65 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ CONTROLE SOCIAL: ASPECTOS TEÓRICOS, REFLEXÕES E DIÁLOGOS NA EDUCAÇÃO SOCIAL CONTROL: THEORETICAL ASPECTS, REFLECTIONS AND DIALOGUE IN EDUCATION FREIRE, Eduardo José1 RESUMO Este artigo tem como objetivo evidenciar a importância do controle social do Estado contemporâneo, dando ênfase às políticas sociais, em especial à educação, numa perspectiva teórica. A metodologia baseou-se em revisão bibliográfica a partir de uma abordagem materialista histórica dialética ante a realidade que circunda a temática, por sua vez, marcada por relações contraditórias, conflitantes e antagônicas. As categorias eleitas referem-se ao Estado, à Sociedade, às Políticas públicas, à Participação e ao Controle Social. Foram fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho e análises críticas, as produções de: Gramsci (1991; 2006), Davies (2008), Gohn (2011), Siraque (2009), Lima (2011). O trabalho está organizado, além da Introdução, em quatro Seções e Considerações finais. Palavras-chave: Controle social. Estado. Sociedade. Políticas educacionais. ABSTRACT This article aims to highlight the importance of social control of the contemporary state, emphasizing social policies, particularly education, from a theoretical perspective. The methodology was based on literature review from a historical materialist dialectic approach at the reality that surrounds the subject, in turn, marked by contradictory relationships, conflicting and antagonistic. Elected categories refer to the state, society, public policy, Participation and Social Control. Were instrumental in the development of this work and critical analyzes, the productions of: Gramsci (1991; 2006), Davies (2008), Gohn (2011), Siraque (2009) and Lima (2011). The paper is organized in addition to the Introduction, in four Sections and Final considerations. Keywords: Social control. State. Society. Educational policies. 1.INTRODUÇÃO O presente artigo se ocupa em discutir o Controle Social do Estado contemporâneo numa perspectiva teórica, procurando evidenciar a importância desta dimensão para a democratização das relações Estado e Sociedade no que tange às políticas educacionais. É 1 Mestrando no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso/Bolsista/Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Gestão e Financiamento da Educação Básica – GEPGFEB da UFMT. Endereço eletrônico: [email protected] ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 66 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ tema de poucas produções acadêmicas, existindo carência de estudos e alguns trabalhos dessa natureza, o que não desmerece reflexões acerca da temática. Também é certo que o assunto surgiu há pouco tempo, o que depreende investigações acadêmicas por meio de pesquisas, para ampliar discussões sobre potencialidades, limitações e possibilidades no campo do Controle Social no Brasil. Como a presente pesquisa trata-se de trabalho cientifico, cujo objeto perpassa um contexto em que se encontram elementos abstratos demarcados por conflitos, contradições, dilemas, limites e possibilidades, decorrentes da relação Estado/Sociedade no âmbito da educação pública, opta-se por uma investigação valendo-se de metodologia que auxilie na consolidação de dados capazes de desvelar tal dinâmica. Desse modo, para compreensão da realidade dada, dentre os métodos existentes, aproxima-se do materialismo históricodialético, pois “[...]permite uma apreensão radical (que vai a raiz) da realidade e, enquanto práxis, isto é, unidade de teoria e prática na busca da transformação, e de novas sínteses no plano do conhecimento e no plano da realidade histórica” (FRIGOTO, 1987, p. 73), ou seja, descortina as criações fetichizadas do mundo das aparências e prepara terreno para alcançar a realidade e a “coisa em si”. (KOSIK, 1976) Junta-se ao método de pesquisa o procedimento de revisão bibliográfica sobre o Controle Social, essencial para a definição do arcabouço teórico da pesquisa. A metodologia que possibilitou a construção deste trabalho assenta-se em revisão bibliográfica sobre as categorias Estado, Sociedade, Políticas públicas, Participação e Controle Social. Foram fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho, para as análises críticas, as interpretações e as discussões, as produções de: Gramsci (1991; 2006), Davies (2008), Gohn (2011), Siraque (2009) e Lima (2011). Acresce a essa Introdução, a organização deste artigo, em quatro Seções. Na seção 1, versam os conceitos de Estado e Sociedade Civil, iluminados por uma perspectiva marxista, situando-os num debate de cunho teórico, em que se privilegia o potencial crítico e mobilizador em torno dos respectivos elementos categoriais. Na sequência, apresenta-se brevemente, na Seção 2, aspectos teóricos das Políticas Públicas brasileiras, com enfoque para a área da educação básica. Na seção 3, abordam-se, discutem-se e analisam-se elementos interligados ao conceito de Controle Social, averiguando-se limitações e possibilidades na sua efetivação. Por fim, na última Seção, são apresentados os dispositivos ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 67 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ legais direcionadores do Controle Social no âmbito da educação pública. As considerações finais apresentam-se em seguida. 