Práticas de Fansourcing: estratégias de mobilização e curadoria musical nas plataformas musicais Adriana Amaral1 “Music makes the people come together/ Music mix the bourgeoisie and the rebels” Music - Madonna Introdução O presente ensaio de cunho exploratório parte da observação de algumas estratégias de mobilização e curadoria da memória musical (Jennings, 2007) a partir dos fãs de música em plataformas digitais como Twitter, You Tube e Facebook entre outras. A questão aqui levantada, para além da problematização e de uma possível taxonomia das práticas, remete à ordem da experiência, dos afetos e da materialidade do conteúdo musical em sua circulação e consumo2 através dos fãs e seus perfis de sites de redes sociais e outras ferramentas on-line. Nesse sentido, indico a intersecção do on-line com o off-line nessas práticas, em uma relação de contiguidade e atravessamento entre diferentes suportes, linguagens e formas de compartilhamento e armazenamento que esteve relacionada ao ritual simbólico característico do “ser fã de música” desde suas primeiras manifestações, além de contribuírem para a possível construção do branding musical tanto dos artistas quanto dos gêneros. 1 Professora e pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná. Bolsista do CNPq (Nível 2). E-mail: [email protected] Twitter: @adriamaral 2 As concepções de consumo no âmbito das reconfigurações comunicacionais a partir das tecnologias de comunicação e informação são múltiplas e abordam uma gama variada de autores, fugindo assim ao escopo do artigo. Para fins meramente didáticos, indico a definição de consumo autoral (MORACE, 2009), no qual o consumidor-autor oscila entre uma menor influência das marcas através dos mecanismos estratégicos da publicidade e a cooptação e conseqüente padronização pelas grandes corporações, em um “choque entre tendências de consumo e estratégias de marketing que se tornaram expressão de uma lógica conceitual e comportamental “oposta” ao mainstream sociocultural” (MORACE, 2009, p.11) A proposta aqui delineada procura ultrapassar o discurso teórico do novo como julgamento de valor na construção do objeto, e, afinada ao que aponta Sterne (1999, p. 259) ao desenvolvimento de alternativas que extrapolem as concepções sobre a internet como um local autônomo e revolucionário, descolado de outras práticas sociais, mas sim como integrada a outras dimensões sociais cotidianas e banais. A fim de ilustrar esse panorama, observei de forma randômica – e através de uma abordagem híbrida - alguns aspectos da complexidade desse fenômeno ora em contextos macro ora pelas lentes da micro-análise através da observação e da crítica das práticas de uso estratégico de informações coletadas por audiências musicais (os fãs), doravante denominadas como fansourcing (Baym, 2009, Online). A mobilização de fãs de artistas de cunho pop3 como Depeche Mode, Lady Gaga e Justin Bieber - de certa forma ainda atrelados aos modelos massivos da indústria fonográfica - tanto como manifestações de artistas mais de nicho como Amanda Palmer, Trent Reznor e um gênero de música alternativa como o EBM4 (via divulgação do Dia do EBM, doravante indicado como #ebmday) são performatizadas através de novas práticas que ainda articulam a mediação musical (Sá, 2009) nos âmbitos on-line e off-line, como a classificação de gêneros e divulgação da marca/nome do artista através do uso das tags, as flashmobs sobre determinados artistas ou canções, o lipdub (em uma intersecção das práticas de vídeo e dublagem)5 e a produção de mixtapes6, entre outras. 3 “Por definição, a música pop também pode ser denominada de música popular. Isto diz respeito a uma classificação que envolve músicas as quais sejam atribuídos os seguintes critérios de popularidade: vendas de discos, público em shows e transmissão exaustiva em diversos meios de comunicação. Mas também existe um gênero musical chamado pop” (MONTEIRO, 2010, p.03). Embora as discussões de pop enquanto gênero sejam extremamente férteis, aqui tomamos pop no sentido mais “senso comum” do termo, como sinônimo de popular. 4 Electronic Body Music – Subgênero de música eletrônica alternativa, criado na Bélgica nos anos 80. 5 De acordo com a Wikipedia, “a lip dub is a type of video that combines lip synching and audio dubbing to make a music video. It is made by filming individuals or a group of people lip synching while listening to a song or any recorded audio then dubbing over it in post editing with the original audio of the song”. O lipdub deve primar por valores como: espontaneidade, autenticidade, participação e diversão. http://en.wikipedia.org/wiki/Lipdub 6 Uma prática de compilação de canções (por gêneros, artistas, anos, ou aspectos mais subjetivos etc) originalmente gravada em fitas-cassete e, atualmente produzidas e compartilhadas on-line em sites como o Mixtape.me (http://mixtape.me/) . “ Diferentes em certos aspectos – sejam eles estruturais, econômicos, estéticos ou técnicos – contudo, tais práticas apresentam características de remediação (Bolter & Grusin, 2000) de formatos midiáticos anteriores a essas tecnologias, como, por exemplo, os quadros de dublagem de auditório, os fãs-clubes presenciais, a gravação de fitas cassetes para trocas com outros fãs, a “cultura do cover”, entre outros. 