Classificação de Fundos: podemos facilitar Prof. William Eid Junior Professor Titular Coordenador do GV CEF Centro de Estudos em Finanças FGV/EAESP Escola de Administração de Empresas de São Paulo Fundação Getúlio Vargas Abril de 2014 Indice Geral Introdução .......................................................................................................... 2 Classificação de Fundos no Brasil ..................................................................... 4 Classificação dos fundos no Brasil e no mundo ................................................. 7 Risco absoluto x Risco relativo e a classificação dos fundos ............................. 8 As consequências da complexidade da classificação de fundos ....................... 9 Podemos facilitar? ............................................................................................ 10 Índice de Gráficos e Tabelas Gráfico 1: Poupança por habitante ..................................................................... 3 Gráfico 2: Categorias de fundos no mundo ........................................................ 7 Tabela 1: Classificação Anbima...........................................................................6 Tabela 2: Alíquotas IR ........................................................................................ 7 Tabela 3: Classificação Morningstar .................................................................. 8 1 Introdução Fundos de Investimento são instrumentos fundamentais para as economias. Seja no financiamento da dívida pública, seja como canal privilegiado para a formação de poupanças das famílias. Segundo o Relatório de Fundos da Anbima de janeiro de 2014, o patrimônio total dos Fundos de Investimento era de R$ 2,35 trilhões. Desse montante 60,02% estavam investidos em títulos públicos federais ou em operações que têm esses títulos como lastro, totalizando R$ 1,4 trilhão. Segundo o Tesouro Nacional, a dívida pública brasileira totalizava R$ 2,12 trilhões no final de 2013. Logo os Fundos de Investimento respondem por 66% do financiamento da dívida pública. Isto é, os Fundos de Investimento são os maiores financiadores do Governo Federal. Por outro lado para as famílias o acesso aos Fundos de Investimento é fundamental para a criação de poupança, que vai não só garantir o futuro do investidor como trazer a necessária tranquilidade para exercer suas funções na sociedade de forma produtiva e eficiente. Além de ser a fonte de conflitos os problemas financeiros prejudicam a própria produtividade no trabalho, como demonstram pesquisas recentes conduzidas pelo GVCEF. Nelas, através do cruzamento das informações fornecidas pelos departamentos de recursos humanos e de questionários respondidos por funcionários, isso em 10 empresas de grande porte, ficou comprovado que os funcionários com maior estresse financeiro apresentam menor produtividade no trabalho. Indicadores como faltas, pedidos de abonos, atrasos e outros indicaram claramente esse fenômeno. Funcionários com problemas financeiros faltam mais, pedem mais abonos, atrasam mais e também pedem mais dispensas médicas. Nos EUA pesquisas similares indicaram ainda que os funcionários com problemas financeiros são mais propensos a cometer fraudes contra a empresa, mesmo as de pequena monta. E o brasileiro ainda poupa pouco. O gráfico a seguir traz os valores das poupanças per capita em diversos países em dólares norte-americanos. 2 Gráfico 1: Poupança por habitante Poupança por Habitante $30,000 $25,000 $23,861 $20,000 $15,000 $14,560 $11,353 $10,961 $10,214 $9,480 $10,000 $9,123 $9,029 $8,387 $8,322 $7,153 $7,061 $6,376 $6,322 $5,967 $5,249 $5,174 $5,161 $4,162 $5,000 $2,234 $1,862 $1,701 $1,681 $1,573 $1,224 $949 $868 $236 $- Fonte: World Development Data Base - Elaboração do autor O brasileiro tem a 26ª posição em termos de poupança individual do mundo, com um valor próximo a USD 950, ou R$ 2.500,00. Dada a renda per capita de R$ 24.000 em 2013, a poupança média por habitante equivale a pouco mais de um mês de salário desse mesmo habitante. Totalmente insuficiente para gerar um ambiente de tranquilidade financeira. Os Fundos de Investimento constituem-se no veículo mais apropriado para a acumulação de poupanças pela sociedade. Eles apresentam vantagens sobre outros investimentos, como: 1. Gestão profissional 2. Permitem acesso a ativos que de outra forma seriam inacessíveis aos investidores individuais 3. Oferecem diversificação nas suas carteiras 4. Oferecem produtos adequados aos diferentes objetivos dos investidores 5. São muito seguros, já que constituem-se em empresas separadas da gestão, tendo inclusive CNPJ distinto. Mesmo em relação à tradicional caderneta