0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL-CORUMBÁ-MS PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A POLÍTICA EDUCACIONAL DESENVOLVIDA PELO TERCEIRO SETOR NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS LEANDRO DIAS GOMES CORUMBÁ 2013 1 A POLÍTICA EDUCACIONAL DESENVOLVIDA PELO TERCEIRO SETOR NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS LEANDRO DIAS GOMES Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação como exigência final para obtenção do grau de Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Orientador: Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki. CORUMBÁ 2013 2 UNIVERSIDADE DE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A dissertação de mestrado intitulada A POLÍTICA EDUCACIONAL DESENVOLVIDA PELO TERCEIRO SETOR NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS foi aprovada por todos os membros da banca examinadora, e aceita pela Faculdade de Educação após homologação do resultado como requisito final a obtenção do grau de MESTRE EM EDUCAÇÃO Corumbá, _______________________________________________ de 2013 BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki - Orientador Universidade Federal de Juiz de Fora ________________________________________________________________ Prof(a). Dra. Mônica Carvalho Kassar Universidade Federal de Mato Grosso do Sul _________________________________________________________________ Prof(a). Dra. Vera Maria Vidal Peroni Universidade Federal do Rio Grande do Sul 3 A conclusão desta pesquisa dedico a todos aqueles que estiveram sempre comigo, desde o início da minha caminhada, em especial a vocês: Edite Aparecida Dias, que é mais que uma mãe, mais que uma heroína, mais que um exemplo, é a mulher da minha vida, é a mulher que me inspira a cada dia a nunca desistir perante as dificuldades, que me ensinou a ser um homem de caráter, digno, honesto. Feliz o filho que tem uma mãe como você, TE AMO. Cícero Mathias Gomes, pai zeloso, que mesmo estando distante sempre contribuiu para o meu crescimento, a minha formação à sua maneira. TE AMO. Dolvanir Batista, mais que minha madrinha, minha MÃEDRINHA. Sempre nos momentos de dificuldade esteve ao meu lado trazendo palavras de coragem e conforto. São a vocês para quem dedico esta pesquisa 4 Tenho muito que agradecer e a quem agradecer: Gostaria de agradecer a Deus pelas portas que foram se abrindo durante esta trajetória, pelas pessoas maravilhosas que colocou no meu caminho que fizeram e fazem toda a diferença na minha vida. Pela saúde que me deste, pelo dom de existir. Esta força sobrenatural que está comigo sempre. Gostaria de agradecer ao grande Mestre Armando Catrana. Foi por meio dele que iniciei meus primeiros passos na educação e foi ele o grande incentivador a cursar o curso de Pedagogia, me respaldando durante o período de ingresso ao ambiente acadêmico. Com ele aprendi as primeiras lições no âmbito educacional, me fiz e me refiz ser humano durante a trajetória no Centro Juvenil, aprendendo como lidar com os educandos. Ali passei muitos conflitos que hoje fazem a diferença. Gostaria de agradecer também aos meus amigos do Centro Juvenil, meu primeiro emprego formal onde formei minha base educacional e fiz grandes amigos. Muitos me incentivaram e desfrutaram dos meus conflitos, anseios, dificuldades e das vitórias. Agora compartilho com vocês esta minha vitória! Vocês serão inesquecíveis. Aos meus amigos de Três Lagoas e de Corumbá, que sempre estiveram comigo acompanhando meu crescimento, dando aquela força nos momentos mais difíceis e compartilhando suas experiências. À grande professora Ester Senna pela escolha do meu projeto, mas que por conta de problemas de força maior não pode dar continuidade à conclusão da minha pesquisa. Entretanto, sua colaboração foi imprescindível, sempre solícita e presente. Meu muito obrigado Mestre!! À banca de qualificação e defesa, em especial à professora Dr(a) Vera Maria Vidal Peroni, que muito contribuiu para minha pesquisa, com suas arguições de grande valia para meu estudo, pela disponibilidade e disposição em contribuir com sua experiência neste trabalho. Sua presença na banca examinadora valorizou ainda mais a minha pesquisa. À equipe do Programa de Pós graduação, campus de Corumbá, à Cleidinha, a nossa mais que secretária, uma amiga, mãe de todas as horas e também a todos os professores: Anamaria Santana, Mônica Kassar, Ana Lúcia Espíndola, Edelir Garcia, Márcia Sambugari, Dimair França, Rosana Cintra, Constantina Xavier Filha pelos momentos de aprendizagem, pelas discussões acaloradas que promoveram durante as aulas, que foi muito importante neste processo de crescimento profissional. 5 À família Ohara, ao Sr. Geraldo, à Sra Maria Lúcia e ao grande Alexandre por ter acolhido um “estranho” durante um ano em vossa casa. Realmente ganhei mais uma família. Supriram as minhas dificuldades de estar longe de casa, cuidando de mim como se fosse um filho. Serei eternamente grato pela cordialidade! Ao Grupo de Estudos Nucleados em Trabalho e Educação (GENTE), pelos momentos de discussão sobre o nosso referencial teórico-metodológico, pelos encontros, as reuniões formais e informais que realizamos periodicamente que muito contribuíram para a execução desta pesquisa. E não poderia deixar de agradecer ao meu grande mestre, amigo, pai, professor Dr. Hajime Takeuchi Nozaki. Você é meu exemplo. Vem me acompanhando desde a graduação, durante este período passamos por grandes momentos de embate, de reflexões e hoje se estou nesta condição de mestre é porque você acreditou no meu potencial, o qual nem eu mesmo acreditava. Fez brotar frutos de onde não se acreditava. A você amigo, palavras de agradecimento serão sempre insuficientes. Agradeço a cada dia a Deus por ter te conhecido. São poucas as pessoas que teve esta condição de estar com uma pessoa tão competente como você. Você me adotou e se hoje posso dizer que sou mestre, o maior responsável foi você. Muito obrigado amigo! 6 RESUMO O objetivo deste estudo foi analisar o papel do terceiro setor na política educacional brasileira e caracterizar o desenvolvimento das instituições públicas nãoestatais presentes no Município de Três Lagoas-MS. A pesquisa se propôs a responder algumas questões de investigação como: Existem instituições amparadas pelo terceiro setor no município de Três Lagoas? Qual a característica dos projetos educativopedagógicos do terceiro setor em Três Lagoas? Houve uma expansão do terceiro setor na área da educação em Três Lagoas após a reforma do Estado de 1990? Qual o perfil da clientela atendida pelo terceiro setor em Três Lagoas? Qual a relação do terceiro setor estabelecida com o governo federal e o setor privado e qual o interesse destes setores em trabalhar no social? O materialismo histórico-dialético foi o referencial teórico metodológico que sustentou a crítica desenvolvida na pesquisa, pois esta abordagem tem como característica desvendar, além do conflito de interpretação, o conflito de interesses, de transformar as situações ou fenômenos estudados, resgatando sua dimensão histórica e desvendando suas possibilidades de mudança. O estudo de campo foi a estratégia metodológica utilizada na pesquisa. Como procedimentos foram tomados os documentos oficiais fornecidos pelas instituições do terceiro setor que desenvolvem projetos educacionais em Três Lagoas, além de entrevistas com os gestores destas entidades. O resultado da pesquisa salientou que não foram encontradas entidades formalmente legalizadas pela lei do terceiro setor (OSCIPs n° 9.790/99), e sim apenas instituições de caráter beneficentes, filantrópicas, sem fins lucrativos. Os projetos educativos destas instituições têm como finalidade atender as camadas mais populares, residentes das periferias do município, além do foco das ações serem voltados para a formação para o trabalho. As instituições públicas não-estatais em Três Lagoas trabalhavam em parceria nas 3 instâncias federativas e com as empresas, que buscam associar suas ações de responsabilidade social com estas instituições com o intuito máximo de fortalecer sua marca nas comunidades e aumentar sua lucratividade. A partir destes dados, chegamos à conclusão de que as entidades públicas não-estatais neste município desenvolvem suas ações a fim de compensar as lacunas deixadas pelo Estado brasileiro neoliberal no setor social, invertendo a responsabilidade destas políticas que antes era de obrigação do Estado, atualmente fica por conta das ações das entidades públicas não-estatais. 7 RESUMEN El objetivo de este estudio fue analizar el papel del tercer sector en la política educativa y caracterizar el desarrollo de las instituciones públicas no estatales presentes en Três Lagoas-MS. La investigación tiene como objetivo responder a algunas preguntas de investigación como: Hay instituciones apoyadas por el tercer sector en Três Lagoas? ¿Qué característica de los diseños del tercer sector educativo-docente en Três Lagoas? Hubo una expansión del tercer sector de la educación en Três Lagoas después de la reforma de 1990 del estado? ¿Cuál es el perfil de la clientela para el tercer sector en Três Lagoas? El trabajo realizado por el tercer sector está relacionado con el sector público y / o de negocios? ¿Qué interés en estos sectores en el trabajo social? El materialismo histórico y dialéctico fue el marco teórico que la crítica sostenida desarrollado en la investigación ya que este enfoque se caracteriza desentrañar, y el conflicto de interpretación, conflicto de intereses, para transformar situaciones o fenómenos estudiados, recuperando su dimensión histórica y revelando sus posibilidades de cambio. El estudio de campo fue la estrategia metodológica utilizada en la investigación. Los procedimientos fueron tomados como documentos oficiales proporcionadas por las instituciones del tercer sector para desarrollar proyectos educativos en Três Lagoas y entrevistas con los directivos de estas entidades. Los resultados de la encuesta indicaron que no se encontró entidades formalmente legalizadas por el derecho del tercer sector (OSCIP N º 9.790/99), pero sólo las instituciones caritativas de carácter, filantrópicas, sin fines de lucro. Los diseños de estas instituciones educativas tienen la intención de cumplir con el nivel de base, los residentes de las afueras de la ciudad, más allá del enfoque de las acciones están dirigidas a la formación para el trabajo. Las instituciones públicas no estatales en Três Lagoas trabajan en asociación con el sector público local, estatal y nacional, y las empresas que buscan asociar su responsabilidad social con estas instituciones con el fin de fortalecer su máxima marca en las comunidades y aumentar rentabilidad. A partir de estos datos se concluye que las entidades públicas no estatales en este municipio desarrollan sus acciones con el fin de compensar los vacíos dejados por el sector social neoliberal de Brasil, la inversión de la responsabilidad de estas políticas fue una vez que el deber del Estado, se encuentra actualmente debido a las acciones de las entidades públicas no estatales. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1: Combinações resultantes entre agentes e finalidades ....................................44 Quadro 2: Síntese da caracterização das instituições investigadas..................................84 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Distribuição das entidades do terceiro setor, conforme foco de atuação ........78 Tabela 2: Distribuição das entidades do setor educacional pesquisadas, conforme foco de atuação .......................................................................................................................79 Tabela 3: Distribuição das entidades do terceiro setor no Brasil por Unidade da Federação ........................................................................................................................86 Tabela 4 – Distribuição das entidades do terceiro setor no Brasil segundo a data de criação..............................................................................................................................88 Tabela 5 - Número de alunos atendidos pelas instituições............................................104 10 LISTA DE SIGLAS ABONG- Associação Brasileira das Organizações não-governamentais BM- Banco Mundial BID- Banco Interamericano de Desenvolvimento CEAS- Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social CEE- Conselho Estadual de Educação CEI- Centro de Educação Infantil CEMPRE - Cadastro de Empresas (CEMPRE) CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CNPJ - Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar CMAS- Conselho Municipal de Assistência Social CMDCA- Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente CNAS- Conselho Nacional e Assistência Social DRU- Desvinculação de Recursos da União EUA- Estados Unidos da América FMI- Fundo Monetário Internacional FEAS- Fundo Estadual de Assistência Social FIS- Fundo de Investimento Social FNAS- Fundo Nacional de Assistência Social FUNDEB- Fundo Nacional da Educação básica GIFE- Grupo de Institutos, Fundações e Empresas IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS- Instituto Nacional de Seguro Social - INSS IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ISS- Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza LOAS- Lei Orgânica de Assistência Social MARE- Ministério de Administração e Reforma do Estado MTE- Ministério do Trabalho e Emprego OIF- Organismo Internacional de Financiamento ONG- Organização não-governamental OS- Organizações Sociais OSCIP- Organizações da Sociedade Civil e de Interesse Público 11 PDRAE- Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado PED- Plano Estadual de Desestatização PETI- Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIB- Produto Interno Bruto PND- Plano Nacional de Desestatização PNP- Plano Nacional de Publicização PPP- Plano Político Pedagógico PVCA- Projeto Valorização da Criança e Adolescente RCNEI- Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil RITS- Rede de Informações para o terceiro setor na Internet SEMED- Secretaria Municipal de Educação SUS- Sistema Único de Saúde 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................................1 CAPÍTULO 1: POLÍTICA SOCIAL E TERCEIRO SETOR: SEUS CONTORNOS APÓS O RECEITUÁRIO NEOLIBERAL E A TERCEIRA VIA.....................................9 1.1 Estado providência, neoliberalismo e organismos internacionais financeiros..............9 1.2 A terceira via...............................................................................................................20 1.3 A política social brasileira a partir dos anos 1990......................................................28 CAPÍTULO 2: TERCEIRO SETOR, A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO E A FILANTROPIA EMPRESARIAL: O DESMONTE DA NAÇÃO..................................40 2.1 Terceiro setor: a busca por uma definição..................................................................40 2.2 A reforma do aparelho do Estado e a lei da publicização (nº 9.637/98).....................47 2.3 O Programa Comunidade Solidária e a lei do terceiro setor (n° 9.790/99).................52 CAPÍTULO 3: A CONSTITUIÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS-MS ........................................................................................................65 3.1 Sobre o referencial teórico metodológico ..................................................................65 3.2 Caracterização das entidades educacionais do terceiro setor no município de Três Lagoas- MS.......................................................................................................................77 CAPÍTULO 4: A CARACTERIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR EM TRÊS LAGOASMS.....................................................................................................................................86 4.1 Relação entre crescimento do terceiro setor no Brasil e em Três Lagoas-MS............86 13 4.2 Relação terceiro setor, setor público e o empresariado ..............................................92 4.3 A proposta pedagógica do terceiro setor e sua relação com o público-alvo ............103 4.4 Condição dos trabalhadores das instituições investigadas........................................108 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................112 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................116 APÊNDICES...................................................................................................................121 1 INTRODUÇÃO Nos últimos anos vem ocorrendo no mundo, e especificamente no Brasil, um movimento de transformação no plano das políticas públicas sociais e na relação Estado, empresas e entidades do terceiro setor. Os direitos sociais, com o avanço das políticas capitalistas, vêm sendo destituídos paulatinamente do controle do Estado, sob a justificativa de que ele é o culpado pela crise, que gastou demais com políticas sociais provocando a crise fiscal. As estratégias para o enfrentamento desta crise foi o deslocamento da execução das políticas sociais do âmbito do Estado para a sociedade, e o que fica como propriedade do Estado adquire a orientação do mercado, considerada parâmetro de eficiência. Desta forma, a responsabilidade pela execução das políticas sociais é repassada para a sociedade: para os neoliberais, através da privatização (mercado), e, para a terceira via, pelo público não estatal. Assim, as políticas públicas passam a ser executadas pelo terceiro setor, que vai se ampliando significativamente sendo uma alternativa para o atendimento de demandas da população de baixa renda, oferecendo políticas pontuais em parceria com o poder público. Constata-se ainda que o setor privado, nos últimos anos, cada vez mais interfere no setor público como parte de um diagnóstico de que o Estado é ineficiente e o setor privado mercantil deve ser o coordenador da vida em sociedade. (PERONI, 2006). Apesar de o terceiro setor assumir a execução da política social, o Estado não se eximiu totalmente da manutenção da mesma, mas financia estas entidades com recursos públicos, o que estimulou, nos últimos anos, diversas entidades públicas não-estatais e empresas em resposta ao social. Este cenário, de precarização e focalização (não universalização) da política social, o avanço do terceiro setor e do setor empresarial em resposta ao social tornam-se os cenários a serem investigados nesta pesquisa. O conceito de terceiro setor ganhou força após a crise do Estado de bem-estar social1 nos países de capitalismo central e da entrada do novo sistema políticoideológico neoliberal que, a partir da execução de reformas no aparelho estatal, retiraram diversos direitos dos trabalhadores conquistados a duras reivindicações, passando os direitos à lógica do mercado, a fim de manter a maximização do lucro 1 Neste estudo, serão utilizados os termos Estado providência, keynesianismo e Estado de bem-estar social e welfare state como sinônimos. Parte-se da análise de que, no Brasil, não houve este tipo de Estado, mas um outro de caráter desenvolvimentista. Esta questão será retomada no capítulo 1. 2 capitalista. A política social deixa de ser, no projeto neoliberal, responsabilidade prioritária do Estado e passa a ser de responsabilidade compartilhada pela ação filantrópica, das organizações sociais e dos indivíduos. (MONTAÑO, 2003). O sistema capitalista de tempos em tempos sofre suas crises de superprodução e baixa demanda, consequências da lei geral de tendência decrescente da taxa de lucro. Em cada crise, o capital reage criando novas estratégias de superação e uma delas foi o projeto neoliberal. Segundo Carlos Montaño (2003), o neoliberalismo, dentre suas medidas, promove uma forte ofensiva contra o trabalho, aumentando a exploração da força de trabalho e os níveis de mais-valia. Estabelece uma flexibilização dos contratos de trabalho, através de subcontratação e terceirização das relações de trabalho; esvaziamento ou atenuação da legislação trabalhista; a retirada dos direitos sociais e até políticos dos trabalhadores e a redução do poder sindical. O projeto neoliberal constituiu numa radical ofensiva contra as conquistas históricas dos trabalhadores. Para Pablo Gentili (1996), expressa uma dupla dinâmica que caracteriza todo processo de construção de hegemonia. Por um lado, trata-se de uma alternativa de poder extremamente vigorosa, constituída por uma série de estratégias políticas, econômicas e jurídicas orientadas para encontrar uma saída dominante para a crise capitalista que se iniciou ao final dos anos 1960 e que se manifestou claramente já nos anos 1970. Por outro lado, expressa e sintetiza um ambicioso projeto de reforma ideológica nas sociedades capitalistas: a construção e a difusão de um novo senso comum que fornece coerência, sentido e uma pretensa legitimidade às propostas de reforma impulsionadas pelo bloco dominante. Os governos neoliberais não só transformam a realidade econômica, política, jurídica e social, como também conseguem incutir nos cidadãos que esta transformação seja aceita como a única saída possível para a crise. Em países de cunho neoliberal, ao Estado cabe apenas a responsabilidade nas funções essenciais: justiça, segurança interna e relações exteriores. Como o neoliberalismo busca racionalizar recursos e esvaziar o poder do Estado, uma das principais marcas da sua política é a privatização de funções públicas, políticas e de setores sociais (saúde, educação, previdência e assistência social) que pressupõe ser o deslocamento da produção de bens e serviços da esfera pública para o setor privado lucrativo, ou seja, para o mercado. Neste contexto, para arcar com as políticas sociais, foram lançadas as bases da convocação da sociedade civil e do desafio que o governo 3 dirigiria ao terceiro setor, compreendido como um dos mecanismos institucionais de controle das ações governamentais. (SIMIONATTO, 2000). Junto à política neoliberal, outro fator que aumenta ainda mais a crise dos países, em especial os periféricos, são os receituários dos organismos internacionais de financiamento (OIF). Os países em crise econômica interna, para buscar manter o superávit econômico, recorrem a estes organismos tais como o Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI), entre outros. Porém, estes organismos impõem condições, reformas políticas aos países tomadores de empréstimos, além dos juros exorbitantes cobrados, que muitas vezes se tornam dívidas impagáveis. (NEVES, 2005). A América Latina tem sido obrigada a aceitar a eterna receita imposta pelos credores, sempre em moda exclusivamente na vida dos devedores. Essa receita consiste na obrigação de aplicar o liberalismo econômico e a estabilização monetária, que têm redundado na penúria destes países. Segundo Simionatto (2000), essa combinação entre liberalismo econômico e estabilização monetária tem causado sujeição e obscuridade a esta região. Desta forma, sob administração dos Estados, cabe apenas a execução de programas de combate à pobreza, pois, para estes organismos, a população pobre tornase uma ameaça social em grande potencial. O neoliberalismo, para que se tornasse uma política de destaque no cenário mundial, chegou ao poder, na maioria das nações mundiais, pela via do voto popular, por meio do processo de convencimento das massas. Durante a segunda metade do século XX, deixou de ser apenas uma simples perspectiva teórica, para passar a orientar as decisões governamentais em grande parte do mundo capitalista, o que incluiu desde as nações do primeiro e terceiro mundo até algumas sociedades da Europa oriental. (GENTILI, 1996). Na Europa, a década de 1980 ficou marcada pela execução prática do neoliberalismo no governo da primeira ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher, um dos principais governos neoliberais da história. (ANDERSON, 2000). No Brasil, o neoliberalismo emergiu a partir dos anos 1990, sob o governo de Fernando Collor de Mello, centrando-se no feroz ataque aos elementos de conquistas sociais e trabalhistas do Estado desenvolvimentista. Os setores sociais que continuaram administrados pelo Estado, na sua maioria, se caracterizaram como de baixa qualidade e sob condições precárias de trabalho. (SIMIONATTO, 2000). 4 Contudo, o auge da materialização política neoliberal aconteceu sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Para Carlos Montaño (2003), como o projeto político de FHC servia aos interesses do capital, seu alvo central de ataque foi o conjunto dos direitos sociais, ferindo a seguridade social. Seu governo promoveu um profundo desmonte nas políticas sociais, tanto que, em 1995, atrelado à política neoliberal, formulou o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), liderado por Luis Carlos Bresser Pereira, à frente do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). O PDRAE tinha como um dos principais objetivos proporcionar meios de reconhecer e renovar as instituições públicas, a esfera pública, respondendo a globalização. Enfatizava a defesa do discurso do terceiro setor em arcar com as políticas sociais, através da criação da lei da publicização (nº 9.637/98), que defendia a transferência para o setor público não-estatal das políticas sociais, estimulando a participação de organizações públicas não-estatais para atuarem na implementação dos ditos serviços não-exclusivos do Estado. (BRASIL, 1995). Além do Plano Diretor, o Programa Comunidade Solidária também atuou divulgando e promovendo o terceiro setor2, fomentando a participação de organismos da sociedade na implementação de políticas públicas e na elaboração da lei nº 9.790/99, a lei do terceiro setor, que criou a figura jurídica das Organizações da Sociedade Civil e de interesse Público – OSCIPs. A partir da criação destes marcos legais do terceiro setor (nº 9.637/98 e nº 9.790/99), o Estado promoveu a extinção de organizações estatais e transferiu patrimônio pessoal e recursos financeiros para as instituições públicas não-estatais, sem fins lucrativos, que assumiu as atividades, antes, de responsabilidade direta do Estado, sob o corolário de que estas instituições responderiam melhor aos anseios do cidadão brasileiro. (FERRAREZI, 2007). Segundo Montaño (2003), a finalidade da reforma do aparelho do Estado e a criação da lei da publicização, representou a desresponsabilização do Estado à questão social e sua transferência para o setor privado. Além do advento das políticas neoliberais e a execução do PDRAE, o crescimento do terceiro setor no Estado brasileiro decorreu da retração do mercado de trabalho industrial, que gerou desemprego estrutural, consequência da crise do capital. Segundo Ricardo Antunes (1999), através do processo de reestruturação produtiva do 2 Este conceito será tratado no capítulo 2 5 capital, os neoliberais encontraram no terceiro setor a forma de gerar postos de trabalho como forma de mascarar a crise do capital e os elevados índices de desemprego. Perry Anderson (2000), mesmo não acreditando que seja uma alternativa efetiva e duradoura ao mercado de trabalho capitalista, atenta que o terceiro setor tem cumprido um papel de funcionalidade ao incorporar parcelas de trabalhadores desempregados pelo capital, situação que legitima ainda mais o seu discurso. Dentro da análise do terceiro setor, outro aspecto a ser investigado nesta pesquisa é o processo que legitimou as empresas como entidades do terceiro setor. Apesar de gerarem lucros, as empresas estão respondendo à questão social, defendendo o conceito de filantropia empresarial. Outrossim, será analisar o estímulo que o Estado oferece às empresas que desenvolvem ações no âmbito social como: subvenções para execução de seus projetos, isenção de impostos às empresas parceiras do Estado, entre outros incentivos que esvaziam os cofres públicos. O setor educacional também sofreu grande influência do neoliberalismo. Segundo Gentili (1996), na perspectiva neoliberal os sistemas educacionais enfrentam uma profunda crise de qualidade decorrente da improdutividade que caracteriza as práticas pedagógicas e a gestão administrativa da maioria dos estabelecimentos escolares. Para os neoliberais, esta crise promove em determinados contextos a evasão escolar, repetência, o analfabetismo funcional, entre outros. No argumento neoliberal, a educação funciona mal porque foi profundamente estatizada, reivindicando a ausência de um verdadeiro mercado educacional permitindo compreender a crise da qualidade que invade as instituições escolares. Defendem a eficiência da escola por meio da implantação de um sistema de gestão gerencial. (GENTILI, 1996). Segundo o autor, a grande operação estratégica do neoliberalismo consiste em transferir a educação para a esfera do mercado, questionando assim seu caráter de direito e reduzindo-a a sua condição de propriedade. Conforme José Souza (2002), no caso brasileiro, com o advento do neoliberalismo, a educação se apoiou basicamente em três teses: a da necessidade de se estabelecer parâmetros de qualidade para nortear a gestão das políticas educacionais, a de que o Brasil não gasta pouco em políticas sociais, ele gasta mal, e a de que o problema educacional do Brasil não é universalização do ensino, mas a produtividade do trabalho escolar. 6 O que fica evidente é que não é por meio do incremento de sistemas de gestão que será resolvido o problema da educação pública. O neoliberalismo defende o livre mercado, insere sistemas de gestão, colocando os problemas educacionais como se fossem apenas problemas administrativos, como se especialistas em administração de empresas resolveriam a crise da educação. Jogar a responsabilidade da crise da educação aos cidadãos é papel do neoliberalismo. São formas que este encontra para superar a crise, mascarando o real sentido: a queda nas taxas de acumulação capitalista. A educação na década de 1990 passou a receber investimentos privados, especialmente mediante o apoio de empresas, da sociedade civil e organizações nãogovernamentais (ONGs). Conforme Souza (2002), o Plano Decenal da educação de 1993, fortaleceu a participação do empresariado na educação, por meio de políticas de gestão educacional, priorizando a obtenção do consenso em vez da coação. Este processo abriu a escola pública ao interesse empresarial, por meio de ações pedagógicas que transformam os estudantes em futura mão-de-obra, disciplinando a classe trabalhadora desde a tenra idade. Neste período, o Brasil investiu pouco na educação, e ainda conclamou a sociedade civil a responder pela educação e culpabilizou o cidadão pela situação crítica do setor educativo e social. Pode-se considerar que o cerne da crise está alicerçada em dois pontos: no Estado que é mínimo em resposta à questão social e no capitalismo que é máximo em seu processo de acumulação. O interesse pelo estudo do terceiro setor surgiu devido o conceito estar ganhando grande visibilidade no cenário social e, em Três Lagoas-MS, este crescimento não é diferente. Investigar esta temática pode ajudar a entender as mediações da política social promovidas pelo Estado brasileiro, neste município, analisando o alcance das instituições públicas não-estatais nesta região. Montaño (2003) apresenta o esforço dedicado ao tema do terceiro setor, que busca: [...] explicitar o fenômeno real encoberto pelo conceito (ideológico e mistificado) de terceiro setor. Assim, numa perspectiva crítica e de totalidade, o que é chamado de terceiro setor refere-se na verdade a um fenômeno real inserido na e produto da reestruturação do capital, pautado nos princípios neoliberais: um novo padrão de responsabilidades para a função social de resposta às seqüelas da questão social, seguindo os valores da solidariedade voluntária e local, da auto-ajuda e da ajuda-mútua. (p. 22). Assim, o objetivo deste estudo foi analisar o papel do terceiro setor na política educacional brasileira e caracterizar o desenvolvimento das instituições públicas não- 7 estatais presentes no Município de Três Lagoas-MS. A pesquisa teve como questões a investigar: Existem instituições amparadas pelo terceiro setor no Município de Três Lagoas? Qual a característica dos projetos educativo-pedagógicos do terceiro setor em Três Lagoas? Houve uma expansão do terceiro setor na área da educação em Três Lagoas após a reforma do Estado de 1990? Qual o perfil da clientela atendida pelo terceiro setor em Três Lagoas? O trabalho desempenhado pelo terceiro setor está atrelado ao setor público e/ou empresarial? Qual a relação do terceiro setor estabelecida com o governo federal e o setor privado e qual o interesse destes setores em trabalhar no social? O materialismo histórico-dialético foi o referencial teórico metodológico que sustentou a crítica desenvolvida na pesquisa, pois esta abordagem tem como característica desvendar, além do conflito de interpretação, o conflito de interesses, de transformar as situações ou fenômenos estudados, resgatando sua dimensão histórica e desvendando suas possibilidades de mudança. (GAMBOA, 2000). Com isso, mais do que evidenciar a expansão do terceiro setor, a pesquisa busca entender quais os interesses contidos neste processo de transferência/cooperação entre o público e o privado com as organizações públicas não-estatais. O estudo de campo foi a estratégia metodológica utilizada na pesquisa. Como procedimentos foram utilizados os documentos oficiais fornecidos pelas 6 instituições do terceiro setor que desenvolvem projetos educacionais em Três Lagoas além de entrevistas com os gestores destas entidades. A dissertação está dividida em quatro capítulos: no primeiro capítulo foi realizado o percurso das políticas sociais e o surgimento do neoliberalismo em resposta à crise do capital, discutindo sua gênese e suas características no cenário mundial. Em complemento a esta discussão, dialogou-se sobre o conceito político da terceira via, que alicerçou as bases para a reforma da gestão gerencial do PDRAE brasileiro, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso e salientou a continuidade desta gestão gerencial no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A discussão do segundo capítulo concentrou-se no conceito de terceiro setor enquanto uma estratégia neoliberal e da terceira via analisando sua implantação no Estado brasileiro. Foi tratado ainda o conceito de terceiro setor, além da reforma do PDRAE no Brasil, que por conseqüência amparou o surgimento da lei da publicização (n° 9.637/98). Abordou-se ainda o Programa Comunidade Solidária, que impulsionou o 8 processo de criação das OSCIP (n° 9.790/99), discutindo ainda sobre o arranjo político promovido pelas empresas que passaram a ser legitimadas como entidades do terceiro setor. O terceiro capítulo focalizou os aspectos metodológicos da pesquisa, apresentando o materialismo histórico dialético, referencial teórico metodológico que embasou o estudo, a estratégia metodológica e os procedimentos da pesquisa, além de ter sido apresentado o levantamento realizado das entidades do terceiro setor que desenvolvem trabalho educacional em Três Lagoas, explicitando suas características e aspectos principais. No quarto capítulo desenvolveu-se a análise do desenvolvimento do terceiro setor em Três Lagoas e sua perspectiva de trabalho no setor educacional. Este capítulo está dividido em 4 itens: Relação entre crescimento do terceiro setor no Brasil e em Três Lagoas; Relação terceiro setor, setor público e o empresariado; A proposta pedagógica e sua relação com o público-alvo; Condições dos trabalhadores das instituições investigadas. Com a conclusão do estudo busca-se fazer um balanço dos resultados obtidos na pesquisa, respondendo em que perspectiva está calcado o trabalho das instituições do terceiro setor em Três Lagoas que desenvolvem trabalhos no setor educacional. 9 CAPÍTULO 1 POLÍTICA SOCIAL E TERCEIRO SETOR: SEUS CONTORNOS APÓS O RECEITUÁRIO NEOLIBERAL E A TERCEIRA VIA Este capítulo apresenta o percurso das políticas sociais e do neoliberalismo, discutindo detalhes da sua gênese e suas características no cenário mundial e suas medidas na política brasileira. Em complemento a esta discussão, discutir-se-ão as características políticas da terceira via, política surgida na Europa que influenciou as reformas no Estado brasileiro. O capítulo está dividido em três tópicos. O primeiro tópico trata do conceito de Estado de bem-estar social, que posteriormente foi alterado pelo advento do neoliberalismo, com a intervenção de organismos internacionais de financiamento. O segundo tópico discute o conceito político da terceira via, que mesmo afirmando ser uma política renovada, nem socialista, nem neoliberal, em suas ações predomina a lógica do mercado e a retirada do Estado, medidas defendidas pelos neoliberais. O terceiro tópico analisa os rumos da política brasileira após a eleição do governo neoliberal de Fernando Collor de Mello, até a chegada à presidência do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, seus meandros e relações. 1.1 Estado providência, neoliberalismo e organismos internacionais financeiros O século XX foi marcado por transformações na organização social, econômica e política do Estado capitalista. Para que se entenda a política social atual brasileira, fazse necessário investigar o germe das políticas públicas no seu contexto mundial. O neoliberalismo, antes de ganhar notoriedade no capitalismo contemporâneo, obteve impulsão a partir da crise do Estado de bem-estar social. Para Elaine Behring (2007), o sistema capitalista atravessou um longo ciclo de aceleração e desaceleração da acumulação de capital. A partir destas crises cíclicas, as políticas sociais se multiplicaram no final de um longo período depressivo, que se estendeu de 1914 a 1939, e se generalizou no início de um período de expansão, que teve como substrato a guerra e o fascismo, e seguiu até fins da década de 1960. 