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Por que Aufklärung?
Daniel Salésio Vandresen1
O presente texto tem como objetivo evidenciar a presença do pensamento kantiano na
filosofia de Michel Foucault (1926-1984). Pretende-se mostrar que tanto no pensamento
arqueológico como no genealógico é possível perceber a influência marcante das idéias de
Kant (1724-1804) como fundamentação do pensamento foucaultiano. Na arqueologia, o
pensador Francês situa Kant como o autor que inaugura a epistémê moderna. Para Foucault, a
reflexão de Kant sobre os a priori transcendentais que possibilitam pensar as coisas,
determina a constituição do conhecimento numa relação entre o sujeito e o objeto e,
conseqüentemente, levam ao rompimento com o modelo da representação como modo de ser
comum às coisas e ao conhecimento. A pergunta pelas condições que tornam possível que as
coisas sejam dadas às representações torna o homem sujeito e objeto de seu conhecimento. É
com este autor que se inicia a instauração do sujeito como constituinte de conhecimento, o
que leva a problematizar a função do homem de unir e relacionar as representações e as
coisas. Foucault classifica esse momento como epistémê da finitude do homem, ou seja, o
homem ao mesmo tempo em que aparece como limitado pelas empiricidades da vida, do
trabalho e da linguagem, também torna aquilo que faz dele o que ele é como um fundamento,
portanto, como transcendental. Outra característica de ligação da arqueologia com a filosofia
de Kant é a análise das “condições de possibilidade” do existente. É através da
problematização das representações que a filosofia de Kant busca analisar as condições de
possibilidade do que pode se dar à experiência humana. Contudo, o que diferencia Kant de
Foucault é que enquanto o primeiro busca descrever as condições de possibilidade no sentido
de um a priori transcendental formal, ou seja, valida para qualquer experiência, para o
segundo, trata-se de encontrar as condições de possibilidade no nível da existência, regras que
são históricas e que conduzem as mudanças efetuadas em uma época. Kant procura as
condições de possibilidade em termos da categoria do sujeito; Foucault aceita apenas a
pergunta pelas condições em que algo possa surgir e recusa que haja um sujeito soberano do
processo. Com a genealogia, o empreendimento de Foucault pode ser visto como uma atitude
pós-kantiana, isto porque, no início da década de 80 o autor francês buscará em Kant um
fundamento para a filosofia como uma história crítica do pensamento em sua atualidade.
Para Foucault, quando Kant em 1784 publica um texto como resposta a questão: “Was
ist Aufklärung?” (FOUCAULT, Ditos e Escritos II, 2005, p. 335), surge o primeiro passo para
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Mestre em filosofia pela UNIOESTE. E-mail do autor: [email protected].
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fazer da filosofia uma constante problematização do presente, postura esta que faz parte do
mais íntimo que procurou praticar em sua filosofia. A simpatia de Foucault pelo escrito de
Kant sobre a Aufklärung se deve ao modo como este relaciona sua filosofia com a atualidade:
uma análise das condições do exercício da razão. A referência ao modelo kantiano não se
deve ao fato do que pretende Kant ao exaltar a razão, mas, pelo contrário, refere-se à postura
crítica em relação ao presente. O que diferencia os projetos de Foucault e Kant, entre outras
questões, é que enquanto este faz uma crítica do presente procurando libertar a razão das
formas de aprisionamento, o primeiro quer questionar a própria forma como nos guiamos pela
racionalidade. A filosofia de Michel Foucault, considerada como atitude pós-kantiana,
pretende revelar a atualidade do que nós somos. “’O que acontece atualmente e o que somos
nós, nós que talvez não sejamos nada mais e nada além daquilo que acontece atualmente?’ A
questão da filosofia é a questão deste presente que é o que somos” (FOUCAULT, Microfísica
do Poder, 2005, p. 239).
Nessa perspectiva, como crítica histórica do presente, que devemos entender o projeto
de Foucault de fazer da analise arqueológica e genealógica uma crítica permanente da
atualidade. Segundo Foucault essa crítica vai se exercer de modo arqueológico em seu
método, e genealógico em sua finalidade, ou seja, enquanto a arqueologia demonstra que o
que pensamos, fazemos e dizemos está articulado com os acontecimentos históricos, a
genealogia, por sua vez, mostrará que o que faz ser o que somos poderá não ser mais ou ser de
outra forma. Enfim, Foucault pretende fazer da filosofia uma inquirição do pensamento em
sua manifestação de acontecimento, não apenas para fazer uma descrição do que se passa,
mas porque só é sabendo como se formou o que nós somos que é possível libertar-se do que
se passa.
Em relação ao conteúdo do escrito do texto de Kant: para Foucault o pensador alemão
ao tratar da Aufklärung está discutindo a questão do Iluminismo, sobre o papel da razão na
luta contra a “minoridade” (incapacidade dos homens se utilizam de seu próprio
entendimento). Segundo Foucault (DEII, 2005, p. 340), Kant “[...] descreve de fato a
Aufklärung como o momento em que a humanidade fará uso de sua própria razão, sem se
submeter a nenhuma autoridade”. Portanto, a atitude de Kant busca libertar a razão no que a
aprisiona em sua atualidade.
A simpatia de Foucault pelo escrito de Kant sobre a Aufklärung se deve ao modo
como este relaciona sua filosofia com a atualidade: uma análise das condições do exercício da
razão. A referência ao modelo kantiano não se deve ao fato do que pretende Kant ao exaltar a
razão, mas, pelo contrário, refere-se à postura crítica em relação ao presente. O que diferencia
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os projetos de Foucault e Kant, entre outras questões, é que enquanto este faz uma crítica do
presente procurando libertar a razão das formas de aprisionamento, o primeiro quer questionar
a própria forma como nos guiamos pela racionalidade. É isso que defende Michel Senellart,
em A crítica da razão governamental em Michel Foucault (1995), onde afirma: “É nesta
linhagem que Foucault se situa. A atitude crítica consiste pois em repensar a Aufklärung, não
como a aurora do reino luminoso da razão, mas como esforço permanente para interrogar as
racionalidades, tagarelas ou mudas, que nos conduzem” (SENELLART, 1995, p. 5).
Deste modo, o pensador francês afirma:
"Quando, em 1784, Kant perguntou: Was heisst Aufklärung?, ele queria
dizer: o que está acontecendo neste momento? O que está acontecendo
conosco? O que é este mundo, esta época, este momento preciso em que
vivemos? [...] Kant, porém, pergunta algo mais: o que somos nós? num
momento muito preciso da história. A questão de Kant aparece como uma
análise de quem somos nós e do nosso presente" (FOUCAULT, O sujeito e o
poder, 1995, p. 239).
Para Foucault, com Kant apareceu, pela primeira vez, a tarefa de fazer da filosofia
uma crítica a atualidade do que somos. A interpretação que Foucault faz do texto de Kant é no
sentido de colocar em prática a análise do que faz de nós quem nós somos.
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