de poupança, os Fundos de Investimento oferecem vantagens. A caderneta não se adapta a diferentes objetivos e sua carteira de investimento não permite que o investidor, ou o gestor, tome proveito das diferentes 3 condições do mercado. Além disso, com as novas regras vigentes a partir do primeiro semestre de 2012, sua rentabilidade não é mais tão atraente. Mas há muito mais. Os investimentos realizados nos Fundos de Investimento trazem grandes benefícios para a sociedade. Além de serem veículos fundamentais para o financiamento do estado brasileiro, já que detêm mais de 60% dos títulos de dívida de emissão do Tesouro Nacional, parte importante dos recursos alocados nos Fundos de Investimento serve para o financiamento de empresas, seja através da compra de ações, seja através da compra de debêntures e outros títulos de crédito privado. Para termos uma ideia de valores, o volume de recursos investidos pelos Fundos de Investimento nas empresas é de pouco mais de R$ 1 trilhão. A título de comparação, o BNDES, principal fonte de recursos de longo prazo para as empresas brasileiras, investiu ao longo dos últimos 13 anos R$ 884 bilhões. Mesmo ignorando que o BNDES investe parte dos seus recursos em obras públicas e empreendimentos de outros países, ainda assim os Fundos de Investimento têm um estoque de investimentos 15% superior ao que foi investido nos últimos anos pelo BNDES. Os Fundos de Investimento tem papel preponderante na construção de uma economia sólida e diversificada e que seja uma forte geradora de empregos e melhores salários. Essas características os fazem um dos pilares para uma sociedade onde as famílias sejam estáveis e com cidadãos mais felizes. É fundamental que haja incentivos e facilidade para o investimento neles. E um dos tópicos que nos parece dificultar o acesso aos fundos é sua complexidade em termos de classificação. Classificação de Fundos no Brasil Há pelo menos duas classificações de fundos no Brasil. A primeira, da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, estabelece sete categorias de fundos, constantes da sua resolução 409. São elas: I – Fundo de Curto Prazo; Os fundos classificados como "Curto Prazo" deverão aplicar seus recursos exclusivamente em títulos públicos federais ou privados pré-fixados ou indexados à taxa SELIC ou a outra taxa de juros, ou títulos indexados a índices de preços, com prazo máximo a decorrer de 375 (trezentos e setenta e cinco) dias, e prazo 4 médio da carteira do fundo inferior a 60 (sessenta) dias, sendo permitida a utilização de derivativos somente para proteção da carteira e a realização de operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais. II – Fundo Referenciado; . Os fundos classificados como "Referenciados" deverão identificar em sua denominação o seu indicador de desempenho, em função da estrutura dos ativos financeiros integrantes das respectivas carteiras. III – Fundo de Renda Fixa; O fundo classificado como “Renda Fixa” deverá possuir, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da carteira em ativos relacionados diretamente, ou sintetizados via derivativos, ao fator de risco que dá nome à classe. IV – Fundo de Ações; Os fundos classificados como “Ações” deverão ter como principal fator de risco a variação de preços de ações admitidas à negociação no mercado à vista de bolsa de valores ou entidade do mercado de balcão organizado. V – Fundo Cambial; Os Fundos classificados como Cambiais deverão ter como principal fator de risco de sua carteira a variação de preços de moeda estrangeira, ou a variação do cupom cambial. VI – Fundo de Dívida Externa; Os fundos classificados como "Dívida Externa" deverão aplicar, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de seu patrimônio líquido em títulos representativos da dívida externa de responsabilidade da União, sendo permitida a aplicação de até 20% (vinte por cento) do patrimônio líquido em outros títulos de crédito transacionados no mercado internacional. VII – Fundo Multimercado. Os fundos classificados como "Multimercado" devem possuir políticas de investimento que envolvam vários fatores de risco, sem o compromisso de concentração em nenhum fator em especial ou em fatores diferentes das demais classes Já a Anbima classifica os fundos em 14 categorias que são por sua vez subdivididas em 46 tipos Anbima, conforme a tabela a seguir: 5 Tabela 1: Classificação Anbima Nº Categoria Anbima 1 Curto Prazo 2 Referenciado DI 3 Renda Fixa 4 Renda Fixa 5 Renda Fixa 6 Multimercados 7 Multimercados 8 Multimercados 9 Multimercados 10 Multimercados 11 Multimercados 12 Multimercados 13 Multimercados 14 Multimercados 15 Multimercados 16 Dívida Externa 17 Ações 18 Ações 19 Ações 