmista: "Fica-lhe bem o cântico de louvor" 6 A
64
O Princípio da Adoração
palavra adoração, portanto só pode ter um endereço: "Ao Único
que é digno de todo louvor, a Ele seja a glória pelos séculos dos
séculos. Amém!"7
Alguém poderia objetar: "Mas, não existe nada no homem que
mereça aplauso?".
O problema não está ai – o problema está em fazer-se qualquer
coisa na esperança de alcançar o aplauso. Não que o homem não
possa fazer coisas boas, mas com, que motivação as faz. Por isso
precisamos pensar nas conseqüências da violação deste primeiro
princípio.
Mas, antes de falarmos das conseqüências de violar-se este
princípio é necessário eliminar alguns conceitos falsos do que seja
adoração. Para muitos, adoração é cantar hinos, ou seja, estar num
culto celebrando através de cânticos espirituais. Sendo assim, a
adoração estaria limitada a tempo e lugar. O diálogo de Jesus com
a mulher samaritana é por demais revelador de uma mudança radical que Ele veio operar no conceito de adoração.
A mulher samaritana o interpelou dizendo:
"Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em
Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: - Mulher,
podes crer-me, que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas
vem a hora, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão
o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura
para Seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade." (Jo 4.20-24).
A adoração estava limitada ao templo, sim. Lá era o lugar sagrado. Deus habitava de forma especial no Shekiná ou Santo dos
Santos. Quando Jesus expulsou os vendilhões do templo8, Ele estava ainda agindo de acordo com o velho paradigma do templo
como casa de Deus. Mas aqui, no seu diálogo com a mulher samaritana, Jesus estava profetizando uma mudança radical, quando a
adoração não estaria mais limitada a tempo e lugar.
65
Alma Nua
Mateus, ao narrar a morte de Jesus na cruz, do lado de fora
dos muros de Jerusalém, insere no seu relato algo que se deu
dentro do templo, lá no Lugar Santo, na entrada do Santo dos
Santos. O véu do Santuário, que separava o Lugar Santo do Lugar Santíssimo, foi rasgado de alto a baixo por uma mão invisível. O véu por sua textura9, jamais poderia ser rasgado por qualquer mão humana. Somente a mão de Deus poderia fazê-lo10.
Certamente Mateus tomou conhecimento desse fato por algum
sacerdote que estava lá naquele momento. O autor de Hebreus
dá-nos o significado teológico da abertura do Santo dos Santos:
"Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos,
pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote
sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em
plena certeza de fé...".11
O caminho para a presença de Deus estava aberto; o caminho
de sangue. Podemos agora chegar para genuína adoração. Mas,
quando e onde? Em todo tempo e em todo lugar. No Novo Testamento um novo conceito de adoração foi estabelecido. O conceito,
de templo sagrado como casa de Deus foi derrubado para dar lugar
a um novo conceito revolucionário. Os irmãos reunidos constituem-se em santuário12, nunca o lugar onde se reúnem. Eles próprios, e não o lugar, no dizer de Pedro são as "pedras vivas"13 edificados como casa espiritual. Paulo vai descer a questões comezinhas do nosso dia a dia para estabelecer a adoração como um modo de viver: "Quer comais, quer bebais ou façais qualquer outra
coisa fazei para a glória de Deus"14.
Em 1Coríntios 3.16-17 Paulo ajuda-nos a entender o que Jesus quis dizer quando afirmou: "Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles"15. Isto significa que
o número mínimo de dois irmãos, quando reunidos em nome de
Jesus constitui um corpo. Os irmão reunidos são santuário, formado de pedras vivas. E, em 1Coríntios 6.19-20, o apóstolo deixa claro que cada crente, individualmente, também é um verdadeiro santuário, demonstrando assim que a adoração passa a ser
um modo de viver.
66
O Princípio da Adoração
Isto evoca para mim a experiência daquela moça simples e sem
cultura que se converteu e foi dar o seu testemunho antes do batismo. O seu pastor pediu-lhe então para falar do que ela própria
podia observar como mudança significativa em sua vida: "Eu
sempre trabalhei como empregada doméstica e, antes de me converter, ao limpar as casas onde trabalhava, colocava sempre o pó
debaixo do tapete e limpava só nos lugares aparentes. Agora, eu
removo tudo, retiro os tapetes e limpo em todo lugar, pois estou
fazendo para Jesus".
Isto é adoração. É um novo modo de viver em que colocamos o
Senhor no centro e vivemos em função dele.
Portanto, adorar não é apenas cantar hinos no tempo de celebração que temos em nossos cultos, mas realizar qualquer coisa
que traga honra e glória ao Seu Nome.
Durante um bom tempo nós deixamos de cantar aquele lindo
cântico "Quão amáveis são os teus tabernáculos", baseado no
Salmo 84, porque os crentes, ao cantarem: "Bem aventurados aqueles que habitam em tua casa!" pensavam no prédio onde nos
reunimos como "casa de Deus". Agora, toda vez que cantamos este Salmo temos de explicar: "Não estamos nos referindo a este lugar, a estas paredes, mas a nós como irmãos reunidos, tornamonos Casa de Deus onde Ele habita. Poderíamos estar reunidos, lá
na praça, lá seríamos o santuário do Deus vivo".
O cântico passou a ter um novo valor e a ser cantado com muito maior profundidade.
Um grande mal decorrente do entendimento de casa de Deus
como o lugar físico em que nos reunimos é o conceito de secular e
sagrado. Secularizacão é o banimento de Deus da vida por circunscrevê-Lo ao nível do sagrado. Deus é coisa de domingo e do
templo. O resto é secular. Os que trabalham no templo estão no
sagrado, os demais em trabalhos seculares. Isto gerou também
uma ética dupla. No templo, ou seja, na área do sagrado, temos um
determinado comportamento, nos vestimos de uma certa maneira,
falamos de um determinado jeito sagrado, etc., mas fora dali, em
outros lugares, mudamos nossa.forma de ser e agir. "Negócio é
negócio, religião à parte"
67
Alma Nua
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO
Antes de mais nada devemos estar atentos às maneiras de violar-se este princípio. Violamos o princípio da adoração buscando a
glória e o reconhecimento por aquilo que fazemos. Em outras palavras, procuramos estar debaixo dos holofotes da aprovação humana, mais do que da aprovação divina. Nossas ações são movidas em função da aprovação do meio. O louvor e o reconhecimento das pessoas tornam-se o principal combustível a alimentar nossas ações.
Violamos também este princípio através da busca do ter, como
forma de afirmação. Acabamos raciocinando nos termos do reino
das trevas de que se eu tiver, eu serei. Se eu tiver o carro do ano,
se eu morar naquele bairro, se eu fizer aquele curso, etc. então terei valores e serei reconhecido.
Vejamos as principais conseqüências decorrentes da violação
do princípio da adoração. O que acontece quando busco a autonomia colocando-me no centro, debaixo do foco das luzes da aprovação humana?
Orgulho é o pecado central, gerador de inúmeros frutos que iremos analisar. Orgulho pode ser definido como conceito muito
elevado que alguém faz de si mesmo, amor-próprio exagerado, altivez, empáfia, bazófia, soberba. Pode-se afirmar sem medo de exagero que o orgulho é a nossa principal enfermidade espiritual,
ou melhor dizendo, o nosso principal pecado. Por isso ele é apontado como o principal dos sete pecados capitais. Foi o orgulho que
precipitou Satanás para o reino das trevas. E foi através da sutil
tentação do orgulho que ele atingiu a raça humana, inoculando em
nós esse vírus letal.
Vejamos os frutos decorrentes do orgulho que evidenciam,
dentro de nós, a quebra do princípio da adoração.
Um fruto bem evidente do orgulho é o medo. Aliás, foi o primeiro sentimento manifestado pelo primeiro casal lá no Éden, depois da queda - "...tive medo, e me escondi"16.
Pode parecer estranho para muitos colocarmos o medo como
ruto do orgulho, pois aparentemente dá impressão contrária. Al68
O Princípio da Adoração
guém com medo parece-nos até humilde. No entanto precisamos
conceituar bem o que chamamos de medo, pois existem medos e
medos. O medo, instinto de preservação, é saudável e dependemos
dele em nossa vida diária. Quem é que não sente um frio na espinha ao passar por um beco escuro onde se sabe que muitos são assaltados? Eu, por exemplo, não posso subir em lugares muito altos
e ficar bem na beirada de um prédio ou precipício, pois tenho medo de cair lá de cima. Existe também o medo de animais repugnantes, como a barata. Qual é a mulher que não tem medo de barata? Eu diria que esse também é um medo muito bom, pois o homem sente-se um verdadeiro herói quando socorre a donzela amedrontada por uma barata. Nenhum rapaz é atraído por aquela menina que mata a barata sem nenhum temor. Vai aqui, de graça, um
conselho para as mocinhas que estão em busca do seu príncipe encantado. Se você não tem medo de barata, finja ter. Nunca me esqueço do que me disse aquela moça já madurona depois da minha
palestra: "Ah! Agora sei por que não me casei até hoje; nunca tive
medo de barata!".
O medo a que me refiro como fruto da soberba é bem mais sutil, e, certamente foi o medo de Adão e Eva no Éden. É o medo da
rejeição. A necessidade de sentirmo-nos aceitos é natural e saudável até certo ponto, mas pode tornar-se uma preocupação neurótica
que nos paralise totalmente.
Uma maneira bem objetiva de perceber-se esse medo em ação
é observando as fases por que passam todos os casamentos. A
primeira é a fase do deslumbramento ou da lua de mel. É a fase
que perdura do namoro. Durante o namoro conseguimos escondernos do outro mostrando apenas a nossa face polida. É o jogo em
que todos estamos envolvidos na sociedade humana. O jogo do esconde-esconde. Dois jovens iniciam um relacionamento através
das virtudes que percebem um no outro. E, nesse período,conseguem esconder os aspectos negativos e desagradáveis, visando à conquista. Às vezes as unhas aparecem, mas são rapidamente recolhidas, não provocando um grande desconforto. Isto se
dá pelo fato de não estarem ainda debaixo do mesmo teto. Mas
depois de casados, vivendo agora mais tempo juntos, não conse69
Alma Nua
guem mais se camuflar. Essa fase do deslumbramento perdura por
algum tempo, durante o casamento, mas logo se dissipa, pois ninguém consegue viver num clima de auto-policiamento, como numa longa contenção que impeça a pessoa real de vazar. Logo, logo
as unhas aparecem e lá se vai o deslumbramento, e o casamento
entra assim na fase do descobrimento, ou, segundo alguns na "lua
de fel".
É esse o medo a que me refiro. O medo do desnudamento. Esse
medo é magnificamente descrito no livro de lohn Powell Por Que
Tenho Medo de lhe Dizer Quem Sou, da Editora Crescer. Vale a
pena lê-lo cuidadosamente para compreender esse mecanismo que
faz-nos fechar a porta para o outro nos conhecer. Esse medo é fruto do nosso orgulho, pois não queremos que o outro descubra o
que não somos. Precisamos sentir-nos aceitos e valorizados, e assim, acabamos vivendo no nível do eu – ideal e não do eu – real.
Os perfeccionistas geralmente são tímidos e introspectivos por estabelecerem padrões muito altos, que eles próprios não atingem. E
o medo que os leva a trancar a porta da intimidade.
Não há como escapar da fase do descobrimento, por mais que
tentemos esconder-nos. O que geralmente acontece nessa fase é
um clima de contínua competição. Por sentir-se vulnerável cada
um começa a atacar o outro, concentrando-se nas suas falhas e
fraquezas, o que só faz exacerbar o clima de competição. O
grande perigo por que passam todos os casamentos é estacionar
nessa fase. Conheço casais competindo por mais de trinta anos.
Atualmente, muitos preferem o rompimento. A maior ofensa que
se comete contra o cônjuge acontece nessa segunda fase, que é
querer mudá-lo. Quando eu quero mudar o outro estou passando
um sentimento de rejeição que provoca um maior endurecimento
nas relações, pois o que de fato comunico é que você é o problema e que, se você mudasse tudo estaria resolvido. Sendo assim,
coloco-me numa posição de superioridade que diminui e magoa
o outro.
No livro Santidade ao Seu Alcance17 menciono a nossa experiência conjugal na vivência dessa segunda fase. Nós combinamos
jogar aberto, contando tudo um para o outro. O que aconteceu é
70
O Princípio da Adoração
que só eu abria as minhas fraquezas e pecados, a Déa só falava em
tese. Ela dizia: "Meu bem, eu também sou muito pecadora!".
Mas ela não contava fatos, e isto fazia com que eu me sentisse
um miserável pecador, pensando nela como a santa donzela que
não tinha ou não vivia os mesmos conflitos que eu vivia.
Paul Tournier, em Mitos e Neuroses18 afirma ter chegado à
conclusão de que mais mulheres do que homens vão à igreja devido ao mal-estar da consciência. Segundo ele, o homem é dado à
ação e a mulher ao sentimento. Os pecados da ação manifestam-se
visivelmente; os do sentimento, em geral, permanecem inconscientes. O homem desonesto em seus negócios não pode ir à igreja e
ouvir a pregação do evangelho sem se sentir mal. Entretanto a mulher, que é ciumenta, ou que detesta a sua nora, pode ouvir um
sermão sobre o amor e recebê-lo, sem sentir mal estar algum.
Penso que era exatamente isto que acontecia conosco. Mas
houve um momento em nossa história que minha esposa começou
também a abrir comigo as suas fraquezas e pecados. Eram conflitos em áreas diferentes, mas senti-me ótimo, pois estávamos agora
num desnudamento real. O que estávamos descobrindo é que éramos iguais. Que não havia melhor e pior. Era tudo pior, ou seja,
éramos igualmente pecadores que precisávamos estar quebrantados aos pés da cruz para experimentar o poder do sangue. É somente naquele lugar de quebrantamento em que não mais nos concentramos no outro, para mudá-lo, que entramos na terceira fase
do casamento: A fase do aprimoramento, ou da "lua do Céu". Perdemos o medo da rejeição e passamos a experimentar a maior torça operadora de mudanças que é a aceitação. Quando eu me aceito
falho, aceito também que o outro seja falho e paro de querer mudá-lo.
Outro fruto que nasce do orgulho é insegurança. Percebo que a
maioria das pessoas tem uma certa dose de insegurança. Quando
me pego inseguro, numa determinada situação, começo a avaliarme e chegou a descobrir a peçonha da soberba por trás da minha
insegurança. Lá está o vírus causador dos nossos maiores males.
Percebo que a insegurança acontece por medo de ser diminuído,
ou de não ser valorizado como acho que devo, de ser rejeitado por
71
Alma Nua
não saber ou não ter capacidade de realizar determinadas coisas,
de ser preterido, etc. Aí então eu paro e me pergunto a mim mesmo: "Por que você está tão inseguro? Parece que está sentindo-se
rejeitado? No fundo a sua preocupação não é com o que os outros
pensam de você? Você não é surpresa para Deus. Ele o aceita do
jeito que é com seus limites e deficiências. Você não precisa ser
um sucesso para Ele condescender em andar com você. Seu problema é com os outros. Você precisa é do reconhecimento e louvor dos outros."
O Espírito Santo não deixa por menos. Ele vai lá no fundo e toca na ferida: "Perceba, meu filho, que o real problema é você resvalando para o centro. Você está buscando a luz dos holofotes da
aprovação humana.
Aí, então, sou levado ao pó. O único jeito é por a cara no chão
e tratar face a face com Deus e sair totalmente curado pela graça
da aceitação.
A insegurança pode revelar também uma excessiva preocupação com a auto-imagem. Existem aqueles que se esmeram tanto no
que fazem não pelo fato de querer algo bem feito, mas sim por necessidade de aprovação. É o caso, por exemplo, da dona de casa
que fica aflitíssima se o marido fala com ela, em cima da hora, que
uma visita está para chegar. O mundo parece desabar sobre ela,
pois não irá conseguir fazer boa figura. Certamente ela irá receber
o visitante cheia de insegurança e o marido já sabe que mais tarde
será degolado.
Continuando então em nossa prospecção interior, indo o mais
fundo que conseguimos dentro de nós, chegamos aos famosos com
plexos de inferioridade e de superioridade Percebo que não nos
importamos muito quando nos acusam de ares de superioridade.
Alguns até gostam de ser vistos assim. No entanto, toda ostentação
esconde um sentimento de inferioridade. Um bom teste para avaliar a nossa saúde emocional é perceber a nossa reação diante de elogios públicos feitos a outras pessoas. Quem tem complexo de
superioridade não suporta ouvir tais elogios e logo procura diminuir a pessoa ou o feito daquele que está sendo honrado ou elogiado: "Não entendo porque tanta louvação, eu teria feito muito me72
O Princípio da Adoração
lhor!".
Se não expressa com palavras, pelo menos pensa e fica emburrado, pois queria os holofotes em si.
Quem é consumido pelo complexo de inferioridade ou baixa
auto-estima reage de forma diferente. Fica também emburrado
lamentando-se da incapacidade de ser ou fazer aquilo que leva o
outro a ser honrado e respeitado: "Puxa vida! Eu sou um zero à
esquerda. Parece que Deus chove mais nas hortas dos outros do
que na minha!".
O problema é o mesmo, pois quem reage assim gostaria é de
ter o foco sobre a sua pessoa.
Quando a Palavra de Deus afirma que não devemos pensar de
nós além do que convém19, significa que é tão enfermo subestimar-se como superestimar-se.
A competição é outra forma de provar superioridade. De um
modo geral podemos dizer que existe uma competição saudável
que é a que promove todos os tipos de esporte. Não é errado
competir numa partida de futebol desejando a vitória, aliás, o
contrário é que poderia ser doentio; alguém que competisse sempre buscando a derrota. No entanto a dificuldade em aceitar a
derrota, ou de não valorizar a vitória do outro pode revelar bastante a respeito de certas patologias interiores. Percebo no fanatismo esportivo por um determinado clube algo bastante revelador do torcedor. Aquele torcedor que chamamos de "doente" é
alguém que precisa muito da vitória do seu clube para agregar
valor à sua pessoa. A vitória do seu clube é a sua vitória, que lhe
garante valor pessoal.
E o que dizer da competição entre igrejas, entre pastores, entre
denominações, entre para-eclesiásticas? Muitas vezes podemos
justificar tais competições em nome da pureza doutrinária, ou do
zelo pela causa, ou ainda por determinada visão ministerial. Mas, a
bem da verdade, o que realmente está por trás, minando a verdadeira espiritualidade é o pecado da soberba, promovendo toda sorte de disputas e maledicências.
Por que será que, às vezes, aparece dentro de nós, um sentimento de alegria com o fracasso do outro, ou então de tristeza com
73
Alma Nua
o sucesso do outro? A razão desses sentimentos pecaminosos, embora bem acobertados, é que o sucesso do outro ressalta o nosso
fracasso e o fracasso outro evidencia o nosso sucesso. Daí a explicação para a praga da maledicência. Por que concentrarmo-nos nas
coisas negativas das pessoas e comentarmos sobre elas? Exatamente por esta razão. Pois, ao concentrarmo-nos no ruim dos outros achamo-nos melhores.
Outro fruto indesejado da soberba que revela a quebra do primeiro princípio do Reino é a frustração. Por que somos apanhados, muitas vezes, com um sentimento de frustração, principalmente depois de realizarmos algo? Vamos analisar a experiência
de Maria e Marta recebendo Jesus em sua casa:
"Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mulher chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela uma irmã
chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a
ouvir-lhe os ensinamentos. Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então se aproximou de Jesus e
disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tivesse deixado
que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudarme. Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! andas inquieta e te
preocupas com muitas cousas. Entretanto, pouco é necessário, ou
mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte e esta não
lhe será tirada." (Lc 10.36-42).
Não havia nada de errado com o que Marta estava fazendo e,
certamente estava fazendo o seu melhor. Eram tarefas domésticas
que alguém teria de fazer. No entanto encontramo-la visivelmente
irritada e frustrada. Seria tão somente por ter sido deixada trabalhando sozinha? Não encontramos nenhuma repreensão de Jesus a
Maria. Se fosse uma questão de negligência preguiçosa de Maria
certamente Jesus a teria repreendido, mas, pelo contrário, Jesus a
elogia e repreende a Marta:
- Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas!
Jesus foi muito gentil e não atacou de imediato os seus moti74
O Princípio da Adoração
vos, mas certamente o que provocava aquela atitude de irritada
frustração eram os seus falsos motivos. Imagino que Marta raciocinou assim:
- Puxa vida! Jesus vai estar aqui em casa e eu preciso deixar
tudo muito limpo e arrumado, e também, fazer muitas coisas gostosas para ele.
Não havia nada de errado com esses pensamentos. O problema
é que Maria raciocinou totalmente diferente:
- Que maravilha! Jesus vai estar aqui em casa sem toda aquela gente que o segue, e eu poderei fazer-Lhe tantas perguntas que
se avolumam dentro de mim!
Tenho a nítida impressão que Marta estava querendo impressionar Jesus com o seu trabalho e Maria estava tão somente sedenta, sem nenhuma intenção de fazer boa figura. Jesus então faz uma
declaração surpreendente:
- Maria escolheu a boa parte que não lhe será tirada.
Isto me leva a refletir sobre o trabalho que dizemos fazer para
Jesus. Quais são as minhas reais motivações? A frustração sempre
aparece quando a minha motivação é receber os elogios por aquilo
que estou fazendo. Se os elogios não aparecem então começo a
culpar os outros e a lamuriar:
- Ninguém reconhece o meu esforço! Todo mundo só quer moleza! Só eu dou duro para realizar as coisas e ninguém reconhece!
E assim derramamos toda a nossa bílis sobre os outros, cheios
de frustração.
Eu tenho de perguntar-me continuamente com que motivação
faço as coisas, e muitas vezes, apanho-me frustrado por não ter sido reconhecido pelo meu trabalho. Quando isto acontece, eu sei
que saí do trilho da adoração e cai na armadilha da autopromoção.
Devemos também prestar bastante atenção na falsa modéstia,
ou falsa humildade. Isto geralmente acontece quando recebemos
elogios e para não parecermos orgulhosos começamos a dizer:
- Não dê glórias a mim, dê glórias ao Senhor!
Existem pessoas que têm grande dificuldade de receber elogios, pois pensam que devem rechaçá-los, querendo com isso de75
Alma Nua
monstrar humildade; o que não passa de falsa humildade. A verdadeira humildade não busca o elogio, mas o aceita, reconhecendo
com alegria ter sido um instrumento nas mãos de Deus. Por isso o
problema não está nas pessoas nos elogiarem, mas em buscarmos
os elogios.
É muito interessante observar que tanto no início de Israel como nação como no início da Igreja, Deus matou por serem falsos
adoradores. No capítulo 10 de Levítico está narrada a trágica morte de Nadabe e Abiu, filhos de Arão, por trazerem "fogo estranho"
ao altar e em Atos 4.32-5.11 a morte de Ananias e Safira por encenarem uma entrega mentirosa de oferta visando o reconhecimento das pessoas. Vamos ler cuidadosamente o texto de Atos:
"Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém
considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes.era comum. Com grande poder os apóstolos davam
testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia
abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores
correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade. José, a
quem os apóstolos deram o sobrenome de Barnabé, que quer dizer filho da exortação, levita, natural de Chipre, como tivesse um campo,
vendendo-o trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos. Entretanto, certo homem, chamado Ananias, com sua mulher Safira,
vendeu uma propriedade, mas de acordo com sua mulher, reteve parte
do preço, e, levando o restante, depositou-o aos pés dos apóstolos.Então disse Pedro: Ananias, por que encheu Satanás teu coração,
para que mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do
campo? Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não
estaria em teu poder? Como, pois, assentaste no coração este desígnio? Não mentiste aos homens, mas a Deus.Ouvindo estas palavras,
Ananias caiu e expirou, sobrevindo grande temor a todos os ouvintes.
Levantando-se os moços, cobriram-lhe o corpo e, levando-o, o sepultaram. Quase três horas depois, entrou a mulher de Ananias, não sabendo o que ocorrera. Então Pedro, dirigindo-se a ela, perguntou-lhe:
76
O Princípio da Adoração
Dize-me, vendestes por tanto aquela terra? Ela respondeu: sim, por
tanto. Tornou-lhe Pedro: Por que entrastes em acordo para tentar o
Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés dos que sepultaram o teu
marido, e eles também te levarão. No mesmo instante caiu ela aos pés
de Pedro e expirou. Entrando os jovens, acharam-na morta e, levando-a, sepultaram-na junto do marido. E sobreveio grande temor a toda
a igreja e a todos quantos ouviram a notícia destes acontecimentos."
(At 4-32-5:11).
Por que Deus foi tão severo tirando a vida dessas pessoas?
Penso que Ele queria pontuar para todos nós a seriedade da adoração. Precisamos entender bem o que aconteceu. A punição sobre
Ananias e Safira não foi por terem retido parte do valor, pois Pedro deixou bem claro: "Conservando-o não seria teu, e vendido,
não estaria em teu poder?".
Portanto, não havia obrigatoriedade de vender e trazer aos pés
dos apóstolos. O problema foi a tentativa de aparentar uma coisa e
fazer outra. Eles deram a impressão que estavam doando tudo,
como fez Barnabé, mas estavam retendo uma parte. Eles cobiçaram o reconhecimento que viram Barnabé receber, e por isso simularam, uma "entrega total". Eles provavelmente, dominados por
um sentimento de soberba, ou de superioridade não suportaram
ver outro ser reconhecido, e, cobiçaram assim o louvor da comunidade. Voltaram para casa depois da oferta de Barnabé murmurando e criticando:
- Você viu, mulher, quanta louvação ao Barnabé por causa da
sua oferta? O nosso sítio dá de dez naquele sítio mixuruca que ele
doou. O que você acha Safira, da gente vender o nosso e dar só a
metade? A metade do nosso é muito mais do que tudo que Barnabé deu. Agora, não vamos falar que estamos doando só a metade,
vamos dar a entender que estamos dando tudo. Você concorda?
- Claro meu bem que concordo! Vai ser maravilhoso todos os
irmãos ressaltando o nosso feito. Penso até que o Pr. Pedro irá
fazer um destaque especial da nossa oferta no seu sermão e também colocar no boletim de domingo como um exemplo de dedicação!
77
Alma Nua
A nossa vida cristã também recebe uma sentença de morte e
definha quando, igualmente, realizamos qualquer coisa com o objetivo de atrair sobre nós o foco do louvor. Deus deixou-nos esses
exemplos tão drásticos para que percebêssemos a seriedade da
questão. Eu preciso sondar continuamente as minhas motivações,
e, quantas vezes descubro-me um falso-adorador. Quando estamos
atentos à malignidade do nosso coração podemos correr para o
Trono da Graça e receber o bálsamo curador do sangue de Jesus
que purifica-nos de todo o pecado, e, assim sermos conduzidos a
andar naquelas obras preparadas de antemão para nós20, que quando vistas trazem glória ao nosso Pai celestial21.
RESULTADOS DA VIVÊNCIA DO PRINCÍPIO
Agora, vejamos os resultados de uma vida realmente quebrantada, que tem plena consciência de sua total dependência de Deus
por reconhecer-se, de fato, "pobre de espírito". O resultado principal é respirar já o clima do reino, pois o texto diz: "Bem aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino de Deus". O texto não diz, deles será o Reino um dia no futuro, mas deles já é o
Reino.
Outro resultado evidente é uma contínua vida de adoração.
Temos a tendência de pensar em adoração como cantar hinos de
louvor. Adoração é muito mais do que isso. A conversa de Jesus
com a mulher samaritana deixou bem claro uma nova dimensão da
adoração, não mais limitada a tempo e lugar. Paulo colocou a adoração como um modo de viver: "Quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus"22.
Nunca vou esquecer-me daquela aula para crianças de 8 a 10
anos sobre adoração. Para ajudar as crianças na reflexão do que é
adoração comecei a perguntar o antônimo de certas palavras:
- Qual o antônimo de alegre?
- Triste! Responderam em uníssono.
- Qual o antônimo de feio?
- Bonito! Também em alegre uníssono.
E assim prossegui perguntando o antônimo de velho, de pobre,
78
O Princípio da Adoração
de simpático, de bom, etc. Até chegar à adoração.
- Qual o antônimo de adorar?
Eu não esperava a resposta que tive. Thaís, 10 anos, muito atenta, levantou a mão e respondeu com convicção:
- Reclamar.
Eu confesso que nunca tinha visto a murmuração como o oposto de adoração, talvez por não ter entendido até então a adoração
como um modo de viver. Mas, que lição magnífica eu estava aprendendo ali através de uma criança. Isto me levou a muitas reflexões e pude então perceber que todas as vezes que estamos reclamando de qualquer coisa, estamos fazendo o contrário de adorar.
Por quê? Pode você estar perguntando.
Se, Deus é de fato o Senhor Soberano sobre todas as coisas23.
Se, nem um fio de cabelo cai de nossa cabeça sem o Seu consentimento24. Se, todas as coisas cooperam para o bem dos que o amam25. Então a expectativa que Ele tem a nosso respeito é de
darmos graças em toda e qualquer situação26. Quando eu reclamo,
estou reclamando de Deus. ''Como o Senhor permitiu, que eu perdesse o emprego? Como o Senhor permitiu que meu filho morresse? E assim por diante."
Precisamos também entender que Deus tem duas vontades: Sua
vontade real e Sua vontade permissiva. Não é da vontade real de
Deus que uma pessoa adultere. No entanto, Ele não irá amarrá-la
nalgum lugar para impedi-la de pecar. Essa pessoa jamais poderá
adorar a Deus pelo seu adultério, afirmando que Deus o consentiu.
Todo sofrimento que experimentará será fruto de sua rebelião.
Portanto, existe sofrimento que é resultado do nosso pecado. Mas
existe muito sofrimento que não é por pecado direto de quem está
sofrendo. Este é o grande tema do livro de Jó. O "em tudo daí graças" de Tessalonicenses 5.18 como vontade expressa de Deus não
inclui, portanto, o dar graças pelos pecados que cometemos, pois
isto nos tornaria totalmente irresponsáveis por eles. Uma pessoa
pode estar passando por penúria financeira por causa do pecado da
preguiça, mas outro poderá estar passando por igual penúria não
ocasionada por qualquer pecado seu. É aqui que os "amigos de
79
Alma Nua
Jó", adeptos da teologia da prosperidade, cometem uma grande injustiça com pessoas que estão sofrendo por atribuírem pecados em
suas vidas para explicar o seu sofrimento.
OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO
Por fim, vejamos agora quais os ensinamentos de Jesus no corpo do Sermão do Monte que explicitam este princípio da adoração.
Como vimos no capítulo 4, a Constituição do Reino, cada bemaventurança é o enunciado de um princípio que Jesus expandiu no
corpo do sermão.
• Mateus 6.1-18. Este texto nos fornece três exemplos muito
importantes:
.
1°) Ao fazer o bem
"Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o...
fim de serdes vistos por eles, d'outra sorte não tereis galardão junto de
vosso Pai Celeste. Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta
diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para
serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua
esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará".
Dizem que comemos mais ovos de galinha do que de pata porque a galinha, depois de botar, faz uma enorme propaganda e a pata não. Muitos de nós cacarejamos como a galinha depois de fazermos uma boa ação. Jesus está dizendo que ao fazermos isso já
recebemos o nosso galardão, ou seja, o louvor das pessoas. Se o
que estamos buscando é o louvor das pessoas então já o recebemos, mas não o galardão d'Aquele que vê em secreto.
80
O Princípio da Adoração
2°) Ao orar
"E quando orardes, não sereis como os hipócritas porque gostam de
orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos
dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta,
orarás a teu Pai que está em secreto; e teu Pai que vê em secreto te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios,
porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos
assemelheis, pois a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais".
Jesus deixa-nos bem claro que existe espiritualidade ostentatória. Precisamos, portanto, avaliar cuidadosamente como tem sido a
nossa postura, para não cairmos no engodo de uma espiritualidade
de fachada.
Será que Jesus está ensinando aqui que não devemos pedir
pelo fato de Deus já saber do que precisamos?
Não é esta a questão, mas em fazer-se vãs repetições, com o intuito de ser ouvido por "encher" a paciência de Deus. Jesus está
dizendo que a verdadeira oração é um relacionamento de amor entre Pai e filho, onde o Pai sabe das necessidades do filho, e tem
prazer de ver o filho expondo com liberdade os seus desejos. No
entanto isto não inclui ficar repetindo e repetindo, como a criança
mimada que quer muito uma determinada coisa e fica falando sem
parar para conseguir a atenção do pai e assim ser atendida. Jesus
está dizendo que com Deus não é assim.
3º) Ao jejuar
Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas;
porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam.
Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém,
quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim não de parecer
aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em
secreto, te recompensará".
81
Alma Nua
A grande pergunta que temos de fazer a nós mesmos é: Que recompensa eu quero? A dos homens ou a de Deus?
Aquele que tudo faz em busca da recompensa ou louvor dos
homens chegará à glória do Pai como que através do fogo. Suas
obras, disse Paulo, como palha, se queimarão. Mas aquele que fez
para o Pai que vê em secreto, suas obras, como ouro depurado pelo fogo, receberá do Pai o verdadeiro louvor27. Parece-me que
muitos de nós não nos importamos muito com a questão do galardão. Lembro-me de um senhor que dizia: "Se no Céu eu for lixeiro
estará tudo bem. O importante é estar lá."
j
Mt 6.9-13
"Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos Céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no Céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as
nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e
não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal, pois teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém."
Colocar a oração do Pai Nosso dentro do Princípio da Adoração tem por objetivo demonstrar que toda oração genuína, quer seja petição, intercessão, confissão, louvor, é, na realidade, um ato
de adoração. Pois, é através da oração que estamos afirmando nossa total dependência de Deus e reconhecendo Sua Soberania sobre
todas as coisas.
Jesus não nos deixou este modelo de oração para que se tornasse um tipo de mantra em que papagueamos estas palavras sem que
passem pela nossa mente. Foi este tipo de prática que acabou levando as igrejas evangélicas a tirar, de sua liturgia essa reza decorada. No entanto, devemos perceber nesta oração um modelo perfeito e completo daquilo que deve ser nossa oração diária. Minha
esposa e eu passamos a orar o Pai Nosso todos os dias detendo-nos
em cada uma das nove declarações.
Quando oramos 'Venha o teu reino'', por exemplo, nós pedimos
detalhadamente a vinda do governo de Jesus sobre todas as áreas
82
O Princípio da Adoração
de nossa vida: nosso casamento, nossos filhos, nossas finanças,
nosso ministério, e assim, prosseguimos detalhando tudo aquilo
sobre o que queremos ver o governo de Jesus atuando. Fazemos o
mesmo com cada uma das declarações e então percebemos como é
completo este modelo deixado por Jesus para nos nortear na oração.
83
Alma Nua
84
Capítulo 6
O Princípio
do Servir
"Bem-aventurados os que choram,
porque serão consolados" (Mt 5.4)
Estaria Jesus afirmando com esta expressão que os emotivos
são bem aventurados? Será que existe uma virtude especial nos
que choram diante de uma cena bonita, ou até diante de um ato heróico?
Não me parece ser esse o enfoque de Jesus. Ele está focalizando as lágrimas da compaixão e também do genuíno arrependimento. Isto porque os emotivos ou que choram por qualquer coisa, não
precisam de consolo. Suas lágrimas, geralmente, são de alegria e
não de pesar, mas os que choram por compaixão ou arrependimento receberão o consolo.
DEFININDO O PRINCÍPIO
A sensibilidade que Jesus ressalta na expressão "Bemaventurados os que choram" é a sensibilidade espiritual que se expressa de duas maneiras:
1ª) Sensibilidade ao próprio pecado
É o mesmo que quebrantamento, ou pronta atitude de assumir
responsabilidade pelo erro cometido sem atribuir culpa a outros.
Significa assim contrição ou tristeza pela falta cometida. É bem85
Alma Nua
aventurado, ou feliz, ou sadio, aquele que não está endurecido pelo
engano do pecado, que está pronto a lidar com o seu pecado sem a
tendência de pensar que os seus problemas ou pecados existem por
culpa dos outros. Uma pessoa pode ficar tão endurecida pelo engano do pecado que acabará desenvolvendo uma síndrome – A
síndrome de vítima. Toda vez que errar procurará atenuar sua culpa atribuindo-a a outros ou, até mesmo, a Deus.
Lembro-me de uma jovem linda que parecia ter uma vida bem
piedosa, mas que acabou atolando-se em pecados grosseiros e destruidores. Lá, bem no fundo do poço, não encontrei uma pessoa
quebrantada, mas uma jovem amarga, atirando farpas em todos.
Eu ouvi dos seus lábios: "Eu não sei como foi que Deus me deixou
fazer todas estas coisas!".
Na realidade, ela estava inocentando-se e culpando Deus pelos
seus pecados.
São essas as pessoas que estão continuamente procurando os
culpados pelos seus problemas e sofrimentos, e, conseqüentemente, estão sempre empenhados em mudar os outros. É aquele marido que quer mudar a esposa, por entender ser ela a grande causadora de todos os seus males, ou, ao contrário, a mulher que atribui
ao marido os seus sofrimentos, e que suspira: "Ah, se meu marido
mudasse!".
Os possuidores dessa síndrome são profundamente cobradores,
pois são auto-centrados. Não saíram da infância em que a criança
age como se o mundo convergisse em torno dela. Tais pessoas não
amadureceram emocionalmente e por isso cobram de tudo e de todos.
"Os que choram" são aqueles que já descobriram que os seus
problemas não estão do lado de fora, mas do lado de dentro. O
meu problema não é a casa em que moro, ou os filhos que tenho
ou minha esposa, ou meu patrão, ou minha igreja, ou meu país. O
meu problema sou eu. Reagir com as pessoas ou situações externas esperando sempre que os outros mudem, ou resolvam os meus
problemas promove o endurecimento que é o contrário de quebrantamento.
86
O Princípio do Servir
2ª) Sensibilidade aos pecados e/ou problemas do outro
Somente aquele que se enxerga pecador, responsável pelos
seus próprios erros e que chora por causa deles é que será compassivo com os outros pecadores. Aquele que chora pelos próprios
pecados chorará também pelos do próximo.
São, portanto, bem aventurados aqueles que se empatizam com
o próximo. "Empatia" é uma ótima palavra, mas pouco usada.
Empregamos mais a palavra "simpatia". Ambas têm a mesma raiz
que é a palavra "pathos" que significa dor ou sofrimento. Daí vem
a palavra patologia, que significa "estudo da dor, ou do sofrimento". "Pathos" mais o prefixo "syn" forma a palavra "simpatia", que
significa "sofrer com". "Pathos" mais o prefixo "em" forma "empatia", que significa "sofrer em" ou "sofrer dentro".
Você pode estar pensando: "Até agora não ajudou muito esse
negócio de ver a etimologia das palavras. Parece mais diletantismo
de pregador".
Vejamos então um exemplo interessante: Suponhamos que
uma pessoa perdeu um filho querido num acidente, e que passou
por um período de grande dor e sofrimento. Tal pessoa, depois de
restaurada emocional e espiritualmente, é chamada para consolar
uma família que está chorando a perda de uma pessoa muito querida. Ao chegar naquele lugar de muitas lágrimas ela pode abraçar
as pessoas sofridas e dizer: "Eu compreendo a dor de vocês, pois
passei também por esse vale. Isto é simpatia". É sofrer com".
Agora, pense em você, que talvez nunca teve uma perda tão
grande, e que é chamado a consolar alguém que sofre. Ali, vendo a
dor daquela mãe, você chora com ela como se fosse, seu filho. Isso
é "empatia". Sofrer em, ou dentro. Sofrer por identificação profunda. Sofrer por olhar a vida pelo prisma do outro. Isto aconteceu
comigo uma vez. Fui levado a uma casa onde havia uma mãe consumida pela dor da perda de seu filho de 25 anos. Havia sido assassinado brutalmente. Essa mulher, separada do marido, havia
perdido há dois anos uma filha, também de forma trágica. Ali estava ela atirada sobre a cama querendo somente a morte, pois havia desistido de tudo. O que eu poderia dizer a ela? Fui tomado
por um sentimento de compaixão tal que me levou a ajoelhar ao
87
Alma Nua
lado de sua cama e chorar como nunca chorei até hoje. Foi a melhor coisa que fiz, pois Jesus não disse "aconselhai os que choram", mas "chorai com os que choram".
Aliás, é muito importante salientar que temos a tendência de
dar soluções simplistas diante da dor alheia. É irritante observar
aqueles que se acham no direito de dar conselhos na hora que deveriam chorar. Tenho a nítida impressão de que as pessoas sentem-se incomodadas com a dor dos outros e também culpadas de
não darem uma solução. Pensam que as pessoas quando abrem suas dores estão esperando conselhos. É o que as pessoas menos
querem. O que o sofredor está precisando não é de explicações, ou
esclarecimentos sobre o seu problema, ou pregação exortativa para
permanecer firme no meio da dor, mas alguém que o escute e consiga orar e chorar com ele.
Você já viu como as pessoas se sentem desconfortáveis num
velório? Existe palavra mais idiota do que "meus pêsames" ou
"meus sentimentos" para dizer-se ao enlutado? É muito melhor
não falar nada, e dar um abraço sincero de condolências do que ficar preocupado em dizer alguma coisa. O que sempre faço nessas
ocasiões é dar um abraço e dizer com sinceridade: "Deus te abençoe e te sustente".
E muitas vezes, não digo nada, só abraço.
Em síntese "os que choram" são aqueles que são sensíveis ao
seu pecado, sendo, portanto, pessoas quebrantadas, ou seja, que
olham para a vida não como vítimas, mas como responsáveis pelos
erros cometidos e, que, por isso, são igualmente sensíveis ou compassivos com os pecados e/ou problemas do próximo, procurando
ver a vida pelo prisma do outro, desenvolvendo assim a compreensão de servo. Daí chamarmos este segundo princípio de Princípio
do Servir.
88
O Princípio do Servir
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO
DESTE PRINCÍPIO
Eu violo este segundo princípio do Reino quando me torno
uma pessoa auto-centrada, olhando para vida e para os outros de
uma forma errada, entendendo que os outros são os responsáveis
pelos meus problemas e que existem em função de me servir.
