Boletim Epidemiológico - Categorização da Violência Interpessoal / Autoprovocada por Ciclos de Vida. Coordenação de Vigilância Epidemiológica de Violências e Acidentes, VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO. Fevereiro, 2015 Introdução O Ministério da Saúde lançou em 2014 a nova ficha de coleta da vigilância contínua, a Ficha de Notificação de Violência Interpessoal/Autoprovocada, substituindo a Ficha de Notificação de Violência Doméstica, Sexual e Outras Violências. A nova ficha mantém a notificação de casos suspeitos ou confirmados de violência doméstica/ intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil e intervenção legal e traz como diferencial a notificação de casos de violências homofóbicas contra mulheres e homens em todas as idades1. A nova versão do SINAN (5.0), liberada desde outubro de 2014, pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (MS), já integra a nova ficha. Foram inclusos nesta os seguintes campos: a) nome social (campo 31); b) orientação sexual (campo 34); c) identidade de gênero (campo 35); d) essa violência foi motivada por (campo 53); e e) ciclo de vida do provável autor da agressão (campo 62). Essas alterações buscam atender ao disposto na Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT), ampliando o objeto da notificação, incorporando as violências por motivação homo/lesbo/transfóbica. Alguns campos foram retirados, visto que após análise do banco de dados, esses eram subutilizados ou não geravam informação para ação1,3. A notificação da violência interpessoal/autoprovocada é compulsória, ou seja, a comunicação à autoridade de saúde é obrigatória e deve ser realizada por todos os profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, sobre a ocorrência de suspeita ou confirmação da violência2,3. Segundo a Portaria GM/MS Nº 1.271 de 06 de Junho de 2014, os casos de tentativa de suicídio e violência sexual passam a ser de Volume 3, n° 1, pag.01-06 notificação imediata no âmbito municipal, devendo ser realizada em até 24 (vinte quatro) horas após o atendimento. A comunicação se dará a partir de fluxo definido pela vigilância local, onde o serviço de saúde comunica por telefone, fax, ou outro meio especificado à vigilância municipal. É importante a agilidade desse fluxo para garantir que a vigilância tenha conhecimento desses casos e eles sejam encaminhados ao segmento adequado o mais rápido possível2,3 . Justifica-se a inclusão desses dois itens na lista de agravos de notificação imediata pelo município, considerando a importância de tomada rápida de decisão, no caso da tentativa de suicídio; o encaminhamento e vinculação do paciente aos serviços de atenção psicossocial, de modo a prevenir que o mesmo se concretize, e no caso da violência sexual, vem no sentido de agilizar o atendimento à vítima e seu acesso à contracepção de emergência e às medidas profiláticas de doenças sexualmente transmissíveis e hepatites virais em até 72 horas da agressão, o mais precocemente possível2,3. Para o registro da notificação de violência interpessoal e autoprovocada no Sinan 5.0 utiliza-se o código genérico Y09 – agressões por meio não especificado da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde CID-10, visto que a ficha de notificação de violências é única para diversos tipos e naturezas de violências, embora a CID-10 classifique as lesões autoprovocadas voluntariamente no agrupamento X60 – X84 e os casos de violência sexual nos códigos Y05 e Y07. A análise das notificações de violências não é feita segundo a categoria da CID-10, mas sim por tipologia da violência, a saber: intrafamiliar/doméstica, extrafamiliar/ comunitária, autoprovocada, institucional e segundo a natureza da violência: física, negligência/abandono, sexual, psicológica/ moral, dentre outras3. 