20 Ações 21 Ações 22 Ações 23 Ações 24 Ações 25 Ações 26 Ações 27 Ações 28 Cambial 29 Previdência 30 Previdência 31 Previdência 32 Previdência 33 Previdência 34 Previdência 35 Previdência 36 Exclusivos Fechados 37 Off shore 38 Off shore 39 Off shore 40 Fundos de Direitos Creditórios 41 Fundos de Direitos Creditórios 42 Fundos de Direitos Creditórios 43 Fundos de Direitos Creditórios 44 Fundo de Índices (ETF) 45 Fundos de Participações 46 Fundos de Investimento Imobiliário Tipo Anbima Curto Prazo Referenciado DI Renda Fixa Renda Fixa Crédito Livre Renda Fixa Índices Long And Short - Neutro Long And Short - Direcional Multimercados Macro Multimercados Trading Multimercados Multiestratégia Multimercados Multigestor Multimercados Juros e Moedas Multimercados Estratégia Específica Balanceados Capital Protegido Investimento no Exterior Ações IBOVESPA Indexado Ações IBOVESPA Ativo Ações IBrX Indexado Ações IBrX Ativo Ações Setoriais Ações FMP - FGTS Ações Small Caps Ações Dividendos Ações Sustentabilidade/Governança Ações Livre Fundos Fechados de Ações Cambial Previdência Renda Fixa Previdência Balanceados - até 15 Previdência Balanceados - de 15-30 Previdência Balanceados - acima de 30 Previdência Multimercados Previdência Data-Alvo Previdência Ações Exclusivos Fechados Off Shore Renda Fixa Off Shore Renda Variável Off Shore Mistos Fomento Mercantil Financeiro Agro, Indústria e Comércio Outros Fundo de Índices (ETF) Fundos de Participações Fundos de Investimento Imobiliário Fonte: Anbima Há também a classificação fiscal dos fundos de renda fixa, divididos em curto prazo e longo prazo. Fundos de curto prazo podem aplicar exclusivamente em títulos públicos federais pré-fixados ou indexados à taxa SELIC, ou título indexados a índices de preços, com prazo máximo a decorrer de 375 dias, e prazo médio da carteira do fundo inferior a 60 dias, sendo permitida a utilização de derivativos somente para proteção da carteira e a realização de operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais. Por exclusão os fundos de longo prazo são os restantes. Há diferenças tributárias, sendo que 6 no caso dos fundos de curto prazo há duas alíquotas de Imposto de Renda: para aplicações até 180 dias 22,5% e acima disso 20%. No caso dos fundos de longo prazo aplica-se a tabela regressiva geral, que tem as seguintes alíquotas: Tabela 2: Alíquotas IR Prazo do Investimento Alíquota de IR Até 180 dias 22,5% De 181 a 360 dias 20% De 361 a 720 dias 17,5% Acima de 720 dias 15% Fonte: Secretaria da Receita Federal Classificação dos fundos no Brasil e no mundo O GVCEF desenvolveu um estudo sobre a classificação dos fundos em diferentes países. O gráfico a seguir apresenta o número de categorias de fundos por país. Gráfico 2: Categorias de fundos no mundo Fonte: GVCEF / FGV 7 Fica nítida a disparidade no número de categorias de fundos existente no Brasil e nos outros países. Neles, em geral, o órgão regulador classifica os fundos em grandes categorias, como aqui faz a CVM, e analistas de mercado ampliam a classificação, buscando uma visão mais próxima da visão do investidor. Assim, a Morningstar, destaque internacional na avaliação de fundos, faz uma classificação em 8 grandes categorias de fundos segundo a estratégia do fundo e a localização geográfica dos investimentos. Tabela 3: Classificação Morningstar 1 2 3 4 5 6 7 8 U.S. Equity Fund Allocation Funds International Equity Funds Taxable Bond Funds Municipal Bond Funds Alternative Funds Commodities Sector Equity Funds Dentro dessas grandes categorias há mais de 100 sub categorias, sempre referentes à estratégia do fundo. Mas é importante ressaltar que não é o órgão regulador que classifica os fundos. A SEC – Security Exchange Comission classifica os fundos mútuos em apenas três categorias: money market, bond funds e stock funds. Os chamados hedge funds são investimentos não registrados na SEC e portanto não estão contidos nessa classificação. Risco absoluto x Risco relativo e a classificação dos fundos Uma das causas da complexidade da classificação Anbima certamente é a autoria dessa classificação. Em geral são gestores de fundos que participam da comissão de classificação e eles desejam que sua performance seja mensurada via risco relativo. Isto é, mensurada contra um benchmark bem definido e diretamente associado à estratégia do fundo. Por exemplo, um gestor de um Fundo de Ações Small Cap, quer que o desempenho do fundo seja comparado com um índice de Small Caps. O problema é que a imensa maioria dos investidores ou analisa seus investimentos em termos de risco absoluto, isto é, retorno, ou o analisa contra benchmarks bastante difundidos, como Ibovespa e CDI. É nítido o efeito