Quero aplicar-lhes um teste interessante:
• Imagine-se numa noite bem fria usufruindo do conforto aconchegante do seu lar. Tocam a campainha e você vai atender. Lá
fora está um mendigo sujo e maltrapilho. Qual será a sua reação
interior? Aceitação ou rejeição?
• Imagine-se numa outra noite fria, igualmente confortável,
dentro do seu lar. Tocam a campainha e você vai atender. Lá fora está um casal muito elegante com um lindo pacote nas mãos.
Qual será a sua reação interior? Aceitação ou rejeição?
Provavelmente, a reação de todos nós seja a mesma. O mendigo causa em nós um sentimento de rejeição por ser alguém que
certamente quer alguma coisa de nós, enquanto que o casal elegante pode ser alguém que esteja trazendo-nos algo interessante, gerando assim em nós um sentimento de aceitação. Isto prova-nos
que a nossa natureza é intrinsecamente pecaminosa e autocentrada. pois olhamos para o nosso próximo sempre esperando
ser servidos e não servir.
No reino de Satanás ou reino das trevas, é considerado grande
aquele que tem muitos servos, mas no Reino de Deus é grande aquele que serve a muitos.
Vejamos, portanto as conseqüências inevitáveis de uma vida
auto-centrada:
Egoísmo ou egocentrismo. É a postura da pessoa que vê sempre os outros como seus devedores. Ela está sempre pensando nos
outros de forma utilitária.
89
Alma Nua
Insensibilidade ou endurecimento para com os próprios pecados. Quem é auto-centrado tenderá sempre a justificar-se dos erros atribuindo-os aos outros.
Insensibilidade para com os pecados e/ou problemas do
próximo. A pessoa endurecida será sempre fria e indiferente, para
com os pecados ou problemas do outro.
Oração vazia e sem efeito. A oração egocêntrica faz de Deus
meu servo. Estarei sempre voltado para os,.meus interesses, incapaz de derramar-me pelos outros, pois minha atitude será continuamente de cobrança, até de Deus.
A oração do servo é muito diferente, pois seu alvo é mais abençoar do que ser abençoado. Lembro-me de uma pregação de
Juan Carlos Ortiz numa série de conferências que realizou na costa
oeste dos EUA em que ironizava as "rezas" das orações autocentradas e apresentava a oração do servo como a oração do verdadeiro discípulo de Jesus. O servo não ora transferindo para Deus
toda a responsabilidade, mas ora colocando-se em suas mãos para
ser usado como resposta. O egocêntrico até quando pede pelos outros o faz de maneira irresponsável: "Senhor, abençoa o irmão Roberto com um emprego, e não demore em responder, pois ele está
passando por grandes necessidades, e eu reivindico de ti essa resposta urgente."
A oração do servo é totalmente diferente: "Senhor, tu me informaste da situação de desemprego do irmão Roberto e venho a ti
para saber o que o Senhor quer que eu faça?".
Ortiz conta que no final daquelas conferências abriu espaço para testemunhos, pois queria saber o que havia sido retido dos seus
ensinamentos. Uma jovem senhora falou da importância que foi
para sua vida a compreensão da oração do servo. Disse ela que depois daquela noite em que o pregador falou sobre a maneira do
servo colocar-se nas mãos de Deus disponível para ser usado como resposta da oração ela voltou impactada para casa, pois vinha
orando por uma amiga que havia se mudado para um local a 3.000
quilômetros de distância daquela maneira irresponsável faz de
90
O Princípio do Servir
Deus um servo. Ela voltou para casa orando diferente:
- Senhor o que Tu queres que eu faça pela minha amiga, pois
me sinto angustiada e preocupada com ela?
Naquela mesma noite decidiu fazer uma ligação interurbana. A
outra levou um susto, pois não esperava que a amiga fizesse uma
ligação tão cara, e foi logo perguntando:
- O que foi que houve? Por que você está me ligando a uma
hora dessas? Aconteceu alguma coisa grave?
- Não, eu só estou ligando para lhe dizer o quanto a amo e
como tenho me sentido angustiada e cheia de preocupação com
você. Eu quero saber como você está.
A outra caiu em prantos e respondeu:
- Só pode ser Deus quem mandou você me ligar, pois eu estava
aqui desesperada querendo suicidar-me.
Ficaram mais de 40 minutos no telefone orando, chorando e
louvando a Deus.
Tudo isso porque uma serva perguntou ao seu Senhor:
- O que Tu queres que eu faça?
Tendo pregado há alguns anos atrás este princípio na Terceira
Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte ouvi do Pr. Marcelo Gualberto o seguinte testemunho:
- Esta verdade tocou-me tanto que comecei a fazer a oração do
servo em muitas situações em que antes eu devolvia pra Deus de forma irresponsável.
- Eu, muitas vezes, ficava revoltado com os governantes pelo descaso que percebia com certas regiões onde o povo estava passando fome.
Certa noite, assistindo um documentário sobre a miséria numa das regiões mais pobres do nosso estado, eu me vi orando a oração do servo:
- Senhor, o que Tu queres que eu faça?
- Eu fui desafiado por Deus e levei o desafio para a Igreja. E, o
resultado foi que assumimos o compromisso de sustentar a todos os
moradores daquele município carente, que eu tinha visto na televisão, com cestas básicas por seis meses, até que chegassem as chuvas
e eles pudessem ter uma colheita. Foi algo maravilhoso que abençoou a todos nós, pois estávamos sendo as mãos de Deus suprindo aquele povo carente.
91
Alma Nua
É importantíssimo frisar que o verdadeiro servo não sai fazendo as coisas simplesmente porque alguém tem de fazer algo, por
isso estou falando em oração do servo. Ele tem de perguntar ao
Senhor:
- O que Tu queres que eu faça?
Não é fazer por fazer. É fazer debaixo do comando do Cabeça
que é Cristo. Caso contrário seríamos esmagados pelas necessidades. O verdadeiro servo não é comandado pelas necessidades, nem
tampouco por um sentimento de culpa diante da miséria humana,
mas por uma direção clara do Senhor, pois é tão pecado não fazer
o que Deus nos mandou fazer, como fazer o que Ele não nos mandou. Não fazer o que Ele manda é pecado de rebelião, mas fazer o
que Ele não manda é pecado de pretensão.
A oração do servo não promove um ativismo desordenado, mas
uma postura de prontidão para ouvir o comando do Cabeça do
corpo que é Cristo, para assim "andarmos nas boas obras que Ele
preparou de antemão para nós"1.
Hipocrisia religiosa. O mundo está cansado de um discurso religioso de amor ao próximo que não se efetiva na prática. Jesus atacou severamente a hipocrisia religiosa através da parábola do
bom Samaritano:
"E eis que certo homem, intérprete da lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus em provas, e disse-lhe: Mestre, que farei para
herdar a vida eterna? Então Jesus lhe perguntou: Que está escrito
na lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás o Senhor
teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo
como a ti mesmo. Então Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto, e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo? Jesus prosseguiu, dizendo:
Certo homem descia de Jerusalém para Jerico, e veio a cair nas
mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe
causarem muitos ferimentos, retiraram-se deixando-o semi-morto.
Casualmente descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e,
vendo-o, passou de largo. Semelhantemente um levita descia por
92
O Princípio do Servir
aquele lugar e, vendo-o também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro dizendo: Cuida deste homem e, se alguma cousa gastares a mais, eu to indenizarei
quando voltar. Qual destes três te parece ter sido o próximo do
homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe o intérprete da lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então lhe
disse: Vai, e procede tu de igual modo." (Lc 10.25-37).
Nesta parábola percebemos nitidamente três diferentes filosofias de vida:
1 - A filosofia dos salteadores - O que é teu é meu.
Esta é a filosofia do mundo cão em que vivemos, onde muitos
pisam no seu próximo e o exploram porque o importante é ter, não
importando o como ter. Vemos isto acontecer de mil maneiras todos, em que verdadeiros salteadores olham para o seu próximo
desta forma utilitária: "Como posso tirar vantagem dessa pessoa?"
Muitos são assim usados, explorados, assaltados, porque aqueles que fazem do ter o seu objetivo perderam totalmente de vista a
perspectiva do ser.
2 - A filosofia dos religiosos - O que é meu é meu.
É o que vemos nas figuras do sacerdote e do levita. Diz o texto
que vendo o homem caído passaram de largo ou de longe; ou seja,
não quiseram nem ver a real condição do homem para não se envolverem nem ao menos emocionalmente.
Vamos imaginar aquele líder religioso descendo de Jerusalém
para Jericó enlevado pelo culto maravilhoso que havia dirigido,
degustando ainda as compreensões do amor de Deus pelo pecador,
ilustrado nos sacrifícios que havia oferecido, de acordo com as leis
cerimoniais. Havia compreendido também que esse Deus miseri93
Alma Nua
cordioso exigia do seu povo o mesmo comportamento para com os
semelhantes. No entanto, ao ver aquele homem caído, sua mente
ficou obnubilada e, talvez, tenha feito, até mesmo, críticas severas
à política dos seus dias que não oferecia maior segurança contra os
assaltantes: "Não posso envolver-me com isso, pois não é meu
problema e, além do mais, tenho que dirigir um estudo bíblico daqui a pouco em Jerico".
Assim, em todo tempo, o que regia o seu comportamento era
uma filosofia, ou modo de ver a vida - O que é meu é meu – É
meu o meu tempo, é meu o meu dinheiro, e uso-os apenas em benefício próprio. é a lei da selva: "Cada um viva a sua vida, e o resto que se vire!".
Imaginemos também o Levita que pertencia ao grande coral do
templo, descendo de Jerusalém para Jerico cantarolando, com a
sua voz empostada de tenor, a linda ária da qual era o solista, da
cantata maravilhosa que estavam ensaiando para a Páscoa. Ao ver
o homem caído passa de longe, pois sua alma sensível de artista
não pode ser tocada por sentimentalismos de ajuda aos carentes,
pois afinal das contas para que servem os impostos extorsivos que
pagamos. "Além do mais, tenho um ensaio com o meu naipe, daqui a pouco em Jerico".
Ele também estava sendo regido pela mesma filosofia - O que é
meu é meu.
Jesus" estava atacando severamente a hipocrisia religiosa dos
que têm um discurso de amor ao próximo dissociado de uma prática de serviço ao próximo.
3 - A filosofia do genuíno cristão - O que é meu é teu.
Esta filosofia é a que vemos na figura do samaritano. Curiosamente, Jesus coloca um samaritano no papel do genuíno cristão
para confrontar ainda mais os soberbos judeus que tinham nos samaritanos um povo desprezível, composto por aqueles israelitas
que foram miscigenados com outros povos durante o cativeiro assírio e que não foram levados para o cativeiro babilônico. Tendo
ficado em Samaria durante o cativeiro na Babilônia acabaram aparentando-se mais e mais com os gentios, formando assim uma raça
94
O Princípio do Servir
mesclada de judeus e gentios. Os "genuínos" judeus os desprezavam por não serem judeus puros.
O samaritano passa perto e constata a seriedade da situação e
envolve-se de corpo e alma. Numa leitura cuidadosa do texto percebemos que ele passou aquela noite na hospedaria cuidando do
assaltado, dedicando seu tempo, seu sono, seus cuidados. Tendo
que prosseguir viagem deixa-o aos cuidados do hospedeiro assumindo todas as responsabilidades financeiras.
O genuíno cristão, portanto, é aquele que olha para o próximo
da perspectiva de ser seu servo - O que é meu é teu.
Somos discípulos d'Aquele que disse: "Eu não vim para ser servido, mas para servir."2
Esta parábola mostra-nos assim que o cristão é chamado a envolver-se como servo.
Lembro-me muito bem de quando preguei, há muitos anos atrás, esta mensagem, quando ainda pastoreava a Igreja Batista
Central de Belo Horizonte. Eu não tenho por hábito ficar à porta
cumprimentando as pessoas depois do culto. Geralmente permaneço lá na frente conversando com aqueles que me procuram. Estava ali conversando, quando Flávio me abordou:
- Tem um rapaz estranho aí fora querendo conversar com você.
Quase que eu me descartei dizendo para ele:
- Ora, cuide você dele!
Mas a pregação estava tão fresquinha na mente que eu não tive
jeito de escapar. Fui em direção da pessoa e "passei perto" e me
envolvi.
Levei-o para minha casa naquela noite. (Hoje entendo que poderia tê-lo levado para uma hospedaria, pois deveria proteger a
minha família). Lanchamos juntos, depois dele ter se banhado e
colocado a roupa que eu lhe dei, e coloquei-o em nosso quarto de
hospedes dizendo-lhe que no outro dia iríamos conversar mais
profundamente sobre os seus problemas. No outro dia eu tinha de
sair bem cedo para deixar as crianças na escola e só voltaria na hora do almoço. Deixei-o em casa com uma tarefa: cortar a grama do
nosso jardim. Na minha volta para o almoço iríamos conversar.
95
Alma Nua
Quando cheguei, por volta das 12h30, lá estava a grama do mesmo
tamanho.
- Por que você não cortou a grama? Fui logo perguntando.
- Mas eu cortei, respondeu ele.
- Cortou coisa nenhuma, olha só, está do mesmo tamanho!
Sua resposta foi totalmente inusitada:
- Quando eu penso que fiz, eu já fiz!
Fiquei pasmo por alguns instantes, mas percebi estar, realmente, diante de um problema sério.
Com muito jeito fui conversando com ele e consegui algumas
informações valiosas. Descobri que ele morava em Trombudo
Central, uma pequenina cidade do interior de Santa Catarina. Consegui falar com a telefonista daquela cidade tentando descobrir a
sua família. Quando lhe contei a história ela pediu-me que aguardasse na linha, e saiu em busca da irmã do rapaz. Dentro de poucos minutos, a sua irmã estava falando comigo e me fazendo mil
perguntas para identificar se era mesmo seu irmão. Quando percebeu que era, de fato, seu irmão ela começou a chorar e a me agradecer.
- Moço, o senhor não faz idéia do bem que nos fez. Nós estávamos desesperados sem notícias dele, pois ele fugiu daqui alucinado no dia em que viu o nosso irmão mais velho suicidando-se.
Deu um trabalhão enorme fazê-lo chegar de volta à sua casa,
mas senti-me um privilegiado. Era como se eu estivesse sendo,
naquele momento, as mãos de Deus amparando o fraco e necessitado. Descobri ali, naquele dia, a verdade maravilhosa das palavras de Jesus: "Mais bem aventurado é dar do que receber"3.
Percebo assim que só vivemos de fato quando nos doamos.
Quando saímos do nosso egocentrismo e olhamos para o outro da
perspectiva correta de servos.
Em Filipenses 2.3 o apóstolo Paulo exorta-nos a não fazermos
nada por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros como superiores a nós mesmos. Eu sempre tive dificuldade de compreender este texto. Como poderia considerar uma determinada pessoa superior a mim se a tal pessoa não
96
O Princípio do Servir
tinha nada que evidenciasse isto? No entanto prosseguindo no texto de Filipenses encontramos a resposta: "Tende em vós o mesmo
sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a
Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo...".
Devemos olhar para os outros sempre dessa perspectiva: Eu
sou seu servo. É neste sentido que olhamos para os outros como
superiores, não como melhores ou de maior capacidade, mas como
alguém de quem eu sou servo. É assim no Reino de Deus. Fomos
chamados para servir, e nossa vida só encontra significado quando
olhamos para o nosso próximo desta maneira. Será que Jesus está
ensinando, que nós, os seus filhos, somos os responsáveis em resolver os problemas de fome e miséria do mundo? Parece-me que
não. A pergunta é: Quem é o meu próximo?
Através desta parábola Jesus está nos ensinando a estar atentos
a situações comuns em nossa vida diária que poderão exigir de nós
envolvimento. Certamente, todos nós, todos os dias, vamos ter alguém que vai precisar de nós, e a nossa tendência carnal vai ser
escapar. Isto não quer dizer que teremos que sair recolhendo todos
os mendigos das ruas, a não ser que Deus nos faça um chamado
bem específico neste sentido. Nós temos a tendência de pensar
somente em envolvimento financeiro. Talvez o envolvimento financeiro seja o mais fácil. Mas, o que dizer daquela pessoa chata
que quer alugar o nosso ouvido com as suas abobrinhas. Geralmente descartamo-nos de tais pessoas. Mas ali pode estar um próximo precisando de nossa atenção amorosa.
Em se tratando de ação ou assistência social precisamos de algumas percepções. Eu, por exemplo, sinto-me sempre, profundamente abatido, quando um menino ou uma menina de rua bate à
janela do meu carro pedindo dinheiro. Dentro de mim cresce uma
dor por aquela situação. Eu já me coloquei inteiramente nas mãos
de Deus para deixar tudo o que faço e dedicar-me ao resgate dos
menores de rua. No entanto isto só pode ser feito com uma convicção muito forte de um chamado claro de Deus. Pois, qualquer
ação que seja fruto de uma emoção passageira, não perdurará. Ou,
97
Alma Nua
ações sociais realizadas por sentimento de culpa também serão infrutíferas. Ações sociais conseqüentes são aquelas nascidas de um
chamado específico de Deus.
Resolvi não mais dar dinheiro às crianças nas ruas, pois descobri muitos profissionais da mendicância usando-as como meio de
arrecadação. Passei então a canalizar a minha doação para o projeto de apadrinhamento da Visão Mundial por ser uma das organizações mais abalizadas na realização de projetos sociais que operam
no Brasil.
OS RESULTADOS DA
OBSERVAÇÃO DESTE PRINCÍPIO
"Bem-aventurados os que choram porque serão consolados."
Vejamos os resultados práticos na vida daqueles que são quebrantados e que se empatizam com o próximo:
• Serão consolados por experimentarem a maravilhosa sensação de perdão dos seus pecados.
• Serão consolados por verem a operação de Deus na vida do
próximo por seu intermédio.
• Serão consolados por verem a resposta de Deus às suas orações, nas quais, muitas vezes, foram usados como instrumentos de
Deus.
• Serão consolados por perceberem que o genuíno quebrantamento torna-os mais sensíveis às necessidades do outro.
• Serão consolados por descobrirem a longanimidade de Deus
para consigo levando-os a serem longânimos com o próximo.
• Serão consolados pela alegria de servir ao invés de ficarem
esperando ser servidos.
• Serão consolados por extinguirem um espírito de cobrança
que os levava sempre a olhar para os outros como devedores.
• Serão consolados pela liberdade adquirida de olhar o mundo
da maneira de Jesus: "Não estou no mundo para ser servido, mas
para servir e doar a minha vida".
98
O Princípio do Servir
OS ENSINOS DE JESUS
NO CORPO DO SERMÃO
Vejamos agora o que aparece no corpo do sermão do monte está relacionado a este princípio, pois esta é a nossa tese, que os oito
princípios são expandidos no corpo do sermão, e obviamente por
todo o Novo e Velho Testamento. Portanto, pode ser um trabalho
altamente gratificante pesquisar em toda a Bíblia os textos correspondentes a estes oito princípios centrais do Reino de Deus. Certamente que, numa pesquisa desta natureza, você irá descobrir outros princípios que poderão enriquecer em muito o seu entendimento do Reino de Deus.
Na busca pelo entendimento a respeito de quais são os princípios permanentes e quais são as regras temporárias, percebemos
em diversas situações que o estabelecimento de uma regra faz-se
necessário para a defesa de algum princípio. O cuidado que temos
de ter é o de perceber quando a regra torna-se obsoleta na defesa
de tal princípio, pois mantê-la quando ela não mais defende princípio algum é o que gera a doença do legalismo que atrofia e mata
a verdadeira espiritualidade.
Deixe-me dar um exemplo: Talvez seja necessário estabelecer
uma regra quanto aos Motéis. Suponhamos que fique estabelecido
por uma determinada comunidade evangélica que os seus membros, mesmo os casais casados, não freqüentarão motéis, por terem
se tornado um antro de prostituição. No entanto, um determinado
membro daquela comunidade viaja para os EUA e lá hospeda-se
num Motel. Quando a liderança da igreja toma conhecimento
promove a disciplina daquele irmão. Acontece que nos EUA motel não tem a conotação de antro de prostituição como aqui. Portanto para lá a regra não tem qualquer validade na defesa do princípio da santidade sexual.
Quais são os ensinamentos de Jesus no corpo do sermão do
monte relacionados a este princípio?
99
Alma Nua
"Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a
cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para
colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os
que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante
dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a
vosso pai que está nos céus." (Mt 5.13-16).
Jesus emprega aqui duas figuras muito esclarecedoras dos resultados da nossa atuação no mundo:
1ª) O sal
O sal tem duas propriedades muito importantes. Sabor e preservação, ou conservação. Penso que Jesus está assinalando aqui
que o servo é quem dá sabor agradável ao meio onde vive, pois
sua atuação é para fora, assim como o sal. O sal desfaz-se para dar
sabor, ou valorizar os alimentos. Assim também é o servo. O apóstolo Paulo declarou: "Eu de boa vontade me gastarei e ainda me
deixarei gastar em prol da vossa alma"4.
O sal também preserva ou conserva os alimentos, impedindo a
sua deterioração. Assim também o servo. Ele mantém o meio saudável por viver em função de servir e não de ser servido. Isto impede a deterioração de uma sociedade que é facilmente corrompida pelo egocentrismo, onde cada um procura o outro de forma utilitária. É o servo que salga a sociedade impedindo-a de deteriorarse totalmente, pois a sua atitude a permeia de um significado maior. A malignidade é contida por almas livres, voltadas para a doação de si mesmas promovendo a conservação dos valores do Reino de Deus.
2ª) A luz
É importantíssimo perceber que Jesus não está dizendo que nós
devemos ser sal e luz, mas que já somos.
Em João 8.12 Jesus afirma ser a luz do mundo, e aqui em Mateus 5.14 Ele diz que nós somos a luz do mundo. Podemos extrair
100
O Princípio do Servir
daqui uma verdade maravilhosa. Parafraseando podemos dizer que
Jesus é o sol e nós somos a lua. Ele tem luz própria e nós somos os
seus satélites. Ele disse: "Enquanto estou no mundo, sou a luz do
mundo."5
Mas tendo voltado ao Pai, nos passamos a ser os seus satélites,
verdadeiros anteparos de sua luz, projetando-a na face escura da
noite em que o mundo se encontra. O mundo não pode ver mais a
Jesus senão em nossas faces e é numa face de servo que mostramos Jesus ao mundo.
Estão totalmente equivocados aqueles que querem apresentar
Jesus na face do conquistador, do poderoso, dos números que impressionam, das bênçãos materiais que atraem. Ele só é visto naqueles que estão curvados lavando os pés do próximo, munidos
apenas de uma bacia e uma toalha.,
A luz que ilumina os passos do perdido é a luz do servo que
trabalha nas caladas da noite em busca do cansado e do aflito. A
luz que orienta o que navega na imensidão do oceano, no turbilhão
dos vagalhões que querem afundar sua tosca embarcação, é a luz
dos que refletem a luz daquele que disse: "Aquietai-vos e sabei
que eu sou Deus. Se eu sou o Senhor dos ventos e das tempestades
vocês podem descansar em mim. Eu sou a luz do mundo, quem
me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.".
Mateus 5.43-48: "Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo
e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos
do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e
bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os
que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos
também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que
fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto,
sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste"
A ordem "amai os vossos inimigos" e "orai pelos que vos perseguem"nos intriga e acabamos achando ser algo utópico ou impossível a nós pobres mortais. O que Jesus teria em mente colocando-nos diante de tais ordens?
101
Alma Nua
Primeiramente, precisamos compreender o que é amar? Temos
a tendência de pensar na palavra amor como sendo um emoção.
Em nossa cultura a palavra amor ou amar, assumiu este significado emocional. Pensamos que amar alguém é ter um sentimento de
querer estar perto, abraçar e fazer carinho, etc. Por isso excluímos
totalmente da mente a possibilidade de se amar um inimigo. Como
eu poderia querer a companhia daquela pessoa ou fazer-lhe carícias? É impossível!
No entanto, amar é muito mais do que sentir. Amar é uma atitude que melhor seria compreendida pela palavra servir. O texto
mais adequado para uma devida compreensão do que seja "amar o
inimigo" é Romanos 12.17-21:
Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem
perante todos os homens; se possível, quanto depender de vós, tende
paz com todos os homens; não vos vingueis a vós mesmos, amados,
mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu inimigo
tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes
vencer do mal, mas vence o mal com o bem."
Amar o inimigo, portanto, é suprir-lhe as necessidades.
"Tudo quanto quereis que os homens vos façam, assim fazei-o
vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas"6.
Esta é a chamada Lei Áurea. Nós gostamos de ser servidos e
bem tratados. Não é errado gostar disso. O que Jesus nos ensina
aqui é tornar essa intenção por base ao agirmos para com o nosso
próximo.
102
Capítulo 7
O Princípio
da Submissão
"Bem-aventurados os mansos,
porque herdarão a terra". (Mt 5.5)
Os dois primeiros princípios estabelecem a base do edifício espiritual do Reino de Deus que é amar a Deus sobre todas as coisas
e ao próximo como a si mesmo. Este terceiro princípio é também
de fundamental importância porque introduz-nos na compreensão
do nosso papel de apenas mordomos e não donos do que Deus coloca em nossas mãos, até mesmo da nossa própria vida.
Antes de mais nada, é muito importante perceber o que a expressão "manso" não significa:
• Não significa alguém de caráter fraco. Jesus intitulava-se
manso e humilde de coração", no entanto, vemo-Lo derrubando
as mesas dos cambistas de uma forma bastante agressiva.
• Não significa alguém que pratica a filosofia de "paz a qualquer preço". Existem aqueles que para viverem em paz engolem "gatos e lagartos". Eu diria que esta atitude é uma das maiores responsáveis pelas enfermidades nos relacionamentos
conjugais.
Lembro-me do Senhor Pedro. Sua esposa dizia: "Eu e o Pedro
estamos casados há quase 50 anos e nunca brigamos!"'
Aparentemente podia-se pensar que era o casal perfeito, que
103
Alma Nua
vivia em plena harmonia conjugai. No entanto a realidade era outra. O senhor Pedro queria a paz e para tanto se anulou totalmente
para conseguir viver com aquela mulher dominadora. Certo dia
chegou em casa e já não morava mais lá. Ela havia decidido mudar
e fez a mudança sem dar a mínima satisfação a ele.
Isto é sinal de um bom casamento? Não, pois um bom casamento tem de ter confronto. Um bom casamento exige que os cônjuges se enfrentem e se respeitem. Mansidão, portanto, não é anulação.
DEFININDO O PRINCÍPIO
Qual, então, é o significado de "manso"?
"Manso" é aquele que se submeteu inteiramente ao Senhor, entregando-lhe todos os seus direitos e pertences, entendendo assim
que não é mais dono de nada, nem mesmo de sua própria vida,
mas tão somente um administrador dos bens do Senhor. Daí chamarmos este princípio de Princípio da Submissão. A essa experiência de "entrega total" damos o nome de "Plena Submissão".
Há uma tendência em nossos arraiais evangélicos de acreditar
ser possível uma pessoa receber a Cristo apenas como Salvador e
não como Senhor. Vamos nos imaginar um automóvel. Quem está
no volante ou no controle de nossas vidas? A Palavra de Deus é
bem clara ao afirmar que todos nós nascemos sob a regência satânica1, ou seja, com Satanás no volante. O que é conversão? Não
pode ser uma aceitação parcial de Jesus colocando-o apenas no lugar do carona. Conversão genuína é a colocação de Jesus no comando de tudo.
Existe esta disputa teológica hoje, alguns entendem que ao falarmos em conversão ao senhorio de Cristo seria acrescentar esforços humanos à graça. Provavelmente esta disputa é o resultado
de um pensamento bem comum, que percebe a conversão como
um ato imediato, quando a conversão talvez seja um processo em
que vamos nos convertendo até o ponto da rendição plena. Quando
esta se dá, estamos de fato convertidos ou regenerados. Muitos
que começam e não dão frutos são cortados fora, como vemos em
104
O Princípio da Submissão
João 15. Estariam perdendo a salvação? Não, pois, de fato, nunca
a tiveram. Assemelham-se à semente que caiu sobre o terreno rochoso e também à semente que caiu entre os espinhos2. Tais sementes chegaram a brotar, mas não deram fruto permanente. O entendimento da parábola do semeador leva-nos a perceber que existem aqueles que recebem a Palavra com alegria, e permanecem por um tempo, mas os cuidados deste mundo e a fascinação
das riquezas sufocam a semente impedindo-a de crescer e de dar
frutos.
Evidentemente, estas são aquelas pessoas que recebem a Cristo
parcialmente e em seus corações outros interesses competem com
Jesus e acabam vencendo. Declarar tais pessoas convertidas porque um dia "aceitaram" a Jesus é um tremendo equívoco; pois, o
quê significa "aceitar" Jesus senão submeter-se ao Seu governo em
todas as áreas da vida? Portanto, concordando com a tese de Calvino, devemos declarar que o salvo não perde a salvação. No entanto, precisamos rever o que chamamos de salvo. Salvo não é alguém que um dia atendeu um apelo e foi batizado e freqüenta a igreja mas sua vida não evidencia obediência aos mandamentos de
Jesus. As duas principais evidências de uma pessoa salva são: fome de obediência e arrependimento. Portanto, uma pessoa salva
comete pecados, mas arrepende-se deles. Sendo assim, a maior evidência de uma genuína conversão não é nunca errar, mas arrepender-se e consertar o erro cometido.
Contrariando o Arminianismo que afirma a salvação como fruto da perseverança, devemos crer que o salvo irá perseverar. Devemos, assim, olhar para a perseverança como conseqüência da
salvação e não como causa. Pois, se a perseverança é causa então
nós é que estamos nos salvando.
Jesus deixou bem evidente que os que fazem a vontade do Pai é
que entram no Reino e não os que fazem milagres e prodígios:
Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo o que
me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia,
hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profe105
Alma Nua
tizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em
teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a
iniqüidade".
Repudiamos, assim, um tipo de evangelho que procura dar a
segurança da salvação a quem não deveria ter tal segurança, pois o
que isto tem acarretado é uma crescente banalização da £é.
Ser manso, portanto, é ter consciência clara de estar inteiramente submisso ao comando de Jesus desejando, acima de todas
as coisas, alimentar-se de Sua vontade.
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO
Lembrando que conseqüências físicas são decorrentes da violação de leis físicas, conseqüências espirituais surgirão por violarmos leis ou princípios espirituais.
Como e quando violamos este terceiro princípio?
Violamos este princípio de duas maneiras:
1ª) Permitindo falsos deuses no controle de nossas vidas
Uma pessoa convertida poderá vir a quebrar este princípio incorrendo no erro denunciado por Jeremias3: "Espantai-vos disto, ó
céus, e horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o Senhor. Porque dois
males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de
águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as
águas".
O que são essas cisternas rotas que não conseguem reter as águas? São fontes falsas de vida. Tudo aquilo que vier a constituirse em nossa fonte de segurança ou de significado, ou descontentamento, torna-se uma "cisterna rota" ou um "deus falso, levandonos a violar este princípio. Deixamos Deus, o nosso "Manancial de
Águas Vivas , e começamos a cavar cisternas, ou seja, começamos
a procurar significado fora de Deus. Conseqüentemente, destronamos a Deus e nos guindamos ao trono, o melhor, uma divindade
falsa vai para o trono e começa a nos controlar.
106
O Princípio da Submissão
Por que Deus exigiu de Abraão o sacrifício de Isaque? Em Santidade ao Seu Alcance4 esta questão está bem explicitada e eu recomendo a sua feitura. O fato central era a entronização de Isaque
como deus de Abraão. Isaque tomou o lugar de Deus no coração
de Abraão, e Deus não aceita ser segundo. Por quê? Por ser um
megalomaníaco que quer sempre o primeiro lugar? Não. Mas por
ver um filho deixando a fonte da vida, tentando encontrar vida
noutro lugar onde ela não está. Seria o mesmo que vermos o sedento deixando a fonte de águas saudáveis e indo em direção a um
reservatório de gasolina para dessedentar-se. O coração do Pai sofre por ver os seus filhos correndo em tantas direções à procura de
significado, deixando-o de lado por não descobrir que n'Ele estão
todos os tesouros que nossa alma anela.
Sendo assim, precisamos estar atentos, pois os deuses insinuam-se em nossas vidas através de desejos legítimos. É legítimo
uma jovem querer namorar e casar, é legítimo uma pessoa querer
uma casa própria, é legítimo desejar possuir um automóvel. Mas, a
ordem dos fatores, que, na matemática, não altera o produto, na
vida espiritual altera, pois a Palavra de Deus declara: "Agrada-te
do Senhor e Ele satisfará os desejos do teu coração"5. Precisamos
entender bem o que é esse "agrada-te do Senhor", pois muitos são
atraídos apenas pela segunda parte do versículo: "e Ele satisfará os
esejos do teu coração".
A Palavra de Deus está nos ensinando que, ao colocarmos
Deus como centro de nossa vida, fazendo d'Ele o nosso "Manancial de Águas Vivas", isto não elimina certos desejos legítimos. Embora tais desejos não nos controlem eles existem e Deus promete
satisfazê-los. Parafraseando o texto poderíamos colocá-lo assim:
"Quando descobrir que em Deus está toda a razão de viver, você
não mais ficará correndo atrás de qualquer coisa para preencher
vazios de sua alma, no entanto, perdurarão desejos que deixarão
de ser dominantes, mas que são legítimos, e Deus, então, fará uma
de duas coisas: ou os satisfará ou os tirará do seu coração".
Quando tais desejos tornam-se dominantes eles transformam-se
em verdadeiras divindades, roubando assim o lugar de Deus em
nossas vidas e nós passamos a curvar-nos diante de outros altares.
107
Alma Nua
Foi isto que aconteceu com Abraão e, por isso, Deus requereu-lhe
a entrega total de Isaque.
2ª) Assumir o papel de dono
Quando eu raciocino e vivo em função do ter e não do ser, eu
serei controlado pelas coisas e acabarei inexoravelmente "amando
as coisas" e "usando as pessoas", diz-nos John Powell6, quebrando
assim uma lei básica que rege a vida saudável que é "amar as pessoas" e "usar as coisas". É esse sentimento de posse o principal
causador da quebra deste terceiro princípio. Quando, então, somos
controlados por qualquer divindade falsa que nos rouba Deus e
também quando somos tomados pelo sentimento de posse, violamos o princípio da submissão e apresentamos vários sintomas pecaminosos:
-Ansiedade
Talvez o mais grave de todos, por ser um dos pecados mais sutis e mais tolerados por nós, por não a vermos como pecado. Ela
surge através do orgulho, como podemos perceber em 1 Pedro 5.
6,7: "Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para
que ele, em tempo oportuno, vos exalte, lançando sobre ele toda a
vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós".
A ordem que recebemos aqui é de nos humilharmos sob a poderosa mão de Deus para que Ele nos exalte no tempo d'Ele. Logo
em seguida aparece o como humilhar-se: "Lançando sobre Ele toda a vossa ansiedade porque Ele tem cuidado de vós". É daqui que
depreendemos ser a ansiedade uma forma muito sutil de orgulho.
É um sentimento pecaminoso por querer o controle do futuro. Por
que o dinheiro nos fascina? Por fornecer-nos um certo sentimento
de segurança quanto ao amanhã.
Ansiedade é o mesmo que preocupação (ocupar-se antes). Nós
não temos ansiedade pelo bem, mas pelo mal. Diante de um bem
que aguardamos temos expectativa e não ansiedade. Por isso Jesus
disse para não andarmos ansiosos quanto ao futuro, pois "basta para cada dia o seu mal"7.
Só existe uma maneira de nos ocuparmos antes: "Não andeis
108
O Princípio da Submissão
ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com
ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo entendimento,
guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus"8. Percebemos, assim, que a oração verdadeira é um ato de humilhação,
pois é a declaração de nossa falência, de nossa impossibilidade,
que nos está levando a depender inteiramente de Deus. Ansiedade
é o contrário de orar. É angustiar-se por querer ter a solução em si
mesmo. O resultado de lançar sobre Deus a nossa ansiedade, ou de
fazer conhecida diante d'Ele as nossas petições, é ser tomado pela
Sua paz, que excede todo o entendimento. Só nesta atitude de dependência está a cura da ansiedade.
Amargura
A amargura acontece quando a nossa divindade é atingida: Ficamos ressentidos e amargurados com Deus por tocar naquilo que
nos é tão sagrado. Ficamos também amargurados com as pessoas,
no mais das vezes, por questões relativas aos nossos direitos invadidos.
Irritação
Assim como a dor e a febre são alarmes do nosso corpo que
nos alertam de problemas, a irritação é um alerta espiritual muito
importante advertindo-nos da quebra deste importantíssimo princípio.
Geralmente ficamos irritados quando nossos "direitos" são violados. O que Deus espera é que percebamos que o servo não tem
direitos, só deveres, e que devemos entregar a Ele a defesa do que
consideramos ser nossos "direitos". Será que tenho consciência
clara do que é ser servo? Talvez nos intitulemos servos de Deus,
mas será que já entendemos que isto tem a ver com ser servo das
pessoas? Ouçamos Jesus:
"Qual de vós, tendo um servo ocupado na lavoura ou em guardar o
gado, lhe dirá quando ele voltar do campo: Vem já e põe-te à mesa?
E que, antes, não diga: Prepara-me a ceia, cinge-te e serve-me, en109
Alma Nua
quanto eu como e bebo; depois, comerás tu e beberás? Porventura, terá de agradecer ao servo porque este fez o que lhe havia ordenado?
Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado,
dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos
fazer" (Lc 17-7-10).
Lembro-me da história contada por Larry Coy, no seu Seminário "Conflitos da Vida", de uma jovem que o procurou para aconselhamento. Ela ficava muito irritada com a irmã mais nova por
esta invadir os seus direitos usando suas roupas sem pedir e quase
sempre as estragando. A situação atingiu o clímax no dia em que a
irmã, às escondidas, usou sua calça novinha, que ela nem tinha estreado, e a rasgou bem no joelho. Ela estava transtornada de tanta
raiva. Larry Coy explicou cuidadosamente este princípio "de não
sermos donos de nada, mas apenas mordomos". Mostrando para
ela que as suas roupas, na realidade, eram propriedade de Deus,
que estavam sob sua guarda, e que a ela competia apenas zelar delas o melhor que pudesse. Entretanto, como não podia cuidar delas
às 24 horas do dia, deveria confiar que Deus, sendo o dono, também não queria que as suas coisas fossem estragadas. Cabia à jovem consagrá-las a Ele, num ato consciente de entrega total, continuando a cuidar delas como bom mordomo, mas deixando com
Ele a guarda do que Lhe pertencia. Assim, como sugestão, ele lhe
disse que, ao chegar em casa, ela deveria colocar todas as roupas
sobre a cama como se fosse um altar e entregá-las totalmente ao
cuidado do Senhor e descansar n^Ele. Disse-lhe também que se
Deus permitisse que a irmã continuasse a usar e estragar suas
roupas seria para testá-la, a fim de verificar se ela estava realmente livre.
Conta ele que depois de um ano encontrou-se novamente com
aquela jovem e foi logo perguntando pelas "roupas de Deus". Ela
disse com euforia:
- Pastor Larry, minha irmã nunca mais estragou as roupas de
Deus e, agora, quando quer usar alguma, pede-me emprestado.
Foi-se embora toda a irritação e ficamos ótimas amigas.
Confesso que ouvi esta história com muito ceticismo achando
110
O Princípio da Submissão
ser papo de gringo. Anos mais tarde, quando pastoreava a Primeira
Igreja Batista de Birigüi, ministrei estes princípios para toda a igreja. Lembro-me bem de um domingo, depois de ter pregado sobre este terceiro princípio, que, ao final do culto, abordei um crente novo, chamado José Carlos, sobre o que mais o irritava em sua
casa. Ele disse-me sem rodeios:
- Meu irmão mais novo.
Eu então quis saber os motivos de sua irritação.
- Eu fico muito irritado quando chego em casa do trabalho e
verifico que ele arrancou folhas de meus cadernos, quebrou pontas de lápis, e tantas coisas mais, invadindo o que é meu. Eu sou
muito cuidadoso com as minhas coisas, e isto me tira do sério!
Lembrei-me imediatamente da história das "roupas de Deus"
contada por Larry Coy e resolvi testar o seu ensinamento. Expliquei para o José Carlos, cuidadosamente, todo este princípio de
"não ser dono de nada" e o desafiei a entregar o seu material ao
Senhor num ato de inteira consagração. Passou o tempo e esquecime totalmente da nossa conversa. Quase cinco meses depois me
lembrei e perguntei-lhe sobre o material escolar de Deus.
- Depois da nossa conversa fiz como você me falou, disse ele,
e entreguei, de fato, o material escolar "de Deus" nas mãos d'Ele,
e fiquei descansado e, curiosamente, meu irmão não tem mais estragado nada.
Eu, na minha incredulidade, achei que tudo aquilo não passava
de uma grande coincidência e deixei pra lá.
Mudamos de Birigüi, aceitando o desafio de permanecer dois
anos lecionando no Seminário Palavra da Vida, antes de voltar ao
pastorado. Depois de um ano voltei a Birigüi para ministrar aos
irmãos daquela amada igreja. Estava lá, na padaria do irmão Davi,
quando José Carlos passou de bicicleta. Gritei por ele e fui logo
perguntando:
- Como vai o "material escolar de Deus"?
Ele abriu-se num largo sorriso e foi dizendo:
- Tenho grandes novidades para lhe contar, disse ele. Eu fiquei
tão impactado com a questão do material escolar, pois meu irmão
nunca mais o estragou, que eu comecei a prestar atenção em outras
111
Alma Nua
coisas que me irritavam. Uma outra coisa que me irritava muito eram os meus colegas de trabalho. Pois, tendo eu essa natureza muito
organizada sofria muito com as minhas ferramentas de trabalho na
fábrica. Cada funcionário tem suas próprias ferramentas que ficam
nos escaninhos e esses escaninhos são abertos. Nós trabalhamos em
turnos de 8 horas. Quando eu chegava para fazer o meu turno percebia que haviam usado as minhas ferramentas e isso me deixava louco. Então reconheci que Deus estava lidando comigo, pois eu estava
violando o princípio do "não ser dono de nada". Apanhei as minhas
ferramentas e tranquei-me no banheiro para orar e consagrá-las ao
Senhor. Eu já sabia que Deus poderia deixar que continuassem a estragar as minhas facas para provar-me, por isso entreguei de coração e descansei totalmente. Você quer saber o que tem acontecido?