1. Características das plataformas de música e suas apropriações Diversos estudos (Liu, 2007; Amaral, 2009; Baym & Ledbetter, 2008, entre outros) observam a emergência de práticas sociais e a constituição das principais características dos perfis nos sites de redes sociais de voltadas à música7 em uma construção simbólica dessas plataformas, delimitadas a partir das apropriações8 dos perfis nelas inseridos (como músicos, produtores, DJs ou fãs e participantes de alguma cena musical, por exemplo). A literatura sobre a temática enfatiza as negociações e a organização em torno da música como maneiras de composição da memória e das identidades das audiências a partir das relações ali travadas. Consideramos a produção e a classificação de conteúdo musical gerado pelos usuários (artistas/fãs) em rede como elemento de arquivamento informativo da memória musical, consciência de audiência segmentada em termos de identidade online. (Amaral, 2009, Online) Tabela 1 7 8 Para apontamentos específicos sobre as plataformas de música em si, ver Amaral (2009). A compreensão de apropriação das tecnologias compreende tanto as dimensões históricas quanto técnicas e simbólicas que dizem respeito das materialidades e das possibilidades de uso das ferramentas digitais pelos internautas. Apropriações das plataformas de música: Personalização musical Fruição dos bens simbólicos Compartilhamento de preferências Circulação da música Traçado simbólico de relacionamentos Banco de dados de informações musicais Memória social Reputação e constituição da marca Recomendação Organização hierárquica em torno da música Consciência de audiência segmentada Fonte: AMARAL, 2010 Os aspectos de ordem mais generalista da cultura da música nas plataformas digitais – aleatoriamente compilados a partir de estudos anteriores (Tabela 1) - são essenciais para a compreensão dos fluxos e dinâmicas emergentes. A personalização musical acontece em cada escolha de auto-representação, seja no compartilhamento de playlists, no visual das fotos editadas para o avatar, nos vídeos postados e no próprio lay-out do perfil, por exemplo, indicando o partilha de experiências musicais expressas em preferências de gênero, como na tagcloud do Last.fm (Figura 1) que indica a vinculação do perfil aos subgêneros da música eletrônica como house, cosmic disco, deep house, etc relacionada a carreira como DJ, relacionando tanto dimensões sensíveis como a personalidade e uma de discurso de visibilidade profissional. Figura 1 – Tagcloud de gêneros musicais do perfil do DJ Raul Aguilera no Last.fm Tais informações colaboram tanto para a circulação da música e para a constituição de um banco de dados, facilitando o acesso à busca e à retenção de informações, assim como compõem um frame de acesso à memória musical coletiva, atentando ora para as funções de recomendação do sistema (no caso de bandas ou músicas dentro de um mesmo estilo, ou que possuam semelhanças, sejam elas sonoras, estéticas, melódicas ou visuais) ora para a própria autoridade e reputação do perfil. O maior ou menor grau de “expertise” demonstrado visual/sonoramente pelo perfil pode conferir ao seu “autor” um papel distintivo dentro das relações sociais que constituem a organização em torno da música – seja ela nos fandoms, nas comunidades on-line ou mesmo no âmbito profissional de quem trabalha com música por exemplo. Assim, o tracejado simbólico de relacionamentos sofre alterações em seu design social, podendo constituir linhas mais finas como as dos newbies9 (novatos) recém inseridos em determinada subcultura ou traços mais espessos, como a dos atores sociais mais antigos na cena, por exemplo, que atuam como espécie de “consultor” ou “mentor” em uma cultura de amadores. 