1 Segundo o Relatório Mundial da OMS, de 2002, a Violência Interpessoal se desdobra em intrafamiliar e comunitária, sendo esta última também denominada de violência urbana. Em casos de violência extrafamiliar/comunitária/urbana, somente serão objetos de notificação, as violências contra crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, pessoa com deficiência, indígenas e população LGBT 1. A violência intrafamiliar é todo ato ou omissão praticada por pais, parentes ou responsáveis, contra criança, adolescente, idoso, pessoa com deficiência, ou por um cônjuge contra o outro, sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima. A violência doméstica difere da violência intrafamiliar por incluir pessoas que convivem no espaço doméstico sem função parental, como por exemplo; empregados (as), pessoas que convivem esporadicamente e agregados (as). Quanto à violência autoprovocada ou infligida, incluem as tentativas de suicídio, suicídio, autoflagelação, autopunição, automutilação4. Objetivo Este boletim tem como objetivo analisar a proporção de casos notificados de violência interpessoal / autoprovocada no Estado de Goiás, a partir do ciclo de vida, sexo e tipologia de violência sofrida pela vítima e ainda do provável autor da agressão. 2009 950 Notificações 19 Municípios Notificantes 227 Municípios Silenciosos Metodologia Os dados foram analisados a partir das fichas de notificação de violência doméstica, sexual e outras violências como também da nova ficha de violência interpessoal/ autoprovocada, digitadas no banco de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), no período de janeiro a dezembro de 2014. A extração dos dados foi realizada em fevereiro de 2015. As faixas etárias foram classificadas conforme a Organização Mundial da Saúde, que define como criança, a faixa etária compreendida entre 0 e 9 anos, pré-adolescentes e adolescentes, entre 10 e 19, adultos entre 20 e 59 e idosos, 60 anos ou mais. Resultados Os resultados demostraram um importante incremento tanto no número de notificações, quanto no número de municípios notificantes no período de 2009 a 2014, representando um aumento percentual de 556,53% notificações (950 para 5.287) e 726,31% municípios notificantes de violência em Goiás (19 para 138) nesse período (Figura 1). Embora esse aumento seja significativo o mesmo não representa a realidade do Estado, uma vez que 43,90% dos municípios estão silenciosos, ou seja, não registraram nenhuma notificação de violência, em 2014, além de haver municípios subnotificantes, com baixo número de notificações, comparado ao número populacional dos mesmos. 2014 5.287 Notificações 138 Municípios Notificantes 108 Municípios Silenciosos Figura 1. Distribuição dos Municípios Notificantes e Silenciosos de Violência Interpessoal/Autoprovocada, Goiás, 2009 e 2014. Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO (Extraído em 23/02/2015). 2 A presente edição desse boletim epidemiológico pretendeu monitorar além do panorama geral das notificações no último ano e dos municípios notificantes, os dados por categorização dos eventos de violência interpessoal/autoprovocada, comparando a tipologia da violência sofrida por ciclo de vida com o provável autor da agressão. Analisando assim a natureza da violência mais acometida nas categorias criança, adolescente, adulto e idoso. Categorização dos Eventos de Violência Interpessoal/Autoprovocada por Ciclos de Vida Criança (0 a 9 anos de idade) Dentre as crianças menores de 10 anos de idade, a negligência foi o tipo de violência mais prevalente (39,53%), seguido de violência física (27,27%) e sexual (19,35%), sendo que no caso das negligências e física o maior número de casos ocorreu no sexo masculino, enquanto na sexual, no sexo feminino. Observa-se que na maioria das notificações nesta faixa etária, o provável autor da agressão tratava-se de um familiar e dentre esses a mãe foi a mais comum, em mais de 35 % dos casos registrados. Adolescente (10 a 19 anos) 1000 500 900 450 800 400 363 700 218 350 600 300 500 146 250 400 200 300 150 200 100 259 181 74 68 50 18 24 Violência Psicológica Outras 0 Física Negligência/Abandono Física Sexual Masculino Psicológica Masculino 79 89 39 17 Sexual 0 48 147 100 50 39 24 48 Negligência/Abandono Lesão Auto Provocada Outras Feminino Feminino Figura 2. Distribuição do número absoluto das notificações de violência interpessoal/autoprovocada segundo tipo de violência contra criança (0 a 9 anos) Goiás, 2014. Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO Figura 4. Distribuição do número absoluto das notificações de violência interpessoal/autoprovocada segundo tipo de violência contra adolescente (10 a 19 anos) Goiás, 2014. Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO 600 450 400 565 164 256 399 503 500 350 400 300 248 250 300 260 204 200 192 200 150 127 130 100 116 110 106 100 60 53 50 30 0 0 Pai Mãe Desconhecido (a) Amigos/conhecidos Cuidador (a) Padrasto Outros Amigos/conhecidos Desconhecido (a) Relação afetiva Pai Própria pessoa Mãe Outros Figura 3. Distribuição das Notificações de Violência Interpessoal/Autoprovocada segundo o provável autor da agressão, contra criança (0 a 9 anos), Goiás, 2014. Figura 5. Distribuição das Notificações de Violência Interpessoal/Autoprovocada segundo o provável autor da agressão, contra adolescente (10 a 19 anos), Goiás, 2014. Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO 3 A violência mais frequente na faixa etária de 10 a 19 anos foi a física (54,07%), seguida da sexual (16,06%) e psicológica (10,83%). A figura 4 mostra um predomino de notificações do sexo masculino (60,82%) na violência física e do sexo feminino na violência sexual (93,84%) e psicológica (79,03%). Na maior parte das notificações, nesta mesma faixa etária o perpetrador da violência tratava-se de um desconhecido em 35,50% dos casos, seguido de amigo/ conhecido, com 18,35%. Na faixa etária de 20 a 59 anos de idade, a violência física foi responsável por mais de 60% das notificações. Houve um maior registro do sexo feminino em todas as categorias de violências nessa faixa etária. O provável autor da agressão foi uma pessoa com relação afetiva (cônjuge, ex-cônjuge, namorado, ex-namorado) em 33,30% das notificações, seguido de desconhecido com 24,83%. Adulto (20 a 59 anos) Idoso (60 anos e mais) 250 2500 200 2000 79 150 1500 1332 88 100 1000 78 130 50 500 26 56 778 439 217 92 0 Física Psicológica 10 Sexual Masculino 136 88 Lesão Auto Provocada 140 91 18 Tortura Negligência/Abandono 66 Física 40 6 14 11 10 18 0 Financeira/Econômica Outras Violências Lesão Auto Provocada Psicológica Outras Masculino Feminino Feminino Figura 6. Distribuição do número absoluto das notificações de violência interpessoal/autoprovocada segundo tipo de violência contra adulto (20 a 59 anos) Goiás, 2014. Figura 8. Distribuição do número absoluto das notificações de violência interpessoal/autoprovocada segundo tipo de violência contra idoso (60 anos a mais) Goiás, 2014. Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO 900 800 180 802 160 157 700 140 598 600 120 500 100 377 400 80 68 301 300 258 60 47 46 200 40 100 33 32 72 17 20 0 Relação afetiva Desconhecido (a) Amigos/conhecidos Própria pessoa Irmão (a) Outros 0 Desconhecido (a) Filho (a) Figura 7. Distribuição das Notificações de Violência Interpessoal/Autoprovocada segundo o provável autor da agressão, contra adulto (20 a 59 anos), Goiás, 2014. Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO Amigos/conhecidos Própria pessoa Relação afetiva Cuidador (a) Outros Figura 9. Distribuição das Notificações de Violência Interpessoal/Autoprovocada segundo o provável autor da agressão, contra idoso (60 anos a mais)Goiás, 2014. Fonte: SINAN/VIVA/GVE/SUVISA/SES-GO 4 Referente à população com 60 ou mais anos de idade, houve predominância da violência física com 37,59% das notificações, seguida de negligência com 25,90%, sendo o filho o provável autor da agressão na maior parte dos registros (39,25%). Discussão e Conclusão Houve um aumento na proporção anual dos casos de violência interpessoal/ autoprovocada registrados no SINAN, desde sua implantação. Uma das explicações pra esse avanço está relacionado às capacitações / supervisões realizadas pela vigilância epidemiológica desse agravo ao longo desse período. Paralelo à este incremento os resultados apontam também para a necessidade de prosseguir com o incentivo da notificação desse agravo nos municípios goianos, como também da educação continuada, uma vez que 43,9% dos municípios estão silenciosos além daqueles que subnotificam. Durante o ano de 2014 avaliamos que dentre o total dos casos de violência interpessoal/autoprovocada registrados em Goiás, as mulheres configuram-se como as principais vítimas em todos os ciclos de vida, essa diferença torna-se mais evidente na faixa etária adulta, de 20 a 59 anos. Em relação à tipologia da violência a negligência/abandono foi a violência mais comum na infância, e a violência física nos demais ciclos de vida. Na violência contra o idoso a negligência aparece em segundo lugar. Quanto à violência sexual mais de 70% dos casos na infância acontecem no sexo feminino, o mesmo ocorre na adolescência e fase adulta em mais de 90% dos casos notificados. Um aspecto confirma as pesquisas nacionais de violência doméstica que revelam que o provável autor da agressão na infância geralmente é alguém da família. Em Goiás, os pais aparecem em primeiro e segundo lugar como os maiores perpretadores da violência nessa etapa da vida com quase 60% dos casos atendidos. A faixa etária adulta de 20 a 59 anos, revela a violência de gênero contra a mulher, uma vez que o maior autor da agressão nesse ciclo de vida é o cônjuge, ex-conjuge, namorado ou ex-namorado. Na terceira idade temos o filho como autor mais prevalente da agressão. Observamos que a violência intrafamiliar/doméstica é prevalente em todos os ciclos de vida com exceção da adolescência, faixa etária em que se predomina a violência física perpetrada por desconhecidos em primeiro lugar e amigos/conhecidos em segundo, o que demonstra um maior registro de violência urbana nessa faixa etária. Frente a análise realizada vemos que os desafios são muitos. Espera-se com a divulgação deste boletim, garantir o feedback aos municípios notificantes, contribuindo com informações que possam efetivamente promover atenção integral às pessoas em situação de violência seja qual for o ciclo de vida, além de estimular a notificação dos municípios silenciosos e subnotificantes. Referências Bibliográficas 1. BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde: Instrutivo para Preenchimento da Ficha de Notificação de Violência Interpessoal/Autoprovocada. Brasília, 2015. 2. BRASIL, Ministério da Saúde, Portaria GM/ MS nº 1.271, de 06 de junho de 2014. Define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. Brasília, 2014. 3. BRASIL, Portal da Saúde, Ministério da Saúde: Orientações sobre a notificação de violência doméstica, sexual, tentativa de suicídio e de outras violências, no âmbito da Portaria GM/MS nº 1.271, e alterações na ficha de notificação de violências no SINAN versão 5 5.0: (link: http://portalsaude.saude.gov.br/ index.php/notificacao-de-violenciainterpessoal-autoprovocada ) 4. Brasil, Ministério da Saúde. Violência Intrafamiliar. Orientações para a Prática em Serviço. Caderno de Atenção Básica Nº 8. Série A – Normas e Manuais Técnicos; nº 131, Brasília, 2002. EXPEDIENTE Boletim da Coordenação Estadual de Vigilância Epidemiológica de Violências e Acidentes (VIVA) / Gerência de Vigilância em Saúde (GVE). Ano II, Nº 1, Fevereiro, 2015. Estado de Goiás - Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO). Superintendência de Vigilância em Saúde (SUVISA). Endereço: Avenida 136, Q. F44, L. 22/24, Ed. César Sebba, 5º andar – Setor Sul – GoiâniaGoiás. CEP: 74.093-250 Correio eletrônico: [email protected] Autoras: Maria de Fátima Rodrigues Helen Cristina da Silva Colaborador: Valdir Geraldo de Paula Albernaz Revisão Técnica: Magna Maria de Carvalho 6