10 Evaldo Vieira (2007) discorrendo sobre a gênese da crise norte-americana da época que se alastrou pelo mundo capitalista, afirma que os anos de 1929 a 1931 não deixaram dúvidas a respeito dos estorvos à estabilização, dando início a uma crise econômica sem precedentes e sem comparação com a Grande Depressão. Em outubro de 1929, a bolsa de Nova York sofreu o crash, com violentíssima queda de valor dos títulos, pulverizando fortunas em pouco tempo. Os EUA se singularizaram pela prosperidade na década de 20, contrapondo-se às dificuldades econômicas e sociais da vida européia, porém, edificaram naquela década um desarranjado crescimento industrial, gerador de superprodução, de saturação do mercado, de consumo elitista, de ampliação excessiva do crédito bancário, de protecionismo exagerado e de desequilíbrio acentuado entre agricultura e a indústria. A eleição, em 1932, de Franklin Delano Roosevelt à presidência dos EUA deu condições ao surgimento do New Deal (Novo Acordo), fundando a ideologia do planejamento no capitalismo, ligada à ação do Estado. O dirigismo estatal foi uma das principais características deste acordo, pois continha medidas a serem aplicadas pelo Estado com a finalidade de reorganizar a economia e a sociedade norte-americanas. Preservando a lei do mercado e as bases do capitalismo, pressupondo forte intervenção estatal, as medidas incluídas neste acordo visaram ordenar a vida econômica, controlando o mercado financeiro, combatendo o desemprego e o desamparo da velhice por meio de subvenções, estimulando a elevação da produção e das rendas, subindo os salários e reduzindo a jornada de trabalho, orientando a produção para o mercado interno, sem negligenciar o externo. As medidas propostas pelo New Deal incrementaram as funções econômicas e sociais do governo federal nos EUA, em detrimento dos poderes estaduais e da liberdade de empresa. Elas incentivaram o sindicalismo, restringiram o desemprego e aumentaram os preços, a produção industrial, as exportações e a renda nacional. (VIEIRA, 2007). O New Deal foi resultado dos estudos do economista inglês John Maynard Keynes. Na linha de raciocínio de Keynes, o colapso econômico do capitalismo nos EUA e nos demais países industriais nasceu do insuficiente investimento por parte dos empresários. Propunha que o Estado investisse temporariamente, até que a economia voltasse à sua posição regular. Na visão de Keynes, o consumo representava o grande sustentáculo da atividade econômica. (VIEIRA, 2007). 11 A partir destas concepções, surgiu o Estado providência, que dentro das suas atribuições, defendia um Estado máximo no trato com as políticas sociais, cuidando do planejamento econômico e social, garantindo pleno emprego aos trabalhadores e distribuição equitativa da renda gerada na sociedade. Assim, Elaine Behring (2007) aponta que a política keynesiana que elevou a demanda global a partir da ação do Estado, em vez de evitar a crise, apenas amorteceu-a por meio de alguns mecanismos como, por exemplo, a seguridade social e a política social, direitos estes garantidos através das lutas dos movimentos operários. Porém, a partir da eclosão da Segunda Guerra Mundial, a sociedade industrializada sofreu terríveis consequências, não somente realçando diversos aspectos do Estado providência, como também multiplicando as demandas sociais por sua completa instalação destas políticas. (VIEIRA 2007). O padrão de acumulação que sustentou o Estado de bem-estar foi o taylorismo/fordismo. Segundo Frigotto (2003), o fordismo teve duas fases marcantes. Na primeira, que foi de 1914 até 1930, constituiu-se num processo de refinamento do sistema de maquinaria, que tinha como características principais ser um sistema de máquinas acoplado que gerou o aumento intenso de capital morto e da produtividade visando uma produção em grande escala e consumo de massa. Este sistema ficou marcado por tornar-se um modo social e cultural de vida após a Segunda Grande Guerra. Conforme Thomas Gounet (1999), o sistema fordista foi implantado por Henri Ford, um produtor de automóveis dos EUA. Ford propôs aumentar a produção, ao mesmo tempo reduzir os gastos para ter uma maior lucratividade. Sua produção baseava-se na planta horizontal, ou seja, os seus trabalhadores montavam o veículo por inteiro, gastando, para isso, tempo e trabalho. Para dinamizar a produção, Ford buscou conhecimento nos preceitos de Frederick Taylor, este último baseado na racionalização do trabalho. O taylorismo foi um modelo que fragmentava a autonomia dos trabalhadores em relação à produção, buscando produzir mais em pouco tempo, sendo necessária a divisão de funções para cada operário, além da repetição de gestos. O estudo de Taylor consistia em aumentar a produtividade do trabalho. Para ele, o grande problema das técnicas administrativas existentes consistia no desconhecimento, pela gerência, bem como pelos trabalhadores, dos métodos ótimos de trabalho. A busca dos métodos 12 ótimos seria efetivada pela gerência, através de experimentações sistemáticas de tempos e movimentos. Uma vez descobertos, os métodos seriam repassados aos trabalhadores que se transformavam em executores de tarefas pré-definidas. (GOUNET, 1999). Utilizando as técnicas de Taylor, Ford inseriu a esteira rolante, consequentemente o trabalho humano ficou mais limitado com o parcelamento de tarefas, pois cada funcionário exercia uma função específica, reduzindo-a apenas a repetições de gestos, tornando o trabalho alienado, perdendo sua criatividade e noção do produto no todo. Com o acréscimo dos estudos de Taylor, o modelo de produção passou a ser denominado taylorismo/fordismo, que nas palavras de Ricardo Antunes (1999): [...] baseava-se na produção em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada. Esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla da produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre a elaboração e execução. A atividade de trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva. (p. 36-37). A segunda fase marcante do sistema fordista está no contexto das teses keynesianas que postulavam a intervenção do Estado na economia como forma de evitar o colapso total da economia. Para Frigotto (2003), o welfare state teve como finalidade desenvolver políticas sociais que visassem à estabilidade no emprego, políticas de rendas com ganhos de produtividade e de previdência social, incluindo seguro desemprego, bem como direito à educação, subsídio no transporte dentre outros, ou seja, os direitos sociais propriamente ditos. As teses keynesianas, em suma, postulavam a intervenção do Estado na economia como forma de evitar o colapso total do sistema econômico, proporcionando assistência aos cidadãos. Para Perry Anderson (2000), o Estado de bem-estar foi uma política tão eficaz para a segurança da classe trabalhadora que serviu como a mais importante fórmula de paz para as democracias capitalistas desenvolvidas, pois o capitalismo maximizou ainda mais seus lucros com o advento do keynesianismo, gerando maior potencial de compra aos trabalhadores, consequentemente desafogando os capitalistas da crise de superprodução. A partir da década de 1970 foi sentido nos países do capitalismo central o fim da comemoração americana dos anos dourados, além da crise do welfare state, processos estes amplificados pela crise do socialismo real. Foram tendências que, conforme Behring (2007), promoveram inflexões estruturais na produção/acumulação, com fortes 13 repercussões na esfera da regulamentação/reprodução, que revelaram graves e progressivos empecilhos à continuidade e à dilatação das atividades estatais, gerando uma falência do Estado. A década de 1970 foi marcada pela crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, que sustentava a política do Estado de bem-estar. Para Antunes (1999), a crise do padrão de acumulação taylorista/fordista nada mais foi do que a “expressão fenomênica de um quadro crítico mais complexo. Ela exprimia, em seu significado mais profundo, uma crise estrutural do capital, onde se destacava a tendência decrescente da taxa de lucro”. (p. 31). A crise se deu pela grande produção e baixa demanda devido à diminuição do poder de compra e não por culpa do governo que gastava demasiadamente com as políticas de welfare state, como defendiam os neoliberais. Para superar a crise da década de 1970, os anos de 1980 foram marcados, sob o ponto de vista da economia capitalista, por uma ofensiva revolução tecnológica na produção, pela globalização da economia, pelo ajuste neoliberal e pelo padrão de acumulação toyotista. Na concepção de David Harvey (1999), este período foi marcado pela passagem do padrão de acumulação e regulamentação fordista/keynesiano para o novo padrão – toyotista ou da acumulação flexível. Antunes (1995, 1999) argumenta que o padrão de acumulação flexível, dentre outras características, trouxe uma nova forma de organização industrial e de relacionamento entre o capital e o trabalho, mais favorável quando comparada ao taylorismo/fordismo, uma vez que possibilitaram a constituição de um trabalhador flexível, mais qualificado, participativo, multifuncional e polivalente. Contudo, neste novo padrão de acumulação, forjou-se uma articulação entre descentralização produtiva e avanço tecnológico, além de uma combinação entre trabalho extremamente qualificado e desqualificado. Contrapondo-se à verticalização fordista, a produção flexível é horizontalizada e descentralizada. Trata-se de terceirizar e subcontratar uma rede de pequenas e médias empresas, muitas vezes com perfil semiartesanal e familiar. Behring (2007) alerta para o processo de reestruturação produtiva que vem sendo conduzida em combinação com o ajuste neoliberal. Esta aproximação implica na desregulamentação de direitos, no corte dos gastos sociais, deixando milhões de pessoas à sua própria sorte e mérito individuais – elemento que também desconstrói as identidades, jogando os indivíduos numa aleatória e violenta luta pela sobrevivência. 14 O neoliberalismo tem como principal medida controlar o poder do Estado, enxugando os gastos públicos. Procurou eliminar o Estado de bem-estar, que passou a tomar a posição de Estado mínimo. (FRIGOTTO, 2003). Em seu bojo, contém proposições que vão além da esfera econômica e implica em rever a relação do Estado com as políticas sociais, em fortalecimento do capital e controle sobre a organização dos trabalhadores. A ideologia neoliberal se fez como uma construção hegemônica. Além de regular o mercado no âmbito econômico, regulou também ideias e pessoas. As despesas de manutenção da regulação do mercado colocaram também em crise a política social. Mesmo que a política social jogava a favor do capitalista, pois legitimava o controle dos trabalhadores, não foi possível segurar a crise de legitimação política articulada à queda dos gastos na área social. Segundo Behring (2007), o discurso neoliberal atacou as políticas sociais com o argumento do excesso de paternalismo do welfare state. Com relação à política social, o sistema capitalista trouxe consequências marcantes como desemprego estrutural e o aumento dos programas sociais de caráter assistencial permanente. O neoliberalismo do século XX trata-se de uma atualização do liberalismo do século XVIII, que tem como um dos seus principais representantes Adam Smith, economista inglês, autor, dentre outras obras, de “A riqueza das nações”. Janete Azevedo (1994) argumenta que a máxima “menos Estado e mais mercado”, que sintetiza suas postulações, tem como princípio chave a noção da liberdade individual, tal como concebida pelo liberalismo clássico. O capitalismo, desde seu surgimento, vem sofrendo constantes crises cíclicas, típicas deste sistema. Acontecem devido aos processos de superacumulação, superprodução e estagnação. Umas são mais sentidas, outras mais indeléveis, porém todas com a mesma estrutura. No final do século XX, o capital reagiu como forma de enfrentar e ampliar os níveis de lucro esperado, utilizando como estratégia hegemônica o projeto neoliberal. Carlos Montaño (2003) define o projeto neoliberal em 3 frentes articuladas de ação: A ofensiva contra o trabalho, permitindo a concentração de capital em detrimento da exploração da força de trabalho; a reestruturação produtiva, confirmada a partir de um novo padrão produtivo, o toyotismo e a reforma do Estado, que está articulada com o projeto de desregulamentação do capital, que procura reverter, retirar os direitos dos trabalhadores conquistados historicamente por pressão e lutas sociais. (p. 26). 15 Os neoliberais creditam ao mercado a capacidade de regulação do capital e do trabalho e consideram as políticas públicas as principais responsáveis pela crise que perpassa as sociedades. Para eles, a intervenção estatal afeta o equilíbrio da ordem, tanto no plano econômico como no plano social e moral, na medida em que tende a desrespeitar os princípios da liberdade e da individualidade, valores estes básicos no sistema capitalista. No que diz respeito às políticas sociais, a referência básica é igualmente o livre mercado. Os programas e as várias formas de proteção destinadas aos trabalhadores, aos excluídos do mercado e aos pobres são vistos pelos neoliberais como fatores que tendem a bloquear a livre iniciativa e a individualidade, acabando por desestimular a competitividade e infringir a própria ética do trabalho. (AZEVEDO, 1994, p. 13). Para o grupo neoliberal, os seguros de acidente, de desemprego, as pensões e as aposentadorias são considerados formas de constranger e de alterar o equilíbrio do mercado de trabalho, isto porque se julga que induzem os beneficiários à acomodação e a dependência ao Estado, contribuindo para a desagregação das famílias e do pátrio poder. Consideram que os recursos públicos estimulem a indolência e a permissividade social. Para os neoliberais, as políticas sociais e o seguro desemprego são nefastos para a economia estatal, pois o Estado, ao tomar a responsabilidade destes programas sociais, geraria a necessidade de aumentar os tributos e os encargos sociais à população, além de os seguros gerarem um bloqueio dos mecanismos que o próprio mercado seria capaz de acionar para restabelecer o seu equilíbrio. Contudo, Janete Azevedo (1994) vai contra esta posição, pois argumenta que, se assim fosse, o Brasil, que é o país com a maior carga tributária do planeta, deveria ter programas sociais mais eficazes e não como os que presenciamos, na forma de políticas de alívio à pobreza. Investigando o avanço das políticas neoliberais na América Latina, Vieira (2007) aponta que este fenômeno chegou nos países latino-americanos a partir das últimas décadas do século XX e no início do século XXI. Teve como palco da sua primeira experiência a América Latina, mais especificamente, no Chile, em 1973, sob a ditadura de Augusto Pinochet, [...] abrindo seu mercado consumidor interno, liberando a descontrolada especulação financeira nas bolsas, desejando com ardor o aumento das importações, leiloando as principais empresas públicas, privilegiando os investimentos e as empresas externas, remetendo volumosas somas de dólares para pagamento da dívida externa, conseqüentemente cortando os gastos públicos em nome do controle das contas do Estado, acelerando o crescimento da pobreza, da violência social e do desemprego. (p. 79). 16 Porém, foi na Inglaterra nos anos 80 que esta política obteve maior destaque. Sob o governo da primeira ministra Margaret Thatcher “A Dama de Ferro”, as medidas de austeridade foram mais sentidas, as quais apresentavam como medidas intervencionistas a contração de emissão monetária, elevação das taxas de juros, diminuição dos impostos sobre os rendimentos altos, abolição de controles sobre os fluxos financeiros, criação de níveis de desemprego massivo, aplastamento de greves, imposição de uma nova legislação antissindical, corte de gastos sociais e lançamento de planos de privatizações. Segundo Anderson (2000), esse pacote de medidas foi o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado. A desigualdade foi um dos agravantes causados pelo neoliberalismo. Vieira (2007) esclarece que este período propiciou estudos concernentes à compatibilização entre democracia, capitalismo e bem-estar social, avultando por seu lado os obstáculos ao prosseguimento e à ampliação do intervencionismo do Estado. Instala-se a crise do Estado ou crise do Estado providência, em razão de motivos econômico e sociais. Alastram-se os debates e as pressões em torno das alternativas: de estatização ou privatização. Os governos que se assumem neoliberais desenvolvem reformas nos setores públicos nos princípios da descentralização e flexibilidade administrativa com o foco das reformas na diminuição dos custos, corte de pessoal, aumento da eficiência e da produtividade e a flexibilização burocrática. Já as políticas públicas sociais são delegadas à lógica empresarial do mercado. Ivete Simionatto (2000) afirma que o tripé focalização, descentralização e privatização são as principais características das políticas sociais no Estado neoliberal. Na primeira, os gastos e investimentos em serviços públicos devem concentrar-se nos setores de extrema pobreza, cabendo ao Estado participar apenas residualmente da esfera pública. A descentralização busca redirecionar as formas de gestão e a transferência das decisões da esfera federal para estados e municípios, buscando combater a burocratização e a ineficiência do gasto social. No nível local inclui, também, a participação das organizações não governamentais, filantrópicas, comunitárias e empresas privadas. E a privatização pressupõe o deslocamento da produção de bens e serviços da esfera pública para o setor privado lucrativo, ou seja, para o mercado. 17 Na América Latina a agenda neoliberal, por meio dos organismos internacionais de financiamento, ganhou espaço a partir da década de 1990 com ênfase nas reformas em favor do mercado. Ajustaram o Estado, reduzindo seu tamanho e desmantelaram as instituições protecionistas e criaram agências regulatórias. Em seguida, o objeto das mudanças passou pela consolidação das reformas, pelo restabelecimento da capacidade regulatória do Estado em atividades que foram repassadas para a iniciativa privada, pela melhoria da competitividade e por novas definições na oferta dos serviços sociais e de sua qualidade. (SIMIONATTO, 2000). Para Ivete Simionatto (2000), em todos os países do Mercosul as consequências dos planos de estabilização macroeconômica e das reformas do Estado que predominaram nos anos de 1990 incidiram diretamente sobre as políticas sociais públicas, sendo estas o alvo prioritário das privatizações. As restrições para o seu financiamento, a dinâmica perversa do mercado, a diminuição de recursos humanos para operá-las e a redução da esfera estatal vêm se constituindo nos principais fatores de sua deslegitimação. Nestes países, as políticas sociais universais como previdência, saúde, assistência e educação básica, sofreram perdas irreparáveis, agravando-se de forma crescente às já precárias condições sociais da grande parcela da população. Outro processo que acelera ainda mais a crise dos países, em especial os periféricos, são as políticas ditadas pelos organismos internacionais de financiamento, pois a política neoliberal está intrinsecamente subordinada a estes organismos. Dentre os principais estão: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e suas agências. Segundo Lúcia Neves (2005), estes organismos surgiram do acordo de Bretton Woods, em 1945, com o intuito de elaborar um plano visando à criação de um fundo de estabilização econômica capaz de manter as taxas de comércio internacional em equilíbrio e, com menor ênfase, à criação de um banco para a reconstrução e o desenvolvimento para recuperação dos mercados dos países afetados pela Segunda Guerra Mundial. Atualmente sua missão é conceder empréstimos aos países que necessitam de recursos financeiros para equilibrar sua balança comercial. Segundo Adriana Melo (2005), estes organismos exigem que os países devedores executem reformas e ajustes como garantias de pagamento e de desenvolvimento das dívidas. Estas garantias se traduzem na obrigação de realizar políticas sociais de caráter compensatório, com o objetivo de diminuir a desigualdade social, sob a forma de pacotes para o desenvolvimento com os quais os países anuíam. 18 No entanto, o resultado desses pacotes de ajustes é claramente nefasto, provocando uma forte reação social nos países em desenvolvimento, que exigem, por sua vez, novas condições para futuros contratos. Para Octávio Ianni (1992), os planos de estabilização macroeconômica e os programas de ajustamento estrutural postos por estes organismos representam um poderoso instrumento de remodelagem que afeta a vida de centenas de milhões de pessoas. A aplicação do programa de ajustamento estrutural, em um grande número de países devedores favorece a globalização de uma política macro-econômica colocada sob o controle do FMI e BM, que atuam em nome do capitalismo. Segundo o autor, essa nova forma de dominação, denominada de “colonialismo de mercado”, subordina povos e governos ao jogo anônimo e as manipulações deliberadas das forças desse mercado, uma situação sem precedente histórico nesta escala. As políticas ditadas pelo FMI e BM acentuam as disparidades sociais entre as nações e no seu interior, porém a realidade é cada vez mais camuflada por uma ciência econômica global. O pacote de reformas do FMI- BM constitui um programa coerente de colapso econômico e social. As medidas de austeridade levam à desintegração do Estado, remodela-se a economia nacional, a produção para o mercado doméstico é destruída devido ao achatamento dos salários reais e redireciona-se a produção nacional para o mercado mundial. Essas medidas implicam muito mais que a gradual eliminação das indústrias de substituição de importações; elas destroem todo o tecido da economia doméstica. (MELO, 2005). Conforme Ianni (1992) estes organismos desenvolvem seus próprios desenhos do que podem ou devem ser as nações e os continentes. Elaboram parâmetros rigorosos, técnicos, pragmáticos, fundados nos princípios do mercado, da livre iniciativa, da liberdade econômica, que segundo o autor, são princípios sugeridos e impostos aos governos que pretendem ou precisam beneficiar-se de sua assistência. Para pagarem suas dívidas, os governos latino-americanos são obrigados a cortar investimentos, tornando ainda mais precários e desprezíveis os serviços de educação, saúde, assistência, moradia, previdência, entre outros. (VIEIRA, 2007). Muitas vezes são dívidas impagáveis devido aos altos juros cobrados nestes financiamentos. É nesse contexto em que se lançam as reais possibilidades de organização e exercício do poder mundial. O FMI e o BM concretizam-se, segundo Ianni (1992), como instituições mundiais na medida em que institucionalizam ou formalizam as condições sob as quais o capital em geral se movimenta e se reproduz, absorvendo as outras formas. 19 Vieira (2007) aponta que da segunda metade do século XX em diante os países latino-americanos têm se submetido às decisões destes organismos financeiros internacionais, administrados pelos governos dos grandes centros capitalistas, que são os emprestadores: Premidos pela exigência de remediar os déficits da balança comercial e da balança de pagamentos, saldando quase sempre juros e, às vezes, um pouco do principal da dívida para com os credores estrangeiros, o FMI, dentre outros tem exercido na América Latina uma função fundamental no seu endividamento e no abuso da cobrança de juros sobre os empréstimos aí feitos. (p. 79-80). Na década de 1980, aprofundaram-se os processos de liberalização, desregulamentação e privatização de cunho antissocial, ou seja, em detrimento dos interesses da maioria da população dos países. A implantação de medidas macroeconômicas cada vez mais conservadoras e a intensa exploração pelos países capitalistas periféricos fizeram com que ficassem cada vez mais claras e declaradas as intenções dos representantes do grande capital mundial na exploração e conformação da classe trabalhadora, estabelecendo um discurso legitimador que, incorporando demandas das classes populares, planeja a condução de ações estratégicas focalizadas e restritivas e, ao mesmo tempo, de incentivo ao pluralismo e à democracia de caráter universalista. (MELO, 2005). As principais diretrizes destes organismos recomendam reformas no Estado orientadas para o mercado exigindo o abandono de instrumentos de controle político e a restrição na alocação de recursos públicos, principalmente na área social, buscando diminuir o papel do Estado e fortalecendo as ações de natureza privada, reforçando o aspecto mercadológico na área social. Neste contexto, para arcar com as políticas sociais, foram convocadas as entidades público não-estatais, fenômeno, que será investigado mais à frente, denominado de terceiro setor. (SIMIONATTO, 2000). Em resumo, nos países dominados pela política econômica neoliberal e pelos organismos financeiros, a política pública social está subordinada à lógica do mercado, contendo os gastos do governo, transferindo a responsabilidade desta política às organizações de caráter público-não estatais e comunidades à focalização de programas para os segmentos mais pobres da população, política esta que tem como principal finalidade o alívio a pobreza. (SIMIONATTO, 2000). 20 Após a apresentação do Estado de bem-estar social e do neoliberalismo, a seguir será analisado a política da terceira via discutindo suas diferenças e semelhanças com as políticas neoliberais e sua relação com o terceiro setor. 1.2 A terceira via Devido às transformações neste particular período do capitalismo, surgiram diversas consequências econômicas, políticas e sociais nos países capitalistas. Segundo Vera Peroni (2006), tais mudanças ocorreram na esfera do Estado, da produção, do mercado e também no âmbito ideológico, político e cultural em consequência dos processos da reestruturação produtiva, da globalização, do neoliberalismo e da terceira via, medidas estas que redefiniram o papel do Estado. Neste prisma é que será investigado o conceito político da terceira via e sua relação com o terceiro setor. Segundo Ricardo Antunes (1999), as referências indicadas pela terceira via estão ligadas organicamente ao capitalismo, apresentando-se como um programa comprometido com a atualização do projeto burguês de sociedade e pela geração de uma pedagogia voltada a criar uma unidade moral e intelectual comprometida com essa concepção. Para o autor, objetiva dar continuidade ao projeto de reinserção do Reino Unido, iniciado na era da primeira ministra Margaret Thatcher, que pretendia redesenhar a alternativa inglesa dentro da nova configuração do capitalismo contemporâneo, reiterando sistematicamente seu compromisso em preservar a legislação que flexibiliza e desregulamenta o mercado de trabalho, em detrimento dos direitos da classe trabalhadora. A expressão terceira via surgiu em 1920, popularmente usada por grupos da direita, pelos grupos social-democratas e socialistas. Na década de 1990, o termo foi tomado por Bill Clinton, nos EUA e por Tony Blair, na Inglaterra, na qual encontrou uma acolhida morna por parte da maioria dos social-democratas do continente europeu, bem como dos críticos da velha esquerda em seus respectivos países. Na Grã Bretanha, a terceira via passou a ser associada à política de Tony Blair, após as eleições em 1997 e ao Novo Trabalhismo Inglês (New Labour). Posteriormente a política da terceira via passou a influenciar alguns governos na Europa, como no governo francês de Lionel Jospin e do governo italiano de Romano Prodi. (GIDDENS, 2000). Segundo Ferrarezi (2007), a terceira via se consolidou como uma perspectiva teórica alternativa, que ganhou força na política mundial com o advento do 21 neoliberalismo. No Brasil, sua presença foi sentida, influenciando em muitos aspectos a presidência de Fernando Henrique Cardoso e o discurso do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira para a reforma administrativa do aparelho de Estado. Apesar de Cardoso ser conhecido como o principal expoente do neoliberalismo no Brasil, nota-se a presença da terceira via em seu discurso, como na execução do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado em 1995. Segundo Anthony Giddens (2000), um dos mais influentes intelectuais da terceira via, o conceito refere-se a uma estrutura de pensamento e de prática política que visa transcender tanto a social-democracia do velho estilo quanto o neoliberalismo, pois argumenta que o welfare state teve um custo que se manifestou na elevada carga tributária, no excesso de regulamentação das relações trabalhistas e no crescimento do déficit público. Com o advento da globalização, a política do welfare foi taxada como a vilã dos cofres públicos, o que favoreceu o surgimento da onda neoliberal. Por outro lado, Giddens (2000) argumenta que a adoção da economia de livre-mercado também trouxe um elevado custo social, jogando parcelas significativas da população na miséria e no desamparo. Por isso, na concepção de Giddens (2000), a terceira via é definida como um movimento de centro-esquerda que tenta defender tanto o mercado, os interesses da burguesia, quanto à manutenção dos benefícios sociais, de interesse da classe trabalhadora, produzindo novas respostas para novos desafios. Contudo, conforme Peroni, Oliveira e Fernandes (2009), pode se verificar que a questão crucial, de a terceira via posicionar-se como centro-esquerda, permanece a mesma, de ser o centro. Pode até em alguns momentos posicionar-se mais à esquerda, mas tem como principal função propor reformas nos limites do capitalismo e com vistas a fortalecê-lo. Neste prisma é que Antunes (1999) traz sua contribuição. Conforme o autor, a terceira via se configurou como uma alternativa que preservasse, no essencial, as metamorfoses ocorridas durante o período neoliberal. Contudo, a vitória eleitoral de Tony Blair trouxe em seu conteúdo programático nada de novo, e sim a preservação do essencial do projeto neoliberal, herança da era Thatcher. Não haveria revisão das privatizações; a flexibilização (e precarização do trabalho) será preservada e em alguns casos intensificada; os sindicatos manter-se-iam restringidos em sua ação; o ideário da modernidade, empregabilidade, competitividade, entre tantos outros, continuaria a sua carreira ascensional e dominante. (ANTUNES, 1999. p. 97). 22 Peroni (2006) afirma que a política da terceira via tem grande influência da política neoliberal, porém a autora traz um dado importante. Apesar de as duas políticas buscarem racionalizar recursos e diminuir os gastos do Estado com as políticas sociais e diminuir o papel das instituições públicas, as estratégias de superação da crise tomaram rumos distintos: para a terceira via, o Estado deve repassá-las para a sociedade, através do terceiro setor, enquanto que para o neoliberalismo, deve transferi-las para o mercado, através das privatizações. O neoliberalismo defende claramente o Estado mínimo e a privação de direitos, além de penalizar a democracia, por considerá-la prejudicial aos interesses do mercado. Já a terceira via se coloca entre o neoliberalismo e a antiga social-democracia, mas não rompe o diagnóstico de que o Estado é culpado pela crise. (PERONI, 2012). No âmbito da filosofia da terceira via, para Giddens (2000), esta deveria ajudar os cidadãos a abrir seus caminhos através das mais importantes revoluções do cotidiano: a globalização, as transformações na vida pessoal e o relacionamento do homem com a natureza, projetando políticas que fossem realistas, mas não perdendo seu caráter de austeridade. Porém, segundo Peroni (2006), o que predomina nesta afirmação sobre as três revoluções é uma concepção individualista, pois as transformações vão se dar na esfera pessoal, e não societária, mesma concepção da teoria do capital humano3, que reforça o individualismo e a meritocracia. Ou seja, uma concepção de sociedade meritocrática, uma visão ideológica puramente capitalista, baseada no merecimento, concepção que estimula a competição entre os indivíduos, consequentemente aumentando a produtividade e eficiência, marcas que justificam o caráter neoliberal. A 3 Para o idealizador desta teoria, Theodore W. Schultz, o trabalho humano, quando qualificado por meio da educação, era um dos mais importantes meios para a ampliação da produtividade econômica, e, portanto, das taxas de lucro do capital. Aplicada ao campo educacional, a idéia de capital humano gerou toda uma concepção tecnicista sobre o ensino e sobre a organização da educação, o que acabou por mistificar seus reais objetivos. Passou-se a disseminar a idéia de que a educação é o pressuposto do desenvolvimento econômico, bem como do desenvolvimento do indivíduo, que, ao educar-se, estaria valorizando a si próprio, na mesma lógica em que se valoriza o capital. O capital humano deslocou para o âmbito individual os problemas da inserção social, do emprego e do desempenho profissional e fez da educação um valor econômico, numa equação perversa que equipara capital e trabalho como se fossem ambos igualmente meros fatores de produção. Além disso, legitima a idéia de que os investimentos em educação sejam determinados pelos critérios do investimento capitalista, uma vez que a educação é o fator econômico considerado essencial para o desenvolvimento. Para o estudo da Teoria do capital humano ver Theodore Schultz, “O capital humano – investimentos em educação e pesquisa” (1971) e Gaudêncio Frigotto, Educação e capitalismo real (1995). 