MIMETIZANDO AS CARACTERÍSTICAS MICROANATÔMICAS ATRAVÉS DE PRÓTESE FIXA METAL-FREE – RELATO DE CASO CLÍNICO MIMETIZING THE ANATOMICAL FEATURES IN FIXED PROSTHESIS METAL FREE - CASE REPORT Sandro Basso BITENCOURT¹ Ana Issa de Oliveira CUNHA² Aline Terra Biazon JARDIM3 RESUMO Levando em consideração a grande exigência estética por parte da sociedade atual, a rotina odontológica tem-se direcionado para tratamentos odontológicos restauradores cada vez mais imperceptíveis, assemelhando-se à dentição natural. Diante disso, pesquisas exploram o potencial da cerâmica buscando uma reprodução mais fiel das características anatômicas dos dentes naturais, o que se faz possível através das próteses fixas metalocerâmicas e metal-free, pois possibilitam a reprodução da translucidez, opacidade, cor, brilho e textura dos dentes naturais. O objetivo deste relato é evidenciar a eficácia estética de um dente anterior restaurado com coroa de cerâmica pura, evidenciando benefícios e vantagens, bem como comprovar o sucesso na proservação de dois anos do caso. UNITERMOS: Prótese dentária; Estética; Cerâmica. INTRODUÇÃO Frente à crescente exigência de resultados estéticos satisfatórios cada vez mais próximos à dentição natural, pesquisadores e fabricantes têm explorado o potencial dos materiais totalmente cerâmicos buscando melhoras estéticas sem comprometer a função1. As cerâmicas são materiais biocompatíveis, que têm como característica a reflexão e transmissão da luz, reproduzindo a translucidez, opacidade, cor, brilho e textura dos dentes naturais2. As cerâmicas feldspáticas, consideradas convencionais, apresentam alto índice de falha quando um suporte efetivo, como uma estrutura metálica, não está presente em áreas de elevada força mastigatória3, pois devido à sua friabilidade e baixa resistência à tração não suportam deformação plástica sob estresse4. Contudo a melhoria das propriedades mecânicas das cerâmicas tem possibilitado a substituição de infra-estruturas metálicas, cujo uso pode acarretar em opacificação, alteração de cor do tecido gengival e exposição da borda metálica3, por infra-estruturas cerâmicas de coloração clara, muitas vezes translúcidas e passível de cimentação adesiva5. O aumento da fase cristalina das cerâmicas através da adição de cristais, como a alumina que atua como um bloqueador da formação de microtrincas na massa cerâmica4, possibilitou uma melhora significativa da resistência à flexão destes materiais. Com o avanço das pesquisas surgiram as cerâmicas aluminizadas infiltradas por vidro que permitem a confecção de estruturas em cerâmica de extrema resistência e ajuste preciso6. O in-Ceram Alumina consiste em um composto de óxido de alumínio (Al2O3) que apresenta resistência à flexão de até 650 Mpa2 e, de acordo com o fabricante, pode ser empregado na confecção de estruturas de coroas e pontes de dentes anteriores de no máximo três elementos, bem como em casos unitários anteriores, onde a estética é exigida, e em reabilitações unitárias, sem a necessidade de pônticos. A longevidade das restaurações livres de metal também está relacionada ao procedimento de união entre cerâmica e estrutura dental. Materiais cerâmicos reforçados com alto teor de cristais, como a In-Ceram Alumina, podem ser fixados tanto pela técnica ¹ Mestrando em Odontologia pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba/UNESP ² Especialista em Prótese Dentária pelo SIOMS, Campo Grande/MS ³ Professora Mestre titular da Universidade Anhanguera/Uniderp, Campo Grande/MS Revista Odontológica de Araçatuba, v.36, n.2, p. 09-13, Julho/Dezembro, 2015 9 convencional, quanto pela fixação adesiva7. Assim, o tratamento da superfície interna da restauração, o cimento resinoso e o sistema adesivo constituem fatores importantes que devem ser observados durante a cimentação da peça8. CASO CLÍNICO Paciente S.H.R.S.S., gênero masculino, 17 anos, compareceu à Policlínica Odontológica da Universidade Anhanguera/Uniderp – Campo Grande/ MS, pois havia fraturado o incisivo lateral superior direito em um acidente de bicicleta, decorrente de um desmaio. A fratura era no terço médio da coroa e se estendia de mesial a distal. O dente encontravase escurecido, sendo essa a reclamação do paciente, pois havia realizado o tratamento endodôntico com outro profissional quatro meses antes da primeira consulta à Policlínica, estando o mesmo dentro dos padrões de normalidade, sem necessidade de retratamento. Havia uma restauração provisória