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina de “new boy”, gíria militar norte-americana. O dicionário de língua inglesa Longman (2005, p. 1105) aponta uma conotação relacionada à informática e à cultura nerd para esse termo informal: “Alguém que recentemente começou a fazer algo, em especial utilizar a Internet ou computadores” [original: “Someone who has just started doing something, especially using the Internet or computers” ] Essas operações são negociadas de forma complexa entre os diversos atores sociais que participam da performance afirmativa de gosto (Liu, 2007) conotadas via perfil e que são parte do ato de fruição da música como bem simbólico, incluindo a própria confecção de uma espécie de “marca musical” disseminada não apenas nos aspectos sonoros (a recomendação das canções per se em seu formato MP3 por exemplo) mas em outras linguagens como o texto (os escritos sobre a música, críticas, comentários, links e hipertextos, as letras das músicas), o visual (a fotografia de festas, shows, artistas ou capas de álbum e a própria vestimenta do avatar do perfil e até mesmo) e o áudio-visual (os videoclipes, as paródias, os vídeos de trechos de shows, etc). Além disso, esse fluxo de informações perpassa a materialidade off-line desdobrada em afetos de várias ordens: desde encontros presenciais, nas roupas, no resgate de suportes “lowtech” como o vinil e as fitas-cassete – emuladas em uma nostalgia “hightech” quando compartilhadas no formato de mixtape (Figura 2) e na sensorialidade de outros sentidos que amplificam o processo de audibilidade como tato e olfato por exemplo. Figura 2 – MixTape criada digitalmente emulando uma suposta “mídia morta” 1.1 Das práticas dos fãs – por uma abordagem entre o macro e o micro As negociações simbólicas identitárias que ocorrem nesse entorno legitimam outras práticas que, de certa forma, podem constituir uma organização social da cultura dos fãs de música, num sentido que pode ser atribuído ao que Raymond Williams (1992, p.208) denominava como organização social em torno das práticas culturais: “Assim a organização social da cultura, como um sistema de significações realizado, está embutido em uma série completa de atividades, relações e instituições, das quais apenas algumas são manifestamente “culturais”. Para iniciar podemos definir a relação entre as práticas midiáticas e cultura popular como um conjunto de práticas relacionadas com o consumo de meios audiovisuais digitais (câmeras, TV, Internet) que acontecem preferencialmente durante o tempo de ócio (no espaço social pessoal) e que conduzem a práticas relacionadas também com a sociabilidade em termos de criação e manutenção de relações sociais afetivas e de solidariedade (familiares, de amizade) e em termos de construção de identidades pessoais e coletivas (ARDÈVOL & SAN CORNELIO, 2007: 03)10 Igualmente importante é pensar nas noções de prática em uma abordagem que transita entre o micro e o macro, uma vez que, como afirma Fleury (2009, p. 16) não queremos reduzi-las apenas a um sinônimo de comportamento, mas pretende-se pensálas em termos de representações e dos contextos teóricos em que estão inseridas. A compreensão deste objeto multifacetado que são as práticas de fansourcing pode ser observada metodologicamente tanto como cultura, como artefato cultural e como mídia (Amaral, 2010), na medida em que seus efeitos se articulam em um circuito que contempla diferentes dinâmicas, textualidades e significações que fazem parte do cotidiano, mesmo que em diferentes contextos sócio-culturais. A aparente banalidade dessas práticas - que de forma alguma são inventadas pelo on-line - mas que amplificam seu poder de divulgação pelo caráter de viralidade ou que Boyd (2009) caracteriza como “replicabilidade”11– e que se desconstroem e se reconstroem a partir dessa trivialidade cotidiana, na qual precisamente “reside o poder dessas redes” (POSTHILL, 2010, Online). 10 Tradução: “Para empezar podemos definir la relación entre prácticas mediáticas y cultura popular como un conjunto de prácticas relacionadas con el consumo de medios audiovisuales digitales (cámaras, TV, Internet) que se realizan preferentemente durante el tiempo de ocio (en el espacio social personal) y que conllevan prácticas relacionadas también con la sociabilidad en términos de creación y mantenimiento de relaciones sociales afectivas y de solidaridad (familiares, de amistad) y en términos de construcción de identidades personales y colectivas”. (ARDÈVOL & SAN CORNELIO, 2007: 03) 11 Segundo a autora (BOYD, 2009, 30), a arquitetura e organização das culturas on-line afetam nossas práticas sociais. Ela indica quatro propriedades de sociabilidade mediada que devemos manter em mente quando estudamos esses comportamentos: persistência (aquilo que perdura), buscabilidade (a capacidade de ser encontrado), replicabilidade (viralização) e audiência invisível (a recepção). Assim, análise é pontuada pela construção dos objetos a fim de que eles nos permitam seguir as práticas e os atores sociais em suas performances, levando em conta não apenas a dimensão simbólica, mas também a dimensão material. A abordagem praxeológica proposta funciona como um