- Vamos lá, pois estou curiosíssimo!
- Antes dessa entrega minhas facas duravam no máximo dois meses. Agora, elas chegam a durar mais de cinco meses e eu fiquei livre
daquela irritação que me corroía por dentro.
Alguém poderia objetar: "Será que Deus vai se importar com as
facas de um cortador de solas numa fábrica de calçados? Ora, Ele
tem trabalho mais importante para fazer!".
Quem pensa assim desconhece o Deus das coisas pequenas.
Um dos versículos mais fascinantes da Bíblia para mim é Mateus
10.30: "E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados". O nosso Deus é o Deus do fio de cabelo. Ele é o
Deus que se importa com as coisas pequenas. Por isso importou-se
com as facas daquele jovem trabalhador de uma fábrica de calçados, e importa-se com você e comigo no nosso dia a dia cheio de
pequeninas coisas que muitas vezes nos roubam a paz.
Preste bastante atenção nas coisas que o irritam, pois seguramente são naquelas áreas que você acha que estão os seus direitos
invioláveis. Parece que Deus está deixando alguém mexer lá. Acorde! Preste atenção!
Agora, é importante lembrar que nenhuma entrega acontece de
fato se a fazemos como barganha a fim de termos aquilo que queremos. O importante na entrega é a libertação que passamos a experimentar por deixarmos a questão nas mãos do verdadeiro dono,
112
O Princípio da Submissão
confiando que Ele irá fazer exatamente o que deve ser feito. Facas
durarem mais ou calças não serem mais rasgadas foi a solução de
Deus para aqueles casos, mas as coisas não serão, necessariamente, sempre conduzidas dessa maneira. Deus, como dono de todas
as coisas, agirá como achar que deve, mudando ou não situações.
Em todo tempo, porém, o que Ele realmente está interessado é
conduzir-nos à verdadeira liberdade. Um coração livre do domínio
do ter, livre do domínio da posse.
Ódio
Ser possuído pelas coisas pode gerar em nós verdadeiro ódio
contra aqueles que.ameaçam nossas posses. Quando falo de ser
possuído pelas coisas não estou me referindo apenas a bens materiais, mas também pessoas. Se alguém nutre um sentimento de
posse numa relação de amizade ou na vida conjugal, ela transforma o outro em coisa a ser usada e consumida.
Avareza
Avareza é o domínio do ter. Por isso a Palavra de Deus declara
que avareza, é idolatria, pois o avarento torna-se auto-centrado
numa adoração de si mesmo, vivendo como se tudo existisse em
função dele próprio.
RESULTADOS DA VIVÊNCIA DO PRINCÍPIO
"Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra".
Quem descobre que não é dono de nada, mas apenas um mordomo, realmente herda, ou usufrui a vida sobre a terra, de forma
plena e cheia de paz. Os mansos experimentam também a Plenitude de Deus, sobre a qual nos fala Paulo em Efésios 3.14-19. Os
mansos experimentam a gloriosa libertação do domínio de falsos
deuses. Ser livre é que nos possibilita realmente de usufruir a vida
sobre a terra, não mais dominados pelo ter. Podemos nos alegrar
com a beleza do canto dos pássaros sem precisar aprisioná-los em
nossa gaiola.
113
Alma Nua
OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO
"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te
ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer
demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa.
Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá
a quem te pede e não voltes às costas ao que deseja que lhe
emprestes". (Mt 5.38-42)
Temos neste texto o ensinamento da não resistência ao pervero
e da prontidão em servir ao que nos solicita. Jesus nos ensina aqui
quatro maneiras de não opormos resistência:
1 - Dando a outra face
Assim como "o olhar com intenção impura" estabelece um referencial de alerta na questão da pureza sexual, o "dar a outra face" mantém-nos atentos na questão da ofensa pessoal. Quando
somos atingidos reagimos imediatamente com agressão. Jesus está
nos ajudando a perceber as nossas reações pecaminosas, para lidarmos com elas no seu nascedouro.
2 - Deixando a túnica
Vemos aqui, igualmente, a questão do não se agarrar a nada. Se
o que está sob minha guarda é do Senhor, então Ele é o meu defensor. Eu não tenho que assegurar a posse de nada.
3 - Andando a segunda milha
Havia uma lei romana que obrigava a todos os povos conquistados sujeitarem-se aos cidadãos romanos que tinham direitos sobre eles. Se um romano estivesse carregando um fardo pesado poderia exigir que um conquistado levasse seu fardo por uma milha.
Jesus ensina, então, a seus discípulos que, ao invés de ficarem revoltados, sentindo-se humilhados, deveriam assumir a posição de
servos indo além do que lhes foi exigido.
114
O Princípio da Submissão
4 - Doando ao que nos pede, e, não voltando as costas ao
que nos pede emprestado
Novamente está presente aqui o princípio da administração, do
abrir mão do possuir sem ser possuído pelas coisas.
"Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e
a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai
para vós outros tesouros no Céu, onde traça nem ferrugem corrói, e
onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do
corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso;
se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas
serão! Não se pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecerse de um e amar ao outro, ou se devotará a um desprezará ao outro.
Não podeis servir a Deus e às riquezas. Por isso, vos digo: Não andeis
ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber;
nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida
mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Observai as
aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros;
contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não vaieis vós
muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja pode
acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Eu contudo, vos afirmo que nem
Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se
Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos?
Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas cousas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas
elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a Justiça, e todas
estas cousas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis
com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao
dia o seu próprio mal". (Mateus 6.19-34)
115
Alma Nua
Há aqui cinco ensinamentos claros enfatizando o princípio da
Submissão:
a) Não ajuntar tesouros na terra, mas ajuntá-los no céu
O ajuntar tesouros na terra torna-nos autocentrados e isto, segundo os padrões do Reino de Deus, é insanidade9. É comum afirmar-se que não podemos levar nada daqui deste mundo. No entanto Jesus está afirmando neste texto que podemos e devemos levar. O que levaremos daqui? Vidas ou pessoas. Por isso temos de
investir os bens que vierem para as nossas mãos em vidas, pois assim estaremos ajuntando tesouros no céu, onde nem traça, nem
ferrugem corroem.
b) Perceber que os olhos são as portas de entrada da alma
Olhos maus são os olhos cobiçosos, e olhos bons são os olhos
dadivosos. Se alguém pensa que tem a luz de Deus, mas seus olhos são olhos cobiçosos, suas trevas são maiores ainda, pois estará enganando-se de forma mais profunda. É exatamente o que vemos nas propostas da teologia da prosperidade, onde a ênfase no
ter como evidência do ser obscurece a mensagem central do evangelho. As pessoas estão sendo atraídas para a "luz" do evangelho
com promessas que acentuam a avareza, ou o ter, como evidência
da fidelidade a Deus. Sendo assim o engano é maior, pois torna as
pessoas muito mais cativas de Mamom, levando-as a entender que
bênçãos materiais são as grandes manifestações da aprovação de
Deus. Que grandes trevas são essas!
c) Não é possível servir a dois senhores
Vemos Jesus aqui deixando claro que Mamom é uma divindade que deseja ser servida. Sermos controlados por Mamom tornanos seus servos. Impossibilitados, portanto, de servir ao Senhor.
d) Buscar o Reino de Deus em primeiro lugar
Este é um dos textos mais ricos e claros sobre a necessidade de
ficarmos livres da opressão da ansiedade. Buscar o Reino de Deus
e Sua Justiça e descansar n'Ele quanto às questões da nossa sobre116
O Princípio da Submissão
vivência é o fundamento da nossa saúde espiritual e emocional.
e) Perceber que temos de enfrentar apenas o mal de cada dia
Esta é uma das verdades mais libertadoras da ansiedade. Ansiedade é, na realidade, medo do mal no futuro. Jesus está desafiando-nos a enfrentar com Ele o mal que poderá vir amanhã. Em outras palavras, Ele está ensinando-nos a viver cada dia como se fosse o único.
117
Alma Nua
118
Capítulo 8
O PRINCIPIO
DA SANTIDADE
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça
porque serão fartos". (Mt 5.6)
Todos os princípios do Sermão do Monte têm as suas aplicações primeiramente no nível individual para depois atingirem o
nível social. Portanto, fome e sede de ver justiça social, ou fome e
sede de batalhar por causas justas, têm de ser conseqüência de se
ter fome e sede de ser santo, de ser reto, de ser justo. Aquele que
luta por justiça social ou por alguma causa justa sem ter ele próprio fome e sede de ser justo, certamente se tornará um demagogo.
A busca por justiça deverá nascer daqueles corações sinceros que,
diante de Deus, anelam por ser retos, santos e justos em todo o seu
proceder.
O conceito católico de santidade ou de ser santo trouxe grande
prejuízo para a mente de muitos de nós, pois obscureceu totalmente a verdade bíblica tornando-a estranha, distante e não atraente.
Uma vida reclusa nos mosteiros, uma abstinência de determinados
prazeres e certas penitência auto-flagelantes, têm levado muitos a
não desejarem uma vida de santidade, e, até mesmo, a considerem
utópica e irreal. A teologia católica com a sua prática de beatificação e canonização deturpou completamente o ensinamento bíblico
do que é ser santo e está a anos-luz distante do ensinamento maravilhoso das escrituras.
A prática católica vem da influência pagã do gnosticismo que
119
Alma Nua
estabelecia o pleroma, uma corrente de mediadores entre Deus e
os homens, como uma escada de seres angelicais de acesso entre
Deus e os homens. A teologia católica fez dos "santos" esse "pleroma" de mediadores, tendo Maria no grau mais elevado da escada, sendo que tais mediadores, homens santos e piedosos, que em
vida acumularam virtudes pela prática do bem, e, que, depois de
mortos, podem distribuir bênçãos aos que buscam sua mediação.
A Escritura, no entanto ensina-nos que Jesus é o "Pleroma".
"...porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude..."1
(pleroma). Por isso Paulo escrevendo a Timóteo afirma: "Porquanto há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem..."2.
A canonização católica abrange três fases distintas para consolidar a presença do "santo" na escada de mediação, e conduzi-lo
aos altares para ser venerado. A primeira é a introdução do processo informativo, preparado por uma diocese ou uma sociedade religiosa, sobre os escritos e as virtudes do candidato. Sendo aceito o
processo, ele passa a percorrer os trâmites canônicos da Congregação para a Causa dos Santos. Pelo fato de ter sido recebido esse
processo e de ter sido dado início à sua tramitação o candidato
passa a ser considerado VENERAVEL, título que o propõe como
modelo a ser imitado por haver praticado, em grau heróico, as
virtudes, sem, contudo, permitir-lhe qualquer espécie de culto
público.
A segunda fase é a BEATIFICAÇÃO. Depois de um longo e
exigente processo quanto à genuína fidelidade doutrinal católicoromana do candidato e a comprovação de virtudes e realização de
dois ou três milagres portentosos feitos sob a invocação do venerável, chega-se ao final dessa fase, cabendo somente ao Papa declará-lo BEATO ou BEM-AVENTURADO, passando a ter ele,
ainda em caráter provisório, suas imagens expostas e cultuadas
publicamente apenas no lugar do seu nascimento e nas terras onde
viveu e onde exerceu suas atividades religiosas.
A terceira fase é a CANONIZAÇÃO, propriamente dita, solenemente celebrada pelo próprio "Sumo Pontífice", depois de completado o inquérito processual canônico, incluindo-se outros três
120
O Princípio da Santidade
milagres feitos pelo beato. Com a canonização o "santo" passa a
gozar do culto público em toda a "igreja" de rito latino e suas imagens podem ser expostas em toda parte.
Esta prática católica desvirtuou tanto o conceito bíblico de
"santo" que fica até difícil demonstrar o que as Escrituras realmente ensinam.
É muito importante entender, antes de mais nada, o significado
das palavras originais tanto no Velho como no Novo Testamento.
No Velho Testamento a palavra traduzida por santo é "kadosh" e
no Novo Testamento é "hagios", ambas significando separação
especial para Deus. O curioso é que tais palavras nunca são empregadas para pessoas mortas. No Salmo 16.3, Davi declara que
"aos santos que há na terra, ... os notáveis nos quais tenho todo o
meu prazer". Já no Novo Testamento, a palavra só é empregada
referindo-se aos cristãos. É o que vemos na introdução da maioria
das epístolas de Paulo: "Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, aos santos que vivem em Efeso e fiéis em Cristo Jesus"3. Paulo não está endereçando suas epístolas para uma classe
especial de cristãos que viviam de forma diferente dos demais,
mas sim, a todos aqueles que, tendo se rendido ao governo de Jesus, foram transportados do reino das trevas, para o Reino do Filho
Amado, tornando-se assim santos, ou separados para Deus, ou,
como diz-nos Pedro: "...raça eleita, sacerdócio real, nação santa,
povo de propriedade exclusiva de Deus..."4.
Santo", portanto, é aquele que nasceu de novo por uma ação
sobrenatural do Espírito Santo e assim é nova criatura., e agora,
"separado" para Deus deseja viver "... para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa
luz"5.
O verdadeiro "santo" tem duas características básicas: A primeira é fome de obediência. Quem é nascido de Deus6 passa a ter
o desejo de obedecer a Deus - "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama...".7 Nem sempre o obedece, mas esta é a sua vontade real. A segunda é arrependimento.
O genuíno cristão, ou seja, o "santo", falha, erra, peca, mas não
permanece no pecado ou desobediência, pois é quebrantado e vol121
Alma Nua
ta-se para Deus. É nisto que consiste a "santificação", ou seja um
contínuo processo de crescimento na obediência.
Se no ato da conversão, quando a pessoa é declarada "santa" ou
separada para Deus, ela não pecasse mais, então Paulo não teria de
ensinar: "Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que
acudir ao necessitado".8
Nem teria de dizer: "Não saia da vossa boca nenhuma palavra
torpe; e sim, unicamente, a que for boa para edificação, conforme
a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem".9
Nem tampouco: "Pois esta é a vontade de Deus, que vos abstenhais da prostituição".10
Ele estava escrevendo a "santos", que ainda tinham problemas
sérios em suas vidas, e que agora precisavam ser ensinados "a
guardar todas as coisas que Jesus ordenou11.
Portanto, os "santos" estão num processo de santificação, ou
num crescimento na obediência. Vamos imaginar uma pessoa que
se converteu verdadeiramente e, poucas semanas depois de convertida, já declarada "santa" por Deus, cai num deslize moral e
morre fulminada por um aneurisma cerebral, sem tempo sequer de
arrepender-se. Alguns poderão achar que tal pessoa não se converteu de fato, ou que perdeu a salvação. Acontece que tal pessoa não
teve tempo de aprender a "guardar todas as coisas" ordenadas por
Jesus,12 e, assim velhos hábitos ainda estavam lá, os quais seriam
banidos numa caminhada de obediência, se não tivesse sido promovida à glória.
Muitos crentes pensam que se estiverem cometendo algum pecado quando Jesus voltar ou caso morram repentinamente, estarão
perdidas, pois não tiveram tempo de arrepender-se. Tais pessoas
acham que têm de estar zeradas, ou seja, sem nada constando em
sua ficha celestial. Certamente tais irmãos pensam somente naqueles pecados grosseiros, deixando de fora os pecados de maledicência, avareza, inveja, soberba, glutonaria, e tantas coisas mais que,
geralmente, não colocamos em nossas listas de pecados.
O ensinamento bíblico é que o pecado não tem mais domínio
sobre nós, mas que, enquanto estivermos no corpo estaremos ainda
122
O Princípio da Santidade
sujeitos a pecar. O apóstolo João deixa isto muito claro ao afirmar:
"Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não
pode viver pecando, porque é nascido de Deus".13 Na mesma epístola afirma: "Se dissermos que não temos pecado nenhum, nós
mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós... se dissermos que não temos cometido pecado, fazemos Deus mentiroso e a
sua palavra não está em nós".14 Percebemos, assim, que o pecado é
um acidente de percurso e não mais uma norma como antes, uando
estávamos no reino das trevas.
Portanto ter fome e sede de justiça é o mesmo que tomar a Palavra de Deus a sério para obdecê-la. São assim bem aventurados
os que têm fome e sede de obediência.
Fome e sede denotam saúde, enquanto a ausência de fome pode
se dar por dois motivos: doença ou morte. Uma pessoa que ainda
esteja "morta nos seus delitos e pecados",15 não manifestará nenhuma fome pelas Escrituras. Isto se deu comigo, pois até os meus
19 anos eu era rato de igreja, mas nunca havia me convertido de
fato. Por ter sido levado a igreja desde a mais tenra idade, o hábito
religioso foi plantado em mim, mas não a vida de Deus. Somente
aos 19 anos passei pela gloriosa experiência do novo nascimento e
um mundo novo se abriu para mim. A partir de então passei a ter
verdadeira fome da Palavra de Deus, e daí para frente nada mais
poderia tomar o seu lugar em minha vida.
Isto me faz lembrar a história de uma jovem que ganhou um livro de presente e começou a lê-lo sem muito interesse e logo o
deixou de lado. Os anos se passaram e ela se casou, e, agora, arrumando as coisas em sua nova residência deparou-se com aquele
livro do passado. Sentada ainda num caixote da mudança ela começou a lê-lo e não mais conseguiu parar. Leu uma vez, e depois
outra e mais outra. Alguém poderia pensar que haviam trocado a
páginas do livro, mas não foi isto que mudou o seu interesse pelo
livro. Não havia acontecido nada com o livro, mas sim, com ela,
pois havia se casado com o autor do livro. Agora as palavras tinham significado pois eram palavras do seu amado.
A mesma coisa acontece com a Bíblia. Somente quando nos
123
Alma Nua
"casamos" com o autor do livro é que as Suas palavras tornam-se
doces para nós e tornamo-nos ávidos por elas. "Uma pessoa que
ainda não conhece a Jesus não tem interesse amoroso por Sua Palavra. Poderá até ter interesse acadêmico, mas não espiritual, pois
não consegue entender as Escrituras. Jesus disse aos fariseus:
"Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É
porque sois incapazes de ouvir a minha palavra".16 O apóstolo
Paulo explica essa impossibilidade do não convertido entender a
Palavra de Deus afirmando que "o homem natural (o não convertido) não aceita as coisas, do espírito de Deus porque lhe são loucuras; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente".17 Portanto, o morto não tem fome.
Um segundo grupo de pessoas que também não tem fome são
os doentes. Você já viu como certas enfermidades afetam as nossas papilas gustativas e levam embora todo o nosso apetite? Assim
também acontece com a nossa fome e sede de justiça. Um verdadeiro discípulo de Jesus pode ficar espiritualmente doente e perder
todo apetite pelas coisas de Deus. Pode-se dizer que muitos, à semelhança do Jeca Tatu de Monteiro Lobato, estão apenas sobrevivendo.
A famosa história do grande escritor paulista de Taubaté deve
ajudar-nos bastante na compreensão da inanição espiritual decorrente do "amarelão" que tem atacado muitos filhos de Deus.
Lá estava o Jeca, às dez horas da manhã, deitado em sua rede,
sem ânimo para nada, quando pára em sua porta o seu vizinho, um
fazendeirão rico, cheio de saúde para dar e vender, que fica lá de
fora olhando para o estado de calamidade que havia se tornado a
fazenda do Jeca. O mato estava tomando conta de tudo, as vacas
eram pele e osso, que davam dó; os meninos barrigudos e branquelos, vítimas do amarelão, mais pareciam uns mortos-vivos. Tudo ali cheirava à morte e desilusão. Não agüentando ver aquela situação ele dá a maior carraspana no Jeca:
- Que vergonha! Como é que um homem de verdade pode estar
deitado, a uma hora destas, numa rede, enquanto sua fazenda está
jogada às traças e os filhos morrendo a míngua? - Levanta homem, vai trabalhar!
124
O Princípio da Santidade
O Jeca levanta-se da rede, apanha uma enxada e fica fingindo
que está capinando, enquanto o outro permanece de pé no portão.
O fazendeirão rico sai cantando os pneus e o Jeca joga a enxada
pra lá e volta para sua rede, pois não tem ânimo para nada.
Esta é uma ilustração bem real de muitos cristãos que estão apenas numa espécie de sobrevida. São "santos", foram regenerados mas estão profundamente enfermos e por isso não têm qualquer disposição para a vida espiritual. Não demonstram a mínima
fome pelas coisas de Deus, pois tudo está crestado e seco. A comunhão com os irmãos é seca, o louvor nos cultos é seco, a Palavra é seca, a oração é seca, a missão é impossível, pois não há disposição para nada. O "amarelão" chamado pecado está consumindo todas as forças do Jeca espiritual.
Mas eis que um dia, entra na vida do Jeca Tatu "Ankilostomina
Fontoura" botando o "amarelão" pra correr e, logo em seguida,
vem o "Biotônico Fontoura" trazendo nova disposição para o trabalho. Daí para frente a fazenda virou um brinco. Todo mundo na
fazenda passou a usar butina, até as galinhas, para não apanharem
o tal do "amarelão", ou "cezão", ou "maleita", ou "impaludismo"
como se fala lá pelo Nordeste do nosso país. As crianças ficaram
umas belezas, e o Jeca dava alegria de ver. Que disposição para o
trabalho! Que maravilha de horta! Que gado bonito! Nada mais
parecia difícil, e a vida tornou-se gostosa de viver.
Ao final dos exames de ressonância magnética espiritual, ou
seja, dos oito princípios reveladores do nosso "amarelão", irei apresentar o "Ankilostomina" e o "Biotônico" de Deus sob o título
A Terapia de Deus". E então veremos que a vida cristã realmente
vitoriosa e cheia de santidade prática é semelhante a uma fazenda
bonita de se ver. Uma santidade atraente como a de Jesus é a conseqüência natural de aprendermos a andar no Espírito tratando das
enfermidades à medida que surgem, não deixando que se tornem
endêmicas.
Existe um teste infalível para verificar-se a saúde espiritual de
uma pessoa. Basta observar se ela usa uma pá ou uma enxada. Os
que não têm fome e sede de justiça, ou de santidade, ou de tomar a
palavra de Deus a sério para obedecê-la, sempre usam a pá. Quan125
Alma Nua
do ouvem uma mensagem tocante geralmente dizem: "Esta mensagem era para o meu marido ou, minha esposa tinha de ouvir isto
ou, que pena que o irmão fulano não veio hoje, ele precisava ouvir
o que foi dito!".
Tais pessoas, pela enfermidade espiritual deformante, adquiriram uma espécie de surdez da alma, tornando-se assim totalmente
impermeáveis à voz do Espírito Santo. Acabaram desenvolvendo o
que chamei de síndrome de vítima e reagem sempre como se os
seus problemas estivessem fora delas. Por isso quando ouvem algo
tocante nunca é para elas, é sempre para o outro, pois o outro é
que precisa mudar.
Os famintos, ao contrário, usam uma enxada, sempre puxando
em sua direção: "Puxa vida, Deus falou profundamente comigo através dessa mensagem!".
Quando vão ouvir uma pregação, ligam-se ao pregador para
comer e beber tudo o que puderem. Naquele momento eles não estão preocupados se outros estão comendo ou não, pois estão se
banqueteando.
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO
Estagnação na vida cristã
É o que vemos naqueles cristãos a quem foi endereçada a epístola aos Hebreus:
"A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar,
porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. Pois, com efeito,
quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes
novamente necessidade de alguém que vos ensine de novo, quais são
os princípios elementares dos oráculos de Deus, assim, vos tornastes
como necessitados de leite e não de alimento sólido.Ora, todo aquele
que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é
criança. Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que,
pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não
somente o bem, mas também o mal." (Hb 5.11-14).
126
O Princípio da Santidade
"Atendendo ao tempo decorrido" quer dizer: desde que se converteram até hoje, já vai um tempo suficiente para vocês serem
mestres. No entanto vocês ficaram estagnados, precisando ainda
das coisas mais elementares da fé. Sendo assim vocês parecem
crianças que não cresceram e que continuam a precisar de leite por
não suportarem alimento mais sólido. Mas, os que dentre vocês,
tornaram-se adultos pela prática da Palavra desenvolveram uma
capacidade de refletir com discernimento espiritual e, por isso,
conseguem fazer separação entre o que é bom e o que é mal. O
crente criança (estagnado) é presa muito fácil do maligno por não
ter discernimento do mal. É levado com muita facilidade para os
valores antagônicos do reino das trevas por estar ainda engatinhando nos caminhos do Reino de Deus.
Perda de interesse
Inevitavelmente irá cair o interesse pelos cultos, pela comunhão com os irmãos, pelo louvor, pelo estudo da Palavra de Deus,
por testemunhar, por contribuir financeiramente, etc.
Religiosidade aparente
Muitos tentarão manter um certo status espiritual. No entanto
será algo puramente de aparência e sem nenhuma profundidade
espiritual. Tais pessoas geralmente tornam-se legalistas estabelecendo regras para os outros.
^
Profissionalismo pastoral
Um pastor, ou um líder, que não tiver fome e sede de ser justo,
ou reto, ou santo, certamente tornar-se-á um profissional da fé.
Seus objetivos são todos interesseiros e o seu caminho será de manipulação dos incautos.
Responsabilidade social
Somente quem tem fome e sede de ser justo é que batalhará
também por ver a justiça correr sobre a terra. Somente os famintos
por serem justos trabalharão por ver justiça sendo feita. Sua alma
sensível e obediente ao Pai será um canal por onde Ele poderá tra127
Alma Nua
zer o Seu Reino de justiça.
Aqueles que lutam por justiça social ou por causas justas sem a
devida fome de justiça individual, certamente usarão armas igualmente opressoras para atingir os seus fins. Na sua busca de justiça
cometerão injustiças, pois agirão movidos por uma visão errada de
si mesmos. É isto que tem acontecido com todos os movimentos
chamados de libertação. Na sua busca por justiça tornam-se, na
maioria das vezes, mais injustos que os seus opressores.
O que normalmente acontece com aqueles que não têm fome e
sede de serem justos é uma alienação com as injustiças sociais que
os rodeia, sem importar-se com nada que não os atinja. Muitos só
se despertam para uma situação de injustiça quando são atingidos,
e aí, normalmente, usam as armas erradas na sua luta por justiça,
pois são movidos tão somente por interesses próprios, ou por desejo de vingança.
RESULTADOS DA VIVÊNCIA DO PRINCÍPIO
Os que têm fome e sede de justiça serão fartos, isto é, serão fartos, isto é, serão santos, serão vasos de honra usados por Deus.
Suas vidas evidenciarão a justiça de Deus. Serão usados por Deus
para implantar o Seu Reino de Justiça.
Aqueles que fazem da vontade de Deus sua comida serão saciados por verem a atuação da justiça de Deus através de suas vidas,
pois são "educados na justiça" e assim "habilitados para toda boa
obra".18
OS ENSINOS DE JESUS
NO CORPO DO SERMÃO
"Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados
em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os
conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos
abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore
má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus,
nem a árvore má produzir frutos bons. Toda árvore que não produz
128
O Princípio da Santidade
bom fruto é cortada e lançada ao fogo. Assim, pois, pelos frutos os
conhecereis. Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos
Céus. Muitos naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de
mim, os que praticais a iniqüidade." (Mt 7.15-23)
Jesus não avalia a santidade de uma pessoa pelos feitos miraculosos que possa realizar, mas, sim, pela obediência à sua vontade.
Temos que ser cautelosos com a aparência de espiritualidade,
pois os que não evidenciam fome de obediência são lobos devoradores.
Pelos frutos é que se conhece a árvore. O que a arvore da Santidade produz é justiça e retidão. Temos de ser cautelosos para não
olharmos para os milagres e fecharmos os olhos para a retidão,
pois é assim que nos tornamos presas fáceis dos lobos.
"Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será
comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e
não as pratica será comparado a um homem insensato que edificou a
sua casa sobre a areia; e caiu a chuva, transbordaram os nos, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e ela desabou,
sendo grande a sua ruína". (Mt 7.24-27)
Esse texto é a magnífica conclusão do Sermão do Monte onde
percebemos a existência de apenas dois tipos de pessoas: Os que
constroem suas vidas sobre a Rocha e os que a constroem sobre a
areia.
Esta conclusão ressalta o princípio da santidade por demonstrar
que construir sobre a Rocha é tomar a Palavra de Deus a sério para
obedecê-la, enquanto que construir sobre a areia é não dar ouvidos
129
Alma Nua
à Palavra do Senhor edificando a vida sobre as próprias idéias ou
valores.
130
Capítulo 9
O Princípio
do Perdão
"Bem-aventurados os misericordiosos
porque alcançarão misericórdia". (Mt5.7)
Talvez compreendamos melhor o que seja misericórdia se a relacionarmos com a graça. Aparentemente são palavras sinônimas,
mas na realidade são antônimas.
Vamos imaginar graça e misericórdia como sendo as duas
mãos de Deus. Com a mão da misericórdia Deus segura ou retém
tudo o que eu mereço, ou seja, ira, juízo, condenação. E, com a
mão da graça Ele estende-me tudo o que eu não mereço: salvação,
vida eterna, glorificação, etc.
Assim sendo, misericórdia pode ser vista também como compaixão ou perdão incondicional. Por isso amamos a afirmação bíblica: "As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, pois as suas misericórdias não têm fim, renovam-se a cada manhã"1.
O Deus da Bíblia é um Deus cheio de compaixão ou misericórdia. Diz o profeta Isaias que Deus "é rico em perdoar".2
Enquanto a misericórdia está sobre todos, indistintamente, a
graça tem uma característica toda especial; ela só é concedida ao
necessitado. O Deus cheio de misericórdia é também o Deus cheio
de graça, estendendo sua mão ao necessitado. No entanto, "Ele
despede vazios os ricos"3 disse Maria no Magnificat, mas "aos
humildes concede a sua graça"4. Humildes aqui são os carentes.
131
Alma Nua
Aqueles que estão conscientes de sua total dependência d'Ele.
Será que temos coragem de abrir nossas fraquezas com um mero conhecido, ou só o fazemos com um verdadeiro amigo de quem
temos segurança do seu amor incondicional? Alguém que não vai
ficar chocado ou escandalizado com algo que lhe segredamos,
nem tampouco irá passar a tratar-nos de forma diferente ou desconfiar da nossa normalidade. Nós precisamos desse amigo. John
Powell, no seu livro O Segredo do Amor Eterno5, afirma que todos
nós precisamos de alguns amigos que nos conheçam profundamente e, pelo menos, de um amigo que nos conheça totalmente. Aí
reside o segredo da verdadeira saúde espiritual e emocional. Se
nós precisamos de amigos com quem possamos abrir as nossas
fraquezas, Deus também. Mas teria Deus fraquezas? Não é Ele o
Deus Todo Poderoso? Isto pode soar como uma heresia, embora
eu esteja falando de forma metafórica. Não tire conclusões precipitadas, nem abandone a leitura, pois quero prosseguir e chegar a
algo realmente maravilhoso sobre o caráter de Deus.
Três vezes Abraão é chamado na Bíblia de amigo de Deus.6
Diante do pecado e da maldade de Sodoma e Gomorra Deus busca
seu amigo e lhe abre o seu coração misericordioso.
Disse o Senhor: "Ocultarei a Abraão o que estou para fazer?".
Depois de Deus abrir-lhe a sua dor, o seu coração misericordioso,
Abraão começou a interceder: "Destruirás o justo com o ímpio? Se
houver, porventura, cinqüenta justos na cidade, destruirás ainda
assim e não pouparás o lugar por amor dos cinqüenta justos que
nela se encontram?"
Deus prontamente responde a Abraão: "Se eu achar em Sodoma cinqüenta justos dentro da cidade, pouparei a cidade toda por
amor deles"7.
Abraão prossegue intercedendo e abaixa a quantia de justos para 45, depois para 40, 30, 20 e pára em 10. A resposta pronta de
Deus sempre foi a mesma: "Não a destruirei por amor dos 45,40,
30, 20 e 10".
Será que, se Abraão tivesse prosseguido e chegasse a um, ou
seja, Ló, Deus teria poupado a cidade? Tudo nos leva a crer que
sim.
132
O Princípio do Perdão
E o que dizer da experiência de Jonas. Qual a razão de Jonas
não querer ir pregar aos ninivitas? A ordem de Deus foi muito clara: "Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela,
porque a sua malícia subiu até mim".8
Ao invés de obedecer ele fugiu noutra direção. Deus teve que
levá-lo a Nínive na "marra".9
Tendo sido praticamente vomitado pelo peixe nas proximidades de Nínive, Jonas percebeu que não tinha jeito, teria de pregar
aquela mensagem de juízo aos ninivitas. E, durante três dias percorreu as ruas da cidade proclamando: "Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida".10
Houve uma comoção geral e toda a cidade foi quebrantada:
"Os ninivitas creram em Deus, e proclamaram um jejum, e vestiramse de panos de saco, desde o maior até o menor.Chegou esta notícia
ao rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou de si as vestes reais, cobriu-se de pano de saco e assentou-se sobre cinza. E fez-se proclamar e divulgar em Nínive: Por mandado do Rei e seus grandes,
nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem os levem ao pasto, nem bebam água; mas sejam cobertos
de pano de saco, tanto os homens como os animais, e clamarão fortemente a Deus; e se converterão, cada um do seu mau caminho e da
violência que há em suas mãos. Quem sabe se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o
fez". (Jn 3.5-10)
Qual foi a reação de Jonas diante daquele verdadeiro avivamento espiritual na cidade de Nínive? Voltou radiante de sua
missão, levando o fogo do avivamento em seu coração? Não. Ficou amuado querendo a morte.
Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado. E orou ao
Senhor e disse: Ah! Senhor! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sa133
Alma Nua
bia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e
grande em benignidade, e que te arrependes do mal. Peço-te, pois ó
Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver"
(4:1-3).
Como entender essa reação tão estranha de Jonas? Jonas, de fato, queria que Deus derramasse o seu juízo sobre os Ninivitas pois
aquele era um povo conhecido pelos seus atos de crueldade. A razão de não querer ir pregar era por conhecer o coração misericordioso de Deus.
Na sua oração de reclamação ele estava, em outras palavras,
dizendo: "Eu sabia que o Senhor é misericordioso, e que não agüenta ver um coração arrependido que logo o perdoa!".
Falando através de Oséias Deus diz ao povo rebelde:
"Porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim; se é concitado a
dirigir-se acima, ninguém o faz. Como te deixaria, ó Efraim? Como te
entregaria, ó Israel? Como te faria como a Admá? Como fazer-te um
Zeboim? Meu coração está comovido dentro em mim, as minhas
compaixões, à uma, se acendem. Não executarei o furor da minha ira;
não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira" (Os 11.7-9).
Esta é a essência de Deus, a sua misericórdia. Diferentemente
do que muitos pensam, Deus é intrinsecamente amor, cheio de misericórdia, e essa misericórdia traduz-se em longanimidade, ou seja, longo ânimo ou paciência para conosco. Se há uma característica de Deus que me abençoa e me encanta é a sua longanimidade
para comigo. E este é um dos princípios que regem o seu Reino.
Um reino de misericórdia.
"Misericordioso", portanto, é aquele que perdoa completamente. Este princípio tem a ver com o procurar o ofensor com a atitude
certa para ganhá-lo de volta à comunhão. Para procurarmos a pessoa que pecou contra nós com a atitude certa, Jesus deixou bem
claro a nossa necessidade de nos avaliarmos primeiro: "Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o ar134
O Princípio do Perdão
gueiro do olho de teu irmão".11
"Argueiro" e "trave" são palavras muito pouco usadas ou conhecidas por nós. O vocábulo grego aqui traduzido por "argueiro"
sugere "poeira" ou pequeno "cisco". A idéia é de algo que pode
causar irritação, embora bem pequeno. "Trave" é a viga de madeira sobre a qual uma casa é edificada. Percebe-se então que Jesus
está usando algo muito comum na linguagem oriental que é o exagero para enfatizar uma diferença significativa.
O "argueiro", portanto, é usado para indicar uma falha ou pecado pequeno da parte de um "irmão", enquanto a "trave" falanos de uma falha ou pecado grave por parte do censurador. Com
isto Jesus está nos ensinando que nós temos responsabilidade,
sim, com a correção do erro de um irmão, mas que temos primeiro de lidar conosco, de nos auto-avaliarmos, pois são hipócritas
aqueles que não se reconhecem pecadores e que são mais exigentes com as falhas alheias do que com as próprias. A pessoa precisa de boa visão sobre si mesmo para saber como ajudar os outros
nas suas falhas ou pecados. Ninguém verá bem, longe, se não ver
bem, perto.
Em Mateus 18.15-17, Jesus expande este conceito detalhando
os passos que precisamos dar em direção ao ofensor visando a ganhá-lo de volta a comunhão:
Se teu irmão pecar [contra ti], vai argüi-lo, entre ti e ele só. Se ele te
ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três
testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como
gentio e publicano."
O "se teu irmão pecar contra ti" deve ser entendido de duas
maneiras: A primeira, um pecado contra a minha pessoa e, a segunda, um pecado contra o corpo, ou a igreja. Jesus nos dá aqui os
passos que devemos dar em direção ao ofensor, percebendo que a
motivação não pode ser apenas reparação ou "tirar a limpo", mas
ganhá-lo de volta à comunhão. Portanto, antes de dar o primeiro
135
Alma Nua
passo, devemos fazer uma avaliação muito honesta da nossa real
motivação. Pois, se a nossa motivação não for "ganhá-lo de volta à
comunhão", trataremos o irmão de forma legalista e doentia aumentando ainda mais o problema.
É importante perceber as dificuldades que teremos ao tratar do
pecado cometido pelo irmão, primeiramente contra a nossa pessoa.
Quando alguém nos ofende ou peca contra nós, de alguma maneira, o seu pecado desencadeia dentro de nós uma reação pecaminosa. Por isso, Jesus manda-nos "tirar primeiro a trave". Temos de
lidar conosco primeiro, e isto, às vezes, é demorado. Somente depois de termos lidado com o nosso pecado, e de termos segurança
da nossa real motivação de ganhar o irmão de volta à comunhão é
que deveremos dar o primeiro passo, que é "ir a ele" e, tratar, "tu e
ele só". É imprescindível estarmos cheios da misericórdia perdoadora de Deus para que haja perdão em nosso coração antes de irmos tratar com o irmão, porque, mesmo que ele não se arrependa e
seja possível reatar a comunhão, nosso coração ficará livre dos
males da amargura e dos ressentimentos.
Este "tu e ele só" é muitíssimo importante. Se envolvermos outras pessoas, até as mais chegadas, como o nosso cônjuge, por exemplo, nós desencadearemos um processo de enfermidade nos
relacionamentos. O pecado de um irmão contra nós tem que ficar
conosco só, para que, quando dermos o primeiro passo, ninguém
mais esteja envolvido emocionalmente com o problema.
Quando então vamos ao irmão com a motivação correta, devemos também procurar uma situação que seja a mais agradável possível de se tratar a questão. Não se pode falar num local de muita
gente, ou apressadamente, como na saída do culto, por exemplo.
Tem de ser um local adequado, pois poderá haver choro, ou explosão de raiva, ou tanta coisa mais.
Que coisa maravilhosa quando o irmão "ouve". Esse "ouvir de
que fala Jesus é reconhecer a falta e desculpar-se sinceramente.
Lembro-me de uma experiência que tive com a minha cunhada
Lúcia, uma pessoa muito querida. Éramos missionários no Piauí e
estávamos de férias em São Paulo em casa do sogro. Eu tinha lido
naqueles dias um livro que havia me "agarrado". Comecei a lê-lo
136
O Princípio do Perdão
lá pelas 9 horas da noite e, quando dei por mim o dia já estava clareando. Falei tanto do livro que a Lúcia pediu-me para lê-lo. O livro era bem velho e suas páginas estavam soltando da encadernação. Emprestei-lhe o livro com a recomendação de não dobrá-lo
para que não se desfizesse. Eu estava na sala quando tocaram a
campainha e a Lúcia saiu do seu quarto para abrir a porta com o
livro dobrado ao meio.
- Puxa vida, Lúcia! O que foi que eu lhe pedi? - Fui logo reclamando.
- Por que não engole este livro! Foi o seu desabafo, que eu ouvi, assim, meio entre-dentes.
Eu fiquei pasmo com aquela reação agressiva de uma pessoa
tão querida e que sempre foi muito carinhosa comigo. Fiquei ali
mudo e sem ação. Ela saiu logo depois para a escola e eu fiquei
em casa meio chateado, pensando no ocorrido. Eu tinha duas opções: Ignorar o acontecido e "deixar pra lá", como faz a maioria
das pessoas, pensando que o tempo apagaria as coisas, ou lidar
com a questão como mandou Jesus. Quando "deixamos pra lá" ficamos de "pé atrás" com a pessoa e com o passar do tempo o relacionamento vai se deteriorando. Muitos casais "deixam pra lá" e o
tempo, em vez de curar, infecta mais e o relacionamento vai ficando purulento.
Eu fiquei em casa, e, lembro-me bem, fui estudar este texto de
Mateus 18. Lendo alguns comentários cheguei ao que penso ser o
foco do ensino de Jesus. "Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo
entre ti e ele só". Esse argüi-lo tem a ver com ajudá-lo a ver a falta
cometida. O mesmo que ajudá-lo a tirar o argueiro. E, para ajudá-a
a tirar o argueiro eu tinha que, primeiro, tirar a minha trave, ou seja, eu tinha de lidar comigo, com os meus pecados relacionais,
com as minhas debilidades, para que eu não fosse a ela com ares
de superioridade. E, assim, fui ali quebrantado. E, quando Lúcia
voltou para casa, fui eu quem lhe abriu a porta. Eu chamei-a no
quarto e olhei bem nos seus olhos e lhe disse:
- Lúcia, eu a amo muito. Eu não sei o que fiz para magoá-la,
mas você me magoou. Eu só estava preocupado com o livro, que
ele não se desfizesse.