2 ESTADO E SOCIEDADE CIVIL: ASPECTOS CONCEITUAIS Dado o conceito de Estado não ser universal, por abrigar diferentes concepções e distintas opiniões de autores das mais diversas ciências, afirma-se o conceito de Dallari (2001, p. 118), segundo o qual Estado é entendido como “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinando território”. Embora sucinta, a importância dessa definição está na apresentação dos quatros elementos constitutivos da formação do Estado: povo, território, soberania e finalidade. Para a compreensão desses elementos estatais, busca-se em Siraque (2009, p. 3) uma breve conceituação dos quatro clássicos que habitam o conceito de Estado. Assim, articulando tais elementos, o autor explica: O território como o espaço físico onde habita o grupo humano (população) a ser organizado. Exerce o aparelho estatal o poder (faculdade de dirigir os negócios e de impor sanções jurídicas aos integrantes da sociedade), com o objetivo de alcançar o bem comum de toda a população (finalidade) De modo mais simplificado, “Estado = Povo + Território + Governo + Bem comum”, (JUND, 2008), ampliando, Estado é uma entidade jurídica criada pela organização política de um agrupamento de indivíduos, denominado povo, que faz uso da força, como poder suficiente de agregação para manter esse grupo organizado e coeso em torno de certos objetivos e ser reconhecido pela comunidade internacional, cujas finalidades estão descritas no ordenamento jurídico, que regula a forma de acesso e do exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, num determinado território. (SIRAQUE, 2009). Complementando, o Estado é uma entidade política num espaço territorial definido e que exerce a supremacia sobre as suas instituições. Por ser, de fato e de direito, supremo e legal depositário da vontade social, regula as demais organizações, colocando sob seu domínio todas as formas de atividades, cujo controle se estabelece mediante regras que evidenciem sua supremacia sobre os indivíduos e as sociedades de indivíduos. (SOUZA, 2009) O Brasil é classificado como um Estado Federal, composto por duas esferas de governo: Nacional (União) e a Regional (Estados). A Federação brasileira também traz, em ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 68 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ sua estrutura, um ente exclusivo, os municípios. Assim, o Brasil é República Federativa do Brasil, no qual União, Estados-membros, Distrito Federal e os Municípios, todos são autônomos entre si, e apenas o Estado Federal detém a soberania. (PALUDO, 2010) Paludo (2010), baseando-se na Constituição Federal de 1988, classifica a autonomia dos Entes Federativos em: auto-organização, autogoverno e autoadministração: A autonomia, que a CF/88 garante, se resume a três tipos especiais: autoorganização – organizam-se mediante constituição e leis próprias; autogoverno – capacidade de elegerem seus governantes e demais representantes políticos; autoadministração – organização para a prestação dos serviços de sua competência, compreendendo as atividades administrativas, tributárias, legislativas necessárias. (2010, p. 4) A perspectiva materialista histórica não é deixada de lado na compreensão do conceito de Estado. Pelo eixo teórico marxista, o Estado é pensado como expressão de relações sociais, o elemento político que rege tensões, trocas, conflitos e reflexões, numa luta velada pela hegemonia, cercada de contradições, quem sabe, modificadas pela oposição de forças, em defesa do controle da ação estatal pela democracia. Uma aproximação entre o Estado Moderno e o modo capitalista contemporâneo assentado na lógica de livre mercado traz consequências à democracia. O tempo atual é de valorização da acumulação do capital financeiro, em que se acentuam interesses econômicos na esfera política num arranjo que celebra o apoio do Estado na maximização de imperativos como acumulação, mercado, exploração, individualismo, competição, ganho, riqueza, lucro, entre outros, todos incompatíveis à expansão da reprodução social do cidadão nos liames da democracia popular, afeiçoada aos princípios de participação e de controle do Estado pela sociedade. Wood (2006) acerca da relação capitalismo e democracia clássica, fazendo um reexame desses dois institutos, constata que ambos apresentam conteúdos incompatíveis. Em suas palavras: Não existe um capitalismo governado pelo poder popular no qual o desejo das pessoas seja privilegiado aos dos imperativos do ganho e da acumulação e, no qual, os requisitos da maximização do benefício não ditem as condições mais básicas de vida. O capitalismo é estruturalmente antiético em relação à democracia, em princípio, pela razão histórica mais óbvia: não existiu nunca uma sociedade capitalista na qual não tenha sido atribuído à riqueza um acesso privilegiado ao poder. Capitalismo e democracia são incompatíveis também, e principalmente, porque a existência do capitalismo depende da sujeição aos ditames da acumulação capitalista e às “leis” do mercado das condições de vida mais básicas e dos requisitos de reprodução social mais elementares, e esta é uma condição irredutível. Isso significa que o capitalismo necessariamente situa cada vez mais