23 individualidade provocada pela meritocracia incute no cidadão a responsabilidade pelo seu próprio êxito ou fracasso, não importando em qual cenário econômico se encontra. Acirrando o debate sobre a filosofia inserida na política da terceira vida, Giddens (2000) argumenta que a terceira via não abre mão dos ideais de solidariedade e inclusão social. Entretanto, é difícil compreender como que em um governo que defende o livre mercado, o Estado consiga defender a solidariedade e inclusão social. É contraditória esta afirmação, pois o próprio sistema capitalista, para sua manutenção, deve criar a desigualdade entre os cidadãos. Já André Martins (2005) afirma que a terceira via é o próprio neoliberalismo. Isso fica evidente quando a terceira via defende que a promoção da igualdade com inclusão social e do bem comum deveriam ser asseguradas pela produção de políticas sociais que desenvolvam o chamado capital social dos grupos de indivíduos para a ação, incutindo neles o espírito empreendedor, a autoconfiança, a capacidade de administrar riscos e rompendo em definitivo com a dependência das políticas sociais universais. Segundo Giddens (2000), na agenda da terceira via estão como principais objetivos a reforma do Estado e a revitalização da sociedade civil, a criação de fórmulas para o desenvolvimento sustentado, a preocupação com uma nova política internacional, a disciplina fiscal (em especial nos sistemas de proteção social) instrumentos em educação obras sociais e na renovação urbana. Esta revitalização da sociedade civil seria assegurada por meio da participação das entidades públicas não-estatais defendendo a democracia na política social. Giddens (2001) defende a expressão “democratizar a democracia”, mas o problema é que este conceito é entendido como a sociedade assumindo tarefas que até então eram do Estado, enquanto a participação significa responsabilização na execução de tarefas. A partir desta posição, as autoras Peroni, Oliveira, Fernandes (2009) afirmam existir uma separação entre o econômico e o político, o esvaziamento da democracia como luta por direitos e das políticas sociais como a materialização de direitos sociais. Ellen Wood (2003) destaca que em uma sociedade sob a hegemonia do capitalismo, não pode ser visto em abstrato, separando o econômico do político. Segundo a autora, o sistema capitalista cria uma visão distorcida do real significado de democracia. Cria nos cidadãos uma forma de democracia em que a igualdade formal de direitos políticos e econômicos tem efeito nulo sobre as desigualdades ou sobre as relações de dominação e de exploração em outras esferas, o que legitima o argumento 24 do sistema capitalista, aumentando as disparidades entre a classe trabalhadora e a classe burguesa. Segundo Peroni (2012), essa análise de Wood encaminha as discussões sobre como, neste período particular do capitalismo, por um lado, houve um avanço na democracia, contudo, houve também um esvaziamento das políticas sociais, principalmente como um direito universal. Peroni (2012) questiona o significado dos termos democracia e participação defendidos pela terceira via. Na sociedade capitalista atualmente, a sociedade civil é muito mais chamada a executar tarefas do que a participar nas decisões e no controle social. Já no conceito de democracia da terceira via, a sociedade acaba se responsabilizando pela execução das políticas sociais em nome da democracia. Para a autora, a concepção de democracia também é diferente entre o neoliberalismo e a terceira via. Enquanto para o neoliberalismo a democracia atrapalha o livre andamento do mercado, pois deve atender a demanda dos eleitores para se legitimar o que provoca o déficit fiscal, para a terceira via a democracia deve ser fortalecida. Dentro de sua filosofia ideológica, a terceira via defende a reformulação nos programas de proteção social. Uma das vertentes é a questão da previdência social, especificamente o caso da terceira idade. Giddens (2000) afirma que é preciso reconsiderar a velhice, enfrentando os idosos não como um problema e sim como um recurso, pois, em sua visão, os gastos com a previdência oneram os cofres públicos e muitos idosos se limitam a trabalhar, pois atingiram o tempo de aposentadoria, mesmo alguns tendo ainda vigor físico para o trabalho. Para o autor, a previdência social deveria ser acionada pelo idoso apenas em última instância, como emergência. Esta afirmação de Giddens fere em grande medida o direito social dos idosos. O trabalhador passa a perder seu direito à aposentadoria, sendo que na verdade, ele durante sua vida pagou seus tributos para que pudesse na velhice desfrutar de tal direito. O corte da previdência social é uma das lutas mais acirradas da política neoliberal, que defende sua extinção. Esta posição de Giddens contra a previdência coaduna-se com a posição neoliberal, o que evidencia que, quanto à previdência, as duas políticas convergem. A terceira via defende uma economia mista, abrangendo a sociedade, o governo e as instituições do terceiro setor, trabalhando em parceria, fomentando a renovação e o desenvolvimento das comunidades. Na visão de Giddens (2000), as atribuições das instituições do terceiro setor seriam a de proteção da esfera pública estatal; de 25 prevenção de crimes pelo incentivo da ação comunitária; do estímulo à família democrática, do incentivo ao envolvimento cívico de indivíduos e grupos sociais, articulando liberdade individual com solidariedade e responsabilidade social para a criação de um sistema moral capaz de garantir o pleno exercício da cidadania renovada e da harmonização social por meio de um pacto para a promoção do bem comum. Uma sociedade civil sem confronto e sem lutas, responsável pelas autorrespostas às questões sociais, é o caminho, segundo Giddens (2001), da renovação da sociedade que se dá pela parceria do governo com a sociedade civil, possibilitando a renovação comunitária através do envolvimento do terceiro setor. As parcerias definidas pela terceira via responsabilizam a sociedade civil por suas demandas, desoneram o Estado e barateiam o custo das políticas sociais. Entretanto, Peroni (2012) faz um alerta ao pensamento ingênuo sobre a terceira via e sua defesa ao terceiro setor. O terceiro setor é uma das principais estratégias defendidas pela terceira via que busca reformar o Estado. Com esta reforma, o terceiro setor passa a ter a responsabilidade na execução das políticas sociais; já o Estado passa a ser o coordenador e avaliador das políticas, mas não mais o principal executor. Desta forma, a parceria entre o público e o privado acaba sendo a nova estrutura de política pública. A defesa da terceira via na renovação da sociedade, recuperando formas de solidariedade, trabalho voluntário, aproveitamento de iniciativas locais, relação do público com o privado na perspectiva da inclusão e com propostas de movimentos constantes de imersão do público no privado, desvia o problema e centra a solução na sociedade civil, num rearranjo econômico e social, em que não há lugar para antagonismos, nem enfrentamentos de interesses, nem luta de classes. Assim, o confronto, o enfrentamento e a luta dão lugar à busca do entendimento, da solidariedade, da cooperação dos indivíduos. Portanto, as parcerias defendidas pela terceira via são as possíveis saídas para os graves problemas sociais, uma vez que o Estado não tem podido atender às demandas da sociedade. (PERONI, 2012). Na concepção de Giddens (2000), desenvolver um trabalho em comunidades pobres é fundamental para a terceira via, pois são nestas comunidades que o incentivo à iniciativa e ao envolvimento locais podem gerar maior retorno, impedindo o caos social. Segundo o autor, o importante é que o Estado, não se envolva diretamente com a sociedade, mas apóie atividades através de investimentos nas áreas mais críticas das 26 cidades, sendo o novo agente histórico por excelência, em lugar das classes sociais polarizadas. Para os adeptos da política da terceira via, essas referências indicam que a sociedade civil constitui-se em uma instância que possui uma materialidade, uma força própria e portadora de um elevado grau de autonomia e independência do processo histórico. Neste prisma, pode-se observar a relevância que tem o terceiro setor para a terceira via. Segundo Peroni (2006), o terceiro setor é funcional à terceira via (e ambos ao capital), uma vez que a proposta desta é a busca de parceria com a sociedade civil em substituição à privatização pregada pelo neoliberalismo. Constituído por redes de organizações privadas autônomas voltadas à distribuição de lucros para acionistas ou diretores, atendendo a propósitos públicos, embora à margem do aparelho formal do Estado, o terceiro setor não se submete ao controle institucional. Esta descentralização lhe dá um poder cada vez maior. A política da terceira via, ao propor a parceria público-privada, busca reduzir o papel do Estado na execução das políticas sociais, repassando principalmente para o público não-estatal ou terceiro setor. O que permanecia sob a esfera estatal passa agora a ter a lógica de mercado, que é considerado mais eficiente e produtivo. (PERONI, OLIVEIRA, FERNANDES, 2009). Lúcia Neves (2005) argumenta que os elementos apresentados pela terceira via não são suficientes para descrever e sustentar uma mudança na materialidade da sociedade civil. Segundo a autora, o conceito da terceira via confunde a forma aparente com o movimento dos complexos processos hegemônicos que buscam tornar os ideais e as práticas da classe dominante e dirigente as ideias dominantes de um tempo. Conforme Giddens (2000), na política da terceira via, o Estado não deve somente distribuir benefícios sociais, mas sim dar suporte para que os cidadãos não necessitem novamente de tal benefício. Segundo ele, são as instituições do terceiro setor que deveriam desempenhar um papel maior no fornecimento de serviços de welfare. A reconstrução da provisão do welfare deve ser integrada a programas para o desenvolvimento ativo da sociedade civil. Ou seja, mais evidências de que a política da terceira via busca defender o incremento das entidades públicas não-estatais em resposta da política social, com o intuito de transferir a responsabilidade do Estado para o terceiro setor. 27 Neste prisma, pode-se inferir que apesar de terem posições diferentes em determinados pontos, há uma similitude da terceira via com o neoliberalismo, de que as duas concepções visam defender os interesses do capital. Mesmo Giddens afirmando que a terceira via busca defender a solidariedade, a justiça e a política social, ela não é garantida pelo Estado, o terceiro setor que a responderá, do seu jeito e com suas peculiaridades. Ou seja, percebe-se que na prática a terceira via é uma estratégia do capitalismo para enxugar os gastos públicos em favor do mercado. Segundo Martins (2005), em ambas as políticas é comum a recusa dos direitos sociais e do princípio da universalidade como categorias válidas bem como a defesa da mercantilização e submissão dos bens sociais à lógica do mercado. O argumento central da terceira via e do neoliberalismo é o de que se deve eliminar toda e qualquer política estatal que imobilize os indivíduos, gere obstáculos à expansão do mercado e crie dificuldades para o pacto entre capital e trabalho. O argumento é de cortar os gastos públicos até que a população não necessite mais destes benefícios. Aos poucos os direitos sociais estão sendo retirados da responsabilidade do Estado e a projeção a longo prazo é retirá-lo totalmente. Com seu argumento ideológico-político, a terceira via, que defendia transcender tanto a social-democracia quanto o neoliberalismo, percebe-se que na realidade é a própria política neoliberal remodelada, dando continuidade ao seu processo de desmonte da nação, não havendo nenhuma renovação, e sim, uma continuação do avanço neoliberal. Concorda-se com a opinião de Martins (2005) e Antunes (1999), de que a terceira via e a doutrina teórica que a inspira – o liberalismo – insistem na organização da vida social em esferas autônomas e independentes que, em última instância, não só reforçam o processo de isolamento do produtor dos meios de produção como também despolitizam o econômico, apresentado como salvaguarda dos intocáveis direitos burgueses. A política da terceira via apesar de apresentar particularidades com relação ao neoliberalismo (PERONI, 2012), coaduna-se com os preceitos neoliberais, em favor do livre mercado, da acumulação capitalista. Após análise da política neoliberal e do discurso da terceira via, conceitos que estimularam o surgimento do terceiro setor, o próximo item apresentará a discussão das políticas sociais no contexto brasileiro a partir da década de 1990, período marcado pela ofensiva neoliberal no país. 28 1.3 A política social brasileira a partir dos anos 1990 No Brasil, a política social teve outro destino a partir da entrada do receituário neoliberal. A área social foi comprometida pelas restrições econômicas impostas pelas políticas neoliberais que criaram um desmonte do Estado, levando-o a uma crescente desresponsabilização do governo federal a estas políticas, aprofundando ainda mais o quadro de desigualdade social. Desta forma, nesta seção trataremos das políticas sociais a partir da década de 1990, sua ênfase nos governos deste período e sua estreita ligação com o avanço das políticas neoliberais. Nos anos de 1990 instalou-se na América do Sul e no Brasil, o Estado de direito democrático, uma típica configuração de democracia liberal, baseado na Constituição Brasileira de 1988. Estes Estados de direito democrático, ou essas democracias, foram instaladas em sociedades pouco democráticas, limitadas em suas manifestações e interesses, com forte presença autoritária, na prática política e na própria cultura. (VIEIRA, 2007). No Brasil, não tivemos um Estado de bem-estar social constituído nos moldes europeus, mas um Estado desenvolvimentista que assegurava alguns direitos ao cidadão brasileiro como: educação, saúde, previdência social, seguro desemprego e outros. Na realidade, dos planos brasileiros, a política de saúde, habitação popular, educação, assistência e outros, conforme Vieira (2007), não formam um todo com alguma coerência, não se articulam. Esta realidade nos faz inferir que este caráter de política social não se constitui em um Estado de bem-estar social, ou rede de proteção, mas numa intervenção estatal no campo econômico e no campo social, dependendo das condições do momento. Na concepção de Vieira (2007), esses Estados, sob a alegação de crise orçamentária, são levados a desmontar ou substituir esses serviços, por sofrer pressão real do orçamento e por pressão ideológica dos defensores do livre mercado. Desta forma, o direito a serviços sociais que foram conquistados a partir das mobilizações operárias sucedidas ao longo das primeiras revoluções industriais do século XIX (BEHRING, 2007), atualmente, se transformou em mercadorias, em serviços vendidos no mercado. Assim, devem ser repassados ao mercado a saúde, a educação, entre outros. Essas transformações tanto na política econômica, quanto na política social, estão intrinsecamente ligadas à evolução do capitalismo que acirrou a concorrência monopolista e a classe operária tornou-se cada vez mais fragmentada, 29 explorada, perdendo cada vez mais os direitos conquistados. Para Vieira (2007), esse tipo de política não é de caráter social, pois se resume a uma política de assistência. No Brasil, as políticas sociais, a partir de 1990, sofreram modificações consideráveis. Elisabete Ferrarezi (2007) ressalta que no período entre 1985 e 1997 foram implementadas diversas reformas no país. A Constituição Federal de 1988 trazia nas entrelinhas ideias de descentralização para promover maior autonomia e agilidade, a desburocratização visando eficiência e efetividade e a democratização por meio de mecanismos que tornassem o setor público mais transparente, ampliando o controle social sobre a gestão pública. Na análise de Carlos Montaño (2003), enquanto a década de 1980 foi marcada por um pacto social entre os diversos setores democráticos, pressionados por amplos movimentos sociais e classistas que levou à Constituição de 1988, os anos 90 representaram o contexto do desenvolvimento mais explícito da hegemonia neoliberal. Para Laura Soares (2001), as razões do surgimento da política neoliberal encontravam-se, de um lado, no agravamento da crise econômica em meados de 1990 e, de outro, no esgotamento do Estado desenvolvimentista brasileiro, na época tendo como presidente da república José Sarney. Seu governo culminou o processo de transição democrática. A erosão da autoridade governamental com a ausência crescente de legitimidade, enfrentando uma sociedade carente de consensos e hegemonias, sem parâmetros de ação coletiva, sofrendo os impactos de uma economia destruída pela hiperinflação, tudo isso levou a insustentabilidade da situação política e econômica e a um sentimento generalizado da necessidade de uma mudança radical de rumo. (p. 214). . Com a eleição de Fernando Collor de Mello à presidência da república, em 1990, os contornos neoliberais do projeto do governo tornaram-se mais nítidos, bem como as suas consequências. Segundo Laura Soares (2001), sua passagem pela presidência foi rápida, porém devastadora e deixou marcas indeléveis na economia brasileira. A principal urgência de Collor naquele período era conter a inflação. Adotou medidas tacitamente de cunho neoliberal como: abertura de mercados, privatização de bens públicos e internacionalização da economia. Collor produziu uma grave restrição evolutiva das políticas públicas brasileiras em geral e das políticas sociais em particular. Além de não implementar as mudanças inscritas na Constituição Federal de 1988, desvirtuou-as totalmente, trazendo evidentes retrocessos econômicos e sociais à nação. 30 O seu governo defendia que a redução do tamanho do Estado restabeleceria a economia, porém os resultados não são causados pelo excesso de Estado, mas pela sua privatização interna. (SOARES, 2001). Este governo, para defender as medidas neoliberais, vendeu a ideia de que com a privatização e a redução do tamanho do Estado estaria ganhando a nação, reduzindo o gasto público, consequentemente eliminaria o déficit público, os dois grandes causadores de quase todos os males, sobretudo o da inflação. Tomou a liberalização do comércio exterior, com o propósito de tornar a economia brasileira mais internacionalizada e moderna, fazendo com que as estruturas produtivas internas pudessem competir livremente no mercado internacional. Em consequência dessas políticas, um dos elementos foi a abertura ao exterior para as importações. Outra ordem de consequências das políticas neoliberais foi o agravamento da já iníqua situação de alocação de recursos para as políticas sociais. Provocou-se uma recessão, aumentando o desemprego e piorando ainda mais a situação dos mais carentes, desencadeando uma elevação na demanda por benefícios e serviços sociais. Neste quadro, a proposta do governo Collor foi a de cortar ainda mais os gastos públicos. A resultante dessa perversa combinação, no Brasil, foi o agravamento da miséria, associada ao total desmantelamento das políticas sociais. A extensão da recessão para atingir os objetivos pretendidos pelo ajuste neoliberal no Brasil, além de inimaginável, atingiu a sociedade de modo extremamente desigual. (SOARES, 2001). No campo social, o governo Collor simplesmente ignorou os preceitos constitucionais, através das reformas administrativas promovidas no sistema de seguridade social inscrito na Carta Magna de 1988. Para Laura Soares (2001), a seguridade social é compreendida como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Collor fragmentou a seguridade social em ministérios diferentes, dando-lhe margem para realizar, na saúde, um boicote orçamentário sistemático ao Sistema Único de Saúde – SUS. Na previdência, lançou um pacote de reforma previdenciária já em 1992. Na assistência, vetou a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), desrespeitando a Constituição Federal e retirando direitos dos trabalhadores. O governo Collor não propiciou, apesar de toda a movimentação social e política em torno do seu impeachment, uma reversão nessas condições. Após a passagem de 31 Itamar Franco, vice de Collor, pela presidência, Fernando Henrique Cardoso consolidou ainda mais as políticas neoliberais. Cardoso buscou substituir o princípio da universalização nas políticas sociais pela focalização em determinados segmentos das classes pauperizadas, excluindo-as cada vez mais do acesso aos direitos que lhe são conferidos a esta classe salvaguardados pela LOAS. Assim, as políticas sociais públicas passaram a concentrar-se em programas assistenciais, com o objetivo de compensar os efeitos negativos das políticas econômicas restritivas, tornando mais crítica a situação de pobreza e desigualdade. (SOARES, 2001). Ferrarezi (2007) afirma que pressionado pela necessidade de contenção do déficit público, o governo federal adotou medidas de contenção de gastos e apresentou um projeto de reforma que pretendeu incidir diretamente sobre a situação funcional da burocracia, inovando do ponto de vista gerencial e alterando a estrutura do Estado. Vicente Faleiros (2004) evidencia que no primeiro ano de governo Fernando Henrique Cardoso, em 1994, realizou-se uma reordenação estratégica do Estado no marco legal constitucional, abrindo espaço para o capital estrangeiro e as empresas privadas nos setores economicamente cruciais das telecomunicações, do petróleo, da navegação e cabotagem da canalização do gás e da própria definição de empresa, terminando-se com o conceito de empresa brasileira e implicando num fortalecimento do mercado, na preparação do terreno para as privatizações combinadas com a desnacionalização. Já Lúcia Neves (2005) aponta que o governo Fernando Henrique Cardoso estava voltado prioritariamente à reestruturação do Estado nas suas funções econômicas e ético-políticas. O governo brasileiro, com o intuito de competir no cenário internacional, abriu seu mercado interno a empresas multinacionais, o que criou a transferência de recursos nacionais para os cofres destas empresas, não havendo crescimento da economia brasileira, arrefecendo a economia nacional. Além da abertura econômica ao capital exterior, as privatizações aumentaram ainda mais a crise nacional. Desta forma, o Brasil, de produtor de bens e serviços, passou a coordenador de iniciativas privadas, tomando como principal política estatal a privatização dos setores públicos. Assim, não foi o Brasil que passou a competir mundialmente, mas o capital mundial que veio a assumir monopólios do Estado, pois de fato transferiram-se monopólios estatais a empresas privadas, embora com salvaguardas, realizando-se um dos maiores negócios do mundo em matéria de privatização, no século XX. Uma das medidas de 1997 foi a 32 modificação nos objetivos da lei nº 9.491 que trata do Plano Nacional de Desestatização - PND. Dentre as medidas estavam: [...] reordenar a posição estratégica do Estado na economia transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida; permitir a retomada de investimento nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; contribuir para a reestruturação econômica do setor privado especialmente para a modernização da infraestrutura e do parque industrial do país, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia inclusive através da concessão de crédito; permitir que a administração pública do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o programa. (FALEIROS, 2004, p. 41). A privatização efetivou a transferência do patrimônio estatal para empresas privadas (a maioria para o patrimônio das multinacionais), do público para o mercado, atingindo o coração do Estado. Se no governo Collor de Mello e Itamar Franco já haviam sido privatizados por meio do Plano Nacional de Desestatização (PND) e o Fundo Nacional de Desestatização de 1990 a 1994 os setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes, no governo Cardoso, a partir de 1995, com a aprovação da lei de concessões, destacaram-se os setores de telecomunicações, energia elétrica e transportes, substituindo-se os monopólios públicos por empresas privadas. Em 1996, os estados foram incluídos no processo de privatização dos Programas Estaduais de Desestatização PEDs. (FALEIROS, 2004). Além da entrada do receituário neoliberal na economia brasileira, outra causa que aprofundou a legitimação do Estado-nação foi a estreita ligação com o Fundo Monetário Internacional. No período entre 1998 e 2002 aumentou-se a vulnerabilidade do país às turbulências dos mercados internacionais devido às crises do câmbio. Sem que se tivessem condições de resolubilidade interna dessas crises, recorria-se a estas agências de financiamento. Dados de Faleiros (2004) apontam que a dívida líquida do setor público aumentou de R$ 208 bilhões de reais, em 1995, para R$ 563 bilhões, em 2000, e para cerca de R$ 800 bilhões em 2002. Já a dívida externa subiu de US$ 159 bilhões para US$ 231 bilhões no período de 1995 a 2000. Em 2002 os juros já absorviam 8% do Produto Interno Bruto (PIB) e o passivo externo chegou a US$ 400 bilhões, com déficit operacional de 5% do PIB. A desestatização foi realizada também 33 com a transferência de créditos para que as empresas financiassem a compra dos ativos nacionais. Draibe (2003) afirma que em governos de política neoliberal, as políticas sociais não são mais prioridades do Estado, contudo houve uma razoável preservação do gasto social, especialmente em programas prioritários, como por exemplo, em políticas de alívio a pobreza, de caráter focal, setorial, fragmentada e emergencial. As políticas de Cardoso não foram desenvolvidas como políticas públicas, mas através de convênios com organizações não-governamentais (ONGs), instituições comunitárias e filantrópicas, o que fortaleceu a perda de confiança nas instituições públicas, repassando as funções estatais às entidades público não-estatais. Para Simionatto (2000), estas políticas possuem como objetivo central o foco à pobreza, a descentralização e a participação dos usuários em todas as etapas de execução. Ligados à reforma do Estado, tais projetos têm como centralidade as orientações dos organismos internacionais de financiamento, principalmente no que tange à focalização nos setores de maior vulnerabilidade, na medida em que a destinação de recursos financeiros teve como prioridade a estabilidade macroeconômica. Neste tocante, Neves (2005) afirma que a proposta do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso trazia definições claras em relação à reestruturação do Estado e à criação de novas formas de articulação entre aparelhagem estatal e sociedade civil. Foi assim que, em 1995, Fernando Henrique Cardoso promoveu uma reforma do aparelho do Estado, que estimulou a criação de entidades de caráter público nãoestatais. Iluminados pelos preceitos da terceira via, que em linhas gerais seria a política neoliberal com uma nova roupagem, tanto Cardoso, quanto seu Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, executaram o Plano Diretor de Reforma do Estado (PDRAE) que mudou a orientação da política nacional. Dentre as medidas do PDRAE foi criada a lei da publicação (nº 9.637/98) que legitimou as entidades do terceiro setor em resposta ao social. Além do PDRAE, o Programa Comunidade Solidária, criado sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, estimulou o surgimento do terceiro setor, que tinha como foco o combate a situações agudas ou extremas de pobreza. Além de cumprir o importante papel de pólo aglutinador de forças políticas e sociais para implementação das ações educadoras da sociabilidade neoliberal na sociedade civil, o Programa 34 Comunidade Solidária desempenhou, ainda, papel fundamental na elaboração da lei do Voluntariado (nº 9.608/98) e da lei n° 9.790/99, que criou as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Para Draibe (2003), a relação do Estado com o setor privado e o terceiro setor formou duas outras linhas de ação que revelaram preferências governamentais na condução da área social. De um lado, uma visão positiva das parcerias com as ONGs, nem tanto em relação à prestação de serviços sociais, mas pelo seu reconhecimento como interlocutor legítimo na formulação da política social. De outro lado, a modernização e o reforço dos mecanismos da ação regulatória do Estado, em relação ao setor privado lucrativo e às próprias organizações do terceiro setor, envolvidos na provisão social por meio de mudanças legislativas ou da criação de órgãos destinados a tais funções. A política assistencial, segundo Draibe (2003), sofreu alterações no ciclo democratizante de reformas. A partir de reivindicações dos atores envolvidos, a nova política de assistência social foi definida na Constituição de 1988 e na LOAS de 1993, como política pública fundada nos direitos sociais básicos, associada a ações permanentes, dirigidas aos setores vulneráveis segundo suas necessidades à aprovação do Fundo de Combate à Pobreza, em 2000. Já no ano seguinte de sua aprovação, foram criados os programas Bolsa-Alimentação, Agente Jovem e, em 2002, o Auxílio-gás que foram acoplados aos anteriores, o Bolsa-Escola, de 1998, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), de 1995, e outros programas de transferência preexistentes. Em suma, estas reformas formaram a rede social brasileira de proteção social, concebida como um conjunto de transferências monetárias a pessoas ou famílias de mais baixa renda, destinado a protegê-las nas distintas circunstâncias de risco e vulnerabilidade social. O balanço deixado no governo de Fernando Henrique Cardoso foi de defender os interesses capitalistas, abrindo mão do patrimônio estatal privatizando muitos setores públicos e saldando a dívida externa, como postula os organismos financiadores internacionais. No campo social, foram executadas políticas de alívio à pobreza como políticas de transferência de renda e a convocação da sociedade civil para executar programas de assistência social, ganhando força e respaldo o conceito de terceiro setor e as entidades que o compõem. Após oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, o Partido dos Trabalhadores (PT) venceu as eleições de 2003. A esquerda chegou à presidência da 35 república por meio de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2006). Apesar da desconfiança da burguesia nacional, comparando os dois governos, percebeu-se a continuidade no governo Lula da Silva do modelo de Estado implementado no governo anterior, inclusive com um novo acordo com o FMI que aumentou o superávit primário de 3,75% do PIB para 4,25%, acarretando cortes substanciais nos gastos públicos inclusive na área social. (FALEIROS, 2004). Segundo Neves (2005), este governo deu continuidade à execução de reformas estruturais, em especial daquelas que visam à desregulamentação das relações de trabalho (reformas da previdência, trabalhista e sindical) e, no plano político, tentou consolidar a formação do novo homem coletivo indispensável ao projeto de sociabilidade neoliberal da terceira via. A reforma tributária realizada no governo Lula da Silva não mudou substancialmente a distribuição de renda no país. Continuou-se a drenar recursos da seguridade social para pagamento de juros da dívida através da Desvinculação dos Recursos da União - DRU. Conforme Faleiros (2004), a renda do trabalhador ficou 15% menor em novembro de 2003 em comparação ao mesmo período de 2002 e o desemprego se manteve elevado. Por outro lado, a bolsa de valores teve um aumento significativo, os juros foram sagradamente pagos e a inflação foi contida apesar das empresas e dos bancos terem aumentado seus lucros. Toda essa sequência reformista teve como justificativa a manutenção da credibilidade econômica do país. Para o grande público, a maior surpresa oferecida pelo governo Lula da Silva em matéria de seguridade social talvez tenha sido seu projeto de contrarreforma da previdência social dos funcionários públicos, encaminhada em abril de 2003 para ser apreciada pelo Congresso Nacional e aprovada em dezembro do mesmo ano introduzindo um valor máximo para a aposentadoria dos funcionários públicos. Esta reforma onerou em 11% os proventos dos atuais aposentados que recebiam acima de R$ 1.440 mil e limitou a aposentadoria dos futuros servidores a R$ 2.400 mil, favorecendo os fundos de previdência privada. Por outro lado, conseguiu fixar em R$ 17.100 o teto para as aposentadorias. (FALEIROS, 2004). Este pacto estabelecido entre o Estado brasileiro e seus funcionários teve como objetivo garantir uma renda perpétua, embora mais baixa que a paga pelo mercado para o mesmo nível de qualificação. Dessa forma, considerando que o nível da remuneração dos servidores ativos não se alterou, a mudança nas condições das aposentadorias foi um desestímulo para que muitos profissionais decidissem fazer concurso público. Assim, nota-se que a 36 contrarreforma previdenciária promovida, em 2003, pelo governo Lula da Silva resultou em mais um passo no longo processo de destruição do Estado desenvolvimentista que aconteceu desde o governo Collor por meio da ofensiva neoliberal. (FALEIROS, 2004). No âmbito social, o governo Lula da Silva deu continuidade aos programas de transferência de renda, reforçando a parceria entre Estado e as entidades do terceiro setor, além dos investimentos sociais das empresas, que juntos poderiam suprir o déficit no âmbito social. Segundo Neves (2005), este governo desenvolveu o Programa Fome Zero que desempenhou um importante papel pedagógico na formação do novo homem coletivo. Para a autora, esse programa que substituiu o Programa Comunidade Solidária, encerrado em 2002, tinha como objetivo principal combater a pobreza extrema, por meio da colaboração de todos os níveis de governo e da sociedade civil organizada. O Programa Fome Zero, tinha como carro-chefe o Programa Bolsa Família, lançado em outubro de 2003, fruto da unificação de diversos programas pré-existentes (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio Gás). Com vistas a estreitar esta parceria com a sociedade civil, o governo Lula da Silva criou um gabinete de mobilização social do Programa Fome Zero, que, ao lado do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, congregou empresas, denominações religiosas, ONGs, sindicatos e escolas em um mutirão de combate à fome. Conforme Neves (2005), desse mutirão resultaram: doações em dinheiro e equipamentos na ordem de R$ 25 milhões no período de janeiro de 2003 a abril de 2004; a apresentação de projetos de inclusão social por parte de 96 empresas; a autorização do uso da logomarca do Programa Fome Zero por parte de 1.412 instituições. A política social do terceiro setor também ganhou destaque no governo de Lula da Silva no campo esportivo. Segundo Marcelo Melo (2007), o terceiro setor foi chamado a cobrir as lacunas onde o Estado já não priorizava. O Programa Segundo Tempo, criado em 2003 pelo Ministério do Esporte, convocou a sociedade civil a desempenhar ações sociais esportivas focando na classe mais empobrecida, com a intenção de conter os conflitos sociais. A relação entre as políticas sociais esportivas do governo Lula da Silva com o chamado terceiro setor, foi tão forte que não se limitou apenas ao Programa Segundo Tempo. O documento Política Nacional de Esporte (BRASIL, 2005), defendia a parceria do Estado com entes não-governamentais, iniciativa privada, entidades 37 esportivas e sociedade, de forma que todos trabalhassem com objetivos comuns. Segundo Melo (2007), as parcerias entre o governo federal e as organizações da sociedade civil só aconteceriam se estas entidades fossem reconhecidas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), conforme a legislação conhecida como lei do terceiro setor (n° 9790/99). Ou seja, pode-se inferir que o movimento de legitimação das entidades do terceiro setor passou a ter maior destaque após o incentivo do governo Lula da Silva, que exigia o reconhecimento jurídico de tais entidades para que pudessem ser realizadas as parceiras com o Programa Segundo Tempo. Peroni (2012) argumenta que tanto o processo de publicização - a transferência da responsabilidade da política social para o terceiro setor, principalmente através de parcerias - quanto a proposta de gestão gerencial, que foi a marca do governo de Fernando Henrique Cardoso, através do Plano Diretor, tiveram continuidade no governo de Lula da Silva. Segundo a autora, isso pode ser verificado, por exemplo, na Carta de Brasília, que apresentava uma proposta de gestão pactuada pelo Ministério do Planejamento e Secretários Estaduais de Administração (BRASIL, 2008) com os princípios da gestão gerencial e no Plano de Gestão do Governo Lula, “Gestão pública para um país de todos”, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. (BRASIL, 2003). A carta de Brasília (BRASIL, 2008), expunha as principais preocupações e diretrizes que deviam orientar as estratégias e as ações em prol da construção de um pacto para melhorar a gestão pública. A carta argumentava que o Estado brasileiro para dar conta das demandas da sociedade no contexto atual fazia-se necessário repensar a sua forma de organização e funcionamento. Defendia a reforma do marco legal, com o intuito de unir governo e sociedade com objetivo de alcançar melhores resultados para a nação. O Plano de Gestão (BRASIL, 2003) discutia a importância de uma transformação da gestão do país, por meio da execução de um plano de gestão pública, exigindo um processo de formulação participativo que trouxesse soluções inovadoras e arranjos de implementação em rede entre Estado, mercado e sociedade civil. Defendia a necessidade de significativas transformações na gestão pública como necessárias para que se reduzisse o déficit institucional e fosse ampliada a governança, alcançando-se mais eficiência, transparência, participação e um alto nível ético. 38 Este processo de reformulação da gestão pública proposta no governo de Lula da Silva tem suas semelhanças com a presidência anterior de Fernando Henrique Cardoso, pois no PDRAE os termos governança, eficiência e transparência eram conceitos de ordem na reforma estrutural da gestão gerencial, conceitos que também se fizeram presentes na pauta do Plano de Gestão do governo Lula da Silva. Estes conceitos reforçam a discussão em torno da legitimação do terceiro setor, que buscou argumentar que o Estado sem a presença do terceiro setor não poderia manter as políticas sociais públicas, pois este setor cobre o social melhor que o próprio Estado. O Plano de Gestão (BRASIL, 2003) defendia a construção de uma gestão de forma participativa e transparente, com amplo processo de debate, envolvendo as organizações e setores no âmbito do governo federal e os grupos interessados da sociedade civil. Ou seja, ficando claro que a mudança na gestão pública federal também era de obrigação das entidades do terceiro setor. A presença do terceiro setor e do empresariado nos rumos da política social brasileira pôde ser notada, também, no 1° Fórum Nacional de Gestão Pública, realizado em 2009. Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, este evento congregou parceiros estratégicos dos setores público e privado, além do terceiro setor, em torno da agenda proposta pela Carta de Brasília, documento que tinha como objetivo balizar as ações do governo para melhorar a gestão pública sob a égide da boa governança. Na ocasião, diversos órgãos e instituições assinaram o termo de adesão à Carta, dentre os signatários, os mais destacados estavam o Presidente Fundador do Movimento Brasil Competitivo - Jorge Gerdau Johannpeter, empresário do Grupo Gerdau - e Luisa Helena Trajano Inácio Rodrigues - Presidente em exercício do Conselho do Prêmio Nacional de Gestão Pública -, empresária do Grupo Magazine Luiza. (BRASIL, 2008). Ou seja, nota-se a presença do empresariado nas questões governamentais. Tanto Jorge Gerdau, quanto Luisa Helena são expoentes do setor empresarial e que se infiltram nas relações governamentais para defender seus interesses capitalistas em detrimento dos interesses da classe trabalhadora. Segundo Draibe (2003), as propostas de Lula da Silva no âmbito social não romperam com a ótica seletiva e emergencial promovida pelos governos anteriores, muito menos com o desenvolvimento de ações sociais de caráter paliativo, focalizadas e sem inovações. Seguindo o receituário neoliberal, o que era um direito garantido constitucionalmente passa agora a ser filantropia. A política social, que durante o Estado 39 desenvolvimentista era de obrigação Estatal, com a ofensiva neoliberal passa à lógica do mercado. O terceiro setor foi uma ferramenta utilizada também no governo de Lula da Silva seguindo os moldes do receituário neoliberal e da terceira via para mascarar a retirada do Estado na obrigação de promover as políticas sociais. Em vez de executar a política social, o Estado convocou a sociedade civil, ou melhor, o terceiro setor para arcar com as lacunas deixadas por ele, passando a se preocupar prioritariamente com as políticas sociais mais emergenciais, focalizadas no alívio a pobreza. A partir destas evidências, pode-se concluir que o surgimento do terceiro setor está diretamente relacionado com o advento do neoliberalismo e a política da terceira via, pois o Estado brasileiro, abdicando de executar a política social, convocou as entidades públicas não-estatais para a manutenção desta área. O terceiro setor assumindo a responsabilidade da política social - que é dever do Estado - mascara os efeitos das medidas neoliberais à classe trabalhadora: o esvaziamento das políticas de seguridade social e a transferência do público para o privado, ou seja, apesar de em sua gênese o terceiro setor possuir um caráter benemérito, o capitalismo se utiliza desta característica para defender seus interesses de mercado, controlando o caos social e solapando as economias nacionais. O próximo capítulo vai discorrer sobre o conceito do terceiro setor e da reforma do aparelho do Estado, processo que culminou na criação da legislação do terceiro setor, favorecendo a legitimação do setor empresarial em responder o social. 