entrelaçado que envolve “representação (narrativas), práticas (agenciamentos) e materialidade (infraestrutura)” (Ardevól et al, 2008, p.01). Alguns pontos dessas dinâmicas em fluxo merecem ser destacados e farão demarcam as observações e críticas discutidas na próxima sessão do texto. Dentre elas: A categorização, classificação e colecionismo indicados através da preocupação com a variedade de tags coletadas a partir dos estilos musicais, contribuindo para a análise dos usos e formas de colecionismo de música on-line através do social tagging. (Amaral e Aquino, 2009) Tais práticas são amplificadas pela infra-estrutura e pelo ambiente das plataformas, embora já ocorressem nas discussões off-line, na crítica e na imprensa especializada e em outros fóruns de encontro como festas, shows, etc. O processo de hibridização entre gêneros como mediadores da música a partir da escrita das tags e a conseqüente construção de autoridade dentro das cenas ou cybercenas a partir das recomendações. (Amaral, 2007). Disputas simbólicas de capital subcultural (Thornton, 1996) e DIY (Do It Yourself12) dos fãs (Jenkins, 2006). A noção de capital subcultural cunhada por 13 Thornton (1996, p. 11) em relação ao capital social de Bourdieu em sua pesquisa com a subcultura clubber torna-se um elemento representativo tanto para a representação dos perfis em suas narrativas de autenticidade e regras para o pertencimento; quanto para as práticas propriamente ditas - como no exemplo de esconder músicas desligando o scrobble (rastreador) do Last.fm porque elas não combinam com o perfil/identidade musical (Amaral & Aquino, 2009). 12 13 Faça Você Mesmo. Inserida dentro dos estudos pós-subculturais, a autora desvincula a categoria classe social, central para a concepção de capital social de Bourdieu do capital subcultural por considerar que as hierarquizações e distinções se objetificam de forma diferente dentro desses grupos específicos. No entanto, formulo aqui uma hipótese a ser observada em estudos futuros, de que nas relações de disputas midiáticas entre as diferentes subculturas a classe social ainda parece importar, tanto em relação ao tipo e formato de consumo e práticas quando em relação aos discursos de uma para com a outra. A definição de capital subcultural como uma espécie de forma de “hipness”14 aparece aqui como uma senha para compreensão de que a performatização para o outro é o que está em jogo. “Capital subcultural confere status ao seu proprietário nos olhos do seu espectador relevante (...) O capital subcultural pode ser objetificado ou corporificado”15. Sua objetificação se dá no âmbito das coleções de discos ou dos cortes de cabelo, enquanto que sua incorporação se dá “na forma de “saber o que é preciso”, como, por exemplo, no uso de gírias específicas ou no fazer a coreografia do momento. O “Faça-Você-Mesmo” dos fãs acontece através de práticas audiovisuais e de mobilização como o lipdub ou as flashmobs, entraria como uma corporificação já que participar desses “acontecimentos midiáticos’ implica aprender as coreografias e/ou as letras das músicas em um processo cognitivo e de engajamento corporal através de diferentes linguagens extra-musicais como o teatro, a performance e a dança. Enquanto objetificação, o DIY dos fãs pode ser relacionado às apropriações dos materiais “oficiais”, que podem servir de tributo e homenagem, como no caso da criação da História em Quadrinhos (HQ) Headhunter (Figura 3), criada a partir da narrativa e letra da canção de mesmo nome do grupo belga Front 242 e compartilhada durante o #ebmday. A mobilização em torno de um dia dedicado ao gênero EBM (24 de fevereiro, ou 24/2 em homenagem ao Front 242) começou via em uma comunidade do Facebook16, depois foi criado um hotsite (http://internationalebmday.org/) e se espalhou por outras plataformas na rede, principalmente através da hashtag #ebmday no Twitter. O interessante dessa prática foi criar um espaço para troca de informações e conversações 14 Não há uma tradução para o termo “hipness”. Ele é um neologismo cunhado como substantivo para a gíria “hipster”, que significa: um grupo de pessoas profundamente conscientes sobre ou bem informado sobre as últimas tendências, seja ela da moda, da música, das artes, etc. Os ‘hipsters” normalmente são aqueles que lançam as tendências dentro das subculturas, embora atualmente também exista uma cena “hipster”, muito relacionada à cultura da moda (popularmente chamados no Brasil de fashionistas). No dicionário Longman aparece como “someone who is considered fashion” (LONGMAN, 2005, p. 770, ou seja “alguém que é considerado como moderno (aqui no sentido de andar na moda)’. Os hipster seguem os fluxos do hype midiático (GRAY, 2007, p. 01). A palavra tem origem em hip, que significa quadril. A gíria hipster surge a partir das calças hipsters, que são calças apertadas nos quadris e que não cobrem a cintura. A relação com a questão da expressão corporal e da moda, fica explícita quando investigamos as origens da gíria. 