137
Alma Nua
Ela me abraçou chorando e disse com muito carinho:
- Perdoe-me, eu também o amo. Foi bobeira minha.
E o que aconteceu depois disto? Nossa comunhão tornou-se
muito maior e mais sólida.
O Diabo, nosso adversário, não quer que tratemos as coisas
desta maneira, pois ele sabe que quando o fazemos nossa comunhão uns com os outros cresce. Mas, se "deixamos pra lá" a doença se instaura e os relacionamentos vão sendo destruídos. Foi exatamente isto que Paulo quis dizer ao afirmar: "Não se ponha o sol
sobre a vossa ira"12. Em outras palavras, trate da questão antes que
ela fique purulenta.
Existe a tendência, principalmente nos relacionamentos conjugais, de viver-se, o que eu chamei no capítulo sete de "paz a qualquer preço". Um dos cônjuges, para viver em paz, engole gatos e
lagartos, fugindo sempre de confrontar o outro quando sofre a falta. Essa tendência é um dos principais fatores que levam o casamento ao fracasso. Um bom casamento tem de ter confrontação. É
o caso daquele casal que mencionei. Eles já tinham comemorado
as bodas de ouro. Mas, visivelmente, padeciam desse mal. Ela
sempre dizia: "Eu e o Pedro estamos casados há mais de 50 anos e
nunca brigamos".
Para viver em paz o Sr. Pedro anulou-se totalmente. A maior
virtude de um bom casamento não é não ter falhas ou pecados ou
erros, mas ter bons consertos. Déa e eu estabelecemos como um
dos princípios fundamentais do nosso casamento não deixar "o sol
se por sobre a nossa ira". Quantas vezes fomos dormir às quatro
horas da manhã acertando as arestas. Mas, que privilégio saber
que não existe nada se interpondo entre nós. Já nos machucamos
em várias ocasiões, mas não deixamos os ferimentos sem tratamento e assim não permitimos a formação de pus.
Quando um osso se quebra e é bem soldado dificilmente se
quebrará novamente no mesmo lugar, pois criou-se ali uma resistência maior. Assim também é nos relacionamentos. Precisamos
de coragem para nos enfrentar e curarmos as nossas machucaduras. Quando "deixamos pra lá" iniciamos a construção de um muro
que, tijolo por tijolo, vai sendo levantado, à medida que nova ma138
O Princípio do Perdão
chucaduras vão sendo deixadas sem tratamento. Depois de algum
tempo uma infecção generalizada se espalha por todo o corpo e os
riscos da gangrena são reais, pois uma muralha foi levantada impedindo toda e qualquer comunicação.
Uma segunda dificuldade é quando se trata do pecado de alguém contra o corpo e não contra a nossa pessoa diretamente. Geralmente quando sabemos de um erro cometido por um irmão temos a tendência de falar disso para outras pessoas primeiro. E, na
maioria das vezes, forma-se um juízo sobre a pessoa, e começa-se
a tratá-la de forma diferente, sem que ninguém a tenha confrontado. Quando isto acontece estamos fazendo o jogo do maligno permitindo que a enfermidade instaure-se no corpo.
Esta é uma dificuldade real e a maioria dos crentes age em conformidade com esse comportamento pecaminoso, entendendo que
não tem de tratar a questão diretamente e, primeiramente, com o
irmão faltoso. Em se tratando de pecado sexual, geralmente o que
tomou conhecimento não vai sozinho ao irmão faltoso, mas já procura o pastor propondo a exclusão daquele irmão. A maioria das
igrejas age assim, em desobediência ao ensino claro de Jesus. Mas
quando obedecemos e vamos ao irmão e o ajudamos a retirar o argueiro, estamos "ganhando" esse irmão de volta à comunhão, e
cobrindo "uma multidão de pecados".13 E, depois de reconhecermos seu real arrependimento, pois o arrependimento verdadeiro
produzirá frutos, não apenas lágrimas, devemos declarar-lhe o
nosso perdão e fazer um voto: "Eu o perdôo, em nome de Jesus, e
faço agora, diante de Deus e de você um voto, de que da minha
boca, ninguém tomará conhecimento deste pecado que você cometeu contra o corpo. Se alguém vier a tomar conhecimento disto será através de você, pois só você poderá falar sobre isso".
E, se ele não nos ouvir, ou seja, não se arrepender e continuar
no seu caminho de desobediência e desonra do evangelho? Temos
então de dar o segundo passo que é chamar duas ou três testemunhas. Quem são essas testemunhas? Alguém que testemunhou o
ocorrido e irá ficar do nosso lado, fortalecendo a nossa posição?
Não. São apenas testemunhas desse segundo encontro, que irão
ouvir a ambos. Pois, poderá dar-se o caso das testemunhas não a139
Alma Nua
poiarem a nossa posição e perceberem que não houve pecado do
outro contra nós, ou contra o corpo. Eles então seriam mediadores.
Mas, reconhecendo eles também o pecado do irmão deverão exortá-lo ao arrependimento. Se forem ouvidos e houver arrependimento sincero então "ganhamos" o irmão de volta à comunhão. E,
aí, devemos declarar-lhe o nosso perdão e fazermos um voto: "Diante de Deus declaramos o irmão perdoado, em nome de Jesus, e
fazemos agora um voto de que ninguém (nem esposa, esposo filho,
amigo íntimo, etc.) tomará conhecimento do seu pecado através
de nós. Se alguém tomar conhecimento do ocorrido será através
da sua boca, pois só você poderá falar sobre isso".
Lembro-me do caso de uma senhora que vinha sendo traída pelo marido há anos, e ela sempre dava apenas o primeiro passo, o
"tu e ele só". Deu esse passo inúmeras vezes até que não suportando mais chamou "as testemunhas" que o confrontaram e ele foi
profundamente quebrantado e deixou totalmente aquele caminho
de pecado. É maravilhoso quando as coisas resolvem-se no primeiro ou até mesmo no segundo passo. Mas, se depois de dado o
segundo passo, a pessoa não se arrepender? O que Jesus mandou
fazer? O terceiro passo é "dize-o a igreja".
Obviamente que esses passos não podem ser dados um hoje,
outro amanhã. e o outro depois de amanhã. Temos de dar um tempo entre esses passos. Não deve ser um tempo, nem muito curto,
nem muito longo. E, durante todo o processo devemos estar diante
de Deus em intercessão, desejando, de fato, o arrependimento e
restauração do irmão. Como se dá esse terceiro passo?
Certamente, quando se trata de pecados grosseiros que atingem
a toda a comunidade, os líderes da igreja já deveriam ser envolvidos no segundo passo, para que o terceiro passo seja dado por eles.
Deveriam convocar uma reunião especial só para os membros da
igreja, e, nessa reunião de "família" declarar à igreja o ocorrido,
mostrando os passos que já foram dados. Todos os membros da igreja, tomando conhecimento, devem começar a orar pelo faltoso,
desejando, de coração, ganhá-lo de volta à comunhão.
Naquele encontro da "família", dever-se-ia indicar um grupo de
irmãos que fosse, em nome da igreja, confrontar o irmão faltoso,
140
O Princípio do Perdão
buscando ainda o seu arrependimento. O grupo que for ao irmão,
enviados pela igreja, não irá para discipliná-lo, mas para confrontá-lo, visando o seu arrependimento e restauração plena. Se o faltoso arrepender-se, e é importante frisar, com frutos genuínos de
arrependimento, e isto não é percebido apenas pelas lágrimas, mas
por medidas saneadoras concretas tomadas por ele, então aqueles
irmãos deverão declará-lo perdoado e conduzi-lo a uma reunião
com a "família", ou seja, com a igreja reunida, onde esse irmão
deverá confessar sua falta e buscar o perdão da igreja. A igreja reunida, exclusivamente para isto, deverá então lhe declarar o seu
perdão e fazer um voto: "Querido irmão, nós o perdoamos em
nome de Jesus, e fazemos agora, diante de Deus e de você, um voto, de que ninguém ouvirá dos nossos lábios menção desonrosa a
seu respeito, devido a esse pecado. Somente você poderá falar do
assunto, ninguém mais. Se algum membro desta igreja fizer qualquer menção desonrosa a seu respeito, devido ao seu pecado, estará pecando contra você e deverá ser repreendido".
"Mas, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como
gentio e publicano". Este é o quarto passo. O seu desligamento
oficial da igreja. E isto deverá ser notificado a ele para que haja
temor no seu coração, pois ainda poderá ser quebrantado e voltar
arrependido.
E muito importante percebermos o ensinamento de Jesus aqui
quanto a uma das principais características de uma pessoa genuinamente convertida. Uma marca do filho de Deus é o arrependimento. Jesus está pontuando aqui que uma pessoa convertida poderá não se arrepender na primeira ou na segunda instância. Mas
se não se arrepender na terceira instância, deverá ser tratada como
descrente, pois não evidenciou uma das principais marcas –de um
verdadeiro cristão, que é o arrependimento sincero.
Como se trata um descrente? Tratamos um descrente com todo
carinho, só que não o chamamos de irmão, nem podemos ter com
ele a mesma comunhão que temos com os que são do Senhor. Deveremos, daí para frente, buscar a sua conversão. Agora, é importante notar que Jesus não disse que ele é um "gentio e publicano".
ou seja, um descrente, mas que deveremos tratá-lo como tal. Se
141
Alma Nua
essa pessoa, agora afastada, demonstrar estar vivendo maravilhosamente bem sem o convívio dos irmãos, é, provavelmente, a maior evidência de sua não conversão. Pois o convertido afastado estará vivendo em tormento e acabará retornando quebrantado mesmo que passe muito tempo. No entanto, é muito importante compreender a repreensão que Paulo faz aos Coríntios por estarem associando-se com pessoas que se diziam irmãos, mas que viviam
dissolutamente.
"Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou os
avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair
do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idolatra, ou
maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus julgará. Expulsai,
pois, de entre vós o malfeitor." (ICo 5.9-13).
Muitos crentes não têm prestado atenção neste ensino das Escrituras e têm aceitado "churrascar" com alguns que se dizem irmãos, mas que são os malfeitores descritos aqui por Paulo. Depois
de falar dos passos a serem dados, Jesus ressalta a autoridade que
foi delegada por Ele à igreja: "Em verdade vos digo que tudo o
que ligardes na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligardes
na terra será desligado nos céus".14 Paulo menciona essa autoridade, usada num caso de disciplina, na igreja de Corinto:
"Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal,
como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a
possuir a mulher de seu próprio pai. E, contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso
meio quem tamanho ultraje praticou? Eu, na verdade, ainda que ausente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei, como se estivesse presente, que o autor de tal infâmia seja, em nome do Senhor
Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Se142
O Princípio do Perdão
nhor, entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o
espírito seja salvo no Dia do Senhor.Não é boa a vossa jactância. Não
sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda? Lançai fora o
velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem
fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado"
(ICo 5.1-7).
Vemos Paulo aqui investido de uma autoridade que ninguém
mais possui, que é a autoridade apostólica, que não foi passada
numa sucessão, como pensa o catolicismo. Nem através de Paulo,
nem de Pedro. Apóstolos de Jesus foram somente aqueles doze, e
depois da queda de Judas, seguramente Paulo o substituiu e não
Matias. A palavra "apóstolo" é uma palavra técnica que tem a significativa conotação de uma procuração que não pode ser substabelecida, ou seja, somente Jesus podia dar aquela procuração.
Ninguém poderia fazê-lo em Seu nome. Daí a conclusão lógica de
que foi a precipitação de Pedro, naqueles dias que antecederam a
vinda do Espírito Santo, que os levou a escolher Matias e dar-lhe
um lugar no colégio apostólico,15 lugar esse que era de Paulo, chamado por Jesus, conforme sua palavras em Gálatas: "Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem
algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos".16
Em Efésios 4.11-15 quando Paulo fala dos dons de liderança
que Jesus deu à igreja para o treinamento dos fiéis, para o desempenho do seu ministério, ele inclui o dom de apóstolo. No entanto,
o dom de apóstolo, ou seja, de abrir trabalhos pioneiros, não inclui
a autoridade de um apóstolo de Jesus, pois essa autoridade ficou
restrita aos doze, que são os fundamentos da muralha da Nova Jerusalém, de que nos fala Apocalipse 21.14.
Portanto, hoje, ninguém tem mais aquela autoridade que levou
Paulo a dizer: "Eu já sentenciei que o autor dessa infâmia seja entregue a Satanás para a destruição da carne..."
No entanto, percebemos que a autoridade que Jesus delegou à
igreja, em Mateus 18.15-20, permanece: À igreja foi dada a autoridade de "ligar" e "desligar". Portanto, quando uma igreja local
143
Alma Nua
age em unidade17 na disciplina de alguém, ela está investida dessa
autoridade.
Parece-me que Pedro estava muito incomodado com este ensino de Jesus sobre o perdão, por isso aproxima-se e pergunta: "Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe
perdoe? Até sete vezes?".18
A regra observada entre os judeus, segundo os ensinos da literatura judaica, era três vezes. Quando então Pedro fala em sete
vezes, devia estar achando o seu padrão elevadíssimo. Então Jesus
lhe responde: "Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete".19 Ou seja, indefinidamente. E, para firmar neles esta
verdade contou-lhes uma parábola:
"Por isso, o reino dos céus é semelhante a um rei que resolveu ajustar
contas com os seus servos. E, passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um
que lhe devia dez mil talentos. Não tendo ele, porém, com que pagar,
ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo
quanto possuía e que a dívida fosse paga. Então, o servo, prostrandose reverente, rogou: Sê paciente comigo, e tudo te pagarei. E o senhor
daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a
dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem denários; e, agarrando-o, o sufocava, dizendo:
Paga-me o que me deves. Então, o seu conservo, caindo-lhe aos pés,
lhe implorava: Sê paciente comigo, e te pagarei. Ele, entretanto, não
quis; antes, indo-se, o lançou na prisão, até que saldasse a dívida.
Vendo os seus companheiros o que se havia passado, entristeceram-se
muito e foram relatar ao seu senhor tudo o que acontecera. Então, o
seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela
dívida toda porque me suplicaste; não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti. E,
indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. Assim, também, meu Pai celeste vos fará, se do
íntimo não perdoardes cada um a seu irmão" (Mt 18.23-35).
Que ensino maravilhoso está contido nesta parábola! A dívida
que foi totalmente perdoada, era uma quantia impagável. Dez mil
144
O Princípio do Perdão
talentos ou 60 milhões de denários que corresponderia, em nossa
moeda de hoje, a quase um bilhão de reais. Essa dívida que foi totalmente perdoada simboliza a nossa dívida de pecados para com
Deus, que é impagável por nós e que foi totalmente quitada por Jesus na cruz. Paulo faz uma declaração surpreendente aos Colossenses:
"E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela
incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida
que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz" (Cl 2.13-15).
O ensino da parábola nos mostra que Deus não fez um plano de
pagamentos dos nossos pecados em longo prazo, no purgatório ou
nas sucessivas reencarnações, para melhorar o nosso karma. Ele
quitou a nossa dívida. Este é o evangelho da graça de Deus e, é isto, o principal fator que distingue a fé cristã de todas as demais religiões.
A dívida do conservo era irrisória, somando, no valor de hoje,
uns mil e quatrocentos reais. Essa dívida simboliza o pecado do
próximo para conosco e nossa atitude é, muitas vezes, implacável,
totalmente destituída de misericórdia. Jesus está nos confrontando
com uma realidade de todos os dias, em que somos duros e inflexíveis com os pecados e falhas do nosso próximo, por não fazermos uma avaliação devida do quanto fomos perdoados por Deus.
Aquelas pessoas que afirmam que não conseguem perdoar, provavelmente têm uma visão muito pequena do quanto foram perdoadas. Elas se dizem pecadoras, mas não se acham assim tão pecadoras. Nunca tiveram uma visão real de si, e acabam vivendo numa
crosta de ilusão a seu respeito, tornando-se impermeáveis à ação
de Deus em suas vidas. O "tirar a trave" tem a ver com essa avaliação honesta que temos de fazer de nós mesmos antes de irmos ajudar o outro a "tirar o argueiro".
145
Alma Nua
Tudo isto é mais esclarecedor quando compreendemos a "cerimônia" do lava-pés.20 No dia dos pães asmos, conforme os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas, Jesus entregou a Pedro e
João a responsabilidade dos preparativos para a comemoração da
páscoa. Foram ao lugar designado por Jesus, encontraram a pessoa que lhes cederia a sala, ou cenáculo e, assim, deixaram tudo
pronto para o encontro. A cerimônia do lava-pés, descrita apenas
pelo evangelista João, que foi um dos dois que foram preparar o
lugar deve ter acontecido naquele cenáculo, antes de comerem a
Páscoa.
Por que foi tão impactante Jesus cingir-se de uma toalha e lavar
os pés dos seus discípulos? Muitos pontuam apenas a humildade.
Mas, além da humildade houve ali algo notável e esclarecedor que
precisamos captar.
Quem normalmente lavava os pés das pessoas quando se reuniam para um banquete, ou uma festa, eram os escravos mais desclassificados de todos. Pois este era o costume naqueles dias de
poucos banhos e muita sujeira nos pés, devido às sandálias abertas
e às estradas poeirentas. Além do mais as pessoas não ficavam assentadas em cadeiras com os pés debaixo das mesas. Ficavam semi-deitadas em divãs com os pés bem à mostra e próximos dos outros.
Pedro e João, do apoio logístico, fizeram seu trabalho direitinho, e certamente chegaram uma meia hora antes para verificar os
detalhes. Foi aí que se deram conta da falta do escravo. E, provavelmente, desenvolveram o seguinte diálogo:
- Puxa vida, João, esquecemos de contratar um lavador de pés!
- É mesmo cara, e agora, o que vamos fazer?
~ Eu não sei não! Só sei de uma coisa, eu é que não vou lavar
pé de ninguém, disse Pedro.
- Eu também não, respondeu João.
Fico imaginando os discípulos chegando aos poucos e experimentando um clima de constrangimento geral. Todo mundo com
os pés sujos num ambiente que exigia pés limpos. Penso que Jesus
chegou por último e foi logo percebendo a situação. Sem que ninguém desse conta, ele sai do meio deles e procura uma bacia e
146
O Princípio do Perdão
uma toalha, e volta na postura do mais reles escravo para lavarlhes os pés. Na mente estupefata de todos estava a pergunta: O que
será que ele vai fazer? Isto é serviço de escravo! Os primeiros estendem os pés meio automatizados pelo inusitado da situação, mas
quando chega em Pedro, ele protesta:
- Senhor, tu me lavas os pés a mim?
- O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois.
- Nunca me lavarás os pés! - responde-lhe Pedro.
- Se eu não te lavar, não tens parte comigo, disse-lhe Jesus.
Então, o intempestivo Pedro vai para o outro extremo. É como
se estivesse dizendo:
- Se a questão é ter comunhão contigo, então não lave somente os pés, mas também as mãos e a cabeça, ou seja, tudo o que
puder ser lavado aqui, pois quero é plena comunhão contigo.
Jesus, então, dá um significado teológico para o que estava fazendo:
- Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés; quanto ao mais, está todo limpo. Ora, vós estais limpos, mas nem todos.
Jesus estava se referindo a Judas, que não estava lavado espiritualmente.
Qual o ensinamento desse episódio tão marcante? Quando Jesus disse: "Quem já se banhou não necessita de lavar senão os
pés", Ele estava enfatizando que na conversão a pessoa é totalmente lavada, mas que na caminhada cristã suja os pés, ou seja,
peca. E, quando se peca, não tem de banhar-se de novo, ou seja,
batizar-se ou converter-se novamente, apenas lavar os pés. Isto,
quer dizer, portanto, que "lavar os pés" é o mesmo que lidar com
os pecados do dia a dia da caminhada cristã.
Mas, Ele não disse que era para nós lavarmos os nossos pés,
embora possamos presumir que isto também deve ser feito. Ele
disse que, sendo Ele Senhor e Mestre, lavou-lhe os pés, deveriam
eles, igualmente, lavar os pés uns dos outros, ou seja, lidar com os
pecados do outro. Poderíamos parafrasear da seguinte maneira:
"Quando vires o argueiro (pé sujo) de teu irmão, dispa-te de tuas
vestes, lava-te primeiro, e então se curve humildemente e lave os
pés do teu irmão.
147
Alma Nua
Nunca me esquecerei de uma das experiências mais emocionantes que tive no ministério pastoral lavando os pés de um irmão.
Ele era meu parente bem chegado. Nosso culto de Natal havia
terminado muito tarde e chegamos em casa por volta da meia noite. Meu irmão acima de mim morava na minha rua, e quando cheguei, ele correu em minha casa e me informou que esse parente
nosso estava, naquele momento, vivendo um verdadeiro drama
com a esposa, e me sugeriu que eu fosse lá naquela mesma hora da
noite. Ao chegar lá o encontrei irredutível. Ele não queria saber de
conversa.
- Por favor, não venha com conselhos! Foi logo falando ao
ver-me entrar de Bíblia na mão.
Com muito custo um cunhado meu conseguiu levá-lo dali para
a sua oficina mecânica. Depois de saírem, fui atrás e acabei ficando a sós com ele, pois meu cunhado escapou, e nos deixou sozinhos. Como foi que lhe ganhei o coração naquela noite? Eu não
lhe preguei um sermão, nem tampouco o exortei a voltar para casa
e se reconciliar com a esposa. O que foi que eu fiz? Eu me despi
abrindo-lhe os meus pecados. Falei dos meus erros no casamento.
Mostrei-lhe como Deus era misericordioso comigo quando eu não
lhe escondia as minhas faltas. Eu não falei em tese, eu contei-lhe
fatos. Ele estupefato ouviu-me atentamente, e então abriu seu coração e, chorando muito, contou o drama que estavam vivendo.
Choramos juntos e ele voltou para casa e se reconciliou com a esposa e estão felizes até hoje.
Naquele dia eu me senti gente. Eu entendi o que Paulo quis dizer: "Fiz-me fraco para ganhar os fracos".21
Naquele momento eu me senti um pastor de almas. Que privilégio! Eu estava lavando os pés daquele irmão.
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO
O que nos acontece quando não perdoamos de fato? E importante lembrar que devemos perdoar mesmo sem arrependimento
do faltoso, para ficarmos livres das conseqüências da falta de perdão, pois essas nos enfermam. Naturalmente que a restauração da
148
O Princípio do Perdão
comunhão só poderá acontecer mediante o sincero arrependimento, mas, se este não acontecer, ficamos livres, pois nosso coração
não agasalhará os males da falta de perdão.
Como podemos saber se perdoamos de fato uma pessoa que
não se arrependeu? Observando as nossas motivações para com
ela. O que desejamos de verdade para a pessoa? Desejamos-lhe o
bem? Desejamos que ela acerte sua vida? Que seja feliz? Que se
arrependa? Que se reconcilie com Deus? Que seja bem sucedida?
Se não observamos estas atitudes em nós, é porque, provavelmente, nosso coração está contaminado. E as conseqüências inevitáveis serão:
Ressentimento
Este é um sentimento muito pernicioso, pois é como uma ferida
aberta que não cicatriza e que sempre provoca dor.
Maledicência
Quando não se perdoa alguém, o nome daquela pessoa sempre
será lembrado de forma negativa e, a tendência, será sempre falar
mal dela, achando-se no direito de fazê-lo.
Crítica amarga
A falta de perdão nos levará a fazer todo tipo de crítica àquela
pessoa. Se alguém falar algo positivo a seu respeito, nós logo levantaremos várias críticas amargas.
Condenação
Assumimos o posto de juiz e passamos a condenar todas as suas atitudes.
Desejo de vingança
Começamos a alimentar vingança no coração por não conseguirmos aceitar que ela fique impune pelo que nos fez.
Formação de uma "raiz de amargura"22
A raiz de amargura quando brota contamina a muitos e enferma
149
Alma Nua
todo o corpo. Uma pessoa amargurada pela falta de perdoar pode
tornar-se um câncer numa comunidade. Ela se torna um pessoa tão
voltada para si que é incapaz de ver a sua trave, pois desenvolve o
que chamamos de "síndrome de vítima".
RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO
"Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia"
Quem perdoa, quem é longânimo e compassivo, também será
perdoado e terá também a benção de usufruir a longanimidade de
Deus.
O perdoador será sempre alguém quebrantado, que não se acha
superior aos outros e, por isso, não é implacável com os erros que
os outros cometem.
Certamente, haverá um nível mais profundo de intimidade com
aquela pessoa a quem perdoamos e que se reconciliou conosco.
Parece que acontece uma aceitação mútua mais profunda, pois
máscaras caíram, e sentimos que não precisamos fingir espiritualidade.
É no relacionamento conjugai, mais do que em qualquer outro,
que o genuíno perdão produz frutos de amizade profunda.
Às vezes penso que nos relacionamos tão pouco como igreja,
que não temos tempo nem de pecar uns contra os outros. E, assim,
desenvolvemos relacionamentos frágeis de exterioridades. O ideal
seria se os membros de uma igreja local morassem no mesmo prédio, tendo assim oportunidades para muitos enfrentamentos. Certamente haveria muitos ossos quebrados, mas também muitos consertos, e assim, maiores oportunidades de nos conhecermos de fato
e nos amarmos apesar das nossas deficiências, lembrando sempre
que a grande virtude de um genuíno cristão não é nunca errar, mas
consertar.
Uma comunidade de pecadores quebrantados será uma comunidade cheia de saúde, pois não existirão nela os laços destruidores
do legalismo e da maledicência. Não há nada melhor no mundo do
que o sentimento de sermos aceitos, apesar de nós.
150
O Princípio do Perdão
ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO
"... e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado
aos nossos devedores. Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará
as vossas ofensas" (Mt 6.12,14-15).
Jesus condiciona o perdão que nos dá ao perdão que damos ao
nosso semelhante. Será que ficaremos sem o perdão de Deus se
não perdoarmos alguém que pecou contra nós?
É, claramente, o que Jesus diz nestes versículos. Estaria esse
perdão de Jesus relacionado à nossa salvação? Ou seja, se eu não
perdoar alguém, fico banido da salvação?
Não é esta a questão, mas sim da perda de comunhão com
Deus que promove todo tipo de retardo espiritual. É bom lembrar
também que "importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal
feito por meio do corpo".23 Muita gente pensa nesse tribunal apenas para conferir galardão, mas o texto diz pelo bem ou pelo mal
que tiver feito por meio do corpo. Isto quer dizer que, mesmo os
salvos, vão ter um acerto de contas com o Senhor. Daí, podermos
concluir que alguém, realmente convertido, e que parte para a glória com o coração endurecido pela falta de perdão, irá acertar lá
com o Senhor. Não para declará-lo condenado, mas para quebrantar o seu coração e promover a plena reconciliação. Por isso Ele
enxugará tantas lágrimas.24
"Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o critério
com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também. Por que vês tu o argueiro no olho
de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio?
Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho,
quando tens a trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu
olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu
irmão". (Mt 7.1-5)
151
Alma Nua
Tendo já usado amplamente este texto, quero agora apenas ressaltar a questão do julgamento. Estaria Jesus nos proibindo de julgar sempre? Como entender as palavras de Paulo: "Porém o homem espiritual julga todas as coisas?...".25
Creio que precisamos fazer aqui uma distinção muito importante entre julgar ações e julgar motivações.
Penso eu que Jesus está condenando aqui o julgamento das motivações e não das ações. Em outras palavras eu não devo e não
posso julgar as motivações das pessoas, mas suas ações eu tenho a
responsabilidade de julgar. Suponhamos que eu veja um rapaz espancando brutalmente uma criança. O que devo fazer? Será que
tenho de ficar passivo, dizendo: "Eu não posso condenar ou julgar
a atitude desse rapaz".
Não! Eu tenho de julgá-la sim, e condená-la como uma ação
má, e sair em defesa da criança, mesmo que isto me custe a vida.
Agora, imaginemos uma outra situação: Uma pessoa se dirige
ao piano e toca de forma maravilhosa, encantando a todos. Eu fico
num canto resmungando e dizendo aos que me cercam que o tal
está tocando só para aparecer. É este tipo de julgamento que eu
não posso fazer, pois estou me condenando. O que estou, de fato,
dizendo é que se fosse eu que estivesse tocando estaria fazendo
para aparecer. O ato de tocar piano não é um ato mau, mas bom.
Agora, a motivação de tocar não nos compete julgar.
Paulo escrevendo aos Efésios diz que não devemos ser cúmplices das obras infrutíferas das trevas; antes, porém devemos reprová-las, ou seja, julgá-las e condená-las.26
152
Capítulo 10
O PRINCIPIO
DA RECONCILIAÇÃO
"Bem-aventurados os pacificadores
porque serão chamados filhos de Deus". (Mt 5.9)
A razão de saltar a ordem das Bem-aventuranças, tratando dos
"Pacificadores" antes dos "Limpos de Coração" é somente por
uma questão didática, a fim de tratar estes dois princípios juntos,
pois ambos visam o conserto dos relacionamentos.
Enquanto que, no princípio do perdão aborda-se a questão do
pecado do outro contra nós, neste novo princípio é o contrário.
Trataremos do nosso pecado contra o outro.
O Princípio espiritual contido em Bem-aventurados os pacificadores é o Princípio da Reconciliação contra quem nós pecamos.
De forma mais abrangente podemos dizer que Pacificador é
aquele que procura, de todas as maneiras possíveis, promover a
reconciliação entre pessoas que estão separadas, estando sempre
pronto a consertar o que esteja errado em relações pessoais, tanto
de si mesmo, como de terceiros.
Vejamos, primeiramente, os, passos que devemos dar em direção àquele contra quem nós pecamos. O texto chave é Mateus
5.23-24: "Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares
que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a
tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta".
153
Alma Nua
1° Passo: Lembrar
Jesus está fazendo alusão ao culto judaico, onde o adorador
trazia uma ovelha para ser sacrificada. O altar a que se refere era o
lugar do sacrifício. Portanto, este texto não tem nada a ver com o
trazer os dízimos ao gazofilácio. Seria mais aplicável hoje ao culto
da ceia, quando nos aproximamos da mesa do Senhor a fim de
uma avaliação honesta do nosso relacionamento com Deus e com
os nossos, irmãos.
A ceia do Senhor nos obriga a olhar para três direções. Primeiramente para o passado, contemplando o preço que foi pago pela
nossa redenção e o cancelamento de toda a nossa dívida. Em seguida para o presente, ou seja, para o nosso relacionamento com
os irmãos. E, finalmente, para o futuro, quando tomaremos a ceia
com Ele, no Reino do Pai.1 Portanto, quando olhamos para o presente e vemos o relacionamento quebrado com algum irmão, devido ao nosso pecado contra ele, devemos dar o segundo passo.
2° Passo: Deixar a oferta
Deixar a oferta implicaria em não prestar nosso culto a Deus
tendo uma pendência com um irmão. Jesus está nos ensinando
que a nossa relação vertical com Deus é afetada pela nossa relação horizontal com o nosso. Irmão. Eu percebo algumas vezes
certos irmãos "deixando" de tomar a ceia. Quando os abordo
perguntando o motivo da não participação eles afirmam ter um
problema não resolvido com um determinado irmão. Aí procuro
ir mais fundo e saber a quanto tempo isto aconteceu e fico pasmo
quando descubro que é coisa muito velha. "Meu querido irmão,
como é que você consegue viver com uma pendência desta em
sua vida?"
Eu creio que Jesus ao ensinar o "deixar a oferta", certamente
estava pensando em poucos dias. Portanto, eu o exorto, em nome
de Jesus, a resolver essa pendência o mais rápido possível e quero
um retorno de sua parte. O que tenho visto, é que, quando as pessoas obedecem esta ordem de Jesus, elas são restauradas e o cálice
volta a transbordar.
154
O Princípio da Reconciliação
3º Passo: Ir
Portanto, a iniciativa é sempre nossa. Tanto no caso do outro
pecar contra nós, quanto quando nós pecarmos contra o outro, a iniciativa deverá ser sempre nossa. Com isto Jesus está nos ensinando que em nenhuma situação eu tenho de ficar esperando o outro vir em minha direção. Ninguém pode dizer: "Eu não tenho nada contra ele, se ele tem algo contra mim, então que venha tratar
comigo".
Desta forma, o corpo estará sempre saudável. Se entendermos
que a iniciativa é sempre de todos, nenhuma doença se instalará
em nosso meio, pois somos todos, igualmente responsáveis, pela
saúde do corpo.
4º Passo: Reconciliar
Muitos que ficam estacionados no "deixar", vivem assim, anos
a fio, tendo seu relacionamento quebrado com quem precisam acertar contas, e também com Deus. Este passo deve ser dado o
quanto antes, mas somente depois do coração estar realmente quebrantado. Se você for ao seu irmão justificar-se de sua falta você
piorará a situação. Deverá ir a ele de coração quebrantado assumindo a culpa que lhe é devida, e também fazendo os acertos que
a situação exigir.
'
5º Passo: Voltar e ofertar
É celebrar a vitória da cruz sobre o pecado. É entrar no Santo dos Santos pelo novo e vivo caminho que Jesus nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne.2 É participar da ceia do
Senhor de coração limpo, discernindo o corpo em harmonia
com os irmãos.
Lembro-me de uma senhora que começou a freqüentar a nossa
igreja vinda de uma igreja bem próxima. Como não gosto de encorajar essa pulação de galho de uma comunidade para outra fui saber dela o porquê da sua vinda. Ela me disse que havia tido um
probleminha com um irmão da outra igreja e, assim, ela queria se
transferir para a nossa igreja. Eu lhe disse que isso só seria possível depois de reconciliar-se com aquele irmão. Orientei-a a ir a ele
155
Alma Nua
e consertar o que estava errado no relacionamento deles e, se depois de consertar, ela ainda quisesse vir para o nosso meio então
conversaríamos a respeito. Passadas algumas semanas ela apareceu de novo e fui logo saber como havia sido o conserto.
- Eu cheguei para aquele irmão e lhe disse, que, se o tinha ofendido em alguma coisa eu queria que ele me perdoasse.
- Você vai ter que voltar a ele minha irmã, fui logo lhe adiantando.
- Pois na realidade o que você lhe disse foi o seguinte:
- Olha meu irmão, eu não acho que o ofendi em nada, mas se
você acha então eu peço que me perdoe.
- Minha querida irmã, seja bem honesta, você ofendeu ou não
aquele irmão? Perguntei com muita seriedade.
Ela abaixou os olhos e respondeu:
- Sim. Eu o ofendi. Eu sei que o magoei muito, e estou, de fato
arrependida.
- Pois é isto que você deve ir lá falar com ele. Faça isto o
quanto antes e depois venha falar comigo.
Passados dois domingos, lá estava ela novamente no culto com
o rosto iluminado por um largo sorriso, e logo que o culto terminou, veio me procurar com euforia na voz.
- Pastor, pastor, ele me perdoou! Foi maravilhosa a nossa reconciliação! Eu estou livre de um fardo!
Na minha juventude, trabalhei muitos anos com a Organização
Palavra da Vida em acampamentos de jovens e adolescentes. Um
traço bem comum na maioria dos adolescentes é o descuido com
as suas roupas. A mãe prepara cuidadosamente o rol das roupas
que o filho está levando para o acampamento, e coloca uma relação na parte interna da mala para que o filho não esqueça nada,
mas na hora de ir embora ele acaba largando um punhado de roupas pra trás. Nós da equipe ajuntávamos aquelas roupas e as guardávamos, por algum tempo, esperando que alguém as reclamasse,
mas, quase ninguém voltava para buscar nada, e, assim, acabávamos mandando aquelas roupas para algumas instituições e também
para certos campos missionários. Mas, muitas vezes, nós próprios
éramos o "campo missionário". A maioria de nós, seminaristas
156
O Princípio da Reconciliação
"duros", ficávamos experimentando aquelas roupas e muitas passavam a ser parte do nosso guarda-roupa.
Certa vez eu estava subindo em direção ao salão de cultos, na
companhia do Ari, meu pai na fé, quando ele se abaixou e apanhou na beirada da estrada um short lindo, de muito boa qualidade. Certamente de algum adolescente espavorido que deixou cair
por ali na hora de sair. Só estávamos nós dois, o short era do meu
tamanho, para ele não servia, nem para o seu filho, que era pequeno. Eu estava certo que ele iria dar o short pra mim, mas ele não o
fez. Ele foi e o dependurou no varal de sua casa, pois estava molhado da chuva que havia caído na noite anterior. Eu fiquei danado
da vida com ele, e pensei: "Ô gringo pão duro!".
Hoje eu entendo que ele guardou o short pensando na possibilidade do dono retornar para buscá-lo, mas naquela ocasião eu não
pensei assim. Eu fiquei é bronqueado com ele. No dia seguinte,
passando perto de sua casa, lá estava o short no varal. Fui lá de
mansinho e o surrupiei. Usei aquele short muito tempo, e o Ari
nunca me falou nada. Será que ele nem se deu conta, ou, será que
ficou de "pé atrás" comigo? Eu não sei, mas bem que, às vezes,
penso que ele pode ter ficado com uma reserva em seu coração
que o distanciou de mim.
Seis anos se passaram e eu saí da Palavra da Vida para ser missionário no Piauí, e o Ari voltou aos EUA para abrir novos acampamentos da P.V.3 em outras partes do mundo. No entanto todas
as vezes que eu me lembrava dele lá estava aquele short no meio,
me acusando.
Em 1970, aconteceu em São Paulo, o curso Conflitos da Vida.
Quando Larry Coy tratou deste princípio ressaltando a necessidade
de curarmos o nosso passado daquilo que "deixamos pra lá", veio
imediatamente à tela da minha mente o short. Depois de muita luta
resolvi escrever uma carta, mesmo sabendo que o melhor seria tratar pessoalmente, mas como estava sem condições de viajar aos
EUA, resolvi escrever. Foi muito difícil escrever aquela carta, pois
o Espírito Santo não deixou por menos. Eu tive de escrever a palavra "roubei". Como foi duro admitir isso. Eu queria desculpas, no
entanto não foi possível, tive de enfrentar a verdade e, chamar o
157
Alma Nua
pecado pelo nome. Mas, depois que o fiz, coração ficou totalmente
em paz. Eu tive também de restituir. Comprei um short semelhante
e mandei para ele.
Somente dezessete anos depois da carta é que me encontrei novamente com Harry Bollback. Foi muito bom revê-lo. E, qual foi a
sua primeira palavra para mim, antes mesmo de me abraçar? "Foi
muito importante o que você fez!".
Só então, depois de vinte e três anos do ocorrido, estávamos
partilhando de uma comunhão sem qualquer barreira. Nós podemos pensar, e o inimigo quer que pensemos assim, que o tempo se
encarregará de curar nossos problemas; no entanto, o tempo não
cura nada, só infecta mais.
Quantos casamentos estão purulentos devido a ferimentos não
tratados. São mágoas e mágoas que o tempo não consegue esconder.
Tratamos até aqui da nossa reconciliação com alguém contra
quem nós pecamos. No entanto, este princípio é mais abrangente,
pois contempla também a reconciliação que podemos promover
entre terceiros. Isto me leva para um artigo de uma revista, de
muitos anos atrás, de um conhecido pastor do passado. Tendo assumido ainda bem jovem o pastorado de uma igreja, ele se deparou com um problemão entre duas irmãs. A igreja estava dividida
entre os adeptos da irmã Beth e os adeptos da irmã Sandra. Até
mesmo se sentavam em lados opostos da nave do templo. Reinava
assim uma hostilidade declarada. Na sua grande inexperiência, segundo ele, estava a ponto de reunir as duas e deixar o "pau quebrar". No entanto, ele foi socorrido a tempo por um velho diácono
que o aconselhou a não fazer isso, mas a tentar semear alguma
concórdia entre elas.
Conta ele que naquela mesma semana foi visitar a D. Beth e
saboreando os seus deliciosos quitutes introduziu suavemente um
comentário sobre os doces maravilhosos de D. Sandra. A mulher
ficou apopléctica e, cheia de irritação, quase gritou:
- É verdade, ela tem uma mão muito boa para doces, pena que
não tem a mesma habilidade para outras coisas, pois é terrível de
gênio, e zxzxxccvvbbxvxzx... - Soltou todo tipo de toxinas que tinha
158
O Princípio da Reconciliação
contra a outra. No entanto havia admitido algo bom da rival: "Realmente ela tem uma mão muito boa para doces."
Na semana seguinte, onde é que ele estava? Em casa de D.
Sandra saboreando os seus doces maravilhosos.
- Irmã Sandra, seus doces são uma delícia! Bem que a irmã
Beth já havia me falado que a senhora tem uma mão muito boa
pra doces. (Logicamente que não falou o resto).
- Quem falou isso? A Beth Fernandes? Quem diria que eu um
dia iria ouvir isso da parte dela. Ela também faz salgadinhos maravilhosos e muitas outras coisas gostosas. E continuou tecendo
elogios à outra, sem alardear os seus defeitos.
Logo, logo, ele começou a perceber olhares de aprovação sendo trocados. E, com o passar do tempo, aquela névoa foi se dissipando e, ao sair daquela igreja, a paz já reinava em toda a comunidade.
- Mas, o maior beneficiado fui eu, diz-nos ele. Pois aprendi o
princípio de passar a "boa palavra". Daí para frente sempre fiquei atento ao ouvir um elogio feito a alguém. E, depois, conversando com a pessoa elogiada eu dava sempre um jeito de introduzir aquele elogio em nossa conversa. E eu via o semblante da pessoa mudar, pois um elogio feito indiretamente tem um valor muito
maior, pois é sentido como mais sincero,
Gostei tanto desse artigo que comecei também a praticar o
"passar a boa palavra". Percebi como o inimigo nos usa para passar a "má palavra". Verifiquei também que a grande maioria tem a
tendência de se calar quanto à boa palavra, não a fazendo chegar
onde deveria, ou seja, na pessoa elogiada, mas age de forma diferente com a "má palavra" fazendo, muitas vezes, questão de levála até o seu alvo. Agindo assim nos tornamos instrumentos nas
mãos do maligno para dividir e infectar o corpo.