esferas da vida cotidiana fora do parâmetro no qual a democracia deve prestar conta de seus atos e assumir responsabilidades. Toda prática humana que ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 69 -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------possa ser convertida em mercadoria deixa de ser acessível ao poder democrático. Isso quer dizer que a democratização deve ir da mão da “desmercantilização”. (WOOD,2006. p.396) Neste sentido, no Estado capitalista, as políticas educacionais ficam sujeitas aos interesses de grupos hegemônicos, uma minoria detentora de poder inserida na organização política e econômica da Nação. O Estado capitalista tem sua estrutura e ação orientadas para atender principalmente aos interesses gerais das classes dominantes e também de suas várias frações, embora não seja um bloco monolítico e reflita, em maior ou menor grau, não só diferenças e divergências no seio das classes dominantes e das burocracias estatais, como também, ainda que minoritamente, os interesses e ações das várias frações das classes trabalhadoras e/ou das entidades e dos partidos que alegam representá-las.(DAVIES, 2008) Deitos (2005) assevera que: A política educacional, uma componente da política social, insere-se no âmbito do processo de desenvolvimento social engendrado pela ordem capitalista, e como tal, está imbricada imediata e mediatamente no metabolismo dessa sociedade, e não pode, contraditoriamente, existir sem a sustentação direta ou indireta do Estado. E, como uma política social, só pode existir porque o Estado capitalista se reproduz também nela, congrega nos seus limites e possibilidades as contradições que perpassam a luta de classes como mediações e tensões sociais, econômicas e ideológicas que, afloradas e canalizadas sob o comando deste aparato estatal capitalista, são tratadas como possibilidades históricas generalizáveis e eticamente aceitáveis (DEITOS, 2005, p. 328). Nessa direção, argumenta-se que as políticas educacionais brasileiras ratificam as conveniências do sistema capitalista, centradas na lógica das proposições gerencialistas, que redefiniram a forma de organização da educação, sobretudo na gestão, reconfigurada dentro de princípios mercadológicos, fundamentados em descentralização, flexibilização, eficiência, eficácia, racionalidade, dentre outros. Em tal perspectiva, na compreensão de Lima (2011), Neste momento, o Estado tem adotado, na gestão da educação pública um “ethos competitivo” cuja ênfase é posta nos resultados ou produtos dos sistemas educativos. A avaliação é pré-requisito para que seja possível a implementação de controle de despesas públicas, a partir da adoção de um modelo de gestão no setor público, induzindo a criação de mecanismos de controle. (LIMA, 2011, p. 48). Ocorre que a efetividade do controle social sobre as políticas educacionais implementadas pelo Estado capitalista depende do avanço da sociedade. Desse modo, entre sociedade e Estado existe um movimento, uma dialética que integra conflitos e contradições. Isto posto, Bobbio (1994), baseando-se em Antonio Gramsci, afirma que: ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 70 -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------O Estado não é um fim em si mesmo, mas um aparelho, um instrumento; é o representante não de interesses universais, mas particulares; não é uma entidade superposta à sociedade subjacente, mas é condicionado por essa e, portanto, a essa subordinado; não é uma instituição permanente, mas transitória, destinada a desaparecer com a transformação da sociedade que lhe é subjacente. (Bobbio, 1994, p. 23). A realização de Controle Social pressupõe a interação entre Estado e Sociedade, a democratização da participação popular nesta relação é necessária e imprescindível, o cidadão, participando do planejamento e execução de políticas públicas, atua junto ao governo, o espaço é de disputa e consenso, uma correlação de forças. Assim, a sociedade é dividida em classes antagônicas, uma coletividade contraditória e desigual, em que os interesses de apenas uma – a classe dominante, prevalece e sobrepõemse as demais. Nesse palco, o Estado constitui-se como um aparelho que se maximiza para o mercado e se minimiza para as políticas sociais, mostrando-se sempre um implacável reprodutor das relações capitalistas. Para Harvey (2011): O Estado se envolve, inter alia,quando se trata de imigração e leis trabalhistas (salário mínimo, jornada de trabalho e regulação das condições de trabalho), fornecimento de infraestrutura sociais (como educação, formação e saúde) que afetam a qualidade da oferta do trabalho e políticas destinadas a manter o exército de reserva ( a provisão de bem estar social). (HARVEY, 2011, p.46) Na perspectiva da teoria de Gramsci2, o par conceitual Sociedade Civil/Estado ocupa posição central na sua filosofia da práxis. Os conceitos gramscianos sobre Estado e Sociedade Civil afirmam uma possibilidade de luta pela hegemonia que amplia o conceito de Estado em relação a ortodoxia marxiana. Para Gramsci, as classes populares também podem se tornar hegemônicas e avançarem com a luta política para a construção de um Estado Ético Popular e uma nova sociedade. Na concepção de Estado em Gramsci, estão presentes dois elementos: a sociedade civil - organizações responsáveis pela difusão de ideologias, como as escolas, as igrejas, os sindicatos, os meios de comunicação em massa etc. e a sociedade política, isto é, a coerção, a força de punição para legitimar sua hegemonia, assumindo o controle dos aparelhos educacional, social, político e administrativo. Segundo a narrativa de Gramsci (2006, p. 21): Podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem, respectivamente à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda 2 Antonio Gramsci (1891- 1934) foi militante político, marxista da década de 1920, dirigente, filho de camponeses pobres da Itália, nascido em província rustica e atrasada, vítima do fascismo. Como operário de fábrica, jornalista e político, conheceu e vivenciou as práticas das relações sociais e políticas da primeira metade do século XX, na Itália. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 71 -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que expressa no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. As duas esferas da superestrutura possuem uma relação dialética de “identidadedistinção entre sociedade civil e sociedade política”, enquanto a primeira compreende os organismos “privados” e voluntários, como os partidos, as diversas organizações sociais, os meios de comunicação, as escolas, as igrejas, as empresas etc., cuja função associa-se à elaboração e à difusão de ideologias e valores simbólicos, a segunda esfera, composta de instituições públicas, como o governo, a burocracia, as forças armadas, o sistema judiciário, o tesouro público etc. personaliza o conjunto dos aparelhos que concentram o monopólio legal da violência e da “dominação”. (SEMERARO, 1999) Semeraro (1999) afirma que, para Gramsci, o Estado não é uma realidade separada da sociedade civil, estão profundamente imbricados, um representa a face do outro, são componentes inseparáveis do Estado. Braga (2015), interpretando Gramsci, afirma que o Estado faz parte de um sistema, desenvolvido pela burguesia, com a finalidade de perpetuar e expandir o seu controle, buscando a dominação de uma classe sobre a outra, a inter-relação de forças, procurando consolidar-se no poder, mantendo a hegemonia, mediante mecanismos sutis, ante a crescente participação das massas na política. O Estado, em Gramsci, de forma ampliada, contempla a sociedade civil como protagonista dos movimentos de disputa da contra hegemonia através da participação de massas populares, processo este que adquire importância quando organizado e respaldado pelos princípios político, cultural e ideológico. Pelo postulado gramsciano, o cidadão, para assumir a função dirigente e ainda ocupar posição de poder hegemônico, precisa engendrar uma ação revolucionária consciente e ativa, direcionada para o transformismo3 da realidade. Dentro dessa perspectiva, o controle social ocorre num contexto marcado pela luta de classes sociais, movido pelo movimento histórico dialético de disputa, entre sociedade civil e Estado, ora como elemento de coerção, ora pelo consenso da coletividade. 3 DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS 3 Segundo Nosella (2010), é uma categoria presente nos estudos de Gramsci, referente a fenômeno que se manifesta diferenciadamente em diferentes condições, em especial, os intelectuais das classes subalternas. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 72 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ O Estado tem a função histórica de criar medidas adequadas para garantir à população acesso a direitos essenciais, para isso, esperam-se políticas públicas no país, contemplando os interesses coletivos, definidos a partir dos anseios e necessidades da população, esperados e desejados na regra do poder, instalados na relação Estado-sociedade, em que, muitas vezes, o governo, dependendo do grau de interesse, operacionaliza a favor de seus desígnios individuais, fortemente imbricados por forças do movimento capitalista que camuflam dominação, opressão e exclusão, em tempos de redefinição da concepção de democracia. As políticas, no âmbito público, podem ser compreendidas como “conjunto de ações governamentais concebidas com o objetivo de resolver problemas ou condições que afetam segmentos específicos da comunidade ou sociedade como um todo”. (CÁ, 2010, p.14) Esta concepção faz referência à realização de interesses sociais através de ações implementadas pelo Estado, influenciando ou não ao bem-estar das pessoas. Em geral, a elaboração e a execução dessas políticas são responsabilidades do Estado, contudo, a participação do cidadão no controle destas representa possibilidade de democratização da relação Estado e Sociedade Civil. Entretanto, promover a efetiva participação da comunidade local na formulação e avaliação crítica da execução de políticas públicas sociais em todas as esferas governamentais, com a finalidade de controle das ações governamentais em educação, saúde, assistência social, dentre outras, traz no mínimo o reconhecimento da complexa aproximação entre governo e sociedade, e, em que pesem os vestígios deixados pelo percurso histórico na cultura política nacional, conflitos e tensões no contexto federativo reafirmam desafios para a (re)construção de um Estado democrático em que se possa viabilizar o controle sobre