chamado de cdi-ização da economia, ou ainda o efeito William Bonner referente ao Ibovespa, que e o único índice de ações conhecido pela imensa maioria da população. É fundamental que no processo de classificação dos fundos a visão predominante seja a do cliente, e não a da indústria. Mesmo que a visão da indústria seja considerada a mais correta, ela só será predominante após um longo processo de educação e a constatação de que a população absorveu os ensinamentos desse processo. Querer educar a população para riscos relativos através da imposição de uma classificação desenvolvida 8 por gestores, como foi feito nos últimos anos, é no mínimo contraproducente, como mostram os números da participação do varejo na indústria de fundos. As consequências da complexidade da classificação de fundos Temos hoje 100 milhões de cadernetas de poupanças no país. Uma para cada dois habitantes. Ao mesmo tempo temos apenas 7 ou 8 milhões de clientes em fundos, ou um investidor em fundos para cada 30 habitantes. E é importante lembrar que a participação do varejo no Patrimônio Total dos fundos vem diminuindo a uma velocidade elevada, tendo passado de 28% em 2006 para 14% em 2013, segundo dados da Anbima. Uma das causas certamente é a complexidade do processo de investimento nos fundos. Podemos destacar: a. A documentação exigida. O investidor em fundos deve ler aproximadamene 40 páginas de documentos, que descrevem todo tipo de risco, mesmo os mais remotos. b. Há que preencher outro tanto de documentos, incluindo os de suitability c. A tributação é complexa e maior para fundos de renda fixa e multimercado que para outros investimentos similares d. A classificação dos fundos é complexa. O distribuidor, que no mais das vezes tem sob sua responsabilidade a distribuição de uma carteira vasta de produtos, não a conhece. E como o investidor também a ignora, o caminho natural para ambos é a busca de produtos mais simples. Uma indicação da dificuldade de entendimento dessas categorias pode ser observada nas respostas dada a uma questão em prova recentemente aplicada no curso de Gestão de Carteiras e Fundos de Investimentos do curso de Graduação em Administração de Empresas da FGV. A questão pedia aos alunos que descrevessem duas categorias Anbima de Fundos: Renda Fixa Crédito Livre1 e Multimercado Multigestor2. Apenas um aluno em trinta acertou integralmente a questão. O curso é ministrado no último ano e a classificação Anbima de fundos foi discutida em sala de aula e disponibilizada como material de estudo. A partir desses resultados podemos facilmente inferir que o nível de 1 Fundos que buscam retorno por meio de investimentos em ativos de renda fixa, podendo manter mais de 20% da sua carteira em títulos de médio e alto risco de crédito (sendo aceitos títulos sintetizados através do uso de derivativos), incluindo-se estratégias que impliquem risco de juros e de índice de preços do mercado doméstico. Excluem-se estratégias que impliquem exposição de moeda estrangeira ou de renda variável (ações etc.). Admitem alavancagem³ 2 Fundos que têm por objetivo investir em mais de um fundo, geridos por gestores distintos. A principal competência envolvida consiste no processo de seleção de gestores. Admitem alavancagem³. 9 compreensão da classificação Anbima de fundos por parte dos investidores e distribuidores é baixíssimo. O que claramente dificulta o acesso a esses produtos. Podemos facilitar? Sim, podemos. A própria CVM – Comissão de Valores Mobiliário tem em gestação proposta que engloba a simplificação das categorias. Segundo as palavras de Ana Novaes, diretora da CVM: “"Será que temos de ficar, num mundo que mudou nos últimos dez anos, com fundo de curto prazo, referenciado e renda fixa em classes diferentes?". Ainda segundo ela, a classificação dos fundos é importante pois, de acordo com Ana, está relacionada à percepção do investidor3. A Anbima também tem um grupo de estudo analisando a possibilidade de simplificação da classificação. Mas em ambos os casos é fundamental que o ponto de vista que vai nortear a construção da classificação seja o do investidor, e não o dos gestores. Mesmo que a consideração de fatores de risco seja conceitualmente importante para a comparabilidade dos fundos, é preciso ver como o investidor está fazendo esta comparação. E certamente ele não está considerando todos os fatores de risco observados pelos gestores. Sem desenvolver uma pesquisa formal, podemos afirmar na imensa maioria dos casos que os fatores de risco considerados pelo investidor são CDI, Ibovespa e retorno absoluto. 3 Jornal O Estado de São Paulo de 02/09/2013 “CVM quer estabelecer novas regras para classificação de fundos de investimento”. 10