Se atirarmos uma tocha de fogo dentro de um lago ela se extinguirá imediatamente, mas se a atirarmos num milharal seco, em
segundos provocaremos um incêndio perigoso. Para a "má palavra" devemos ser como um lago. Quando alguém chegar ao nosso
ouvido com uma "palavra má" a respeito de alguém, ser um lago é
159
Alma Nua
chamá-la para orar pela pessoa. Aquela "fofoca" morrerá ali mesmo. Mas ser um campo de milho seco é dar-lhe ouvidos e já começar a falar com outros, incendiando assim os corações contra
aquela pessoa.
O inimigo nos engana de duas maneiras muito sutis. A primeira
é levando-nos a crer que sendo verdade o que estamos falando, isto nos dá o direito de falar. A segunda é dando-nos a entender que
já tendo falado com a pessoa em questão estamos autorizados a falar para outros. No entanto a Palavra de Deus é explicitamente clara ao declarar: "Não faleis mal uns dos outros"4. Quando não tivermos nada de bom para falar de alguém a melhor coisa é não falar nada.
Conta-se de uma senhora que nunca falava mal de ninguém,
pois sempre tinha uma palavra elogiosa a respeito de qualquer pessoa. Certa feita alguém comentou em sua presença:
i
- A Senhora é tão exagerada em só ver as virtudes das pessoas
que é capaz de falar bem até do diabo.
- E vocês não acham que ele é bem perseverante! Respondeu ela.
Isto pode ser uma piada, mas contém uma grande verdade que
precisa ser vivenciada por nós, pois quando passamos a "boa palavra" estamos aproximando as pessoas, e matando a "má palavra"
num lago de amor, estamos "cobrindo multidão de pecados".5
Havia muito pouco tempo que eu tinha lido esse artigo "Passe
a boa palavra", quando me deparei com uma situação perfeita para praticá-lo. Eu fui convidado para uma série de conferências
numa grande igreja numa das nossas capitais. Ao chegar ao aeroporto, não tinha ninguém me esperando; então apanhei um táxi
e me dirigi para o Colégio daquela denominação, pois conhecia o
diretor daquele Colégio de longa data. Enquanto aguardava o
pastor, o meu amigo diretor abriu o coração comigo e falou
grandes ressentimentos que tinha contra aquele pastor que chegaria dentro de poucos minutos para me apanhar. Eu me senti bastante constrangido ouvindo tudo aquilo, mas logo o pastor chegou desculpando-se muito por ter-me deixado esperando no aeroporto. Saímos e no caminho eu lhe perguntei sobre a gestão do
meu amigo diretor à frente do Colégio. Ele teceu grandes elogi160
O Princípio da Reconciliação
os ao diretor:
- Este é um verdadeiro homem de Deus! Ele tem feito um trabalho maravilhoso. O Colégio é outro depois que ele assumiu a
direção. Nós estamos vibrando com a sua administração.
Eu fiquei muito feliz ao ouvir isso, e fiquei calado quanto ao
que tinha ouvido do meu amigo diretor.
As conferências foram muito abençoadas e eu já estava arrumando as malas para ir para o aeroporto quando me lembrei do
"Passe a boa palavra". Liguei imediatamente para o meu amigo e
lhe contei tudo o que o pastor havia falado sobre ele. Houve um
grande silêncio do outro lado da linha. Depois ouvi sua voz embargada de emoção:
- Você não faz idéia do valor destas palavras para a minha vida!
Eu saí daquela cidade de avião, mas poderia ter saído de carro,
de ônibus, ou até mesmo a pé, que eu estaria voando, de tanta alegria. Ter sido usado por Deus como um retransmissor de boas palavras, que aproximaram duas pessoas, valeu mais do que toda a
conferência.
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO
Vejamos, primeiramente, os casos pessoais. Pequei contra alguém e não o procuro para confessar, reconciliar, restituir, etc. O
que esta postura endurecida e resistente certamente provocará?
Quais as conseqüências?
Sentimento de culpa
Paul Tournier no seu livro Culpa e Graça fala de "culpas falsas" e "culpas verdadeiras". As culpas falsas subjugam muitas pessoas indevidamente, pois, na realidade são falsas. São assumidas
por um tipo de distúrbio psicológico, ou síndrome de Deus. É aquela mãe que não se perdoa da filhinha ter morrido num desastre
de automóvel. Ela martiriza-se dizendo: "Se eu não a tivesse levado comigo ela não teria morrido".
E assim ela se consome através de uma culpa falsa. Ela não falhou em nada. Ela não foi responsável em nada pela morte da fi161
Alma Nua
lha. Conheço uma pessoa que se martiriza até hoje, depois de 15
anos da morte do irmão: "Se eu não tivesse deixado meu irmão viajar, ele não teria morrido".
Parece que a pessoa precisa se punir de alguma maneira "Síndrome de Deus" é um sentimento de onipotência que algumas pessoas carregam sentindo-se responsáveis por tudo o que acontece
ao seu redor.
Agora, existem as culpas verdadeiras e essas precisam ser assumidas. Alguém que pecou contra o outro e não o procura para
consertar deve sentir-se culpado mesmo, e é importante que sinta.
Pior se não sentisse nada, pois seria um indício de total entorpecimento espiritual, com pouca possibilidade de cura.
Insegurança
Uma pessoa que vai deixando pendências na sua história de vida desenvolverá uma profunda insegurança, pois sempre sentirá a
falta de confiança dos outros na sua pessoa. Os seus problemas acabarão se tornando verdadeiros fantasmas que sempre a acompanharão.
Afastamento
Por sentir-se insegura a pessoa acaba afastando-se do convívio
dos irmãos, tornando-se mais e mais arredia e desconfiada.
Infecção na comunidade
Quando os relacionamentos pessoais não são curados a enfermidade passa para a comunidade, pois a igreja local é um organismo vivo e não uma organização.
Vejamos, agora, no caso de terceiros. Sei de irmãos que
estão com o relacionamento quebrado e nada faço para
promover a reconciliação. Quais as conseqüências desta atitude
de descaso minha e de outros, que também conhecem a situação
e nada fazem?
162
O Princípio da Reconciliação
Maledicência
Haverá a tendência de se formar partidos, e daí começam as
"fofocas", resultando na separação dos irmãos, provocando muitas
ofensas e muitas lágrimas.
Infecção generalizada em toda a comunidade
A doença espalha-se pelo corpo, provocando dissensões e divisões.
OS RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO
"Bem-aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de
Deus".
Depois de quatro dias de ministração do Seminário "Diagnóstico e Terapia Espiritual" em Jaguaquara, na Bahia, fui procurado
por um jovem:
- Pastor Ivênio, depois do que acabo de ouvir, estou desesperado!
Não sei o que fazer!
- Conte-me o que está acontecendo. Espero poder ajudá-lo de alguma maneira, fui logo me prontificando para ouvi-lo atentamente.
- Pastor a situação é muito complicada e, aos meus olhos, não vejo
solução. Eu trabalho para um irmão da minha igreja num comércio varejista. Ele confiou tudo em minhas mãos e não sabe nada do que acontece ali. O problema está aí, pois venho roubando dele já há alguns anos
e ele não faz a mínima idéia. Depois do que acabei de ouvir aqui hoje eu
acordei e vi a seriedade do meu pecado. O que eu faço agora?
- Eu sei que é uma situação constrangedora, mas não existem atalhos. Você consegue jazer um levantamento dd tudo que lhe roubou?
( É, eu tinha de usar a palavra dura "roubou", para não "dourar a
pílula").
- Sim. Eu posso fazer esse levantamento e atualizar o dinheiro,
respondeu prontamente. (Era aquele tempo de inflação galopante
em que o valor do dinheiro mudava diariamente).
- Então é isto que você tem de fazer. Marque um encontro a sós
com ele e confesse o seu pecado. Apresente-lhe o montante que você
163
Alma Nua
lhe deve, e garanta-lhe que irá pagar tudo, mesmo que tenha de ser
seu escravo.
- Mas, pastor, eu não sei se vou ter coragem. Ele vai me matar,
pois a decepção dele vai ser enorme. Eu prefiro sumir no mundo e
não dar mais notícias.
- Se você fizer isso, vai passar o resto da vida fugindo. Fugindo de
si mesmo. O caminho de Deus é o confronto. É vir para a luz. É colocar tudo às claras. Só assim haverá libertação. Estarei orando para
Deus dar-lhe coragem. E, por favor, escreva-me contando o resultado.
Não recebi nenhuma notícia dele por mais de cinco anos, até
que fui convidado novamente para ser preletor naquele mesmo acampamento.
Durante a minha primeira preleção eu o divisei no meio da
congregação e pensei: "Bem, pelo menos ele está vivo."
Logo que terminei, ele veio correndo falar comigo.
- Puxa vida! Que bom vê-lo de novo. Eu passei um ano sem coragem de seguir o seu conselho. Mas depois não agüentando mais a
mão de Deus sobre mim, eu fiz o que me sugeriu. Quando lhe contei
tudo ele ficou mudo, e depois de terrível silêncio ele me disse:
- Meu filho, você é um verdadeiro filho de Deus, pois só um filho
de Deus faria o que você está fazendo, pois certamente você poderia
continuar me enganando e eu nunca teria descoberto.
- E sabe o que ele fez? Perdoou-me toda a dívida e, fez mais ainda:
- Agora, então, é que posso confiar em você de verdade. Eu quero
que você seja meu sócio.
No Reino de Deus é assim. Nada debaixo do tapete. É assim
que vencemos o príncipe das trevas, trazendo tudo para luz, pois
ele não suporta a luz.
Um pastor muito amigo me procurou depois de ouvir esta preleção e me contou que quando estudante no Seminário havia trabalhado na tesouraria do Colégio que era ligado ao Seminário.
- Eu desviei dinheiro do caixa enquanto fui tesoureiro. Ninguém
descobriu. Formei-me no Seminário, fui ordenado pastor, e aquele
fantasma me perseguia. Até que, não suportando mais, fiz os devidos
cálculos de quanto havia subtraído e me dirigi ao antigo Diretor. Ele
164
O Princípio da Reconciliação
não era mais o Diretor em exercício. Entreguei-lhe um envelope com
a quantia e confessei-lhe o meu pecado. Eu lhe disse:
- O senhor pode fazer o que quiser com este dinheiro.
Ele me abraçou com muita ternura e me respondeu:
- Meu filho, você é um verdadeiro filho de Deus, pois só um filho de Deus age assim. Você vai ser um grande pastor.
Realmente, esse irmão é um grande pastor, e quando me contou
isso o fez com tanta humildade que muito me abençoou.
OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO
"Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar
estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele
que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e que proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e que lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. Se,
pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu
irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando,
faze a tua oferta. Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não
te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à
prisão. Em verdade, te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo". (Mateus 5.21-26)
Já analisamos deste texto o verso 23 abordando os passos a serem dados na reconciliação. Quero deter-me agora tão somente
nos versos 21 e 22 onde nos deparamos com uma séria dificuldade.
Jesus estabelece uma sentença gradativa à medida que o pecado vai se tornando mais grave:
• Aquele que irar-se contra seu irmão estará sujeito a julgamento.
• Aquele que proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a
julgamento do tribunal.
• Aquele que chamar a seu irmão tolo estará sujeito ao infer165
Alma Nua
no de fogo.
Aqui está a dificuldade. Aparentemente a terceira sentença é
duríssima para um pecado que não nos parece assim tão grave.
Por que chamar um irmão de tolo nos tornaria réus do inferno de
fogo?
Estamos diante de uma dificuldade de tradução. A tradução
mais fiel deveria ser: "E quem chamar seu irmão de maldito ou
anátema estará sujeito ao inferno de fogo".6
Isto posto, precisamos perceber a seriedade que Jesus está apontando aqui para o fato de se amaldiçoar alguém ou anatematizá-lo, que é o mesmo que excluí-lo da nossa vida desejandolhe o inferno. Ele está encarecendo neste texto o perigo da nossa
língua.
Em Provérbios 6.16-19 o "semear contendas entre os irmãos"
está alistado como o pecado que Deus mais abomina, acima até de
"derramar sangue inocente".
166
Capítulo 11
O PRINCÍPIO
DA INTEGRIDADE
"Bem-aventurados os limpos de coração,
porque verão a Deus ". (Mt 5.8)
Este princípio trata das motivações. É "Limpo de coração"
quem tem motivações corretas, não havendo ambigüidade entre as
suas motivações e as suas ações. Portanto, este princípio trata da
relação entre o ser e o fazer. Eu o denomino "Princípio da Integridade", por tratar-se da inteireza do ser. Uma pessoa íntegra ou inteira é uma pessoa sem divisões internas. É uma pessoa que não
tem ambigüidades. Ela é sempre a mesma pessoa, pois não vive
diferentes papéis.
Provérbios 4.23 afirma: "Sobre tudo o que se deve guardar,
guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida".
O que a Palavra de Deus chama de coração? Certamente não é
uma referência ao músculo que bombeia sangue para todo o nosso
corpo; embora, certamente esteja usando o coração como uma figura daquilo que transporta os nutrientes emocionais para todo o
nosso ser. Podemos então pensar no coração como fonte de toda a
nossa vida emocional ou sentimental.1 Somente assim, poderemos
entender as palavras de Jesus em Marcos 7.21-23: Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a
prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as
malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o ho167
Alma Nua
mem".
Em Jeremias 17.9, lemos que "o coração do homem é enganoso
e desesperadamente corrupto". Portanto, a revelação que Deus faz
do ser humano não é nada boa. Humanistas são aqueles que querem crer na bondade inerente do ser humano, mas a Palavra de
Deus não deixa espaço para as propostas humanistas. Jesus afirmou: "Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas
cousas aos que lhe pedirem".2
Refutando o jovem rico Jesus disse: "Por que me chamas bom?
Ninguém é bom senão um, que é Deus".3
Temos que fazer aqui uma digressão, pois uma pergunta se faz
necessária: Será que Jesus não se achava bom? Esta é uma questão
bastante relevante para os nossos dias, pois dela depende todo o
edifício da nossa fé. Por que será que Jesus não aceitou ser chamado de "bom Mestre" pelo jovem rico?
O que Jesus, de fato, não estava aceitando era ser chamado de
"bom homem". Em outras palavras, Ele estava dizendo: "Se você
vê em mim apenas um 'bom homem' e não Deus, então não me
chame bom, pois na realidade sou mau, visto estar reivindicando
ser Deus".
Esta é a grande questão que iremos enfrentar neste terceiro milênio, ou neste período chamado pós-modernidade. A questão
quanto à divindade de Jesus. A igreja enfrentou na era moderna
(1650-1945), ataques quanto à realidade de Deus. A ciência tornou-se a religião da era moderna e, nada que não passasse pelo
crivo da ciência, ou da racionalidade, era aceito. Igrejas se fecharam, no chamado Primeiro Mundo, e a Europa passou a intitularse pós-cristã. As teorias darwinianas se tornaram a bíblia dos ateístas que não precisavam da existência de Deus para explicar a vida.
Assim sendo, os racionalistas da era moderna acreditavam que o
conhecimento científico traria a "era de ouro" sobre a terra. Que o
homem moderno baniria completamente de sua mente qualquer
idéia de Deus, pois o homem era a medida de tudo.
No entanto, o que levou a chamada "era moderna" ao seu fim
foi o desencanto total com a bondade humana e seus conheci168
O Princípio da Integridade
mentos científicos, que, ao invés de produzir o paraíso, produziu
o inferno de duas guerras mundiais, as atrocidades dos campos
de concentração e os desastres ecológicos irreversíveis. Pode-se
dizer que a "era moderna" que já vinha apresentando seus estertores na virada do século XIX para o século XX acabou de sucumbir e ser enterrada com a Segunda Guerra Mundial. Os humanistas de plantão ainda se agarraram na ideologia marxista
que pretendia produzir a justiça do proletariado, mas com a queda do muro de Berlim, acabaram-se as pretensões daqueles que
criam no "homem bom".
Estamos vivendo hoje num grande vazio ideológico dentro da
"pós-modernidade". Esta é a era da indiferença e do desencanto.
A era da apatia e da desesperança. E, acima de tudo, a era das
grandes incertezas. O homem pós-moderno é aquele que perdeu
as certezas e, que, por isso, está experimentando um regresso
emocional ao primitivismo espiritualista, ou seja, um agarrar-se a
qualquer tipo de espiritualidade que lhe ofereça alguma experiência mística. Assim sendo, o homem pós-moderno difere do
homem moderno quanto à crença em Deus. Enquanto o homem
moderno dizia-se ateísta o pós-moderno é espiritualista. Ele não
tem a tendência de negar a existência de Deus, mas de apegar-se
a qualquer tipo de espiritualidade. Por isso o pensamento pósmoderno é de aceitar toda e qualquer experiência espiritual como
válida desde os chás do Santo Daime até as invocações dos mortos e quaisquer outras experiências místicas que promovam algum tipo de contato com a divindade que, segundo eles, está em
cada um de nós.
Deste modo, o pensamento pós-moderno conduz tudo a um nivelamento, ou seja, não pode existir qualquer religião ou seita que
se afirme portadora da verdade, ou que se arrogue ser o único caminho para Deus. Este é um ataque direto ao coração da fé cristã,
pois esta é exclusivista. A verdadeira fé cristã não abre espaço para a possibilidade de qualquer outra proposta religiosa ser verdadeira. Quando Jesus afirma: "Eu sou o caminho, e a verdade, e a
vida; ninguém vem ao Pai senão por mim"4, Ele exclui toda e
qualquer outra proposta. Por isso o ataque da pós-modernidade
169
Alma Nua
não é contra Deus, mas contra Cristo. Assim, não estamos vivendo
um período de crescimento do ateísmo, ou de rejeição a Deus mas
um período de rejeição a Cristo como Deus encarnado. Um período anti-Cristo. Todos os livros ou artigos que estão sendo editados
hoje sobre Jesus visam rebaixá-lo à posição de apenas um "homem
bom", para assim colocá-lo no mesmo nível dos demais gurus
fundadores de religiões.
Por que o livro Código da Vinci de Dan Brown teve um sucesso tão vertiginoso? Um livro que torce fatos históricos inquestionáveis é lido com tanta avidez por rebaixar Jesus à categoria de
um mero guru. Jesus, como Deus encarnado, incomoda, pois é excludente.
Somos humanistas que cremos na bondade do ser humano ou
somos realistas, como Jesus, que denuncia a maldade de todos os
descendentes de Adão? Por querermos parecer bons nos camuflamos e mascaramos as nossas reais motivações pecaminosas, faltando-nos assim integridade. A nossa personalidade foi cindida pelo pecado e conseqüentemente temos em nós o querer realizar o
bem, mas não a capacidade para fazê-lo. A imagem e semelhança
de Deus permanecem em nós através dos valores de Deus em nós
incorporados, mas o pecado degenerou nossa imagem promovendo a egocentricidade que leva-nos pelo caminho da manipulação e
utilização do outro.
Nós podemos elaborar grandes tratados filosóficos e viver no
mundo das idéias, mas somos traídos pelo coração enganoso, porque, na realidade, nós não somos o que nós pensamos ser, mas o
que nós sentimos e fazemos. Em outras palavras, a nossa pessoa
real não se evidencia através da nossa racionalidade, mas através
das nossas ações, que são fruto das nossas emoções, ou do nosso
coração. Por isso, Provérbios 4.23 afirma ser o coração a fonte da
vida. "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração,
porque dele procedem as fontes da vida".
A exortação da Palavra de Deus é no sentido de "guardarmos o
coração". Precisamos pôr guardas à porta dos nossos sentimentos e
dos nossos desejos emocionais, pois é aí que se trava a batalha da
integridade entre o ser e o fazer.
170
O Princípio da Integridade
Os "limpos de coração", portanto, são aqueles que mantêm essa
guarda contínua em seus corações impedindo o domínio do fazer
sobre o ser. Suas motivações (o ser) são compatíveis com as suas
ações (o fazer). Integridade é, assim, a designação mais apropriada
para nos referirmos àqueles que não têm uma vida dupla, que não
vivem a dicotomia entre o ser e o fazer, entre a motivação e a ação. Logo, os "limpos de coração" são aqueles que não guardam
"cartas na manga", não se camuflam, que não procuram enganar
para tirar vantagem.
Quando Jesus viu Natanael pela primeira vez, afirmou a seu
respeito: "Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo!".5
Dolo é engano ou fraude, ou ainda, traição e má fé e também
ação praticada com a intenção de violar o direito alheio. Na realidade, Jesus estava dizendo: "Eis um verdadeiro israelita limpo de
coração."
Foi esse Natanael que Filipe chamou para conhecer o Messias:
"Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José. Perguntoulhe Natanel: De Nazaré pode sair alguma cousa boa?".6
Esta é uma característica de uma pessoa limpa de coração, ela
não se esconde, pois é muito autêntica. Ela é a mesma pessoa, em
casa, no trabalho, no lazer, na igreja. Ela não vive diferentes papéis. Assim, "limpo de coração" não é alguém que não erra ou não
peca, mas alguém que não se camufla.
Lembro-me de uma experiência que o Pastor Geremias Bento
me contou, quando ainda era pastor da Primeira Igreja Batista em
Belo Horizonte. Um jovem da igreja lhe pediu para viajar em sua
companhia, pois queria conhecê-lo mais na intimidade, fora do
púlpito. Geremias então o levou numa viagem de uma semana que
fez a São Paulo. Na volta o jovem lhe disse:
- Puxa vida, Pastor! O senhor é o mesmo que é no púlpito!
- Geremias - eu lhe falei - esse foi o maior elogio que você poderia ter recebido de alguém. Ele o estava chamando de "limpo de
coração".
"Limpo de coração" deve ser então entendido como aquele que
põe guardas às portas do seu coração para não ser conduzido de
171
Alma Nua
forma enganosa. Ele cuida das suas motivações. Ele as traz debaixo do olhar atento do Espírito Santo andando na luz e purificando
tudo no sangue da Nova Aliança. Ele não se esconde. Ele não procura fazer boa figura. Ele se desnuda. Ele é autêntico. Ele chora
quando precisa, sem medo das lágrimas da fraqueza mas também
ri com as alegrias da vitória. Aliás, ele ri até da vida pois percebe
que não precisa ser sisudo para ser levado a sério. Ele descobre as
invejas e maldades do seu coração e as confessa. Descobre também desejos impuros na sua sexualidade e os traz à presença do
Pai e deles fala com uma franqueza assustadora e sai fortalecido
para vencer todos esses fantasmas da alma. E nessa intimidade
com Deus que ele descobre estar, de fato, sendo o filho agradável
ao Pai, pois sabe que Deus é luz, no qual não há nenhum subterfúgio, e anela andar assim com seus filhos, banhados na graça, cheirosos como Jesus.
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO
O que acontece quando eu me escondo ou me camuflo, não me
deixando ser conduzido pelo Espírito, não guardando o meu coração enganoso? Quais as conseqüências de uma vida sem integridade?
Vida dupla ou hipocrisia religiosa
Não há nada mais detestável do que a falsidade. Querer aparenta o que não se é. Por que isto acontece? Por que temos tanto medo
do desnudamento? Já vimos isto no Princípio da Adoração. Uma
necessidade enorme de sermos reconhecidos e valorizados é o que
nos leva a esconder e a cumprir papéis. Precisamos ou buscamos o
louvor das pessoas e isto nos torna falsos, ou duplos, ou sem integridade.
Desonestidade
Essa desonestidade é expressa em muitas áreas, mas, principalmente nos negócios. Como já vimos, o dolo é uma fraude que
visa tirar vantagem do próximo. Portanto, agir dolosamente nos
172
O Princípio da Integridade
negócios, querendo levar vantagem, é uma das principais evidências de um coração impuro, sem controle do Espírito Santo. Qualquer negócio só é bom se for bom para todos. Esconder detalhes
que me favorecem é uma forma de dolo. No reino das trevas agir
dolosamente é ser esperto, mas no Reino de Deus é ser enganador
e fraudulento.
Impureza sexual
Tem sido um grande prejuízo para a devida compreensão da
sexualidade humana relacionar a queda no Éden com o ato sexual.
Este tipo de interpretação forçou o pensamento de grande parte da
cristandade a encarar a sexualidade como algo pecaminoso, ou então, a limitar o intercurso sexual apenas para a procriação.
Como encarar o prazer? Como cristãos devemos dar curso ao
prazer advindo da prática sexual? Por que limitar o prazer sexual
apenas aos casados? Como é que os solteiros devem lidar com a
sua sexualidade? A fé cristã ensina a castidade para os solteiros ou
isto é imposição de certas tradições religiosas? E o homossexualismo é legítimo ou não? Se o prazer é legítimo por que não pode
ser partilhado por pessoas do mesmo sexo? Estas são algumas
questões relevantes que precisamos encarar para avaliarmos a pureza do coração nesta área tão importante da vida humana onde
tem havido mais dolo do que em qualquer outra.
Antes de mais nada precisamos compreender o movimento
pendular da história no que concerne a sexualidade humana. De
um lado o estoicismo, com forte ênfase no dever, na retidão, no
domínio das paixões, olhando, muitas vezes, para a sexualidade
como algo a ser negado, por produzir a lassidão do dever. Do outro lado o hedonisrno encarando o prazer como a busca principal
do ser humano. Estas duas escolas de pensamento têm norteado o
assunto sexualidade através dos tempos.
Zenão, que nasceu em 334 a.C. em Cício na ilha de Chipre, é
considerado o pai do estoicismo. Ele conferia à ética um papel
preponderante e insistia no argumento de que a felicidade depende
diretamente de uma submissão do desejo à razão divina que rege
todo o universo. Percebemos assim, bastante proximidade nos
173
Alma Nua
conceitos de Zenão com a fé cristã. No entanto, o estoicismo dentro do movimento dos mosteiros, tomou certos contornos de exagerado ascetismo, a ponto de não comerem nada que fosse agradável ao paladar, para não serem tentados pela gula, nem dormiam
em camas confortáveis para não serem dominados pela preguiça,
nem tampouco permitiam o casamento e a prática sexual como
forma de evitar a luxúria. Não se pode atribuir totalmente ao estoicismo todos esses exageros, mas certamente a filosofia estóica alimentou os pensamentos desses monges ascetas.
Por exemplo, donde veio a doutrina católica da perpétua virgindade de Maria? Qual é o demérito para Maria ter tido vários filhos? Para uma judia, demérito era não tê-los. Jesus nasceu de
forma miraculosa sem qualquer participação de José, como estava
profetizado: "...eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e
lhe chamará Emanuel".7 Mas, e depois do nascimento de Jesus, o
que afirma o evangelista Mateus? "Despertado José do sono, fez
como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a
quem pôs o nome de Jesus".8 Claramente Mateus está afirmando
que depois do nascimento de Jesus, José conheceu Maria sexualmente. E ela foi abençoada por Deus com o nascimento de vários
filhos.9
Os que argumentam que estes textos referem-se a primos de Jesus desconhecem a riqueza da língua grega que emprega aqui o
termo "adelphós", irmãos de sangue, e não "anepsiós", primos.
Além do mais é importante lembrar o uso que Lucas e João fazem
das palavras "filho unigênito" e "filho primogênito". Quando João
está falando de Jesus como filho de Deus ele usa o termo "unigênito" do Pai.10 Mas quando Lucas está falando de Jesus como filho
de Maria ele usa o termo "primogênito".11 E, Lucas não estava escrevendo isto ali, na hora do nascimento, mas uns sessenta anos,
ou mais, depois do acontecimento. Se Maria ainda estivesse viva,
estaria beirando os 80 anos de idade. Se ela tivesse gerado apenas
a Jesus, Lucas jamais poderia ter usado a palavra "primogênito,
mas "unigênito", como João, quando quis deixar claro que Jesus é
o Único Filho de Deus.
174
O Princípio da Integridade
Existe ainda uma outra linha de raciocínio empregada pelos
defensores da perpétua virgindade de Maria, usando o texto de
Mateus 12.46-50, de que Jesus chama de irmãos a todos os que
fazem a vontade de Deus e não àqueles que o procuravam do lado
de fora do recinto em que estavam reunidos. Vejamos o texto na
íntegra:
"Falava ainda Jesus ao povo, e eis que sua mãe e seus irmãos estavam do lado de fora, procurando falar-lhe. E alguém lhe disse:
Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar-te. Porém ele
respondeu ao que lhe trouxera o aviso: Quem é minha mãe e quem
são meus irmãos? E, estendendo a mão para os discípulos, disse:
Eis minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe".
Se Jesus estivesse negando a irmandade, por parte de mãe, daqueles que o estavam procurando, estaria negando também a maternidade de Maria, pois disse: "Quem é minha mãe e quem são
meus irmãos?".
Percebe-se, obviamente, que Jesus estava comparando e espiritualizando a relação de intimidade de uma família com a sua relação com os seus discípulos, colocando-os no mesmo pé de igualdade, sem negar o fato da família nuclear a que pertenceu nos dias
de sua encarnação.
Tudo isto foi dito para levantar novamente a indagação: Por
que essa defesa insana da perpétua virgindade de Maria? A única
explicação histórica plausível é a influência de um estoicismo asceta exacerbado, sobre alguns teólogos medievais, que viam impureza em qualquer intimidade sexual, mesmo entre os casados. O
raciocínio da negação praticado pelo ascetismo é: O prazer é mau.
Se a prática do sexo dá prazer então ela é má e perverte a Entidade. Sendo assim, Maria não pode ter tido o prazer de uma intimidade sexual, senão ela não seria santa. Isto não é cristianismo, mas
estoicismo asceta.
A genuína fé cristã, que se firma exclusivamente na Palavra de
Deus, não nega o prazer, mas tampouco o diviniza como faz o he175
Alma Nua
donismo, que é o outro lado do pêndulo. Em muitos momentos da
história, esta foi a filosofia que dominou o modo de pensar e agir
das pessoas. Estamos vivendo hoje, o clímax de um hedonismo existencialista em todas as suas formas possíveis. Tudo está sendo
medido pelo parâmetro do prazer. Se dá prazer, então, é certo e
deve ser praticado.
Na introdução do seu livro O Mito da Grama mais Verde, J.
Allan Petersen narra o diálogo que teve com um senhor de meia
idade, depois de ter proferido uma .palestra para homens sobre infidelidade conjugal:
- Por que você não terminou a história? Perguntou ele, apertando
minha mão, ao despedir-se, depois da sessão da manhã da conferência.
- Eu havia contado a história de um homem cuja infidelidade havia arruinado o seu casamento, causando um divórcio em outra
família e deixado cicatrizes indeléveis na alma de seus filhos. Petersen, disse ele, tal história não termina costumeiramente em tragédia e frustração; muitas vezes é através de um "caso" extraconjugal que uma pessoa encontra o verdadeiro amor e felicidade
e alegria pela primeira vez.
- Saímos para almoçar juntos e no caminho fiquei sabendo que esse homem franco era um pastor que dirigia três pequenas igrejas
naquela região. Embora afirmasse estar muito bem casado com
uma bela e talentosa mulher, ele estava profundamente envolvido
com uma jovem pianista de uma de suas igrejas.
- Petersen, eu só vim ter prazer de verdade quando me envolvi
com essa jovem. Eu nunca tinha podido desenvolver certas fantasias sexuais com a minha esposa, mas com essa jovem eu vou às
nuvens. Prazer como tenho tido só pode ser coisa de Deus, por isso tem de estar certo.
Este é o parâmetro hedonista que está regendo a maioria dos
comportamentos, não somente na área sexual, mas em quase todas as áreas da nossa vida. O prazer está sendo a medida aferidora do certo e errado. Portanto, estamos mergulhados até ao pes176
O Princípio da Integridade
coço em práticas hedonistas sem nos apercebermos. Hoje, por
exemplo, existem verdadeiros templos de gastronomia onde se
cultua o prazer da alimentação. Somos contrários ao prazer de
comer? Logicamente que não, mas devemos estar atentos aos
males da comilança que se pratica hoje, que trazem grandes prejuízos para a nossa saúde. Muitos cristãos sinceros nem pensam
nisso, pois o direito ao prazer parece estar estabelecido e não pode ser negado.
É comum encontrarmos pessoas se divorciando usando o argumento do direito ao prazer como a base da separação. Empregam a palavra felicidade como sinônima de prazer: "Se o meu casamento não estiver prazeroso é legítimo eu descartar-me dele,
pois afinal das contas eu tenho o direito de ser feliz".
E o que dizer do namoro dos jovens? Namoro hoje é sinônimo
de transa sexual. A grande maioria dos jovens e também adolescentes já inseriram em sua forma de pensar que o normal é ir para
cama com o namorado ou namorada. Quem não faz assim é visto
como estranho ou fanático religioso. Entre os adolescentes o "ficar" ainda não inclui, necessariamente, o intercurso sexual, mas
quase tudo que seja prazeroso e sem compromisso de permanência.
Como já dissemos, a genuína fé cristã não é nem estóica, nem
tampouco hedonista, ela não nega nem diviniza o prazer, em se
tratando do prazer sexual, ela, antes, o.canaliza para o casamento, para que sua prática seja experienciada dentro de um contexto
de pleno compromisso. Em se tratando do homossexualismo, é
impossível querer adaptá-lo à fé.cristã, pois esta o nega de forma
absoluta, como sendo uma perversão da sexualidade. Portanto,
para aqueles que afirmam não ter atração por pessoas do outro
sexo, a única opção bíblica é a castidade, ou seja, total abstinência sexual. Devemos lembrar que, assim como uma disfunção orgânica pode levar uma pessoa a praticar a abstinência do açúcar,
por exemplo, uma disfunção emocional igualmente, deverá exigir abstinência, sem que isto cause danos maiores. A abstinência
de certos aspectos da sexualidade não terá que ser algo traumático ou prejudicial, a não ser que aceitemos o engodo da maneira
177
Alma Nua
hedonista de pensar. Os diabéticos podem ter uma vida muito
boa mesmo sem açúcar.
Defraudação
Este conceito está baseado em 1Ts 4.1-8:
"Finalmente, irmãos, nós vos rogamos e exortamos no Senhor Jesus que, como de nós recebestes, quanto à maneira por que eleveis
viver e agradar a Deus, e efetivamente estais fazendo, continueis
progredindo cada vez mais; porque estais inteirados de quantas
instruções vos demos da parte do Senhor Jesus. Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição; que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santificação e honra, não com o desejo de lascívia, como os gentios que
não conhecem a Deus; e que, nesta matéria, ninguém ofenda, nem
defraude a seu irmão; porque o Senhor, contra todas estas cousas,
como antes vos avisamos e testificamos claramente, é o vingador,
porquanto Deus não nos chamou para a impureza e sim para a santificação. Dessarte, quem rejeita estas cousas não rejeita o homem
e sim a Deus, que também vos dá o seu Espírito Santo."
A tradução que estou usando é a Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, 2ª edição. Comparando as traduções percebemos que esta tradução, provavelmente, é a que mais se distancia da idéia original do texto. A tradução mais literal é a Revista e
Corrigida da Imprensa Bíblica Brasileira, que traduz asssim o Verso 4: "Que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação e honra". O "possuir o seu vaso" não é uma referência ao próprio corpo, mas sim, uma referência ao outro, o que é bem reforçado pelo contexto. A tradução Revista e Atualizada da Sociedade
Bíblica do Brasil, edição de 1961, a meu ver, chegou mais perto da
idéia original: "Que cada um de vós, em santificação e Honra, saiba conseguir esposa". A esposa, então, é o vaso, ou recipiente do
amor do esposo. Sendo assim, este é claramente um texto sobre
namoro, ou como encontrar o cônjuge, não através da via da sexualidade, ou desejo de lascívia, como fazem os gentios que não co178
O Princípio da Integridade
nhecem a Deus.
Quando Paulo está exortando os cristãos de Tessalônica a se
absterem da prostituição, pensamos logo em prostituição paga,
pois este é o sentido da palavra prostituição em nosso contexto atual. No entanto, a palavra "pornéia", aqui traduzida por prostituição, refere-se a toda e qualquer prática sexual fora do casamento.
Os gentios eram tremendamente devassos na sua sexualidade desenfreada e não consideravam errado as praticas sexuais entre pessoas solteiras e, até mesmo, o adultério era visto com benevolência. No entanto o apóstolo está estabelecendo àqueles crentes, oriundos de um passado tão permissivo, uma outra ética sexual, firmada na santidade das relações.
Temos, assim, aqui uma orientação muito importante para todos os solteiros e solteiras que desejam a vida conjugal. Buscar o
companheiro ou a companheira pela via da santidade e não da sexualidade. Pois procurar o cônjuge da maneira dos gentios promove a defraudação do outro, que é o mesmo que provocar desejos
que só podem ser satisfeitos dentro do casamento.
Se o namoro for um tempo de se aprofundar em carícias, mesmo sem chegar à realização plena do ato conjugal, ele se constitui
num ato de defraudação, pois somente dentro de um relacionamento de compromisso de vida, de pertencer, de assumir o outro
perante a família, a sociedade, a igreja, e principalmente diante de
Deus, é que se pode usufruir, legitimamente, as gratificações da
sexualidade.
Paulo, portanto, está advogando um namoro em busca do cônjuge sem os abrasamentos da lascívia. É importante mencionar a
tempo, que não existe, biblicamente falando, namoro que não vise
o casamento. Ninguém pode namorar para curtir, ou namorar por
namorar. Namoro não é fim, mas meio de se encontrar o cônjuge.
Fica assim bem definida como impureza moral a prática lasciva do
"ficar" entre os adolescentes.
Nunca irei me esquecer daquela jovem que me procurou para
aconselhamento, lá na década de 70. Ela trazia no semblante grande dor e desespero. Ela começou narrando a sua história e eu podia
quase imediatamente saber o seu final. Ela era realmente crente.
179
Alma Nua
Ela tinha um padrão de namoro segundo a Palavra de Deus, mas
começou a namorar um rapaz não convertido. Logicamente que
ele não tinha os mesmos padrões que ela. No começo tudo foi lindo e maravilhoso, pois ele dizia:
- Puxa, como você é diferente (da fulana)! Você me compreende de verdade. Eu até tive um caso com ela, mas ela não me compreendia como você.
É muito interessante de se observar a diferença da tentação para o homem e para a mulher. O homem, em questões de sexualidade, é tentado mais pelos olhos e a mulher mais pelo ouvido. Aquela jovem estava sendo seduzida, de forma bem sutil, por alguém que dizia o que era doce aos seus ouvidos. Quando afirmou
ter tido um caso com a outra, ele estava comunicando seu padrão
de namoro. Depois de algum tempo de namoro ele começou a fazer cenas de ciúme dizendo que ela não o amava de verdade senão
daria provas de seu amor. O que ele estava chamando de "provas
de amor" era a intimidade sexual. Assim se estabeleceu entre eles
o dolo, o engano, a impureza, a falta de inteireza de coração, pois
as motivações escondidas eram outras. Ele pensava na cama e ela
pensava no véu e grinalda. Ela fazia concessões de maior intimidade, querendo segurá-lo para o casamento e ele insistia em "provas de amor" querendo levá-la para a cama. Até que ela não conseguiu segurar mais e entregou-se totalmente a ele. Daí para frente, ele começou a desprezá-la e a provocar-lhe ciúmes namorando
outras e procurando-a apenas para deitar-se com ela. Ela sempre
cedia, pensando ser a maneira de conquistá-lo para o casamento. O
tempo passou neste tipo de namoro, que, segundo a Palavra de
Deus, era "pornéia" ou prostituição. E então, aconteceu o inevitável: ela ficou grávida. Ele virou uma fera e começou a lançar-lhe
em rosto:
- Como você foi deixar isso acontecer? O que vão falar de você na igreja?
Como se pode perceber ela ficou sozinha com o seu problema,
e ele começou então a fazer-lhe ameaças e promessas:
- Não podemos ter este filho! Não podemos nos casar agora!
Mas eu lhe prometo que se tirarmos a criança, logo que tivermos
180
O Princípio da Integridade
condições casaremos.
Ela não pensava em aborto. Ter aquela criança era tudo o que
ela queria. Mas, o sonho de se casar, de entrar na cerimônia de casamento de véu e grinalda foi maior e ela acabou cedendo. Ela estava ali sentada a minha frente querendo morrer, pois havia abortado de gêmeos, e agora não conseguia apagar de sua mente as faces daqueles bebês. Ela havia tocado num fio de alta tensão e estava sendo destruída por dentro pela dor e pela culpa.
Josh MacDowell no seu livro Os Mitos da Educação Sexual
demonstra como a promiscuidade sexual tomou conta dos jovens e
adolescentes americanos por causa de certos mitos:
• "Os Adolescentes querem mais sexo do que amor"
• "É irrealista querer que os adolescentes esperem"
• "A mídia ensina aos adolescentes a verdade sobre o sexo"
• "O sexo entre os adolescentes que concordam com ele não é
da conta de ninguém"
• "O sexo seguro é realmente seguro"
• "Os adolescentes não precisam de que os pais envolvam-se
nas suas decisões sexuais"
É muito importante lembrar que esses 6 mitos acima alistados
são apenas mitos nos quais as pessoas querem crer, e não, a realidade dos fatos.
Hoje numa Escola Pública Americana, em algumas regiões dos
Estados Unidos, uma jovem adolescente pode sair de sua classe, ir
para uma Clínica de Aborto (Um ônibus especial permanece na
porta das Escolas), fazer o aborto e voltar para sua aula, sem dar
satisfação a ninguém, muito menos a seus pais, pois o grito geral é
que ela tem direito sobre o seu corpo.
Esta é a sociedade hedonista que faz do prazer o referencial do
que é certo e errado. Todos sabem que pílulas não protegem totalmente, nem camisinha, então mata-se. O prazer é assim colocado acima da vida humana.
181
Alma Nua
Domínio da lascívia
A palavra lascívia pode ser definida como prazer sensual na
mente. Nós podemos ficar enredados na lascívia por permitir o seu
alojamento em certos quartos fechados da nossa mente, entendendo como área legítima da nossa intimidade, onde ninguém mais
pode ter acesso e onde nos permitimos fantasiar. Podemos ser enganados em pensar que Deus não nos reprova em degustarmos tais
fantasias em nossa mente.