ação governamental pela sociedade civil. Dentre as diversas políticas públicas criadas pelo Estado para atender às demandas da população, no caso particular da política social, enquanto “conjunto de princípios, diretrizes, objetivos e normas, de caráter permanente e abrangente, que orientam a atuação do poder público em determinada área”, (CARVALHO et. al., 2002, p. 12) a educação pública se coloca no estudo, priorizada, em tese, porque é um direito constitucional dos brasileiros e como tal, importa cuidados para sua execução. De acordo com o art. 205 da Constituição Federal de 1988: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 73 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Do Direito, nasce a obrigação do Estado de efetivá-la, para tanto, é preciso que seja garantido e cercado de todas as condições. Nesse sentido, defende-se a participação e autonomia da sociedade no controle dessa política, dentro da perspectiva de emancipação social, para a desarticulação de interesses capitalistas do aparelho estatal e a defesa de uma educação pública de qualidade, se existir disposição e interesse dos atores sociais a cultura política da sociedade. Para Peroni (2012), o poder público, em nome da lógica gerencial, chama a sociedade civil muito mais para a execução das políticas sociais, do que para a participação das decisões e do controle social. Isto posto, a sociedade deve não tão somente monitorar, acompanhar e avaliar da execução das políticas educacionais, deve conhecer amplamente a política pública, para propor, controlar, deliberar e intervir, sempre que necessário. O exercício do controle social pressupõe uma sociedade politizada, capaz de acompanhar a implementação e a execução das políticas públicas, promovendo ações propositivas, não apenas reivindicativas, o que exige disposição dos cidadãos brasileiros para tamanho papel, um caminho que se mostra como inevitável. O controle social emerge mais como objeto de esperança do que de realizações. 4. CONSTRUINDO O CONCEITO DE CONTROLE SOCIAL A palavra controle possui na literatura vários significados. Etimologicamente, a palavra procede do francês, “contrôle” ou “contre rôle”, cuja tradução é contra-livro, com sentido de verificação, fiscalização, análise de registros fiscais; para o latim medieval, temse, contra + rotulum, que significa “rolo, cilindro, rolo de escritos, rol, lista”; da língua inglesa, “control”, e consiste na acepção de poder, de dominação e de regulação; em alemão, “kontrolle” é sinônimo de fiscalização, revisão, inspeção e dominação. (COMPARATO, 1975, apud SIRAQUE, 2009, p. 88; HOUAISS, 2007) O dicionário das palavras apresenta algumas definições para controle: “1. Verificação administrativa; 2. Inspeção, fiscalização; 3. Denominação dada aos registros administrativos mantidos pelos corpos de tropa; 4. Domínio de si mesmo: não perdeu o controle; 5. Moderação, comedimento” (HOAUSSIS, 1980, p. 255) Estes significados evidenciam a existência de múltiplas e diferentes conotações para a palavra controle. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 74 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Na Administração Pública, de forma geral, controle assume ares de função existente para a garantia da efetividade da execução dos serviços, mediante orientação, monitoramento e correções, pelos órgãos interno e externo. Nesse sentido, é entendido como instrumento de fiscalização. O controle externo exercido pelo cidadão, desde a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas, e principalmente dos recursos financeiros necessários para a sua execução, assume um sentido distinto dos conceitos citados anteriormente. A ideia de controle do Estado pela sociedade civil prenuncia uma possibilidade de fortalecer a cidadania com práticas de democracia participativa e representativa na gestão das políticas sociais. Ademais, o controle social está classificado na categoria dos direitos e garantias individuais, que não visa a atender não somente o interesse individual das pessoas, mas ao interesse público, ao bem comum, ao interesse da sociedade, da coletividade, da cidadania e das próprias finalidades do Estado. O interesse finalístico do controle social é, na prática, o controle das ações dos governos, dos agentes da Administração Pública, tendo como interesse maior o saber se estão agindo conforme as normas constitucionais. Esse tema, no contexto brasileiro, insere-se pelos movimentos da sociedade brasileira, em lutas por melhorias de condições de vida, garantia de direitos sociais, a favor da participação do cidadão brasileiro no exercício do poder. Tomando como marco a redemocratização ao final do Regime militar no Brasil, período que fortaleceu os movimento de participação popular na política na década de 1980, traça-se, brevemente a evolução da participação social no Brasil. Com o advento dos movimentos sociais, em meados de 1970 e início de 1980, articulados por diversos segmentos da sociedade, reivindicando direitos sociais, ampliou-se a participação popular em debates políticos. Segundo Gohn (2011), na década de 1980, a participação popular era um esforço organizado sobre o controle dos recursos e das instituições que controlavam a vida em sociedade, acesso e reconhecimento dos direitos sociais, econômicos