de cimento de ionômero de vidro que se estendia por palatina em 2/3 do remanescente dentário, o que foi de cruci al im portância para a escolha do procedimento protético (Figura 1). Foram apresentados dois planos de tratamento: opção 1: reconstrução da face vestibular e palatina (faceta estética) com resina composta e reforço com pino intra-canal de fibra de vidro; opção 2: confecção de prótese fixa metal-free. Após as devidas explicações de cada opção de tratamento, a última foi a escolha do paciente e dos responsáveis. [Duralay®]) e Impregun Soft® (3M). Após a confecção, foi realizada a prova do núcleo com radiografia periapical, verificando a descida completa até à desobturação e o assentamento marginal. A cimentação do núcleo metálico foi feita com cimento de fosfato de zinco (Cimento LS®, Vigodent). A obtenção do coping foi realizada através da técnica do casquete, utilizando resina acrílica com alívio interno e reembasado na região cervical até que a linha de terminação fosse bem copiada, com isso o preparo foi moldado com Impregun Soft® (3M) e a moldagem de arrasto foi enviada ao laboratório. Foi realizada a prova do coping In-Ceram Alumina av aliando a adaptação marginal com sonda exploradora e através de radiografia interproximal (Figuras 2 e 3). Figura 2. Prova do coping (clínico). Figura 1. Caso inicial. O tratamento foi iniciado moldando os dois arcos do paciente com alginato (Jeltrate®, Destply) e moldeiras metálicas de estoque tamanho I-2 e S-2 (Tecnodent, Brasil), onde obtivemos o modelo superior e inferior, a fim de confeccionar o provisório em resina acrílica de cor 62. Realizou-se o preparo do remanescente dentário, tipo coroa total, com término em chanfro biselado (ponta diamantada 4124, KG Sorensen, Brasil), bem como a desobturação de 2/3 do tratamento endodôntico com brocas de Gates e Peeso Largo (FKG). O núcleo metálico f oi confeccionado a partir da moldagem do núcleo através da técnica indireta, onde foram utilizados Pin Jet (de fabricação manual com resina acrílica vermelha Figura 3. Prova do coping (radiográfico). O m apeam ento da coloração, caracterizações anatômicas e efeitos visuais para Revista Odontológica de Araçatuba, v.36, n.2, p. 09-13, Julho/Dezembro, 2015 10 aplicação da porcelana foram realizados respeitando as características referentes à idade do paciente, em ambiente sob luz natural, registrando os mamelos dentinários, tamanho e posição do halo translúcido na incisal e o dègradè de tonalidades. Após a aplicação da cerâmica de revestimento, o provisório foi removido, realizando-se uma profilaxia do preparo dental, prova da coroa avaliando-se o ponto de contato e a adaptação marginal com carbono Accufilm® (Parkell) e, por fim, o ajuste oclusal, com broca de acabamento dourada, nos dentes antagonistas. Após os ajustes, com isolamento relativo da região e o preparo bem seco, a peça, previamente envolta com vaselina nas faces externas, foi cimentada com cimento de ionômero de vidro (Ketac 100®, 3M), segurando a peça em posição através de pressão digital por alguns minutos, os excessos de cimento foram removidos e a avaliação oclusal foi refeita, a fim de confirmar o completo assentamento da peça. Ao final da cimentação, tanto o paciente quanto o responsável relataram satisfação quanto à semelhança da peça protética com os demais dentes, tanto em coloração quanto em formato (Figuras 4 e 5). Após 2 anos do tratamento concluído, foi realizada a proservação do caso por meio do exame clínico e sondagem da linha de terminação, bem como com fotografias intra e extra-bucais (Figura 6 e 7). Figura 5. Resultado final (close). Figura 6. Proservação (2 anos) - vista oclusal. Figura 7. Proservação (2 anos). DISCUSSÃO Figura 4. Resultado final. A escolha do tratamento restaurador levou em consideração a exigência estética requerida pelo paciente, por ser jovem e possuir características anatômicas relevantes, como mamelos dentinários aparentes e região incisal com halo translúcido, o que não seria possível reproduzir com total fidelidade através de tratamento restaurador direto por intermédio de faceta em resina composta, mesmo com resinas de efeito. Aliado ao fator estético, a função também foi determinante, pois o dente encontrava-se fragilizado pelo tratamento endodôntico, pela fratura de todo o terço incisal, bem como pela extensa restauração provisória na região palatina. Diante do Revista Odontológica de Araçatuba, v.36, n.2, p. 09-13, Julho/Dezembro, 