Incapacidade de testemunhar
Quando agasalhamos imoralidade em nosso coração, nossa boca se fecha e não conseguimos falar de Jesus. Tenho a impressão
que uma grande maioria não prega o evangelho mais abertamente
por este motivo. Sentem-se reprovados. Sei de mim mesmo que,
quando sou condescendente com os meus olhos, meus lábios se
fecham.
Rejeição da boa consciência
Paulo escrevendo a Timóteo, seu filho na fé, exorta-o a "...
mantendo fé e a boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé".12 Quando não colocamos guardas à porta do nosso coração enganoso podemos vir a
naufragar, ao invés de navegar na fé. Afundamos em imoralidade,
em desonestidade, em vários tipos de permissividade, pois a nossa
boa consciência ficou cauterizada.
RESULTADOS DA VIVÊNCIA DESTE PRINCÍPIO
Quando no meu dia-a-dia ponho guardas à porta do meu coração, ou como disse Davi, "escondo a tua palavra no meu coração
para não pecar contra ti",13 o resultado é a pureza do coração. E os
"puros de coração verão a Deus".
Esse "ver a Deus" não significa ter visões de Deus, mas sim
percepções espirituais mais profundas, ou um perceber mais acurado das ações de Deus no viver diário, ou um reconhecê-lo em
todos os caminhos.14
182
O Princípio da Integridade
OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO
"Ouvistes o que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo:
qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela. Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus
membros, não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se tua
mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém
que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o
inferno. Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe
carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua
mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério". (Mateus 5.27-32)
Temos neste texto três ensinamentos importantíssimos que
pontuam o Princípio da Integridade:
1°) Adultério no coração
Jesus está nos conduzindo para uma "sintonia fina". Ele está
levantando o nível da lei. A Lei diz: "Não adulterarás". A Lei de
Moisés focalizava a ação do adultério. Jesus levantou a Lei do nível da ação para o nível da intenção. Com isso Ele está nos protegendo do coração enganoso, pois aquele que chamar o olhar cobiçoso de adultério estará lidando com o pecado no seu nascedouro.
Muitos brincam com o adultério chegando muito perto da beirada
do abismo, não tendo forças para retornar. Com este ensino Jesus
está nos protegendo da leviandade do coração.
Seria ideal para a nossa saúde se fizéssemos check-up duas vezes ao ano. Certamente iriam detectadas enfermidades no nascedouro, a tempo de se tomar medidas apropriadas ao seu combate.
Jesus está aqui nos colocando diante de um check-up do nosso coração.
183
Alma Nua
2°) Medidas radicais que precisamos tomar
Ao afirmar a necessidade de "arrancar-se" o olho, ou de "cortar-se" a mão, Jesus estava empregando o "exagero" visando a
nossa conscientização de medidas radicais que precisamos tomar
naquelas áreas em que somos vulneráveis. Obviamente ele estava
sendo literal, pois sabia que o "corte" da mão ou o "arrancar" do
olho não eliminariam o problema que não se encontra na mão ou
no olho, mas no "coração". É sabido que Orígenes (182 252 d.C.),
um dos chamados Pais da Igreja, emasculou-se, a fim de eliminar
as tentações sexuais, o que, certamente não aconteceu.
3°) Quanto ao divórcio
E muito importante de se observar que o contexto histórico em
que Jesus estava ministrando não dava à mulher o direito de repudiar o marido. Isto era prerrogativa exclusivamente masculina. Foram os desdobramentos dos ensinos de Jesus, feitos principalmente por Paulo, que vieram conferir a mesma dignidade à mulher.
Assim, lemos em Gálatas 3.28 que em Cristo não pode haver nem
homem, nem mulher, nem escravo, nem livre, nem judeu, nem
gentio, ou seja, somos todos iguais diante do Pai. Portanto, da
mesma forma, que não admitimos mais a escravatura de seres humanos, não podemos também admitir qualquer tipo de cerceamento à mulher por ser mulher. Em se tratando do divórcio elevemos,
portanto, fazer a leitura de forma contextualizada, reconhecendo
que Jesus foi o grande emancipador da mulher, dando-lhe assim os
mesmos direitos na relação conjugal.
Jesus estabelece neste texto, como único motivo legítimo para
repudiar-se a mulher, a quebra da aliança ou pacto de fidelidade
sexual. Nos dias de Jesus, estava no auge uma polêmica entre duas
escolas rabínicas quanto à questão do divórcio. As escolas de Hillel e de Shammai. A escola de Hillel era bastante liberal concedendo ao homem o direito de divorciar-se de sua mulher por qualquer
motivo, até por ficar feia ou queimar a comida. Já a escola de
Shammai era bastante restritiva, concedendo o divórcio ao marido
apenas em caso de infidelidade sexual por parte da.esposa.
De acordo com as leis judaicas a mulher não poderia iniciar um
184
O Princípio da Integridade
processo de divórcio, porém podia comparecer a um tribunal e
forçar o marido a divorciar-se dela, sob determinadas condições.
Por exemplo, se ele sofresse de certas enfermidades, ou se se ocupasse de certos trabalhos inconvenientes, ou ainda, se fizesse juramentos em detrimento dela ou a forçasse a fazer tais juramentos.
Mas, em se tratando de infidelidade sexual, ela não tinha nenhum
direito pois ele poderia até mesmo ter concubinas. O "Não adulterarás" para o homem significava apenas não possuir a mulher do
próximo. Relacionar-se com uma mulher solteira não seria considerado adultério. Para a mulher, no entanto, não era assim. Qualquer relacionamento fora do casamento era adultério. "Vemos assim que prevalecia sempre um duplo padrão, tolerante para com os
homens e severo para com as mulheres. A mulher era considerada
propriedade masculina. Onde estava o adúltero que foi apanhado
junto com a mulher que foi trazida a Jesus?15 Por que trouxeram só
a mulher?
Este tema precisa ser tratado levando em conta o contexto histórico, caso contrário cometeremos muitas injustiças. Naquele
contexto em que a mulher era propriedade masculina, Jesus deixou
claro seu apoio à escola de Shammai, permitindo ao marido divorciar-se da mulher exclusivamente em caso de infidelidade sexual
dela. Essa era uma posição que visava proteger a mulher dos abusos dos homens. Quando Jesus a reiterou, muitos o questionaram
dizendo: "Se essa é a condição do homem relativamente a sua mulher, não convém casar"16, ou seja, se temos de agüentar uma mulher que fica velha e feia, e que até mesmo não cuida bem da casa,
então é melhor nem casar".
O que precisamos compreender no assunto divórcio é que Jesus
deixou questões em aberto que deveriam ser tratadas mais tarde,
pelos discípulos, sob orientação do Espírito Santo, é claro. É o que
vemos em 1Co 7.10-15:
Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se
separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se ou que
se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua
mulher. Aos mais digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher
185
Alma Nua
incrédula, e esta consente em morar com ele não a abandone; e a mulher que tem marido incrédulo, e este consente em viver com ela, não
deixe o marido. Porque o marido incrédulo é santificado no convívio
da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido
crente. Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora,
são santos. Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em
tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus
vos tem chamado à paz."
E importante observar neste texto que a ordem de não se separar foi dada primeiramente à mulher. Por que será, visto que a mulher não deveria tomar a iniciativa? Percebemos então em Paulo,
como desdobramento do ensino de Jesus, a preocupação de equiparar a mulher ao homem quanto ao direito de também poder tomar a iniciativa.
O mais interessante neste texto é a distinção entre "ordeno, não
eu, mas o Senhor" e "aos mais digo eu, não o Senhor". Existem
aqueles que pensam que a palavra de Paulo aqui tem menos autoridade. No entanto o que Paulo está dizendo é que Jesus pronunciou-se quanto à indissolubilidade do casamento, mas não mencionou nada sobre uma situação nova que estava surgindo que era
a separação por causa da conversão de um dos cônjuges. A palavra
de Paulo tem a mesma autoridade que a de Jesus por ter recebido,
como apóstolo, uma procuração d'Ele.
É importantíssimo salientar que a Igreja foi alicerçada sobre a
doutrina dos apóstolos, e não somente sobre a de Jesus. Ele, antes de partir, deixou bem claro que não deixaria seus discípulos
órfãos, mas enviaria o Espírito Santo para conduzi-los a toda a
verdade.17 Portanto, existem verdades que foram estabelecidas
pelos apóstolos, sobre as quais Jesus não se pronunciou, tendo
deixado apenas os princípios para que eles firmassem os conceitos práticos para a vida da Igreja. Portanto, não se pode olhar para a palavra de Paulo como simples opinião humana, mas como
Palavra de Deus dada através da autoridade apostólica. Foi exatamente isto que ele falou aos Tessalonicenses: "Outra razão ainda temos para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo
186
O Princípio da Integridade
vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens e sim como, em verdade é,
a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente
em vós, os que credes.18
A orientação que Paulo está dando aos crentes de Corinto, sobre a qual Jesus não se pronunciou diz respeito ao cônjuge crente
não se separar do não crente. Aqui não é o caso de um casamento
misto. Eles já eram casados e um apenas se converteu. Paulo está
dizendo ao cônjuge crente para manter-se no casamento se o outro
consentir em viver com ele numa nova situação espiritual. Mas se
o descrente quiser separar-se, que se separe, diz o apóstolo. Paulo
está dizendo ao cônjuge convertido que ele deve permanecer firme
na fé, permitindo ao descrente romper o contrato conjugal por não
querer mais a sua companhia como cristão. "Em tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem
chamado à paz".
Eis a questão: Tais pessoas estariam impedidas de um novo casamento no futuro, caso o cônjuge descrente não mudasse a sua atitude? Parece-me que não. A expressão "não fica sujeito à servidão, nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz", firma o mesmo princípio de liberdade para novas núpcias, pois todo
contexto judaico de divórcio pressupunha liberdade para novas
núpcias. E aqui, no caso de abandono por causa da fé, Paulo está
estabelecendo plena igualdade entre homem e mulher.
Por isso é necessário conceituarmos muito bem os termos da
aliança conjugal conforme estabelecida por Deus em Gn 2.24:
"Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne". Esta Aliança é composta de três
compromissos igualmente importantes, que não sendo, qualquer
deles, cumprido destrói o matrimônio.
O primeiro é: Deixar pai e mãe
Qual a implicação desse compromisso? Será que Deus está exigindo que os filhos abandonem os pais depois de se casarem?
Obviamente que não, pois o cuidado dos pais na sua velhice é uma
das formas de se obedecer ao quarto mandamento – "Honra ao teu
187
Alma Nua
pai e à tua mãe".19
O deixar aqui implica em não depender mais dos pais, nem material, nem psicológica, nem espiritualmente. O deixar pressupõe a
maturidade dos nubentes para a formação de uma nova estrutura
familiar que precisa ter vida própria para se desenvolver saudavelmente.
Alguém que se casa, mas não corta o cordão da dependência
emocional (Às vezes são os pais que não cortam, no entanto é
mais grave quando os filhos não cortam), diante de qualquer dificuldade no seu relacionamento conjugai abriga-se nos pais fugindo assim do confronto que é indispensável na vida a dois. Com o
passar do tempo a situação só faz agravar-se, promovendo a quebra do primeiro compromisso da aliança conjugal.
Há casos de filhos imaturos que se casam, geralmente não seguindo os passos dessa Aliança, iniciando-a pelo terceiro compromisso que é tornar-se uma só carne, e, como conseqüência, abandonam o cônjuge - alguns até os próprios filhos - e voltam para
debaixo das asas dos pais. Por não terem deixado os pais, não conseguem unir-se ao cônjuge, e o tornar-se uma só carne é a única
coisa que os prendem, mas por ser um vínculo muito fraco, logo se
desfaz. Não conseguiram romper o cordão que os prende aos pais,
pois ainda se nutrem desse relacionamento.
A criança no ventre materno está numa situação ideal de calor,
proteção, alimento, etc. Quando ela rompe a madre entra num
mundo hostil que começa a agredi-la. O cordão umbilical tem de
ser cortado porque agora ela irá se nutrir de forma diferente. No
entanto ela sai de uma bolsa e entra em outra bolsa que é o cuidado e a proteção dos pais. Ela vive até a adolescência usufruindo
desses cuidados paternos. Quem não se lembra com saudade dos
anos dourados da adolescência? Vivíamos com a cabeça nas nuvens. Tive uma infância e adolescência bem pobre, mas que tempo
bom foi aquele, como nos divertíamos sem nenhuma preocupação
com contas, ou com o que quer que seja. Estávamos ainda no segundo útero.
O final da adolescência é um período de turbulências porque
começamos a sentir novamente as dores do parto, não mais de um
188
O Princípio da Integridade
bebezinho mas de um adolescente que está rompendo com a bolsa de proteção dos pais para entrar na Vida adulta. Um novo cordão tem de ser rompido para que o jovem aprenda a andar pelas
próprias pernas. Por isso, o primeiro passo para alguém caminhar
em direção ao matrimônio não é a intimidade sexual com alguém
de quem se enamorou, mas deixar pai e mãe. Não no sentido geográfico, indo morar em outra cidade, ou mudando-se de casa,
mas no sentido de dar demonstrações de sua autonomia, tanto
material como espiritual e psicológica. Muitos não amadurecem,
continuam numa eterna adolescência, e por isso não conseguem
deixar pai e mãe. Vivem o que Dan Kiley chama de síndrome de
Peter Pan.
O segundo compromisso é: Unir-se ao cônjuge
Eu diria que é praticamente impossível unir-se sem deixar pai e
mãe. Existem casamentos que se iniciam com um pé no fracasso,
pois não conseguem unir-se, a começar com as questões financeiras. Casam com tudo muito definitivamente separado. Contas separadas, bens separados, interesses separados, objetivos de vida
separados. Alguns querem se casar até mesmo com a vida espiritual separada (casamento misto20), ou seja, cada um com a sua
proposta de fé. Casamento de verdade é fusão, é unidade, é interação, é formação de uma nova identidade, não mais individualizada, mas corporativa. É uma doação ao outro, é um negar-se a si
mesmo. É querer mais servir do que ser servido.
U que está prevalecendo em nossos dias é um exacerbado individualismo que tem levado as pessoas a se voltarem para dentro e
se descartarem muito facilmente do outro. Alvin Toffler chama este momento de era do descartável, ou da morte da permanência. É
a era do lenço yes, coador melita, caneta bic. Usa-se e joga-se fora.
O mesmo está acontecendo nos relacionamentos humanos. Muitos
não querem e não conseguem unir-se, pois são auto-centrados e
não conseguem se doar.
É esse tipo de individualismo acachapante que tem produzido
toda forma de desunião ou de destruição do compromisso de unirse. Agressões verbais, agressões físicas, maus tratos, abusos, a189
Alma Nua
bandono, são conseqüências inevitáveis da quebra desse segundo
do compromisso da aliança conjugal.
O terceiro compromisso é: Tornar-se uma só carne
A palavra casamento é derivada de acasalamento, mostrando
assim que a intimidade sexual é parte integrante e vital da aliança
conjugal. Haverá quebra da aliança conjugal se qualquer dos cônjuges se negar a ter intimidade sexual. Existe uma orientação claríssima neste sentido nas Escrituras dada pelo apóstolo Paulo em
1Co 7.1-5:
"Quanto ao que me escrevestes, é bom que o homem não toque em
mulher; mas, por causa da impureza, cada um tenha a sua própria esposa, e cada uma, o seu próprio marido. O marido conceda à esposa o
que lhe é devido, e também, semelhantemente, a esposa, ao seu marido. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim o marido; e também, semelhantemente, o marido não tem poder sobre o seu
próprio corpo, e sim a mulher. Não vos priveis um ao outro, salvo
talvez por mútuo consentimento, por algum tempo, para vos dedicardes à oração e, novamente, vos ajuntardes, para que Satanás não vos
tente por causa da incontinência."
Se um dos cônjuges se negar, terminantemente, a manter relações sexuais alegando não gostar ou não ter prazer, ou qualquer
outro motivo, a não ser que alguma enfermidade o impeça de manter a intimidade sexual, o cônjuge rejeitado deverá orientar o outro na busca de ajuda terapêutica. Caso aquele não queira ajuda
ou que a busque relutantemente sem se abrir para um tratamento
adequado, o casamento não terá condições de ser mantido, pois
um dos compromissos da aliança conjugal está quebrado. A não
ser que o cônjuge rejeitado queira manter estoicamente o relacionamento conjugal em total abstinência sexual. Conheço situações em que um dos cônjuges não quer intimidade sexual mas
quer manter o casamento por amar o outro e, por reconhecer a
própria dificuldade na área sexual e a necessidade do outro, sugere que este busque relacionar-se sexualmente com outras pes190
O Princípio da Integridade
soas. Esta é uma proposta indecente, totalmente indigna de um
verdadeiro discípulo de Jesus.
É interessante ainda de se observar que os compromissos da aliança conjugal estão colocados numa determinada ordem que não
deve ser alterada. O primeiro é deixar pai e mãe. O segundo é unir-se ao cônjuge. O terceiro é tornar-se uma só carne. A aliança
matrimonial deve ser firmada nesta ordem. Alterar a ordem só trará prejuízos ao casamento.
Quantos casais carregam problemas enormes por terem iniciado o seu casamento tornando-se uma só carne. É muito importante
ressaltar aos jovens que Deus não estabeleceu esta ordem para infernizá-los ou tirar-lhes o prazer, mas para protegê-los de si mesmos, de seus corações enganosos e egocêntricos. Protegê-los de
uma união precipitada baseada apenas na paixão sexual. Não seguir os passos da aliança conjugal é não ter o temor do Senhor,
que é o princípio da sabedoria. Conduzir a vida conjugal fora do
temor do Senhor é loucura redobrada e total insensatez que certamente produzirá os frutos de um casamento fracassado.
Fica assim evidente que a quebra de qualquer dos três compromissos da aliança conjugal possibilita o divórcio, e, conseqüentemente a liberdade para um novo casamento, desde que seja
no Senhor, isto é, na fidelidade ao Senhor obedecendo a seqüência
dos compromissos da aliança conjugal.
Precisamos entender também que a enfermidade de um dos
cônjuges que o impossibilite de privar da intimidade sexual não
se constitui em quebra da aliança conjugal e, portanto, não pode
ser usada como argumento pelo outro para requerer o divórcio. O
verdadeiro pacto do casamento deve deixar claro que os compromissos firmados devem ser mantidos tanto na saúde como na
doença, na fartura ou na necessidade, no emprego ou no desemprego.
Alguns irmãos sinceros e zelosos, por verem o casamento nos
dias de hoje ser tratado tão levianamente, ensinam que o divórcio
e novo casamento não devem existir sob qualquer hipótese. Ensinam que até mesmo que alguém que já foi casado várias vezes e se
converteu deverá voltar para o primeiro cônjuge. Se não for possí191
Alma Nua
vel, por não ser aceito, então deverá manter-se sozinho por causa
do Reino. Entendo o zelo dos que assim ensinam, pois visam ressaltar a seriedade do casamento perante Deus. No entanto é uma
posição sem a devida fundamentação bíblica que deixa de encarar
certos fatos, e que, também, comete muitas injustiças, incorrendo
ainda no erro de ensinar que se alguém se casar, nas situações acima expostas, comete adultério e os adúlteros não podem herdar o
Reino de Deus, e, portanto, cai da graça e está perdido.
Os que pensam ser possível alguém "cair da graça" raciocinam
em termos da perseverança ser causa da salvação e não resultado.
Conseqüentemente a salvação acaba sendo uma obra humana e
não divina, pois no fundo é o homem que está se salvando pela sua
perseverança. O argumento dos que defendem tal posição é que a
cláusula de exceção mencionada por Jesus em Mateus 5.32 e 19.9
refere-se ao casamento ainda não consumado, quando o noivo, na
noite de núpcias descobre que a sua noiva não é virgem, por ter
encontrado nela "coisa vergonhosa".21 Então os pais teriam que
apresentar os lençóis da noite de núpcias com as provas de sua virgindade, caso contrário ela seria apedrejada.
No entanto, está sobejamente documentado que nos dias de Jesus o apedrejamento, em casos de adultério, já eram raríssimos,
pois estando sob o domínio dos romanos os povos conquistados
não podiam aplicar suas próprias leis de pena de morte.22 Por isso,
é bem evidente, que Jesus estivesse falando de uma infidelidade
conjugal depois de casados e não antes.
Outro argumento é a afirmação de Jesus: "Nem todos são aptos
para receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é dado.
Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus".23
Esta afirmação de Jesus foi feita em resposta ao questionamento daqueles que disseram ser melhor então para o homem não se
casar, se não pudesse se divorciar por qualquer motivo. Tomar esta afirmação como sendo uma determinação d'Ele para aqueles
que se separam permanecerem eunucos é deturpar o que Jesus estava falando. A estupefação dos fariseus prendeu-se ao fato de Je192
O Princípio da Integridade
sus limitar o repúdio à mulher exclusivamente em caso de infidelidade sexual. A objeção não era quanto a não poderem se divorciar e casar novamente, mas a ser isto possível só em caso de
infidelidade da mulher. O que estavam dizendo era: "Se não podemos ser livres para despedir a mulher por qualquer motivo então
é melhor não se casar".
Quando eles falaram em não se casar Jesus lhes disse que esse
era um conceito que nem todos podiam aceitar e então lhes ensina
ser o celibato um dom dado por Deus a alguns e não a todos. Ou
seja, alguns por decisão própria, decidem não se casar para servir
melhor no Reino. Paulo reforça este conceito escrevendo aos coríntios: "Quero que todos os homens sejam tais como também eu
sou; no entanto, cada um tem de Deus o seu próprio dom; um, na
verdade, de um modo; outro, de outro. E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque
é melhor casar do que viver abrasado".24
Portanto este é um conceito que nem todos são aptos a receber,
mas somente aqueles a quem é dado. Jesus faz esta afirmação sobre celibato desvinculada totalmente da questão de divórcio e novo casamento. Ele apenas estava ensinando que o não se casar é
uma tomada de posição individual e não imposta, e que somente
alguns recebem de Deus a capacitação para fazê-lo. Impor o celibato aos separados que não conseguem reatar com o cônjuge original, como necessidade de manter-se no Reino, é cometer o
mesmo absurdo que Jesus mencionou quanto aos que foram tornados eunucos por força de outros.
É muito importante também analisarmos o texto de Romanos 7,
onde Paulo faz uma analogia do casamento para ilustrar a nossa
morte para o domínio da lei:
Porventura, ignorais, irmãos (pois falo aos que conhecem a lei), que
a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Ora, a mulher
casada está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se o
mesmo morrer, desobrigada ficará da lei conjugal. De sorte que será
considerada adúltera se, vivendo ainda o marido, unir-se com outro
193
Alma Nua
homem; porém, se morrer o marido, estará livre da lei e não será
adúltera se contrair novas núpcias. Assim, meus irmãos, também
vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para
pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos, para que frutifiquemos para Deus" (Rm 7.1-4).
O que percebemos aqui é Paulo fazendo uso da lei de indissolubilidade do casamento para ilustrar a nossa posição de liberdade
do domínio da lei conquistada pela morte de Cristo. Certamente
esta é a lei maior do casamento, a sua indissolubilidade. No entanto precisamos encarar este texto relacionando-o com todos os outros.
A lei de trânsito estabelece a proibição de se atravessar o sinal
vermelho. Esta é uma lei claríssima e ninguém tem qualquer dúvida sobre ela. Entretanto a lei não entra no mérito das diversas exceções:
• Caso você esteja carregando alguém que precisa de socorro
urgente, olhe para os lados, procure se certificar se há segurança e atravesse o sinal vermelho indo em direção do socorro necessário.
• Ou, caso esteja às, 02h00min. da manhã, numa região muito
perigosa, não fique parado no sinal vermelho. Observe bem o
movimento e atravesse o sinal com segurança.
Em todo o tempo a regra geral continua a ser: Não atravesse o
sinal vermelho. Assim também é no assunto divórcio. Em todo
tempo a regra geral é: Não se divorcie. Deus odeia o repúdio e,
portanto, não é a sua vontade a separação.
Um outro fato interessante que comprova a aceitação de Jesus
de outros casamentos é o seu diálogo com a mulher samaritana,25
quando chama de maridos a todos com quem ela se casou anteriormente, reconhecendo assim a legitimidade daqueles casamentos.
Só não reconheceu como marido àquele com quem ela estava vivendo no momento, por não estarem, por alguma razão que não dá
para sabermos, devidamente casados. É bem pouco provável que
ela tivesse ficado viúva cinco vezes.
194
Capítulo 12
O Princípio
do Testemunho
"Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça,
porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois quando,
por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo,
disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai,
porque é grande o vosso galardão nos céus;
pois assim perseguiram aos profetas
que viveram antes de vós". (Mt 5.1 0-12)
Chamo a este princípio de "Princípio do Testemunho" por se
tratar do posicionamento que, cada um de nós, como cristãos, precisamos tomar diante da injustiça, diante do desvirtuamento da
pessoa de Jesus e também diante do engano, da mentira, da falsidade, etc. O genuíno cristão não pode se calar, pois ele é chamado
a testemunhar. Disse Jesus aos primeiros discípulos: "...mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria
e até aos confins da terra".1
O mesmo poder é derramado sobre todos aqueles que se rendem ao governo de Jesus, capacitando-os assim a testemunhar.
No entanto, é bem importante frisar que o texto diz ser bemaventurado aquele que é perseguido por causa da justiça e não por
causa da "estultícia". A bem da verdade existem muitos crentes
que são perseguidos por causa de sua estultícia, que é o mesmo
que tolice, ou insensatez.
Lembro-me de um caso bem ilustrativo de estultícia ocorrido
na cidade de Ouro Preto-MG. Uma determinada família muito rica e muito mística estava vivendo um grande drama com a doença
incurável de um filho adolescente. Eles já haviam levado em sua
casa todo tipo de curandeiro e ninguém resolvia o problema. De195
Alma Nua
cidiram então chamar um certo pastor daquela cidade, conhecido
pela fama de realizar milagres. Chegando à casa daquela família o
pastor se deparou com ídolos de todos os tipos espalhados pela
casa. Ele foi logo decretando a quebra de todas aquelas imagens
para que ele pudesse orar livremente pela cura da criança. Os pais
prontamente quebraram aqueles ídolos na esperança de verem a
cura do filho amado. Então, o pastor orou piedosamente decretando a cura da criança, que depois de 15 dias estava morta e os
pais na justiça contra ele, querendo ser ressarcidos dos prejuízos
da quebra de ídolos caríssimos, importados de várias partes do
mundo.
Diante do seu rebanho, aquele pastor começou a se defender
dizendo-se perseguido por causa da justiça ou do evangelho. Mas,
na realidade, ele estava sendo perseguido por causa da sua estultícia. Que Deus pequeno ele tinha! Por que não poderia orar no
meio daquela idolatria? De que adianta levar as pessoas a quebrar
ídolos de pau ou de pedra, ou de qualquer outra coisa, se eles primeiramente não os destruir no coração? Temos, assim, aqui um
caso bem explicativo de uma perseguição, não por causa do evangelho, ou de Jesus, ou de qualquer posicionamento justo, mas por
causa de uma tolice muito grande.
Logo, é bem-aventurado aquele que toma posição ao lado de
Jesus, ao lado da verdade, ao lado da justiça. Em outras palavras,
perseguido por causa da justiça é aquele que está pronto a se comprometer verbalmente acerca de sua fé em Cristo, assumindo todas
as implicações desse posicionamento. Conseqüentemente este
princípio tem a ver com o ministério que Jesus entregou a todos os
seus discípulos.
Você já foi chamado para o ministério?
Muitas vezes faço esta pergunta e fico aguardando as mãos levantadas no auditório. Uns poucos levantam as mãos. Faço uma
cara de surpresa e me dirijo ao pastor da igreja onde estou ministrando:
- Meu querido irmão, eu pensei que você havia me convidado
para falar a crentes, mas, pelo que vejo a maioria aqui ainda não
se converteu.
196
O Princípio do Testemunho
Aí, então, faço uma brincadeira:
- Muito bem, vejamos se todos conhecem o texto que vou iniciar.
Se conhecerem, falem comigo: "E, assim, se alguém está em Cristo..." Geralmente todos falam comigo o resto do versículo, mas param em "eis que se fizeram novas". É como se fosse uma verdade
completa, desligada totalmente do seu contexto. A grande maioria
não tem a mínima idéia do que vem depois. Eu fico esperando e
nada acontece, então eu declamo o resto da declaração de Paulo:
- E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as cousas
antigas já passaram; eis que se fizeram novas. Ora, tudo provém de
Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos
deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte
que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse
por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus.2
Preste muita atenção, meu irmão, se você já foi reconciliado
com Deus através da morte substitutiva de Jesus, então você já é
uma nova criatura, pois já foi colocado em Cristo. E, se isto é um
fato em sua vida, também é um fato que Ele lhe confiou uma tarefa ou ministério. Ele lhe entregou uma credencial de embaixador
do seu Reino, para você, que já experimentou a reconciliação, passar agora a promover a reconciliação de outros com Ele. Que ministério fantástico!
Outro texto muito importante é Mateus 28:18-20 onde Jesus,
quase se despedindo dos discípulos, lhes entrega a chamada Grande Comissão: "Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a
autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas
que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias
até à consumação do século".
Nem Gengis Khan, nem Nabucodonoso, nem Alexandre Magno, nem Júlio César, nem George W. Bush, nem qualquer outro
monarca, em nenhum momento da história, fizeram uma afirma197
Alma Nua
ção tão ousada como esta feita por Jesus: "Toda autoridade me foi
dada no céu e na terra". Ou aquele simples carpinteiro de Nazaré
sabia o que estava falando, ou era o maior lunático que já viveu
até hoje. Mas, por causa daquela afirmação homens deram suas
vidas e continuam a dá-las para cumprirem a tarefa entregue por
Ele.
Reiterando o que já abordamos nos capítulos 7 e 8, os verdadeiros discípulos de Jesus são movidos por uma profunda fome de
obediência. Aliás, a meu ver, são duas as principais marcas de um
verdadeiro discípulo: Fome de obediência e genuíno arrependimento. Isto porque, mesmo anelando por obedecer, o discípulo falha, e quando isto acontece, seu coração se derrama em arrependimento sincero. Sendo assim, a Grande Comissão não foi dada
apenas àqueles primeiros discípulos, mas a todos os que vão se
tornando Seus discípulos. E, é muitíssimo importante prestarmos
uma atenção cuidadosa na ordem deixada por Jesus, pois a mesma
tem sido desvirtuada. A igreja através da história tem perdido o
foco no "fazer discípulos", descambando para o "fazer convertidos" e muitas vezes, até mesmo, para o "fazer prosélitos".
Quando a igreja se atrelou ao Império Romano, através da
"conversão" de Constantino, em 313 d.C, dentro de pouco tempo a
fé passou a ser imposta aos povos conquistados pelo poderoso império. Houve assim muita adesão religiosa e não conversão e discipulado. Como foi que o "evangelho" chegou em terras brasileiras? Através das botas do soldado português, numa desumana dominação dos escravos africanos e dos índios. Vemos assim que
muitos povos foram cristianizados na "marra".
A reforma do século XVI e o movimento pietista resgataram a
verdade bíblica da conversão individual. E, percebemos assim, nas
igrejas chamadas reformadas e evangélicas uma preocupação com
a evangelização e também com o discipulado dos convertidos. No
entanto, a partir de certos movimentos de avivamento e da conversão em massa de verdadeiras multidões, perdeu a percepção do
que seja "fazer discípulos" e não meros convertidos.
Outro fator determinante que desatrelou a conversão do discipulado foi separar fé ou crença de obediência. Muitos não perce198
O Princípio do Testemunho
beram que a obediência ou fome de obediência é a maior evidência de uma pessoa genuinamente convertida. Passaram a ensinar
que a ênfase na obediência era um tipo de obra que invalidaria a
graça.
Essa disputa continua até hoje em muitos lugares, principalmente nos EUA onde é conhecida como a "controvérsia do senhorio". Um livro muito importante que, a meu ver, deu início à polêmica entre os evangélicos americanos, a partir de sua publicação
em 1988, foi O Evangelho Segundo Jesus Cristo de John MacArthur Jr., no qual defende que só existe conversão genuína quando
nos redemos a Jesus como Senhor e não apenas como nosso Salvador. Do outro lado, levantou-se Charles Rvrie e Zane Hodges
com o seujivro Absolutely Free (Inteiramente livre), ainda não traduzido em português, defendendo a "aceitação" de Jesus como
Salvador como a única exigência para alguém ter a garantia da
salvação eterna, bastando confiar n'Ele, ou seja, no seu papel de
removedor da culpa, sem nenhuma obrigação de segui-lo.
A posição arminiana na busca de produzir uma fé mais responsável tem laborado no erro de colocar a obediência ou perseverança do salvo como condição da salvação. Esta maneira de ver a salvação invalida a graça, pois no final é o próprio homem quem está
se salvando. No entanto, a posição dos reformadores Lutero, Calvino, Zwinglio e tantos outros é clara: A perseverança ou fome de
obediência é fruto e não causa da conversão. Assim afirmamos
com Calvino que o salvo irá perseverar; que o salvo irá produzir
frutos genuínos de arrependimento.
Homens como Finney, Moody, Biüy Sunday, e mais recentemente Billy Graham, que deram início às famosas "Séries de Conferências Evangelísticas" ou "Cruzadas Evangelísticas" acabaram
gerando, sem querer, conversões ao Céu, mas não ao governo de
Jesus. Percebemos assim, muitas igrejas evangélicas, pessoas que
se intitulam "salvas" mas sem nenhuma fome de obediência. Deveríamos duvidar da conversão dos tais, pois nunca, de fato, se
renderam a Jesus como Senhor. Tais pessoas são impossíveis de se
discipular, pois não querem nenhum tipo de compromisso ou governo sobre elas. Continuam autônomas, vivendo como bem en199
Alma Nua
tendem, acreditando terem a garantia de ir morar no Céu com Jesus, pois um dia O "aceitaram", num apelo emocionante, e vieram
à frente, e depois de algum tempo foram batizadas e seu nomes foram escritos no Livro da Vida, onde não existe borracha que apague.
A parábola do semeador deverá nos ajudar a compreender devidamente esta questão ao nos mostrar as diferentes reações das
pessoas ao evangelho:
"Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à
beira do caminho, e, vindo as aves, a comeram. Outra parte caiu em
solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra. Saindo, porém, o sol, a queimou; e, porque não tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a
sufocaram. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um" (Mt 13.3-8).
Os diferentes tipos de solo foram usados por Jesus para ilustrar
as diferentes reações das pessoas ao evangelho.
A primeira reação é de Indiferença. Esta é a reação daqueles,
cujos corações são definidos por Jesus como "beira do caminho".
Helmut Thielicke descreve magistralmente os "homens caminho" dizendo que certamente o caminho não é destinado a receber
semente, mas sim, dar passagem às pessoas:
"É endurecido por ser muito pisado, e, geralmente, é bem liso.
Assim como existem as estradas asfaltadas, existem também os
corações asfaltados. Sua lisura é impecável. Têm um papel importante nas relações sociais. Estradas e ruas, geralmente costumam
ter nomes. É preciso conhecer os nomes das ruas e estradas para se
saber onde estamos indo. Assim também, há pessoas que se devem
conhecer, como as ruas, para se alcançar certos objetivos. São aqueles que estão em postos chaves, e, por sua influência pode-se
atingir o alvo. Isto é bom e está em ordem. Não se pode culpar
uma pessoa por ser influente, assim como ninguém culpará um
caminho por não ser lavoura e sim terra dura. Mas, o que por um
200
O Princípio do Testemunho
lado parece vantagem, por outro pode ser um obstáculo. Acontece
que na estrada movimentada e repisada, dificilmente poderá crescer qualquer semeadura. A pessoa que é apenas caminho pelo qual
passa o movimento diário, que nunca experimenta um pouco de
quietude, pois o tráfego é incessante, dificilmente verá crescer em
si a semente eterna. Quem não tem condição de ser lavoura por
uma horinha que seja, que não suporta ser arado, ficando a espera
que Deus lance Sua semente nos sulcos, em princípio já perdeu o
jogo. Movimento e agitação não permitem Deus trabalhar na vida.
Coitados dos "homens e mulheres caminho". Só se encontra neles
alguns "tufos" de capim nas rachaduras do asfalto".3
A segunda reação é de entusiasmo superficial, ou como costumamos chamar de "fogo de palha". A semente que caiu sobre a
pouca terra, tendo uma rocha por baixo. A impressão que temos
deste grupo de pessoas é um tanto mais favorável. A princípio
quando aceitam a mensagem da Palavra de Deus ficam cheias de
entusiasmo. Falam da forte emoção que sentiram; e, aqueles que
lhes são mais chegados, chegam a acreditar que, de fato, se converteram. Mas, não demora muito e o fogo acaba. O coração, que
parecia tão abrasado, parece agora um gelo de indiferença e frieza.
Como pode acontecer isto?
Na maioria dos casos, trata-se de um cristianismo meramente
emocional. Quando alguém diz que determinada pregação muito o
emocionou, é de se suspeitar que tenha sido só na pouca terra que
está sobre a rocha do coração endurecido, ou seja, na periferia de
suas emoções. Porque onde a Palavra realmente atinge a alma, ali
haverá morte e quebrantamento, ali se descerá às profundidades, e
ali haverá renascimento. Mas, primeiro haverá muita dor de parto,
antes que a vida nova irrompa. Haverá de se cortar muitos cordões
e não apenas um.
Quando há apenas entusiasmo, pode ser que este foi o resultado
da retórica do pregador, ou, quem sabe, do clima emocional da reunião. A Palavra de Deus, porém, não é um encanto para os ouvidos, mas "uma marreta que esmiúça a rocha".4 Quem não sai com
marcas profundas não pense que foi alcançado, pois entusiasmo é
201
Alma Nua
quase sempre "fogo de palha".
A rocha por baixo da pouca terra não permite que a semente
penetre em seu interior. O coração pedregoso, portanto, é aquele
em que a Palavra não penetra profundamente. Isto acontece quando o interesse real não é a pessoa de Jesus. Muitos querem apenas
as Suas bênçãos, mas não Ele mesmo.
Não há nada mais gratificante do que encontrar cristãos que realmente foram transformados pelo poder de Deus, cujas vidas evidenciam que o arado sulcou fundo. Mas não há coisa pior do que
encontrar aqueles que apenas foram "tocados de leve". São verdadeiros agentes de decomposição do Reino. São aqueles que diante
das primeiras rajadas ou do primeiro troar de canhão fogem espavoridos. São os que, segundo Jesus, em vindo as tribulações e dificuldades escandalizam-se com a Palavra. Jesus não é o que esperavam, pois não lhes solucionou o problema do jeito que queriam
e, por isso, O abandonam.
Uma terceira reação mostrada na parábola é de aceitação parcial. A semente que caiu entre os espinhos. "Homens espinho" são
aqueles em cujo coração brotam outras coisas além do Evangelho
do Reino. Deus não é a paixão de suas vidas. Existem muitos outros interesses competindo com Deus e vencendo, chegando mesmo a sufocar aquele interesse que parece ter existido por Deus.
Os "cuidados do mundo" e a "fascinação das riquezas" são os
ídolos do coração. São aquelas coisas que acabam tomando o lugar
de Deus. São as "cisternas rotas" a que se refere Jeremias.5 Devemos estar atentos à exortação de João em sua primeira epístola:
"Não ameis o mundo, nem as coisas que há no mundo. Se alguém
amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo o que há no
mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a
soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o
mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que
faz a vontade de Deus permanece eternamente" (1Jo 2.15-17).
Lucas, no relato desta parábola6, afirma que a semente nasceu,
cresceu e frutificou, mas o fruto não amadureceu. Esta parábola
202
O Princípio do Testemunho
nos alerta para a "fascinação das riquezas" e os "cuidados do mundo, como agentes sufocadores da divina semente.
Todos nós sabemos que vacina é um pouco da doença que se
inocula no organismo para que este crie anticorpos contra a doença. A fé cristã não pode ser recebida em pequena dose, senão acaba se tornando em vacina que cria anticorpos contra.o evangelho.
O evangelho de Jesus precisa ser recebido integralmente, ou seja,
precisamos pegar toda a "doença", caso contrário criaremos anticorpos resistentes à fé cristã. É isto que observamos nas reações
que vimos até agora.
Finalmente, nos deparamos com a última reação que é aceitação plena. A semente que caiu na boa terra. Esta frutifica a cem,
sessenta e trinta por um. Aqui se trata das pessoas que não apenas
ouvem, mas que retém a Palavra. A palavra "compreender" é usada aqui no sentido de "reter" ou "apreender", ou "segurar". Tratase daqueles que rasgam o coração, permitindo assim ao arado fazer sulcos profundos em suas vidas. E, lá no fundo a semente penetra e produz frutos em abundância. Genuínos frutos de arrependimento, pois o ser inteiro é tocado e o caráter é transformado.
Percebe-se claramente que apenas esta quarta reação é vista
como conversão genuína. Jesus está demonstrando nesta parábola
que as demais reações não devem ser entendidas como entrada no
Reino. Portanto, genuína conversão, tem a ver com os resultados
visíveis de transformação do caráter, senão não houve conversão,
apenas adesão religiosa, ou profissão de fé, separada do fruto que
é obediência.
A parábola do semeador é a melhor interpretação para o difícil
texto de Hebreus 6.4-8:
É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e
provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito
Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os Poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia. Porque a terra que absorve a
chuva que freqüentemente cai sobre ela e produz erva útil para aque203
Alma Nua
les por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus;
mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldição; e o seu fim é ser queimada."
Na segunda reação a que chamamos de entusiasmo superficial
ou "fogo de palha", e, na terceira, aceitação parcial, a pessoa foi
"iluminada", "provou o dom celestial", "participou do Espírito
Santo", "provou a boa palavra e os poderes do mundo vindouro".
No entanto tal pessoa, segundo a parábola, não pode ser chamada
de "filho do Reino", ou "nascido de novo".