e políticos, através da atuação em conjunto da sociedade civil organizada, em movimentos e associações comunitárias, dos quais integrava o povo, até então excluído dos círculos de poder. A partir da década de 1980, com a transição política do país, registraram-se movimentos fomentadores de abertura política. Entidades partidárias, professores, ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 75 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ estudantes, dirigentes sindicais, comunidades eclesiais, artistas, entre outros segmentos, estiveram presentes e engajados nos movimentos sociais, lutando pela volta e manutenção da democracia enquanto direito constitucional. (ABICH, 2008) Esses movimentos foram articulados por uma pluralidade de atores, que com suas concepções subjetivas protagonizaram a luta pela cidadania ante ambiente altamente centralizado, como foi o governo militar. Especificamente no ano de 1984, os brasileiros viveram um dos momentos de maior participação política na história do país. Neste ano, aconteceram manifestações populares aspirando ao retorno do direito de voto para presidência da República, com destaque para mobilização alcançada com a Campanha pelas “Diretas Já”. As pessoas se envolveram não só com a questão da mudança institucional, mas, a expressão “Já” significou o desejo claro de mudar imediatamente aquela situação. A pressão popular, em passeatas e comícios na cidade de São Paulo, no Vale do Anhangabaú, pelo apoio dos políticos congressistas para aprovação da Emenda Dante de Oliveira, marcou história política do país, e deu abertura para a participação popular em movimentos prol mudanças do quadro político nacional. A oitava Constituição Federal entrou em vigor em 05 de outubro de 1988, simbolizou o fim do período sombrio vivenciado pelo Brasil no período militar e selou a mais ampla negociação, mediada por representantes políticos e segmentos da sociedade civil, já feita na história das Constituições brasileiras. Essa negociação absorveu pressões e tensões políticas, econômicas e sociais. Misturou diversos partidos políticos e diversas ideologias. Nasceu a Constituição de todos, a constituição do povo, um livro quase sagrado, a Lei de toda as leis do Brasil, com avanços nos direitos individuais e sociais. A Lei maior reintroduziu o direito de participação política da coletividade nas decisões do Estado. Como modalidades de integração da sociedade à Administração Pública, citam-se dois casos, primeiro, do plesbicito para escolha de regime político do país, e o segundo, referendo para aprovação do Estatuto de uso de armas. Citam-se estes eventos pela mobilização popular a nível de participação na política brasileira. Esse processo de incorporação da participação do cidadão na vida pública vai ao encontro das expectativas das tensões políticas-sociais daquele período histórico, voltadas para os princípios simbólicos da democracia participativa. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 76 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ No exercício do controle democrático das políticas educacionais, a participação social apresenta-se como necessária e fundamental para as práticas de monitoramento, fiscalização, discussão e análises da execução das políticas sociais. Não há controle social sem a participação da população direta ou indiretamente, afinal, é ela que avalia as atividades praticadas pelos agentes públicos. Mas, vale ressaltar que as expressões controle social e participação popular são sinônimas. De maneira simplificada, “participação popular é poder político, partilha de poder entre o Estado e a sociedade, essencialmente para a elaboração de normas jurídicas. Controle social, é direito público subjetivo à fiscalização das atividades do Estado”. (SIRAQUE, 2009, XII) Ampliando a explicação, o mesmo Autor apresenta as seguintes explicações: O controle social é distinto da participação popular. Esta ocorre no momento da tomada de decisões, antes ou concomitantemente à elaboração do ato da Administração; é um poder político de elaboração de normas jurídicas. O controle social pode concretizar-se em dois momentos: 1) análise jurídica da norma estabelecida pela Administração Pública, como a relação de compatibilidade com outras normas de hierarquia superior; 2) fiscalização da execução ou aplicação dessas normas jurídicas ao caso concreto. Com a participação popular na elaboração de diretrizes, planos, orçamentos, programas, entre outras, constrói-se a ideia de controle social das políticas públicas. A partir do momento em que o cidadão insere-se no meio político interessado em conhecer, acompanhar, monitorar e fiscalizar a execução das ações públicas, está contemplando a prática do controle democrático. Siraque (2009, p. 103), em seus estudos sobre controle social, formulou a seguinte conceituação: É o ato realizado individualmente ou coletivamente pelos membros da sociedade, por meio de entidades juridicamente organizadas ou não, através dos diversos instrumentos jurídicos colocados a disposição da cidadania para fiscalizar, vigiar, velar, examinar, inquirir e colher informações a respeito de algo. Desta conceituação, controle social emerge como fenômeno que integra a via democrática, em decorrência do direito constitucional do cidadão brasileiro de participar, intervir e controlar ações do setor público relacionadas ao bem comum da sociedade. Como tal, insere-se num contexto marcado por tensões. 