40 CAPÍTULO 2 TERCEIRO SETOR, A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO E A FILANTROPIA EMPRESARIAL: O DESMONTE DA NAÇÃO O objetivo deste capítulo é caracterizar o crescimento do terceiro setor enquanto uma estratégia neoliberal, analisando sua implantação no Estado brasileiro. Como passo inicial, apresentaremos o conceito de terceiro setor, fenômeno que surgiu atrelado às mudanças no mundo capitalista. Em seguida será discutida a criação do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) no Brasil, além de argumentar sobre a legislação que amparou o surgimento do terceiro setor investigando o processo que legitimou as empresas como entidades de caráter público não-estatais. Este capítulo está dividido em três tópicos: o primeiro tópico trata do conceito do terceiro setor, seu surgimento no cenário brasileiro e a lógica que permeia sua gênese. O segundo tópico discorre sobre a execução do PDRAE que legitimou o crescimento do terceiro setor, por meio da lei da publicização (nº 9.637/98). O terceiro tópico trata do Programa Comunidade Solidária, programa que impulsionou o processo de criação da lei do terceiro setor (n° 9.790/99). 2.1 Terceiro setor: a busca por uma definição O campo de estudos do terceiro setor é uma das áreas multidisciplinares das Ciências Sociais, unindo pesquisadores de diversas disciplinas como Economia, Sociologia, Ciência Política e áreas acadêmicas aplicadas como Serviço Social, Saúde Pública e Administração. Andrés Falconer (1999) afirma que o estudo na área do terceiro setor ainda é novo tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Ressalta uma imprecisão com que a literatura trata o termo, por transitar por várias áreas do conhecimento, ora aproximando o conceito de uma definição de sociedade civil, ora referindo-se a um formato específico juridicamente definido de instituição privada, ou ainda, identificando-se com as tradicionais entidades de caráter assistencial ou filantrópico. Rosa Fischer e Andrés Falconer (1998) afirmam ser difícil encontrar um denominador comum para o conceito de terceiro setor que privilegie todos os grupos. 41 Argumentam que, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, esta questão sobre a falta de precisão conceitual do nome que define o conjunto destas organizações não é uma polêmica vazia e de interesse exclusivamente acadêmico. Observando o comportamento das próprias entidades, verifica-se que não existe uma identificação com o termo, uma manifestação clara e unânime sobre o terceiro setor. Na concepção de Mário Alves (2002), os estudos sobre este conceito são divergentes e confusos, pois alguns associam com ONGs, outros com caridade ou obras religiosas. Por vezes o termo é confundido com a nomenclatura econômica e considerado uma extensão do setor de serviços, denominado de terciário, no modelo clássico de categorização das formas de produção na economia capitalista. Segundo Alves (2002), o termo terceiro setor é originário do conjunto das ideias da economia clássica, para qual a sociedade é dividida em setores de acordo com as finalidades econômicas dos agentes sociais, entendidos como agentes de natureza pública e privada. Marcos Kisil (2000) apresenta que na conceituação tradicional, o primeiro setor é o Estado, representado por entes políticos (prefeituras municipais, governos dos estados e presidência da república), além de entidades a estes ligados (ministérios, secretarias, autarquias, entre outras). Este setor conta com mecanismos burocráticos e busca uma concordância forçada de toda a sociedade para com as decisões do governo, que usa de seu papel regulador e responsável pelo cumprimento das decisões legais. As decisões são tomadas por administradores e burocratas eleitos de acordo com políticas, e/ou princípios e critérios técnicos, seguindo objetivos políticos dos detentores do poder. No segundo setor estão enquadradas as empresas, compostas por entidades privadas que exercem atividades privadas, ou seja, atuam em benefício próprio e particular, contando com os mecanismos do mercado para participar do processo de desenvolvimento. (KISIL, 2000). As decisões são deixadas para os indivíduos que calculam a vantagem privada sem referência explícita a interesses mais amplos ou aos bens públicos. O setor privado é geralmente o maior setor em qualquer país capitalista, tendo como abrangência os produtores agrícolas, microempresários, indústrias, comerciantes, banqueiros e outros cujas atividades principais consistem em produzir mercadorias e serviços, gerando assim emprego, produção e renda. Já o terceiro setor é composto pelas organizações não-governamentais (ONGs), as cooperativas, as associações, fundações, institutos e instituições filantrópicas, 42 entidades sem fins lucrativos, entidades de assistência social (MONTAÑO, 2003) e, hoje em dia, também as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Todas são entidades de interesse social, que apresentam como característica em comum, a ausência na geração de lucros e o atendimento de fins públicos e sociais. Este setor confia mais nos mecanismos voluntários, de solidariedade humana, apelando para o senso de interesse público. (KISIL, 2000). Maria Susin (2006) trabalha com um sinônimo de terceiro setor: público nãoestatal, que, segundo ela, remete-se às entidades que não são de ordem estatal porque nelas não se exercem o poder do Estado, mas também não são privadas porque se tratam de serviços subsidiados pelo Estado, contando, portanto, com recursos orçamentários estatais para sua execução. Ou seja, a propriedade pública não-estatal possibilita a uma instituição receber verba pública e, em contrapartida, não isenta o Estado de sua responsabilidade social e administrativa do serviço que devem ser assegurados por ele. Com o terceiro setor ocorre a configuração de uma nova modalidade no trato com a questão social, que, segundo Carlos Montaño (2003) está baseado em três princípios: primeiro, a transferência da responsabilidade da questão social do Estado para o indivíduo, que a resolverá por meio da auto-ajuda ou adquirindo serviços como mercadorias; segundo, as políticas sociais passam a ser focalizadas, perdendo, assim, seu princípio universalista; terceiro, com a descentralização administrativa, as políticas tornam-se ainda mais precarizadas, entre outros problemas, porque são transferidas as competências sem os recursos correspondentes e necessários para executá-las. Elisabete Ferrarezi (2007) atenta que o conceito está atrelado à noção de associativismo, ONGs, ajuda-mútua, voluntariado e sociedade civil, sendo um debate amplo e variado. Sua definição está baseada na similitude e diferença em relação aos outros setores. Rosa Fischer (2005) argumenta que o crescimento do terceiro setor despontou no país fortalecendo a sociedade civil, através de organizações filantrópicas, fundações, institutos empresariais, associações de defesa de direitos e as mais diversas formas organizativas, manifestando-se como um pólo dinâmico de atuação social. Para Falconer (1999), o termo terceiro setor é usado para se referir à ação social das empresas, ao trabalho voluntário de cidadãos, às organizações do poder público privatizadas na forma de fundações e organizações sociais. Apesar da discussão do termo terceiro setor ser de meados da década de 1990, o autor salienta que as organizações que o compõem existem há muitos anos, como exemplo brasileiro as 43 Santas Casas de Misericórdia e obras sociais, que trabalhavam em outro foco de atuação, porém com a proposta de ação social e, como representantes mais recentes, as organizações não-governamentais resultantes dos novos movimentos sociais que emergiram a partir dos anos de 1970. Para Vera Peroni e Theresa Adrião (2004), o terceiro setor seria a denominação do conjunto dos entes e processos da realidade social que não pertencem ao primeiro setor (o Estado com quem pode compartilhar a finalidade pública) e nem ao segundo setor (o mercado, com quem compartilha a origem privada). Entre estes setores haveria muitas interseções, sendo um campo sem definição clara de seus limites e alcances, nas quais diferentes racionalidades e discursos se entrecruzam, disputam-se e ao mesmo tempo cooperam-se. Carlos Montaño (2003) critica esta divisão social em setores, pois seria um reducionismo conceitual definir o terceiro setor “como se o 'político' pertencesse à esfera estatal, o 'econômico' ao âmbito do mercado e o ‘social’ remetesse apenas à sociedade civil" (p.182). Afirma que o terceiro setor indica uma homogeneidade que disfarça a variedade dos tipos de organizações envolvidas e oculta suas múltiplas dimensões políticas. Critica ainda que mesmo o terceiro setor ter se popularizado como uma atividade caritativa, a responsabilidade pelo atendimento das demandas sociais passou a ser delegada aos próprios indivíduos que buscaram atendê-las por meio de atividades de ajuda mútua, voluntária, benemérita, entre outras. Na contramão, as políticas sociais, que antes do neoliberalismo eram mantidas no âmbito do Estado, tiveram seu tratamento alterado: foram descentralizadas para os níveis locais das esferas governamentais e passaram a ter uma natureza menos universalista. Para Rubem Fernandes (1994), o terceiro setor é composto por organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e expandindo o seu sentido para outros domínios por meio da incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil. O autor desenvolveu um quadro segundo agentes e finalidades com o intuito de reforçar a presença constante e eficaz de uma terceira possibilidade. Dentre estas quatro combinações possíveis entre o público e o privado, Fernandes (1994) apresenta a sua definição conceitual do terceiro setor: 44 Agentes Para Fins = Setor Privados Para Privados = Mercado Públicos Para Públicos = Estado Privados Para Públicos = Terceiro setor Públicos Para Privados = Corrupção Quadro 1: Combinações resultantes entre agentes e finalidades Fonte: Fernandes (1994) Pode-se inferir que o conceito de terceiro setor denota um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos. Ou seja, o terceiro setor, então, exibe claramente as características que o diferem dos demais setores, primando pelo não-lucrativo e pelo não-governamental. (FERNANDES, 1994). Esta afirmação do autor de que no terceiro setor pode coexistir o setor público estatal e o setor privado empresarial mostra uma das preocupações desta pesquisa: de que as empresas sobre o rótulo do terceiro setor desenvolveram suas ações sociais, participando dos rumos da política social brasileira, buscando ganhar maior credibilidade dos cidadãos, trabalhando seu marketing social, fortalecendo a marca empresarial, além disso, recebendo apoio financeiro dos órgãos públicos para execução de seu trabalho social. Ou seja, executam ações sociais, porém não investem seus próprios recursos, mas os recursos viabilizados pelo Estado. O tema do terceiro setor gera polêmica entre dois grupos antagônicos: o grupo defensor que acredita no terceiro setor como uma alternativa viável para a saída da crise, pois incorporam parcelas de trabalhadores e, por outro lado, o grupo que critica sua manifestação, por entender que estas entidades se prestam a favorecer a evasão de recursos que deveriam ser repassados para o Estado e, por consequência, contribuem para a diminuição do papel do Estado, uma das inquietações deste estudo. Para Fischer e Falconer (1998), o terceiro setor é avaliado com otimismo por analistas da crise do Estado neoliberal que tendem a identificar nas organizações sem fins lucrativos a via eficaz para eliminar a ineficiência da burocracia estatal e assegurar a eficácia dos serviços públicos. As organizações do terceiro setor atuam nesta faixa difusa que está igualmente distante do setor público e do privado, embora exercendo atividades que poderiam estar catalogadas entre os deveres do Estado (educação, saúde pública, assistência social), simultaneamente às funções que, teoricamente, deveriam ser 45 de responsabilidade de agentes sociais e econômicos específicos (geração de emprego e renda; formação e desenvolvimento profissional). Dadas as características do desenvolvimento social e econômico do país, ao longo de sua história recente, estes papéis e funções se mesclaram, não permitindo que, na prática, houvesse critérios claros para delimitar o público e o privado. Segundo Montaño (2003), com o advento do neoliberalismo no Brasil, o Estado se desresponsabilizou de alguns encargos, transferindo a responsabilidade a outros sujeitos: o setor empresarial se volta para atender demandas nas áreas da previdência social e da saúde, enquanto o terceiro setor dirige-se fundamentalmente à assistência social, notadamente nos setores carentes. Peroni (2006) faz críticas ao terceiro setor, pois, segundo ela, este se multiplicou em um contexto de crise do Estado providência, período em que o neoliberalismo tem como objetivo fundamental a desregulamentação da economia, tentando retirar o poder do Estado para esvaziar o poder do voto. Na visão de Montaño (2003), o desenvolvimento do terceiro setor processou alguns deslocamentos: “de lutas sociais para a negociação/parceira; de direitos por serviços sociais para a atividade voluntária/filantrópica; do âmbito público para o âmbito privado; do universal/estrutural/permanente para o local/focalizado/fortuito”. (p. 200). O fenômeno do terceiro setor expandiu especialmente em países de capitalismo avançado, como EUA, Inglaterra, entre outros, assumindo uma forma alternativa de ocupação, em empresas de perfil mais comunitário, motivadas predominantemente por formas de trabalho voluntário, abarcando um amplo leque de atividades, sobretudo, assistenciais, sem fins diretamente lucrativos e que se desenvolvem um tanto à margem do mercado. Segundo Ricardo Antunes (1999), o crescimento do terceiro setor decorreu da retração do mercado de trabalho industrial e do setor de serviços, em decorrência do desemprego estrutural, consequência da crise estrutural do capital, da sua lógica destrutiva vigente, bem como dos mecanismos utilizados pela reestruturação produtiva do capital visando reduzir trabalho vivo e ampliando trabalho morto. Segundo Antunes (1995), o processo de crescimento do terceiro setor, é visto, pelos seus defensores, como oportunidade de emprego, uma vez que com o advento da industrialização e da informatização é alto o número de desempregados substituídos pelas máquinas. Assim, este setor teria a condição de absorver parcelas de desempregados. Contudo, ao mesmo tempo está ligado ao processo de precarização do trabalho, uma vez que o operário para se manter competitivo em seu posto de trabalho 46 precisa, nas horas vagas, que já são raras, desenvolver atividades em instituições do terceiro setor, a fim de manter seu nível de empregabilidade. Peroni (2006) concorda com Antunes (1995), avaliando que o Estado capitalista atualmente está em crise. A prova está no alto grau de desemprego que vem intensificando a exclusão social provocada, principalmente, pela chamada revolução tecnológica. Segundo Peroni (2006), esse quadro se agravou pela reforma do Estado, que ocasionou uma diminuição nas políticas sociais. Nesse contexto, a solução apontada pelos neoliberais é aliviar os níveis da pobreza para se evitar o caos – e o terceiro setor é chamado a desempenhar essa tarefa. Segundo Falconer (1999), além do neoliberalismo e a terceira via, outro processo que impulsionou o alastramento do terceiro setor foi a influência dos organismos internacionais de financiamento (OIF), com destaque para o Banco Mundial (BM), que contribuiu decisivamente para a consolidação e disseminação deste campo no mundo em desenvolvimento. Para o BM, o interesse em trabalhar com ONGs decorre da sua constatação de que estas organizações podem contribuir para a qualidade, sustentabilidade e efetividade dos projetos que financia. Porém, na verdade, a defesa pela política do terceiro setor não acontece por meio de uma bondade destes organismos, o real interesse tem uma funcionalidade capitalista: Os OIFs defendem o pagamento dos empréstimos concedidos aos países devedores a todo custo, sobre a ameaça de suspender futuros empréstimos. Para assegurar o pagamento destes empréstimos, defendem a retirada do Estado das políticas sociais, repassando ao terceiro setor a responsabilidade pela administração deste serviço público. Segundo Montaño (2003), o terceiro setor passou a ser um instrumento defendido pelo neoliberalismo encarregado de diminuir o perigo de possíveis explosões sociais. Longe de ser uma ferramenta de reivindicação por direitos sociais, o verdadeiro efeito da proliferação das ONGs seria o de fragmentar as comunidades pobres e transformá-las em grupos setoriais e subsetoriais incapazes de ver os seus problemas sociais. A política do terceiro setor é utilizada pelos neoliberais e os senhores do mundo, como forma de impedir que as comunidades pobres se revoltem contra a crise econômica que perpassa os países capitalistas, e que se mantenham inertes frente aos parcos recursos e qualidade dos serviços públicos. Os neoliberais se apoiam na política 47 do terceiro setor e influenciam a opinião da classe operária, deixando transparecer apenas o caráter filantrópico, caritativo, benemérito destas entidades. Conforme Peroni (2006), o terceiro setor foi a estratégia proposta pela terceira via em substituição à proposta de privatização do neoliberalismo. A ampliação do terceiro setor no Brasil aconteceu após a execução do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, que alicerçou as bases de criação das leis que amparam o terceiro setor: a lei da publicização (9.637/98) e a lei do terceiro setor (9.790/99), que serão discutidas a seguir. 2.2 A reforma do aparelho do Estado e a lei da publicização (n° 9.637/98) Conforme apresentado por Falconer (1999), o primeiro programa em nível federal responsável pelo fortalecimento do terceiro setor foi a execução do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), no governo de Fernando Henrique Cardoso. Segundo Vicente Faleiros (2004), esta reforma esteve articulada às transformações do capitalismo mundial que alterou o seu papel de pilar do desenvolvimento interno para o de suporte da competitividade internacional. O PDRAE foi criado, em 1995, pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), com Luiz Carlos Bresser Pereira à sua frente. Para o governo federal, era preciso que o Estado não somente sustentasse a competitividade, mas também se reestruturasse visando implementar uma administração pública gerencial que se orientaria pela eficiência e qualidade dos serviços, rompendo com a administração burocrática anterior. A necessidade da reforma do Estado brasileiro é justificada, no documento, como uma saída para a crise de ordem fiscal. (OLIVEIRA, 2006). De acordo com o Plano Diretor (BRASIL, 1995), o objetivo da Reforma do Aparelho do Estado ocorreu “Através da transição programada de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão” (p. 13), pois na visão do governo, além da questão fiscal, a crise do Estado estava ligada à crise de administração pública burocrática marcada pela ineficiência, morosidade, pelo clientelismo e descompromisso com o desempenho estatal. 48 O Plano Diretor apresentava a diferença entre reforma do Estado e reforma do aparelho do Estado: A reforma do Estado é um projeto amplo que diz respeito às várias áreas do governo e, ainda, ao conjunto da sociedade brasileira, enquanto que a reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania. Este Plano Diretor focaliza sua atenção na administração pública federal, mas muitas das suas diretrizes e propostas podem também ser aplicadas no nível estadual e municipal. (BRASIL, 1995. p. 12). Na visão de Bresser Pereira, o Brasil passou por duas gerações de reformas. A primeira na década de 1980, denominada simplesmente por ele como reforma e, na década de 1990 uma segunda reforma denominada de reforma gerencial. Esta reforma partiu da ideia de que o Estado poderia ser mais eficiente, desde que usasse instituições e estratégias gerenciais, e utilizasse organizações públicas não-estatais para executar os serviços por ele apoiados. (BRASIL, 1995). Para o governo, era preciso que o Estado não somente sustentasse a competitividade, mas também se reestruturasse visando implementar uma administração pública gerencial que deveria se orientar pela eficiência e qualidade dos serviços, rompendo com a administração burocrática anterior. Para Montaño (2003), na verdade o que Bresser Pereira chama de “reforma gerencial” não é outra coisa senão a continuidade do ajuste estrutural macroeconômico neoliberal com o desenvolvimento de novas áreas mais de ordem institucional-legal, como as reformas administrativas e da Previdência. No Plano Diretor (BRASIL, 1995), o aparelho do Estado estava dividido em quatro setores: núcleo estratégico, que é o Estado propriamente dito e seus três poderes (legislativo, executivo e judiciário), voltado para o cumprimento das leis; atividades exclusivas, setor também destinado ao Estado, sendo serviços que somente ele pode realizar; serviços não-exclusivos, que trata de ser um setor com atuação simultânea com organizações públicas não-estatais e privadas; produção de bens e serviços para o mercado, que é uma área destinada à atuação das empresas. (p. 41-42). Remetendo-se ao setor de serviços não-exclusivos, o PDRAE tinha como principal objetivo: 49 Transferir para o setor público não-estatal estes serviços, através de um programa de publicização, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do poder legislativo para celebrar contrato de gestão com o poder executivo e assim ter direito à dotação orçamentária. (BRASIL, 1995, p. 46). Para Luiz Mendes (1999) é no setor de serviços não-exclusivos do Estado que se encontram as entidades do terceiro setor. Foi por meio do processo de publicização, que surgiram as primeiras organizações sociais (OS), regulamentadas pela lei nº 9.637/98. Na fala de Bresser Pereira, um dos principais problemas do Estado era a falta de governança e de eficiência do aparelho estatal, e para corrigi-la, o caminho encontrado foi a publicização. Entretanto, para Montaño (2003), o processo de publicização é, na verdade, a denominação ideológica dada à transferência de questões públicas de responsabilidade estatal para as entidades públicas não-estatais e ao repasse de recursos públicos para o âmbito privado. O que está por trás da chamada publicização é: [...] por um lado, a diminuição dos custos desta atividade social – não pela maior eficiência destas entidades, mas pela verdadeira precarização, focalização e localização destes serviços, pela perda das suas dimensões de universalidade, de não-contratualidade e de direito do cidadão, desonerando o capital; por outro lado, o retiro destas atividades do âmbito democráticoestatal e da regência conforme o direito público, e sua transferência para o âmbito e direito privados, e seu controle seguindo os critérios gerenciais das empresas, e não uma lógica de prestação de serviços e assistência conforme um nível de solidariedade e responsabilidade social. (MONTAÑO, 2003. p. 47-48). Segundo Regina Oliveira (2006), a reforma do Estado fundamentou-se em três elementos: a privatização, como um processo de transformar uma empresa estatal em privada; terceirização como um processo de transferir para o setor privado os serviços auxiliares; e a publicização, um processo de transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, mas de ordem pública não-estatal. Segundo Montaño (2003), dentro dos parâmetros da reforma gerencial, para operacionalizar esta publicização foram tomados como base o tripé conceitual: descentralização; organização social e parceria. A descentralização seria a transferência de decisões para unidades subnacionais, como a delegação de autoridade a administradores de nível mais baixo; as organizações sociais (OS) são as entidades de direito privado que, por iniciativa do poder executivo, obtêm autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com esse poder, e assim ter direito à dotação 50 orçamentária (BRASIL, 1995) e a parceria, o acordo entre o Estado e as organizações sociais. O PDRAE define as OS como sendo um modelo de organização pública nãoestatal destinado a absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica. Trata-se de uma forma de propriedade pública não-estatal, constituída pelas associações civis sem fins lucrativos, que não são propriedades de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas, diretamente, para o atendimento do interesse público. Constituíram-se em uma inovação institucional, embora não representem uma nova figura jurídica, inserindo-se no marco legal vigente, sob a forma de associações civis sem fins lucrativos, não as caracterizando como pessoas jurídicas de direito privado. A entidade qualificada como OS estaria habilitada a receber recursos financeiros e a administrar bens e equipamentos do Estado. Em contrapartida, ela se obrigaria a celebrar um contrato de gestão, por meio do qual seriam acordadas metas de desempenho que assegurassem a qualidade e a efetividade dos serviços prestados ao público. (BRASIL, 1998). Para Maria Susin (2006), a reforma do papel do Estado, amplamente defendida pelo PDRAE, definia que a prática da parceria tinha como princípio basilar reduzir ou não ampliar o tamanho do Estado, deixando que a sociedade assumisse algumas de suas funções não-exclusivas. Para o governo de Fernando Henrique Cardoso, o PDRAE significou garantir ao Estado maior governança, maior condição de implementar as leis e políticas públicas, além de tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado através da transformação de autarquias em “agências autônomas” e tornou também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em organizações públicas não-estatais. (BRASIL, 1995). Porém, Peroni (2006) entende que há, aí, uma contradição, pois, conforme o Plano Diretor, o Estado fortaleceu suas funções de regulação e coordenação, particularmente em nível federal, porém, ao passar o controle político-ideológico para as organizações públicas não-estatais, apenas as financiando, transferiu a coordenação e a regulação dessas organizações para o mercado. Assim sendo, quem passou a regular foi o mercado, e não o Estado, característica predominante no Estado neoliberal. O PDRAE teve grande interferência dos organismos internacionais de financiamento. Os pressupostos da reforma administrativa incorporaram as diretrizes do Banco Mundial (BM), tomando como principais medidas: a redução de custos e 51 racionalização do gasto público para assegurar a estabilidade econômica; a melhoria da eficiência do aparelho do Estado e a descentralização dos serviços, retirando-lhes as atividades que possam ser desenvolvidas por outras instituições. (MONTAÑO, 2003). Na visão de Ferrarezi (2007), a proposta principal do MARE não tinha como princípio básico fortalecer o terceiro setor, embora isso tenha ocorrido indiretamente. Para o PDRAE sempre que o Estado não demonstrasse uma vantagem comparativa, deveria ser substituído, no exercício das funções não-exclusivas, por instituições privadas mercantis (privatização) ou instituições do terceiro setor (publicização). Um dos objetivos do PDRAE era “Limitar a ação do Estado àquelas funções que lhe são próprias, reservando, em princípio, os serviços não-exclusivos para a propriedade pública não-estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado para a iniciativa privada”. (BRASIL, 1995, p, 45). Em suma, o setor que produz bens e serviços é destinado à iniciativa privada, por meio da privatização, prevalecendo a lei do mercado nos moldes do capitalismo. Já o setor de serviços não-exclusivos do Estado, em linhas gerais, a política social, fica sob a responsabilidade das entidades público não-estatais que receberam parcos recursos do Estado e que vão exercer sua ação ao seu bel prazer, situação presente em países de ordem neoliberal. A lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 que se constituiu após a reforma do PDRAE, qualificou as entidades como organizações sociais e criou o Programa Nacional de Publicização (PNP). As entidades qualificadas como organizações sociais deveriam ser pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades fossem dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Para se qualificar como Organizações Sociais - OS era preciso atender a alguns requisitos: 52 a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; b) finalidade não-lucrativa, c) previsão expressa da entidade ter, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto; d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; e) composição e atribuições da diretoria; f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União,dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União. (BRASIL, 1998, p. 1 -2). O PNP tinha como objetivo estabelecer diretrizes e critérios para a qualificação de organizações sociais, a fim de assegurar a absorção de atividades desenvolvidas por entidades ou órgãos públicos da União, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, levando em consideração algumas diretrizes: ênfase no atendimento do cidadão-cliente; nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados e controle social das ações de forma transparente. (BRASIL, 1998). Maria Susin (2006) esclarece que o PDRAE criou mecanismos legais para descentralizar a execução dos serviços que não envolviam o poder do Estado. Para Montaño (2003), o PDRAE representou a transferência de questões públicas de responsabilidade estatal para o chamado terceiro setor e ao repasse de recursos públicos para o âmbito privado. A lei da publicização (nº 9.637/98) e a lei das Organizações da Sociedade Civil e de Interesse Público- OSCIPs. (nº 9.790/99) fortaleceu o terceiro setor. A seguir será analisado o Programa Comunidade Solidária que formulou as bases de criação da lei da OSCIP. 2.3 O Programa Comunidade Solidária e a lei do terceiro setor (nº 9.790/99) Segundo Elisabete Ferrarezi (2007), o Programa Comunidade Solidária, foi criado em 1995 pelo presidente da época, Fernando Henrique Cardoso, no formato do antigo Conselho Nacional de Segurança Alimentar – CONSEA, instituído pelo governo Itamar Franco. Rosa Fischer (2005) afirma que o Comunidade Solidária continha em sua denominação o conceito integrador da solidariedade, unindo diferentes organizações 53 para viabilizar resultados comuns no campo das ações sociais. Sua principal proposta era ser um instrumento de mobilização da participação dos cidadãos e de promoção de parcerias entre governo e sociedade para o combate à pobreza e exclusão social, exigindo o fortalecimento das capacidades de pessoas e comunidades em satisfazer suas necessidades, resolvendo problemas e melhorando sua qualidade de vida. (FERRAREZI, 2007). Realizando um histórico sobre o processo que culminou com a aprovação da OSCIP, Mário Alves (2002) salienta que o governo federal, por meio do Comunidade Solidária, liderou um processo de consolidação de um novo marco legal para as entidades de caráter público não-estatal, condição que possibilitou que estas organizações participassem de uma nova maneira de formular e executar políticas públicas: a parceria entre Estado e sociedade civil. Em dezembro de 1994, no Brasil, foi realizado um encontro de diversas entidades ligadas à sociedade civil para estabelecer uma pauta de compromissos com vistas a uma nova regulação das relações entre o Estado e o terceiro setor. Deste encontro, os pontos discutidos mais relevantes foram: a criação de uma legislação semelhante ao estatuto da microempresa, a fim de estimular a criação e o funcionamento das entidades sem fins lucrativos, possibilitando o acesso dessas organizações aos recursos governamentais, sem qualquer forma de intermediação; a criação de um cadastro único nacional para a emissão de registros e certificados, para um procedimento mais transparente e uniforme, evitando diversas titulações; a promoção de subvenções e isenção de impostos apenas às entidades que prestam serviços complementares ao Estado. (ALVES, 2002). No parágrafo acima pode-se notar que as empresas começaram a se articular e desenvolver as diretrizes de como deveriam ser pautadas a lei do terceiro setor. Os pontos discutidos baseavam-se nos recursos financeiros, isenção de impostos e formulação de estatuto no formato de microempresas, reforçando a tese de que a burguesia empresarial passou a dominar a área social, defendendo seus interesses em detrimento do esvaziamento do Estado. Segundo Alves (2002), para viabilizar a proposta de fortalecimento da sociedade civil, o Conselho do Comunidade Solidária, que era constituído por membros tanto do Estado quanto da sociedade civil, deu origem a reforma do marco legal do terceiro setor, por meio de um financiamento obtido com o Banco Interamericano de Desenvolvimento 54 (BID). Segundo Ferrarezi (2007), a percepção de que era preciso transformar as políticas públicas em políticas de parceria entre governo e sociedade deu origem a programas gerenciados por associações civis como: Universidade Solidária, Capacitação Solidária e o Alfabetização Solidária, programas criados entre 1995 a 1997, dentre outros. Porém, o Conselho do Comunidade Solidária começou a sofrer duras críticas de vários segmentos do governo e da sociedade devido à sua atuação, pois, segundo Ferrarezi (2007) foram detectados problemas na formulação de ideias do conselho. Várias foram as instituições que contestaram as formulações do conselho: instituições da sociedade civil, instituições ligadas ao setor empresarial como o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), a Associação Brasileira das Organizações nãogovernamentais (ABONG), além dos organismos internacionais, dentre outras. Cada qual buscava defender seus interesses e encontrar um divisor comum a todos foi o grande obstáculo. Com uma crise instalada no Conselho do Comunidade Solidária, muitos representantes de entidades da sociedade civil se desligaram do conselho, pois o mesmo não estava conseguindo gerar respostas convincentes. Conforme Ferrarezi (2007), os principais motivos geradores da crítica foram: Sua deliberada diferenciação em relação à forma de estabelecer relações políticas no governo (sem as tradicionais trocas e barganhas); a escolha dos conselheiros que não respondia a uma forma representativa tradicional de segmentos políticos, econômicos e sociais; sua postura crítica em relação aos programas do governo federal de combate à pobreza e de assistência social e afirmação de aspectos pouco convencionais para caracterizar e combater a pobreza; recursos financeiros que eram viabilizados por meio das parcerias com empresas e fundações; e por fim as características distintivas de seus programas que proporcionavam maior autonomia e flexibilidade para inovação e captação de recursos, o que era difícil de ser viabilizado nas condições em que as instituições governamentais deviam atuar (orçamento rígido que delimita aonde e como gastar, regras administrativas impeditivas etc). (p.141). As propostas formuladas pelo conselho do Comunidade Solidária eram compatíveis com as mudanças que estavam ocorrendo no mundo em razão da globalização, da crise do Estado-nação e foi simultânea ao surgimento de uma concepção política: modernidade reflexiva, emergência da sociedade-rede, reforma do Estado, expansão de uma esfera pública não-estatal, a mudança do padrão de relação Estado-sociedade, a dificuldade do estatismo keynesiano como ideologia capaz de 55 resolver os problemas da sociedade contemporânea e do capitalismo em lidar com riscos artificiais. (FERRAREZI, 2007). Alguns argumentos contribuíram fortemente, segundo Ferrarezi (2007), para a crítica à atuação do conselho, reagindo contra as inovações que o conselho tentava disseminar. Partidários da esquerda criticaram algumas características do conselho, que estavam associadas ao neoliberalismo como: a focalização e as parcerias com atores privados e associações civis. Este grupo passou a defender a manutenção de políticas ligadas ao Estado desenvolvimentista, políticas essas no âmbito da seguridade social. Além disso, não estava claro qual era a natureza das várias mudanças que estavam ocorrendo naquele momento, sobressaindo as questões econômicas e financeiras por seu impacto, associados a um projeto neoliberal pró-mercado, além das reformas constitucionais que estavam na agenda. Havendo este impasse, foram interrompidas as discussões sobre a formulação do marco legal do terceiro setor. Na primeira metade da década de 1990, após solucionar a crise interna, o tema da constituição do marco legal voltou à pauta dos grupos que identificaram os principais temas a serem revisados e posteriormente incorporados na discussão da reforma. Em 1996, foi reestruturado o Conselho do Comunidade Solidária e idealizada a interlocução política como intuito de chegar a um consenso para área social no Brasil. Segundo Ferrarezi (2007), a interlocução política tentou por em prática algumas das diretrizes que o conselho adotou: promover o fortalecimento da sociedade civil e incentivar a parceria entre Estado e sociedade por meio do diálogo político entre atores governamentais e da sociedade civil. Já em abril de 1997, a ABONG organizou o seminário “As ONGS e o Marco Legal da Sociedade Civil com Fim Público”, no qual foram abordados os principais pontos da discussão: objetivos de uma nova legislação, princípios e critérios orientadores; papel do Estado; fim público; imunidades e isenções e acesso a fundos públicos. No mesmo ano, foi preparada uma rodada de interlocução política do Conselho do Comunidade Solidária dedicada ao tema da reforma do “Marco Legal do terceiro setor”, com o objetivo de identificar as principais dificuldades legais que as diversas entidades de origem privada, porém com fins públicos, enfrentavam em suas atividades cotidianas e recolher sugestões de como reformar a legislação e inovar. (FERRAREZI, 2007). 