A declaração: "e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los
para arrependimento, visto que estão crucificando para si mesmos
o Filho de Deus expondo-o à ignomínia", não se refere a qualquer
tipo de pecado, mas ao abandono de Jesus. O "caíram" se refere ao
abandono de Jesus e retorno ao judaísmo, rejeitando-o assim como
o Messias. Era o que estava acontecendo com muitos judeus cristãos, que, devido a perseguição e também pressão dos familiares,
estavam voltando ao judaísmo; o que implicava na volta aos sacrifícios de animais, e, conseqüentemente na rejeição de Jesus como
o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo".
Devemos tomar a parábola como explicação dessa atitude, não
só dos judeus que estavam voltando atrás, mas também daquelas
pessoas que "aceitaram" o evangelho num entusiasmo superficial
ou que o aceitaram parcialmente. Tais pessoas acabam se tornando
impermeáveis a posteriores ações do Espírito Santo. Será que deveríamos chamar tais pessoas de "crentes temporários"? Teriam
perdido a salvação? Não, pois nunca a tiveram. Devemos lembrar
as palavras de João em sua primeira epístola: "Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido
dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram
para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos".7
É muito comum, nas salas de aconselhamento, depois de uma
Cruzada Evangelística, os conselheiros, devidamente treinados,
apresentarem ao decidido as bênçãos decorrentes de sua "aceitação" de Jesus. Entre elas destaca-se a segurança de agora pertencer
a Jesus para sempre "pois ninguém poderá arrebatá-lo de Suas
204
O Princípio do Testemunho
mãos", numa leitura parcial de João 10.28 – "Eu lhes dou a vida
eterna; jamais perecerão eternamente, e ninguém as arrebatará de
minha mão". Ler apenas o verso 28 para dar certeza ao decidido é
fazer uma certa manipulação das Escrituras, pois o contexto próximo é fundamental. Jesus disse: "As minhas ovelhas ouvem a
minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida
eterna; jamais perecerão eternamente, e ninguém as arrebatará de
minha mão".
Agora sim, é possível entender o que Jesus estava falando. As
"minhas ovelhas" têm três características:
• Elas ouvem a minha voz;
• Elas são conhecidas por mim;
• Elas me seguem.
A essas ovelhas que têm estas características, é que Ele promete a segurança de estarem em suas mãos, donde ninguém pode arrebatá-las. No entanto, encontro pessoas que se dizem salvas, mas
que não dão ouvidos a Jesus e que tampouco o seguem. Tais pessoas não deveriam ter tanta segurança, pois Jesus disse que é pelo
fruto que se conhece a árvore.
Sendo assim, afirmamos que a salvação não é fruto da perseverança, mas que a perseverança é fruto da salvação. O salvo irá perseverar.
Como entender então Mateus 24.13: "Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo"? Esta é uma linguagem fenomenológica, ou seja, uma linguagem de observação do que vemos
acontecer externamente. É como dizemos: O sol se põe, o sol nasce. O que conseguimos observar com os nossos olhos é o movimento do sol e não da terra. No entanto, sabemos que é a terra que
se move em torno do sol. Não se podia esperar que Josué dissesse:
"Terra pare de se movimentar".
Ele usou uma linguagem fenomenológica: "Sol, detém-te em
Gibeom".8
O que observamos é a pessoa perseverando, no entanto, é dentro dela, pela capacitação do Espírito Santo, que acontece a perse205
Alma Nua
verança como fruto da vida de Deus. É o mesmo com a expressão:
"Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida".9
Talvez a ilustração mais apropriada seja a do aborto. Qual família que contabiliza como filho um caso de aborto. Depois do
nosso quarto filho Rodrigo, quando estávamos mudando para Belo
Horizonte, Déa estava no quinto mês de gestação. Não sabemos as
causas que provocaram aquele aborto. Era mais um menino. Seria
o quinto na série de homens que Deus nos deu. Só depois é que
veio a Luciana. No entanto, nós não computamos aquele quinto
como filho. Nós nunca falamos que temos seis filhos, ou que tivemos seis filhos. E, percebo, que é assim com todas as famílias.
Por quê? Porque aquele foi um fruto que não amadureceu.
Ao dizer que não computamos um aborto como filho, estaríamos com isto dando apoio a realizar-se um aborto, por não estar
devidamente maduro? Logicamente que não. Ninguém tem o direito de interromper a vida. Só estou me utilizando de algo que
pode ilustrar muito bem o que poderíamos chamar de crentes abortivos, ou seja, que não amadureceram e, portanto, não vieram à
luz. No dizer de João 15, estavam na Videira, mas não frutificaram, por isso foram cortados. Eles perderam a salvação? Não, pois
nunca a tiveram.
Provavelmente, a nossa dificuldade é que pensamos na conversão como um ato. No "levantar da mão" a pessoa foi regenerada.
Pode ser, no entanto, que a conversão, seja mais um processo, como a gestação, até a criança vir à luz, até o novo nascimento. Só
então, quem nasce de novo, disse Jesus, é que pode ver o Reino de
Deus.
A ordem de Jesus foi: "fazei discípulos". E tal ordem é explicitada no versículo seguinte, ou seja, no como fazer discípulos.
Quase sempre, nas escrituras, um verbo no imperativo é seguido
por um verbo no gerúndio, estabelecendo assim o como se obedece a ordem. A ordem clara foi: "fazei discípulos", e o como
foi: "batizando-os" e "ensinando-os a guardar todas as coisas". É
muito significativa aqui a ordem dos fatores. De um modo geral,
as igrejas evangélicas realizam o batismo do novo convertido
depois de um tempo de freqüência na classe de "catecúmenos.
206
O Princípio do Testemunho
Na realidade, o que praticamos é: "Quem crer e for salvo um dia
será batizado".
Por que será que não praticamos o "quem crer e for batizado
será salvo"? O argumento mais plausível é o de que hoje o contexto é bem diferente dos dias da igreja nascente. Naqueles dias era
possível praticar o batismo junto com a conversão, mas hoje não,
pois não estamos num contexto de perseguição, quando os que se
apresentavam para o batismo estavam pondo a cabeça a prêmio, o
que não se dá hoje, sendo o batismo, em muitos casos, até um ato
de promoção social junto ao grupo, tornando assim necessário um
bom tempo de avaliação da conversão.
Aparentemente, tal argumento convence, mas, na realidade, o
problema é outro. Não tem sido possível batizar imediatamente os
novos convertidos, por serem os tais, frutos de apelos evangélicos
superficiais, onde não se prega o Evangelho do Reino. Não se prega o "negar-se a si mesmo", o "tomar a cruz", o "renunciar a tudo".
Atrai-se o pecador com promessas de melhoria de vida e solução
dos seus problemas, sem confrontá-lo com a questão real do governo de Jesus sobre sua vida. Sendo assim, realmente é uma precipitação batizá-lo no momento de sua "aceitação".
Isto me faz lembrar de um episódio até cômico numa cerimônia
de batismos no rio, feito por uma denominação que batiza os que
se apresentam na hora. Estavam todos os crentes à beira do rio e,
muitos estavam sendo batizados. Ao final, o dirigente voltou-se
para os curiosos, que foram assistir os batismos dos crentes, e perguntou:
- Alguém que está assistindo a estes batismos quer também se
entregar a Jesus e ser batizado?
Estava ali um japonesinho, e os crentes que o rodeavam começaram a insistir com ele. Depois de muita insistência ele resolveu
descer ao encontro do batizador. Foi assim batizado e ao sair do
rio os irmãos se aproximaram perguntando:
- E, então irmão o que é que está sentindo?
- Mais flesquinho nom!
Logicamente não é este tipo de prática que estou defendendo.
O que se pode perceber claramente no Novo Testamento é que a
207
Alma Nua
única forma de apelo que existia era o batismo. Não se convidava
as pessoas a aceitar Jesus levantando a mão ou fazendo uma oração. Hoje, no entanto, como resultado das pregações e apelos evangelísticos, levantar a mão passou a ser uma forma de batismo.
É o que percebemos no testemunho daquele irmão diante da igreja:
- Irmãos, eu fui visitar uma pessoa muito doente no hospital e
tive oportunidade de lhe apresentar o evangelho, mas na hora do
apelo ele não tinha forças nem para levantar a mão. Tive então de
ajudá-lo a levantar o braço para aceitar a Jesus.
Que coisa mais estranha! Até parece que Jesus entra na pessoa
pelo sovaco.
As pregações para as massas devem ser vistas mais como préevangelização. Elas têm o seu lugar, mas os apelos deveriam ser
diferentes.
- Quem gostaria de saber mais sobre Jesus e o perdão de seus
pecados e como entrar para o Seu Reino, venha à frente, ou nos
procure depois desta reunião, para o colocarmos em contato com
alguém que irá evangelizá-lo.
Daí para frente, a pessoa interessada estaria sendo evangelizada, através das implicações claras de seguir a Jesus. Ela não deveria ser tratada como convertida, mas como interessada. Ela está
somente enamorada de Jesus e quer conhecer em que consiste, de
fato, realizar um verdadeiro casamento espiritual e, quais as condições impostas pelo Noivo Celestial. Somente depois de conhecer
o que é "negar-se a si mesmo", "tomar a cruz", "renunciar a tudo"
por amor a Ele é que deveríamos fazer o apelo:
- No dia que você quiser se render incondicionalmente a Jesus
como seu Senhor e Salvador eu o batizarei.
Veja bem, o apelo é para o batismo, é para a entrega total, é para morrer e ressuscitar. E isto que Jesus ordenou que fizéssemos.
"O que faremos irmãos?" Foi a pergunta angustiada daquela multidão que havia rejeitado a Jesus como o Messias e que agora estava tendo os olhos abertos pela pregação de Pedro. A resposta de
Pedro foi: "Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em
nome de Jesus de Cristo para a remissão dos vossos pecados, e re208
O Princípio do Testemunho
cebereis o dom do Espírito Santo".10
Depois do batismo é que se começa a praticar o "ensinando a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado". Aí é que começa
o discipulado. Discipulado não é uma classe de Escola Dominical
para "ensinar todas as cousas" que Jesus mandou. Aliás, aqui é que
se comete um grande erro. Podemos ter classes maravilhosas de
Escola Dominical e ensinar nelas as melhores teologias, mas não
foi exatamente isto que Jesus ordenou que fizéssemos. Ele ordenou que fizéssemos discípulos, batizando-os e ensinando-os a
guardar todas as coisas.
Há uma diferença enorme entre "ensinar todas as coisas" e "ensinar a guardar todas as coisas". Isto tem-nos passado despercebido e é a razão da grande maioria de nós não saber e não praticar o
"fazer discípulos". Acabamos fazendo meros convertidos que jogamos na classe da "catacumba" (catecúmenos não parece catacumba?), e os deixamos lá para que cresçam na vida cristã assimilando o que acharem necessário para o seu crescimento espiritual.
É como deixar o bebê diante da geladeira informando-o de que ali
estão todos os alimentos de que ele precisa.
Pinto de granja tem mãe? O que faz a "galinha caipira" com a
sua prole? Ela os defende e alimenta. Ai de quem mexer com os
seus filhotes! Vai receber boas bicadas. Chamo o nosso sistema de
"chocadeira espiritual". O pinto de granja não tem esse cuidado
maternal, assim também o crente de "chocadeira", não é cuidado
por ninguém, ou melhor, é cuidado de forma generalizada. Ele faz
parte do rebanho. Seu nome está no rol. Mas ninguém tem responsabilidade de acompanhar seu crescimento.
Vamos imaginar uma sociedade em que as crianças são cuidadas numa creche comunitária, desde o seu nascimento. Os que as
geraram só as visitam uma vez por semana, e, mesmo assim, só
podem ter um leve contato com elas, pois afinal de contas, não sabem como lidar com crianças, pois isto é função daqueles que foram muito bem treinados no Seminário de Cuidado das Crianças.
Imagine-se uma vez por semana visitando o seu bebê. Você o vê
de longe, através do vidro. Se você desejar tomá-lo nos braços,
uma enfermeira o trará a você, mas lhe recomendará que seja bre209
Alma Nua
ve, pois poderá prejudicar a criança.
Será que tal sociedade desenvolveria um amor genuíno entre
pais e filhos? Será que os pais se sentiriam responsáveis pelo cuidado dos filhos? No entanto é exatamente isto que fazemos com os
"filhos espirituais''. Mesmo aqueles que foram usados por Deus
para trazê-los a conversão não se sentem responsáveis pelo seu
crescimento. Afinal, isto é responsabilidade daqueles que fizeram
Seminário!
Depois de ter sido impactado pelo livro O Discípulo de Juan
Carlos Ortiz, lá na década de 80, resolvi introduzir algumas de suas idéias na igreja que pastoreava naquela época. Passei a pedir à
pessoa que havia trazido o novo convertido para a igreja que entrasse no batistério e participasse comigo do batismo do seu "filho
na fé". Após os batismos, vínhamos todos para frente, depois de
trocarmos as roupas molhadas, e então eu entregava o novo membro aos cuidados do seu pai ou mãe espiritual deixando bem claro
que ele ou ela seriam os responsáveis pelo novo crente na sua caminhada cristã.
Puxa, que idéia boa! Pode estar alguém pensando. Só que
nunca funcionou. Demorei muito para descobrir onde estava a
falha do meu sistema. Finalmente descobri que estava na classe
da "catacumba". Pois, o sentimento dos que haviam trazido a
pessoa para a igreja era que, estando a pessoa na classe de novos
membros eles não teriam de se preocupar. Alguém estaria lhe
passando os nutrientes espirituais necessários. Bem semelhante à
sociedade que imaginamos, das crianças cuidadas por especialistas.
Muito tempo se passou até que, começando uma nova Igreja,
praticamente do zero, éramos 20 pessoas, resolvi ser mais radical
na minha proposta. Passamos a praticar o "quem ganha é o que batiza", e eliminar totalmente a classe de novos crentes. O discipulador é a classe. Estamos nesta prática há mais de 14 anos e temos
visto o seu funcionamento acontecer de forma maravilhosa. Tivemos de parar com todo tipo de apelo evangelístico e treinar os
crentes a se reproduzirem: E, quando alguém ganha outro para o
Reino ele é quem tem o privilégio de colocá-lo no Corpo de Cristo
210
O Princípio do Testemunho
batizando-o em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e de
cuidar agora de sua alimentação e de todas as suas necessidades
espirituais.
Esta compreensão é decorrente da ordem de Jesus em Mateus
28 18-20: "Toda autoridade me foi dada no Céu e na terra, portanto indo, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas
as coisas que vos tenho ordenado, e eis que estou convosco todos
os dias até a consumação dos séculos".
Se entendermos que esta ordem foi dada a todos, e não apenas
aos doze, então o como se obedece à ordem também tem de ser
para todos. A prática das igrejas de permitir que apenas os pastores batizem é fruto do clericalismo que se instaurou na igreja histórica, e, que, mesmo depois da Reforma permaneceu nos arraiais
protestantes.
Em nossa denominação batista o ensinamento que recebemos
nos seminários é o de que quem batiza é a igreja através daquele
que ela autoriza. Certamente, passou-se a autorizar somente os
pastores para se coibir abusos. Com o passar do tempo, no entanto,
essa prática virou bíblia para muitos, promovendo verdadeiros absurdos, principalmente nos campos missionários onde praticam
mulheres. Os "batizandos", às vezes, aguardam anos para serem
batizados, esperando a visita de algum pastor.
Hoje, quando algum colega de ministério critica a nossa prática
eu respondo cheio de convicção: "Você me critica porque você
não prestou a devida atenção nas aulas de eclesiologia no seminário em que se formou. Um bom seminário Batista ensina com clareza que quem batiza é a igreja, através de quem ela autorizou.
Nós, como igreja, autorizamos a todos os crentes a batizar. Se você é quem levou a pessoa a Jesus, então é você quem deve batizála, pois será você quem irá cuidar dela. Logicamente que tomamos
os devidos cuidados para que as pessoas realizem os batismos dentro dos parâmetros das nossas convicções. Ninguém pode sair batizando sem vincular a pessoa à igreja local, pois, enquanto o batismo no Espírito Santo, ou seja, a sua conversão, a coloca na Igreja Universal, o batismo nas águas a coloca na igreja local, assu211
Alma Nua
mindo aquela família da fé como sua família.
Um outro aspecto muito importante na ordem dada por Jesus é
o tempo verbal de certas palavras chaves. As traduções falham em
colocar o verbo ir no imperativo, pois ele é gerúndio. A tradução
deve ser "indo" e não "ide", "indo fazei discípulos". E, o "indo" é
muito mais forte que o "ide", porque estabelece um modo de viver.
Todos nós que fomos criados ouvindo sempre o "ide", acabamos
achando que só alguns são chamados para ir. A maioria dos crentes sempre pensa que esta ordem de Jesus não diz respeito a eles,
pois nunca "sentiram" nenhuma chamada para ir. No entanto o que
Jesus está dizendo a todos os seus filhos é: "indo" para escola faça
discípulos; "indo" para o trabalho faça discípulos; "indo" para casa
faça discípulos; "indo" para o lazer faça discípulos. Ou seja, em
todo tempo, esteja sintonizado no principal ministério de sua vida
que é fazer discípulos.
Numa classe de novos membros, o pastor pediu que as pessoas
se apresentassem, pois eram desconhecidas umas das outras. E,
geralmente, as pessoas se apresentam falando o nome e o que fazem. E, então, no meio das apresentações: "Eu sou engenheiro",
"Eu sou dona de casa", "Eu sou vendedor", "Eu sou médico", uma
jovem surpreendeu a todos: "Meu nome é Nancy e eu sou uma
discípula de Jesus, habilmente disfarçada de operadora de máquinas".11
Essa apresentação caiu como uma bomba naquela classe levando todos a refletir sobre onde estava o foco central de suas
vidas.
Será que já nos conscientizamos de que na realidade estamos
onde estamos para desenvolvermos ali os interesses do nosso Pai?
Pois, na realidade somos seus embaixadores no local onde trabalhamos e vivemos. Ali é o nosso campo de ação missionária.
Já vimos o como se faz discípulos: batizando-os e ensinandoos a guardar todas as coisas. Quero apenas acrescentar que o "ensinar a guardar todas as coisas" implica em gastar tempo, investir
na vida da pessoa, trabalhar no seu caráter ("...quem furtava não
furte mais, antes trabalhe para que tenha com que acudir ao necessitado", ensinou Paulo em Efésios 4.28), pois as pessoas se
212
O Princípio do Testemunho
convertem, mas trazem consigo todas as mazelas da velha vida. A
conversão não faz desaparecer, de forma mágica, certos hábitos
pecaminosos, senão Paulo não teria de ensinar a não mais roubar.
E o ensino mais eficaz é pelo método da repetição. É através da
repetição que ensinamos as crianças a escovar dentes, pentear os
cabelos, tomar banho, etc. A palavra grega mais usada no Novo
Testamento para ensino é a palavra katekeo, que significa "ensino
por repetição". Portanto, discipulado ou mentoria só pode ser praticado num relacionamento de vida na vida, e não apenas numa
classe de estudo bíblico onde se passa apenas conceitos ou informações.
Na bandeira brasileira, há uma frase muito importante que todos nós brasileiros amamos e respeitamos: Ordem e Progresso. E
na bandeira do discípulo de Jesus existem também uma frase tremendamente importante: Ordem e Promessa. A ordem é: Fazei
discípulos. E a promessa é: Eu irei junto. Jesus nos promete assim
a sua companhia quando nos colocamos no caminho da obediência
do fazer discípulos.
Ouvi certa vez uma pregação brilhante do Pastor Fanini na
qual dizia ser amante da pescaria. Achava realmente emocionante lutar com o peixe até vencê-lo e tirá-lo da água. Mas chegando
em casa dizia para a esposa: "Helga, limpar os peixes é com você".
Jesus nos chamou não somente para sermos "pescadores de
homens", mas também de "limpadores de homens". E nisto que
consiste o "fazer discípulos e não apenas convertidos". O novo
convertido vem cheio de escamas de hábitos pecaminosos que
precisarão ser raspados, e isso é tarefa de quem discípula.
Na mesma pregação, Fanini trabalhou alegoricamente no texto
de Marcos 2.1-12 dizendo que o evangelista Marcos não mencionou o nome dos amigos do paralítico, mas que ele sabia os seus
nomes. Logicamente que uma introdução como esta agarrou a atenção de todos nós. Ele então passou a descrevê-los:
O primeiro chamava-se conversão. Só alguém genuinamente
convertido traz outro até Jesus. Só alguém que já conhece a Jesus
segurará na alça da cama do paralítico para conduzi-lo ao Senhor.
213
Alma Nua
O paralítico não virá pelas próprias pernas; ele precisa de alguém
que o carregue.
O segundo amigo do paralítico era Convicção. Somente aqueles que têm convicção de que Jesus é a única esperança para o paralítico, que Jesus é a única resposta para o coração humano, é que
também segurará na beirada da sua cama para trazê-lo a Jesus. Se
você acha que uma melhor educação, ou um melhor nível de salários, ou um melhor sistema de saúde, ou ainda, um melhor sistema
previdenciário é a solução para o paralítico, você não o trará a Jesus.
O terceiro amigo do paralítico chamava-se Consagração. De
nada adianta você ser convertido e ter convicção de que Jesus é a
única solução para o ser humano, paralítico na estrada da vida, se
você não se consagrar à tarefa de buscá-lo.
O quarto amigo do paralítico tinha por nome Cooperação. Pode bem ser que todos aqueles amigos tenham ido à casa do paralítico para trazê-lo até Jesus e não deram conta porque foram sozinhos, ou seja, isoladamente. Frustrados por não terem conseguido,
encontram-se na casa onde Jesus está ministrando e operando maravilhas. Olharam um para o outro e descobriram que foram lá separados, e então se uniram, e juntos o trouxeram a Jesus. Assim
também precisamos formar grupos de resgate pois sozinhos não
damos conta. Esta é a melhor estratégia para se trazer os paralíticos até Jesus.
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO
O que acontece quando eu me escondo? Quais as conseqüências de não me posicionar verbalmente ao lado de Jesus, ou da verdade, ou da justiça?
Medo
Talvez não devesse dizer que medo seja conseqüência, mas
causa, pois a pessoa se esconde, ou não se posiciona por medo, ou
proteção da imagem. E muito comum isto acontecer. É aquele jovem na escola, que não se declara discípulo de Jesus por medo da
214
O Princípio do Testemunho
reação ou rejeição dos amigos. Pois, ser chamado de "crente" é
bastante pejorativo. Ele tem medo de ser estigmatizado como
"santinho". A sua necessidade de aceitação pelo grupo provoca nele esse medo que o leva a não se posicionar. Isto é verdade também com certos crentes no seu ambiente de trabalho, ou no clube,
ou na vizinhança, pois sabem que se posicionando certamente virá
a perseguição sob diversas formas: gozação ou chacota, ataques a
igreja e tantas coisas mais. É interessante de se observar que uma
pessoa pode declarar-se espírita, ou católica, ou umbandista, ou
Hare Krishna, que ninguém a importunará. Mas quando alguém se
intitula "crente", ou "discípulo de Jesus", logo as barricadas levantam, e a perseguição se estabelece. O termo "evangélico" está tão
aguado que também já não incomoda e não provoca reações de
perseguição.
Vida dupla, ou hipocrisia religiosa
São muitos os cristãos que vivem essa vida dupla. Quando na
companhia de outros cristãos ele é falante, é espiritual, é ousado,
mas sozinho, noutro ambiente,, ele toma a cor do ambiente. É o
famoso "crente camaleão". É semelhante àquele adolescente que é
valentão quando está com a sua turma, mas sozinho é um grande
covarde.
Testemunho nulo
Algumas pessoas defendem-se dizendo que o importante não é
falar, mas viver. Obviamente que a nossa vida tem de estar na vitrine, pois de nada adiantará sermos tagarelas cristãos com uma
vida imunda que anula tudo o que falamos. No entanto, "testemunho" não é apenas vida, é vida mais fala. Conheço ateus que têm
uma vida íntegra e, no entanto não professam nada. Ser uma testemunha é dizer eu vi, eu experimentei, eu conheço, eu fui tocado
pelo amor de Deus.
Esterilidade espiritual
O cristão que não se posiciona, dificilmente se reproduzirá espiritualmente. Poderá ser até um bom religioso, mas nunca terá a
215
Alma Nua
alegria da maternidade ou paternidade espiritual.
RESULTADOS DA VIVÊNCIA DESTE PRINCÍPIO
"Bem-aventurados os perseguidos, porque deles é o Reino dos
Céus".
É o mesmo resultado que vemos na primeira bem-aventurança,
os "pobres de espírito". Os perseguidos" e também os "pobres de
espírito" já estão vivendo o clima do Reino. Deles já é o Reino.
Não lhes é prometido o Reino para amanhã, mas para hoje, pois,
de fato, já o buscam em primeiro lugar, e, por isso, já usufruem da
sua realidade. Deus é o centro de suas vidas e eles O buscam e dependem inteiramente d'Ele. Jesus não é um meio para outros fins,
Ele é o próprio fim. "Eu Sou o Caminho e ninguém vem ao Pai
senão por mim". Jesus é o Caminho para Ele mesmo. Ele é o próprio fim, diz Roy Hession em Queremos, ver a Jesus.12
"Grande é o vosso galardão nos Céus". Percebemos assim que
o galardão está relacionado com quanto do Reino já estamos vivendo aqui. Não nos preocupamos muito com galardão, pois pensamos que o que importa mesmo é estar lá. É realmente difícil para nós pensarmos em recompensas, pois nos achamos tão pequenos e sem qualquer tipo de mérito, que não passa pela nossa cabeça recebermos qualquer tipo de honraria celestial. No entanto, conforme C.S. Lewis, receber glória do único que é digno de toda glória, se constituirá num verdadeiro peso de glória.13 Segundo Lewis, o Novo Testamento tem muito a declarar sobre renúncia, mas
não da renúncia como um fim em si. Devemos negar a nós mesmos e tomar a nossa cruz para podermos seguir a Cristo. E, quase
todas as descrições da recompensa que seguem a essa renúncia
contém um apelo ao desejo natural de felicidade. Se hoje a noção
de que é errado desejar a nossa felicidade e esperar gozá-la esconde-se na maioria das mentes, ela surgiu, segundo Lewis, em Kant
ou nos estóicos, mas não na fé cristã.
A maioria dos crentes sabe de cor Efésios 2.8 e 9, mas não
prosseguem com o verso 10: "Pois somos feitura dele, criados em
216
O Princípio do Testemunho
Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou
para que andássemos nelas". O meio evangélico ficou tão avesso à
doutrina das boas obras para a salvação que deixa de ver as boas
obras como evidência da salvação. Fomos salvos pela graças para
as boas obras.
No entanto, é importante perceber que não é qualquer boa obra,
mas sim, aquelas que Deus preparou de antemão para cada um de
nós. Parece-me que Deus tem uma agenda para cada um de seus
filhos e o nosso galardão está relacionado com quanto dessa agenda foi cumprido por nós.
Eu fico imaginando que Jesus vai me chamar à parte e dizer:
- Ivênio, está vendo aquele meu filho ali? Veja o que nós dois fizemos na vida dele. Parabéns, você foi um ótimo parceiro!
Mas, por outro lado, Ele também vai me mostrar a Sua agenda,
que havia preparado para mim, e com pesar vai dizer:
- Puxa vida meu filho! Olhe aqui tudo que eu tinha preparado para
você realizar, mas você estava sempre tão ocupado com a sua agenda,
que, poucas vezes, consegui a sua atenção para ser meu parceiro.
Vou ficar estarrecido com tudo que Ele havia planejado para
fazermos juntos e que não foi feito devido ao meu pecado de negligência em cultivar maior intimidade com Ele. Pois é somente na
intimidade de amigos que Ele nos segreda aquelas obras especiais.14
Entendo que isso é galardão. Todos os salvos haverão de comparecer perante o Tribunal de Cristo,15 não para ser decidido o seu
futuro eterno, pois já passaram da morte para a vida,16 mas para
receberem pelo bem ou pelo mal praticados no corpo. Quer dizer
que vai haver premiação, ou seja, o louvor da parte de Deus e o
regozijo de nossa parte por termos sido bons parceiros d'Ele; a felicidade, como pontua muito bem C. S. Lewis, de sermos reconhecidos e valorizados por aquele que é o único merecedor de toda
glória e louvor. Por isso os vinte e quatro anciãos, representando
todos os salvos, se prostrarão diante daquele que se encontra assentado no trono, e depositarão as suas coroas diante d'Ele, proclamando: "Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória,
a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa
217
Alma Nua
da tua vontade vieram a existir e foram criadas"17.
No entanto, vai haver também repreensão, pois o texto de Paulo aos Coríntios é claríssimo: "... para receber pelo bem ou pelo
mal praticados no corpo". Não sabemos que tipo de repreensão será. Fico pensando que o só perceber as omissões ou não cumprimento da Sua agenda preparada para mim, já será uma dor muito
grande. Quanto mais aqueles salvos que partem daqui deixando
tantas pendências: pecados não tratados, agravos a outros não consertados, e tanta coisa mais. Realmente vai haver muita lágrima
para Deus enxugar.18
OS ENSINOS DE JESUS NO CORPO DO SERMÃO
"Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas
cumprirás rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos. Eu,
porém, vos digo: de modo algum jureis; nem pelo Céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser estrado de Seus pés; nem por Jerusalém, por ser a cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça,
porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a
tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno".
(Mateus 5.33-37)
Jesus claramente neste texto proíbe todo tipo de juramento. Isso não se refere ao juramento à bandeira que todo soldado deve
fazer. Juramento à bandeira é um tino de declaração de lealdade á
pátria que todo brasileiro deve fazer.
Este juramento que Jesus menciona aqui é um tipo de endosso
que a pessoa faz para dar credibilidade às suas palavras.
"Eu juro pelos olhos da minha mãe" que eu irei lhe pagar. O
que esta pessoa está querendo é que o outro confie na sua palavra
de que honrará o compromisso que está firmando. Como, provavelmente, tal pessoa já tenha falhado muitas vezes com a palavra
empenhada,ela está precisando agora de um endosso para que o
outro acredite. Coitada da mãe, sempre correndo o risco de perder
os olhos por causa de um filho desonesto e sem palavra.
Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. Isto significa:
218
O Princípio do Testemunho
Não tenha meias palavras ou meias verdades. Seja alguém cujas
palavras têm peso e credibilidade, pois o que passa disto é do maligno.
O Princípio do Testemunho tem a ver com o uso que fazemos
das palavras. Verborragia é o muito falar para tentar obter credibilidade. O verdadeiro discípulo dá testemunho através de um falar
seguro e sem subterfúgios. "Não deis aos cães o que é santo, nem
lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem
com os pés e, voltando-se, vos dilacerem".19
Testemunhar através da fala implica também em "não lançar
pérolas aos porcos". Em outras palavras, não devemos falar das riquezas espirituais com aqueles que as ridicularizam e escarnecem
de Deus e sua palavra. Devemos estar sempre atentos para proclamar aos que realmente querem ouvir e, ouvem respeitosamente.
219
Alma Nua
220
Capítulo 13
A Terapia
de Deus
A função de um aparelho de ressonância magnética não é curar
a enfermidade, mas, sim, detectá-la. O Sermão do Monte como
padrão de excelência do Reino de Deus, tem também o mesmo objetivo. Sigamos o relato de Mateus depois que Jesus encerra o
Sermão do Monte: "Ora, descendo ele do monte, grandes multidões o seguiram. E eis que um leproso, tendo-se aproximado, adorou-o, dizendo: Senhor, se quiseres, podes purificar-me. E Jesus,
estendendo o mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo! E imediatamente ele ficou limpo de sua lepra".1
É maravilhoso perceber como o Espírito Santo supervisionou a
obra de composição das escrituras pois, este leproso vindo ao sopé
da montanha para curvar-se diante de Jesus em adoração e pedirlhe a cura, é a mais perfeita ilustração que poderíamos ter do objetivo do Sermão do Monte. A pergunta dele não foi: "Se podes",
mas "se queres podes purificar-me".
A resposta de Jesus não se fez esperar: "É claro que eu quero,
fica limpo!".
Assim também é com a nossa santificação. O que os exames de
ressonância magnética revelaram sobre nós? Não foi exatamente a
nossa condição de leprosos espirituais? Orgulho ou soberba, complexos, medo, insegurança, competição, timidez, frustração, ego221
Alma Nua
ísmo, irritação, insensibilidade, falta de oração, amargura, ressentimentos, crítica, desejo de vingança, ódio, inveja, maledicência,
impureza moral, lascívia, concupiscência, defraudação, estagnação, culpa, etc.
Pode ser que você seja daqueles que estão querendo galgar o
monte das bem-aventuranças na base da garra e da disposição de
pagar o preço, pois você crê naquelas propostas dos livros que
mais vendem hoje, os de auto-ajuda. Você já tem tentado subir agarrando-se aos tufos de capim, ralando-se pelas encostas e caindo
desanimado, só para tentar de novo e perceber, cada vez mais,
quão íngreme é a subida, pois as demandas da lei perfeita parecem
crescer mais e mais. Talvez você esteja no momento, parado, sentado nalguma sombra, esperando descobrir novas forças para tentar de novo. Mas, aos poucos, está se formando dentro de você
uma convicção de que não dá para subir. Parece que esse negócio
de ser santo como Deus é santo foi uma grande piada de mau gosto que não vai dar mais para engolir. Você começa a duvidar de
que Jesus estivesse falando a sério. Talvez fosse apenas uma colocação retórica da parte d'Ele.
Você se encontra num lugar muito perigoso. São muitos os que
ficam nessa "sombra" onde você está agora, e daí começam a jogar fora todos os valores que Jesus já havia construído no seu caráter. Alguns resolvem manter uma aparência de santidade, como
se tivessem conseguido subir bastante no monte. Outros pulam fora e se tornam cáusticos e agressivos. No entanto, alguns poucos
se dirigem ao sopé da montanha, como aquele leproso, e fazem a
grande descoberta: Existe santidade real aos pés da cruz.
Quero repartir com você essa percepção maravilhosa, considerando aquelas condições que, certamente, todo andarilho da fé tem
de cumprir para chegar aonde o leproso chegou.
Reconhecer-se pecador
Pecador ou enfermo, para usar a linguagem terapêutica. "Os
sãos não precisam de médico, mas sim os doentes", disse Jesus2. A
pior situação a que uma pessoa pode chegar é de cegueira quanto à
sua real condição. "Se dissermos que não temos pecado nenhum,
222
A Terapia de Deus
nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós".3
Quantos estão se enganando, pois miram-se em espelhos muito
opacos. Ou miram-se na sua consciência, que facilmente se cauteriza, ou miram-se naqueles que os rodeiam, à semelhança daquele
fariseu da parábola narrada por Jesus: "Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como esse publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho".
Jesus disse: "Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no Reino dos Céus".4
Qual é a justiça que excede em muito a dos escribas e fariseus?
A justiça daquele publicano da parábola: "O publicano, estando
em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas
batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!"
Jesus declarou ao fim da parábola que foi este publicano que
desceu justificado ou justo para sua casa e não o fariseu.5
Por que para Deus é tão importante esse reconhecimento? Vemo-lo quase suplicando ao povo rebelde de Israel através de Jeremias: "Tão somente reconhece a tua iniqüidade, reconhece que
transgrediste contra o Senhor, teu Deus, e te prostituíste com os
estranhos debaixo de toda árvore frondosa, e não deste ouvidos à
minha voz, diz o Senhor. Convertei-vos, ó filhos rebeldes, diz o
Senhor; porque eu sou vosso esposo...". 6
É porque reconhecimento é a condição básica para alguém ser
tratado por Deus. É através do reconhecimento que o orgulho ou
soberba começa a ser esmagado, permitindo que o bálsamo terapêutico do Espírito Santo penetre até onde o pecado trouxe tanta
degeneração e dor.
Se você já descobriu que o seu problema não é a casa em que
mora, nem seu vizinho, nem tampouco o seu cônjuge, ou seus filhos, nem seu patrão, nem sua igreja, nem seu pastor, nem ainda
seu país ou seu clube de futebol, mas você mesmo, então você é
um fortíssimo candidato para andar no mesmo caminho daquele
leproso, até aos pés da cruz.
223
Alma Nua
Querer ser tratado por Deus
Por quê? Porque tem muita gente boa que se reconhece pecador, carente da glória de Deus, mas que não quer ser mexido. Estão satisfeitos com a mediocridade de sua vida cristã. Afinal de
contas ninguém espera muito deles e assim vão levando a sua vidinha religiosa, esperando um dia morar nas mansões celestiais.
Aquele paralítico do tanque de Betesda7 é uma ótima ilustração
desse tipo de cristianismo vivido por muitos. Jesus chega para ele
e faz uma pergunta que nos parece escandalosamente óbvia:
- Queres ser curado!
- Espera aí Jesus, isto é pergunta que se faça a um homem 38 anos
enfermo, e, que, todos os dias é colocado aqui esperando um milagre?
Esta bem pode ter sido a reação dos discípulos diante da pergunta de Jesus.
No entanto, a pergunta não era tão óbvia como podemos pensar. Jesus tinha muita razão de fazê-la, pois o que Ele queria é que
o próprio paralítico refletisse se, de fato, queria ser curado. Isto
porque aquela paralisia lhe trazia algumas vantagens: Ninguém
esperava muito dele. Ele tinha cama, comida e roupa lavada. Afinal, só teria que ficar ali, sem nenhuma expectativa de ser curado,
pois nem ajuda teria para entrar no tanque. E assim sua vida era
levada, sem maiores preocupações, até ouvir aquele estranho com
uma pergunta tão inquietadora.
- Será que eu quero mesmo? Não sei não! Já me acostumei de ser
trazido e deixado aqui todos os dias. Tenho tantos amigos aqui semelhantes a mim. Gosto de jogar truco com eles, e nem vejo o dia passar.
Afinal, não tenho ninguém que me ponha no tanque! Às vezes, fico a
pensar na cura, e acabo achando que ser curado vai é me trazer problemas, pois vou ter que pegar no batente e todo mundo vai querer é
me "tirar o couro". Penso que a minha família também não tem nenhuma esperança na minha cura. Agora, será por que este homem está
me perguntando isso? Será que ele quer me colocar no tanque?
Sem dúvida alguma, deve ter passado tudo isso por aquela cabeça sofrida. E, o que está passando por sua cabeça agora? Você
quer ser tratado por Deus? Você quer uma vida cristã mais profunda? Você quer ser um servo? Você quer se doar às pessoas?
224
A Terapia de Deus
Você tem anelos por uma intimidade maior com Deus ou está bem
assim do jeito que está?
- Esse negócio de ser espiritual não é comigo não. Se eu entrar
nessa, todo mundo vai ficar esperando muita coisa de mim. Eu
vou ter que me envolver com problemas e necessidades dos outros. É melhor eu ficar na minha, fazendo só para o gasto. Afinal
eu dou o dízimo de tudo o que ganho, canto no coro, e sou freqüentador assíduo dos cultos. Penso que já está ótimo. Muita espiritualidade é só para quem quer ser pastor, o que não é o meu
caso. Então vou ficando por aqui mesmo com o meu "truco".
Agora, se você é daqueles que têm fome na alma, e sofre por
ver suas pernas bambas que não conseguem correr em direção ao
próximo, então Jesus está lhe perguntando:
- Queres ser curado? Você quer uma vida de doação? Você quer
amar os não amáveis? Você quer ser daqueles que "correm e não se
cansam, caminham e não se fatigam",8 então é comigo mesmo.
Esta segunda condição é também indispensável para você entrar na senda do calvário.
Ser totalmente honesto com Deus
Isto significa chamar o pecado de pecado sem arranjar desculpas ou atenuantes. Isto significa olhar para esses oitos exames das
bem-aventuranças e perceber que eles lhe mostram a verdade sobre você.
Quando penso em honestidade com Deus, desconheço alguém
mais honesto que Davi. Que tragédia foi aquele momento de paixão com Bate Seba! Quanta dor e sofrimento advieram daqueles
instantes loucos de prazer! Mas, depois, quando foi confrontado
por Natã, Davi foi totalmente honesto. É verdade que, a princípio
ele tentou se esconder. Ele fez três tentativas fracassadas de esconder o seu pecado.9
A primeira foi chamar Urias dos campos de batalha para ter
uns dias de férias em casa. Esperava Davi que Urias coabitasse
com sua linda esposa, e assim, camuflaria seu pecado, pois todos
iriam pensar que o filho era de Urias, mesmo tendo a cara e o cabelo ruivo de Davi. Achava ele que daria para disfarçar e manter a
225
Alma Nua
pose. Mas, não deu certo. Urias não dormiu com Bate Seba. Não
há no texto nenhuma evidência de que Urias estivesse desconfiado
de alguma tramóia de sua esposa, ou de Davi. Ele só não conseguia entender porque o rei estava lhe dando aquelas férias.
Quando Davi ficou sabendo que Urias armou tendas no quintal
e não dormiu com a esposa, ficou sobressaltado e inquiriu dele as
razões. A resposta de Urias foi como uma espada que atravessoulhe a alma: "A arca, Israel e Judá ficam em tendas; Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão acampados ao ar livre; e hei
de eu entrar na minha casa, para comer e beber e para me deitar
com minha mulher? Tão certo como tu vives e como vive a tua
alma, não farei tal coisa".10
Mas Davi estava tão cego pelo pecado, que na sua ânsia e medo de ser descoberto fez nova tentativa. "Então, disse Davi a Urias: - Demora-te aqui ainda hoje, e amanhã te despedirei. Urias,
pois, ficou em Jerusalém aquele dia e o seguinte. Davi o convidou,
e comeu e bebeu diante dele, e o embebedou; à tarde, saiu Urias a
deitar-se na sua cama, com os servos de seu senhor; porém não
desceu à sua casa".11
Davi esperava que Urias, embriagado, perdesse suas defesas
morais e assim se entregasse nos braços de sua esposa. Mas, mesmo embriagado Urias manteve sua postura de dignidade.
É impressionante o que o pecado faz com o ser humano. Ele
nos degrada ao ponto de levar Davi a arquitetar a morte do seu leal soldado. Esta foi a sua terceira e mais trágica tentativa: "Pela
manhã Davi escreveu uma carta a Joabe e lha mandou por mão de
Urias. Escreveu na carta, dizendo: Ponde Urias na frente da maior
força da peleja; e deixai-o sozinho, para que seja ferido e morra".12
Quando Davi recebeu a notícia da morte de Urias ele tomou
Bate Seba por mulher, certamente numa cerimônia pomposa, para
que todos pensassem que o filho que iria nascer tinha sido gerado
depois do casamento.