5 CONTROLE SOCIAL NA PERSPECTIVA LEGAL ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 77 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ O controle social exercido através da participação popular deve ter espaço institucional para que cumpra seus objetivos, desse modo, deve estar albergado pelo aparelho jurídico estatal e não meramente à revelia da manifestação espontânea dos interesses da população. (AGUILLAR, 1999) A Constituição de 1988 trata do termo controle nos arts 37, §8º, II, 49, X, 70, 197, 204, II, cujo significado relaciona-se às expressões de acompanhamento, de fiscalização e de capacidade. Reproduzindo conteúdo destes artigos, tem-se: Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 8º - A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: [...] II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, e obrigações e responsabilidade dos dirigentes; [...] Art. 49 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; [...] Art. 70 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Art. 197 - São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 204 - As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: [...] II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Portanto, na Carta Magna, o termo controle abrange dois sentidos, primeiro a fiscalização, segundo, refere-se ao domínio de manter a ordem pública. Dentre os dispositivos constitucionais mencionados anteriormente, o art. 204, em seu inciso II, com clareza, é o único que se aproxima do exercício de controle social, quando menciona a participação popular nas ações da Administração Pública. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 78 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ No ordenamento jurídico, o controle social classifica-se como direito subjetivo do cidadão, isto posto, “pode ser reivindicado por meio de ação judicial por uma só pessoa física ou jurídica, ou por um grupo de pessoas físicas ou jurídicas. Nesse sentido, o controle social é direito público subjetivo”. (SIRAQUE, 2009, p. 111) Siraque (2009) esclarece: O controle social da função administrativa do Estado é direito público subjetivo, tendo em vista que os seus titulares possuem direitos e as garantias desses direitos, os quais são oponíveis à Administração Pública, por meio dos remédios constitucionais. Caso necessário, os titulares do controle social podem buscar a tutela jurisdicional para a garantia do exercício do direito ao controle, submetendo a Administração Pública à soberania popular. Dentre as medidas existentes que materializam o interesse público sobre atuação estatal, destacam-se: Ação Popular, Mandado de Segurança Individual e Coletivo, Mandado de Injunção, Ação Civil Pública. A Ação Popular está prevista no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, cuja legitimidade pertence a qualquer cidadão que tenha como objetivo anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, ou, ainda, anular ato lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Trata-se de instrumento jurídico, regulado pela Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965, que oportuniza a participação popular no controle da gestão da coisa pública, como um instrumento de defesa dos interesses da coletividade. O Mandado de Segurança é o gênero que comporta duas espécies: o individual e o coletivo. Individual é definido por Siraque (2009, p. 188) como: “instrumento apto para a proteção de inúmeros direitos individuais. Acrescente-se ainda que o interessado pode impetrar tal medida contra diversos atos do Poder Público considerados inconstitucionais, em sua maioria, atos administrativos”. A Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009, disciplina o mandado de segurança individual e coletivo. Quando coletivo, pode ser impetrado por organização sindical, associação constituída legalmente, e partido político, entidade de classe, para garantia de direito dos interessados envolvidos contra: ato de autoridade, ilegalidade ou abuso de poder e lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo. Outro instrumento de garantia constitucional instituído via art. 5º, LXXI, denomina-se Mandado de Injunção e direciona-se para o “controle da inconstitucionalidade por omissão [...] o conceito de omissão aponta a não fazer o que de forma concreta e explicita estava constitucionalmente obrigado”. (TEIXEIRA, 2010, pp. 38-9) Desse modo, concebe-se este instituto: “Sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 79 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (BRASIL, 1988) O Mandado de Injunção revela-se verdadeiro instrumento de realização do princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, visando ao combate da inefetividade das normas constitucionais, para, com isso, a sociedade ter alcance da efetividade das normas constitucionais. (TEIXEIRA, 2010) Sobre a Ação Civil Pública (ACP), percebe-se como um instrumento previsto no texto Constitucional, no art. 129, inciso III, e legislação infraconstitucional, que confere à sociedade a possibilidade processual de socorrê-la na resolução de conflitos atinentes à