56 Durante este período foram realizadas diversas rodadas de interlocução que detectaram problemas e soluções para a constituição do novo marco legal. Foram formulados documentos que afirmavam que o crescimento do terceiro setor no Brasil estava relacionado não somente à demanda por participação social nas decisões públicas, mas também à redefinição das relações entre Estado e sociedade. Trazia como destaque sua importância política, diante da crise de representatividade dos partidos; importância social, por assumir responsabilidade nessa área e importância econômica, devido ao crescimento de empregos no setor. (FERRAREZI, 2007). Na visão de Luiz Mendes (1999), o argumento do Estado para a criação de uma nova legislação para o terceiro setor surgiu a partir da identificação de problemas na legislação anterior. Esses problemas foram discutidos com um grande conjunto de organizações públicas nãoestatais, de modo que o resultado foi a definição contida na lei. Após muitas rodadas de negociação, em julho de 1998, o projeto de lei foi encaminhado ao poder legislativo, sendo aprovada e sancionada a lei em 23 de março de 1999, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. A Lei n° 9.790/99 dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e institui o termo parceria. (BRASIL, 1999). As pessoas jurídicas de direito privado para obterem este título deveriam trabalhar com a proposta de serem sem fins lucrativos, e que os excedentes gerados fossem utilizados com objetivo social e não em benefício próprio ou dividido entre os membros. A lei da publicização e a lei da OSCIP, além de demarcarem novos contextos para a atuação das organizações do terceiro setor, representaram iniciativas de aproximação do Estado para com as entidades público não-estatais. Aproximação essa, evidentemente, dentro dos interesses da linha de ação que o Estado brasileiro adotou na última década, de diminuir a sua presença na sociedade. A lei do terceiro setor, conforme Ferrarezi (2007), visava simplificar os procedimentos para o reconhecimento institucional das entidades como OSCIP e facilitar as parcerias com o poder público. Esse era o contexto em que o Conselho do Comunidade Solidária tentava difundir valores e suas propostas de mudança na relação tradicional do Estado nas políticas sociais, visando uma relação mais permeável tanto do Estado quanto da sociedade, em que ambos assumiriam responsabilidades de formulação e implementação de uma estratégia de desenvolvimento social. O conselho não apenas 57 reconheceu a subpolítica, como a incorporou em seu projeto político, admitindo a limitação das instituições estatais de promoverem mudanças relevantes quando atuam sem a participação social. (FERRAREZI, 2007). Em suma, tanto a reforma promovida pelo PDRAE, quanto as propostas do Conselho do Comunidade Solidária, tinham como principal objetivo retirar o Estado da responsabilidade de intervenção na questão social e de transferi-las para a esfera das entidades público não-estatais. Para Montaño (2003), o motivo é fundamentalmente político-ideológico: além de retirar e esvaziar a dimensão de direito universal do cidadão quanto às políticas sociais de qualidade, outro motivo crucial é criar uma cultura de auto-culpa pelas mazelas que afetam a população, e de auto-ajuda e ajuda mútua para seu enfrentamento. Mário Alves (2002) afirma que para fomentar parcerias com as OSCIP, a lei instituiu o termo de parceria. Diferente dos convênios e contratos, o termo parceria foi proposto como um instrumento mais transparente e democrático, de fomento para as atividades e projetos das organizações sem fins lucrativos. O termo parceria adquiriu grande popularidade, principalmente em razão do sucesso das propostas do Comunidade Solidária que disseminou o conceito e estimulou a aproximação de empresários e lideranças comunitárias na solução de problemas sociais. As empresas buscavam frequentemente estabelecer parcerias com organizações da sociedade civil para concretizar seus projetos de atuação social. (FISCHER, 2005). Conforme Montaño (2003), a função ideológica da parceria entre Estado e o terceiro setor tem como funcionalidade encobrir o fundamento, a essência do fenômeno: ser parte da estratégia de reestruturação do capital, e fetichizá-lo em transferência, levando a população a um enfrentamento/aceitação deste processo dentro dos níveis de conflitividade institucional aceitáveis para a manutenção do sistema, e ainda mais, para a manutenção da atual estratégia do capital e seu projeto hegemônico: o neoliberalismo. A qualificação instituída pela lei nº 9.790/99 (BRASIL, 1999), somente seria conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tivessem pelo menos uma das seguintes finalidades: 58 I - promoção da assistência social; II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III - promoção gratuita da educação; IV - promoção gratuita da saúde; V - promoção da segurança alimentar e nutricional; VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII - promoção do voluntariado; VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo. (p. 2). Alves (2002) traz a definição de entidades “sem fins lucrativos”: Considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre seus sócios, associados, empregados e outros, os excedentes operacionais, brutos ou líquidos gerados. Porém a denominação “sem fins lucrativos” acende a uma conclusão duvidosa: o conceito de “sem fins lucrativos”, pelo qual passa a ser entidade de interesse público, não é a entidade que não aufere lucro no seu exercício, mas a entidade que, em existindo o lucro, não o distribua à sua equipe de trabalho. Ou seja, a partir das brechas deixadas na legislação, o setor empresarial ganhou espaço e também pôde ser denominado como entidades do terceiro setor, concorrendo a subvenções públicas e a ter os mesmos direitos que as entidades filantrópicas, as ONGs, que muitas vezes não possuem recursos próprios para sua manutenção. A lei traz, no artigo segundo, as características que inviabilizam tal entidade a obter a qualificação como OSCIP: I - as sociedades comerciais; II - os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; III - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; IV - as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; VI - as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; VII - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; IX - as organizações sociais; X - as cooperativas; XI - as fundações públicas; XII - as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; XIII - as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal. (BRASIL, 1999, p.1). 59 Ou seja, por meio do processo de exclusão, pode-se inferir que as ONGs se enquadram neste processo. As entidades que se enquadrassem nestas normas poderiam receber do poder público o reconhecimento como OSCIP e o termo de parceria ganhando o direito de receber subvenções do Estado para manutenção de suas atividades. A lei nº 9.790/99 ampliou o rol de interesse público, qualificando como OSCIP as entidades cujos objetivos sociais são a preservação, estudo, pesquisa de patrimônio ecológico (meio ambiente) e cultural, microcrédito, assessoria jurídica e outros. (ALVES, 2002). Pode-se inferir que o que era levado em consideração para se denominar uma instituição de terceiro setor, não era sua natureza jurídica e sim seu objetivo social, mais um motivo que contribuiu para que as empresas se enquadrassem como entidades público não-estatais. Na visão de Carlos Montaño (2003), a finalidade da reforma do aparelho do Estado, a criação da lei da publicização e da lei das OSCIPs, mais do que um estímulo estatal para a ação cidadã, representou a desresponsabilização do Estado para com a questão social. Além disso, a legislação do terceiro setor fortaleceu e legitimou a sociedade civil e a filantropia empresarial como responsáveis pela política social brasileira, transferindo o social à lógica do mercado, caracterizando um processo de privatização do social. A reforma administrativa do Estado foi considerada o auge do desenvolvimento da filantropia empresarial brasileira. Segundo André Martins (2005), surgiram novas organizações burguesas que passaram a somar esforços decisivos na tarefa de reeducar a sociedade, organizando-se em pautas mais emergenciais de caráter econômico, a partir das novas políticas do governo federal dando um novo caráter às experiências políticosociais. Segundo Rosa Fischer (2005), a Constituição de 1988 promoveu a descentralização administrativa do Estado brasileiro, processo que estimulou a responsabilidade dos cidadãos perante a área social, surgindo um ambiente favorável ao crescimento da atuação social de empresas e da formação de alianças com as organizações da sociedade civil. Ruben Fernandes (1994) argumenta que no Brasil, na década de 1980, houve uma tendência mais dinâmica de propagação do conceito de investimentos privados no social. O Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), estimulou a participação do setor empresarial em desenvolver trabalhos de filantropia empresarial. Para Falconer 60 (1999), o setor empresarial defendeu a bandeira do terceiro setor. O envolvimento das empresas se realizava tipicamente através de doações de recursos, da operação direta de programas, ou através de parcerias com organizações da sociedade civil. Mas a grande questão aqui é o estímulo estatal dado às empresas que desenvolvem ações sociais como: subvenções para execução de seus projetos, isenção de impostos às empresas parceiras do Estado, políticas que claramente esvaziam os cofres públicos. Para Martins (2005), a filantropia empresarial é um conceito de caráter ideológico que ganhou presença no cenário brasileiro incorporado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, após a execução da reforma do aparelho do Estado (PDRAE). A responsabilidade social empresarial expressa o encerramento de crise e tensões hegemônicas e indica novas acomodações políticas e novas movimentações qualitativamente superiores que penetraram o campo das políticas de Estado e envolveram todas as frações de classe burguesa, reordenando as relações políticas mais amplas localizadas no interior da sociedade civil. A visibilidade propiciada pela mídia e a atuação de entidades que disseminaram o conceito da responsabilidade social estimulou essa tendência, fortalecendo a participação da sociedade civil organizada. Para Fernandes (1994), a elaboração da legislação fiscal estimulou investimentos privados no social, tornando a temática de enorme relevância. O surgimento da filantropia empresarial caminhou no sentido de mudar as práticas de fundo caritativo para o exercício da responsabilidade social e depois pelo investimento social privado. Porém, Martins (2005) argumenta sobre a visão aparentemente caritativa do setor empresarial quanto ao campo social. A intervenção dos empresários no campo social transformou-se em algo orgânico à classe proprietária, operacionalizando, portanto, seu projeto de sociabilidade. Segundo o autor, a presença dos empresários nas políticas sociais trata-se de uma nova perspectiva da atuação educativa da classe burguesa rumo à consolidação de sua condição de dirigente de toda a sociedade. Para Fernandes (1994), este processo das empresas trabalharem no social, na realidade, é uma estratégia de sobrevivência deste setor, pois com este trabalho estarão fazendo uso inteligente das oportunidades de lucro e ganhando visibilidade, apropriação indubitável do conceito de marketing social. As empresas buscam atuar no campo social com a finalidade de que seu trabalho seja subsidiado pelo Estado, e ao mesmo tempo 61 desenvolver mecanismos políticos e educativos mais sofisticados e eficientes de dominação da classe proletária através do convencimento. (MARTINS, 2005). A ideologia da responsabilidade social empresarial sustentada pelo neoliberalismo definiu novas estratégias que fortaleceram a fragmentação da vida no capitalismo, visando perpetuar os mecanismos de exploração e redefinir a dinâmica da sociedade civil. Martins (2005) apresenta dois fenômenos que foram importantes para a contextualização da ideologia da responsabilidade social empresarial: O primeiro refere-se ao processo de destruição do modelo de Estado de bemestar social e implantação do Estado neoliberal em suas diferentes versões, com efeitos nocivos sobre as políticas sociais e situação de vida dos trabalhadores. Foi a partir daí que a classe [burguesa] procurou substituir a noção de filantropia empresarial por uma ideologia que fosse capaz de responder aos problemas sociais e políticos que potencialmente poderiam prejudicar sua condição de classe dominante e dirigente. O segundo, mais ligado ao campo econômico, relaciona-se a introdução do paradigma flexível de produção, às mudanças nas relações políticas e comerciais ocorridas recentemente em todo o mundo e as indicações de que o capital diminuiu extraordinariamente a capacidade de obtenção de lucro. (p. 163). A fim de compreender como se deu a entrada do setor empresarial no campo social, é importante discorrer sobre os aspectos mais gerais do GIFE. Com a introdução da cidadania empresarial, foi formado o GIFE, segmento advindo da atividade empresarial no terceiro setor, voltado para o apoio de iniciativas sociais, disponibilizando recursos privados para fins públicos, buscando expressar a responsabilidade e consequente participação da iniciativa privada na reorganização do espaço público. Segundo Fischer (2005), o GIFE surgiu em 1989, na época com 25 associados, como organização formal de associação dos braços sociais corporativos. Em 2002, o grupo passou a contar com 67 associados, ampliando seu leque de atuação em atividades de divulgação, capacitação e apoio aos empreendimentos sociais das empresas vinculadas ao grupo. Em 2004, o GIFE já tinha um conjunto de 32 fundações, 27 institutos e 10 grupos empresariais. Seu pioneirismo esteve pautado na definição de um código de ética responsável por demarcar as bases de ação fundamentadas na nova ideologia empresarial. O GIFE se constituiu para a formalização das práticas filantrópicas do mundo empresarial a partir de 1995. As raízes dessa organização da sociedade civil estão ligadas à história do Prêmio Empresa e Sociedade, mais conhecido como Prêmio Eco, 62 promovido pela Câmara Americana de Comércio. O concurso, iniciado em 1982, tinha como objetivo estimular e divulgar a filantropia empresarial e, nos anos 1990, a responsabilidade social empresarial. (MARTINS, 2005). Segundo Martins (2005), o GIFE foi a primeira expressão da mudança da concepção burguesa sobre educação política na contemporaneidade. O termo foi reformulado para melhor atender as exigências do setor empresarial. Segundo Fernandes (1994), nos anos de 1980, a denominação deste grupo não agregava o setor empresarial: Grupo de Institutos e Fundações (GIF), após a década de 1990, as empresas se mobilizaram e passaram a fazer parte deste grupo e a nomenclatura foi alterada: Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE). Ou seja, fica evidente o interesse das empresas em legitimar seu trabalho no âmbito social, como forma de influenciar as políticas governamentais da sua maneira. Martins (2005) alerta sobre o apelo e as investidas desse grupo na mudança do aparato legal que regulamentou a participação burguesa nas questões sociais. O GIFE obteve certificações como: título de utilidade pública federal, posteriormente transformando-se em OSCIP para obterem isenções fiscais, ou mesmo estarem formalmente aptas a ter acesso às verbas públicas para realização de seus projetos sociais. Para ele trata-se [...] de medidas que no campo ideológico reforçam, difundem e aprofundam a ideia neoliberal da terceira via, de que o Estado não é capaz de se responsabilizar sozinho por educação, saúde, assistência social, e que cabe ao terceiro setor a tarefa de partilhar responsabilidades a partir de uma rede de parcerias. No campo da ação política, significa uma forma extremamente inovadora de obtenção do consenso em torno de um determinado projeto de sociabilidade dirigido pela classe proprietária. (p.157). Vale lembrar que o período de amadurecimento organizacional e conceitual do GIFE coincide com o início da implantação das reformas do aparelho do Estado no governo de Fernando Henrique Cardoso que procuraram redefinir as relações entre aparelhagem estatal e sociedade civil. As propostas do GIFE estiveram inseridas em um projeto internacional de recuperação da hegemonia burguesa: o lucro e a responsabilidade social se relacionaram positivamente não como ações voltadas à obtenção de resultados imediatos, mas como medidas de alcance de longo prazo. Por isso, afirma Martins (2005), que o GIFE inaugurou uma importante ação política destinada à promoção e difusão da coesão social, de uma nova sociabilidade inspirada nos mesmos princípios que compuseram o projeto da terceira via. 63 O crescimento quantitativo e qualitativo das organizações burguesas responsáveis pela difusão da nova ideologia atingiu marcas históricas em curto período de tempo, pois encontrou no Brasil um terreno extremamente fértil. Organizações filiadas ao GIFE desenvolveram projetos sociais focalizados, visando transformar os preceitos da responsabilidade social em ações capazes de disseminar o novo padrão de sociabilidade. (MARTINS, 2005). Ou seja, todo esse quadro comprova que o empresariado atuante no Brasil modernizou-se e foi capaz de assimilar e traduzir para a realidade local um projeto de renovação da hegemonia burguesa nas últimas décadas que defendeu os seus interesses e um aspecto ainda mais perverso, conseguiu o consenso da classe trabalhadora. Para Carlos Montaño (2003), seria ingênuo pensar que as atividades filantrópicas desenvolvidas pelas empresas não visam, mesmo que indiretamente, fins lucrativos. Tal ação soa como um marketing social; as empresas realizam projetos em determinadas localidades a fim de ganhar notoriedade e confiança dos cidadãos, passando uma imagem positiva da empresa. Mesmo que esta empresa cause vários danos em determinada região, sempre irá defender seus interesses capitalistas e buscará por meio da participação nestas comunidades conter os conflitos sociais para o bem da acumulação capitalista. Conforme Martins (2005), a responsabilidade social empresarial chegou ao século XXI como uma ideologia capaz de impulsionar e orientar, a partir de referências inovadoras, a atuação empresarial em todos os níveis e, ainda, legitimar junto à classe trabalhadora pelo menos três diretrizes estratégicas: (i) é necessário readequar os fins, os objetivos e as práticas políticas ligadas à representação de interesses dos trabalhadores, no sentido da colaboração e do pacto entre as classes; (ii) é imprescindível que a aparelhagem estatal assuma um novo papel frente às questões sociais em termos bem distintos daqueles experimentados nos tempos do Estado inspirado no modelo de bem-estar social; (iii) é indispensável que todos os atuais e futuros cidadãos-voluntários apostem na construção de um capitalismo dito humanizado, já que todos são iguais e portadores de grande potencialidades que precisam ser desenvolvidas para realização pessoal e comunitária. (p. 164). Neste prisma, Montaño (2003) afirma que o movimento do terceiro setor assegura a perversidade do sistema capitalista. Estes movimentos sociais tentam apaziguar os conflitos, e muitas empresas, sabendo desta jogada, apóiam certas iniciativas a fim de defender seus próprios interesses. Quando não executam seus 64 próprios programas sociais, inserem-se em instituições que desempenham alguma ação social em comunidades periféricas a fim de desenvolver uma ação diplomática, em busca do consenso das massas e da acumulação capitalista. A intervenção empresarial na área social pouco tem a ver com uma mudança de perfil na diminuição da exploração capitalista – muito pelo contrário, vai da mão da precarização do contrato de trabalho e aumento do desemprego –; sendo antes uma forma de reduzir os impostos, de aumentar a aceitação pelo seu produto, ampliando as vendas da sua mercadoria, e incrementando assim o lucro, de engajar o trabalhador com a firma, de obter apoios e vantagens, inclusive financeiros, do Estado. A chamada responsabilidade social nada mais é do que uma filantropia burguesa, articulada a uma original forma de marketing social, que em conjunto amplia largamente os lucros capitalistas. (MONTAÑO, 2003) Em resumo, os marcos legais criados nas últimas décadas respaldaram a criação e operação de certas entidades privadas com interesse público, não-governamentais e sem fins lucrativos, como corolário e justificativa para o processo neoliberal de desresponsabilização do Estado: a lei da publicização (9.637/98) e a lei da OSCIP ou terceiro setor (9.790/99). O próximo capítulo, destinado à discussão da metodologia do estudo, vai também apresentar o levantamento realizado das entidades que compõem o terceiro setor no município de Três Lagoas, evidenciando suas características e aspectos. 65 CAPÍTULO 3 A CONSTITUIÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS-MS Este capítulo, destinado à metodologia da pesquisa, tem como objetivo discutir o materialismo histórico-dialético, referencial teórico metodológico, além de apresentar o levantamento realizado das entidades que compõem o terceiro setor no município de Três Lagoas. O capítulo estará dividido em dois tópicos: o primeiro elucida o método materialista histórico-dialético, além de apresentar a estratégia e os procedimentos metodológicos utilizados na execução da pesquisa; o segundo trata da descrição das instituições do terceiro setor que desenvolvem atividades educacionais em Três Lagoas, levantando suas características e aspectos principais. 3.1 Sobre o referencial teórico metodológico A escolha de um método para análise investigativa de um objeto não pode ser ao acaso. A metodologia escolhida para fins investigativos deve sempre partir de uma postura política, que possui uma concepção de homem, ciência e de mundo. Desta forma, o estudo toma como referencial o materialismo histórico-dialético, levando-se em conta a necessidade de escolha de um método que não se limite simplesmente à explicação, compreensão ou interpretação do fenômeno estudado, mas que, fundamentalmente, paute-se na investigação a partir da situação concreta, construída historicamente e determinada pela condição material, orientada, especialmente, para uma ação transformadora da realidade. Para Gaudêncio Frigotto (2000), o materialismo histórico dialético tem como proposta que o homem se liberte do domínio ideológico e material burguês. Comenta que, na luta de classes, deve-se buscar investigar o pensamento dominante que tudo controla, alienando as massas da sua intensa exploração. Por meio do método dialético, deve o ser cognoscente ruir com o pensamento anterior por meio de reflexões e, assim, analisar a realidade com o objetivo de transformá-la, ou seja, deve o pesquisador ter uma postura de analisar as impressões primeiras, passando para um concreto pensado. 66 Para Karel Kosik (1976), a dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a realidade, e, sistematicamente, se perguntar como é possível chegar à sua compreensão. Por isso, é o oposto da sistematização doutrinária ou da romantização das representações comuns. Para Sílvio Gamboa (2000), a dialética pretende revelar as leis do movimento dos objetos e dos processos tanto da natureza como do pensamento e a lógica do avanço da relação entre o mundo objetivo e o pensamento, segundo as leis objetivas, assegurando assim que o pensamento coincida em conteúdo com a realidade objetiva que está fora dele, ou seja, a dialética materialista apresenta-se como método e lógica do movimento do pensamento no sentido da verdade objetiva. Neste caso, o desafio do pensamento que se situa no plano abstrato e teórico é trazer para o plano do conhecimento essa dialética do real. A partir desta perspectiva, mais do que evidenciar a expansão do terceiro setor, o foco é entender qual a finalidade deste processo de transferência/cooperação entre o Estado com as entidades público não-estatais. Gaudêncio Frigotto (2000) destaca três dimensões do materialismo histórico, porém oriundas de uma mesma unidade: enquanto uma postura, ou concepção de mundo; enquanto um método que permite uma apreensão radical da realidade e enquanto práxis, isto é, unidade de teoria e prática na busca da transformação e de novas sínteses no plano do conhecimento e no plano da realidade histórica. Como postura, o materialismo histórico-dialético contrapõe-se às abordagens metafísicas (empiricistas, positivistas, idealistas, ecléticas e estruturalistas), que orientam os métodos de investigação de forma linear, a-histórica, lógica e harmônica, apresentando os fenômenos sociais como leis do tipo natural, passíveis de observação neutra e objetiva. Quanto à diferença entre as visões de mundo, Kosik (1976) ressalta que, enquanto as concepções metafísicas se fixam no fenômeno, no mundo da aparência ou na aparência exterior dos fenômenos, no movimento visível, na representação, na falsa consciência, na sistematização doutrinária das representações ou ideologias, a concepção materialista histórica fixa-se na essência, no mundo real, no conceito, na consciência real, na teoria e na ciência. Conforme Kosik (1976), enquanto o positivismo reduz o conhecimento em diversas partes, separando o reflexo que se faz de um determinado conhecimento, da sua projeção, reduzindo o mundo real a uma única dimensão e sob um único aspecto, o materialismo histórico, como reprodução espiritual da realidade, capta o caráter 67 ambíguo da consciência, que escapa tanto ao positivismo quanto ao idealismo. Ou seja, enquanto capta uma determinada realidade, o materialismo histórico já a projeta em seu interior e a reflete: “A consciência humana é o reflexo e ao mesmo tempo projeção; registra e constrói, toma nota e planeja, reflete e antecipa; é ao mesmo tempo receptiva e ativa”. (p.26). Em outra análise da dimensão da postura do materialismo dialético, Gamboa (1998) ressalta que a abordagem crítico-dialética está imbuída de alguns pressupostos filosóficos, que são a base de qualquer teoria. Dois merecem destaque: os pressupostos gnoseológicos (maneiras de conceber o sujeito, de construir o objeto e de relacioná-los), e os pressupostos ontológicos (relativo aos conteúdos da realidade objetiva ao ser), mais amplos e complexos que indicam a cosmovisão, ou visão de mundo. Gamboa (1998), discorrendo sobre o surgimento do materialismo histórico-dialético argumenta que Hegel, com base no princípio de identidade entre pensamento e ser, interpretada de maneira idealista, uniu o conceito de lógica, dissolvendo a ontologia e a gnoseologia na lógica. Segundo Hegel, as mesmas leis do mundo objetivo são as mesmas leis da lógica, ou seja, para Hegel a lógica engloba tudo e toda a Filosofia se converte em lógica. Segundo Gamboa (1998), Marx e Engels formularam um processo inverso ao proposto por Hegel. Com o descobrimento da concepção dialética do sujeito e do objeto no processo do conhecimento e o reconhecimento do lugar da prática na teoria do conhecimento, Marx supera a separação entre ontologia e gnoseologia na base materialista e histórica da lógica dialética. Na concepção dialética materialista, não há um isolamento do sujeito e do objeto, entre o homem e a natureza, eles se relacionam e se interagem mutuamente. A prática histórica, entendida como a ação transformadora do homem sobre a natureza, é a base para entender a relação entre pensamento e natureza como um processo de reflexo desta na consciência do homem, e para compreender melhor a unidade entre as leis do pensamento e as leis do ser. Estes ressaltavam que as conclusões não deveriam partir de bases arbitrárias dogmáticas e sim de bases reais que só poderiam ser abstraídas na imaginação, ou seja, inicialmente Feuerbach, e depois Marx, opõem-se à filosofia hegeliana, afirmando que a natureza tem sua origem em si mesma e não no pensamento. “Não é consciência dos homens que determina sua existência, porém, pelo contrário, é a sua existência social que lhes determina a consciência". (MARX; ENGELS, 2001, p.21). Após este acalorado 68 embate filosófico entre Marx e Hegel, começou a se desenhar a concepção materialistahistórico-dialética. De acordo com o pressuposto gnoseológico, para o materialismo históricodialético a primeira condição de toda a história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos, pois a história é uma verdadeira história do homem. Mas não é qualquer homem e sim homens que estejam em plenas condições de viver para poder fazer história, com suas necessidades fisiológicas asseguradas: beber, comer, morar, vestir-se, reproduzir-se. Segundo Marx e Engels (2001), examinar a constituição corporal desses indivíduos e as relações que ela gera entre eles e o restante da natureza deve ser a primeira situação a ser constatada. Toda historiografia deve partir dessas bases naturais e de sua transformação pela ação dos homens no curso da história. Baseados no pressuposto ontológico, para Marx e Engels (2001) podem-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo o que se queira, porém eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a própria consequência de sua organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência, eles produzem indiretamente sua própria vida material que depende, antes de tudo, da natureza dos meios de existência já encontrados e que eles precisam reproduzir. É por meio do trabalho que o homem domina a natureza e produz sua existência, diferenciando-se assim do animal. O trabalho, no materialismo histórico-dialético, é compreendido como uma atividade intrínseca ao ser humano. No pressuposto ontológico, o homem é considerado um ser social, isto é, indivíduo inserido no conjunto das relações sociais, com interioridade psicológica, mas projetado para fora. Conforme Gamboa (1998), dependendo das necessidades socioeconômicas de cada etapa histórica, solicita-se ao homem o desenvolvimento de suas potencialidades e determina-se o nível de aprendizagem de sua especialização dependendo da formação social na qual se situa e da correlação de forças existentes, o homem se torna força de trabalho, capital humano, sujeito transformador da realidade, capaz de tomar consciência de seu papel histórico, educar-se pelas ações políticas e libertar-se através da prática revolucionária, ator e criador da história. Segundo José Paulo Netto e Marcelo Braz (2010), o homem, entendido como ser social, é parte da natureza, mas diferencia-se desta como um ser que a transforma, ao 69 mesmo tempo em que se transforma, objetivando-se no mundo a partir de seu trabalho e de sua capacidade teleológica. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. (MARX, 1996, p. 298). Os animais dependem estaticamente da natureza, agindo de forma instintiva, com ações sempre iguais. O homem, ao invés, com sua capacidade de abstração, com sua criatividade, encontra-se em relação com este ambiente social, com a sociedade, modificando a sua própria ação, desenvolvendo as suas capacidades e suas produções. O materialismo histórico como dimensão do método está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo, de totalidade e de vida no seu conjunto. Constitui-se numa espécie de mediação, no processo de apreender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e transformação dos fenômenos sociais. Para a dialética é necessário acontecer uma ruptura do pensamento dominante que tudo controla para iniciar o exercício do método de investigação, para a busca de respostas que permita uma apreensão radical da realidade. (FRIGOTTO, 2000). Romper com a ideologia dominante é, pois, condição necessária para instaurar-se um método dialético de investigação. Um primeiro aspecto a ser caracterizado nesta compreensão de método é que a dialética é um atributo da realidade e não do pensamento. O materialismo histórico-dialético enquanto método, segundo Gamboa (1998), se desdobra em três níveis de análise: o nível técnico, o nível teórico e o nível epistemológico, níveis que se articulam em categorias das mais simples e fáceis de constatação empírica às mais complexas e abstratas. Quanto ao nível epistemológico, Gamboa (1998) classifica a abordagem crítico dialética em 3 concepções específicas: concepção de causalidade, os critérios de cientificidade e concepção de ciência. Sobre a causalidade, mesmo não priorizando este conceito, o materialismo histórico-dialético destaca uma interrelação entre o todo e as partes, entre o fenômeno e a essência ou a interrelação entre dois fenômenos no qual um é a causa e outro a consequência e viceversa; a causa ou explicação dos fenômenos está em seus contextos, os aspectos 70 contextuais explicam o fenômeno; a causalidade refere-se à sequência histórica dos fatos; interrelação deriva das condições específicas da luta de contrários e das contradições internas. Para o autor, a explicação de um fenômeno está nas condições específicas da luta de contrários. Quanto ao critério de cientificidade, o método materialista histórico explicita a dinâmica dos fenômenos e veicula a relação teoria prática (razão transformadora). A validade da prova científica se fundamenta na lógica interna do processo de análise e síntese, no referencial teórico que permite explicar a relação do todo com as partes e a recuperação da totalidade no processo da pesquisa, e no método dialético que aborda o fenômeno em suas contradições numa perspectiva histórica e dinâmica. (GAMBOA, 1998). A concepção de ciência para o materialismo histórico, como produto da ação do homem, é tida como uma categoria histórica, um fenômeno em contínua evolução inserido no movimento das formações sociais. A produção científica, nesse contexto, é uma construção que serve de mediação entre o homem e a natureza, uma forma desenvolvida da relação ativa entre o sujeito e o objeto, na qual, o homem, como sujeito, veicula a teoria e a prática, o pensar e agir, num processo cognitivotransformador da natureza. Ou seja, na visão de Gamboa (1998), a dialética considera a ação como a categoria epistemológica fundamental. O homem comum, que não possui uma visão dialética da realidade, é dominado pela visão aparente da realidade, não notando, por exemplo, no caso de nossa investigação, que o avanço do terceiro setor é uma estratégia do neoliberalismo e da terceira via para assegurar a acumulação capitalista em detrimento dos direitos sociais da classe trabalhadora. Este complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui, segundo Kosik (1976), o mundo da pseudoconcreticidade, ou da falsa realidade. A pseudoconcreticidade está imbuída num mundo de representações comuns, que são projeções dos fenômenos postas na consciência dos homens propositalmente. Segundo Kosik (1976), o seu elemento próprio é o duplo sentido: que indica a essência, a realidade e, ao mesmo tempo, a esconde. No mundo da pseudoconcreticidade, a diferença entre o fenômeno e a essência desaparece. O problema de compreender toda 71 esta trama de relações é que o fenômeno se manifesta imediatamente, primeiro e com maior freqüência do que a essência, desta forma para que se possa compreender o fenômeno e atingir a essência, é necessário, além de um esforço intelectual, fazer um détour (um desvio). Esse détour implica necessariamente ter como ponto de partida os fatos empíricos que nos são dados pela realidade e, em seguida, implica superar as impressões primeiras, as representações fenomênicas destes fatos empíricos e ascender ao seu âmago, às suas leis fundamentais. O movimento de superação da pseudoconcreticidade assemelha-se ao de um espiral, pois ao passar novamente pelo ponto de partida, as representações, as inferências, já terão outra validade e entendimento. Desta forma, o ponto de chegada não será mais a representação primeira do empírico ponto de partida, mas o concreto pensado. Essa trajetória demanda do homem, enquanto ser cognoscente, um esforço e um trabalho de apropriação, organização e exposição dos fatos. Porém, Kosik (1976) adverte que o homem, antes de iniciar qualquer investigação, deve possuir uma segura consciência de que existe algo susceptível de ser investigado, e de que existe uma oculta verdade da coisa, distinta dos fenômenos que se manifestam imediatamente. A política do terceiro setor é adotada pelos neoliberais e os senhores do mundo como forma de impedir que as comunidades pobres se revoltem contra a crise econômica que perpassa os países capitalistas, e que se mantenham inertes frente aos parcos recursos e qualidade dos serviços públicos. Os neoliberais se apóiam na política do terceiro setor e influenciam a opinião da classe operária, deixando transparecer apenas o caráter filantrópico, caritativo, benemérito destas entidades. Por isso, é imprescindível que o homem faça um desvio, se esforce na descoberta da verdade, pois pressupondo a existência da verdade e possuindo uma segura consciência da existência da coisa em si, destruirá a pseudoconcreticidade. A pseudoconcreticidade contida no discurso do terceiro setor impede que os trabalhadores enxerguem a realidade concreta em que estão inseridos, uma sociedade dividida em duas classes antagônicas: a burguesia e o proletariado, na qual a primeira, para assegurar seus interesses capitalistas, destitui diversos direitos dos trabalhadores, deixando esta classe em um processo sub-humano, em busca da manutenção de sua sobrevivência. Neste prisma, a destruição da pseudoconcreticidade se efetuará por meio da crítica revolucionária da práxis da humanidade, com as relações sociais e por meio 72 do pensamento dialético, que dissolve o mundo ideológico da aparência para atingir a realidade. A destruição da pseudoconcreticidade é o processo de criação da realidade concreta e a visão da realidade, da sua concreticidade. (KOSIK, 1976). A teoria materialista distingue um duplo contexto de fatos: o contexto da realidade, no qual os fatos existem originária e primordialmente, e o contexto da teoria em que os fatos são, em um segundo tempo, mediatamente ordenados, depois de terem sido precedentemente arrancados do contexto originário do real. Entre o real e o teórico existe um processo de análise e de abstração. O homem não pode conhecer o contexto do real a não ser separando os fatos do contexto, isolando-os, arrancando-os do contexto real. Kosik (1976) argumenta que no materialismo histórico, a partir da cisão do todo é que passamos a conhecer, a descobrir a realidade, no entanto, é preciso retornar da cisão das partes ao todo, alcançando o concreto pensado através do détour, pois se não retornar das partes ao todo, corre-se o risco de cair numa visão idealista de mundo. Este processo de apreensão da realidade através do movimento do todo para as partes e do retorno das partes para o todo são revelados por meio de categorias de análise. Discorrendo sobre as categorias de análise do método materialista históricodialético, Kuenzer (1998) apresenta quatro categorias: totalidade, contradição, mediação e práxis. De acordo com a autora, estas categorias servem de critério de seleção e organização da teoria, a partir da finalidade da pesquisa, fornecendo-lhe o princípio de sistematização que vai lhe conferir sentido, cientificidade, rigor e importância. Sem a necessária e adequada articulação entre as categorias de análise, a produção sempre será parcial e pouco útil para dar suporte às intervenções no sentido da transformação da realidade. Segundo Kuenzer (1998), a primeira categoria analítica, a totalidade, implica na concepção da realidade enquanto um todo em processo dinâmico de estruturação e de autocriação, na qual os fatos podem ser racionalmente compreendidos a partir do lugar que ocupam na totalidade do próprio real e das relações que estabelecem com os outros fatos e com o todo; os fatos são parte integrante de um processo de concretização que se dá através do movimento e das relações que ocorrem das partes para o todo e do todo para as partes, dos fenômenos para a essência e vice-versa, da totalidade para as contradições entre as partes. 