15 Tradução da autora: “Subcultural capital confers status on its owner in the eyes of the relevant beholder. (...) Subcultural capital can be objectified or embodied.” (Thornton, 1996, p. 11) 16 http://www.facebook.com/group.php?gid=180898621138 entre os fãs desse subgênero de nicho evidenciando que nessa subcultura específica há muito mais interações e negociações on-line do que offline, uma vez que poucos são os eventos relacionados a ela – muito devido à questão das disputas simbólicas por hierarquia geracional (novatos x antigos na cena). A tag não virou Trending Topics no Twitter (ao contrário por exemplo do novo ídolo pop Justin Bieber17 e dos lançamentos de vídeos de Lady Gaga que rapidamente entram nos tópicos mais discutidos), obviamente porque esse estilo musical está fora do circuito mainstream - embora algumas canções tenham sido hits, inclusive tendo sido bastante executadas nas pistas e rádios nos anos 80 e início dos 90 juntamente com o que se denominava na época technopop, contudo após essa fase retornou a ser um estilo de nicho. Apesar de muitos pregarem que em função da "visibilidade" da internet, o conceito de underground não fizesse mais sentido, fica nítido que alguns protocolos da rede ainda operam dicotomicamente. Naquele dia, as tags relativas ao programa Big Brother Brasil (#bbb), no exemplo brasileiro, estavam entre os tópicos mais discutidos. A questão semântica da tag foi o elemento agregador, no entanto, alguns fãs utilizaram a troca de seus avatares fotográficos por logotipos ou imagens relacionadas à cultura rivethead/tronco18, em uma prática que parte dos próprios perfis e utiliza os elementos visuais como mais uma forma de comunicação. Em São Paulo houve um encontro presencial, entre membros da subcultura. Além da transmissão de links, muitos participantes contribuíram produzindo conteúdo relacionado ao EBM não só enquanto gênero musical, mas dicas de, filmes, roupas, locais, e mesmo elementos cotidianos expressos em tweets e posts de blogs que denotam a experiência em relação ao gênero ("gostaria de estar em um club esfumaçado ouvindo ebm" ou "saí com a camiseta do Front 242 em homenagem ao dia") o que contribui para a fixação ora de esterótipos ora dos códigos utilizados pela linguagem da subcultura em questão. Também foram destacadas as apropriações criativas e coproduções postadas pelos fãs como remixes, djsets e mashups de músicas, fotografias, flyers e até a HQ acima citada. Tais desdobramentos mostram que a cultura material é 17 A mobilização dos fãs e de anti-fãs (ALTERS, 2007) do jovem Justin Bieber em relação à entrada ou não da tag nos TT tem sido objeto de muitas discussões tanto na mídia especializada tanto de música, celebridades quanto na cobertura sobre o Twitter, que recentemente alterou seu algoritmo de contagem de tags. 18 Adjetivo que categoriza os fãs do gênero. um elemento forte, apesar de uma aparente "desmaterialização" possibilitada pelas internet. Essa combinação de elementos constitui uma performatização do gênero - seja através dos perfis como indica Liu (2007), seja da comunidade como um todo - que é reconfigurada na e pelas redes digitais adicionando significados à estética subcultural. Figura 3 – HQ digital criada pelo desenhista e fã Daniel HDR a partir canção HeadHunter do Front242. Fonte: http://www.flickr.com/photos/danielhdr/sets/72157623503992514/show/ Acesso: 26/02/2010 Outro exemplo é o da ironia de uma cultura em questão, como no caso do microblog PorraDJ19, criado por um DJ e fã de música eletrônica que satiriza a banalização da atividade dos DJs, debochando dos discursos da mídia e das “subcelebridades” e famosos que utilizam essa cultura para se auto-promover. 19 http://porradj.tumblr.com/ Figura 4 – Micro-Blog PorraDJ Fonte: http://porradj.tumblr.com/ Acesso em 25/05/2010. Além disso, Thornton (1996, p. 14) explicita que a diferença entre as definições de capital social e de capital subcultural centra-se na noção da relação das subculturas com o consumo de mídia, uma vez que “ela não é meramente mercadoria simbólica ou marcador de distinção (que é a forma como Bourdieu descreve os filmes e jornais), mas sim uma rede de definição e de distribuição de conhecimento cultural (...) A diferença entre estar dentro ou fora de moda, com capital subcultural alto ou baixo está correlacionada de maneira complexa com níveis de cobertura de mídia, criação e exposição” Outra questão importante diz respeito aos fãs-curadores do acervo de