Parecia que tudo dera certo. Sentiu-se aliviado, embora atormentado pela culpa e pela constatação da vileza do seu caráter.
Mas de Deus não se zomba. Logo havia alguém muito especial ba226
A Terapia de Deus
tendo à sua porta.
- O que será que o profeta Nata quer comigo a essa hora?
- Ó rei! Vim aqui para narrar-lhe uma história muito triste: "Havia
numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. Tinha o rico ovelhas
e gado em grande número; mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma cordeirinha que comprara e criara, e que em sua casa crescera, junto com seus filhos; comia do seu bocado e do seu copo bebia;
dormia nos seus braços, e a tinha como filha. Vindo um viajante ao
homem rico, não quis este tomar das suas ovelha e do gado para dar
de comer ao viajante que viera a ele; mas tomou a cordeirinha do homem pobre e a preparou para o homem que lhe havia chegado".13
- Nata, isto é um absurdo! Eu não posso me calar diante de uma
injustiça tão grande, e sentencio esse homem, que cometeu tal ultraje
no meu reino, à morte e, antes de morrer, entregar ao pobre quatro vezes o que lhe foi roubado.
- Tu és o homem, Davi! Assim diz o Senhor, Deus de Israel: "Eu te
ungi rei sobre Israel e eu te livrei das mãos de Saul; dei-te a casa de
teu senhor e as mulheres de teu senhor em teus braços e também te dei
a casa de Israel e de Judá; e, se isto fora pouco, eu teria acrescentado
tais e tais coisas. Por que, pois, desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o que era mal perante ele? A Urias, o heteu, feriste à espada; e a
sua sua mulher tomaste por mulher, depois de o matar com a espada
dos filhos de Amom. Agora, pois, não se apartará a espada jamais da
tua casa, porquanto me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher. Assim diz o Senhor: Eis que da tua própria
casa suscitarei o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres à tua própria
vista, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com elas, em plena luz
deste sol. Porque tu o fizeste em oculto, mas eu farei isto perante todo
o Israel e perante o sol."14
- Eu pequei! Eu pequei! Pequei contra o meu Deus.
É daqui para frente que iremos ver a sua total honestidade,
salmos 51 e 32 estão registrados os clamores do seu coração naqueles dias de trevas tão densas. O salmo 51 revela-nos o seu quebrantamento e o 32 a sua libertação. Quero destacar algumas expressões muito ricas desses dois salmos:
227
Alma Nua
"Compadece-te de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; e, segundo a multidão das tuas misericórdias, apaga as minhas transgressões. Lava-me completamente da minha iniqüidade e purificame do meu pecado. Pois eu conheço as minhas transgressões e o
meu pecado está sempre diante de mim.
Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal perante os
teus olhos...
Eis que te comprazes na verdade no íntimo e no recôndito me fazes conhecer a sabedoria.
Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais
alvo que a neve.
Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que exultem os ossos que esmagaste.
Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro em mim
um espírito inabalável.
Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo
Espírito.
Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito voluntário..."
Vejamos agora no Salmo 32, a cura perfeita que Deus faz
quando alguém se abre em total honestidade, e se dispõe a ser tratado por Ele. Temos visto muita gente caindo à semelhança de
Davi, mas muito poucos voltando como Davi voltou, sem atirar
farpas, sem atribuir culpa a outros pelos seus erros, sem procurar
teologias acomodatícias. Certamente foi esta honestidade diante de
Deus que, fez dele o homem conhecido pelo epíteto: "Um homem
segundo o coração de Deus ".
"Bem-aventurado aquele cuja iniqüidade é perdoada, cujo pecado é
coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui iniqüidade e em cujo espírito não há dolo.
Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos
meus constantes gemidos todo o dia. Porque a tua mão pesava dia e
noite sobre mim, e o meu vigor se tornou em sequidão de estio.
Confessei-te o meu pecado e a minha iniqüidade não mais ocultei.
228
A Terapia de Deus
Disse: confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste
a iniqüidade do meu pecado.
Sendo assim, todo homem piedoso te fará súplicas em tempo de poder encontrar-te. Com efeito, quando transbordarem muitas águas,
não o atingirão.
Tu és o meu esconderijo; tu me preservas da tribulação e me cercas
de alegres cantos de livramento..."
Essa honestidade a que me refiro é o mesmo que "andar na luz"
de que nos fala João em sua primeira epístola. João emprega, tanto
no seu evangelho como nessa epístola, a palavra "trevas" como sinônima de mentira, engano, subterfúgio, camuflagem, etc., e a palavra "luz" como sinônima de verdade, autenticidade, honestidade,
franqueza, transparência, etc.
João afirma que recebeu de Jesus a mensagem que pode trazernos alegria completa, e a mensagem é que "Deus é luz e nele não
há treva nenhuma". Em Deus não existe subterfúgios, ou carta escondida na manga. Todo Ele é clareza, é realidade. Se alguém disser que está em plena sintonia com Deus, mas vive se escondendo,
colocando as coisas debaixo do tapete, segundo João tal pessoa está vivendo uma farsa. Mas, se andarmos na luz, como Deus está na
luz, manteremos comunhão com os que igualmente andam na luz,
e experimentaremos a maravilhosa dádiva do lavar regenerador no
sangue de Jesus.
Muitos invertem o texto bíblico "andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne",15 para "Não satisfaça a concupiscência da carne e então andarás no Espírito". Esta é compreensão distorcida dos que pregam a santificação pelas obras. O que
a Palavra de Deus está ensinando é: "Andai no Espírito", que é o
mesmo que "Andai na Luz", que é igual a "Andai na Verdade", e
você jamais "encherá a barriga" de pecado. Ou seja, você estará
sujeito a comer alguns grãos de pecado, mas não encherá o prato.
Você cometerá erros ou pecados, mas logo os perceberá e se livrará deles. "Satisfazer a concupiscência da carne" é o mesmo que
encher o prato e banquetear-se, e não apenas comer alguns grãos.
Portanto, o "andar na luz" de que nos fala João não significa
229
Alma Nua
não errar, ou pecar, mas perceber quando erramos ou pecamos. A
alegria completa não é experimentada por quem nunca peca, pois
este não existe, mas por quem aprende a consertar. Assim, afirmo
que a maior virtude do genuíno cristão não é nunca errar, mas consertar. Por isso, Davi diz: "Tu me cercas de alegres cantos de livramento".16
Alguém poderia objetar: "Se for assim, então vamos pecar para
que experimentemos a alegria do perdão".
Pensar assim se parece muito com a história daquele louco que
batia a cabeça na parede formando enormes galos. Depois de alguns minutos batia novamente em cima dos galos, formando outros maiores. Alguém que o estava observando aproximou-se e
perguntou:
- Por que você faz isto, não dói muito?
- Dói demais, disse ele, mas depois eu sinto um alívio.
Enquanto estivermos por aqui estaremos sujeitos a pecar, mas o
pecado na nossa experiência de filhos regenerados, haverá de ser
acidente de percurso e não norma.
Olhar para Jesus
O que quero destacar aqui é a importância de colocar os olhos
no lugar certo. É distinguirmos arrependimento de remorso. É percebermos a diferença entre Pedro e Judas. Pois quando caímos
nalgum pecado temos a tendência de primeiro olhar para dentro de
nós. Isto é bom e está correto. Precisamos mesmo deste primeiro
olhar para dentro a fim de percebermos quão enganoso é o nosso
coração. Mas o perigo consiste em fixarmos nossos olhos aí e nos
consumimos pelo remorso.
Remorso é um tipo de auto-flagelação em que a pessoa procura, devido ao seu orgulho, pagar pelo erro cometido. Existem
pessoas que nunca se perdoam. Reconhecem que foram perdoadas por Deus, mas elas próprias não se perdoam. Isto é fruto de
um orgulho muito sutil que leva a pessoa a tentar redimir-se pelo
sofrimento.
Judas olhou para o seu coração maligno e foi destruído pelo
remorso, enquanto Pedro olhou para Jesus e se desmanchou em ar230
A Terapia de Deus
rependimento sincero. Teria sido outra a história de Judas se ele
tivesse, depois de consumada a traição, nas suas horas de agonia,
olhado para Jesus e não para a hediondez do seu coração. Igualmente a "bondade de Deus o conduziria também ao arrependimento".17
Há um texto no Velho Testamento, que foi usado por Jesus para ilustrar-nos, de forma magnífica, a necessidade de olharmos fixamente para Ele, autor e consumador de nossa fé.18 É o texto que
nos fala da serpente de bronze, em Números 21.4-9:
"Então, partiram do monte Hor, pelo caminho do mar vermelho, a
rodear a terra de Edom, porém o povo se tornou impaciente no caminho. E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito, para que morramos neste deserto, onde não há
pão nem água? E a nossa alma tem fastio deste pão vil. Então, o Senhor mandou entre o povo serpentes abrasadoras, que mordiam o
povo; e morreram muitos do povo de Israel. Veio o povo a Moisés e
disse: Havemos pecado, porque temos falado contra o Senhor e contra ti; ora ao Senhor que tire de nós as serpentes. Então, Moisés orou pelo povo. Disse o Senhor a Moisés: Faze uma serpente abrasadora, põe-na sobre uma haste, e será que todo mordido que a mirar
viverá. Fez Moisés uma serpente de bronze e a pôs sobre uma haste;
sendo alguém mordido por alguma serpente, se olhava para a de
bronze, sarava".
Não teria sido muito mais simples se Deus tivesse acabado com
todas aquelas serpentes de uma vez? Que solução mais inusitada
Ele preferiu. Levantar uma serpente de bronze como fonte de cura
daqueles que para ela olhassem. Por que Deus fez isso? Penso que
foi para dar-nos a mais perfeita ilustração de como ele lidou com o
nosso pecado. Jesus usou este episódio comparando-o com o que
estava para fazer: "E do modo por que Moisés levantou a serpente
no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado,
para que todo o que nele crê tenha a vida eterna.19
Moisés levantou na ponta de uma haste uma representação aquilo que era a fonte do mal que os estava acometendo. E, Jesus
231
Alma Nua
disse que Ele igualmente seria levantado para livrar-nos daquilo
que nos destrói que é o nosso pecado. Por isso, quando foi levantado Ele era a representação perfeita daquilo que nos acomete.
Diz-nos Paulo que "Deus O fez pecado por nós para que n'Ele fossemos feitos justiça de Deus".20 Isto significa que quando Jesus foi
levantado naquela cruz Ele era imundo, Ele era pecado. Ele era
maldito, porque Ele era eu, Ele era você. A Sua morte foi uma
morte substitutiva. Naquele momento caia sobre Ele todo juízo de
Deus sobre todo o pecado da raça humana.
Imaginemos um chumaço de algodão que mergulhamos numa
poça de lama. Como sairá o algodão? Sairá uma lama só. Foi exatamente isto que Jesus fez por nós. Ele mergulhou-se no charco de
imundícia dos nossos pecados e absorveu-os. Aquele que nunca
pecou, tornou-se uma grotesca forma de pecado, repugnante aos
olhos do Pai, e sobre Ele abateu-se o "castigo que hoje nos traz a
paz".21
Quando Jesus desceu ao Jordão para ser batizado por João este
não quis fazê-lo:
- Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?
Mas Jesus lhe respondeu:
- Deixa por enquanto, porque, assim, convém-nos cumprir toda a justiça. Então João concordou.22
Por que João relutou em batizá-lo? Porque o seu batismo era de
arrependimento, e Jesus não tinha nada de que se arrepender, mas
ele João, tinha, por isso disse:
- Eu é que preciso ser batizado por ti.
Parece que João compreendeu o que Jesus disse quanto a ser
necessário cumprir toda a justiça e então o batizou.
O que estava acontecendo ali, na realidade, era Jesus se identificando como pecador e assumindo o seu lugar. Mas, mais do que
isto, Ele estava entrando no Jordão que estava completamente imundo pelos pecados de todos, deixados ali e, estava absorvendoos. Era o alvo algodão saindo embebido da imundície do pecado
humano.
A suprema identificação de Jesus com a natureza humana deuse por fim na cruz. Ali Ele era homem na sua acepção plena. Diz232
A Terapia de Deus
nos o livro de Hebreus que Jesus foi aperfeiçoado através das coisas que sofreu.23 Em que sentido foi Ele aperfeiçoado? Não foi Ele
sempre perfeito? Ele foi aperfeiçoado na sua humanidade. No
Calvário estava um homem perfeito coberto de todas as mazelas
inerentes à raça humana.
Por isso, a chamada de Hebreus é para "olharmos firmemente
para o Autor e Consumador de nossa fé".24 Ele foi levantado, e
fez-se pecado por nós, para que nós, olhando para Ele fiquemos libertos das mordeduras do pecado.
Quando olhamos para Jesus, descobrimos que todo "escrito de
dívidas" que era contra nós foi cancelado porque Ele assumiu toda
a nossa culpa.25 Quando olhamos para Jesus, vemos que não "restou nenhuma condenação para nós",26 pois todo juízo de Deus caiu
sobre Ele.27 Quando olhamos para Jesus, temos a total segurança
de que somos aceitos e que podemos agora chegar ao Trono da
Graça, ao Santo dos Santos, pelo novo e vivo caminho que Ele nos
abriu através do seu sangue.28 Aleluia! Jesus triunfou cabalmente
sobre o pecado na cruz, e nos abriu a porta para andarmos vitoriosamente aos pés da cruz.
Confiar totalmente n'Ele
O apóstolo João afirma que "se confessarmos os nossos pecados Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar
de toda injustiça"29. Temos que repousar neste fato solene: Ele é
fiel e justo.
O que é que Deus faz com os nossos pecados quando os confessamos em sincero arrependimento? Quais os resultados práticos
da nossa confissão:
O primeiro é o perdão. Ele nos perdoa de forma plena. Que maravilha é o perdão! Conta-se de uma mãe que, todas as vezes que o
filho lhe desobedecia, ela pregava um prego numa determinada tábua. O filho a via fazendo isso, mas não se dava conta. Um belo
dia ele perguntou:
- Mãe, por que a senhora às vezes prega um prego naquela tábua?
- Sabe meu filho, você tem sido muito desobediente, o que muito me
233
Alma Nua
entristece e, todas às vezes, que você me desobedece, eu prego um prego
nesta tábua.
A tábua estava cheia de pregos, e o menino ficou tão impressionado que começou a chorar:
- Mamãe, como tenho sido desobediente! Perdoe-me, eu quero aprender a obedecer.
Aquela mãe ficou tão tocada pela reação do filho, que imediatamente apanhou a tábua e começou a retirar os pregos.
- Claro que eu lhe perdôo meu filho. Estou arrancando estes pregos
para você saber que está sendo perdoado de verdade.
- Mas mamãe, a senhora retirou os pregos, mas as marcas ficaram.
- É verdade meu filho, a gente pode perdoar, mas as marcas sempre
ficam.
Será que o perdão de Deus é como o daquela mãe? Será que as
marcas dos nossos pecados ficarão para sempre diante de nós, ou
diante d'Ele? As únicas marcas que permanecerão nos nossos pecados são aquelas que Jesus ostenta em suas mãos. Verdadeiras
marcas de glória e não de vergonha. Naquele dia, lá por ocasião de
sua volta, conta-nos Zacarias que chegarão a Ele e perguntarão:
- Que feridas são essas nas tuas mãos?
Responderá Ele:
- São as feridas com que fui ferido na casa dos meus amigos.30
O segundo resultado é purificação. Quando falamos que o perdão de Deus é pleno e não deixa marcas é porque Ele é fiel não só
para perdoar, mas também para purificar: "O sangue de Jesus nos
purifica de todo pecado";31 "Se confessarmos os nossos pecados
Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça".32
Vamos imaginar uma mãe que arruma o seu filhinho de 3 anos
e ordena:
- Fique quietinho aí enquanto a mamãe se arruma (só mãe de
"primeira viagem" arruma o filho primeiro para depois se arrumar), e não vá brincar na terra.
Quando ela vem pronta pra sair o seu anjinho parece ter chega234
A Terapia de Deus
do de um rally nas montanhas de barro. Está praticamente irreconhecível. Ela faz aquela cara brava e ele começa a chorar:
- Mamãe me perdoe que eu me sujei na lama!
Certamente ela irá perdoar. Mas sairá com ele, imundo daquele
jeito? Não. Ela irá colocá-lo debaixo do chuveiro e dar-lhe aquele
banho. Vai apanhar a sua roupa mais linda e ele sairá como um
príncipe. É exatamente isto que Deus faz com os nossos pecados.
Ele não só nos perdoa, mas purifica-nos de toda iniqüidade. E, podemos sair também como príncipes.
O terceiro resultado é esquecimento da parte de Deus. Uma das
mais gloriosas verdades, que encheu meu coração de gozo, ouvi de
Roy Hession quando pregou na Igreja que eu pastoreava em São
Paulo, sobre "Como Entrar na Posse das Bem-Aventuranças pela
Porta dos Fundos", abordando, no Salmo 32, Bem-aventurados os
perdoados. Naquela pregação ele afirmou que muitas vezes chegava abatido a Jesus dizendo:
- Senhor, tem paciência comigo, pois estou aqui de novo para
confessar que falhei, que pequei.
Ao que Jesus lhe respondeu:
- Por que, de novo, meu filho? Esta é a primeira vez. Pois todas as vezes que você vem quebrantado eu o perdôo de fato, purifico e esqueço. É como se você nunca tivesse pecado.33
Que verdade maravilhosa! Que cura maravilhosa! Eu posso ter
a absoluta segurança de que nada está no meio, afastando os Seus
olhos dos meus. Posso olhar para o Pai, olho no olho, e saber que
está tudo certo entre nós. Isto me encanta e me enche de um amor
cada vez mais apaixonado por Ele.
Alguém poderia ser levado a pensar que, sendo assim, podemos nos tornar levianos para com o pecado. Será que saber que
sou tratado assim pelo Pai, vai produzir em mim o desejo pelo pecado? Parece-me que não, pois é o oposto que acontece. Conhecendo como Deus teve de tratar de forma tão radical com o pecado, haverá cada vez mais um temor santo em nós que nos distanciará mais e mais do pecado. É assim que o Salmista se expressa:
"Contigo, porém, está o perdão, para que te temam".34
235
Alma Nua
236
Conclusão
PERMANENTES
NAVIDEIRA
(João 15)
Deus, o Grande Agricultor, plantou uma videira no solo amaldiçoado pela rebelião humana. Ele tem enxertado galhos na sua
Videira para que os frutos do seu amor se expressem através deles.
Ele, como Agricultor, é um com a sua videira, e planejou para que
os galhos se ligassem de tal maneira à sua videira que se tornassem também um com Ela. Ele como Agricultor, sempre irá podar
muito bem os galhos que dão fruto para que frutifiquem cada vez
mais, e assim o mundo árido e faminto poderá encontrar sombra,
abrigo e alimento nos galhos.
A sua videira está plantada bem junto às correntes de água viva, e os sedentos chegam e bebem e se alimentam do fruto do Espírito Santo que apanham dos galhos: Amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio
próprio.1
Eu fui enxertado um dia nessa videira e comecei, desde cedo, a
experimentar o amor do Pai em todo tempo, mas especialmente
nas ocasiões de poda. Era tão doloroso, às vezes, mas eu sabia que
o Bom Agricultor estava podando aquelas coisas que precisavam
ser removidas para que eu produzisse mais frutos. Eu vejo muitas
vezes o Agricultor cortar muitos galhos secos e mirrados e atirálos ao fogo, e fico pensando: "Por que será que aqueles galhos não
237
Alma Nua
'pegaram'?"
Nunca soube responder a essas indagações da minha mente,
mas esses galhos sempre parecem "crianças abortivas" que nunca
chegam a nascer. E, assim, fui crescendo e ficando cada vez mais
forte, e experimentando uma alegria enorme por ver os frutos
maduros serem apanhados e saboreados por velhos, jovens e crianças.
As podas nunca acabaram. Não fico triste na ocasião das podas,
pelo contrário, experimento urna verdadeira alegria por saber que
o Agricultor se esmera em me podar, pois conta comigo para alimentar muita gente com o fruto da sua videira.
Cada dia me sinto mais um com a videira. Sinto-me parte d'Ele, e percebo que já não penso nada aparte d'Ele, e que só quero o
que Ele quer. Acho que somos grandes amigos. Afinal a sua companhia é o que mais quero, e começo a descobrir que Ele também
gosta muito da minha companhia e que me considera também seu
amigo. Não há privilégio maior do que este.
No ano retrasado, eu fiquei pasmo com a sua promessa ilimitada de me conceder o que eu bem quisesse.2 Eu fiquei até corado de
vergonha, pois me passou tantas coisas na hora. É incrível como o
inimigo ainda tem tanto espaço na vida da gente, e consegue nos
atrair para as suas "cisternas rotas". Mas logo me dei conta, pois vi
a futilidade de pedir coisas, e fiquei parado pensando: "O que é
que eu quero de fato?"
Ele estava esperando a minha resposta, e eu continuei vasculhando a minha alma. Eu vinha conversando com Ele há já um
bom tempo sobre o meu filho doente. Eu tinha desistido de orar
pela sua cura, pois já orávamos por isso há mais de 20 anos. Cheguei à conclusão que o Pai não queria curá-lo. Então desisti sem
briga, numa boa, e falei para minha esposa que não tinha mais esperança. Deus não quer, então está tudo certo! Continuamos amigos, e certamente Ele nos dará da sua graça para amar o nosso filho e cuidar dele. Mas ali, naquele maio de 2003, meditando sobre
o "Esconderijo do Altíssimo", Jesus, A Videira Verdadeira, veio
ao meu coração e me falou:
- Se você aprender a andar comigo em "sintonia fina", você
238
Conclusão
poderá pedir o que quiser que lhe será feito.3
Eu quase caí para trás.
- Sabe Jesus, o que eu quero acima de qualquer outra coisa?
Eu quero é crescer nessa amizade, pois o Senhor é a verdadeira
riqueza que eu sempre procurei. Desde o dia em que me entreguei
e fui conectado em Ti, descobri que "o Senhor é a porção da minha herança, e que não possuo outro bem além de Ti".4 O que eu
preciso mais além da Tua seiva?
- Eu sei meu filho, que você já entendeu que em mim está a Vida, e eu vejo que você não é daqueles que estão correndo atrás
das minhas bênçãos. Eu me alegro tanto com aqueles que me
buscam porque me querem como amigo, não por causa do que esperam que eu faça por eles. Mas, eu gostaria que você me falasse
daquele pedido que está entalado na sua garganta e que você já
declarou para meio mundo que desistiu dele. Veja bem, não é você
que está falando sobre o assunto agora, sou eu. Eu quero que você fale o que está lá dentro do seu coração.
- Eu sei que eu não tenho jeito de te enganar, e que o Senhor
gosta é da "verdade no íntimo". Para ser o mais honesto possível,
eu quero muito a cura do meu filho. Mas quero uma "curassa" pra
ninguém botar defeito. Sem nenhuma seqüela. Um milagre assim
do tamanho da ressurreição do Lázaro, pois duvido que Lázaro
tenha sido ressuscitado com vista ruim, ou bronquite asmática, ou
coisa que o valha. Imagino que ele ressuscitou zero quilômetro.
- Então, meu amigo, eu quero que você entenda o que eu chamo de
"sintonia fina". Eu ensinei no Sermão do Monte o Padrão de Excelência do Reino. Muitos galhos pensam que o meu objetivo era que vocês
fizessem o máximo de esforço para cumprir aquele padrão. No entanto,
não é esse o meu propósito, pois seria a mesma coisa que dizer a vocês, que vocês é que devem se esforçar para dar fruto. Isto não é tarefa
de vocês, mas minha. O que realmente desejo é que vocês, galhos,
percebam, através daquele padrão, o que é que, muitas vezes, impede a
minha seiva de correr mais livremente através de vocês.
E assim o Senhor continua a explicação:
- Você viu aqueles galhos secos que o meu Pai cortou?5 Pois bem,
239
Alma Nua
o relacionamento deles comigo estava entupido, e a seiva não conseguia passar, e eles não se desenvolveram. Logo secaram. Agora, você e
tantos outros têm dado frutos porque a minha seiva chega até vocês,
mas existem impedimentos que muitos galhos não percebem, pois só
pensam em grandes impedimentos. Eu diria que tenho muitos galhos,
que poderiam estar dando muito mais frutos, mas que não dão porque
se relacionam comigo numa "sintonia grossa", ou melhor dizendo, eles
só percebem os grandes pecados. Sendo assim muita coisa vai se acumulando dentro deles, bloqueando a passagem da minha seiva. De vez
em quando meu Pai tem de agir com severidade para acordá-los. O
que esses meus galhos experimentam é um tipo muito intermitente de
relacionamento comigo. Só posso continuar a tratá-los como servos e
não como amigos, como eu gostaria.
- Eu deixei os ensinamentos do Sermão do Monte para ser uma
"sintonia fina" entre nós. Talvez você não saiba, mas o pecado é uma
coisa terrível. Toda vez que você peca você está dizendo sim para o
meu arquiinimigo e dizendo não para mim. E, não importa o tamanho
do pecado. Qualquer pecado que vocês, galhos, cometem me separam
de vocês. Fico assim impedido de frutificar através de vocês. O meu inimigo deita e rola e se sente fortalecido. E, você nem imagina como
isso me entristece, pois na realidade ele tem razão. Eu fui preterido. É
bem pior quando é um amigo chegado, pois de um servo eu até espero
isso mesmo, mas de um amigo é difícil. Agora, o que o inimigo não pode suportar é saber que meu Pai providenciou uma solução permanente para esse tipo de situação. O meu Pai, como experiente Agricultor,
providenciou perdão perfeito que elimina todas as toxinas deixadas pelo pecado. Basta a o galho vir para a Luz e detectar o pecado e reconhecer, arrependido, que fez uma escolha errada, para, imediatamente,
ser perdoado e purificado, e a minha seiva volta a circular por ele.
- João é um amigão meu, um dos mais chegados. Eu dei a ele uma
mensagem para entregar a todos os meus galhos. A mensagem da "alegria completa". No dia que cada galho meu descobrir que "alegria
completa" é permanecer conectado em mim, e que isto é possível através de uma "sintonia fina", então encherei a terra com os meus frutos.
Porque, por incrível que possa lhe parecer, assim como vocês, galhos,
não podem expressar os meus frutos se não estiverem conectados em
240
Conclusão
mim, eu também não posso dar frutos sem vocês. Em outras palavras,
meu Pai o Grande Agricultor decidiu fazer-me um com vocês. Eu quero
amar as pessoas através de vocês, e, por isso, eu preciso ensiná-los a
manter essa "sintonia fina" comigo. Veja a mensagem que eu entreguei
a João. Certamente você já a conhece, pois ele a divulgou pelo mundo
todo na sua primeira epístola:
- Meu Pai é Luz e não há n'Ele nenhum subterfúgio, nenhuma coisa
escondida ou camuflada. Se alguém disser que é amigo chegado d'Ele,
mas vive se escondendo, sem coragem de se aproximar de peito aberto
por medo de ser rejeitado por Ele, esse tal não sabe o que é ser amigo
d'Ele e estará vivendo uma farsa. Mas, se vierem para a Sua Luz irão
reconhecer outros como amigos e companheiros de caminhada e se regozijarão por descobrirem que são igualmente falhos. Não há ali ninguém superior a ninguém. E assim, desnudados por Sua Luz experimentarão o melhor de tudo: Que a minha vida ou o meu sangue, tem o
poder de purificá-los de todo pecado. Agora, se alguém disser que não
precisa de purificação porque não comete pecados, esse tal vive no engano e não há nenhuma verdade nele. Mas quem chegar honestamente,
sem se esconder, e abrir as suas falhas com tristeza e arrependimento
sincero, Ele não só perdoará imediatamente, mas também purificará
com carinho, apagando todas as transgressões, lançando tudo no mais
profundo abismo do esquecimento, donde o inimigo não pode tirar nada para usar como aguilhão contra vocês. No entanto se alguém permanecer defensivo, dizendo-se justo, por não ter cometido pecado nenhum, esse tal está chamando meu Pai de mentiroso, pois Ele afirma
que ninguém, enquanto estiver por aqui, estará imune ao pecado.6
- O que eu chamo de "sintonia fina"? É a percepção do pecado no
seu nascedouro. Por isso lhes dei o Sermão do Monte. O que fiz foi tirá-los de uma "sintonia grossa", a Lei de Moisés, para colocá-los numa "sintonia fina", ou seja, tirá-los do nível da ação e levá-los para o
nível da intenção. Ao fazer isto não estava tentando lhes colocar um
fardo insuportável, mas ajudá-los a perceber o pecado que corta a
nossa comunhão desde que ele surge no coração, e lhes apresentar o
meu sangue purificador como cura de todo pecado. Sendo assim, ninguém precisa ficar desconectado por tempo longo, pois poderá reconectar-se imediatamente. Talvez vocês entendam melhor se eu usar ou241
Alma Nua
tra figura:
- Eu Sou a Central Elétrica e vocês são as lâmpadas. Quem permanece ligado em mim e eu nele esse haverá de brilhar, porque sem mim
é impossível. Ao desligar o interruptor, o nome já fala tudo, o interrompedor, a corrente não chega até a lâmpada e ela não brilha. A separação entre os fios não precisa ser grande para a corrente não passar, pode ser a distância de um fio de cabelo. Que coisa incrível! É assim também com o pecado. Quando no coração você agasalha aquele
desejo impuro, ou aquela mágoa, ou qualquer "fio de cabelo", a corrente cessa e a lâmpada apaga. Um grande problema que venho tendo
com muitas lâmpadas é que não se dão conta e ficam apagadas por
muito tempo. Saiba que eu tenho lâmpadas que ficam apagadas semanas, algumas até meses. Sabe por que acontece? Porque vivem numa
"sintonia grossa". Só chamam de pecado aqueles pecadões e assim vão
ficando frios e indiferentes, e deixando muita gente no escuro.
- Eu lhes deixei o Sermão do Monte para acordá-los, afim de se reconectarem imediatamente, pois só assim vocês serão permanentes em
mim. Eu conheço alguns que acham que permanecer em mim é nunca
pecar. Os que assim pensam são aqueles que só chamam de pecado
aquelas coisas grandes, e por isso não aprendem a andar quebrantados. Vocês querem saber quem agrada de fato ao meu Pai, ao Espírito
Santo e a Mim? São aqueles ,de coração quebrantado e contrito. Nós
queremos que vocês sejam perfeitos como nós, no entanto nós sabemos
que essa perfeição só será atingida na sua plenitude quando vierem os
finalmentes. Por enquanto nós sabemos conviver com os limites de vocês. Mas existe um detalhe importante: Não adianta,a corrente não
passa com qualquer pecado desligando o interruptor. Por isso estou
encarecendo diante de vocês a "sintonia fina", ou seja, escutem a voz
do Espírito Santo lhes mostrando o pecado que aparece na tela do seu
computador. Não pense que aquele olhar impuro passa despercebido.
Ele desliga você, sim. Você está acolhendo a sugestão do inimigo e me
dando as costas. Portanto, se você é meu amigo, não fique pensando
que eu sou legal e que não vou ligar para uma coisinha de nada. Não é
assim que as coisas funcionam. O seu pecado é um ato de rebelião que
o separa de mim. Por isso corra para o caminho da Cruz, pois é ali
que chegam os leprosos quebrantados que são conduzidos ao Monte
242
Conclusão
das Bem-Aventuranças.
"Bem-aventurados os perdoados porque serão chamados Amigos de
Deus".
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243
Notas
Apresentação
1
Salmos 32;
2
Galatas 3.24;
3
Santos, Ivênio dos - Santidade ao Seu Alcance - Ed.
Redenção, MG, 1999;
4
Galatas 2.20;
5
Mateus 11.28-30.
Introdução
1
Não se sabe, com certeza, se
havia no templo algum tipo
de pregação ou ensino. O
mais provável é que a leitura
da Lei e dos Profetas fosse
feita nas sinagogas. Mantivemos o uso do templo apenas
por valor didático;
2
Isaías 11.1-10;
3
Deuteronômio 28.13;
4
Antigo carro romano de 2
rodas conduzido por 2 cavalos;
5
Isaías 52.13-15; 53.1-12;
6
Muitos estudiosos entendem
à luz de Mateus 21.33-46 que,
especialmente, os líderes do
povo, rejeitaram a Jesus conscientes de ser ele o Messias
de Israel;
7
Lucas 17.20,21;
8
Marcos 6.10 (RC);
9
Santos, Ivênio dos – Santi
dade ao Seu Alcance - págs.
122 a 128, onde este argumento está mais desenvolvido.
Capítulo 1
O Evangelho do Reino
1
Isaías 11;
2
Isaías 53;
3
1 Tessalonicenses 5.23; Hebreus 4.12;
4
Lucas 1.46,47; Mateus
10.28; ICoríntios 5.3,5;
5
João 4.24;
6
Romanos 12.2;
7
Gênesis 2.16,17;
8
Provérbios 22.7;
9
João 8.44;
10
Efésios2.1;
11
Comentário do autor. Não
faz parte do texto bíblico;
12
Mateus 9.13;
13
João 3.10;
14
Mateus 11.28-30;
15
João 19;
16
Lucas 20.22;
17
Lucas 2.24;
18
Mateus 26.3-5; 27.1; João
11.47-53;
19
João 18.31;
20
João 19.12;
21
Mateus 27.15-17;
22
Lucas 23.19; Mateus 27.16;
23
Mateus 27.17;
Mateus 27.20;
25
Mateus 27.22;
26
Mateus 12.30;
27
João 4-34;
28
Atos 2.37;
29
Atos 2.38;
30
1Coríntios6.19;
31
Colossenses2.14;
32
João 5.24;
33
Apocalipse 20.12-15;
34
Mateus 11.28-32.
24
Capítulo 2
Um Outro Evangelho
1
Bonhõeffer, Dietrich, Discipulado, Ed. Sinodal, RS,
págs. 10 à 19.
Capítulo 3
0 Voto da Simplicidade
1
2 Coríntios 9.6;
2
Jeremias 2.12,13;
3
Mateus 13;
4
João 12.24;
5
Salmos 24-1;
6
Foster, Richard - Dinheiro,
Sexo e Poder - Ed. Mundo
Cristão, SP, 2005, pág. 67;
7
Filipenses 4.6;
8
2 Coríntios 6.10;
9
Filipenses 4.11;
10
Efésios 4.28;
11
2 Coríntios 8.5.
Capítulo 4
A Constituição do Remo
1
João 10.9;
2
Colossenses 10.9;
3
Efésios 2.8,9; Tito 3.5;
4
Mateus 28.19,20;
5
Mateus 5.1-12;
6
Mateus 5.13 a 7.23;
7
Mateus 7.24-28;
8
Mateus 5.27,28;
9
Mateus 5.38-41;
10
Santos, Ivênio dos - Santidade ao Seu Alcance - Ed.
Redenção, MG, 1999.
Capítulo 5
0 Princípio da Adoração
1
Romanos 7.18;
2
Salmos 40.17;
3
Williard, Dallas - Conspiração Divina - Ed. Mundo
Cristão, SP, 2001, pág. 124;
4
Apocalipse 3.16,17;
5
Gênesis 3.5;
6
Salmos 147.1
7
1 Timóteo 1.17;
8
Mateus 21.12,13;
9
Êxodo 26.31-33;
10
Mateus 27.51;
11
Hebreus 10.19-22;
12
ICoríntios 3.16,17;
13
1 Pedro 2.5;
14
1 Coríntios 10.31;
15
Mateus 18.20;
16
Gênesis 3.10;
17
Santos, Ivênio dos - San-
tidade ao Seu Alcance - Ed.
Redenção, MG, 1999, pág 95;
18
Tournier, Paul - Mitos e
Neuroses - ABU Editora, SP,
pág 27;
19
Romanos 12.3;
20
Efésios2.1;
21
Mateus 5.16;
22
1 Coríntios 10.31;
23
1 Timóteo 6.1346;
24
Mateus 10.29,30;
25
Romanos 8.28;
26
1 Tessalonicenses 5.18;
27
1 Coríntios 3.1047.
Capítulo 6
O Princípio do Servir
1
Efésios2.10;
2
Marcos 10.45;
3
Atos 20.35;
4
2 Coríntios 12.15;
5
João 9.5;
6
Mateus 7.12.
Capítulo 7
0 Princípio da Submissão
1
João 8.44;
2
Mateus 13.1-23;
3
Jeremias 2.12,13;
4
Santos, Ivênio dos - Santidade ao Seu Alcance - Ed.
Redenção, MG, 1999;
5
Salmos 37.4;
6
Powell, John - Por que Tenho
Medo de lhe Dizer Quem Sou?
- Ed. Crescer, SP, pág. 49;
7
Mateus 6.34;
Filipenses 4.6,7;
9
Lucas 12.13.
8
Capítulo 8
0 Princípio da Santidade
1
Colossenses 1.19;
2
1 Timóteo 2.5;
3
Efésios 1.1 (Ver também
Romanos 1.7; 1 Coríntios 1.2;
2Coríntios 1.1; Filipenses 1.1;
Colossenses 1.1);
4
1 Pedro 2.9;
5
1 Pedro 2.9 (RC);
6
João 1.11-13;
7
João 14.21;
8
Efésios 4.28;
9
Efésios 4.28,29;
10
1 Tessalonicenses 4.3;
11
Mateus 28.20;
12
Mateus 28.20;
13
1 João 3.9;
14
1 João 1.8-10
15
Efésios 2.1;
16
João 8.43;
17
1 Coríntios 2.14;
18
2 Timóteo 3.16.
Capítulo 9
0 Princípio do Perdão
1
Lamentações 3.22;
2
Isaías 55.7;
3
Lucas 1.53;
4
Tiago 4.6;
5
Powell, John - O Segredo do
Amor Eterno - Ed. Cres-
cer, SP, pág. 69;
6
2 Crônicas 20.7; Isaías 41.8;
Tiago 2.23;
7
Gênesis 18.16-33;
8
Jonasl.2;
9
Jonas 1 e 2;
10
Jonas3.4;
11
Mateus 7.5;
12
Efésios 4.26;
13
Tiago 5.20;
14
Mateus 18.18;
15
Atos 1.15-26;
16
Galatas 1.1;
17
Mateus 18.19;
18
Mateus 18.21;
19
Mateus 18.22;
20
João 13.1-17;
21
1 Coríntios 9.22;
22
Hebreus 12.15;
23
2 Coríntios 5.10;
24
Apocalipse 21.4;
25
1 Coríntios 2.15;
26
Efésios 5.11.
Capítulo 10
0 Princípio da Reconciliação
1
Mateus 26.29;
2
Hebreus 10.20;
3
Organização Palavra da Vida
4
Tiago 4.11;
5
1 Pedro 4.8;
6
Tolo, tradução do more
(Grego); Maldito ou Anátema, tradução de more
(Aramaico);
Capítulo 11
0 Princípio da Integridade
1
A palavra LEB aqui traduzida por coração é empregada
também no sentido de personalidade, intelecto e volição;
2
Mateus 7.11;
3
Marcos 10.18;
4
João 14.6;
5
João 1.47;
6
João 1.45,46;
7
Isaías 7.14;
8
Mateus 1.24,25;
9
Mateus 12.46-50; Mateus
13.53-58;
10
João 3.16;
11
Lucas 2.7;
12
1 Timóteo 1.19;
13
Salmos 119.11;
14
Provérbios 3.5,6;
15
João 8;
16
Mateus 19.10;
17
João 14.18-26;
18
1 Tessalonicenses 2.13
19
Êxodo 20.12;
20
2 Coríntios 6.14;
21
Deuteronômio 22.13-21;
22
João 18.31;
23
Mateus 19.11,12;
24
1 Coríntios 7.7-9;
25
João 4.
Capítulo 12
O Princípio do Testemunho
1
Atos 1.8;
2
2 Coríntios 5.17-20;
3
Thielicke, Helmut - O Mosaico de Deus - Encontro Publicações, PR, pág 63;
4
Jeremias 23.29;
5
Jeremias 2.13;
6
Lucas 8.14;
7
1 João 2.19;
8
Josué 10.12;
9
Apocalipse 2.10;
10
Atos 2.38;
11
Stuart Briscoe - Discipulado Diário Para Pessoas Comuns - Pág 5;
12
Hession, Roy - Queremos
Ver a Jesus - Ed. Betânia,
MG, pág 89;
13
Lewis, C. S. - Peso de Glória - págs 11 a 23;
14
Salmos 25.14;
15
2Coríntios5.10;
16
João 5.24;
17
Apocalipse 4.11;
18
Apocalipse 21.4;
19
Mateus 7.6
Capítulo 13
A Terapia de Deus
1
Mateus 8.1-3;
2
Marcos 2.17;
3
1 João 1.8;
4
Mateus 5.20;
5
Lucas 18.9;
6
Jeremias 3.13,14;
7
João 5;
8
Isaías 40.31;
2 Samuel 11 e 12;
10
2 Samuel 11.11;
11
2 Samuel 11.12,13;
12
2 Samuel 11.14;
13
2 Samuel 12.1-4;
14
2 Samuel 12.7-12;
15
Galatas 5.16;
16
Salmos 32;
17
Romanos 2.4;
18
Hebreus 12.4;
19
João 3.14,15;
20
2Coríntios5.21;
21
Isaías 53.5;
22
Mateus 3.14,15;
23
Hebreus 2.10;
24
Hebreus 12.2;
25
Colossenses 2.14;
26
Romanos 8.1;
27
Isaías 53.5;
28
Hebreus 10.19,20;
29
1 João 1.9;
30
Zacarias 13.6;
31
1 João 1.7;
32
1 João 1.9;
33
Isaías 43.25;
34
Salmos 130.4.
9
Conclusão
1
Galatas 5.22,23;
2
João 15.7;
3
João 15.7;
4
Salmos 16.2,5;
5
João 15.2.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Tournier, Paul - Mitos e Neuroses - ABU Editora
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