73 Os fatos isolados são abstrações, são momentos artificiosamente separados do todo, os quais só quando inseridos no todo correspondente adquirem verdade e concreticidade. Do mesmo modo, o todo de que não foram diferenciados e determinados os momentos é um todo abstrato e vazio. (KOSIK, 1976, p. 41). Em outras palavras, o pensamento dialético parte do pressuposto de que o conhecimento humano se processa num movimento em espiral, do qual cada início é abstrato e relativo. E justamente neste processo é que os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atingindo a totalidade. Para Gamboa (1998), a categoria totalidade concebe a realidade como um todo complexo, dinâmico e contraditório; referido à sociedade, esse todo se dá estruturado num modo de produção em movimento devido à correlação de forças existentes que podem mudar e ser mudadas pela ação transformadora dos homens. Essa totalidade também é entendida como contexto amplo e complexo em que vive o homem, construído e elaborado pelo homem e como o todo societário que constitui um bloco histórico, entendido este como a real situação sócio-política, econômica e cultural. Sem a decomposição do todo não há conhecimento. Essa decomposição do todo se dá através dos elementos abstratos - conceitos, categorias etc. “o conceito e a abstração, em uma concepção dialética, têm o significado de método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e, portanto compreender a coisa”. (KOSIK, 1976, p. 14). Desta forma, a totalidade que envolve o terceiro setor é proveniente do avanço das forças produtivas no interior do capitalismo. O método dialético, a partir da totalidade, decompõe o todo e consegue descobrir que a real finalidade do terceiro setor é desresponsabilizar o Estado de arcar com a política social. Os governos neoliberais em busca de maximizar seus lucros, transferem o social para o livre mercado, deixando a classe trabalhadora à margem da cobertura social. Segundo Gamboa (1998), essa fase de decomposição do todo (processo analítico) através de categorias abstratas não pode ser absolutizada, porque pode dar origem à ilusão idealista de que o pensamento é que cria o concreto, ou que os fatos adquirem seu pleno significado apenas na mente humana sem precisar voltar ao concreto. Esta fase de análise e abstração só tem uma função metodológica como passo para a construção da totalidade concreta, síntese de múltiplas determinações e relações. Este processo se elucida e explica em relação a uma nova síntese, uma volta ao concreto. 74 Na categoria contradição, compreende-se que a pesquisa deve captar a ligação da relação dos contrários, que ao se opor dialeticamente se destroem ou se superam; as determinações mais concretas contêm as determinações mais abstratas, superando-as; assim, o pensamento deverá mover-se durante o transcurso da investigação, entre os pólos dialeticamente relacionados, buscando compreender onde e como se incluem/excluem, desaparecem ou originam uma nova realidade buscando não explicações lineares que resolvam as tensões entre os contrários, mas captando a riqueza do movimento e da complexidade do real, com suas múltiplas determinações e manifestações. (KUENZER, 1998). Sobre a categoria da mediação, Kuenzer (1998) explica que para conhecer é necessário operar uma cisão no todo, como um recurso apenas para fins de delimitação e análise do campo de investigação, isolando os fatos a serem pesquisados e tornandoos relativamente independentes. Isolar os fatos significa privá-los de sentido e inviabilizar sua explicação, esvaziando-o de seu conteúdo, daí a necessidade de trabalhar com a mediação, de tal modo a, cindindo o todo ao buscar a determinação mais simples do objeto de investigação, poder estudar o conjunto das relações que estabelece com os demais fenômenos e com a totalidade. Deve criar um processo de continuidade ao qual a realidade objetiva tem que ser transformada em leis do pensamento, ou seja, em conhecimento, e é através do método, que se desencadeia a partir das finalidades da produção do conhecimento; se estas finalidades estiverem definidas a partir da intenção de transformar a realidade, então é preciso que o conhecimento produzido tome por base o conhecimento da realidade que se quer transformar. Com relação à práxis, Kuenzer (1998) afirma que o conhecimento novo só será produzido através do permanente e crescente movimento do pensamento que vai do abstrato ao concreto pela mediação do empírico; na busca da superação da dimensão fenomênica e aparente do objeto, buscando sua concretude. A concepção materialista funda-se no modo humano de produção social da existência, fixa-se na essência, no mundo real, no conceito, na consciência real, na teoria e na ciência. Ressalta que a verdade objetiva só se constituirá a partir da relação entre pensamento e realidade, e só assim será prática. Conhecer é conhecer objetos que se integram na relação entre o homem e o mundo, entre o homem e a natureza, relação que se estabelece graças à atividade prática humana. 75 Segundo Gamboa (1998), no nível teórico, o método materialista histórico critica fundamentalmente a visão estática da realidade implícita, que ocorrem com as abordagens positivistas, que escondem seu caráter conflitivo, dinâmico e histórico. A racionalidade crítica, presente nessa abordagem, busca desvendar não apenas o: [...] "conflito das interpretações", mas o conflito de interesses que determinam visões diferenciadas de mundo. Essas pesquisas manifestam um "interesse transformador" das situações ou fenômenos estudados, resgatando sua dimensão sempre histórica e desvendando suas possibilidades de mudança. (GAMBOA, 1998, p. 117). A terceira dimensão do materialismo histórico dialético, para Frigotto (2000) é a práxis, que se expressa enquanto unidade, uma confluência entre duas dimensões, a teoria e a ação, pois a reflexão sobre a realidade deve ter como intuito maior refletir uma ação para transformar a realidade. O materialismo histórico-dialético sustenta que a produção do conhecimento efetivamente se dá na e pela práxis. Consiste em formular uma crítica e o conhecimento crítico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico-social. Kosik (1976) destaca duas vertentes da práxis: a práxis utilitária cotidiana e a práxis revolucionária. A práxis utilitária cotidiana cria o pensamento comum, em que são captados tanto a familiaridade com as coisas e o aspecto superficial das coisas quanto a técnica de tratamento das coisas como forma de seu movimento e de sua existência. O pensamento comum é a forma ideológica do agir humano de todos os dias. O mundo que se manifesta ao homem nesta práxis não é um mundo real, mas o mundo da aparência, o mundo da pseudoconcreticidade, da falsa realidade. Já a práxis revolucionária seria alcançada pelo processo dialético de cisão do todo, modo pelo qual o pensamento capta a coisa em si, a realidade concreta. Para a práxis revolucionária, a destruição da pseudoconcreticidade, da falsa realidade, da realidade aparente é a chave para se chegar ao mundo real, ao movimento real interno, à essência. Para entender estes dois conceitos na prática, toma-se como exemplo a temática da pesquisa, o terceiro setor: Um cidadão imbuído na práxis utilitária cotidiana acredita que as entidades públicas não-estatais são uma ferramenta poderosa de ação social. Não tiramos o mérito destas entidades, mas o problema deste pensamento é que a práxis utilitária cria uma forma de pensamento superficial dos fatos, uma realidade invertida que impede perceber a totalidade presente no crescimento das entidades do terceiro setor. O problema maior é o afastamento, a retirada do Estado da responsabilidade da 76 questão social e a transferência desta responsabilidade às entidades do terceiro setor. Não são as entidades que devem assumir a questão social e sim o Estado, defendendo a concepção de Estado máximo que assume suas funções como proposto na Constituição Federal. Somente através da práxis revolucionária é que é possível enxergar a totalidade, através de uma olhar mais profundo nas particularidades da realidade concreta. No caso do terceiro setor, a práxis revolucionária vai investigar a fundo a realidade, descobrindo que o fenômeno das entidades público não-estatais está inserida num processo capitalista, neoliberal de retirada do Estado das suas responsabilidades passando a ser um Estado mínimo, num processo de transferência do social para o mercado, passando o que era de direito constitucional para um processo de filantropia destas entidades. A ruptura radical da filosofia da práxis, em relação ao pensamento filosófico anterior, é exatamente que a preocupação fundamental é refletir, pensar, analisar a realidade com o objetivo de transformá-la. (FRIGOTTO, 2000). Gamboa (1998) destaca que as propostas contidas nas abordagens crítico-dialéticas se caracterizam por destacar o dinamismo da práxis transformadora dos homens como agentes históricos. Para isso, além da formação da consciência e da resistência espontânea dos sujeitos históricos nas situações de conflito, propõem a participação ativa na organização social e na ação política. Para que o processo de conhecimento seja dialético, a teoria, que fornece as categorias de análise no processo de investigação, precisa ser revisitada, e as categorias reconstituídas. A estratégia metodológica utilizada nesta pesquisa foi a pesquisa de campo, que teve como foco 6 instituições públicas não-estatais que atuavam no setor da educação no município de Três Lagoas-MS. Como procedimentos, a pesquisa se apoiou na análise dos documentos fornecidos pelas instituições educativas do terceiro setor no Município, levando em consideração 4 temáticas desenvolvidas pelo pesquisador: Relação entre crescimento do terceiro setor no Brasil e em Três Lagoas; Relação terceiro setor, setor público e o empresariado; A proposta pedagógica do terceiro setor e sua relação com o público-alvo e a condição dos recursos humanos das instituições. Outro procedimento foi a realização de entrevistas com os gestores de cada entidade, a fim de buscar maiores informações relevantes para a pesquisa. A pesquisa utilizou como instrumento investigativo um roteiro de entrevista (apêndice 1), com base no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 77 (apêndice 2), seguindo as categorias de análise propostas pela pesquisa, além de levar em consideração fatos que possam estar além das categorias pré-estabelecidas. Após a caracterização do método materialista histórico, base investigativa da pesquisa, a seguir, serão caracterizadas as entidades educacionais do terceiro setor em Três Lagoas. 3.2 Caracterização das entidades educacionais do terceiro setor no município de Três Lagoas- MS Três Lagoas foi fundada em 15 de junho de 1915 e está localizada na porção leste do estado de Mato Grosso do Sul, possuindo área territorial de 10.197,80 km². Segundo dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), o município tem um número estimado de 101.791 habitantes. Deste contingente, 97.069 pessoas são residentes no perímetro urbano e aproximadamente 4.722 vivem no campo, possuindo uma densidade populacional computada em 9, 97 hab./km². Localiza-se na bacia hidrográfica do Rio Paraná, que possui 700.000 km² e tratase da quinta maior bacia hidrográfica do mundo. Possui, ainda, duas sub-bacias importantes: a do Rio Verde e a do Rio Sucuriú. O município também se situa sobre o maior lago subterrâneo do planeta, o Sistema Aqüífero Guarani. Devido a estas características, Três Lagoas recebe o codinome de “Cidade das águas”. (BARROS, 2006). O aspecto econômico predominante em Três Lagoas foi, por muitas décadas, a pecuária, agricultura e comércio. Com relação ao setor da pecuária, tinha o segundo maior rebanho de equino, o terceiro maior rebanho bovino e ovino e era o nono maior produtor de leite do estado de Mato Grosso do Sul. (BARROS, 2006). Entretanto, a partir dos anos de 1990, o município começou a atravessar um período de grandes mudanças nas suas bases de sustentação econômica. Os setores secundário e terciário da economia tornaram-se mercados em expansão, evoluindo para um processo de industrialização que vem ocorrendo por meio da instalação de várias indústrias dentro dos seus limites geográficos. Por ter uma posição geoeconômica primordial e privilegiada, Renata Pereira e Conceição Gomes (2004) afirmam que estas características facilitaram a instalação de diversas empresas no município, pois Três Lagoas está localizada próxima dos grandes 78 centros consumidores (para escoamento de produção e recebimento de matéria-prima), como, por exemplo, o interior do Estado de São Paulo, que é o segundo maior pólo consumidor do país. Além disso, está situada em um entroncamento das malhas viária, fluvial e ferroviária do Brasil, possuindo acesso privilegiado às regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. (VIEGAS, 2007). A partir destas características, Três Lagoas vem mudando sua caracterização econômica e no âmbito social também vem crescendo o número de instituições públicas não-estatais no município. Como primeiro passo para realizar o levantamento das instituições pertencentes ao terceiro setor em Três Lagoas, foi feito um contato com a Prefeitura Municipal que aconselhou procurar o Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, conselho que possui o registro das entidades regularmente aptas a exercerem o trabalho de assistência social no município. O segundo passo foi procurar o CMAS que disponibilizou uma lista contendo 13 endereços de entidades que estavam cadastradas neste conselho, que serviram de base para a pesquisa. A partir do contato com esta lista foi realizada uma divisão das entidades por foco de atuação. A tabela abaixo mostra como foi realizada esta divisão das instituições públicas não-estatais por foco de atuação: Educação 6 Doenças Usuários de infecciosas psicotrópicos 2 2 Asilo Desabrigados Acompanhamento Total gestantes/crianças 1 1 1 13 Tabela 1: Distribuição das entidades do terceiro setor, conforme foco de atuação Fonte: Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) – Três Lagoas, 2012 Após a seleção destas entidades por foco de atuação, foi realizada uma nova seleção considerando apenas as entidades que exerciam trabalho no setor da educação. Das 13 entidades, 6 tinham como foco a educação. A partir das informações coletadas, foi organizada uma nova tabela explicitando a composição das entidades do terceiro setor que atuam especificamente na área da educação, por foco de atuação: 79 Foco de atuação Quantidade Educação Educação Educação Especial Infantil Profissional 1 2 3 Total 6 Tabela 2: Distribuição das entidades do setor educacional pesquisadas, conforme foco de atuação Fonte: Levantamento realizado a partir dos dados disponibilizados pelo CMAS – Três Lagoas, 2012 Como terceiro passo, foi procurada cada uma das 6 instituições a fim de conhecer e levantar informações sobre as entidades. As entidades procuradas disponibilizaram diversos documentos como: Plano de Ação, Histórico da Entidade, Plano Político Pedagógico (PPP), Relatório de Gestão e Relatório de Atividades que serviram de base na caracterização destas entidades. Os dados coletados de cada instituição (histórico da entidade, objetivo, atividades desenvolvidas, data de fundação, número de atendidos, característica da clientela atendida, parcerias, cadastro em órgão municipal, governamental e federal) foram as informações mais relevantes levadas em consideração na caracterização de cada entidade. A seguir serão apresentados as características de cada uma das 6 entidades que compõem o universo investigado. A ordem de apresentação seguirá da seguinte forma: as três primeiras serão as entidades de educação profissional, seguida pelas duas entidades de educação infantil e a última que é de educação especial. De acordo com o Plano de Ação da instituição, a instituição de educação profissional Espírito Luz4 é uma entidade de inspiração cristã, de ordem espírita, filantrópica, cultural e educacional com a finalidade de atender crianças oriundas de famílias de baixa renda residente em Três Lagoas – MS, e adolescente visando sua inserção no mercado de trabalho, e em casos excepcionais prestar assistência à sua família. A entidade educacional foi fundada em 27/04/1996, e está localizada num bairro de periferia da cidade atendendo a comunidade local e moradores de bairros vizinhos. De acordo com o Plano de Ação da entidade, esta tem como objetivo principal aplicar atividades que auxilie as crianças e os adolescentes em sua formação social, no sentido de formar bons cidadãos, com valores e princípios aplicados no dia-a-dia por toda a vida. As atividades na entidade são realizadas de segunda à quinta-feira, no 4 A fim de não divulgar os nomes reais das instituições do terceiro setor em Três Lagoas, foram dados nomes fictícios. 80 horário das 07h25min às 10h40min no período matutino e das 13h25min às 16h40min no período vespertino, sempre no contraturno escolar do aluno. Para os adolescentes entre 15 a 18 anos, a entidade desenvolve o Programa Jovem Aprendiz, programa do Ministério do Trabalho e Emprego, oportunizando os alunos a ingressarem no mercado de trabalho. A entidade oferece dois cursos: Auxiliar de Escritório e de Serviços Bancários, contando com cerca de 20 jovens inseridos no mercado de trabalho. De acordo com Histórico da entidade, as atividades com crianças e adolescentes são aplicadas na intenção de auxiliar no desenvolvimento psicossocial preparando-os para o convívio com a família, sociedade e a facilidade da inserção no mercado de trabalho. A manutenção da instituição é por meio de doações, parcerias com empresas e convênios com a prefeitura municipal. A instituição de educação profissional Jesus Criança é uma congregação religiosa, de ordem católica, que está presente no território nacional e internacional. De acordo com a instituição, trabalham com atividades voltadas à educação e ao amparo a jovens com risco social e pessoal. De acordo com o Histórico da entidade, a Jesus Criança não possui fins lucrativos e tem como objetivos: a) colaborar com o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida da comunidade local, através de atividades esportivas, pedagógicas, artísticas, lúdicas, lazer e recreativas; b) criar um ambiente sadio, no qual os destinatários possam crescer como sujeitos e protagonistas do próprio processo educativo; c) fornecer novos espaços de agregação juvenil, reduzindo aos poucos a delinqüência a que estas se encontram; d) formar crianças, adolescentes e jovens para a vida, educando a partir de valores cristãos, vivenciados primeiramente pelos educadores; e) além de favorecer o sucesso das crianças atendidas, nos âmbitos escolares, familiares, comunitários e demais atuação. Participam desta ação social cerca de 250 crianças e jovens entre 6 a 21 anos. São oferecidas semanalmente atividades esportivas-culturais como: Dança, Capoeira, Futebol, Kung Fu e Jiu Jitsu, cada atividade oferecida duas vezes na semana, com 1 hora e ½ de duração. A entidade localiza-se num bairro periférico do município, a mercê de vulnerabilidades sociais, porém estende suas atividades para moradores de outros bairros. Sua sede própria foi inaugurada em 21 de abril de 2004. Segundo dados do Histórico da entidade, tem como público-alvo aqueles que sofrem ou já sofreram algum 81 tipo de violência física, psicológica ou sexual e toda população infanto-juvenil menos favorecida, que são oriundas de famílias desempregadas, desestruturadas materialmente e afetivamente e marginalizadas. Além da formação esportiva-cultural, a Jesus Criança possui outra frente de trabalho, a formação profissional. Esta se subdivide em duas modalidades de curso: Aprendizagem e Qualificação Profissional. Na Aprendizagem são oferecidos, para jovens a partir de 15 anos, a oportunidade de ingressar ao mercado de trabalho. Os cursos oferecidos são: Assistente Administrativo e Secretariado. São atendidos nestes cursos 85 alunos entre os períodos matutino e vespertino. Já nos cursos de qualificação, para acima dos 18 anos, são disponibilizados três cursos: Eletromecânica, Mecânica de Moto e Solda, como um número de atendidos de 70 alunos, nos períodos matutino, vespertino e noturno. A partir de 2011, a entidade iniciou uma parceria com uma grande empresa do setor de fertilizantes, petróleo e gás natural desenvolvendo um projeto que objetiva promover educação para qualificação profissional de jovens de 16 a 29 anos. Conforme o Histórico da entidade, o projeto tem como foco dar reforço escolar para jovens das redes municipal e estadual de ensino. O Projeto atende 240 alunos no período vespertino e noturno, divididos em oito turmas de trinta alunos cada, que estejam inseridos ou sejam oriundos do sistema público de educação de Três Lagoas. A entidade é reconhecida como utilidade pública municipal, estadual e federal. Para manutenção e desenvolvimento das atividades oferecidas, conta com recursos da sua congregação, para o pagamento dos vencimentos dos funcionários, de convênio com a prefeitura municipal, assumindo o custeio dos recursos humanos, além de doações de um fundo internacional que apoia as atividades desenvolvidas na instituição e de parcerias com empresas. A instituição de educação profissional Integração Social, segundo seu Plano de Ação, é uma instituição oriunda do movimento social popular de católicos com a finalidade de atender jovens e adultos, entre 15 e 29 anos, que estão buscando emprego, informações e conhecimentos gerais para se adequarem as exigências do mercado de trabalho ou para aqueles que mesmo inseridos nele necessitem e estejam em busca de capacitação e crescimento profissional, preparando-os para trabalhar com as principais tecnologias de informática e comunicação. A entidade localiza-se numa região próxima à área central do município, atendendo interessados de diversas localidades. 82 A instituição existe desde 1990, porém por muitos anos esteve desativada por falta de recursos para sua manutenção, alugando seu espaço para a Prefeitura Municipal. Segundo dados do Plano de Ação, a instituição, desde 2010, desenvolve cursos voltados à área da inclusão digital: operador de computador básico; informática com rotinas administrativas e manutenção de hardware e redes. A instituição tem como meta atender 370 alunos nos períodos matutino, vespertino e noturno. O Integração Social acredita que a inclusão digital na atualidade é uma necessidade para o exercício da plena cidadania, além de ser vista como uma necessidade no âmbito social e profissional das pessoas. Conforme o Plano de Ação, a manutenção do Integração Social é oriunda de recursos provindos da parcerias com duas empresas: uma no ramo de celulose e outra no setor de energia elétrica. De acordo com a coordenadora do projeto, a intenção é mobilizar mais indústrias para aumentar a ação da instituição. A entidade possui apenas a certificação de filantropia municipal que data de 27/11/1998. O Doce Infância é um Centro de Educação Infantil (CEI) de caráter privado sediado no centro da cidade. Segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição, presta atendimento a 90 crianças de 0 a 3 anos e 11 meses de idade, em regime de 8 horas diariamente, proporcionando a criança seu desenvolvimento físico, intelectual, moral, social e cultural, complementando a ação da família e da comunidade. O Doce Infância, por estar localizado no centro da cidade, atende crianças tanto do bairro local, quanto de outras imediações. Segundo o histórico da entidade, foi a instituição pioneira no município a abrigar crianças em período integral. Em agosto de 1970, deu-se início à construção, caminhando com dificuldades financeiras, mas em 17 de setembro de 1972, foi oficialmente inaugurada o CEI Doce Infância. De acordo com o Projeto Político Pedagógico (PPP) da entidade, o Doce Infância possui inscrição no Conselho Nacional e Assistência Social (CNAS), certificado de utilidade pública, pela Lei estadual nº 3665 e Municipal através da Lei 382, se tornou entidade de Assistência Filantrópica com auxílio do Fundo Nacional da Educação básica (FUNDEB) e em parceria da Secretaria Municipal de Educação (SEMED). Em 2009, passou a ser Centro de Educação Infantil (CEI), permitindo o funcionamento da educação infantil pelo prazo de cinco anos a partir de 2009, conforme 83 deliberação Conselho Estadual de Educação (CEE/MS Nº 9175 de 18 de Novembro de 2009). A instituição não cobra mensalidade dos atendidos, por isso, para manutenção da instituição são realizados eventos como chá beneficentes, festas e almoços, com a participação da comunidade. O CEI possui convênio com a Prefeitura Municipal. Com essa parceria é alcançada a cooperação do auxílio financeiro através de repasse do FUNDEB. O Espaço Criança é um Centro de Educação Infantil – CEI que, segundo o Plano de Ação da entidade, tem como objetivo assegurar o atendimento educacional integral às crianças de 0 a 6 anos de idade, visando o seu desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e psicomotor. Atualmente o Espaço Criança atende 250 crianças em período integral, nas modalidades: Berçário, Maternal I, Maternal II e Educação Infantil: Pré I, Pré II e Pré III. A educação Infantil, por falta de estrutura e de recursos humanos é oferecida em uma escola do município. Segundo o Plano de Ação, o público-alvo desta instituição são crianças carentes que seus pais trabalham em regime integral, não tendo onde deixar seus filhos. O Espaço Criança fica localizado em um bairro da área central de Três Lagoas, atendendo moradores de localidades vizinhas. De acordo com seu Plano de Ação, sua fundação data de 22 de novembro de 1980. A manutenção desta instituição ocorre a partir de doações de populares e através de recursos oriundos do convênio com a Prefeitura Municipal, além de financiamentos do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) e do Fundo Estadual de Assistência Social (FEAS). A instituição de educação especial Diferenças é uma entidade filantrópica de caráter assistencial e educacional, sem fins lucrativos que atende crianças, adolescentes e adultos com deficiência neste município desde 1975. Segundo o Histórico da Entidade, um dos principais objetivos da instituição é preparar através de atividades a pessoa com deficiência no aspecto biopsicossocial e educacional, objetivando a inclusão na sociedade, assegurando a qualidade de vida da pessoa com deficiência, possibilitando a independência e possível autonomia, promovendo a normalização e contribuição para o resgate da cidadania, garantindo a participação efetiva na comunidade em que está inserida. 84 A Diferenças está localizada no centro de Três Lagoas, mas atende os necessitados de todo o município. A instituição Diferenças atende o público em quatro níveis de ensino: educação infantil, ensino fundamental, educação profissional e manutenção profissional. Possui um centro de convivência para os alunos e é equipada com salas de artes, educação física (quadra e piscina), laboratório de informática, biblioteca, videoteca, brinquedoteca e sala de dança. Além das atividades com os alunos com algum comprometimento físico, psíquico e outras, a instituição Diferenças desenvolve atividade com os familiares dos alunos. Segundo o Histórico da entidade, este vínculo com a família tem como finalidade auxiliar e trabalhar a integração Família/Escola, incentivando e responsabilizando para a continuidade do processo educacional, profissional em seu contexto social. Enquanto os alunos recebem o atendimento necessário, os familiares ajudam a entidade, confeccionando produtos que serão vendidos no bazar, para arrecadação de recursos para a manutenção da entidade. A partir do levantamento realizado das instituições do terceiro setor que desenvolvem trabalho no setor educacional, apresentamos um quadro síntese da caracterização das instituições investigadas selecionadas pela sua caracterização jurídica e foco de atuação: Instituições Caracterização Jurídica Foco de atuação Espírito Luz Filantrópica Educação Profissional Doce Infância Centro de Educação Infantil-CEI Educação Infantil Jesus Criança Filantrópica Educação Profissional Integração Social Filantrópica Educação Profissional Diferenças Filantrópica Educação Especial Espaço Criança Centro de Educação Infantil-CEI Educação Infantil Quadro 2: Síntese da caracterização das instituições investigadas. Fonte: Plano de Ação, Histórico das Entidades, Projeto Político Pedagógico das instituições. Três Lagoas, 2012 Após o levantamento, apresentação e caracterização das instituições do terceiro setor que trabalham no setor da educação em Três Lagoas-MS, o próximo capítulo irá elaborar uma análise do desenvolvimento do terceiro setor em Três Lagoas e sua perspectiva de trabalho no setor educacional, a partir das fontes documentais 85 disponibilizadas pelas instituições e da realização de entrevistas com os gestores de cada instituição. 86 CAPÍTULO 4 A CARACTERIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR EM TRÊS LAGOAS-MS Este capítulo objetivou caracterizar as atividades das instituições públicas nãoestatais do setor educacional selecionadas no município de Três Lagoas. A estrutura desta caracterização deu-se através da análise dos dados coletados das entrevistas realizadas com os gestores destas entidades. Para uma melhor compreensão do estudo, este capítulo está divido em 4 temáticas de acordo com a proposta da pesquisa:1) Relação entre crescimento do terceiro setor no Brasil e em Três Lagoas; 2) Relação terceiro setor, setor público e o empresariado; 3) A proposta pedagógica do terceiro setor e sua relação com o público-alvo; e 4) Aa condição dos trabalhadores das instituições investigadas. 4.1 Relação entre crescimento do terceiro setor no Brasil e em Três Lagoas-MS Para verificarmos como está distribuído o terceiro setor no Brasil, tomamos como suporte os dados da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2004) com base no Cadastro de Empresas - CEMPRE inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ, do Ministério da Fazenda. Abaixo os dados apresentam a distribuição das entidades do terceiro setor no Brasil por Unidade de Federação: Região Quantidade de entidades (%) Sudeste 43,92% Sul 23,04% Nordeste 22,22% Centro-Oeste 6,58% Norte 4,25% Tabela 3: Distribuição das entidades do terceiro setor no Brasil por Unidade da Federação Fonte: (IBGE, 2004) 87 A partir deste panorama observou-se que a maior quantidade de entidades do terceiro setor se encontra nas regiões Sudeste e Sul do Brasil (67%), onde se destacam os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná. Já a região Centro-Oeste, composta pelos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e o Distrito Federal, as instituições públicas não-estatais representam apenas cerca de 7% da totalidade, ficando à frente apenas da região Norte. Cotejando os dados destas regiões, podemos inferir que o número elevado de entidades que se encontram no Sudeste e Sul do Brasil decorrem destas regiões serem consideradas os grandes centros do país, dotada de maior contingente populacional e desenvolvimento econômico. Percebeu-se que, dentre as entidades analisadas, não foi constatada nenhuma formalmente amparada pela lei n° 9.790/99, conhecida como lei do terceiro setor. Entidades assistenciais, sem fins lucrativos, filantrópicas, são as denominações jurídicas predominante nas entidades públicas não-estatais em Três Lagoas. Possuem o título de utilidade pública, nos âmbitos municipal, estadual e federal, além de estarem cadastradas nos órgãos reguladores municipais de assistência social e amparo à criança e ao adolescente: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente - CMDCA e Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS. Já no setor da educação possuem cadastro na Secretaria Municipal de Educação - SEMED e no Conselho Estadual de Educação - CEE. Os gestores afirmaram não ter conhecimento da legislação do terceiro setor, entretanto alguns disseram já ter ouvido falar de tal lei. Desta forma, com base nos dados expostos na tabela acima, podemos inferir que a falta de entidades regularmente cadastradas na legislação do terceiro setor seja por conta do baixo índice de instituições presentes nesta região, pois há uma tendência em priorizar as regiões historicamente privilegiadas tanto nos aspectos econômicos quanto no acesso a bens e direitos sociais em detrimento das regiões mais afastadas dos grandes centros. Nesse sentido, salientamos que o critério para a cobertura das ações destas instituições não parece ter por fundamento a promoção da justiça social e sim acaba por aumentar o quadro de desigualdade social que caracteriza nosso país. Em geral, a fundação das entidades surgiu a partir da motivação particular dos fundadores, com o intuito de cobrir as lacunas deixadas pelo Estado. Segundo 88 Norberto5, gestor da Espírito Luz, a motivação era ajudar a divulgar a doutrina espírita e ao mesmo tempo assistir os necessitados com gêneros alimentícios ou com remédios. Para Cordeiro, gestora da Jesus Criança, a motivação partiu do missionário italiano em desenvolver um trabalho social neste município, pois não era desenvolvido nenhum trabalho pela congregação religiosa que ele pertence em Três Lagoas, na época de sua instalação. Conforme Rodrigues, a fundação da Integração Social foi motivada por meio de um padre missionário alemão em desenvolver um trabalho social com as comunidades da periferia do município, seguindo as metas do fundador da congregação. Já Marques, gestora do CEI Espaço Criança, Passos, gestor da entidade Diferenças e Fernandes, gestora do CEI Doce Infância relataram que os grupos fundadores observaram a necessidade de se oferecer assistência social às crianças carentes e com necessidades especiais educacionais que o município, na época de sua fundação, não supria. O IBGE (2004) divulgou também a distribuição das entidades do terceiro setor no Brasil segundo a data de sua fundação entre os anos de 1970 a 2002: Data de criação Quantidade de Entidades Quantidade (%) Até 1970 10.998 3,99% Entre 1971 e 1980 32.858 11,91% Entre 1981 e 1990 61.970 22,46% Entre 1991 a 2000 139.187 50,45% Entre 2001 e 2002 30.882 11,19% Total 275.895 100,00% Tabela 4 – Distribuição das entidades do terceiro setor no Brasil segundo a data de criação Fonte: IBGE (2004). Sobre o período de fundação das entidades públicas não-estatais em Três Lagoas, cotejando-os com os dados divulgados nesta tabela pode-se observar que existem dois momentos históricos marcantes que ajudam a compreender o processo de fundação destas instituições no município: Algumas entidades públicas não-estatais em Três Lagoas surgiram a partir da década de 1970, período em que o Brasil vivia sob 5 Os nomes reais dos gestores entrevistados e também das entidades em que trabalham foram preservados, sendo citados nomes fictícios. 