memória musical informativa (Jennings, 2007, p. 35). Esse grupo específico de fãs de música, tende a utilizar a rede para resgatar suas escolhas musicais em termos de gêneros e artistas, preenchendo as lacunas de sua coleção e colaborando para a conservação de um legado a ser passado para outras gerações. “Uma vez que o público que tem atualmente mais de 30 anos não havia atingido a puberdade quando o punk estava no seu auge – muito menos quando os Kinks e os Stones estavam em sua melhor fase – essas publicações genuinamente representam uma herança para os leitores de uma faixa etária que não experimentou a música quando ela foi primeiramente lançada. O seu interesse é atiçado não pela nostalgia da sua juventude, mas por um interesse no grande alcance da tradição e nos artistas “clássicos” que definiram a configuração da música popular atual. (JENNINGS, 2007, p. 35)20. Blogs de crítica musical ou de download voltados para gêneros relacionados a um período histórico como rock clássico, ítalo-disco ou anos 80 se enquadrariam nesse tipo de apropriação curatorial da qual trata o autor. O lipdub DM For the Masses21, produzido por fãs poloneses da banda inglesa de synthpop Depeche Mode também pode ser enquadrada nessa categoria. O próprio título escolhido já remete ao álbum homônimo da banda lançado em 1987, demarcando o caráter de “autoridade” e conhecimento dos fãs nessa escolha intertextual, além de apontar para o caráter de “replicabilidade” do produto, em uma tentativa nítida de viralização. A banda existe há mais de 30 anos e muitos dos fãs atuais não conhecem as fases e os videoclipes mais antigos do grupo, daí a idéia de produzir colaborativamente um vídeo agregando os fãs de um determinado contexto nacional, distinto da origem do grupo (Polônia) e mobilizados através de um site especificamente produzido para isso22. O vídeo contém muitas imagens e referências intertextuais às distintas fases, imagens, capas de álbuns, notícias, informações e clipes da banda – que só podem ser desfrutadas em sua totalidade no “saber não legitimado, mas especializado” dos “verdadeiros fãs-conhecedores” demonstrando um discurso de autoridade e superioridade hierárquica em relação aos mais novos. As informações visuais (fotos) de cada uma das cenas dos vídeos oficiais que serviram de referência estão disponibilizadas no próprio site23. O vídeo remete em vários momentos a uma noção de conservação da memória e preservação do legado de entretenimento e afeto que a música da banda distribui entre pessoas de várias gerações. Uma das seqüências iniciais 20 Tradução da Autora: “Since anyone in even their late 30s now would not have reached puberty when punk was at its height – let alone when the Kinks and the Stones were in their prime – these publications genuinely represent heritage for readers from an age group that did not experience the music when it was first released. Their interest is fired not by nostalgia for their youth, but by an interest in the grand sweep of tradition and the “classic” artists who defined the shape of current popular music. (JENNINGS, 2007, p. 35). 21 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=47wIdSopHUc Acesso em 08/02/05. 22 Disponível em http://lipdub.dmuniverse.pl/en/ Acesso em 08/02/05. 23 http://lipdub.dmuniverse.pl/en/wideo-sceny/ mostra um dos participantes abrindo a porta de um galpão na qual se lê a placa “Museo Depeche Mode” [Museu Depeche Mode] (FIG. 5) demonstra a preocupação com o caráter de armazenamento e curadoria exercida pelos fãs como responsáveis por levar adiante a tradição e a historicização do legado da banda. Na cena final (FIG 6), na qual, de acordo com a estrutura narrativa dos lipdubs, todos os participantes reaparecem juntos - com o áudio das vozes dos próprios fãs cantando em sobreposição à música, diferentemente de todo o resto do vídeo caracterizado pela mímica e dublagem – há uma legenda “It´s been 30 years and we just can´t get enough” [Passados 30 anos e nós ainda não temos o suficiente] remetendo a afetividade dos fãs em sua relação com a banda24 mostrando a devoção e apropriação do consumo musical (não sendo o suficiente), a uma indicação da passagem do tempo informando assim aos mais fãs mais novos acerca da carga histórica do grupo no cenário do pop atual e, finalmente um trocadilho com o própria canção dublada “Just can´t get enough”, um dos hits mais conhecidos do Depeche Mode, apontando para o caráter disseminatório e viral dessas informações. Também observamos no quadro, uma faixa da cerveja Heineken, funcionando como um tipo de apoio/patrocínio para a produção do vídeo e tendo como troca a inserção da marca durante os segundos finais. E ai observa-se que mesmo algo criado com um caráter e potencial aparentemente lúdico e livre em seus formatos de distribuição, pode, de certa forma, prescindir de uma ação publicitária das mais tradicionais como o merchandising. 