Fungo devolve feitiço contra o cacaueiro -folha2

Propaganda
Folha de S.Paulo - Fungo devolve feitiço contra o cacaueiro - 29/03/2005
1 de 3
ASSINE
BATE-PAPO
BUSCA
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2903200501.htm
CENTRAL DO ASSINANTE
E-MAIL
SHOPPING UOL
São Paulo, terça-feira, 29 de março de 2005
Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Próximo Texto | Índice
BIOLOGIA
Grupo descobre como causador da vassoura-de-bruxa
ataca a planta; informação pode levar a controle no
futuro
Fungo devolve feitiço contra o
cacaueiro
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Como a doença causada no cacau pelo fungo Crinipellis
perniciosa é conhecida como vassoura-de-bruxa, a metáfora
para a descoberta recente de um grupo paulista-baiano é
irresistível: o parasita aprendeu a voltar o feitiço contra a
feiticeira. Quando a planta decide matar de inanição o ramo
infectado, o fungo saca mais rápido e acelera a morte, antes
que seus nutrientes sejam carregados para longe pelo
inimigo.
De posse desse conhecimento sobre as interações básicas
entre fungo e cacau, a rede de laboratórios coordenada por
Unicamp e Uesc (Universidade Estadual de Santa Cruz), na
Bahia, quer chegar a alguma forma de controle sobre a
doença. Por exemplo, a obtenção de plantas cacaueiras
resistentes ao fungo -transgênicas, ou quem sabe por seleção
apoiada com biologia molecular.
Em um quarto de século, a vassoura-de-bruxa cortou de 400
mil para 100 mil toneladas anuais a produção da
matéria-prima do chocolate. O trabalho que pode dar início a
um combate mais eficaz, um dia, está na edição deste mês do
periódico especializado "Journal of Experimental Botany"
(jxb.oupjournals.org/).
"O fungo interage fortemente com a planta por meio de
mecanismos moleculares complexos", conta Gonçalo
Amarante Guimarães Pereira, 40, da Unicamp. "Esse é um
ponto muito importante e diferencia a doença daquelas
causadas por agentes oportunistas, que, digamos assim, não
"entendem" direito o hospedeiro, mas conseguem atacá-lo."
29/3/2005 09:35
Folha de S.Paulo - Fungo devolve feitiço contra o cacaueiro - 29/03/2005
2 de 3
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2903200501.htm
Corrida armamentista
Na realidade, o que o grupo paulista-baiano esmiuçou foi
uma corrida armamentista -ou melhor, fetichista- entre fungo
(C. perniciosa) e planta (Theobroma cacao). Ao infectar o
vegetal, o parasita costuma induzir a formação de um ramo
esgalhado conhecido como vassoura verde. É uma anomalia
na planta, pois tem muito tecido em crescimento e é cheio de
nutrientes -hipertrófico, no dizer dos biólogos.
Nesse estágio da doença, o fungo vive uma fase
paradoxalmente "dormente" (ou biotrófica), em que quase
não se multiplica. Quem cresce, para seu benefício futuro, é
a vassoura verde. Esse crescimento anormal, aparentemente,
resulta de desequilíbrio causado pela presença do fungo e do
estresse que ele provoca.
Numa dada altura, a planta parece se dar conta da ameaça e
começa a se preparar para dar o troco. A vassoura verde
começa a converter os seus aminoácidos (componentes
fundamentais de proteínas) em asparagina, também ela um
aminoácido. Só que, por ser mais solúvel, a asparagina serve
como transportador de nitrogênio, um nutriente crucial, para
outras partes do cacaueiro. O vegetal planeja matar de
inanição a vassoura verde, recuperando para as suas partes
sadias os nutrientes que haviam sido acumulados na
vassoura.
"Ela [a planta] está considerando que não vale a pena manter
nutriente naquele ramo, porque ele está perdido", ilustra
Pereira. "Isso é também coerente com a degradação de
clorofila. São sinais fortíssimos de que a planta entrou em
apoptose [morte celular programada], e isso foi efetivamente
demonstrado agora no trabalho do grupo coordenado por
Júlio Cascardo, da Uesc."
Contra-ataque
O truque da asparagina, porém, não passa despercebido
diante do C. perniciosa. Ele saca mais rápido, alterna para
sua fase dita necrotrófica e deflagra a produção de uma
proteína que tem a capacidade de acelerar a necrose da
vassoura verde. Com a morte e o ressecamento acelerado do
ramo, agora transformado na famigerada vassoura-de-bruxa,
a planta não consegue levar embora todos os nutrientes a
tempo.
O fungo se encontra agora instalado num ramo morto e
entupido de substâncias nutritivas. Pode crescer e se
multiplicar. Mas ainda espera uma sucessão alternada de dias
de chuva e sol para desabrochar do tecido vegetal na forma
de cogumelos. É como se eles soubessem que só vale a pena
eclodir para lançar seus esporos em volta quando outros pés
de cacau estiverem muitos ramos novos, candidatos a virar
vassouras verdes.
Gene da necrose
Um dos feitos do grupo foi ter localizado o gene que, no
fungo, responde pela proteína aceleradora da necrose da
29/3/2005 09:35
Folha de S.Paulo - Fungo devolve feitiço contra o cacaueiro - 29/03/2005
3 de 3
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2903200501.htm
planta. Ele já foi isolado e a função, comprovada. Sua
seqüência é muito similar à de outro já descrito em
patógenos de planta. Outra façanha foi reproduzir a fase
biotrófica do fungo no laboratório, obtida pelo estudante de
pós-doutorado americano Lyndel Meinhard. Pereira não diz
qual foi o ingrediente essencial do meio de cultura.
Ele é o autor principal do artigo no "Journal of Experimental
Botany", mas o grosso do trabalho foi feito para a tese de
doutorado de Leandra Scarpari, sua aluna no Departamento
de Genética e Evolução do Instituto de Biociências da
Unicamp. Scarpari foi co-orientada por Paulo Mazzafera,
conhecido por ter descrito plantas de café naturalmente sem
cafeína num trabalho publicado no periódico "Nature" em
2004.
Próximo Texto: Genoma de fungo segue receita própria
Índice
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo
desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência
Folha.
29/3/2005 09:35
Download