89 forte repressão vinda de um governo ditatorial. As políticas públicas, neste período, eram precárias e assim surgiram muitos movimentos sociais com o intuito de ajudar os mais vulneráveis, cobrindo as lacunas deixadas pelo Estado. O segundo momento de expansão do terceiro setor foi marcado pelo período entre os anos de 1991 a 2000. Esse aumento pode ser justificado, pois neste período o Brasil começou a sofrer influência do projeto político do neoliberalismo, principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso que instituiu o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE (1995), que basicamente transferiu a responsabilidade das políticas sociais para o terceiro setor. Em suma, observou-se nestes dois períodos que as políticas públicas sofreram cortes devido à ofensiva do capital sob o Estado e, desta forma, os movimentos sociais, percebendo o descaso do governo, acabaram por responder às sequelas deixadas pelo Estado. Esta afirmação fica evidente quando confrontada com os dados dos entrevistados sob a motivação pela fundação das entidades públicas não-estatais em Três Lagoas. Os entrevistados afirmaram que houve crescimento de ajuda financeira do Estado às entidades públicas não-estatais, apesar dos gestores apresentarem opiniões diferentes quanto ao período que se iniciou a distribuição destes subsídios. Norberto e Cordeiro afirmaram que a partir do reconhecimento do trabalho, as instituições passaram a receber maior credibilidade do setor público e das empresas, o que ajudou as instituições a solidificar suas atividades. O gestora da Espírito Luz chegou a argumentar que o crescimento das instituições do terceiro setor: “está assim, sendo bem visto e a comunidade, as empresas, o Estado vê a necessidade de fortalecer este setor”. Entretanto, Rodrigues argumentou que o crescimento das entidades públicas nãoestatais está atrelada à política de assistência social, período em que a mulher passou a ingressar no mercado de trabalho aumentando a demanda de espaços para deixar as crianças na ausência da família. Na percepção da gestora, o período que aumentou os incentivos para as entidades públicas não-estatais começou: [...] a partir de 88 que é a constituição cidadã, vem vários benefícios à população, que antes não existia e um destes incentivos foi também ter a parte dos incentivos das empresas que elas são obrigadas, não porque elas querem, elas são obrigadas a incentivar. (RODRIGUES). Marques ressaltou que foi a partir da década de 1980 que começaram a receber subsídios financeiros, através do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e do 90 Ministério de Previdência e Assistência Social, além de convênios com a Prefeitura Municipal de Três Lagoas e de auxílio do Governo Federal. Passos argumentou que desde 2000, ano que iniciou a trabalhar na instituição, também percebeu aumento de subsídios financeiros. Além do convênio com a prefeitura local, recebe o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, uma boa quantia financeira que ajuda a manter a instituição funcionando. Fernandes notou que foi a partir de 1999 que os recursos financeiros começaram a aumentar, com o auxílio da prefeitura local. Notou-se que o estímulo financeiro a estas instituições cresceu no mesmo período de implementação do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE (1995) que propunha, em linhas gerais, a desobrigatoriedade da manutenção das atividades não-exclusivas do Estado. O PDRAE legitimou a criação da lei da publicização (nº 9.637/98) e da lei das OSCIPs (nº 9.790/99), legislação que delegou as entidades públicas não-estatais a responsabilidade pela área social, diminuindo o poder do Estado brasileiro. Porém, os entrevistados não conseguiram fazer esta relação, devido os gestores estarem imbuídos em uma concepção pseudoconcreta de realidade, que camufla a totalidade do processo, vindo à tona apenas a realidade aparente do processo. (KOSIK, 1976). Desta forma é preciso desenvolver uma concepção dialética da realidade e entender que o avanço neoliberal nas políticas sociais legitimaram instituições públicas não-estatais a arcar com a responsabilidade no âmbito social. Perguntados sobre as causas que elevaram o número de entidades que trabalham no setor educacional em Três Lagoas e no Brasil, os entrevistados tiveram opiniões divergentes. A gestora da Jesus Criança elencou duas razões: a primeira razão seria o modismo, pois a questão do terceiro setor e do trabalho no social estaria em alta e a segunda razão seria a obrigatoriedade das empresas de investir recursos financeiros em atividades sociais: Hoje existe aquela responsabilidade social das empresas e as empresas estão buscando entidades que prestam serviços a elas, ao invés da empresa criar o seu setor social, ela procura a entidade para terceirizar o seu trabalho. Então isso promove que as entidades se abram as parcerias e é dessas parcerias com empresas que acabam vindo os recursos para sustentar as entidades. (CORDEIRO). Para Norberto, o crescimento das instituições foi motivado pela falta de ações educativas no município, por isso empresas e o setor público compartilham do trabalho 91 destas entidades a fim de melhorar o índice educacional da nação. Já Rodrigues, discorreu com certa desconfiança sobre o crescimento destas instituições, pois a gestora diz conhecer algumas instituições no município que não têm nenhum comprometimento com o social, mas apenas existem juridicamente com objetivo de desviar verba pública. Entretanto, ela quer acreditar que a motivação seja oportunizar melhores condições de vida aos envolvidos. Segundo Fernandes, foi devido às exigências do crescimento populacional, em razão da vinda de várias indústrias para o município aumentando a demanda por centros de educação. Para Marques, o crescimento foi devido à necessidade e boa vontade dos fundadores em trabalhar com assistência social. Já Passos relatou que não percebeu crescimento destas entidades e por isso não sabe dizer as causas de tal crescimento. Com relação ao chamado modismo do terceiro setor, esta concepção é defendida pelo próprio governo, pois para o neoliberalismo quanto mais instituições estiverem executando ações sociais que seria de obrigação do Estado, melhor será, pois diminui a presença do Estado perante as políticas sociais. Assim podemos inferir que o comentário de Passos sobre o desconhecimento das causas que elevaram o número de entidades públicas não-estatais no município seja devido a falta de conhecimento deste momento histórico-político que o Brasil vem passando desde o advento do neoliberalismo. Com relação ao exposto por Fernandes, sobre a idoneidade das instituições públicas não-estatais, observou-se um grande perigo, pois muitas entidades são denunciadas por corrupção ou desvio de verbas públicas. Segundo Carlos Montaño (2003), instituições que não visam o social, mas somente o econômico são consideradas instituições “pilantrópicas”. Outro ponto relevante de análise foi sobre a participação de empresas em ações sociais. As empresas investem em ações sociais com o intuito de receber dedução fiscal, diminuir os gastos com tributos fiscais, além de fortalecer sua marca, através do marketing social e criando laços de próximidade com a comunidade, formando seu público consumidor. Como muitas das ações sociais que as empresas patrocinam estão relacionadas à redução da pobreza e à melhoria da qualidade de vida das populações, elas também estão formando seu público consumidor, garantindo a sua sobrevivência no longo prazo. (MONTAÑO, 2003). O setor empresarial objetiva o lucro, é uma necessidade de sobrevivência deste setor, desta forma, sobre o corolário da responsabilidade social, as empresas 92 descobriram alternativas para fortalecer sua marca e assim continuar lucrando. É o que ocorre quando uma empresa decide se instalar em áreas extremamente pobres ou violentas: decidem investir na comunidade local como maneira de resguardar a sua segurança patrimonial e a de seus empregados. Segundo Montaño (2003), as corporações notaram que muitos consumidores dão prioridade a produtos que são produzidos por empresas que executam atividades de responsabilidade social, por isso existem tantas delas interessadas em apoiar ações sociais. Não podemos esperar outra postura de uma empresa capitalista senão esta. As ações sociais surgiram como opção de marketing com o intuito de manter a marca forte e não preocupados primeiramente com a realidade desigual que a própria concorrência capitalista cria através do seu ímpeto de acumulação ao longo de anos de exploração da classe trabalhadora. A seguir, o segundo bloco apresentou como ocorre a manutenção das instituições públicas não-estatais em Três Lagoas, evidenciando se há uma relação destas entidades com empresas e com o setor público. 4.2 Relação terceiro setor, setor público e o empresariado Sobre a obtenção de benefícios fiscais e isenção de impostos, por serem instituições sem fins lucrativos, entidades filantrópicas, alguns impostos são isentos. Foi possível notar, de acordo com os relatos dos gestores, a existência no âmbito municipal a isenção do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISS, do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, além de descontos na tarifa de água e luz. No âmbito estadual e federal, as instituições Diferenças e Doce Infância são isentas de pagar a cota patronal, que segundo Passos é a permissão de não recolher ao Instituto Nacional de Seguro Social - INSS contribuição de 20% sobre a folha de salários da entidade. Conforme o gestor, para obter a isenção, a entidade precisa atender a uma série de exigências do INSS, uma delas é de possuir o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEAS. Com a análise dos dados, pôde-se perceber que alguns gestores não tinham clareza de qual instância federativa a instituição recebia recursos financeiros, pois muitos gestores não tinha contato direto com a parte administrativa da instituição. Das 6 instituições investigadas, apenas o Integração Social não recebia nenhum tipo de recurso público. Rodrigues ressaltou que o acordo com a prefeitura não é oficial; nos dizeres da 93 gestora é um contrato informal, apenas um “contrato de boca”, de disponibilidade de espaço físico para que a instituição possa desenvolver seu trabalho nas escolas da rede municipal: Como a gente oferece cursos de informática, eles oferecem algumas escolas pra que a gente vá mais próximo dos alunos. Então, nestes dois últimos anos eles [prefeitura] têm oferecido algumas escolas pra gente, à noite, no horário que não é utilizado. Resumindo, o convênio seria a cedência do espaço e nós levamos nossos instrutores de informática. (RODRIGUES). Contudo, todas as outras 5 entidades recebiam apoio do setor público. A Jesus Criança recebia do Fundo Municipal de Investimento Social – FMIS, convênio firmado com a prefeitura municipal de Três Lagoas, um valor de R$ 252.000 reais divididos em 12 parcelas de R$ 21.000 reais. Deste mesmo convênio, a Espírito Luz recebia R$ 24.000 reais, divididos em 12 parcelas de R$ 2.000 reais mensais. A gestora da Doce Infância afirmou que a instituição, até 31 de dezembro de 2012, mantinha um convênio com a Prefeitura Municipal para operacionalização e manutenção da instituição no valor de R$ 420.000 reais. A instituição Diferenças recebia da prefeitura local um repasse mensal de R$ 16.500 reais, da parceria com a rodoviária do município um valor mensal de R$ 12.000 reais e do FUNDEB, R$ 75.000 reais. A Espaço Criança recebia do FUNDEB um valor de R$ 273.710,16 reais em 12 parcelas de R$ 22.809,18 reais, valor destinado ao pagamento dos profissionais da instituição. A opinião dos gestores foi unânime em responder qual o motivo do setor público investir em seu trabalho. Os gestores tinham a percepção de que as ações desenvolvidas pelas entidades são de responsabilidade do setor público, mas como as entidades de caráter público não-estatais assumiram a responsabilidade de trabalhar no social, o Estado investe, repassando recursos pecuniários a estas instituições. Esta é a realidade de Estados neoliberais, pois estas políticas avançaram sobre o setor social, destituindo os direitos sociais da população e transferindo a responsabilidade às entidades de caráter privado com fins públicos. Não se desobrigando totalmente da responsabilidade, o Estado subsidia estas ações. Desta forma, as ações destas entidades em vez de surgir como forma de superar o avanço do binômio neoliberalismo/capitalismo, acabaram por legitimar ainda mais o processo de destituição de direitos sociais públicos. Quanto à educação infantil, esta modalidade é oferecida em Três Lagoas pautada no regime de parceria entre o município e as duas entidades públicas não-estatais, pois 94 devido aos parcos recursos investidos pelo Estado, surgiram soluções alternativas como o trabalho destes CEIs, que nem sempre são as formas mais qualificadas para a oferta da educação infantil. O município comprometeu-se com parte do custo deste atendimento, dividindo a responsabilidade do custo e da oferta da primeira etapa da educação básica com estas instituições da sociedade civil. Esta parceria do poder público com instituições privadas na oferta da educação infantil, segundo Maria Susin (2006), no momento, constituiu-se em alternativa para dar conta das dificuldades que circundavam e ainda circundam as políticas para a infância, uma vez que foi somente a partir da Constituição de 1988 que se definiu de forma clara a responsabilidade do Estado para com as crianças pequenas. Contraditoriamente, segundo a autora, ainda não se definiram as fontes de financiamento para esse atendimento. Para Susin (2006), a solução desta realidade em que vivem as instituições de educação infantil seria através de maior aporte de verba necessária à educação pública, que garanta o direito universal à educação infantil já assegurado de forma legal pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) e também, “educação infantil pública assumida pelos municípios, evitando-se alternativas que venham a propiciar exclusão ou engendrar mecanismos que responsabilizem a sociedade civil pela carência de políticas sociais de competência do Estado”. (p. 139). Foi percebido que as três entidades de formação profissional mantinham parcerias com o setor empresarial. A Integração Social trabalhava em parceria com uma empresa do setor de celulose e seu instituto e que no momento, da execução da pesquisa, era a única renda que mantinha a instituição funcionando. A gestora informou que as empresas deixavam a administração da instituição bem tranquila, sem exigências e controle das ações da empresa sob a instituição. A instituição Jesus Criança tinha laços com várias empresas, pois como ofereciam o curso do Jovem Aprendiz (lei do Adolescente Aprendiz nº 10.097/2000), muitas empresas se tornavam parceiras, pois acabavam contratando aqueles jovens que a instituição preparava para o mercado de trabalho, além da possibilidade das empresas contratarem os recém-formados nos cursos de costura industrial e solda elétrica, ministrados pela própria entidade. A instituição ainda desenvolvia, há cerca de 2 anos, uma parceria com uma empresa do setor de petróleo e gás natural, que ampliou a estrutura física da entidade. A Espírito Luz também oferecia o curso Jovem Aprendiz, firmando parcerias com bancos, 95 universidades e empresas que contratavam os jovens preparados pela instituição para o mercado de trabalho. Segundo o gestor, a contrapartida exigida pelas empresas era cumprir com as exigências formalizadas nos contratos, prestando contas, a mesma informação fornecida por Cordeiro. Quanto ao projeto Jovem Aprendiz, programa do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), podemos inferir que as 3 instituições que estão enquadradas na modalidade educação para o trabalho ofereciam esta atividade de estímulo ao primeiro emprego. Sob a ótica de Acácia Kuenzer (1986) com relação ao processo de formação destes alunos para o trabalho, elenca-se alguns pontos de análise: O primeiro corresponde ao projeto Jovem Aprendiz estar ligado às mudanças do processo de precarização do trabalho, uma vez que as empresas preocupadas em maximizar os lucros, contratam jovens sob a condição de aprendizes que vão exercer atividades similares a de um adulto, porém, por um pagamento abaixo do que se pagaria a um chefe de família com a justificativa de que estes estão em processo de aprendizagem. Outro aspecto percebido deste programa está no ingresso precoce do processo de exploração da mão de obra, uma vez que este programa aceita a entrada de jovens a partir de 15 anos. Além de preparar os jovens para o trabalho, o aluno tem que dividir sua rotina de estudo com a rotina de trabalho, o que para muitos não é tarefa fácil, criando no jovem um desinteresse pelo estudo, o afastando da conclusão dos estudos e o aproximando ainda mais do mundo do trabalho, pois, em geral, os jovens de periferia almejam a obtenção de uma renda financeira em detrimento da conclusão dos estudos. Desta forma, se tornam mais um elemento do expansivo exército de reserva, uma vez que sem estudos avançados o jovem acaba galgando os postos de trabalho mais subalternos, diminuindo suas chances de ascensão social. Ainda, através deste ingresso precoce no mundo do trabalho, os capitalistas além de obter todas estas vantagens acima citadas, buscam manter o trabalhador a par do processo exploratório em que estão inseridos. O processo de alienação está sendo construído cada vez mais cedo, além de prejudicar o trabalhador a galgar postos de trabalho mais lucrativos, impede o conhecimento crítico do aluno para descobrir o processo de exploração e acumulação do capital em que está inserido, uma forma de deixá-lo ainda mais alienado do processo capitalista de acumulação. Sem estudos mais avançados, os jovens acabam permanecendo na ignorância, obtendo uma visão pseudoconcreta da realidade, não conhecendo as transformações que estão ocorrendo na 96 sociedade capitalista, permanecendo fora da discussão crítica da sociedade atual. (KUENZER, 1986). Porém, os gestores dos CEIs Espaço Criança e Doce Infância e da instituição Diferenças afirmaram não haver qualquer tipo de vínculo das instituições com empresas. Passos argumentou que até procurou empresas para firmar parcerias, mas conforme depoimento do gestor, as empresas responderam que não investem em instituições com o foco educacional da Diferenças. Porém, chamou a atenção o comentário de Fernandes sobre o motivo da instituição não se envolver com empresas. Segundo a gestora, as empresas exigem contrapartidas para que possam ajudar a instituição: [...] a partir do momento que você pega uma parceria, alguém quer alguma coisa em troca. Então já tem empresas que buscaram, mas eles querem X de vaga e não é esse o objetivo da nossa filantropia, porque a partir do momento que eu firmo, vem uma verba, a verba tem que ter entrado aqui como doação, essa aí é com convênio, tem um direcionamento, a partir do momento que vem uma empresa e nos procura, ela quer: ó eu te ajudo, mas você pode nos dar tantas vagas? [...] então não é assim, fecha com aquilo, eles põem o que eles querem, então por isso é que a gente não tem ainda (parceria) [...] que a empresa ajuda, porque sempre eles querem algo em troca. (FERNANDES). Quanto ao financiamento das instituições públicas não-estatais em Três Lagoas foi percebido que estas instituições recebiam recursos do setor público, já que a maioria não têm condições de autofinanciamento. Carlos Montaño (2003) adverte que esta transferência é chamada ideologicamente de parceria entre o Estado e a sociedade civil, com o Estado supostamente contribuindo, financeiramente e legalmente, para propiciar a participação da sociedade. Cria-se a opinião, a partir desta ideológica parceria, que o Estado está fazendo um favor a estas instituições e a sociedade, fornecendo subsídios fiscais, porém, como apresentamos, a política social é de obrigação do Estado e não deveria ser concedida na forma de filantropia. Os impostos pagos por todos os cidadãos deveriam ser destinados para a execução de políticas sociais efetivas e não para serem usados em débitos de juros das dívidas interna e externa, favorecendo a burguesia e os organismos internacionais de financiamento. Outro dado que nos chamou a atenção foi perceber como que a filantropia dentro de uma instituição religiosa vem perdendo espaço para o lucro. A questão da filantropia na instituição Jesus Criança é encarada com certa desaprovação pela congregação a qual seu diretor faz parte. O diretor é alvo de críticas pela diretoria da sua congregação por 97 sua prática social gratuita. Os diretores desta congregação o criticavam porque seu trabalho gerava altos custos econômicos e nenhum retorno financeiro. Vale ressaltar que esta congregação é mundialmente reconhecida, mantém no âmbito nacional vários colégios e universidades privadas, o que gera lucros para a congregação, porém, poucos destes lucros são colocados em suas instituições sociais. O diretor da instituição disse que o ecônomo da congregação6 usou uma metáfora para salientar os gastos da congregação: “É preciso fechar as torneiras, para que o tanque possa encher novamente, se entra pouca água e os buracos são muitos a tendência é esvaziar mais do que encher”. Na alegação do ecônomo, estariam gastando mais do que entrando recursos, o que geraria uma crise econômica na congregação, e por isso é preciso conter gastos na área social, ficando claro o interesse capitalista de acumulação destas entidades religiosas, em detrimento do social. Conforme os dados coletados, pôde-se notar a participação empresarial em 3 entidades públicas não-estatais no município. Sobre este tema pode-se destacar alguns pontos de análise: algumas empresas aproveitam o discurso da responsabilidade social para legitimar seu trabalho em prol da comunidade, como ocorreu com as entidades de formação profissional aqui investigadas. As empresas apóiam estas entidades não somente com o intuito de solidarizar-se com o trabalho desenvolvido por elas, mas com a finalidade primeira de prestarem políticas mitigatórias, pois a instalação destas empresas geraram grandes impactos ambientais, o que as tornaram obrigadas a investir recursos na comunidade local. Norberto, gestor da Espírito Luz, argumentou que as empresas colaboram com seu trabalho porque elas são quase que obrigadas, e isso está estipulado em lei. Cordeiro, além de ter a mesma opinião que Norberto, ressaltou que as empresas precisam de mão de obra qualificada e por isso procuram a instituição, pois sabem que ela capacita alunos que podem ser contratados pelas empresas. Outra questão que Cordeiro levantou foi sobre a responsabilidade social das empresas, pois, de acordo com a gestora, ainda era vista por alguns empresários como uma obrigatoriedade, e não como algo que traga um benefício a longo prazo para o trabalhador e para a comunidade. 6 Ecônomo inspetorial tem como função administrar os recursos financeiros desta congregação. É equivalente ao administrador de empresas. 98 Os comentários de Rubem Fernandes (1994) vão na mesma linha: as grandes empresas, nacionais e multinacionais, adotam políticas de marketing na área social, para promover a imagem pública das empresas. Segundo o autor, esta é a grande sacada de muitas empresas, pois a fim de garantir seus altos lucros, investem em trabalhos em comunidades próximas a seu empreendimento a fim de diminuir a violência contra a marca da empresa. Na verdade, a responsabilidade social é o interesse último de uma empresa, o interesse maior é de preservar os laços amistosos entre comunidade e empresa e assim poder continuar lucrando. Os gestores argumentaram que por manter convênios com o setor público era exigida a prestação de contas mensalmente, esta era a contrapartida das empresas. Rodrigues chegou a afirmar como importante que esta fiscalização acontecesse, pois, para a gestora da Integração Social, se o setor público tivesse o mesmo controle financeiro dos gastos que são feitos no setor empresarial, o Brasil não teria tanto desvio de verba pública. Sobre a manutenção das entidades, 4 gestores disseram conseguir se manter com os recursos recebidos, pois a previsão orçamentária é feita com base em planilhas calculadas de acordo com a realidade, não existindo a necessidade de se promover eventos para levantar fundos para a manutenção da entidade. Entretanto, os gestores tanto do CEI Doce Infância, quanto da Espírito Luz, relataram que as entidades promovem eventos com o intuito de levantar fundos para a manutenção diária da instituição, pois, os recursos recebidos eram apenas para cobrir os salários dos profissionais e para a alimentação das crianças. Já, para cobrir as avarias do espaço, eram promovidos eventos como festas, chá beneficente, campanhas, rifas para terem outros recursos para cobrir despesas extras. Norberto argumentou que além dos recursos recebidos pelas empresas e pelo setor público, a cota mensal dos associados da comunidade espírita também contribuía para a execução das atividades. Sobre a existência de concorrência entre as instituições com relação à busca de recursos e entre novos alunos, as opiniões se mostraram divergentes. Norberto afirmou não acreditar na existência desta concorrência, porque cada instituição irá receber de acordo com sua capacidade, porém, acredita que algumas instituições podem receber mais recursos por ter alguma aliança com membros do setor legislativo e executivo do município. Todavia, para Cordeiro, existe concorrência e acredita ser esta necessária, pois, as obras sociais recebem por número de atendidos, então a instituição precisa 99 correr atrás de alunos. Para ela, existe concorrência até para conseguir uma empresa para oferecer o programa Jovem Aprendiz, porque, “se você ganhar aquela empresa é mais um que você vai colocar no mercado de trabalho; é mais uma renda que você vai ganhar e uma oportunidade de tirar aquele adolescente de uma área de risco [...]”. Em sua concepção, acredita não haver nenhuma instituição que busque vantagens próprias, pois para ela “é difícil ganhar em cima, pois há muita fiscalização”. Contudo, já Rodrigues afirmou existir esta concorrência e que já presenciou isso em sua antiga instituição de trabalho: [...] existiam pessoas que chegavam na porta do projeto e diziam: Ó você não quer ir pro meu projeto? A gente lá oferece isso, muito mais do que a gente oferecia e hoje uma das maiores concorrências é de certa forma a financeira [...] ai eu ficava extremamente chateada com isso. (RODRIGUES). Os comentários de Rodrigues e de Cordeiro a este respeito chamam muito a atenção. Dentro da instituição Jesus Criança, havia o interesse de sempre aumentar o número de participantes e valia de tudo, até mesmo ir à porta de outras instituições apresentar a proposta aos alunos, convencendo-os a se transferirem para a instituição. Como as duas instituições, Jesus Criança e Espírito Luz estão endereçadas no mesmo bairro, a troca de alunos entre as instituições era corriqueira, o que acirrava a concorrência em busca de novos alunos. Os comentários entre os diretores da Jesus Criança eram de que as outras instituições conspiravam contra seu trabalho, por isso deviam se armar contra elas. Por meio deste relato ficou evidente que o interesse maior da Jesus Criança era aumentar os recursos financeiros ficando em segundo plano a formação humana e profissional dos alunos. É preciso esclarecer, para que não confunda o leitor de que Rodrigues, atualmente, é gestora da Integração Social. Porém, as críticas expostas acima se referem ao período em que ela era gestora da Espírito Luz. Outro ponto que a gestora da Integração Social ressaltou foi que algumas instituições ofereciam recursos financeiros aos alunos para que eles frequentassem a instituição. Na visão de Rodrigues, esta prática promoveu um jogo desigual porque muitos alunos acabaram abandonando o curso na instituição que administrava para ir para outra instituição que estava remunerando o aluno. Ela se disse preocupada com a qualidade dos serviços que estavam sendo oferecidos nesta instituição: 100 [...] eu fico meio preocupada: que tipo de trabalho está sendo feito, entendeu, porque eu acho que o jovem tem que ir pra curso sim, mas ele não tem que receber pra curso, a menos que ele seja associado como aprendiz né entre estudar e trabalhar, aí tudo bem e a lei ampara, mas cursos informais eu acho meio estranho, porque a gente fica pensando o seguinte: até quanto tá ganhando este jovem e quanto tá sendo repassado pra ele, eu tenho esta preocupação, mas parece que as outras pessoas não têm. Se eu te dou 200 reais, eu devo estar recebendo um pouco mais por você. Então hoje eu enfrento este tipo de concorrência, já enfrentei concorrência de irem na porta do projeto que estava coordenando e falar: ó você não quer ir pro meu projeto a gente tem isso, tem aquilo, e eu não tinha. (RODRIGUES). Mais uma vez os comentários de Rodrigues se referiam às ações da instituição Jesus Criança, pois nesta instituição os alunos que frequentavam o cursinho prévestibular, recebiam uma bolsa de cerca de R$ 200 reais e nenhuma outra instituição neste município oferecia recursos para que os alunos frequentassem algum curso, sendo na opinião da gestora uma competição injusta. Conforme Rodrigues, a quantidade de matriculados muitas vezes não condiz com a qualidade dos serviços oferecidos. Ela preferia atender menos alunos, porém propiciar um acompanhamento mais próximo do aluno, do que atender muitos e não criar um relacionamento de proximidade com eles. Sobre as maiores dificuldades que as instituições enfrentavam, as opiniões foram bastante divergentes. Cordeiro afirmou que na Jesus Criança o grande obstáculo era a desistência, pois muitos jovens e adultos ingressavam nos cursos propostos pela instituição e boa parte desistiam, o que comprometia o trabalho da instituição. Alegou que por trabalhar com pessoas de periferia, eles não conseguiam superar suas dificuldades, pois queriam obtenção de retorno imediato, o que fazia com que eles se desmotivassem a continuar no curso. Para Norberto, as maiores dificuldades encontradas na Espírito Luz são os baixos recursos financeiros disponíveis e a qualidade do material humano que lidam diariamente, pois a instituição promovia o curso Jovem Aprendiz e muitas vezes as empresas não encontravam o perfil adequado que procuravam. Na Integração Social, a maior dificuldade encontrada era a baixa expectativa de vida dos alunos, pois muitos jovens ingressavam nos cursos na instituição, mas só porque a família exigia, não porque pensavam no futuro, adquirir conhecimentos para buscar melhores condições de vida. Outra dificuldade era a falta de apoio das famílias, o que fazia com que os alunos caminhassem sozinhos no curso, e muitas vezes até desistissem, não concluindo os estudos regulares escolares, sintomas que refletiam numa baixa expectativa de vida. Na Diferenças e na Doce Infância as dificuldades 101 pairavam na falta de recursos, apesar de atualmente, com os convênios firmados com o setor público terem melhorado bastante a questão financeira, conseguindo equilibrar os gastos mensais. Já na Espaço Criança, a maior dificuldade estava ligada à má formação dos profissionais da educação. Os relatos dos gestores demonstraram que as instituições alcançaram resultados positivos desde a sua fundação. Rodrigues e Norberto argumentaram que os resultados podem ser vistos quando descobre ex-alunos ingressos na universidade, ou em bons postos de trabalhos, reflexo das ações educativas desenvolvidas na instituição. A gestora afirmou até não conhecer nenhum ex-aluno que fracassou na vida, que tenha passado para o “outro lado”, que seria o da criminalidade. Cordeiro afirmou que o trabalho desenvolvido pela Jesus Criança possibilitou uma melhora social, o índice de violência no bairro diminuiu e também os ex-alunos que hoje estão bem empregados, mas a gestora ressaltou que este número de ex-alunos que alcançaram êxito é muito baixo em relação ao fluxo de alunos que realizaram cursos na instituição: “vamos colocar assim, você trabalha no ano com 1000 alunos, destes 1000 alunos você tem 20 que podem ter sido bem empregados, então a porcentagem ainda é bem pequena”. Passos destacou, dentre muitos resultados obtidos pela instituição Diferenças, a aquisição de um ônibus zero quilômetro adaptado para se fazer o transporte dos alunos da instituição e a abertura de uma clínica de atendimento ambulatorial. Conforme a gestora do CEI Doce Infância, os resultados são percebidos através da opinião da comunidade, das famílias dos envolvidos atendidos pela instituição. Para ela “a voz do povo é a voz de Deus”, os relatos são de um bom atendimento, respeitando as crianças, os pais e a família dos envolvidos. Marques afirmou que os resultados alcançados pelo CEI Espaço Criança foi a formação de turmas de Pré II que passaram no ano seguinte para a o ensino fundamental. Norberto afirmou que, desde a fundação da Espírito Luz até os dias atuais, todos os projetos que a instituição se comprometeu a executar foram alcançados. Segundo o gestor, a meta da Espírito Luz seria continuar atendendo com qualidade e ampliar as metas de atendimento. Para Cordeiro, a meta da Jesus Criança que não foi alcançada era diminuir o número de desistências na instituição, pois, segundo a gestora, para que o trabalho seja bem sucedido, é preciso dar continuidade a ele, e por isso não pode ser interrompido. Rodrigues afirmou que o número de atendimentos acordados com a empresa parceira não foi alcançado, pois a Integração Social desenvolve suas atividades 102 na sede da instituição e também faz um trabalho externo, com as comunidades, nas escolas que possuem salas de informática. Como a prefeitura não disponibilizou as salas para a instituição, a meta não pôde ser contemplada. Conforme a gestora, a meta da instituição é atender 400 alunos no ano de 2013 e levar inclusão digital a comunidades rurais próximas ao município. Segundo Passos, a meta da instituição Diferenças é terminar a construção da nova sede, que segundo o gestor levará em torno de 3 a 4 anos para conclusão. Marques argumenta que todas as metas do Espaço Criança foram alcançados, e como a partir de 2013 a administração do CEI foi transferida para a prefeitura local, a antiga administração da instituição não tem metas a alcançar. Segundo Fernandes, a meta do CEI Doce Infância é ampliar o atendimento e, para isso, como meta a alcançar, solicitará à prefeitura para que ceda o terreno ao lado da instituição para que possa ampliar a sua estrutura predial, consequentemente aumentando o público atendido. Fechando o segundo bloco de análise, o que chamou atenção são os comentários de Cordeiro sobre os altos índices de desistência que encara a instituição, não sabendo como resolver tal problema. Observou-se que a instituição Jesus Criança atende um número elevado de alunos em várias frentes de trabalho. São muitas pessoas atendidas diariamente e poucos profissionais qualificados, uma vez que a lógica do diretor da instituição é: “Não escolher os capacitados e sim capacitar os escolhidos”. São pagos baixos salários e os funcionários devem ser polivalentes, exercendo desde trabalhos braçais até atividades pedagógicas, sugando ao máximo o trabalhador. Iremos discorrer sobre este aspecto mais detalhadamente no último item. Além disso, a equipe educativa não conseguia acompanhar individualmente todos os estudantes devido ao grande número de alunos na instituição, não podendo descobrir suas dificuldades. Muitas vezes aqueles jovens desistem dos cursos por falta de adaptação as normas da instituição, motivação externa e falta de envolvimento entre estudantes e os profissionais da mesma. Outro problema é que pessoas desqualificadas não têm preparo suficiente para trabalhar em instituições deste porte, que na maioria das vezes são pessoas que apresentam grandes vulnerabilidades sociais, vindas da periferia da cidade. Se reduzissem o número de alunos, o trabalho poderia ser mais eficiente, mais participativo, mais próximo dos conflitos dos alunos. Se existissem profissionais mais capacitados, a desistência também poderia diminuir. É preciso rever estes pontos e ponderar: O que mais importa é a quantidade de alunos atendidos ou a qualidade dos 103 serviços prestados? A seguir será apresentado o terceiro bloco que analisa as atividades pedagógicas desenvolvidas pelas instituições, detalhes do perfil da clientela atendida e localização da instituição. 