24 Nessa relação de interação entre fãs e artistas atinge uma espécie de “legitimação” e “recomendação oficial” quando Alan Wylder, ex-membro do Depeche Mode envia um comentário parabenizando o vídeo e a equipe, postado rapidamente no site oficial: “Thanks Wow – incredible video! Congratulations :) 30years……best wishes to everyone!” (Obrigada Uau – vídeo incrível! Parabéns:) 30 anos... cumprimentos a todos!” Figura 5 – Frame do vídeo DM for the Masses mostrando uma fã abrindo a porta do Museu Depeche Mode. Figura 6 – Seqüência final do lipdub mostrando a afetividade dos fãs. 2 Fansourcing e os modelos de obtenção de informação musical A fim de compreendermos a proposta de definição operatória de práticas de fansourcing delineada nesse artigo, é preciso primeiramente retomar a noção que origina o termo: Crowdsourcing. No estudo de Jenkins sobre as práticas convergentes, sourcing25 é definido como “obter informações de fontes diretas e muitas vezes não identificadas” (Jenkins, 2008, p.83). No caso específico citado pelo autor sobre os fãs do reality show norte-americano Survivor, a prática era considerada controversa devido a uma suposta elitização do saber dentro das comunidades dos fãs. Segundo Brabham (2008, Online), o termo crowdsourcing foi cunhado pelo jornalista Jeff Howe26 em junho de 2006 na edição da revista Wired27 para descrever “um novo modelo de negócios com base na Web que subordina soluções criativas de uma rede distribuída de indivíduos através de uma chamada aberta de proposições” em uma franca aplicação mercadológica e corporativa dos potenciais por trás do conceito – embora nesse texto Brabham proponha uma aplicação voltada a projetos que não visam o lucro e sim o bem público. O termo foi incorporado a partir dos domínios do marketing e da administração, disseminado em livros de divulgação científica e atrelado a um discurso que tende a atribuir um caráter “revolucionário” e supostamente novo a toda e qualquer apropriação das tecnologias digitais pelos usuários, desconsiderando propositalmente os aspectos negativos de cooptação dessas práticas pelas grandes organizações, como no caso de Shirky (2008). Tais autores consideram que o mero fato do conteúdo ter sido criado por usuários no contexto das redes é o suficiente para considerá-lo como um novo comportamento e atitude democratizante, desconsiderando que esse tipo de prática vem sendo organizadas de diversas formas ao longo de diversos processos sócio-históricos, como nos mostra a obra de Williams (1992). Para Felinto (2010, p.02), “em nenhum lugar esse culto da ruptura e da criação ex-nihilo é tão evidente quanto nos títulos das obras de “divulgação” sobre tecnologias digitais. Tais bordões são projetados para produzir no leitor uma sensação de maravilhamento tecnológico, entusiasmo infantil e desprezo por tudo aquilo que é “antigo”. De fato, ao se observar mais atentamente a retórica de muitos desses títulos, 25 Sourcing é um neologismo criado a partir da palavra source que em língua inglesa significa fonte. Um dos significados desse termo indica sua intimidade com a questão da informação: “uma pessoa, livro, ou documento que lhe fornece informação (LONGMAN, 2005, p. 1583) 26 Colaborador da revista Wired e autor do livro Crowdsourcing: why the power of the crowd is driving the future of business, publicado em 2008. Informações obtidas no blog do autor: http://crowdsourcing.typepad.com/ Acesso em 10/05/2010. 27 http://www.wired.com/magazine/ percebe-se a presença de alguns traços exaustivamente repetidos – o que não deixa de constituir uma irônica contradição com o discurso da novidade radical.” Já o próprio Howe (2008), tenta desvincular o neologismo “crowdsourcing” da questão tecnológica e sim relacioná-lo aos comportamentos humanos de agregação, “trabalho amador” e à diversão, afirmando que “while crowdsourcing is intertwined with the Internet, it is not at its essence about technology. (...)Far more important and interesting are the human behaviors technology engenders, especially the potential of the Internet to weave the mass of humanity together. (...)It is the rise of the network that allows us to exploit a fact of human labor that long predates the Internet: the ability to divvy up an overwhelming task—such as the writing of an exhaustive encyclopedia—into small enough chunks that completing it becomes not only feasible, but fun”.