tutela dos direitos da coletividade. Insta salientar que é a lei n. 7.347/85 que disciplina o referido instituto. Segundo a lei em questão, os representantes nomeados para tutelarem na defesa dos interesses da coletividade junto ao Poder Judiciário contra as deficiências estatais são: o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as fundações, as sociedades de economia mista e as associações. Outra forma de se fazer controle social, prevista na legislação brasileira, especialmente na Constituição Cidadã, nos arts.198, 204 e 206, refere-se aos Conselhos de políticas públicas nas três esferas do governo, entendidos por Siraque (2009, p. 128) como: “instrumentos concretos de partilha de poder entre governantes e a sociedade para a democratização da elaboração e gestão das políticas públicas, servindo de mecanismos de controle social das atividades estatais”. Em geral possuem em comum, segundo Siraque (2009), as seguintes características: a) criação por iniciativa do Estado; b) sua composição deve ser integrada por representantes do Poder Público e da sociedade; c) sua finalidade principal é servir de instrumento para a participação popular, controle social e a gestão democrática das políticas e serviços públicos; d) as decisões, poderão ser de caráter deliberativo ou consultivo; e) não remuneração dos Conselheiros; f) raramente os Conselheiros exercem essa função com exclusividade, pois a maioria dos seus membros tem outras atividades no setor público e no privado; ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 80 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ g) o Poder Público deve disponibilizar estrutura necessária para garantir a autonomia funcional dos Conselhos, como equipamentos, finanças, informações, assistência técnica e servidores públicos; h) os representantes do Poder Público, geralmente, são técnicos e os representantes da sociedade, na sua maioria, são leigos e oriundos de movimentos sociais; i) as reuniões devem ser em local de fácil acesso para o público, sendo o horário, data, local e pauta divulgados com antecedência; j) os representantes da sociedade não devem ocupar funções de livre nomeação e exoneração no Poder Público, ao qual o conselho se propõe a formular a política e o controle por determinado período; k) as atividades dos conselhos estão sujeitas a controle institucional e social; l) as decisões dos conselhos são equivalentes aos atos administrativos, estando sujeitas aos princípios e regras da hierarquia normativa, principalmente do art. 37 da CF. Na área da educação, o controle social se dá pelos Conselhos Municipais de Educação e os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS). Estes canais institucionalizados de participação política sustentam princípios descentralizatórios de decisões, concebidos de acordo com a capacidade da participação da sociedade local. Aproximando-se desse alcance, a ação coletiva promovida pelos diferentes segmentos da sociedade dentro desses Conselhos, levados dentro da perspectiva de emancipação social, representa campo fértil para a desarticulação de interesses do aparelho estatal e a defesa de uma educação pública de qualidade, se existir disposição e interesse dos atores sociais e cultura política da sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática de controle social no país é recente, por sua vez, o Brasil tem, em sua história, muito a explicar sobre a baixa efetividade da participação da sociedade civil brasileira no controle das políticas públicas sociais. Como diz Hobsbawm (1998, p. 17), “o passado fornece um pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito o que comemorar”. A formação sócio-histórica do Brasil apresenta elementos como dominação, escravidão, repressão, clientelismo, coronelismo, limitando o brasileiro na participação política da nação. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------JUDICARE-Faculdade de Direito de Alta Floresta – MT V.8,N.2(2015) http://judicare.com.br/index.php/judicare 81 -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Atuar numa perspectiva democratizadora, para além de formalismos, requer a superação da tradição conservadora absolutamente vinculada ao Estado burguês e rompimento com a natureza para a qual foi criado. Quando se fala da ruptura de uma tradição imperante, da necessidade de transparência, de diálogo, da construção de um consenso, da emergência de um projeto educativo que contemple os interesses da maioria da população, considera-se que esse aspecto é fruto de um trabalho que se dá no campo do concreto, por sujeitos que atuam politicamente. A efetividade do controle social também se relaciona com a mobilização da sociedade, o cidadão tem que assumir papel atuante e protagonista desse movimento de fiscalização e acompanhamento de políticas públicas como da educação brasileira. Não é por acaso que essa luta configura-se desafiadora num país com tão baixa cultura de participação na administração pública. Assim, as dimensões técnicas, burocrática, cartoriais, ainda estão presentes na cultura brasileira quando o assunto é controle de finanças e políticas educacionais, embora já seja possível perceber uma nova concepção de participação política do povo brasileiro. 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