4.3 A proposta pedagógica do terceiro setor e sua relação com o público-alvo Todos os gestores afirmaram que suas instituições estavam instaladas em sede própria, exceto a Jesus Criança que, conforme Cordeiro, a sede em que a instituição está instalada foi cedida pela prefeitura municipal a partir de um comodato. O período deste comodato é de 99 anos, contados a partir de junho de 2003. Segundo os dados analisados, grande parte das instituições está localizada em bairros periféricos do município, onde se concentram um elevado número de jovens e adolescentes sujeitos a vários tipos de vulnerabilidades. Já Passos e Fernandes argumentaram não haver uma razão específica pela instalação da instituição, uma vez que o espaço foi doado pela prefeitura local. Pôde-se constatar que 4 entidades estão instaladas em bairros periféricos do município, ficando claro que o objetivo das instituições é apaziguar conflitos nestas localidades. As entrevistas mostraram que as atividades pedagógicas de algumas instituições sofreram adequações a partir do escopo das políticas públicas nacionais. Segundo as gestoras dos CEIs Doce Infância e Espaço Criança, as adequações surgiram na mudança da nomenclatura destas instituições, passando de creche para Centro de Educação Infantil o que promoveu reordenamentos na prática pedagógica destas entidades. Os gestores relataram que o perfil da clientela atendida pelas instituições são predominantemente crianças, adolescentes e adultos provenientes de famílias das camadas menos favorecidas, que possuem renda mensal estipuladas em até 3 salários mínimos. Cordeiro afirmou que o perfil dos estudantes da Jesus Criança vem sofrendo mudança. Argumentou que 60% dos alunos atualmente são de outras localidades do município e que possuem uma condição econômica “um pouco melhor”. Quanto ao número de atendimentos elaboramos uma tabela para melhor apresentar os dados: 104 Instituição Número de atendimento Integração Social 130 Espírito Luz 120 Doce Infância 90 Espaço Criança 250 Diferenças 377 Jesus Criança 750 Total de atendimentos 1.717 Tabela 5: Número de alunos atendidos pelas instituições Fonte: Entrevistas com os gestores A instituição Espírito Luz no período de elaboração desta pesquisa estava inativa devido a reformas de ampliação no prédio, porém a intenção da instituição era retornar as atividades no mês de agosto de 2013, com este número de atendimento. Outro ponto importante foi que os dados fornecidos pelo CEI Espaço Criança datam de 2012. Vale frisar novamente que a administração desta instituição no momento da pesquisa estava sob a responsabilidade da Prefeitura. Os gestores afirmaram não cobrar nenhuma taxa dos envolvidos, pois possuíam o caráter filantrópico e portanto era proibido cobrar qualquer recurso dos envolvidos. Notou-se que o foco destas instituições são os bairros periféricos, em geral mais populosos, com uma grande quantidade de crianças e jovens, proveniente de famílias das camadas mais populares. O trabalho que estas entidades vinham desenvolvendo, tenta superar um problema essencialmente encontrado em sociedades capitalistas: conter as crises sociais das camadas mais exploradas. O Estado e as empresas, sabendo deste risco, investem em instituições sociais de caráter assistencial, como estas aqui investigadas, como forma de controlar as camadas mais vulneráveis, promovendo políticas de apaziguamento de conflitos, que são medidas que não vão resolver a situação da periferia, porém amenizam as desigualdades e os conflitos de classe. Com relação aos projetos desenvolvidos pelas instituições, percebeu-se que o foco principal das ações era a formação para o trabalho. De acordo com os entrevistados, as atividades pedagógicas foram desenvolvidas no intuito de evitar conflitos sociais, melhorando a qualidade de vida dos envolvidos, promovendo educação, almejando uma preparação para a vida em sociedade. A Integração Social desenvolve atividades voltadas para a cidadania. Para a Jesus Criança, de acordo com 105 Cordeiro: “as atividades pedagógicas, visam o crescimento humano [...] mas este crescimento humano, precisa vir junto com ele possibilidades de melhorias de vida [...] unindo trabalho, cidadania e a família”. Já na Espírito Luz, a intenção era fortalecer a personalidade dos estudantes: [...] justamente formar um bom e honesto cidadão no futuro, deixando claro que a maior obrigação é da família, nós aqui, é só uma cooperação. Aqui é um apoio que a gente dá neste sentido [...] evitar que eles desviem do caminho certo, isto é, que eles não vão para o caminho das drogas ou então para a violência né, pra bandidagem, mas que ele se torne, pegue o melhor caminho e se torne um verdadeiro cidadão. (NORBERTO). Os gestores relataram que nem as empresas nem o setor público disponibilizavam materiais didáticos a serem utilizados nos trabalhos diários das instituições, ficando a escolha e o preparo dos conteúdos a critério das entidades. Porém, Marques disse que, esporadicamente, o Espaço Criança recebia material escolar da prefeitura municipal. Com relação ao referencial pedagógico adotado, foi possível perceber que as instituições de formação para o trabalho não seguiam nenhum parâmetro específico. Entretanto, as gestoras dos CEIs disseram que suas instituições seguiam o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI. Já o gestor da Diferenças não conseguiu responder, pois não tinha conhecimento a fundo da proposta pedagógica da instituição. Os gestores relataram sobre as contribuições que os alunos adquiriam durante seu processo educativo nas instituições. Rodrigues e Norberto argumentaram que os alunos aprendiam valores que iriam levar para o restante de suas vidas: dar continuidade nos estudos, ser um cidadão preparado, um bom trabalhador, alcançar maior independência, qualidade de vida e melhora no relacionamento familiar. Já Cordeiro não conseguiu relatar as contribuições que os alunos adquiriam na instituição, pois em sua opinião há uma diferença entre o ensinar dos professores e o aprender dos alunos: Com relação à contribuição pessoal dos alunos, eu acho que tem uma diferença gritante entre o nosso trabalho, que é ensinar e a parte dos alunos que é aprender, pois nem sempre eles vão conseguir atingir o nosso objetivo. Muitos alunos não tiram o proveito necessário das nossas atividades entendeu, eu não sei te responder porque a nossa proposta é uma, agora se ele vai comprar a nossa proposta é outra coisa. (CORDEIRO). 106 Os gestores afirmaram, no geral, que o trabalho desempenhado pelas entidades é de grande relevância, pois contribuía para a melhora do nível social e educacional de Três Lagoas. Os gestores das instituições de formação profissional argumentaram que o trabalho desenvolvido pelas instituições busca preparar os alunos para o mercado de trabalho, o que contribuía para a diminuição do índice de desemprego no município, além de contribuir para a diminuição dos conflitos sociais, pois diminuíam o tempo de exposição dos alunos à marginalidade, a violência, devido às atividades ocorrerem no contraturno escolar dos alunos. Predominou nas falas dos gestores que uma das grandes contribuições das instituições era na formação de trabalhadores para o mercado de trabalho. Não queremos tirar o mérito, muito menos diminuir a importância destas instituições, porém estes alunos são preparados para ingressarem em postos de trabalhos de baixo rendimento. Dependendo da condição do trabalho, o futuro aluno irá perder cada vez mais a motivação pelos estudos, diminuindo suas chances de alcançar melhores condições de trabalho, reduzindo suas possibilidades de se tornar um trabalhador crítico. Passos comentou que a maior contribuição da Diferenças era com relação à inclusão social, pois muitas famílias, antigamente, escondiam as pessoas com deficiência com medo do preconceito, de serem tratados como doentes e que atualmente este preconceito vinha diminuindo. A instituição vem inserindo as pessoas com necessidades educacionais especiais no mercado de trabalho, contribuindo para o aumento da renda familiar, diminuindo o desemprego, além de muitos se tornarem independentes, derrubando o preconceito, alcançando uma maior aceitação na sociedade. Para Marques, o trabalho educacional do Espaço Criança contribuía para a melhoria da sociedade, pois, segundo a gestora, a educação é a base estrutural de uma sociedade: Sem educação as pessoas não conseguem melhorar seu meio de vida. Então, qualquer entidade que cuide da educação de crianças e jovens, com responsabilidade, carinho, ciente da importância de seu trabalho está possibilitando a melhoria da sociedade como um todo. (MARQUES). Fernandes argumentou que as contribuições da Doce Infância seriam por realizar um trabalho que seria de responsabilidade pública, o que diminui a demanda do setor público em construir CEIs, além de ter aumentado o número de mulheres mães no 107 mercado de trabalho, uma vez que abrigam os filhos destas mulheres enquanto elas vão para o trabalho. A posição de Fernandes nos chamou à atenção quando afirmou que o trabalho da sua instituição surgiu para substituir a obrigação que seria do Estado. Esta afirmação está correta, pois como discorremos nos capítulos anteriores, o sistema capitalista atrelado aos preceitos neoliberais vem retirando paulatinamente a obrigação do Estado em arcar com as políticas sociais, e estas 6 instituições investigadas possuem suas bases alicerçadas na filantropia, pois viam a necessidade de se fazer algo que não estava sendo assegurado, executado pelo Estado. Para compensar sua retirada, o Estado subsidia com recursos financeiros os trabalhos destas entidades, porém o mais correto seria o Estado assumir integralmente sua obrigação e não deixar sob a responsabilidade da sociedade civil. Rodrigues, sobre as contribuições da Integração Social, afirmou que além de dar condições para que jovens e adultos se qualifiquem para o mercado de trabalho, ela se preocupa muito com o nível educacional dos alunos. Segundo ela, os alunos refletiam suas deficiências educacionais na instituição quando eram aplicados trabalhos dissertativos, como redações e apresentação de trabalhos. A gestora se mostrou indignada com os profissionais da educação que lecionavam para os alunos que frequentavam a instituição. Em sua opinião, estes profissionais faziam vista grossa para as deficiências dos alunos que acabavam repercutindo nos espaços em que eles interagiam, como é o caso da instituição Integração Social. O comentário de Rodrigues é muito pertinente, pois percebemos que a educação pública escolar está cada vez mais sucateada, fruto de uma escola pública calcada na dualidade estrutural educacional: produtiva para o capital, formando novos trabalhadores e improdutiva para os estudantes (FRIGOTTO, 1989), negligenciando conteúdos aos alunos, desmotivando-os a continuar na conclusão dos estudos e, quando concluem os estudos, os conhecimentos adquiridos não os qualificam para ocupar os centros de excelência ou os melhores postos de trabalho criando o que o capitalismo mais preza: um exército de reserva para o setor empresarial. Soma-se a isso a falta de concursos periódicos para professores, que poderia evitar a contratação de professores menos experientes, melhorando o processo de ensino-aprendizagem. Porém o grande problema da educação pública atualmente é a falta de investimento do Estado o que vem acarretando grandes consequências à formação dos estudantes e à carreira dos 108 professores Na sequência é realizada a análise do último bloco de dados que investigou as condições dos trabalhadores das instituições do setor educacional de Três Lagoas. 4.4 Condição dos trabalhadores das instituições investigadas Perguntados sobre a relação com o voluntariado, os relatos dos gestores foram diversos. Norberto afirmou que a Espírito Luz é oriunda de um grupo espírita, e que os associados eram motivados a trabalhar pela caridade, a serem voluntários. Segundo ele, existiam cargos que eram remunerados, entretanto a direção do grupo, em grande medida era voluntária. Rodrigues disse gostar de trabalhar com voluntários, porém afirmou que muitos se esquecem da sua condição e queriam receber pelo seu trabalho, o que fez com que ela diminuísse seu interesse em trabalhar com eles. Disse trabalhar o espírito voluntário com seus próprios alunos, o que segundo a gestora estava gerando bons frutos. Marques relatou que o Espaço Criança não estimulava o trabalho com voluntários, pois os trabalhadores devem ser contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, em número suficiente para a realização das tarefas. Já Passos disse que a Diferenças não trabalhava com voluntários, pois quando existiam voluntários, eles acabavam sendo efetivados. Já Fernandes descreveu que o trabalho do grupo de voluntárias no Espaço Criança foi fundamental, pois as voluntárias compõem a direção da instituição e, quando não tinham auxílio financeiro do setor público, eram as próprias voluntárias com suas ações de levantar fundos que mantinham o trabalho filantrópico. Já para Cordeiro a questão do voluntariado na instituição Jesus Criança era vista com certo receio: A questão do voluntariado, ela é complicada. O voluntário não pode ter laços [empregatícios] e aí existe a CLT, existe uma questão assim: se você cria uma obrigatoriedade de dia de horário ou de trabalho, isso se torna caracterização de um vínculo empregatício. Então se existe este vínculo, ele deixou de ser voluntário então se cria problema. Então numa obra social até surgem pessoas com vontade de fazer um trabalho social, mas por conta deste possível vínculo, a nossa instituição não estimula a participação de voluntários. (CORDEIRO). Notou-se através do comentário de Cordeiro que a direção da Jesus Criança tem uma visão burocrática de gerência, pois analisando este argumento ao que tudo indica que para se fazer uma caridade você explora o trabalhador. Na instituição existiam as 109 festas mensais, que acabavam recebendo apoio de voluntários e dos próprios funcionários da instituição para sua execução, porém o perigo que retratou Cordeiro são os voluntários que desejavam executar atividades diárias, ou semanalmente, o que poderia acarretar num vínculo empregatício gerando encargos trabalhistas a instituição. Quanto ao perfil dos profissionais que atuavam nas instituições, percebeu-se a dualidade de níveis de formação, relativa à área de trabalho: para trabalhos que exigiam principalmente a capacidade física, ou seja, menos uso do trabalho intelectual, predominava-se a formação de nível fundamental e médio. Para trabalhos intelectuais que exigiam principalmente a capacidade mental, ou seja, menos uso do trabalho manual predominava-se a formação de nível técnico, graduados e pós-graduados. Todos os gestores afirmaram que o número de funcionários estaria de acordo com a demanda de trabalho exigido, pois foram contratados de acordo com a necessidade da instituição. Com relação à existência de rotatividade do quadro de funcionários das instituições, Passos argumentou não encontrar problema, porém outros gestores afirmaram existir problema, devido às instituições filantrópicas não terem condições de acompanhar os salários pagos no mercado de trabalho e também pelas condições de trabalho oferecidas. Cordeiro relatou porque existe esta rotatividade na Jesus Criança: Não, não se troca muito e quando troca vou te dizer os motivos: primeiro, nós temos um desgaste muito grande de trabalho, porque nós somos uma obra que ela trabalha de segunda a segunda, sendo que de segunda a sexta, ela trabalha das 7 horas da manha às 10 horas da noite e de sábado a domingo ela trabalha das 7 às 17 horas. Então este desgaste, principalmente dos funcionários de final de semana, tem um desgaste físico do funcionário muito grande. Então, o funcionário que trabalha em obra social ele precisa de uma dedicação diferente de qualquer outro trabalho. (CORDEIRO). Já Fernandes argumentou que além da rotatividade existente na instituição ocorrer pelos baixos salários, havia muitos profissionais formados para poucos postos de trabalho, o que desmotivava o profissional, sujeitando-o a encarar postos de trabalho subalternos à sua formação para manter a sua subsistência: 110 Outra coisa também nessa rotatividade desses funcionários é porque acabam se formando em pedagogia, e a dificuldade de se inserir no campo de trabalho, porque tem assim na prefeitura, no início do ano tem aquele processo seletivo, só que é muito difícil de entrar, acabam elas vindo com pedagogia trabalhar como monitoras, ai arruma às vezes alguma coisa melhor, que ganhe mais ai elas acabam saindo.[...] Agora tem duas pessoas aqui, que são pedagogas que estão trabalhando como monitoras, quanto tempo elas vão ficar aqui? Não é verdade? Então porque elas estão aqui, porque elas não se formaram pra serem monitoras, elas se formaram pra ser professoras, mas devido à dificuldade, que não é tão fácil assim, que você fala assim: to formado to garantido, não é bem assim. (FERNANDES). Após estes relatos, Rodrigues apresentou como deve ser o perfil dos trabalhadores de entidades filantrópicas: Começa pela questão financeira, então pra vir trabalhar numa entidade, a primeira coisa, não pode ter apego na parte financeira, porque senão não vem, o salário não compensa. [...] Então o perfil de entidade filantrópica, é você gostar de mexer com gente. Se não gostar não adianta, você pode pagar um monte de dinheiro, mas não vai ser aquele funcionário que você tá vendo que tá tratando como se fosse ele que estivesse sendo tratado, sabe? (RODRIGUES). Os gestores da Espírito Luz, Doce Infância e Diferenças argumentaram não existir dificuldades em encontrar profissionais com o perfil que a entidade procura, entretanto os outros gestores disseram encontrar dificuldades. Marques afirmou não ser fácil o processo de contratação de novos funcionários, uma vez que a absorção de mão de obra educacional pela prefeitura local é grande. Geralmente, os que estão desempregados são os que não conseguiram passar no concurso ou recém-formados, sem experiência o que, segundo a gestora, prejudicava o trabalho na instituição. Pôde-se observar uma contradição entre os comentários de Fernandes e de Marques com relação à falta de postos de trabalho no setor da educação. Enquanto Fernandes disse faltar postos de trabalho, o que facilitava encontrar profissionais para o trabalho na Doce Infância, Marques afirmou ser difícil, uma vez que a qualidade dos trabalhadores a disposição no mercado é baixa. Supomos que esta baixa qualificação está ligada à facilidade ao ingressar num curso superior. Em Três Lagoas existiam algumas instituições particulares que ministravam cursos de pedagogia com encontros presenciais e também na modalidade à distância, que muitas das vezes os alunos acabavam concluindo este curso sem o real interesse no trabalho, mas apenas para a obtenção de um diploma de nível superior. Muitos procuravam instituições privadas, pois a rotina de estudos era mais leve, em comparação a rotina de estudos do curso nas instituições federais públicas. Nesta 111 perspectiva, a facilidade de ingresso no curso superior prejudicava a formação dos futuros trabalhadores. As empresas privadas de ensino superior, com o foco mercadológico acabavam diminuindo o ritmo de estudos durante a graduação, com o intuito de não perder o cliente. Desta forma após a graduação, o graduado chocava-se com a realidade e percebia que não tinha se identificado com a nova profissão. Outro problema levantado por Rodrigues era que muitos trabalhadores visavam mais a parte financeira e não o interesse pelo trabalho social. A realidade da instituição Integração Social também foi sentida na instituição Jesus Criança. Conforme Cordeiro, a contratação de novos funcionários também era difícil na instituição por conta, segundo a gestora, da dedicação necessária do trabalhador, muitas vezes tendo que abrir mão da sua família, dos seus afazeres para se dedicar ao trabalho: Porque na realidade, o funcionário de obra social, ele não é funcionário só às oito horas de trabalho, porque se você trabalha, o público que você atende e a proposta que você tá fazendo de atendimento, ela é 24 horas entendeu, então quer dizer, você tem que se dedicar. (CORDEIRO). A partir destes dados pôde-se confirmar que o perfil dos trabalhadores de entidades filantrópicas é como descreveu a gestora Rodrigues: tem que gostar de trabalhar com pessoas, pois os salários são baixos, as condições de trabalho são precárias e exploradoras. Além destes problemas é importante citar o perfil da clientela atendida, que por ser de periferia apresentam diversas vulnerabilidades sociais, e o trabalho exige mediações constantes de conflitos sociais muitas vezes estressantes, pois é preciso trabalhar na base, com valores morais, éticos, afetivos, sugando todas as energias do trabalhador. Em instituições deste porte, a demanda de trabalho é excessiva: cada trabalhador exercia diversas funções, além de eventuais cobranças da direção, jornadas de trabalho extensas, atividades em feriados, pontos facultativos e finais de semana. O trabalho em instituições sociais acabava refletindo nas relações familiares dos trabalhadores, trazendo graves problemas no âmbito social e na saúde do trabalhador. Após a análise dos dados através das 6 instituições investigadas na pesquisa, a próxima seção objetivou trazer as conclusões do estudo, salientando como está calcado o trabalho das entidades do terceiro setor no município de Três Lagoas. 112 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do objetivo desta pesquisa, que foi analisar o papel do terceiro setor na política educacional brasileira e caracterizar o desenvolvimento das instituições públicas não-estatais presentes em Três Lagoas-MS foi possível apresentar as conclusões alcançadas durante o percurso de investigação desta pesquisa. Pôde-se evidenciar que a política social do terceiro setor ganhou legitimidade a partir do advento das políticas neoliberais no governo brasileiro. Sob a governança de Fernando Henrique Cardoso, o terceiro setor ganhou credibilidade no cenário social através do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado que defendeu a transferência do setor não-exclusivo do Estado para a sociedade civil, desresponsabilizando o governo brasileiro com a área social. Seu sucesso à presidência, Lula da Silva, deu continuidade ao processo de fortalecimento do terceiro setor. Apesar das instituições públicas não-estatais no Brasil estarem crescendo notouse que Três Lagoas não acompanhou este crescimento, pois não foi identificada instituições regularmente amparadas pela lei do terceiro setor (OSCIP n° 9790/99). Os gestores afirmaram ainda não ter conhecimento de tal legislação, o que nos faz concluir que esta legislação ainda não ganhou visibilidade no interior do Brasil, sendo mais notável nos grandes centros. Percebeu- se que as instituições surgiram da motivação particular de grupos que tinham como intuito ajudar as famílias em risco social, sendo caracterizadas como entidades filantrópicas, sem fins lucrativos. Os projetos educativo-pedagógicos desempenhados pelas entidades públicas não-estatais em Três Lagoas visavam amparar os grupos mais vulneráveis deste município, oferecendo acolhimento às crianças que os pais necessitavam trabalhar, assistência as pessoas com necessidades educativas especiais, além de cursos de formação profissional para jovens e adultos ingressarem no mercado de trabalho. Pudemos observar que 3 instituições públicas não-estatais em Três Lagoas tinha como foco educacional a formação para o trabalho. Estas entidades do município além de dar uma qualificação rápida, não se preocupavam em promover uma educação crítica da sociedade capitalista. O foco era na formação, na transmissão de conteúdos e técnicas direcionadas para o trabalho com que concorre para arrefecer a classe trabalhadora de eventuais descontentamentos com a situação da política social brasileira. 113 Em geral, o público atendido por estas instituições eram as famílias mais vulneráveis, localizadas nos bairros da periferia do município. Estas instituições, mesmo que não diretamente, acabaram sendo uma ferramenta de grande valia ao capital servindo como instrumento apaziguador de conflitos, pois acabavam silenciando as massas exploradas pelo capitalismo, mascarando a latente desigualdade social em que vive o trabalhador brasileiro. Foi possível notar que as instituições públicas não-estatais do setor educacional em Três Lagoas trabalhavam em sintonia tanto com o setor público, quanto com as empresas. Com relação ao Estado, esta parceria ocorre desde a entrada da política neoliberal no governo brasileiro. Apesar do neoliberalismo exigir cortes nas políticas sociais, pôde-se notar que o Estado não se desobrigou totalmente da sua responsabilidade pelo social. Ele financia o trabalho destas instituições, pois sabe que seria de sua obrigação promovê-las. Com esta ajuda financeira, o Estado descentralizou sua obrigação como gestor, transferindo à administração do trabalho as entidades públicas não-estatais. Pôde-se notar que as instituições filantrópicas em Três Lagoas, em sua maioria, surgiram em dois períodos marcados historicamente: Entre os anos de 1970 a 1990, marcado por um período crítico de políticas públicas sociais e a partir da década de 1990 com o advento das políticas neoliberais no Brasil. Em decorrência deste último período, os gestores confirmaram a nossa hipótese, de que os recursos financeiros começaram a surgir após os anos 90, devido a promulgação da Constituição Federal de 1988 e através da reforma do aparelho do Estado (1995). Desta forma, o Estado se eximiu da obrigação de arcar com as políticas sociais, porém não totalmente, pois concede as entidades subsídios fiscais e financeiros. Com relação a parceira entre instituições públicas não-estatais em Três Lagoas e as empresas observou que estas apoiavam as instituições não por mera identificação com a causa social das entidades, e sim devido à obrigatoriedade destas em investir recursos em ações sociais. Investiam em ações sociais para obterem abatimento do imposto de renda, e também como política de compensação a danos ambientais, entre outros, buscando mesmo que indiretamente lucrar com sua marca também no ambiente social através do marketing empresarial. Acreditamos que o real interesse das empresas em trabalhar em parceria com estas entidades em Três Lagoas era sempre o de almejar 114 lucros, fortalecendo sua marca através do apoio as instituições que já trabalhavam no âmbito social. Os gestores disseram que o trabalho de suas instituições contribuem para a diminuição do desemprego no município, qualificando os alunos e também por contratar funcionários para trabalharem em suas instituições. Isso nos levou à conclusão de Ricardo Antunes (1999), de que mesmo sendo postos de trabalho precários, estas instituições são uma alternativa efetiva e duradoura ao mercado de trabalho capitalista, cumprindo um papel de funcionalidade ao incorporar parcelas de trabalhadores desempregados pelo capital. Estas instituições reforçam as condições culturais e subjetivas com as quais o Estado e mercado devem funcionar, defendendo os interesses da lógica do capital. Tais movimentos sociais tentam apaziguar os conflitos e muitas empresas conhecendo esta jogada apoiam certas iniciativas a fim de defender seus interesses. São ações que acirram as desigualdades e ao mesmo tempo devem manter a classe dominada em pacificação. A pesquisa se comprometeu a responder várias outras questões, porém, nem todas puderam ser respondidas devido a limitações de tempo e espaço: A primeira lacuna foi não ter conseguido abordar nenhuma Organização não-governamental (ONG) regularmente cadastrada e com esta nomenclatura, por não ter conhecimento deste tipo de instituição no município que atuava no setor educacional. Outra lacuna do estudo ficou por conta de não poder investigar instituições do terceiro setor amparadas pela lei n° 9.790/99 pela sua inexistência no território da pesquisa. E por conta do tempo hábil ainda disponível para a elaboração da pesquisa não foi possível analisar as 6 instituições públicas não-estatais do setor educacional no seu cotidiano. Foi possível realizar apenas uma caracterização destas instituições, porém como pôde ser notado a caracterização destas entidades não prejudicou a execução do trabalho final. Para futuros estudos, nos proponhamos analisar o cotidiano destas instituições para encontrar novas pistas sobre o avanço das entidades públicas não estatais em Três Lagoas, que não puderam ser respondidas neste estudo. Também temos como proposta investigar se as instituições públicas não estatais em Três Lagoas têm ou não condições de se licenciarem como entidades do terceiro setor. Desta forma, concluímos este estudo afirmando que o debate dominante sobre o terceiro setor tornou-se funcional ao processo de reformulação do padrão de resposta as sequelas da questão social, propiciado no interior da estratégia neoliberal de 115 reestruturação do capital. Segmentando as lutas em setores distintos, como se o Estado fosse o primeiro setor, o mercado fosse o segundo setor e a sociedade civil o terceiro setor. (MONTAÑO, 2003). Assim, o sistema capitalista buscou esconder o verdadeiro fenômeno do surgimento do terceiro setor: eliminar os direitos sociais garantidos sobre forte pressão dos grupos sociais, mantendo os cidadãos alienados de seu processo de exclusão social assegurando os lucros capitalistas. Em suma, concluímos que não foi a crise do Estado-providência o que derivou no crescimento do chamado terceiro setor. Este último faz parte do mesmo movimento de transformação e (contra)reforma operada pelo neoliberalismo, sob o comando hegemônico do capital financeiro. O crescimento do chamado terceiro setor foi consequência direta e explícita do projeto neoliberal, simultaneamente com a redução do gasto social do Estado, e a desobrigação do capital do financiamento da política social. 116 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Mário Aquino. Terceiro setor: o dialogismo polêmico. 2002. 350f. Tese (Doutorado em Administração de Empresas). Escola de Administração de empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas. 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WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra o capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. 121 APÊNDICE 1 A POLÍTICA EDUCACIONAL DESENVOLVIDA PELO TERCEIRO SETOR NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS-MS ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O (A) GESTOR(A) DA INSTITUIÇÃO DADOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS 1. Nome do(a) gestor(a): 2. Sexo: 3. Formação profissional (graduação, pós-graduação): 4. Nome da instituição: I- RELAÇÃO ENTRE CRESCIMENTO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL E EM TRÊS LAGOAS 1. Como foi o processo de fundação desta instituição? 2. Qual a caracterização jurídica desta instituição? A formalização jurídica desta entidade foi alterada após a sua fundação? Por qual motivo? 3. A instituição mudou seu foco educacional para se adequar as exigências do setor público ou a tendência do mercado de trabalho? Justifique 4. A instituição é cadastrada em algum órgão público? 5. O trabalho desta entidade surgiu a partir de qual necessidade? Foi uma motivação particular dos fundadores ou uma necessidade do setor público e/ou empresarial? 6. Ao longo dos anos após sua fundação, foi possível notar alguma diferença com relação ao aumento de incentivos de ajuda a manutenção do trabalho nesta 122 entidade? A partir de que período (ano ou década) este estímulo financeiro pode ser notado com mais freqüência? 7. Em sua opinião quais as causas que elevaram o número de entidades que trabalham no setor educacional em Três Lagoas e no Brasil? II- RELAÇÃO TERCEIRO SETOR, SETOR PÚBLICO E O EMPRESARIADO 1. A instituição recebe benefícios fiscais/ isenção de impostos? Qual (ais) em que âmbito federativo, municipal, estadual ou federal? 2. A instituição possui algum convênio com o setor público? Em que órgão e que tipo de convênio? Pode nos informar o valor do convênio? 3. Em sua opinião, o setor público investe no seu trabalho com qual objetivo? 4. Esta instituição possui algum vínculo com o empresariado? Pode nos informar qual o tipo de recursos disponibilizados? Há alguma contrapartida dos parceiros para conceder os recursos? 5. Em sua opinião, o setor empresarial vincula-se ao seu trabalho com qual finalidade? 6. Há fiscalização, auditorias dos parceiros com relação aos investimentos realizados nesta instituição? 7. A instituição consegue se manter com os recursos recebidos? 8. Existe concorrência entre as instituições com relação a busca de recursos, alianças com a prefeitura, empresas ou entre novos alunos? 9. Quais são as maiores dificuldades que a instituição enfrentou ou ainda enfrenta? 10. Qual(is) os resultados que a instituição alcançou desde o início dos seus trabalhos? Pode citar alguns exemplos? 11. Quais as metas da instituição não foram alcançadas e por quais razões? 12. Que metas a instituição tem ainda por objetivo alcançar? III- A PROPOSTA PEDAGÓGICA E SUA RELAÇÃO COM O PÚBLICOALVO 1. Qual a motivação pela instalação da entidade neste bairro? 123 2. A sede em que esta instituição está instalada é própria? Como se deu o processo de edificação deste prédio? 3. Qual o perfil da clientela que freqüenta a instituição? 4. Quantos alunos são atendidos pela instituição? 5. É cobrada taxa de manutenção dos alunos? 6. Que projetos educativos são desenvolvidos com o público? 7. As empresas e/ou o setor público fornecem algum material didático que precisa ser executada pela entidade? Que tipo de recursos? 8. As atividades pedagógicas são formuladas com intuito de alcançar quais objetivos? 9. Qual parâmetro curricular ou referencial que norteia as atividades pedagógicas na instituição? 10. Quais são as contribuições pessoais adquiridas pelos envolvidos através do projeto educacional desenvolvido nesta instituição? 11. Quais as contribuições sociais deste projeto para a diminuição dos conflitos sociais e do desemprego no município? 12. De que maneira o trabalho educacional desenvolvido nesta instituição contribui para melhorar o nível social e educacional do município? IV-CONDIÇÕES DOS RECURSOS HUMANOS 1. Como é a relação da instituição com o voluntariado? Existe algum incentivo por parte desta instituição? Justifique 2. Quantos funcionários trabalham na instituição e qual a formação destes funcionários? 3. O número de funcionários que a instituição possui é ideal para a execução das atividades? Justifique 4. Há muita rotatividade de recursos humanos na entidade? Se houver a que motivo justifica? 5. Como é o processo de contratação de novos funcionários? É fácil encontrar profissionais com o perfil que a instituição procura? Justifique 124 APÊNDICE 2 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu ______________________________________________________________ fui convidado (a) a participar desta pesquisa de Dissertação de Mestrado, intitulada: “A política educacional desenvolvida pelo terceiro setor no município de Três LagoasMS”, que tem por objetivo investigar a constituição do terceiro setor em Três Lagoas”. Fui informado (a) que minha participação consistirá em responder, voluntária e gratuitamente, perguntas em entrevistas identificadas apenas por um código. Fui esclarecido (a) que tudo que disser poderá ser utilizado na pesquisa e em publicações com absoluto sigilo da minha identidade e das pessoas de quem falarei. Declaro que o pesquisador que me entrevistou leu e esclareceu todas as minhas dúvidas deste termo e quanto à minha participação na pesquisa, deixando claro que só assinasse este termo se me sentisse livre para participar e sabendo que terei liberdade para responder ou não às perguntas, ou para parar de respondê-las quando quisesse. Concordo em participar desta pesquisa e assinarei este termo em três vias, sendo que uma ficará comigo, outra com o pesquisador e a terceira com o orientador da pesquisa, o Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki. Fui informado(a), ainda que caso necessite de maiores esclarecimentos, poderei ligar para o telefone (67) 3522-0674 e falar com o Leandro Dias Gomes, autor desta pesquisa, ou poderei ligar para o telefone (67) 3509-3400 para falar com o orientador Hajime. Poderei também ligar para o telefone (67) 3345-7187 e procurar algum representante do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Declaro que recebi todas as informações acima e que participarei desta pesquisa de forma livre e esclarecida. Três Lagoas,_________de_______________________de 2013 _____________________________________ Assinatura do (a) Entrevistado (a) ____________________________________ Assinatura do Pesquisador