2015 11 quadro, optou-se por uma prótese fixa de cerâmica pura, que consegue reproduzir a textura, a profundidade de cor e a translucidez dos dentes naturais, representando anatomicamente todas as características desse dente jovem, não havendo problemas com possív el retração gengiv al e aparecimento da cinta metálica, tampouco com escurecimento da região cervical pelo metal subjacente. Frente aos avanços tecnológicos, tornou-se possível realizar próteses fixas totalmente cerâmicas, sem a necessidade de reforço metálico, o qual pode causar escurecimento da margem gengival e levar a uma opacificação exagerada, prejudicando a estética final do trabalho protético9. Em face desses avanços e da popularização da técnica, os custos de uma prótese apenas cerâmica já se tornaram competitivos, sendo mais um fator auxiliar na escolha por esse tratamento. A técnica de confecção de uma prótese fixa metal-free assemelha-se quase que na sua totalidade com a técnica da metalocerâmica, onde os passos clínicos e laboratoriais são praticamente os mesmos, apenas atentando quando a quantidade de desgaste no preparo dental, que deve ser menor que na metalocerâmica, bem como o cuidado no momento da prova do coping, onde devemos colocá-lo em posição sem a ajuda do martelete e pontalete, para não fragilizar a estrutura. Para a cimentação deve-se optar por Cimento de Ionômero de Vidro e descartar o uso de Cimento de Fosfato de Zinco, pois, por ser mais amarelado, pode desencadear um processo de escurecimento da peça, prejudicando a estética final. Ao final da cimentação da peça, pode-se comprovar a eficácia do tratamento protético, pois a satisfação do paciente foi imediata, relatando estar completamente satisfeito com o resultado. No retorno para proservação novamente foi relatada satisfação tanto em relação à coloração da peça que ficou em harmonia com seu sorriso, quanto ao formato do dente, como também pela volta do dente à sua função mastigatória. Na proservação após dois anos do término do tratamento, comprovou-se a eficácia estética e funcional da prótese e com o relato satisfatório do paciente. CONCLUSÃO Este relato pode corroborar que a confecção de próteses fixas de cerâmica pura está sendo a escolha para tratamentos estéticos anteriores, em razão das propriedades ópticas e resistência. Ademais, a i mport ância de sempre buscar tratamentos mais estéticos e duradouros, pois a tecnologia atual nos possibilita passear por um leque de opções onde o cirurgião-dentista precisa, apenas, conhecê-las e verificar qual se adéqua melhor à necessidade de cada paciente. ABSTRACT Taking into account the great aesthetic requirement by present society, dental routine has been directed to restorativ e dental treatments increasingly imperceptible, resembling natural dentition. Therefore, research explores the potential of ceramic seeking a more faithf ul reproduction of the anatomical characteristics of natural teeth, what is it possible through the fixed prosthesis metal-ceramic and metal -free, possible a reproduction of translucency, opacity, color, brightness and texture natural teeth. The objective of this report is to demonstrate aesthetic effectiveness of a front tooth restored with all-ceramic crown, showing benefits and advantages, and demonstrate success in proservation two years of the case. UNITERMS: Dental Prost hesi s; Estheti cs; Ceramics. REFERÊNCIAS 1. Peixoto ICG, Akaki E. Avaliação de prótese parciais fixas em cerâmica pura: uma revisão de literatura. Arq Bras Odontol 2008; 4(2):96-103. 2. Volpato CAM. 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Tratamento superficial de cerâmicas ref orçadas in-ceram prev iam ente aos procedimentos de cimentação adesiva - revisão de literatura. RFO 2008; 13(1):80-85. 8. Rossato DM, Saade EG, Saad JRC, Porto-Neto ST. Coroas estéticas anteriores em cerâmica metal-free: relato de caso clínico. Rev Sul-Bras Odontol 2010; 7(4):494-498. 9. Kina S. Cerâmicas dentárias. Rev Dental Press Estét 2005; 2(2):111-128. Revista Odontológica de Araçatuba, v.36, n.2, p. 09-13, Julho/Dezembro, 2015 12 ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Sandro Basso Bitencourt Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese - Faculdade de Odontologia de Araçatuba FOA/UNESP - Rua José Bonifácio, 1193, Araçatuba, São Paulo, Brasil, 16015-050. Fone: (18) 3636-3246 E-mail: [email protected] Revista Odontológica de Araçatuba, v.36, n.2, p. 09-13, Julho/Dezembro, 2015 13