(HOWE, 2008, Online, grifo meu) Apesar desse enfraquecimento dos termos por conta desse tipo de discurso, também não cederemos à facilidade de argumentos e à defesa da indústria da comunicação massiva, enfatizando que tais práticas produzidas por amadores estão “destruindo a cultura e os valores ocidentais” como tenta denunciar de forma moralista Andrew Keen (2009). O presente texto objetiva, como afirma Sterne (1999, p. 276), encontrar uma terceira voz que dê conta da pluralidade emergente de práticas e que vá além dessa dicotomia apresentando seus afetos e conflitos e analisando como seus conteúdos, formas, gêneros e gramáticas produzem subjetividades e são levados por fluxos de forças que variam contextualmente. Afinal, os sujeitos por trás dessas práticas on-line são os sujeitos de todo o resto. Assim, o que chamo de fansourcing é um tipo de prática de coleta e distribuição de informações, e apropriação criativa de material de determinado artista, produzidas por um grupo de fãs específico (um fandom, seja ele de música, programas de TV, filmes, livros, etc), relacionadas às negociações de identidade e do capital subcultural e disponibilizadas na forma de diferentes produtos midiáticos, amplamente divulgados de forma organizada e sistemática através das plataformas on-line. O fansourcing pode funcionar como uma narrativa de aproximação e mobilização dos fãs como curadores do material ou na relação de interação com o seu objeto de colecionismo (músicos, diretores de cinema, atores, por exemplo). Assim, o fansourcing é entendido como uma prática emergente nas redes cujos fluxos comunicacionais já foram enraizados na cultura popular dos fandoms mas que agora estão visíveis tanto para apropriações lúdicas como para apropriações que até mesmo gerem lucro para a indústria do entretenimento em uma relação ambígua cujo cerne se encontra anteriormente na dicotomia mainstream x underground. A relação dos fandoms de música e sua conexão com a coleta, curadoria e classificação de informações acerca de seus artistas ou gêneros favoritos permite que ele seja “muito mais facilmente tornado visível enquanto uma intrínseca parte da autodefinição em uma ampla variedade de situações” do que os fandoms de “narrativas”28 como de series, filmes, livros, entre outros. (Nancy Baym, 2009, Online). Considerações Finais “One of my ex-students once said 'music is my ethnicity'. People want to find other people who are like-minded so instead of finding their ethnic identity through birth they find it through aesthetic preferences and that becomes their identity” (FONAROW apud JONZE,2008, Online) No presente artigo, problematizei questões relativas às práticas de fansourcing em busca de uma possível definição operatória do conceito, apresentando rupturas e continuidades das mesmas dentro da cultura do “ser fã”, em seus rituais e comportamentos mediados pelas plataformas digitais. As sujetividades aparecem na intersecção do olhar entre o macro e o micro e no hibridismo de abordagem metodológica entre o on-line e off-line, buscando na materialidade e nas suas discursividades históricas e comparativas com outros processos comunicacionais, referências para uma análise cultural dos fandoms como possíveis curadores e mobilizadores da produção de conteúdo musical. Na cultura contemporânea, tais práticas têm o seu trabalho rapidamente tornado visível e ganham amplificação através da distribuição dos produtos resultantes (lipdubs, mixtapes, categorização via tags, entre outros) nas redes digitais e mais especificamente, 28 Há muitas questões que ainda podem ser trabalhadas tanto em relação às similaridades quanto ás diferenças explicitadas nas práticas fansourcing em diferentes tipos de fandoms. Para uma introdução ao tema ver Baym (2009). na construção personalizada e performatizada de um “gosto musical” negociado simbolicamente com outros participantes. Além disso, a objetificação e a corporificação do capital subcultural adquirido através da participação em tais ações pode ser observada em fluxo entre o trabalho amador voltado ao entretenimento, à diversão e à conservação de um determinado legado musical, tanto quanto à cooptação dessas estratégias de produção coletiva para fins comerciais e atrelados a modelos corporativos. Essas práticas merecem ser abordadas sob vários outros ângulos e problemáticas, sejam elas históricas, econômicas, estéticas, experenciais, entre outros. Referências Bibliográficas: AMARAL, Adriana. Categorização dos gêneros musicais na Internet - Para uma etnografia virtual das práticas comunicacionais na plataforma social Last.fm. pp. 227-242. In: FREIRE FILHO, João., HERSCHMANN, Micael. (orgs). Novos rumos da cultura da mídia. Indústrias, produtos e audiências. Rio de Janeiro: Mauad, 2007. AMARAL, Adriana. Plataformas de música on-line: práticas de comunicação e consumo através dos perfis. 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